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FORMAÇÃO ECONÔMICA DE ALAGOAS: DA AGROINDÚSTRIA


CANAVIEIRA À INDÚSTRIA “SEM CHAMINÉS” (TURISMO):
DEPENDÊNCIAS E CONTRADIÇÕES

ECONOMIC FORMATION OF ALAGOAS: FROM AGRICULTURE CANAVIEIRA TO


INDUSTRY "WITHOUT CHIMNEYS" (TOURISM): DEPENDENCIES AND
CONTRADICTIONS

Recebido em 21 de agosto de 2018 SHERLITON DA SILVA ALVES


Aceito em 26 de setembro de 2018 sherlinton.alves@gmail.com
Professor –Secretaria de Estado de Educação de Sergipe
RENNISY RODRIGUES CRUZ
rrcambiental@gmail.com
Universidade Federal de Pernambuco
FABIANO DUARTE MACHADO
caetes_cia@yahoo.com.br
Instituto Federal de Alagoas

Resumo
Alagoas é um dos estados brasileiros mais atrasados social e economicamente, sendo detentor dos
piores indicadores de desenvolvimento humano do país, quadro que pode ser explicado por possuir
a economia e formação social fundada na monocultura canavieira. Nesse contexto, o turismo é
alocado pela governança estadual, diante da alta rentabilidade gerada, como uma das principais
estratégias de superação da condição de subdesenvolvimento do estado. Todavia, essa prática
social, ontologicamente própria do ser humano, como é realizada atualmente, subsumida ao
sociometabolismo capitalista, apresenta contradições. Estas são objetivadas em forma de efeitos
adversos sobre o meio social e ambiental, em decorrência da exploração do produto oferecido, o
território e suas nuances paisagísticas. Dentro dessa perspectiva, tem-se a Praia do Francês como
um dos principais lugares turísticos do Estado. Com sua exuberante paisagem natural, atraindo
visitantes nacionais e internacionais, iniciou o processo de turistificação há cerca de 40 anos, no
entanto, vem apresentando sinais de derrocada dessa atividade. Desta forma, objetivou-se discutir
a validade do turismo como proposta para a melhoria das condições socioeconômicas de Alagoas
e, especificamente, da comunidade tradicional da Praia do Francês e do município de Marechal
Deodoro.
Palavras-Chave: Subdesenvolvimento, Economia Canavieira, Turismo, Praia do Francês (AL),
Contradições.
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ALVES, S.; CRUZ, R.; MACHADO, F. Formação econômica de alagoas: da agroindústria canavieira à indústria
“sem chaminés” (turismo): dependências e contradições. Revista Rural & Urbano. Recife. v. 03, n. 02, p. 61-81,
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Abstract
Alagoas is one of the social and economically latest Brazilian states, being holder of the worst
human development indicators of the country, framework that can be explained by having the
economy and social training based on the sugarcane monoculture. In this context, tourism is
allocated by state governance, given the high returns generated, as one of the main strategies to
overcome the state of underdevelopment condition. However, this social practice, ontologically
itself of the human being, as it is currently conducted, subsumed into the capitalist social
metabolism presents contradictions. These are objectified in the form of adverse effects on the
social and environmental, due to the operation of the product offered, the territory and its landscape
nuances. From this perspective, there is the French Beach as a major state tourist places. With its
lush natural landscape, attracting national and international visitors, began touristification process
for 40 years, however, has been showing signs of collapse of this activity. Thus, the objective was
to discuss the validity of tourism as a proposal to improve the socioeconomic conditions of Alagoas
and specifically the tradicional community of French Beach and the municipality of Marechal
Deodoro.
Keywords: Underdevelopment, sugar cane economy, Tourism, French Beach (AL),
Contradictions.

Introdução
De acordo com a lógica econômica hegemônica, a exploração turística é uma das mais
promissoras atividades do mundo. Nos países mais visitados – França, Espanha e EUA – a
atividade injeta espessos dividendos em seus respectivos Produtos Internos Brutos (PIB), isso por
ser um eficiente dinamizador econômico, principalmente no setor de comércio e serviços. “Ao
longo dos últimos 50 anos, o turismo cresceu de forma rápida e se transformou numa das áreas
mais importantes da economia global. No ritmo atual de expansão, o setor chegará a 2020 com
faturamento de 2 trilhões de dólares por ano” (ARAÚJO, 2009, p. 18).
Diante disso, países de diferentes níveis de desenvolvimento – os desenvolvidos são os que
mais abocanham a riqueza gerada pela atividade – vêm fomentando políticas públicas de
exploração do turismo, como projeto desenvolvimentista. O Brasil é um deles que, após os
investimentos para a Copa Mundial de Futebol 2014, além das Olimpíadas de 2016, tornou-se o
primeiro lugar entre os países latino-americanos do ranking de competitividade turística no Fórum
Econômico Mundial e, numa escala global, alcançou a 28ª colocação dos países mais visitados

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(EMBRATUR, 2013).
Nessa esteira é que o governo do estado de Alagoas busca o seu espaço no mercado turístico
nacional, “vendendo” a ideia de dinamização da economia e uma possibilidade de saída do quadro
de “atraso” socioeconômico que assola a maioria de sua população há décadas, segurando o título,
até os dias atuais, dos piores índices sociais do país. Chegando a ser comparado, por Lira (1997),
diante da calamitosa situação de sua gente, com países da África Subsaariana.
Nas palavras de Danielle Govas Pimenta Novis, que ocupava naquele momento o cargo de
Secretaria de Estado do Turismo: “Temos a certeza de que os anseios da sociedade estarão sendo
atendidos, na expectativa de que o Estado possa alcançar novos e melhores indicadores
econômicos e sociais, diminuindo significativamente o índice de extrema pobreza da população
alagoana” (ALAGOAS, 2013, p. 8).
Situação que tem causa na origem da formação social do estado, alicerçada nas relações de
trabalho colonial – latifúndio monocultor-escravagista – que se perpetuou, hereditariamente,
através de gerações da oligarquia canavieira. A qual se trata de um punhado de famílias que se
beneficiam enormemente, por séculos, do trabalho alheio e do erário público em prol de sua
reprodução enquanto classe dominante, econômica e politicamente. Ou que, por outro lado, por
vezes é lesada pela burguesia nacional, tornando, ao fim e ao cabo, em frustração o tão almejado
“desenvolvimento alagoano”. Os casos do Proálcool (Programa Nacional do Álcool) e do Polo
Cloroquímico de Alagoas podem ser colocados como exemplos disso, que na verdade são nítidas
situações do movimento, contraditório, de expansão do capital.
Nesse contexto, o município de Marechal Deodoro, situado na zona metropolitana de
Maceió, é colocado na baila por ter em seu território um dos mais importantes polos turísticos do
estado, de reconhecimento nacional e internacional, a Praia do Francês. Antigo vilarejo de
pescadores e artesãos, praia com areias bem trabalhada pela ação das intempéries que as tornaram
granulometricamente bastante finas. De águas atlânticas com um emblemático azul que, de um
lado, favorece um tranquilo mergulho, protegido por recifes de arenito (barreira) que se estende
por quase toda a costa da praia; por outro, na porção Sul, fortes ondas, determinadas pelos ventos

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alísios, convida à prática de esportes radicais, sendo palco frequente de campeonatos nacionais e
internacionais.
Seu “descobrimento” pela prática social do turismo ocorreu no decorrer da década de 1970,
sendo atualmente detentor de boa parte do fluxo turístico que se dirige para Alagoas, gerando
divisas, além de investimentos públicos em infraestrutura para atender aos distintos visitantes.
Porém, emergem contradições, assim como toda relação imposta pela lógica capitalista –
considerando a submissão do turismo –, a exploração turística na Praia do Francês já apresenta
evidências de estagnação, como indica Araújo e Moura (2007): aversão da comunidade tradicional
à atividade, impactos ambientais e sociais, culturais, etc.
É, portanto, sob a lógica do capital, de interesses particulares em detrimento do coletivo,
por sua vez alicerçada na lógica maior de apropriação e exploração do trabalho e do território que
se encontra a origem dos problemas socioambientais acarretado pelo turismo. E mais, também é
nesse contexto que o resultado das políticas públicas de desenvolvimento se anula, ao menos em
parte, para a maior parcela da população, colocando em xeque a validade da atividade como
promessa de melhoria socioeconômica na área em que se instala. Pior, ao atingir a fase de
estagnação, deixa como espólio para os residentes tradicionais um ambiente natural e cultural
devastado, causalidade perversa intrínseca a própria essência da lógica a que a atividade está
subsumida.
Foi nesse contexto que este trabalho se pautou, tendo como objetivo a discussão sobre a
validade do turismo como proposta para a melhoria das condições socioeconômicas de Alagoas e,
especificamente, da comunidade tradicional da Praia do Francês e do município. Tomando,
assim, como ponto de partida, no sentido teórico, a valoração da atividade turística sob pontos de
vistas diferentes, incitado por Castro (1998, p. 27-28):

[...] para os agentes do Governo, responsáveis pela elaboração e implementação


de políticas públicas, as atividades turísticas são boas porque geram emprego,
renda e contribuem para o processo de desenvolvimento, que afinal constitui o
compromisso primeiro da public choice; para os pesquisadores que avaliam e

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analisam os seus impactos negativos para a sociedade local e para o meio


ambiente, as atividades são más, tendo em vista a degradação ambiental, a
degradação social, visível na prostituição e na degradação da cultura local; para
os atores sociais que ganham elas são boas, para os que perdem são más.

Posicionamo-nos, conforme se tornará mais evidente no decorrer da leitura, a favor da


classe trabalhadora, por entender que a riqueza é ontologicamente pertencente àqueles que
produzem e não daqueles que se apropriam do trabalho alheio para viverem abastados, em
detrimento da pobreza de muitos. Segundo, por acreditar que somente através de uma relação de
trabalho emancipado se poderá construir uma sociedade/humanidade também emancipada.

Desenvolvimento
Bases históricas da formação econômica alagoana
O estado de Alagoas teve seu surgimento, do ponto de vista formal, a partir do
desmembramento da Capitania de Pernambuco, através do Decreto Régio de 16 de setembro de
1817, embora já possuindo certa autonomia econômica antes dessa data, podendo assim ser dito
que Alagoas foi constituído, enquanto unidade territorial autônoma, mediante os interesses de sua
classe dirigente na época, composta por senhores banguês e comerciantes bem sucedidos que, por
meio do poder econômico, gozavam de uma relativa liberdade político-administrativa.
A independência política da Capitania, e um pouco mais tarde a do Brasil que se livrara de
vez do contrato colonial com Portugal – o qual impedia a criação de manufaturas e impunha o
exclusivismo comercial –, em derrocada desde a chegada da corte lusitana em 1808, juntamente
com o empreendedorismo dos comerciantes de açúcar, por meio do capital internacional, deram o
impulso para o início da industrialização em terras alagoanas. A entrada de capital estrangeiro,
principalmente o inglês, a partir de 1822, permitiu ao país a modernização de suas forças
produtivas. No entanto, esse impulso se deu atrelado aos interesses da Inglaterra, fazendo o Brasil
substituir a subserviência portuguesa pela britânica (PRADO JÚNIOR, 1997).
Diferente daquilo que apregoa a história dominante, Alagoas já possuiu seus gloriosos
momentos, uma vez que já apresentava um relativo desenvolvimento industrial, na recém-nascida

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industrialização brasileira do século XIX. A indústria alagoana estava, na época, representada


pelas fábricas de tecidos, pelas já existentes usinas de açúcar. Embora, de acordo com Andrade
(1997), o estado tenha chegado à República, 1889, sem nem sequer uma usina ou engenho central,
isso devido aos banguezeiros, em atitude reacionária, que dominavam a hegemonia política
estadual.
Quando a indústria têxtil alagoana perdeu sua importância, no fim da primeira metade do
século XX, em razão de fatores ligados ao custo de produção, transporte para o seu maior
comprador e a concorrência com Sudeste, principalmente São Paulo, Alagoas passou a
desenvolver sua economia sob o domínio quase total da indústria canavieira (TENÓRIO &
LESSA, 2013).

Quando São Paulo passou a produzir algodão de ótima qualidade e em grande


quantidade, como resultado de uma de reforma agrária coordenada pelo Estado
nas terras destinadas anteriormente ao café e com a mediação de duas grandes
empresas paulistas, deixou de ser importador da fibra nordestina e passou a
exportador.
[...] A partir dos anos 1930, São Paulo tinha as seguintes vantagens sobre
Alagoas: 1) algodão mais barato e de melhor qualidade; 2) energia elétrica mais
barata; 3) maior proximidade dos maiores mercados consumidores; e 4) uma
legislação trabalhista nacional que estancava a possibilidade de seus
competidores usarem o achatamento das condições de vida dos trabalhadores
como principal arma competitiva (op. cit., p. 178-179).

Alagoas, assim, começa a industrializar-se efetivamente a partir do período apontado


acima, tendo como modelo o sistema de plantation, o mesmo implantado no início da colonização
que, como indica Diégues Júnior (2012), a formação social do Nordeste brasileiro é alicerçada no
tripé colonial: latifúndio, monocultura e trabalho escravo. Ou seja, o capitalismo aqui se
modernizou, principalmente por meio das indústrias canavieiras e têxteis, subsumindo estruturas
arcaicas (coloniais) às forças progressistas (industrial-financeiro).

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Significa que “[...] o capitalismo, em seu processo de desenvolvimento, apropria-se das


formas de trabalho e dos modos de produção que o antecederam [...]” (MAZZEO, 1988, p. 9). Ou,
como nesse caso, incorpora de uma fase anterior, a comercial. Por outro lado, é nítido que o
desenvolvimento do capitalismo em Alagoas ocorrera semelhantemente ao apontado pelo autor no
país, isto é, através da via “prussiana-colonial”1.
Podemos salientar que a constituição da oligarquia agroindustrial canavieira2 em Alagoas
foi o passaporte de entrada do estado no capitalismo moderno, todavia ainda alicerçado no modo
de exploração e produção colonial, colocando em evidência a teoria do desenvolvimento
capitalista desigual e combinado de Léon Trotsky (2007, p. 5).
Este autor ao analisar as “Particularidades do desenvolvimento da Rússia”, diante das
relações capitalistas ao final do século XIX e início do XX, esclarece que um país atrasado absorve
as conquistas quantitativas e qualitativas dos países avançados, no entanto, convive temporalmente
com as relações arcaicas de um modelo anterior. Assim:

O desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada conduz


necessariamente a uma combinação original de diversas fases do processo
histórico. A curva descrita toma no seu conjunto um caráter irregular, complexo
e combinado. [Porém], a possibilidade de saltar por cima dos graus intermediários
[...] [...] está limitada pelas capacidades econômicas e culturais do país (op cit.,
p. 5).

Isso tudo, por outro lado, representa a principal raiz dos problemas socioeconômicos atuais
alagoanos. Noutras palavras, a sua inserção na economia de mercado moderna possibilitou a

1
“[...] temos uma acumulação capitalista pelo campo, o que configura uma característica prussiana, mas apenas
formalmente, já que seu conteúdo mantém-se colonial. [...] A não-ruptura com a estrutura de produção escravagista e
exportadora confirmará a dimensão colonial da economia brasileira, o que lhe dará a condição de economia
subordinada e dependente dos pólos centrais da economia mundial. Daí denominamos o caminho brasileiro para o
capitalismo de ‘via prussiano colonial’” (MAZZEO, 1988, p. 22).
2
“A estrutura de propriedade da terra, com o consequente sistema de poder, criada nos três primeiros séculos de
colonização, marcou para sempre o modelo econômico e social de Alagoas” (CARVALHO, 2009, p. 10).

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produção de uma elite abastada, ligada tanto ao movimento modernizante do Capital como ao
passado glorioso do engenho de açúcar, e a sua reprodução como classe dirigente em detrimento
de uma enorme massa.
O setor sucroalcooleiro e o Estado em Alagoas
Conforme Andrade (1988), a intervenção estatal na agroindústria açucareira e alcooleira é
quase tão antiga quanto à própria existência dessa atividade em nosso país, tendo esse processo de
intervenção se dado, para o setor açucareiro, desde a sua fase de implantação, no período colonial
e, para o alcooleiro, após a I Grande Guerra Mundial. Ou seja, desde os tempos coloniais a
atividade canavieira sustenta-se na haste governamental, desde empréstimos até absolvição de
dívidas.
A criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) pelo governo federal, ainda em 1933,
marcando claramente o início de um período de aguda atuação estatal, foi imprescindível para isso,
pois se de um lado, como afirma Lima (2014, p.37), “[...] consolidou-se o domínio inconteste das
usinas na indústria açucareira”, por outro “[...] consolidava-se nas regiões até então de exclusiva
produção açucareira a permanência de seu medíocre teor de vida” (PRADO JÚNIOR, 1997, p.
246).
Percebe-se com isso que a agroindústria sucroalcooleira brasileira se desenvolveu e
estruturou-se, de modo dependente, no Estado. Tendo como fonte de recursos financeiros a riqueza
pública que exacerbadamente foram carreados, em detrimento dos menos favorecidos, para a
classe oligárquica canavieira. O IAA constitui, então, a oficialização dessa cruel e desigual política
econômica. Esse órgão, juntamente com a Comissão de Defesa da Produção Açucareira (1931),
surge no intuito de “[...] por um lado, intervir nos conflitos de interesses entre o Sudeste e o
Nordeste, e, por outro, ajustar as relações entre produtores e usineiros” (CARVALHO, 2009, p.
22).
De acordo com o autor, vários foram os programas e fundos de incentivo ao setor, e o

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estado de Alagoas foi um dos que mais se beneficiaram com eles. Fato demonstrado através de
dados, resultado dos benefícios estatais destinados ao setor: os canaviais alagoanos saltaram de
119.000 hectares, em 1970, para 257.000 hectares em 1974; a produção de cana-de-açúcar, no
mesmo intervalo de tempo, passou 6.000.000 de toneladas para 11.000.000 de toneladas3.
Entretanto, cabe ressaltar que, por se tratar de medidas conservadoras, os programas
federais não abrangeram a classe trabalhadora, pelo contrário, concentrou ainda mais a posse da
terra, principalmente nas mãos dos usineiros, além de expulsar o trabalhador rural das fazendas
causando sérios problemas socioambientais nas cidades alagoanas. Maceió é o exemplo maior
disso: inchaço populacional, desemprego, favelização, violência, desmatamento de encostas,
poluição dos corpos d’água, enchentes, proliferação de doenças pelo precário saneamento básico,
entre tantos outros.
O Proálcool (Programa Nacional do Álcool) foi um dos programas federais que o estado
alagoano mais se beneficiou. Criado em 1975 e findado em 1990, como uma medida de combate
ao déficit na balança comercial, ou seja, uma alternativa energética ao petróleo, perante a crise que
ocorrera durante a década de 1970 (1973 e 1979), período em que o país era altamente dependente
de importações – cerca de 86% na última crise.
Ainda segundo Carvalho (2009), citando Shikida (1997), informações que também podem
ser encontradas em Lima (2014), apontam que no período de existência do Proálcool foram
repassados um fantástico montante de US$ 7 bilhões, onde o estado de Alagoas angariou 8,1%
desses recursos, fomentados em 20 novas destilarias anexas e 9 autônomas, o que foi possível
multiplicar a produção alcooleira em 25 vezes, chegando a quase duplicar sua produção açucareira,
numa área plantada que assustadoramente triplicou. Cerca de 700 milhões de dólares da riqueza

3
Mais recentemente, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento – Conab – (2013), na safra de 2013/2014,
Alagoas produziu 24.431,0 mil toneladas de cana-de-açúcar, numa área de 442,590 mil hectares, os maiores números
do Nordeste e a sexta colocação nacional, sendo que 17.565,9 mil toneladas foram destinados a produção de açúcar e
6.865,1 mil toneladas para etanol.

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pública foram parar nas mãos do setor privado alagoano naquele interregno.
Paralelo a isso, e também de modo integrado a economia canavieira, implementa-se o Polo
Cloroquímico de Alagoas (PCA), no tabuleiro do município de Marechal Deodoro, no intuito de
diversificar a economia alagoana, diante de um recurso mineral abundante e de valor econômico
considerável no subsolo alagoano (a sal-gema) que, no fim das contas, decorreu-se numa grande
frustração.
Impulsionado pelas estratégias de descentralização industrial do governo federal, através
da implantação de polos de desenvolvimento, o PCA teria um papel de complementar a
denominada “equação química nacional” do II Plano Nacional de Desenvolvimento4 (1975-1979).
Assim, “o estado de Alagoas se insere, portanto, no ‘eixo petroquímico do Nordeste’ devido à
potencialidade de suas matérias-primas, a saber: a cana-de-açúcar, o sal-gema e o gás natural”
(LUSTOSA, 1997, p. 12).
Por outro lado, tragicamente para o setor canavieiro alagoano, como aponta Carvalho
(2009), o álcool produzido localmente, em forma de eteno, que abasteceria o PCA, perdeu a
preferência para o produzido em Camaçari (BA), transportado através de etenoduto até a atual
Braskem5 em Maceió. E o bagaço que serviria para a produção de energia elétrica foi trocado pelo
gás natural, de menor custo, proveniente do município de Pilar. Deste modo, foi uma derrocada de
mão dupla para a economia alagoana, além do setor sucroalcooleiro, o PCA não se objetivou como
o planejado, uma vez que, “o PCA pode ser considerado um projeto inacabado”, bem como não
tendo alcançando bem-estar social para a população alagoana (LUSTOSA, 1997, p. 56).
Esse cenário exposto acima se desenrola de forma contemporânea por meio de uma menor

4
“O II PND tinha como princípio básico a integração e complementaridade da indústria química nacional, segundo a
disponibilidade de matérias-primas regionais” (LUSTOSA, 1997, p. 11).
5
Empresa, inicialmente denominada de Salgema, Trikem na década de 1990, do grupo brasileiro Odebrecht, que
obteve grande expansão de suas atividades, logo de capital, através de incentivos financeiros do governo federal por
meio dos PND.

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presença do governo federal no setor canavieiro. Com a extinção do IAA e do Proálcool, ao final
da década de 1980, a oligarquia canavieira alagoana buscou o aparato do governo estadual para
satisfazer sua dependência econômica.

[...] a crise que ameaçava a agroindústria canavieira alagoana por ocasião do


processo de desregulamentação setorial e seus efeitos sobre as políticas
intervencionistas que sustentavam essa atividade, apresenta-se como importante
fator explicativo do acordo celebrado entre os empresários do setor e o governo
do estado visando à continuidade de um fluxo de recursos públicos que
compusesse a estrutura de reprodução de seu capital. Dessa vez, porém, os
recursos públicos utilizados foram oriundos das receitas de ICMS (Imposto sobre
a Circulação de Mercadorias e Serviços) do Estado (LIMA, 2014, p. 130).

O poder público estadual, utilizando-se de políticas nitidamente patriarcais, revela,


portanto, seu caráter classista, lesando a população de investimentos em serviços de melhoria de
vida, desvia o erário público para uma classe já abastada. Em que, através do denominado “acordo
dos usineiros, governo estadual isenta a sua maior fonte de arrecadação tributária, concedendo
isenção do ICMS, além de devolver (aos usineiros) uma vultosa quantia em impostos que,
contraditoriamente, foram considerados “indevidos”. “[...] a execução desse acordo, ao longo da
primeira metade da década de 90, resultou numa crise financeira sem precedentes no Estado de
Alagoas gerando uma situação de crescente instabilidade econômica, social e política” (op. cit., p.
134).
Alagoas, desse modo, segundo o estudo da agência de consultoria Macroplan (2015) indica
que o Estado, embora existam alguns tímidos avanços, em relação a números anteriores, começou
a segunda metade da década de 2010 com indicadores socioeconômicos tangenciando o
pauperismo e a barbárie gerados pelo subdesenvolvimento. Assim, dentre as 27 Unidades
Federativas brasileiras, Alagoas possuía 21,6% da sua população em condição de analfabetismo,
enquanto que a média nacional é de 8,5%.

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Aliado a essa questão, ainda segundo o estudo citado acima, os alagoanos em 2015
possuíam o terceiro pior PIB per capita brasileiro, à frente somente de Maranhão e Piauí, com R$
9.079,48. Além disso, 39% dos alagoanos sobreviviam com uma renda inferior a R$ 248,00
mensais, evidenciando uma grande concentração de renda. Não é por acaso, portanto, que o estado
lidera nesse mesmo ano a taxa de homicídios, com número alarmante de 64,6 a cada grupo de 100
mil pessoas, enquanto que a média brasileira é de 29,0 – a do Estado de Santa Catarina é a melhor,
com 12,8.
O turismo em Alagoas e a Praia do Francês
Com a principal atividade econômica do estado (sucroalcooleira) incapaz de absorver as
mazelas socioeconômicas que, contraditoriamente, por elas foram impulsionadas, a atividade
turística tem sido posicionada pelos agentes do governo estadual estrategicamente6 como um
elemento de grande importância para a saída do atraso vivenciado pelo povo alagoano.
Assim, o turismo atualmente em Alagoas é tido como o marco forte para o
desvencilhamento do quadro socioeconômico em que esse estado se encontra: estagnado
economicamente, com os setores da economia com baixa concorrência e produtividade; bem como
sua população sobrevivendo nas penúrias do subdesenvolvimento, com os piores indicadores
humanos do país. E é nesse contexto que a atividade turística vem sendo “vendida” pela esfera
governamental, como umas das mais importantes estratégias de desenvolvimento para o estado,
tal como preconiza o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Turismo para 2013-2023
(ALAGOAS, 2013).
Nas palavras do ex-governador, Teotônio Vilela Filho, em sua carta de apresentação do

6
A reforma e a modernização do aeroporto Zumbi dos Palmares, concluída em 2005, favoreceu o fluxo em larga
escala de mercadorias e pessoas no Estado, além disso o melhoramento das vias rodoviárias – segundo dados
apresentados pela Macroplan, em 2014, 50,2% das rodovias alagoanas foram consideradas boas ou ótimas, a terceira
melhor do país, contrastando com os 10,7% no ano de 2004 – podem ser vistos como elementos comprobatórios dessa
afirmação, uma vez que possivelmente contribuirá para o aumento do fluxo turístico no Estado. Ou seja, o turismo se
apropria de aparelhos, como aeroportos, rodovias e outros, com outra finalidade inicial que não a turística.

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Alagoas é potencialmente um estado vocacionado para o turismo e, em


nosso governo, ele tem sido uma ferramenta usada para o
desenvolvimento. Dentro de uma política estratégica com
responsabilidade ambiental e com atração de investimentos consolidados
na geração de emprego, renda e qualificação de serviços dirigidos a esse
setor (ALAGOAS, 2013, p. 7).

Verifica-se ao comparar os dados do fluxo turístico no estado, de acordo com o


levantamento da Gerência de Estudos e Pessoas, vinculada a Agência de Aviação Civil (ANAC),
a denominada “indústria sem-chaminés” nos últimos 10 anos alavancou em 60% na quantidade
pessoas interessadas em conhecer os atrativos turísticos de Alagoas (MARQUES, 2018a).
Em 2012 o estado recebeu mais de 2.552.000 de turistas, sendo que, cada um deles têm um
dispêndio de aproximadamente R$ 1.400,00, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria
de Hotéis de Alagoas (ABIH-AL), o que pode ter gerado, calculando-se, uma receita, naquele ano,
de cerca de mais de R$ 3,5 bilhões. Porém, a notícia oficial é que a atividade turística movimenta
no Estado cerca de R$ 2 bilhões por ano, representando 8% do PIB estadual com previsões de
expansão para os próximos anos (MARQUES, 2018b).
Nesse contexto, tem-se a Praia do Francês como um dos destinos turísticos mais procurados
no Estado. Localizada no município de Marechal Deodoro, distante 20 km ao Sul da capital
alagoana, o qual fora a antiga Vila Madalena do Sul, também a primeira capital desse Estado, é
um local de grande demanda turística, essencialmente pelas suas belezas paisagísticas naturais,
bem como pela infraestrutura oferecida. Essa praia, na verdade um distrito do município
supracitado, obteve essa denominação graças ao um antigo ponto de comércio contrabandista entre
índios que nessa região habitavam (Caetés) e franceses, começou a ser explorada a partir da década
de 1970, até então uma pacata vila de pescadores.

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Este município, que possui uma população total de 51.364 habitantes, segundo estimativas
de 2018 (IBGE, 2018), possui o terceiro maior PIB do estado – grande parte oriundo da
arrecadação de impostos das indústrias do Polo Cloroquímico –, produziu em 2012 um montante
de aproximadamente R$ 1,123 bilhões, representando 3,80% do PIB alagoano que teve uma cifra
de R$ 29,545 bilhões (IBGE, 2014). Levando em consideração esses dados, população e PIB,
temos que o PIB per capita do município de Marechal Deodoro encontra-se em torno de R$
22.232,34, mais que o dobro da média alagoana.
Por outro lado, utilizando de informações dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio
(PORTAL ODM, 2015), 20% dos mais ricos detêm 62,2% da renda municipal, enquanto que os
20% mais pobres apenas 2,4%, informação que demonstra a enorme discrepância e concentração
de renda no município. A incidência de pobreza é de 64,32% (IBGE, 2015) e o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), era em 2010 de 0,642, uma taxa próxima a de Alagoas, 0,631,
e abaixo da brasileira 0,744 (PNUD, 2015).
Continuando a discussão sobre turismo, na maioria dos pacotes de viagem que são
oferecidos pelas agências com destino a Maceió, a Praia do Francês encontra-se inclusa no roteiro
– uma vez que essa praia se encontra nos limites da Região Metropolitana de Maceió – havendo,
portanto, grande fluxo turístico. Neste sentido, dos 2.552.829 turistas que visitaram Alagoas em
2012, 1.595.519 estavam em Maceió (MARQUES, 2018a), nota-se, então, a intensa passagem de
pessoas nessa antiga vila de pescadores, que gradativamente vem adquirindo infraestrutura para
suportar e atender as necessidades do turismo.
A Praia do Francês contou com o maior investimento de ampliação de leitos no Estado,
com a construção do Hotel Ponta Verde Francês, numa cifra de R$ 201 milhões (ALAGOAS,
2013). Além do setor privado, o setor público, em suas três esferas, também tem marcado peso
para o aumento do fluxo na localidade, exemplificado com a duplicação da AL-1017, as

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A atividade turística, em verdade, se validou da política de integração espacial entre a capital alagoana e a porção

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restaurações dos monumentos históricos – porém não tão explorados – e as diversas obras de
melhorias urbanas que se encontram em execução.
Todavia, lampejam nas mentes dotadas da capacidade de não somente ver a aparência da
coisa, a coisa como ela se apresenta, mas sim a coisa em si, a sua essência, isto é, as contradições
inerentes e intrínsecas as relações capitalistas e em tudo em que passam os seus tentáculos,
possíveis inquietações. Indaga-se, portanto, quais efeitos decorridos da pressão cada vez maior,
promovida pela atividade turística apropriada pelo metabolismo capitalista, sobre as esferas social,
econômica, cultural e ambiental na comunidade local da Praia do Francês? De que modo essa
atividade está sendo realizada? Quais as possíveis perspectivas da relação entre turismo e o lugar
(Francês). Levantamento um tanto que simplista a primeira vista, porém de tortuoso caminho para
o desvendamento.

Considerações finais
O texto que aqui se encerra tentou demonstrar, especificamente a comunidade do Francês,
algumas nuances contraditórias da atividade turística, e de um ponto de vista mais generalizante,
na escala estadual, que somente ela não terá forças suficientes para alcançar os anseios de uma
população duramente massacrada pela exploração de sua oligarquia canavieira. Será preciso a
inserção de novos agentes, totalmente desgarrados política e economicamente da cana, que no caso
de Alagoas se tornara também um elemento cultural, promovido, não aleatoriamente, para a
reprodução de uma elite que controla o estado há séculos.
O caso da cultura algodoeira e das fábricas de tecidos é o único caso na história do Estado

Sul da zona da mata canavieira. Esse processo foi iniciado ainda no decorrer da década de 1960, a qual é realizada,
sobretudo, através da AL-101 Sul, e possui sua importância pela razão de interligar diretamente àquela área ao Porto
de Jaraguá, facilitando bastante o escoamento da produção. Como já foi sinalizado anteriormente, Cruz (2003, p. 23-
24) contribui dizendo que “no caso brasileiro, o que a prática social do turismo tem feito ao longo das últimas décadas
é apropriar-se de rodovias construídas com outras finalidades que não do turismo. [...] um recente reconhecimento da
importância das rodovias para o bom desempenho do turismo nacional e fato consumado”.

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de um governo que enxergou novos horizontes para a economia de Alagoas, com o nome de Muniz
Falcão, criou uma forte concorrência hegemônica contra a oligarquia da cana-de-açúcar.
Promovendo, assim, uma melhor distribuição fundiária e consequentemente de renda, por um lado,
e por outro, fomentou a expansão do movimento operário, bem como das disputas político-
ideológicas internamente. Sendo, pois, exemplificações de que é possível vencer o arcaico, superar
o moderno e chegar a um paradigma socioeconômico emancipado.
Nesse sentido, o estado de Alagoas nada mais é do que o reflexo do nefasto capitalismo
brasileiro e da condição a que vários povos do mundo são submetidos, dependentes econômica e
tecnologicamente, com sua burguesia subserviente ao capital estrangeiro e uma classe trabalhadora
terrivelmente massacrada pela exploração, numa relação de trabalho quase servil. A situação
alagoana, pelo menos para a grande maioria populacional, é ainda mais aguda, por ser uma área
duplamente assolada pelo subdesenvolvimento – um estado explorado num país também
explorado.
É o metabolismo do sistema capitalista que ocorre de modo desigual, mas combinado às
estruturas passadas, mesclando “velhas” ordens às “novas”, mas que atende a uma única lógica: a
da apropriação do trabalho alheio e a propriedade privada. Está, assim, sedimentada na formação
social alagoana a via prussiana-colonial e a sua típica elite “débil”, que se perpetua como tal
apoiando-se no controle estatal para ampliação do seu capital, sabotando as políticas públicas.
Resultando, com isso, na miséria da grande maioria e numa sociedade civil residual, para garantir
a manutenção do seu domínio hegemônico mesmo que isso signifique a sua subalternidade perante
os grandes capitais nacionais e estrangeiros.
Significando que, ao se apropriar da força de trabalho do indivíduo, ao máximo possível
dela e o mínimo necessário para que possa diariamente reproduzi-la – ou seja, condição mínima
de existência – torna o poder de consumo da grande massa populacional reduzidamente pífia
somente aos gêneros de subsistência, reservando o consumo de bens duráveis – que possuem maior

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valor agregado – a uma parcela reduzida da sociedade. Não desenvolvendo, assim, por outro lado,
um mercado interno forte, a burguesia brasileira, como a alagoana, em seu mecanismo de
superexploração, opta por se sujeitar a dependência do mercado externo, sucumbindo aos
interesses particulares da grande burguesia mundial.
Desse modo, a atividade turística que é tida, no cenário político estadual, como uma
possível mola mestra no projeto de dinamização da economia, caso não ocorra a inversão da classe
dirigente, mesmo que não seja dos trabalhadores, mas ao menos atores livres das raízes da
oligarquia canavieira, pode vir a se tornar mais uma frustração. Assim como foi a atividade
algodoeira ou, mais recentemente, o trágico e emblemático caso do Polo Cloroquímico de Alagoas.
Este último, apesar de se encontrar em funcionamento, não cumpriu com as promessas de
desenvolvimento socioeconômico – exceto para o setor da burguesia nacional que explora a nossa
matéria-prima e força de trabalho, sendo na verdade alvo de ferrenhas críticas por seus impactos
adversos no meio social e ambiental.
Então, como foi visto, a atividade turística mediante sua apropriação pelos processos
sociometabólicos do Capital e todas as contradições inerentes favorecem o surgimento de graves
problemas socioambientais, principalmente se os gritos da comunidade local não forem ecoados e
os sistemas ecológicos continuarem sendo desrespeitados. Podendo essa prática ser abominada por
aqueles que não veem o local como apenas uma fonte de lucro, mas, sobretudo, onde suas relações
interpessoais e com o meio natural interagem e acontecem.
Neste momento, a comunidade do Francês ainda encontra-se relativamente passiva a
expansão turística, desfrutando da riqueza deixada por seus visitantes – sendo as migalhas o que
resta para a comunidade tradicional: trabalho de baixa remuneração, muitas vezes sem garantias
legais ou até mesmo informais (ambulantes). Porém, já pode ser verificado o que poderíamos
chamar de rejeição ao turismo predatório sobre a lógica do capital, exemplificado nas mobilizações
da comunidade em audiências públicas no tocante a construção de um resort na restinga que liga

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o Francês a Barra de São Miguel.


Ademais, a organização dos empreendimentos é voltada quase que exclusivamente para
atender o fluxo turístico, notadamente com padrão de consumo mais elevado do que as condições
da comunidade local e circunvizinha pode arcar, promovendo a exclusão daqueles que não podem
pagar pelo lugar, que é outro ponto que merece ênfase orbita na contribuição socioeconômica que
a atividade turística leva para a população, isto é, a distribuição dos dividendos gerados pelo
turismo objetivados na forma de emprego e renda, além de outros serviços públicos.
Na realidade, a riqueza produzida através da exploração turística da Praia do Francês é
desviada daqueles que mais necessitam, processo iniciado pela pouca participação da comunidade
no planejamento da atividade, reservando-a a condição de mero instrumento de trabalho. Formas
de trabalho subalterno (garçom, cozinheira, camareira, serviçal, caixa de supermercado, entre
outros) que nada contribui para alimentar o ser, exceto em sua necessidade primária, a alimentação,
muitas vezes precarizada. Situação que se agrava para os trabalhadores informais, os chamados
ambulantes e pior ainda mais para os “piratas”8, que desesperadamente digladiam com esses outros
desesperados a sobrevivência diária.
A incipiência do turismo, aliada com a falta de interesse dos gestores do município de
Marechal Deodoro, que atualmente é o principal planejador, em expandir o desenvolvimento da
atividade, torna-se clara ao ser visualizado que a grande maioria dos turistas que visitam a sua
praia mais importante, somente a tem como único atrativo. Sendo que, por outro lado, esse
município tem encravado no seu interior um dos mais belos e importantes conjuntos urbanístico e
paisagístico do Brasil (ALAGOAS, 2013), remontando historicamente os princípios da
colonização e urbanização do país.
Ressaltamos, portanto, que não somos contrários ao turismo, uma vez que é uma prática

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Termo utilizado para designar trabalhadores ambulantes excluídos do cadastramento realizado pelo poder público
municipal de Marechal Deodoro-AL.

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intrínseca à nossa condição de ser social, que pode ser refletida na ideia da curiosidade de conhecer
outros lugares com seus povos e seu meio, sentindo as diferenças que pode ser um excelente
mecanismo da expansão da percepção de que somos pertencentes ao gênero humano.
A peculiaridade ontológica do turismo pode desvelar para o ser humano, vivenciando
outras culturas, o entendimento do seu destino enquanto gênero, ao mesmo tempo que fortalece a
sua individualidade, relação essa indispensável na construção concreta do desenvolvimento
emancipado do gênero humano. Além de tudo, perceber que todos têm o direito de viver com
dignidade, nivelado e pleno, onde cada ser humano seja proprietário de si mesmo.
São às nefastas relações sociometabólicas do capitalismo que nos posicionamos avessos,
que ao se apropriar do espaço geográfico beneficia alguns poucos em detrimento de uma imensa
maioria da humanidade. Desejamos, pois, que todos, inclusive os moradores mais pobres da
localidade do Francês, tenham condições materiais e imateriais de usufruir, além de todas as outras
exigências do espírito humano, do “prazer” do ócio, ou seja, do turismo.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Federal de Alagoas, Campus Marechal Deodoro, por meio do


Programa de Pós-Graduação (Especialização) em Educação e Meio Ambiente, ao Programa de
Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Alagoas- UFAL e ao Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento, Meio Ambiente da Universidade Federal de Pernambuco –
UFPE e a CAPES.

Referências
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