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Resumo
Este trabalho traz uma discussão da relação dos fatores tempo e espaços para a formação
integral das crianças que frequentam o ensino infantil de tempo integral. Destaca a relevância
desse assunto que tem tornado pauta nos programas para a educação brasileira em
consonância com a legislação vigente que aponta para a ampliação do tempo de permanência
das crianças nas escolas de Educação Infantil (EI). Discute o que planejar para atingir a
qualidade na EI, dando enfoque ao tempo da infância e a importância do brincar para essa
etapa da vida. Como objetivo visa conhecer a organização do tempo e dos espaços na vivência
escolar da criança que permanece por dez horas diárias em uma escola de educação infantil e
analisar os limites e possibilidades dessa organização para a formação integral da criança. Foi
realizada uma observação da rotina escolar e entrevistas com as duas professoras que
trabalham com uma turma de quatro anos numa escola de educação infantil de tempo integral
em uma Região Administrativa do Distrito Federal. Os dados foram apresentados a partir da
concepção de criança como um sujeito histórico e de direitos que deve ser educada e cuidada
de maneira que a contemple no desenvolvimento de todos os seus aspectos humanos
resultando assim, numa formação integralizada. Muitos pontos ainda precisam ser abordados
além do tempo e dos espaços para que a educação em tempo integral resulte na formação
integral da criança. Sobre o que esse trabalho se propôs a estudar, pôde ser verificado que
tempo e espaço devem e, principalmente, podem ser organizados e distribuídos de uma
maneira que contemple as necessidades das crianças no ensino infantil e, sobretudo, contribua
de forma significante para o seu desenvolvimento. O espaço pode limitar, mas a concepção
que se tem da EI leva a criar possibilidades para um trabalho que respeite o tempo de infância.
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Pedagoga pela Universidade de Brasília, Pós-graduada em Educação, Democracia e Gestão Escolar pela
Unitins, Estudante do Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil pela Universidade de Brasília.
Professora da rede pública de ensino do Distrito Federal. nilsilva4@gmail.com.
ISSN 2176-1396
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Introdução
objetivos do trabalho feito em abrigos e outros locais de atendimento, sendo quase inexistente
o trabalho orientado ao desenvolvimento cognitivo e afetivo dessas crianças. A aproximação
com o ensino se dava apenas na aprendizagem com foco religioso.
Focalizando a criança e o seu direito a ser educada, de ser vista como um ser apto a
desenvolver e vivenciar o seu tempo e considerando todo o tempo transcorrido veremos que
se trata de um verdadeiro abismo quando comparada a outras nações. E mesmo agora com o
direito a EI assegurado, ainda há um contingente enorme de crianças fora da escola infantil
por falta de vagas. Percebemos que à população brasileira foi negada entre outros direitos
sociais, o direito a educação e vivemos até hoje as consequências dessa ação. O século XX
foi marcado por várias transformações mundiais que afetaram a vida da população e no Brasil
somente a Constituição Federal de 1988, oficializou a EI como um direito social da criança e
um dever do Estado em oferecer condições para que ela ocorra.
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e praticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura.
O tempo deve ser organizado para que seja um aliado no trabalho escolar. Sem
planejamento ele poderá levar ao ócio e consequentemente torna-se um problema para
crianças e professores. As diferentes atividades propostas devem ter uma intencionalidade de
aprendizagens que sejam significativas para o tempo da criança e não apenas para preencher o
tempo estipulado pela legislação. É a articulação entre quantidade e qualidade que deverá
trazer frutos no ensino de tempo integral e esses frutos será a almejada formação integral
oferecida na escola. Para Zabalza (1998, p. 50) “as aulas convencionais com espaços
indiferenciados são cenários empobrecidos e torna impossível (ou dificultam seriamente) uma
dinâmica de trabalho baseada na autonomia e na atenção individual a criança.” Discutir e
intervir na organização dos espaços escolares para o tempo integral é uma necessidade básica
da instituição que atende a EI.
Para otimizar o tempo são necessários espaços. “O espaço lúdico deve ser dinâmico,
vivo, “brincável” explorável, transformável, e acessível para todos” (MEC, 2006, p. 10). Há
um tempo para a alimentação e deve haver um espaço onde esse momento seja também de
aprendizagens, se alimentar com tranquilidade, aprendendo sobre a importância das refeições
e das normas sociais que fazem parte desse momento. Uma criança que permanece por dez
horas na escola necessita de um tempo de repouso, descanso e há que se ter espaço ventilado e
que ofereça o mínimo de conforto e tranquilidade. Muitas crianças não têm em casa as horas
de sono necessárias supridas e complementa isso na escola. Os espaços devem ser acessíveis e
adequados, como banheiros e bebedouros, móveis e materiais. Uma escola que respeita as
peculiaridades das crianças e se organizem para ela, precisa pensar nas dimensões cuidar e
educar como únicas e não dicotômicas. Vale salientar que espaços aqui devem ser estendidos
como todo o conjunto físico e pedagógico da escola e não somente a sala de aula. O espaço
também deve ser meio educador na dinâmica da escola.
Os espaços também devem ser dispostos pensando na interação da criança com outras
crianças de faixas etárias diferentes e em momentos distintos, assim como na interação com
adultos além dos seus professores. Na concepção sócio interacionista a criança aprende na
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interação com os outros e com o ambiente, possibilitar essa interação deve ser um dos
objetivos da organização dos espaços. Quando há a intencionalidade da escola na organização
de ambientes que favoreçam as aprendizagens múltiplas, essas ocorrem de forma prazerosa e
com significados para o aluno. Ocorre a mediação do espaço (meio) e o sujeito (criança) na
construção do conhecimento, além da interação entre vários sujeitos que conjuntamente
desenvolvem-se.
Para melhor organizar tempo e espaços a EI usa as rotinas. Essas devem ser um
recurso que oriente e ordene as propostas de atividades que serão desenvolvidas no dia-a-dia.
Ela deve ter um caráter agregador entre a utilização dos espaços disponíveis e o tempo
concedido para cada atividade. Tratar com as rotinas de forma inflexível é um risco para um
projeto pedagógico centrado na criança e no seu aprendizado qualitativo. O Currículo em
Movimento das Escolas Públicas do Distrito Federal enfatiza:
A rotina possibilita que a escola assegure que todas as turmas tenham organizadas as
suas atividades pelos ambientes escolares. Na sala de aula a rotina permite que as crianças se
apropriem do planejamento para o seu tempo na escola, tirando delas alguma ansiedade ou
dúvidas que possa vir a ocorrer quanto ao seu dia-a-dia. Porém, sem um propósito educativo a
rotina pode ser um recurso que engessa o processo de ensino. A inflexibilidade dessa rotina
pode ter um resultado desastroso para crianças e professores. Há que se distinguir rotina de
cotidiano. A rotina é apenas um dos componentes do cotidiano. Na rotina de uma escola fica
clara a concepção que esta tem de criança, do trabalho na EI e explicita a proposta pedagógica
da instituição.
O cotidiano é um conceito de organização social mais amplo. Na dinâmica do dia-a-
dia ele é a referência para o planejamento das atividades que norteiam o modo de vida de uma
determinada cultura. Ele é também passível de inovações e transformações que atende as
necessidades e superam problemas que surgem com o decorrer do tempo. De acordo com as
transformações sociais, o cotidiano também se altera. Assim:
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cotidiano refere-se a um tempo espaço fundamental para a vida humana, pois tanto é
nele que acontecem as atividades repetitivas, rotineiras, triviais, como também ele é
o lócus onde há a possibilidade de encontrar o inesperado, onde há margem para a
inovação[...] (BARBOSA, 2006, p. 37).
O acesso a brinquedos e brincadeiras deve fazer parte da rotina da EI. Ora com
momentos livres nos quais o professor observa, ora direcionando e participando das
brincadeiras. Propor desafios e sugerir ações que levem a criança a pensar, a construir, a ir
além do que está pronto, é função do adulto mediador. Como ser brincante, a criança se
constrói como ser social na interação com os brinquedos e nos contextos das brincadeiras. As
brincadeiras, de forma geral, são feitas no coletivo e as aprendizagens também são coletivas.
É numa concepção de que o sujeito se constitui a partir do outro, no coletivo da brincadeira
que a criança, ao interagir com o recurso (brinquedo/pares) dá a ela o significado individual
que constrói a partir do que vivencia no seu mundo real. No faz-de-conta, a criança transita
entre o imaginário e o real, compreendendo assim como se organiza a sociedade e tomando
consciência do seu papel nela.
Com o intuito de conhecer a organização do tempo e dos espaços na vivência escolar
da criança que permanece por dez horas diárias em uma escola de educação infantil, apresento
neste escrito um recorte de uma pesquisa exploratória que está sendo desenvolvida para meu
estudo monográfico pela Universidade de Brasília.
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Os atores da pesquisa:
Para realizar a presente pesquisa foi feita uma entrevista com as duas professoras que
atuam numa turma de 1º período da EI em uma escola de educação infantil. Foi escolhida essa
turma pelo fato de ser o primeiro ano das professoras na educação em tempo integral,
buscando-se assim a primeira impressão dessas a respeito do tema estudado.
Esse é o perfil profissional das colaboradoras:
O cenário
Sabe-se que o Brasil não é exemplo de estruturas físicas adequadas nas instituições
escolares, muitas delas são compostas apenas por salas de aulas. Para a ampliação do turno
escolar os projetos de engenharia e arquitetura das escolas deverão ser repensados, como
também muitas escolas deverão sofrer reformas para atender a necessidade das crianças nessa
faixa etária. Aprovado em 2006, os Parâmetros básicos de infraestrutura para as instituições
do Ensino Infantil traz avanços quando defende o “compromisso de interdisciplinaridade por
parte dos profissionais envolvidos” nos projetos de construções de unidades de EI. No
documento também é citada a necessidade de diferentes ambientes de aprendizagens, de
áreas livres nas quais a criança interaja com o ambiente que circunde a escola, de luz e
circulação de ar necessário a uma qualidade de vida ideal, entre outros. Estabelecer esses
critérios significa que as escolas de EI não podem e não devem funcionar com precariedades.
Com suas características específicas, desde a creche até as escolas que atendem crianças
maiores devem ter esses parâmetros considerados nas construções dos espaços físicos.
A partir das falas das professoras e das observações realizadas, destacamos duas
categorias: tempo e espaços no ensino integral e qualidade na educação.
Foi percebido nas respostas das professoras que quanto ao espaço da escola os
parâmetros são as escolas que elas trabalharam anteriormente e essas mantém a falta de
estrutura tão comuns nas instituições escolares do país. Assim, embora a escola tenha
problemas nos espaços, ainda é considerada boa quando comparada a outras escolas nas quais
elas trabalharam anteriormente.
Sobre o tempo e os espaços a professora “A” diz tentar manter uma rotina flexível e
dar a criança oportunidades de criança fazer atividades diversas: Os espaços são importantes
para desenvolver as atividades. O espaço ainda não é o ideal, mas ajuda bastante,
comparada a outras escolas temos um bom espaço. Geralmente eu dou atividades
diferenciadas. Acho cansativo para ficar 10 (dez) horas na escola.
O fator tempo integral aqui é percebido como cansativo e por isso serem necessárias
atividades diferenciadas, entre elas o deslocamento pelos espaços que a escola dispõe.
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Barbosa (2010) enfatiza que são nos espaços que se consolidam as ações pedagógicas
para o processo de aprendizagem das crianças. E que a intencionalidade das ações
pedagógicas é o que transforma os espaços em ambientes. Ainda segundo a autora, “A
organização do ambiente é uma parte constitutiva e irrenunciável do projeto educacional, já
que ela traduz uma maneira de compreender a infância, do papel da educação e professor.”
(p.94). A sala de aula não deve ser considerada um espaço de hegemonia sobre os demais. Ao
afirmar que os espaços externos são amplos e que as brincadeiras são desenvolvidas “lá fora”
parece que a professora ver na sala de aula a primeira opção para desenvolver essa atividade.
Independente do espaço é a intencionalidade da ação pedagógica que dá pistas de como o
professor compreende a dinâmica do tempo-espaço e o direito de brincar.
E sobre isso a professora “B” responde: Sim, os espaços da escola priorizam o
brincar. Não é só direcionado para o brincar, mas dá pra brincar com a turma.
Nas respostas dadas pelas as professoras ambas disseram que privilegiam o brincar e
que a escola apesar de alguns problemas tem espaços para isso e que quando precisam
adaptam os espaços transformando-os em ambientes de brincadeiras. Sobre o brincar, o
Currículo de Educação Infantil das Escolas Públicas do DF, diz que:
Assegurar que toda criança tenha respeitado o seu tempo e o espaço para brincar é
característica indispensável da escola que vise à qualidade do ensino.
Ainda sobre a qualidade no ensino na EI, OLIVEIRA (2011, p.85), afirma que:
aspectos cognitivos, afetivos, psicológicos e sociais. Esse é um grande desafio pra todos os
envolvidos com a EI.
Considerações finais
Como professora de EI acredito que essa deve focar na qualidade do ensino e que esse
deve ser ancorado no binômio educar-cuidar. Com o tempo integral as possibilidades de
ampliação de vivências que leve a criança a aprender são inúmeras. Proporcionar condições
favoráveis para que isso ocorra deve ser meta de Estado e de todos os envolvidos com a EI. O
estudo é limitado quando mostra apenas uma escola que atua com o tempo integral há pouco
mais de dois anos e com professores que estão conhecendo esse ano o tempo integral. Porém
é uma pequena fonte de reflexões e discussões sobre o tema.
Muitos pontos ainda precisam ser abordados além do tempo e dos espaços para que a
educação em tempo integral resulte na formação integral da criança. Sobre o que esse
trabalho se propôs a estudar, pôde ser verificado que tempo e espaço devem e,
principalmente, podem ser organizados e distribuídos de uma maneira que contemple as
necessidades das crianças no ensino infantil e, sobretudo, contribua de forma significante
para o seu desenvolvimento.
No social, o espaço deve promover encontros e interações de adultos com crianças,
crianças e seus pares, sendo também importante que as interações ocorram entre faixas
etárias diferenciadas para que esse convívio traga a afetividade e o respeito pelo outro
diferente dos seus pares. No cognitivo é necessário que o tempo e o espaço permitam a
aprendizagem e o desenvolvimento sistemático, que o que se ensina e se aprende seja
significativo para as crianças e contribua para o desenvolvimento de suas potencialidades
respeitando as suas individualidades. No psicológico, é preciso que o ambiente mantenha a
criança com aconchego e cuidados para que o seu bem estar contribua para a saúde de forma
global; no trabalho com movimentos o espaço deve promover a coordenação motora e
integrando sempre o corpo e o psicológico
Ao observar a rotina diária da escola pude perceber que a forma como a escola se
organiza para atender as crianças e a ação do professor frente à rotina dá indícios da
concepção que se tem da EI e da infância. A percepção da professora de que a criança precisa
brincar transforma o espaço num ambiente de brincadeiras para tentar superar o que a rotina
da escola não previu. O espaço pode limitar, mas a concepção que se tem da EI leva a criar
possibilidades para um trabalho que respeite o tempo de infância.
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A intenção desse estudo não era encontrar respostas, mas pesquisar e conhecer sobre o
ensino em tempo integral que vem se expandindo no Brasil e de como a ampliação de tempo
requer espaços adequados, de como estes estão intrinsecamente interligados na rotina da
escola e como podem contribuir para a qualidade no ensino. Ainda é muito cedo para
perceber as contribuições da escola em tempo integral para a melhoria geral na educação,
porém, dedicar estudos e reflexões sobre como esse deve distanciar-se do modelo
educacional considerado inadequado para superar os problemas no ensino do Brasil deve ser
uma ação urgente.
Como está na legislação, o tempo de ampliação do turno escolar na EI está sendo
expandido e tem a perspectiva que mais escolas passem a adotá-lo. Construir espaços para
tornarem-se ambientes onde haja interações, brincadeiras e aprendizagens que serão
importantes para a criança ao longo da sua vida é essencial e uma luz que se acende para
clarear os rumos da educação brasileira. Á todos os envolvidos nesse processo, a consciência
de uma tarefa difícil, mas que certamente poderá levar a tão sonhada qualidade no ensino.
REFERÊNCIAS
BARBOSA.Maria Carmem. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto
Alegre, Artmed, 2006.
PARO, Vítor Henrique, et tal. COSTA, Lígia Martha C. da Costa Coelho (org). Educação em
tempo integral: estudos e experiências em processo. Petrópolis, RJ: DP ET Alii; Rio de
Janeiro: FAPERJ, p. 13-20, 2009.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos 7ª ed.
São Paulo: Cortez, 2011, - (Coleção Docência em Formação).
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