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Introdução
1
Para um mapeamento das estatísticas nacionais sobre o sistema de justiça brasileiro, ver Sadek e Oliveira
(2012).
2
As 11 edições referentes aos anos de 2003 a 2013 estão disponíveis em:
<http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros>. Acesso em: 20 ago. 2015.
3
As edições podem ser encontradas no portal <http://www.acessoajustica.gov.br/pub/>. Acesso em: 20
ago. 2015.
e-ISSN 1807-0191, p. 318-349 OPINIÃO PÚBLICA, Campinas, vol. 22, nº 2, agosto, 2016
http://dx.doi.org/10.1590/1807-01912016222318 OPCampinasV22N2
319
utilizar o sistema quando vivenciam conflitos). Nossa análise lida apenas com indicadores
de comportamento, e nosso interesse está nos eventos passíveis de resolução via Justiça
Cível.
Iniciamos recuperando definições e entendimentos de acesso à justiça e aspectos
teórico-metodológicos que informam surveys conduzidos em contextos internacionais que
buscaram mensurar esse acesso (via indicadores subjetivos de comportamento),
discutindo o que vem sendo medido e como essas medidas são realizadas, destacando os
desafios postos às pesquisas futuras.
Na sequência, observamos detidamente o contexto brasileiro, a partir do principal
esforço de produção desse tipo de indicadores, via IBGE, no suplemento "Vitimização e
Justiça" (PNAD, 2009), e apresentamos uma proposta de mensuração que se baseia na
combinação de elementos da metodologia de eventos judicializáveis (Genn, 1999) e
elementos da metodologia de processamento de disputas (Felstiner, Abel e Sarat, 1980),
duas abordagens que informam atualmente a maioria das pesquisas norte-americanas e
europeias nessa temática, mas levando em conta as especificidades do contexto
brasileiro.
4
Na leitura de Sandefur (2008), Cappelletti e Garth cunharam o slogan "acesso à justiça" em um momento
histórico de grande otimismo sobre a capacidade da lei para reduzir desigualdades, não apenas no uso de
meios legais para resolver conflitos, mas no âmbito social e econômico mais geral (Sandefur, 2008, p.
340).
5
Duas das principais referências nessa abordagem são Marks (1976) e Curran (1977).
entrevistados se passaram por esses problemas listados e, uma vez que tivessem
passado, se buscaram aconselhamento legal para resolvê-los.
A crítica feita a esses estudos é de que não tratariam do acesso à justiça
propriamente, e sim do acesso aos serviços legais de advogados. Segundo Genn (1999),
a principal limitação da abordagem de necessidades jurídicas não atendidas está no
enfoque de problemas tradicionais levados à advocacia privada, supondo, portanto, que o
recurso a advogados é a melhor solução para tais problemas. Na visão da autora, esses
estudos deveriam ser lidos como uma busca por mensurar não o acesso à justiça, mas
sim a mobilização de medidas legais formais por meio de profissionais da área jurídica.
Se a década de 1970 impulsiona a busca de mensuração da acessibilidade dos
sistemas jurídicos, visando estimar as necessidades legais que existem na sociedade, a
década de 1980 é, na leitura de Albiston e Sandefur (2013), um marco de inovação, com
o CLRP (Civil Litigation Research Project), sediado na Universidade de Wisconsin, nos
Estados Unidos6.
Segundo as autoras, antes do CLRP as pesquisas assumiam os conflitos como
objetos encontrados no mundo e enfocavam meios justos e eficientes para resolver as
disputas civis que chegavam aos tribunais. Já a partir desse projeto, passou-se a
privilegiar a dimensão de construtos sociais dos potenciais conflitos legais e suas
trajetórias até os tribunais. No survey conduzido pelos pesquisadores do CLRP foram
entrevistadas famílias, visando identificar se elas tinham enfrentado problemas
potencialmente jurídicos (os problemas foram classificados de acordo com o tipo de
queixa, agregados em nove categorias gerais, envolvendo discordâncias sobre contratos,
discriminação, lesões a direitos do consumidor, entre outros), e àquelas que vivenciaram
algum desses problemas, indagou-se a respeito do desenrolar dos eventos e de sua
chegada ou não aos tribunais (Albiston e Sandefur, 2013, p. 103).
É no CLRP que Felstiner, Abel e Sarat (1980) desenvolvem a abordagem do
processamento de disputas (dispute processing research 7 ), concentrando-se em um
subconjunto de problemas que as pessoas percebem como pessoalmente prejudiciais e os
atribuem a um terceiro culpado. Nessa abordagem, a concepção de acesso à justiça é a
de um processo de "nomeação, responsabilização (culpabilização) e reivindicação", que
consiste em reconhecer uma situação vivenciada como prejudicial (uma lesão), identificar
um outro responsável pelo prejuízo e confrontar esse outro em busca de reparação ou
remédio, com a possibilidade de busca e acesso a uma solução por meio da justiça formal
ou de outro terceiro idôneo.
Felstiner, Abel e Sarat (1980) destacam que a escolha do caminho de ação (ou
inação) ante o prejuízo envolve a participação de família, amigos, colegas de trabalho e
organizações, que influenciam a forma como as pessoas interpretam suas experiências e
avaliam suas opções de resposta.
6
Para detalhes sobre o projeto, ver Grossman e Trubek (1980-1981, p. 395-399).
7
Ver Sandefur (2008, p. 342).
8
Tradução da expressão inglesa "justiciable events".
9
No original, "I would like to ask you about different sorts of problems you (husband, wife, partner) might
have had. Please only include problems that you have had yourself, not situations where you helped
somebody else with their problems. We are interested in those problems you have experienced as an
individual, not those experienced by you as employer or any business you might run. We are also only
interested in problems you have had since the age of 18."Since [DATE], have you had any problems or
disputes that were difficult to solve to do with...".
10
No original "thinking of the (most recent/ 2nd most recent/ 3rd most recent) PROBLEM, did you (or your
husband/wife/partner) do any of the hints on this card to try to resolve it? [CARD]: 1. Talked or wrote to
the other side about solving the problem; 2. sought advice about trying to solve the problem; 3. threatened
other side with legal action; 4 went to court, tribunal or arbitration/started a court case or arbitration; 5.
went to mediation of conciliation; 6. took the problem to an ombudsman; 7. took some other kind of action
to try to solve the problem; 8. did nothing.
O survey na Escócia apontou que 26% dos entrevistados vivenciaram pelo menos
um problema de difícil solução – o survey da Inglaterra, conduzido alguns anos antes,
também por Genn, apresentou gama maior de pessoas que relataram problemas, 40%.
Na Inglaterra, entre os que vivenciaram problemas, a principal estratégia adotada foi
tentar resolver o problema diretamente (68%), sem o intermédio de aconselhamento ou
ajuda legal, sendo que apenas 20% escolheram o caminho das cortes.
Para além do objetivo descritivo de levantar a incidência de experiências com
eventos de Justiça Cível e dos caminhos de gestão de conflitos adotados, essas pesquisas
buscam explicar a escolha pelo uso do sistema estatal de justiça, focando nas barreiras
de acesso e discutindo formas de superá-las. Elementos de estrutura social são
priorizados nessas pesquisas, identificando como variáveis explicativas para as barreiras
de acesso à justiça estatal as características socioeconômicas, notadamente, renda e
escolaridade. Mas fatores de informação e motivação também são levados em conta,
considerando a consciência e o reconhecimento de que determinado problema
caracteriza-se como um conflito potencialmente jurídico, passível de resolução via justiça
formal, e a vontade e a disponibilidade para iniciar uma ação judicial para solucionar esse
problema, além do conhecimento das instituições formais de justiça, sua localização e a
confiança que se tem nelas.
O conjunto de pesquisas tem mostrado que o tipo de conflito vivenciado, assim
como o local de moradia, também ajuda a explicar a utilização das instituições formais de
justiça.
É exatamente por isso que essas pesquisas representaram uma superação dos
estudos realizados sob a ótica do Florence Project, que via nas questões processuais, na
relação com advogados e com as instituições do sistema de justiça variáveis explicativas
do acesso à justiça, já comentados anteriormente.
Em texto recente sobre o estado da arte da mensuração do acesso à justiça,
Albiston e Sandefur (2013) destacam que o aprendizado acumulado em quatro décadas
na tentativa de mensurar acesso à justiça nos ensina que a maioria das pessoas que
experimentam algum problema de justiça não recorre a advogados ou ao sistema formal
de justiça em busca de reparação, e isso independentemente do seu nível de renda.
Nesse sentido, o desafio que entendem estar posto a esse campo de estudos é o de
trabalhar com uma compreensão mais ampla, tanto do que significa acesso à justiça
quanto do que a falta de acesso implica.
Na leitura de Albiston e Sandefur (2013), é preciso deixar de pensar políticas
públicas de acesso à justiça como políticas de combate à pobreza unicamente, e voltar o
olhar para a sociedade como um todo, visando entender como as pessoas pensam e
agem sobre suas experiências potencialmente judicializáveis, enquadrando o acesso à
justiça como uma questão universal, em vez de uma preocupação limitada a grupos
estigmatizados ("excluídos" ou "hipossuficientes"). Esses autores defendem que a
investigação dos determinantes das barreiras de acesso deve considerar não apenas
variáveis socioeconômicas, mas também os significados sociais construídos em torno da
as previamente listadas.
Onde tentou buscar a solução do seu conflito? 1. Justiça (foi movida uma
ação judicial formal); 2. Juizado Especial (antigo Juizado de Pequenas
Causas); 3. Amigo/parente; 4. Polícia; 5. Igreja; 6. Procon (Programa de
Orientação e Proteção do Consumidor); 7. Sindicato/associação; 8. Outro
(especifique); 9. Não buscou solução (PNAD, 2009, p. 71).
Qual foi o principal motivo de a justiça não ter sido procurada? 1. Custaria
muito caro; 2. Era muito longe; 3. Por falta de provas; 4. Demoraria muito;
5. Cabia à(s) outra(s) parte(s) iniciar(em) a ação; 6. Por medo da(s)
outra(s) parte(s) envolvida(s); 7. Resolveu o problema por meio de
mediação ou conciliação – Ou seja, resolveu o problema por meios
alternativos de resolução de conflitos ou mecanismos de autocomposição; 8.
Não acredita na justiça; 9. Não sabia que podia utilizar a justiça; 10. Outros
(Especifique) – Quando o motivo não se enquadrar entre os anteriores
(PNAD, 2009, p. 71).
Quase metade das pessoas tiveram seus conflitos solucionados (49,2%), sendo a
maioria no intervalo de tempo de um ano.
O Procon ficou com a posição de principal responsável por conflitos solucionados
no período, com 69,4% das menções. E a justiça foi a que menos solucionou conflitos –
56,5% das pessoas que buscaram esse caminho não haviam encontrado solução para o
problema até o momento da entrevista.
Os dados da PNAD permitem também observar que, quanto maior o nível de
escolaridade e as faixas de rendimento mensal domiciliar per capita, maiores são os
percentuais de pessoas que vivenciaram situação de conflito no período, assim como é
maior a proporção dos que buscaram o caminho da justiça, reforçando as características
socioeconômicas como importantes preditores de acesso à justiça.
Outra iniciativa de criar indicadores subjetivos de acesso à justiça vem do Ipea,
via projeto Sistema de Indicadores de Percepção Social (Sips), de 2011. Essa pesquisa
indagou acerca do problema "mais sério" que o entrevistado alguma vez enfrentou, a
partir de uma lista estimulada de 13 situações.
Embora o filtro de trivialidade do Ipea seja mais ameno que o utilizado na PNAD,
ainda assim pode levar ao viés de subnotificação de outras situações consideradas
"menos sérias" e a não abranger necessariamente acesso e uso das instituições formais
de justiça, pelos mesmos motivos já mencionados no caso da formulação da pergunta do
questionário da PNAD.
11
O Índice de Confiança na Justiça Brasileira, projeto coordenado por Luciana Gross Cunha na FGV Direito
São Paulo, foi concebido para medir a opinião pública sobre o desempenho judicial no Brasil desde 2009. A
população-alvo da pesquisa são brasileiros e brasileiras a partir de 18 anos de idade, residentes em áreas
urbanas. A amostra é distribuída pelos sete estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco,
Bahia, Rio Grande do Sul e Amazonas) e o Distrito Federal, que, juntos, representam cerca de 55% da
população do país, de acordo com dados do Censo do IBGE 2010. A base de amostragem foi construída a
partir de um intervalo de 95% de confiança e erro absoluto de 2,5%, fixando o tamanho da amostra em
1.670 respondentes a cada trimestre. As entrevistas são realizadas por telefone, celular e fixo, a partir de
um questionário de 25 minutos de duração. Os relatórios podem ser acessados pelo link:
<http://direitogv.fgv.br/en/publicacoes/icj-brasil>.
Gráfico 1
Entrevistados que declararam ter utilizado o Judiciário
ou ingressado com ação na justiça (%)
60
49 50
50 45 46 45
40
30
20
10
0
2010 2011 2012 2013 2014
Gráfico 2
Entrevistados de acordo com a quantidade declarada de ações (%)
1 2 ou mais
100
80 42 46 48 44
49
60
40
58 54 51 52 56
20
0
2010 2011 2012 2013 2014
Tabela 1
Ação ou processo na justiça por data de ingresso (%)
2010 2011 2012 2013 2014
Até 1999 14 13 9 9 8
médicas de um acidente de trabalho"; "fui demitido sem justa causa"; "erro no cálculo
para pagamento de aposentadoria"; "recebi conta de telefone com valor muito alto"; etc.
Os três temas mais recorrentes ao longo de todos os anos da pesquisa estiveram ligados
às esferas de trabalho, consumo e família, em sintonia com as pesquisas anteriormente
mencionadas.
Tabela 2
Tipo de Judiciário utilizado (%)
2011 2012 2013 2014
Justiça comum/juizados 58 68 65 64
Justiça do Trabalho 32 28 29 30
Tabela 3
Área do problema que foi levado à justiça (%)
Trabalho 37 40 39 34 35
Consumo 21 23 24 23 26
Família 21 17 16 23 16
Criminal 5 5 5 5 4
Trânsito 5 5 5 4 4
Não lembra 3 3 3 2 3
Outro (erro médico, poder público,
7 8 9 9 12
vizinhos)
Base (n) 2.117 3.044 3.329 3.057 2.027
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no Brasil,
FGV (2010-2014).
Gráfico 3
Entrevistados de acordo com resolução do caso (%)
Sim, ganhou a ação Não, perdeu a ação Ainda não, pois causa não foi julgada
100
90
80 42 41 42 41 40
70
60
9 8 9 8
50 11
40
30
47 49 50 50 51
20
10
0
2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no
Brasil, FGV (2010-2014).
Base: 2010: 2.117 entrevistas; 2011: 3.044 entrevistas; 2012: 3329 entrevistas; 2013: 3.057
entrevistas; 2014: 2.027 entrevistas.
Gráfico 4
Entrevistados de acordo com satisfação com a justiça (%)
100 2 2 1 2 3
80 47 48
49 50 50
60
40
20 51 49 48 50 47
0
2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na
Justiça no Brasil, FGV (2010-2014).
Base: 2010: 2.117 entrevistas; 2011: 3.044 entrevistas; 2012: 3329 entrevistas;
2013: 3.057 entrevistas; 2014: 2.027 entrevistas.
Gráfico 5
Entrevistados que declararam ter consultado advogado (%)
80
69 67
64 66
70 62
60
50
40
30
20
10
0
2010 2011 2012 2013 2014
Gráfico 6
Entrevistados que declararam ter consultado advogado por
tipo (particular ou defensoria pública) (%)
60
40 86 84 88
73 78
20
0
2010 2011 2012 2013 2014
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na
Justiça no Brasil, FGV (2010-2014).
Base: 2010: 3.013 entrevistas; 2011: 4.108 entrevistas; 2012: 4.499 entrevistas;
2013: 4.205 entrevistas; 2014: 3.090 entrevistas.
Gráfico 7
Entrevistados que declararam conhecer e
já ter utilizado Procon (%)
Conhece Já utilizou
100 92 95 94 94 95
90
80
70
60
50
40
30 18 20 19
18 17
20
10
0
2010 2011 2012 2013 2014
Gráfico 8
Entrevistados de acordo com satisfação com o Procon (%)
100 2 2 1 2 1
90
80
70
65 73 72 69 72
60
50
40
30
20 33 25 27 29 27
10
0
2010 2011 2012 2013 2014
Gráfico 9
Entrevistados que declararam ter vivenciado conflito (%), e entrevistados que
declararam ter procurado a justiça por área do conflito (%)
30
23 24
25 21 21 20
20 17 17
15 15 15
15 11 11
10 9 10
9 10 10 11 9 10 11 10
9
10 6 7
6 6 5 5
5
0
VivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciouVivenciou
e foi ao e foi ao e foi ao e foi ao e foi ao
PJ PJ PJ PJ PJ
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no Brasil,
FGV (2010-2014).
Base: 2010: 4.685 entrevistas; 2011: 6.213 entrevistas; 2012: 6.509 entrevistas; 2013: 6.629
entrevistas; 2014: 6.623 entrevistas.
*PJ = Poder Judiciário.
Tabela 4
Vivência de conflitos, de acordo com renda domiciliar e escolaridade (%)
Faixas de renda domiciliar Escolaridade
Total Até 1 +1a4 +4a8 +8a12 +12
Baixa Média Alta
SM SM SM SM SM
Consumo:
cobrança
18 9 19 15 19 31 14 20 30
abusiva
telefonia
Saúde pública 12 13 14 12 8 4 14 12 3
Consumo:
cobrança 9 4 8 8 11 17 6 12 14
abusiva banco
Vizinhança 8 8 7 6 14 10 6 9 11
Família 6 11 6 6 2 4 6 7 2
Consumo:
produto 6 6 5 8 5 11 5 7 11
avariado
Trabalhista 4 3 4 3 2 7 3 4 4
Plano de saúde 4 1 3 5 7 10 2 5 10
12
As situações foram apresentadas da seguinte maneira: "a) Passou por algum conflito de família, como
separação, divórcio, guarda dos filhos, pensão alimentícia? b) Teve algum conflito com vizinhos, por causa
de barulho, reforma, lixo? c) Teve algum problema com a previdência social, seja referente a
aposentadoria, pensão, seguro desemprego, licença médica? d) Teve algum problema trabalhista, como,
por exemplo, recebimento de valores devidos pelo empregador, demissão sem justa causa, recebimento de
horas extra? e) Teve algum problema relacionado a imóveis ou terra – questão de despejo, desocupação,
disputa por posse, recebimento de valores devidos? f) Precisou de atendimento médico gratuito e não
conseguiu? g) Comprou algum produto que veio com defeito e não conseguiu trocar ou devolver? h) Teve
algum problema com relação ao cumprimento do contrato com o plano de saúde, como, por exemplo,
conseguir consulta, atendimento médico, ou precisou de algum procedimento ou exame e o plano se
recusou a cobrir? i) O(a) Sr.(a) recebeu alguma cobrança indevida por parte de empresa de telefonia – por
exemplo, de valores já pagos, por serviços não solicitados, de valores a mais do que o utilizado? j) Teve
algum problema com instituição financeira ou bancária – como, por exemplo, cobranças indevidas de taxas
e juros por serviços não solicitados? k) Sofreu agressão física ou ameaça? l) Recebeu cobrança de luz
indevida (valores já pagos ou superiores ao utilizado)?”.
Tabela 5
Solução procurada de acordo com conflito (%)
Imóveis ou terra
Conflito vizinhos
médico gratuito
Problema plano
Conflito família
Agressão física
Troca produto
abusiva - tel.
Atendimento
abusiva - luz
Previdência
trabalhista
financeira
Cobrança
Cobrança
Cobrança
abusiva -
de saúde
avariado
Conflito
social
Outra parte 61 17 54 40 40 15 56 46 18 5 30 24
Judiciário 4 1 7 3 6 25 1 4 48 7 35 38
Defensoria Pública - 1 - - 1 7 - - 2 4 4 3
Procon 5 - 3 - 6 - 3 4 - - - 3
Polícia - 1 - 33 - 3 - - - 39 - -
Outro 14 19 15 9 18 16 10 13 6 2 22 9
Gráfico 10
Entrevistados que disseram conhecer direitos e deveres
previstos nas leis brasileiras (%)
Direitos Deveres
70 70 75 71
80
70 57 57
60 41 40 43 43 43 41 46 41
50 39 37 41 40 37 34 38 34 36 35 37
41 39
35 32
40 30 30 28 27 27
23 19
30
20
10
0
18-24
Mas
Fem
Até 1SM
Mais de 8-12SM
Mais de 12SM
NÃO PEA
Mais de 1-4SM
Mais de 4-8SM
Média
Alta
Baixa
25-34
35-44
45-59
PEA
60+
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no Brasil, FGV
(2014).
Base: 1.650 entrevistas, julho-setembro de 2014.
13
Ver, entre outros, Grinover, Dinamarco e Watanabe (1988); Faria (1989); Genn e Paterson (2001);
Albiston e Sandefur (2013).
O que observamos foi a absoluta falta de conhecimento das pessoas com relação
aos seus direitos: 61% do total de entrevistados não souberam citar sequer um direito
previsto em lei. O mesmo se aplica aos deveres, com 63% não sabendo citar um dever
perante a lei. Notamos que o desconhecimento é maior entre os mais jovens (até 34
anos) e os mais idosos (acima de 60 anos), e também fortemente influenciado pela renda
e pela escolaridade, ou seja, quanto mais baixa a renda e a escolaridade, maior o
desconhecimento.
O cenário que encontramos em 2014 não difere muito do encontrado em
pesquisa do CPDOC no final da década de 1990 (Pandolfi et al., 1999). Ao solicitar aos
entrevistados em um survey, conduzido na região metropolitana do Rio de Janeiro, que
enumerassem três dos mais importantes direitos dos brasileiros, 56,7% dos
entrevistados não souberam mencionar ao menos um direito garantido aos cidadãos.
Entre os que souberam citar algum direito, os direitos sociais foram os mais mencionados
(lembrados por 28,5% dos entrevistados), seguidos dos civis (11,7%) e dos políticos
(1,6%).
Se em termos do volume de desconhecimento de direitos a realidade não mudou,
o tipo de direito mencionado por aqueles que souberam dizer algum direito mudou. Em
2014 os mais lembrados foram os direitos relativos às liberdades: de expressão, de
pensamento, de locomoção e de reunião, enumeradas por 46% daqueles que souberam
citar direitos. Em segundo lugar, com 20% de menções, vieram os direitos à saúde e à
educação. Em terceiro, os direitos trabalhistas, mencionados por 14% dos entrevistados.
Já com relação aos deveres, os mais lembrados foram o respeito às leis (38%), o
respeito ao próximo (32%), o voto (27%) e o cumprimento das obrigações fiscais e
tributárias (26%).
Gráfico 11
Direitos citados (%)
50 46
45
40
35
30
25 20 20
20 14
15 11 9 8 7 7 6 6 7
10 5 4 3
5 2 2 2 2
0
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no Brasil, FGV
(2014).
Base: 645 entrevistados que mencionaram algum direito, julho-setembro de 2014.
Gráfico 12
Deveres citados (%)
50
45
38
40
35 32
30 27 26
25
20
15 10 10
10 6 5 4 4
5 2 2
0
Fonte: Elaboração própria com base em dados do survey Índice de Confiança na Justiça no Brasil, FGV
(2014). Base: 608 entrevistados que mencionaram algum dever, julho-setembro de 2014.
Considerações finais
um recorte da realidade e impõe limitações, assim, o que propomos é uma medida que
visa reduzir essas limitações, combinando diferentes dimensões.
Como afirmam Albiston e Sandefur (2013) para o contexto norte-americano,
também no caso do Brasil notamos que é uma pequena fração dos problemas
potencialmente jurídicos na paisagem social de disputas na área cível que chega ao
Judiciário. As pessoas não costumam concebê-los como problemas de justiça civil, pois
muitas vezes elas não os elaboram como um problema legal, mas como um problema
social, privado, ou até mesmo de má sorte (Albiston e Sandefur, 2013, p. 118).
Afirmamos com os autores que é preciso trabalhar o acesso à justiça como uma
demanda universal, não restrita àqueles que dispõem de meios financeiros para
reivindicar seus direitos, investigando, assim, as barreiras existentes para além da falta
de recursos financeiros, que dizem respeito principalmente aos significados sociais
construídos e à dificuldade de compreender um problema como um problema legal. É
preciso considerar o nível de (des)conhecimento de direitos e deveres e da linguagem de
direitos. Daí porque, apesar de já existirem pesquisas que envolvam vitimização ou
experiência com a justiça, como as documentadas no artigo, é necessário incorporar a
essas medidas outras dimensões como a disposição ou não de acessar a justiça, outros
mecanismos de gestão e formas de solução dos conflitos, no âmbito civil, além do
conhecimento de direitos (e deveres), como propusemos.
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2015.
Resumo
Abstract
In this article, we map out studies and methodologies used to build subjective indicators of access
to justice, focusing on experiences with and management of conflict. We propose a blended
measure of access to justice, based on critical analysis of key studies, and work with a broad
understanding of what access to justice m e a n s a n d what a lack of access implies. This definition
includes the right to a just resolution of conflicts by any appropriate means (not necessarily via state
justice) and also takes into account individuals’ awareness of their rights. This work relies on survey
data collected between 2010 and 2014 and covers the procedural and substantive dimensions of
access to justice. We have documented state-of-the-art measurement and composition of indicators
of access to justice, noting key limitations and ways to overcome them, and emphasizing construct
validity and filters used in the definition of access to justice. We conclude from the proposed blended
measure that, depending on where emphasis is placed–on conflict or on seeking institutional justice–
the phenomenon being measured will be different, as people react in different ways to different types
of potentially conflicting situations.
Keywords: access to justice; conflict management; subjective indicators; procedural dimension;
substantive dimension
Resumen
En este artículo analizamos los estudios y metodologías utilizadas para construir indicadores
subjetivos de acceso a la justicia, con enfoque en la experiencia del conflicto y en su gestión.
Proponemos una medida síntesis de acceso a la justicia, basada en el análisis crítico de estos
estudios, trabajando con una amplia comprensión de lo que significa tanto el acceso a la justicia,
como a lo que implica la falta de acceso a ella. Esta definición incluye el derecho a una justa
resolución de los conflictos, por los medios adecuados (no necesariamente por la justicia estatal),
teniendo también en cuenta el conocimiento de los interesados sobre sus derechos. La discusión se
basa en una encuesta realizada entre los años 2010-2014, que abarca la dimensión sustantiva y la
dimensión procedimental del acceso a la justicia. Documentamos críticamente los avances sobre
Résumé
Dans cet article, nous avons identifié les études et les méthodes utilisées pour construire des
indicateurs subjectifs d'accès à la justice, en nous concentrant sur l'expérience des conflits et leur
gestion. Nous proposons une mesure synthèse de l'accès à la justice, basée sur l'analyse critique de
ces études, en travaillant avec une large compréhension de ce que signifie l'accès à la justice d´une
part et, d´autre part, de ce qu´implique le manque d'accès à celle-ci. Cette définition inclut le droit à
une résolution équitable des conflits, par des moyens appropriés (et pas nécessairement par la
justice de l'État), compte tenu également de la connaissance des parties prenantes sur leurs droits.
La discussion est basée sur une enquête menée entre les années 2010-2014, recouvrant les
dimensions de procédure et substantielle de l'accès à la justice. Nous documentons de manière
critique l'état de l'art de la mesure et de la construction des indicateurs de comportement de l'accès
à la justice, notant les limitations rencontrées et les moyens de les contourner, en mettant l'accent
sur la validité conceptuelle des mesures et sur les filtres utilisés dans la définition de ce qu´est
l'accès à la justice. A partir de la mesure proposée, nous concluons que le phénomène mesuré est
différent en fonction de l'importance que l´on donne, soit au conflit soit à la recherche des
institutions, étant donné que les gens réagissent différemment aux différents types de situations
potentiellement conflictuelles.
Mots-clés: accès à la justice; gestion des conflits; indicateurs subjectifs; dimension procédurale;
dimension substantielle