Você está na página 1de 10

Textos Brasileiros

ANCIANIDADE DE SANTA LUZIA DO NORTE


WERTHER BRANDÃO

SUMÁRIO
D o p o v o a m e n t o d o t er r i t ó r i o a l a g o a n o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0 2
S a n t a L u z i a d o N o r t e : a s o ri g e n s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0 6
Um documento esclarecedor...............................................08
O O u t e i r o d e São Ben t o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 0
Anexos..........................................................................13

Do povoamento do território alagoano

A é p o c a d a f u n d a ç ã o d o s p r i m e i r o s n ú cleo s d e p o v o a m e n t o n o t e r r it ó r io
alagoano constitui, diante da raridade ou mesmo inexistência de provas
documentais sólidas e merecedoras de fé, um dos capítulos mais obscuros e
controvertidos de nossa história.
De um modo geral, admite-se que os três agrupamentos básicos de nossa
f o r m a ç ã o – P e n e d o , P o r t o C a l v o e A l a g o as , a t u a l M a r e c h a l D e o d o r o – r e m o n t a m
a o s é c u l o X V I , p r e s u m i n d o - s e s e r o p r i me i r o , e n t r e t o d o s , o m a i s a n t i g o . S ã o
d e s c o n h e c i d o s , c o n t u d o , o s d o c u m e n t o s c om p r o b a t ó r i o s d a c r i a ç ã o d e s s e s b u r g o s
n a e r a d e q u i n h e n t o s e q u a s e t o d a s a s a f i r m a t i v a s c o n h e c id a s s e f i r m a m e m
s i m p l e s c o n j e c t u r a s , n ã o m u i t o c o n v i n c en t e s , q u a n d o n ã o s e e s c u d a m e m v a g a s
t r a d i ç õ e s c o l h i d a s p o r c r o n i s t as a n t ig o s , m a i s p r ó x i m a s d a l e n d a q u e d a h is t ó r i a .
D as primit iv as pov oações localiz adas n a região su l da capit a n ia de
P e r n a m b u c o , q u e e m 1 8 1 7 s e r i a d e s t a c a da p a r a f o r m a r o a t u a l E s t a d o d e
A l a g o a s , a p e n a s P o r t o C a l v o e n c o n t r a u ma f o n t e d i g n a d e n o t a q u e c o m p r o v a s u a
ex ist ên c ia n o sécu lo XVI. É a d e n u n c i a ç ã o f e i t a e m O l i n d a , p e r a n t e o v i s i t a d o r d o
S a n t o O f í c i o , e m 2 7 d e j a n e i r o d e 1 5 9 4 , p o r F a b i ã o L o p e s , a o d e c l a r a r : ‘a v e r á
t r ê s o u q u a t r o a n n o s q u e n o p o r t o d o C al v o , h u m d i a n ã o l h e l e m b r a q u a l n e m s e
p e l l a m e n h ã a s e a t a r d e n o a l p e n dr e d a s c a s a s d e G o m e s M a r t i n s ” 1 t r a v a r a
debate, secundado por Manoel Garro, com Manoel da Costa Calleiros e Francisco
M e n d e s s o b r e m a t é r i a c o n s i d e r a d a , n a é poca, de relev â n c ia religiosa. C h amado a
d e p o r e m 1 6 d e m a i o d e 1 5 9 4 , M a n o e l G ar r o , e n t ã o r e s i d e n t e n o C a b o d e S a n t o
A g o s t in h o , “ r e s p o n d e o q u e a v e r á p o u c o m a i s d e t r ê s a n n o s q u e e l l e t e s t e m u n h a
r e s i d i o a l g u n s m e z e s n o P o r t o d o C a l v o ” 2. S ã o a s d e c l a r a ç õ e s d e F a b i ã o L o p e s e
M a n o e l G a r r o o s ú n i c o s d o c u m e n t o s c o e tâ n e o s c o n h e c i d o s q u e p a r e c e m a s s i n a l a r
a existência de um povoado alagoano no século XVI.
Sem embargo, poderá se alegar que já no Regimento e Conesenza da
C o s t a d o B r a s i l , d i v u l g a d o p o r C a p i s t r a n o d e A b r eu , s e g u n d o c ó p ia d o o r ig in a l
ex ist en t e n o M u seu Brit ân ico, f eit a por J oão L ú c i o d e A z e v e d o , f i c a r a r e g i s t r a d a a
p o v o a ç ã o : “ D e s t e r i o a o p o r t o d o c a l v o a í s e m d er ot a q u a t r o ou s i m q u o l eg oa s e

1 P r i m e i r a v i s i t a ç ã o d o S a n t o O f f í c i o à s p a r t e s d o B r a sil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça. Denunciações de Pernambuco,1593-1595. São Paulo, 1929,
p. 176-7.
2 Op. Cit., p. 269.
2
porto do calvo tem dous bocas e tambem arrisife”3 . Mas o Regimento
n ã o s e r e f e r i a à a t u a l c i d a d e e s i m a o p o r t o , n a f o z d o r io M a n g u a b a .
D a f u n d a ç ã o d e P e n e d o , n a p r ime ir a c e n t ú r ia d e n o s s a e x is t ê n c ia, n ã o h á
i n f o r m e s s e g u r o s . A b e l a r d o D u a r te , e m m a g n í f i c o e a c u r a d o e s t u d o 4, coligiu as
opiniões de vários historiadores acerca da data de criação do arraial são
f r a n c i s c a n o . S e m a p o i o d o c um e n t a l , o s v e l h o s m e s t r e s d e n o s s a h i s t ó r i a
s u g e r i r a m a s d a t a s m a i s d e s e n c o n t ra d a s : 1 5 2 2 , 1 5 3 5 , 1 5 5 5 e 1 5 6 0 . Q u a s e t o d a s
as hipóteses expendidas se firmam no lançamento das bases do povoado quando
da descida do primeiro donatário, em data imprecisa, ou na fase da bandeira de
1560-1565, empreendida pelos filhos de Duarte Coelho, o Velho, para combate ao
g e n t i o h o s t i l . A n t e s d e 1 5 6 0 , p o r é m , é impossível admitir sequer a fixação
regu lar de elemen t os civ iliz ados n as ribeiras do São F ran cisco, en t ão in f est adas
d e i n d í g e n a s , e s p e c i a lm e n t e o s C ae t é s , c é l e b r e s p e l a b e l i c o s i d a d e .
É p o r d e m a i s c o n h e c i d o o e s t a d o l a s ti m á v e l d a c a p i t a n i a d e P e r n a m b u c o
a p ó s a m o r t e d o d o n a t á r i o , D u a r t e C o e lh o , v e r i f i c a d a e m 1 5 5 4 , a n o e m q u e s e u
c u n h a d o , J e r ô n im o d e A lb u q u e r q u e , é b at id o p e lo s ín d io s d o C a b o d e S a n t o
A g o s t i n h o , p e r d e n d o u m o l h o n a r e f r e ga . E m 1 5 5 5 p r o s s e g u e m a s t r e p o l i a s d o s
bárbaros e ano imediato verifica-se, na costa alagoana, o morticínio do bispo D.
P e d r o F e r n a n d e s S a r d i n h a e d e s e u s c o m p an h e ir o s d e n a u f r á g io . É t ã o c r ít ic a e r a
a s i t u a ç ã o d a c a p i t a n i a q u e D . C a t a r in a , a v ó d e D . S e b a s t i ã o e R e g e n t e d e
P o r t u g a l, h o u v e p o r b e m o r d e n a r a o s e g u n d o d o n a t á r io D u a r t e C o e lh o d e
Albuquerque partisse de Lisboa para Pernambuco em companhia do irmão,
c o n f o r m e n a r r a o a u t o r d a o b r a N a u f r á g i o d e J e r ô n i m o d e A l b u q u e r q u e 5. D e p o is
d a lon g a c a m p a n h a d o s j o v e n s f ilh o s d o p r i m e i r o d o n a t á r i o , o c o l o n i z a d o r l u s o ,
que antes temia afastar-se de Olinda duas ou quatro léguas, receoso do gentio
l e v a n t a d o, v e n d o c o n q u i s t a d a a r e g i ã o s u l d a capit an ia, dev e t er in iciado o
pov oamen t o ribeirin h o com a in sta l a ç ã o d e f a z e n d a s d e g a d o .
A n t e s d a b a n d e i r a d o s i r m ã o s A l b u q u e rq u e , r e f e r e F r . V i c e n t e S a l v a d o r , o s
índios do São Francisco comerciavam com os portugueses que iam em barcos pela
costa fazer seus resgates mas “em secreto, se colhiam alguns descuidados, os
matavam e comiam”. E reportando-se o frade à campanha de 1560-1565, adianta
Ter sido eleito “ p o r g e n e r a l d a g u e r r a J o r g e d e A l b u q u e r q u e , o q u a l , a c e i t a n d o o
c a r g o , a c o m e ç o u l o g o a f a z e r a s s i m a os i n i m i g o s d o c a b o d e S a n t o A g o s t i n h o ( o
g r i f o é n o s s o ) s a i n d o - l h e s m u i t a s v e z e s a o e n c o n tr o d e s e u s a s s a l t o s , m a t a n d o e
ferindo muitos, com que já deixavam alargar-se os brancos e viver em suas
g r a n j a s , c o m o a o s d o R i o d e S ã o F r a n c i s c o a on d e f o i e m c o m p a n h i a d e s e u i r m ã o
( o g r i f o é n o s s o ) e n e s t e m i l i t a r e x e r c í c i o s e o c u p o u c i n c o a n o s ” 6. N ã o e s c l a r e c e o
cronista se os portugueses logo após a conquista se fixaram nas margens do
g r a n d e r i o , c o m o n o c a b o d e S a n t o A g o st i n h o , m a s t u d o i n d i c a q u e d e e n t ã o e m
d ia n t e o t e r r it ó r io f ic o u d e c e r t o m o d o p a c i f i c a d o , c o m o i r i a o c o r r e r i g u a l m e n t e ,
a l g u n s a n o s d e p o i s , n a m a r g e m s e r g i p a na , e m d e c o r r ê n c i a d a e x p e d i ç ã o d e 1 5 9 0 ,
de Cristovão de Barros.
C o n t u d o n ã o f o r a m c o n c e d id a s d e ime d iat o s e s m a r ias n a r e g iã o , e a
primeira registrada é a de João d a R o c h a V i c e n t e q u e e m 1 5 9 6 r e c e b i a “ n a
t e s t a d a d o r e g u e n g o d e J o r g e A l b u q u e r q ue u m a l e g o a p a r a o n o r t e e o u t r a p a r a o
s u l c o m q u a t r o l e g o a s p a r a o s e r t a m ” , a cr e s c i d a s d e o u t r a s m a i s , d o a d a s e m
1 5 9 7 e 1 6 0 2 7. E m 1 6 1 2 p r o c e s s a v a - s e a i n d a a d i s tr i b u i ç ã o r e g u l a r d e s e s m a r i a s ,
u m a d e l a s s i t u a d a à m a r g e m d o r i o , “n a b o c a d o P i a n g u i p a r a a b a n d a d o n o r t e” 8,
i s t o é , a j u s a n t e d e P e n e d o . C om o a d m it ir, pois, a ex ist ên c ia do pov oado n o
s é c u l o X V I , a n t e s d a d i s s e m i n a ç ã o d o e l e me n t o l u s o n o v a l e d o “ r i o d a u n i d a d e
n a c io n a l” ?

3 ABREU, J. Capistrano de. Ensaios e Estudos. 2ª. Série. Rio de Janeiro, 1932, p. 370.
4 DUARTE, Abelardo. Os primórdios do povoamento de Alagoas. Revista do Instituto Histórico de Alagoas. Maceió, v. XXV, Ano de 1947 (1949) p. 20.
5 “E com esta diligencia, & brevidade que pós nesta conquista, a pode conquistar dentro em cinco annos, estando tão povoada de inimigos, que quando chegou a dita Capitania por

mandado da Raynha Dona Catherina, não ousavão os portugueses que moravão na Villa de Olinda, a sair fora da Villa, mais q húa, duas legoas pella terra a dentro, & ao longo da
costa , três quatro legoas; & depois que acabou de conquistar, seguramente podem yr , quinze , vinte legoas pella terra dentro, & sessenta ao longo da costa, por tantas ter a dita
Capitania de jurdição.” Naufrágio que passou Jorge d’Albuquerque Coelho, Capitão & governador de Pernambuco. Lisboa, Antonio Ribeyro, 1601.
6 SALVADOR, Frei Vicente de. História do Brasil, 3ª. ed., São Paulo, s. d. , p. 184-5.
7 REVISTA do Instituto Archeológico e Geographico Alagoano. Maceió, nº º, dez. 1872, p. 29 (Documentos – Antiguidades de Penedo).
8 Idem, p. 29.
2
3
Julgamos oportuno assinalar que em carta de 12 de fevereiro de 1722,
dirigida a El-Rei de P o r t u g a l , o s o f i c i a i s d a C â m a r a d e P e n e d o d e c l a r a r a m q u e
“tendo esta vila a sua criação no ano de 1614, logo no princípio foi invadida pelos
h o l a n d e s e s ” 9. E m g e r a l n o s s o s h i s t o r i a d o r e s c o n c l u e m t a l d e c l a r a ç ã o t e r a
Câmara fixado erroneamente a data da ereção do povoado em vila, o que se
verificou anos mais tarde, em 1636. É possivel, porém, que os homens da
v e r e a n ç a e s t i v e s s e m s e r e f er i n d o à f u n d a ç ã o o f i c i a l d o p o v o a d o , i n v a d i d o p o r
N a s s a u e m 1 6 3 7 . E m a b o n o d e n o s s a p r e su n ç ã o , r e c o r r e m o s a o s i n f o r m e s d o D r .
J o s é V i e i r a d e C a r v a l h o q u e , c o m p u ls a n d o n o in íc io d a S e g u n d a m e t a d e d o
p a s s a d o s é c u l o , v e l h o s d o c u m e n t o s s o b re a o r i g e m d e P e n e d o , r e c u s o u - s e a
aceitar a criação da vila em 1614 ö que não parece exato, pois que sendo em
1613 – o primeiro descobridor e povoador destas paragens o Capitão Christovão
d a R o c h a , n ã o p o d e r i a e m 1 6 1 4 e s t a r c a p az d e s e r V i l l a o R i o S ã o F r a n c i s c o ” . E
a c r e s c e n t a : ö m e s m o R o c h a f u n d o u a i g re j a ( h o j e M a t r i z ) c o m a i n v o c a ç ã o d e
S a n t o A n t o n io e lh e d e u u m a lég u a d e t er r a , f a z e n d o p i ã o d a i g r e j a , e c o r r e n d o
para cima até a Mata da Aldeia, e para baixo a outra meia légua, dando de renda
d e z c r u z a d o s , s e n d o a d o a ç ã o a s s i n a l ad a p o r B e l c h i o r A l v a r e s , c o m o s e u
p r o c u r a d o r e t e n d o d a d o a l i c e n ç a o b i s po D . C o n s t a n t in o d e B a r r a d a s , 4 º b is p o
do Brasil” 10. P o d e - s e i n f e r i r d o e x p o s t o , e xt r a í d o d e u m a s e n t e n ç a d e 1 9 6 0 ,
p r o n u n c iad a e m O lin d a p e lo j u iz J o s é S á d e M e n d o n ç a , q u e a p o s iç ã o o n d e h o j e
se eleva a cidade fez parte da sesmaria recebida por Cristovão da Rocha, em
1613, não sendo plausível a hipótese de lhe terem sido concedidas terras em
local on de já ex ist ia u m pov oado. As part i c ul a ri d a d e s s o b re a e re ç ã o d a c ape la e
s u a d o t a ç ã o f o r a m – n ã o s a b e m o s s e p o r c o n h e c im e n t o d ir e t o d a s f o n t e s o u s e
a t r a v é s d o t r a b a l h o d o D r . V i e i r a d e C a r v a l h o – d i v u l g a d a s p o r C o r o a t á 11, a q u e m
escapou, contudo, a evidência da data da fundação de Penedo.
D e q u a l q u e r m o d o , a i n d a q u e s e q u i s es s e , b a s e a d o e m s i m p l e s c o n j e c t u r a s ,
r e c u a r m a i s a é p o c a d o n a s c i m e n t o d o g lo r i o s o b u r g o , n ã o p o s s u i e l e d o c u m e n t o
confirmador de seu aparecimento no século XVI. E o mesmo ocorre com a velha
c i d a d e d e A l a g o a s , h o j e M a r e c h a l D e o d o ro , c o n h e c i d a n o s s e u s p r i m ó r d i o s p o r
Alagoas do Su l ou simplesmen t e Vila M adalen a.
A r e s p e i t o d a f u n d a ç ã o d a v et u s t a c i d a d e , d i s c o r r e J a b o a t ã o : “ N ã o s e s a b e
ao certo o anno em que se deo principio a Povoação; sendo que no anno de 1591
p a r e c e n ã o h a v i a a l g u m a e m f o r m a ; p or q u e n e s t e m e s m o a n n o , c o n s t a d e h u m a
escriptura pública, fora feito a data de cinco legoas de terra ao longo da Costa, e
s e t e l e g o a s p a r a o S e r t ã o , a s a b e r , d e c la r a t a l e s c r i p t u r a , d a b o c a d a A l a g o a , a
q u e c h a m ã o M a n g u a b a , t r e s l e g o a s d a C os t a d a b a n d a d o S u l , e d a m e s m a b o c a
d a A l a g o a p a r a o N o r t e d u a s l e g o a s ” 12. I n f o r m a A i n d a o c r o n i s t a f r a n c i s c a n o q u e a
data da terra fora concedida por Pedro Homem de Castro, sobrinho e procurador
d o d o n a t á r i o J o r g e d e A l b u q u e r q u e C o e l h o, e m 5 d e a g o s t o d e 1 5 9 1 , a D i e g o d e
M e l o e C a s t r o q u e r e q u e r e r a a s e s m a r i a a le g a n d o in t e n t o d e f u n d a r v ila. M a s , s e
r e a l m e n t e t e n t o u p o v o a r s u a s t e r r a s , o s es m e i r o f a l h o u e m s u a m i s s ã o , p o i s n ã o
sabemos de documentos que registrem suas atividades nas Alagoas ou assinalem
a e x i s t ê n c i a d o p o v o a d o n a ú l t i m a d é c a d a d o s é c u l o . P e l o s is t e m a d a s c a p i t a n i a s
hereditárias instituído por D. João III, ao receber a doação isenta de fôro ou
d i r e i t o , o b r i g a v a - s e o c o n t e m p l a d o a p o v oá - l a d e n t r o d e u m p r a z o f i x a d o , e m
geral cinco anos. Tudo indica o não cumprimento da cláusula acima por parte de
Diego de Melo e Castro. Assim é que sua sesmaria, no século seguinte, com os
mesmos limit es, iria passar a ou t ro proprie t á r i o m a i s a f o r t u n a d o – D i o g o S o a r e s
da Cunha.
Não sabemos o ano em que Diogo Soares recebeu sua carta de doação.
E n t r e t a n t o , o r e la t ó r io d e J o h a n e s V a n W a lb e e c k e H e n r iq u e d e M o u c h e r o n s o b r e
as Alagoas no período nassoviano, nos fornece esclarecimentos interessantes: “no
t e m p o d a p r i m e i r a p o v o a ç ã o f o i s e u p r o pr i e t á r i o D i o g o S o a r e s d a C u n h a , p a e d e

9 REVISTA do Instituto Archeológico e Geográphico Alagoano. Maceió, v. XV, 1931, p.158.


10 CARVALHO. José Vieira de. “Viagem às Caxoeiras de Paulo aAfonso”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, tomo 23, 1859 (Carta
do Dr. José Vieira de Carvalho ao Dr. Schuch Capanema).
11 CAROATÁ, José Prospero Jeová da Silva. Crônica de Penedo. 3ª. ed., Maceió, 1962, p. 42-4.
12 JABOATAM, Fr. Antonio de Santa Maria. Novo orbe seraphico brasílico ou Chronica dos frades menores da província do Brasil. Rio de Janeiro, 1858, v. 1º, P.

397.
3
4
Gabriel Soares da Cunha, senhor do Engenho Novo, o qual a obteve
p o r d o a ç ã o d e D u a r t e d e A l b u q u e r q ue , s e n h o r d e t o d a a c a p i t a n i a d e
P e r n a m b u c o ” 13. E , d e p o i s d e a d i a n t a r q u e a s c a r t a s d e d o a ç ã o t i n h a m s i d o
e x i b i d a s a n t e r i o r m e n t e , a c h a n d o - s e s ob a g u a r d a d e B a l t a z a r d a F o n s e c a ,
esclarece o relatório: “ O d o a d o r d e u a D i o g o S o a r e s , c o m o b e m a l o d i a l , d u a s
léguas ao Norte e três ao Sul da barra de Alagoas com sete léguas para o interior
e mais quatro léguas da boca do rio Parayba (que desemboca na mesma lagoa)
para o Sul e sete para o sertão de sorte que o donatário (sic) ficou sendo
p o s s u i d o r d e t o d a a l a g o a d o S u l ” 14. C o in cide o f o ral com o de Diogo de Melo e
Castro. Todavia, foi conferido decerto na primeira década do século XVII, pois o
d o n a t á r i o j á n ã o e r a J o r g e d e A l b u r q u e r q u e, f a l e c i d o n o s ú l t i m os a n o s d o s é c u l o
a n t e r i o r , m a s s e u f i l h o D u a r t e , o t e r c e ir o d o n o m e , q u e e m 1 6 0 3 t e v e d e F e l i p e
I I I a c o n f i r m a ç ã o d e s e u s e n h o r i o , g o v er n a n d o a c a p i t a n i a a t r a v é s d e l o c o -
t e n e n t e s o u p r o c u r a d o r e s , a t é q u e a in v a s ã o h o lan d e s a o b r ig o u - o a v ir e m d e f e s a
d e s e u f e u d o ime n s o .
A semelhança dos nomes de Diogo de Melo e Castro e Diogo Soares da
C u n h a t e m g e r a d o c o n f u s õ e s , j u lg a n d o m u it o s a u t o r e s t r a t a r - s e d a m e s m a
p e s s o a . M a s , a l é m d o a n a c r o n i s m o e v i de n t e , p o i s D u a r t e C oe l h o , n a s c i d o e m
outubro de 1591, não poderia conceder doação em agosto do mesmo ano, é
inaceitável que, datando dessa época a concessão de Diogo Soares, só em 1610
tomasse este providencias no sentido de povoar a terra sesmada, através de seu
p r o c u r a d o r H e n r iq u e d e C a r v a lh o , c o n f o rm e r e z a a e s c r i t u r a d e 2 5 d e n o v e m b r o
de 1611, de uma légua de terra em favor de Manoel Antônio Duro. Esta escritura,
com mu it a raz ão con s iderada o mais an t igo t ít u lo de ex ist ên c ia do pov oado
i n c i p i e n t e , r e f e r e - s e à “ V i l l a M a d a l e n a q u e o r a s e f e z n a d i t a l a g ô a ” 15. É a
con f irmação implícit a de qu e a pov oação se in iciara recen t emen t e – “ o r a s e f e z ” .
E n ã o p o d e r i a s e r d e o u t r a f o r m a , p o i s, r e c e b e n d o a p r o c u r a ç ã o p a s s a d a e m
L i s b o a e m 2 0 d e n o v e m b r o d e 1 6 1 0 , H e n r i qu e d e C a r v a l h o s ó n o a n o s e g u i n t e
est aria em con d ições de in iciar su as at iv idades de admin ist rador com a
distribuição de terras e a edificação da vila ou povoado. Em 1611, portanto,
devemos fixar, até prova em contrário, a data da fundação da Alagoa do Sul
(atual Marechal Deodoro0 que, como Penedo e Porto Calvo receberia em 1636, em
p l e n o f r a g o r d a s l u t a s h o l a n d e s a s , a s u a e le v a ç ã o à c a t e g o r i a d e v i l a p e l o q u a r t o
d o n a t á r io D u a r t e d e A l b u q u e r q u e C o e l h o .

Santa Luzia do Norte: as origens


A s s e n t a m a s b a s e s d o p o v o a m e n t o a l a go a n o n o s t r ê s n ú c l e o s c u j a s o r i g e n s
a b o r d a m o s e m l i g e i r o s t r a ç o s – P o r t o C al v o , A l a g o a s e P e n e d o – e q u e , p e l o
rápido desenvolvimento e supremacia econômica, relegaram ao quase
esquecimento um outro centro coevo de nossa formação, de pequena importância
demográfica, mas de real valia como um dos primeiros pontos de nossa expansão
no alvorecer do século XVII.
S a n t a L u z i a d o N o r t e , d e c a d e n t e e p i t or e s c o b u r g o d a L a g o a M u n d a ú o u d o
N o r t e , c e l e b r a d o n o s f a s t o s d a i n v a s ão h o la n d e s a , t e m s e u s p r imó r d io s n a
primeira década do século XVII, como Penedo e Alagoas, embora circule uma
versão, considerada lendária por muitos autores, do nascimento do povoado na
centúria anterior. Se esta atribuição mais remota pode ser refutada, a
ancianidade da povoação da Lagoa do Norte é contudo incontestável e melhor
d o c u m e n t a d a q u e a d e s u a s i r m ã s d a l ag o a d o S u l e d o r i o d e S ã o F r a n c i s c o .
Deve-se à autoridade de Varnhagen a divulgação de ter sido o pequeno
b u r g o lac u s t r e f u n d a d o n a ú lt im a d éc a d a d o s é c u l o X V I . F o c a l i z a n d o o
p o v o a m e n t o d a s A l a g o a s , r e p o r t a - s e o m e s tr e a o f o r a l d e D io g o d e M e lo e C a s t r o ,
de agosto de 1591, e sentencia: “logo depois, começava a erigir-se em uma
pequena enseada, no fundo da Alagoa do Norte, a vila chamada nova de Santa

13WALBEECK , Johanes Van. MOUCHERO, Henrique. “Relatório sobre o estado das Alagoas em outubro de 1643”. Revista do Instituto Acheológico e Geographico
Pernambucano, Recife, v. V, nº 33, p. 153-64.
14IDEM, idem, loc. Cit.
15 ESPÍNDOLA, Thomaz do Bomfim. Geográphia Alagoana ou descripção physica, pol;itica e histórica da província de Alagoas. 2ª. ed. Maceió, Typographia do
Liberal, 1871, p. 216.
4
5
Luzia, por devoção de seu fundador que era c e g o ” 16. Relacionando o
aparecimento do povoado com a concessão da sesmaria da lagoa do Sul a Melo e
C a s t r o , R i o B r a n c o d e d u z iu t e r s id o e s t e c e g o q u e f u n d a r a S a n t a L u z ia 17. H o u v e
e q u í v o c o d o g r a n d e d i p l o m a t a e h i s t o ri a d o r , m o t i v a d o s e m d ú v i d a p o r u m
descu ido de leit u r a e pelo descon h ecimen t o d a p o s i ç ã o e x a t a d a l o c a l i d a d e ,
sit u ada f ora dos limit es do s e s m e ir o q u in h e n t is t a .
A v e r s ã o e s p o s a d a p e l o V i s c o n d e d e P or t o S e g u r o t e m p a r e c i d o l e n d á r i a a o s
e s t u d i o s o s a l a g o a n o s , p o i s o m e s t r e d i s pe n s o u n o c a s o a c i t a ç ã o d a s f o n t e s . M e l o
M oraes at ribu i a Gabriel Soares a p a t e r n i d a d e d a i n f o r m a ç ã o 18. M a s n ã o h á
n e c e s s i d a d e d e m a i o r e s a r g u m e n t o s p ar a c h e g a r m o s à c o n c l u s ã o d e n ã o t e r
V a r n h a g e m c o lh id o , n a o b r a q u e e le p r ó p r i o e d i t a r a s o b o t í t u l o d e T r a t a d o
d e s c r i p t i v o d o B r a z i l e m 1 5 8 7 – c o m m a t é ri a c o l i g i d a p o s s i ve l m e nt e e m 1 5 8 4 – a
notícia de ter sido Santa Luzia fundada em 1591 ou pouco depois.
É p o s s ív e l a d m it ir , t o d a v ia , a e x i s t ê n c i a d o c e g o r e f e r i d o p e l a t r a d i ç ã o ,
con f irmada pelo n ome escolh ido para o v ilarejo n ascen t e, qu e in dica claramen t e a
d e v o ç ã o d e q u e m o e r i g i r a . M a s a p r ó p r ia i n c a p a c i d a d e f í s i c a d o p r e s u m í v e l
pov oador n ã o lh e permit iria maiores empre e n d i m e n t o s e t u d o i n d i c a t e r s i d o e l e
u m d e s s e s o b s c u r o s m o r a d o r e s , q u e j am a i s p r o c u r a r a m f i r m a r s u a p o s s e
definitiva com pedido de sesmaria. Povoadores que exerceram papel pioneiro no
devassamento da colônia mas não deixaram, em face mesmo das condições
precárias e do caráter passageiro em que se estabeleceram, tarefa de vulto
realizada.
O início da colonização regular e ordenada das lagoas do Norte e do Sul –
f u t u r o c e n t r o d e a t i v i d a d e s a g r í c o l a s e p i s c a t ó r i a s – d e v e t er s e p r o c e s s a d o n o s
ú l t i m o s a n o s d e n o s s o p r i m e i r o s é c u l o d e e x is t ê n c ia, c o n f o r m e in d ic o u D ia s
C a b r a l 19. P o r é m , r e v e n d o o s m a i s a n t i g o s d o c u m e n t o s d e n o s s o p a s s a d o , n ã o
e n c o n t r o u o i n d e f e s s o p e s q u is a d o r a l a g o a n o s i n a i s q u e e v i d e n c i a s s e m n a é p o c a a
existência de pequenos núcleos de povoamento.
T u d o i n d i c a q u e a r e g i ã o d a s l a g o a s , c om o d e r e s t o t o d o o s u l d a c a p i t a n i a
d e P e r n a m b u c o , d is p u n h a e n t ã o d e p o p u laç ã o r a la e e s p a r s a . K n iv e t , m a r in h e iro
da frota de Cavendish de 1591 – abandonado na costa brasileira com outros
c o m p a n h e iro s d e in f o r t ú n io e p o s t e r ior m e n t e a p r is io n a d o - , n o s r e la t a , e n t r e o s
s e u s e s t r a n h o s f a d o s, a a c i d e n t a d a v i a g e m e m c o m p a n h i a d e s e u a m o , S a l v a d o r
C o r r e i a d e S á , e m a g o s t o d e 1 6 0 1 20. A n a u e m q u e v i a j a v a m d o R i o d e J a n e i r o
p a r a P e r n a m b u c o e s t e v e a p o n t o d e n a u fr a g a r n o s b a i x i o s d e D . R o d r i g o e o e x -
c o r s á r i o f o i o b r i g a d o a d e s e m b a r c a r . R u m o u p a r a o n o r t e e e m S ã o M i g u e l , “o n d e
m o r a v a u m m a m el u c o m u i t o r i c o , J o ã o d a R o c h a ”, o b t e v e u m p e q u e n o b a r c o n o
q u a l s e u a m o a u t o r i z o u - o a p r o s s e g u i r, c o m o r d e m d e p r o c u r a r , a o a t i n g i r
Jacarecica, uma localidade onde obteria provisões. Depois de passar o Santo
A n t o n i o e o C a m a r a g i b e , e n t r o u p e l o r i o d as P e d r a s , à m a r g e m d o q u a l s e e r g u i a
u m e n g e n h o , s e g u i n d o d a í p a r a “ u m l u g a r c h a m a d o P o r t o C a l v o ” . O r o t e ir o d a
v i a g e m p e l a c o s t a a l a g o a n a K n i v e t r e c eb e u - o p r o v a v e l m e n t e , d e J o ã o d a R o c h a
Vicente – um dos senhores do rio de São Miguel – e, se povoado existisse nas
d u a s l a g o a s , n ã o t e r i a es c a p a d o a o i n f o r m a n t e .
A nosso ver, agem acertadamente os autores que se negam a aceitar a
f u n d a ç ã o d e S a n t a L u z i a n a d a t a a p o n t ad a p o r V a r n h a g e m . S e e m t a l p e r í o d o
houve tentativa de instalação de uma vila na lagoa Mundaú, os resultados, como
n a v iz in h a la g o a d o S u l, f o r a m n u lo s o u n ã o d e ix a r a m t r a ç o s d u r a d o u r o s e
conhecidos.
F oi a colon iz ação sist emát ica, acen t u ou Oliv eira L ima, qu e produ z iu os
n ú c leo s d e p o v o a m e n t o . E e m S a n t a L u z ia e l a t e m c o m e ç o c o m a d o a ç ã o p a s s a d a
a Mig u el Go n ç a l v es V i ei r a – f i l h o d o c a va l ei r o d a c a s a r e a l e p r o v e d o r d a s r e n d a s
r e a i s e m P e r n a m b u c o , D i o go G o n ç a l v e s V i e i r a , a q u e m s u c e d e u n o c a r g o p o r

16 PORTO SEGURO, Visconde de.. História do Brasil, 3ª . ed. integral, São Paulo, s. d., tomo 2º, p. 37.
17RIO BRANCO, Barão do. Efemérides brasileiras. Rio de Janeiro. Ministério das Relações Exteriores, 1941, p.362.
18 MELLO MORAES, A . J. de. Chronica geral do Brasil. Rio de Janeiro, 1886, p. 206.
19 CABRAL, João Francisco Dias. Vestígios de uma antiga família estabelecida no território de Santa Maria Magdalena da Lagoa do Sul. Revista do Instituto
Archeológico e Geogrphico Alagoano. Maceió, nº 11, dez. 1879, p. 14.
20 KANIVET, Anthony. Vária fortuna e estranhos fados de Anthony Kanivet. São Paulo, 1947, p. 112 e seg.

5
6
alvará de 23 de agosto de 1577, de uma grande data de terras de cinco léguas
ao longo da costa, de Paripueira para o sul, e dez léguas para o sertão. Ignora-se
a d a t a p r e c i s a d a d o a ç ã o , f i r m a d a p o r J or g e d e A l b u q u e r q u e , e s e o p r o v e d o r
chegou a explorar sua vasta sesmaria. O mais antigo documento conhecido até
bem pouco tempo sobre as atividades dos senhores de Santa Luzia era o traslado
de escritura de doação de uma légua em quadro nas ribeiras do Mundaú, feita
pelo f ilh o do primit iv o sesmeiro, D iogo Gon ç alv es Vieira, h omôn imo do av ô, a
A n t ô n i o M a r t i n s R i b e i r o . N a e s c r i t u ra , d a t a d a d e 1 6 1 0 , s e d e c l a r a q u e “o r a s e
e s t á f a z e n d o a v i l l a e p o v o a n d o a d i t a t e r r a ” 21. A d o a ç ã o f o r a f e i t a s o b c o n d i ç ã o
d o c o n t e m p la d o lev a n t a r u m e n g e n h o d e a çú c a r d e n t r o d o p r a z o d e q u a t r o a n o s o
que realmente se efetivou.
N o m a p a 1 4 d o L i v r o q u e d á r a z ã o d o E s t a d o d o B r a s i l – 1 6 1 2 22, S a n t a L u z i a
é a ú n ica localidade assin alada sob a design ação de v ila – Vila N ov a de San t a
L u z i a – e n a s a d j a c ê n c i a s j á s u r g e m d oi s e n g e n h o s , i d e n t i f i c a d o s p o r D i é g u e s
J ú n i o r c o m o o N o s s a S e n h o r a d a E n c a r na ç ã o e o N o s s a S e n h o r a d a A j u d a , h o j e
M u n d a ú 23. Observ ou Hélio Vian a, n a edição crít ica do men c ion ado L i v r o d a R a z ã o,
que na legenda do mapa nº 12 do códice existente na Biblioteca do Pôrto,
r e f eren te ao t er r i t ór i o a l a go a n o , h á u m a d it iv o : “ê s t e s s ã o o s l u g a r e s m a i s
notáveis desta comarca, por sua grandeza”. Mas ao relacionar as seis vilas
e x is t e n t e s n a c a p it a n ia d e P e r n a m b u c o , o e r u d it o c o m e n t a r is t a s u b s t it u iu S a n t a
L u z i a p o r A l a g o a s . S e n ã o e r a a i n d a v i l a, e m p l e n o g o z o d e s u a s l i b e r d a d e s e
insígnias, segundo o foro e o costume do reino, o povoado afirmava-se como o de
m a i o r i m p o r t â n c i a n a r e g i ã o , p o i s d e o ut r o m o d o n ã o f i g u r a r i a n o m a p a , c o m o
o c o r r e u c o m A l a g o a s q u e , t e n d o s u a c on s t r u ç ã o i n i c i a d a e m 1 6 1 1 , n ã o f o i
registrada na obra de Diogo de Campos Moreno. E o designativo não constituía
uma apropriação indébita, mas apenas um uso comum na época, decorrente das
con d ições est ipu ladas pelo t erceiro don at ário ao con c eder a primit iv a sesmaria a
M i g u e l G o n ç a l v e s V ie i r a , i s t o é , r e p a r t i r a s t e r r a s e f a z e r v i l a, t a r e f a q u e c o u b e a
s e u f i l h o r e a l i z a r . O s d o n a t á r i o s p o d i a m , p el o f o r a l r e c e b i d o d e D . J o ã o I I I , e l e v a r
à cat egoria de v ila os cen t ros mais imp o r t a n t e s d e s u a s j u r i s d i ç õ e s . E o s
povoados oriundos do compromisso de fundar vila, costumavam usar desde o
b e r ç o a d e n o m in a ç ã o h o n r o s a , a lt e r n a n d o - a f r e q ü e n t e m e n t e c o m a d o p o v o a d o o u
povoação.
O que poderia parecer exagero do Livro da Razão seria, não o título de
v i l a , m a s o s i m p l e s r e g i s t r o d o p o v o a d o c uj o a p a r e c i m e n t o , p e l o s t e r m o s d a c a r t a
d e M a r t i n s R i b e i r o , t u d o i n d i c a v a s e o ri g i n a r e m 1 6 1 0 , n ã o m e r e c e n d o , p o r t a n t o ,
ser arrolado como o centro mais imp o r t a n t e d o t e r r i t ó r i o a l a g o a n o . U m
documento, velho mais de três séculos, mas só recentemente divulgado, faz
r e c u a r , c o n t u d o , a e x is t ê n c ia d e S a n t a L uz ia a u m m ilés im o u m p o u c o a n t e r io r e
nos ministra elementos preciosos sobre o povoamento da região na primeira
década do século XVII.

Um documento esclarecedor
E m 1 9 4 8 p u b l i c a v a o b e n e m é r i t o I n s ti t u t o H i s t ó r i c o d e P e r n a m b u c o ,
g r a ç a s a o s e s f o r ç o s d e D . P e d r o B a n d e ir a d e M e lo e D . B o n if á c io J a n s e n , o L i v r o
do Tombo do multisecular Mosteiro de São Bento de Olinda. Da importância de tal
p u b l i c a ç ã o p a r a o e s t u d o d a a n t i g a c ap i t a n i a d e P e r n a m b u c o, d i s s e m u i t o b e m o
p r e f a c i a d o r d a o b r a , o s a u d o s o h i s t o r i ó g ra f o A f o n s o d e E . T a u n a y , a o r e s s a l t a r ,
e n t r e o u t r o s a s p e c t o s , a n o v a c o n t r i b u i çã o t r a z i d a a o s e s t u d i o s o s d o s f a s t o s
l oc ais. P ara a h is t ór i a d e A l a g oas , e s p e c i a l m e n t e , t ã o p o b r e e m e l e m e n t o s
anteriores ao período holandês, s u r ge m dois documentos prestimosos,
catalogados entre os “Títulos de Terras mais remotas” doadas ao Mosteiro. Um
d e l e s é d e s u m a i m p o r t â n c i a p a r a o c o n h ec i m e n t o d e n o s s o p a s s a d o e , p o r s u a s
peculiaridades, até parece que o erudito autor da História Geral das Bandeiras
P a u l i s t a s o t in h a s o b a v is t a , q u a n d o n o s e u p r e f á c i o s e r e f e r i u a o s e l e m e n t o s

21Revista do Instituto Archeológico e Geográphico Alagoano. Maceió, nº 1, dez., 1872, p. 25. “Documentos –1610. Esclarecimentos acêrca da data da povoação da
Lagoa do Norte, hoje Villa de Santa Luzia”.
22 MORENO, Diogo de Campos. Livro que dá razão do Estado do Brasil. Recife, 1957, p. 92.
23 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. “O livro que dá razão do Estado do Brasil. ” Revista do Instituto Histórico de Alagoas. Maceió, 1945/46 [1947], p. 10.

6
7
arquivais que trouxeram “mais valiosa contribuição para o melhor
e s c l a r e c i m e n t o d e f a t o s i m p e r f e i t a m en t e c o n h e c i d o s e o r e s s u s c i t a m e n t o d e
e p i s ó d i o s c o n s i d e r á v e i s , c a í d o s n o o l v i d o ” 24.
É esse documento, datado de 15 de dezembro de 1608, a “Declaraçam feita
p o r D i o g o V i e i r a s o b r e a T e r r a d a s A l a g o a s” , q u e s e i ns c re ve d e i m e d i a t o co mo
u m d o s m a i s a n t i g o s d e n o s s a h i s t ó r i a . P re c e d e - o a p e n a s d e a l g u n s m e s e s , c o m a
d e s v a n t a g e m d e n ã o s e c o n h e c e r o o r i gi n a l , a c a r t a d e d o a ç ã o p a s s a d a p o r
C rist o v ão L in s a R od r i g o d e B a r r o s P im e n te l, t r a n s c r it a p o r M a n u e l D ié g u e s J ú n io r
em O B a n g u ê d a s A l a g o a s, s e g u n d o p u b l i c a ç ã o e f e t u a d a p o r A . L . ( A n i b a l L i m a ) –
n o C o r r e i o d a T a r d e , de Maceió 25. E m r e c e n t e t r a b a lh o , o h is t o r ia d o r M o a c ir
Medeiros de Sant’Ána teve o mérito de expor a raridade de códices alagoanos dos
séculos XVII e XVIII, salientando que do primeiro nos restam apenas o Livro de
E s c r i t u r a s d o s e s c r i v ã e s B a r n a b é d o C ou t o e M a n o e l R o d r i g u e s d a F o n s e c a d e
1 6 1 0 a 1 6 6 4 e o S e g u n d o L i v r o d e V e r e a ç õ e s d a C am a r a d a v i l a d e S a n t a M a r i a
M a g d a l e n a d a A l a g o a d o S u l , e x is t e n t e s n o I n s t it u t o Histórico de Alagoas 26 . D o
p r i m e i r o c ó d i c e , e m b o m e s t a d o d e c on s e r v a ç ã o m a s d e l e i t u r a p e n o s a , s e n ã o
impossív el, aos n ão in iciados, pelo u s o de abrev iat u r as de in t erpret ação dif ícil e
p e l a e s t r a n h a c a l i g r a f i a d a é p o c a , s ã o a mp l a m e n t e c o n h e c i d o s , p o r q u e d i v u l g a d o s
n ã o s o m e n t e e m l i v r o s , c o m o e m j or n a i s e r e v i s t a s , d o i s d o c u m e n t o s
f u n d a m e n t a i s p a r a o e s t u d o d o s p r i m ó rd i o s d e n o s s o p o v o a m e n t o a q u e j á
t i v e m o s o e n s e j o d e n o s r e p o r t a r – a d oa ç ã o d e D i o g o V i e i r a a A n t ô n i o M a r t i n s
R ib e iro e a d e H e n r iq u e C a r v a lh o , n a q u al i d a d e d e p r o c u r a d o r d e D i o g o S o a r e s , a
M a n o e l A n t ô n io D u r o . A m b o s s ã o , c o n tu d o , p o s t e r i o r e s a o d o c u m e n t o a g o r a
divulgado, pois datam de treze de abril de 1610 e 25 de novembro de 1611,
respectivamente.
É o v a lioso papel do C en óbio Ben edit in o u m a d e c l a r a ç ã o f i r m a d a e m 1 5 d e
d e z e m b r o d e 1 6 0 8 , “n a p o v o a ç a m d e N o s s a S e n h o r a d a L u z d a v i l l a n o v a d e
S a n t a L u z i a ” , D i o g o V i e i r a e F r . C i p r i a n o , a b a de d o M o s t e i r o d e S ã o B e n t o d e
Olin da e n ele con s t a qu e o f ilh o de M ig u e l G o n ç a l v e s V i e i r a d o a r a e m é p o c a
a n t e r i o r , p o r e s c r i t u r a p ú b l i c a , “ h u m a l e g o a d e t e r r a” , e m l o c a l q u e j á n ã o e r a
mais possív el con f irmar “ p o r s e a c h a r e m m u i t o s m o r a d o r e s a c o m o d a d o s n a s d i t a s
terras”. Por tal motivo acordavam ambas as partes em substituir a primitiva
concessão por uma outra, assim delimitada: “meya legoa de largo, e huma de
c u m p r i d o n o r i o P o t i c a t u b a , e , c o r r e r á p ar a o r i o d e A g o a d o c e , q u e v a y s a i r a
praya do mar entre Manoel Antônio, e huma Alagoa grande, que vay ao longo da
Praya, e outras mil, e duzentas braças em quadra no rio de Mendaug na ilharga
d e L e o n a r d o P e r e i r a c o r r e n d o a o n o r t e ” 27.
V e r i f i c a m o s , a s s i m , c o m e l e m e n t o i n c on t est áv el, a ex ist ên c ia do pov oado
e m 1 6 0 8 , c o m u m a d e n o m i n a ç ã o n ã o m a i s r eg i s t r a d a e m d o c u m e n t o s p o s t e r i o r e s
– p o v o a ç a m d e N o s s a S e n h o r a d a L uz d a v i l l a n o v a d e S a n t a L u z i a . O n o m e f a z
crer que se erguera anteriormente um aglomerado sob o amparo da milagrosa
s a n t a , p o s s i v e l m e n t e o v a g o a r r a i a l d o c eg o q u e a t r a d i ç ã o g u a r d o u . I n s t a l a n d o -
se n o mesmo local, ou n as prox imidades, o sesmeiro deu in ício ao pov oado e,
p a r a d i s t i n g u í - l o d o a n t ig o , d e n o m in o u - o d e N o s s a S e n h o r a d a L u z , c o n s e r v a n d o ,
contudo, a invocação de Santa Luzia.
Deixando evidente que a criação do povoado lacustre é anterior a 1610,
afasta ainda a Declaraçam do Livro do Tombo a crença geralmente admitida de
t e r s i d o A n t ô n i o M a r t i n s R i b e i r o o f u n da d o r , c o m o s e p o d e r i a d e p r e e n d e r d o s
termos da concessão por ele recebida de Diogo Vieira. Coube ao próprio sesmeiro
a i n i c i a t i v a , e s u a a ç ã o d e s b r a v a d o r a v em d e l i n e a d a , e m b o r a e m t r a ç o s r á p i d o s ,
na carta de doação aos Padres Bentos. Nos primeiros anos do século, procura
fixar religiosos na povoação nascente, concedendo-lhes terras. E reparte a
s e s m a r i a , a t r a i n d o g e n t e h o n r a d a, p a r a p o v o a - l a , c o m t a m a n h o ê x i t o q u e m u i t o s
moradores já se encontram instalados no ano de 1608, tanto na orla atlântica
c o m o n a s r i b e i r a s f é r t e i s d o M u n d a ú . N ão p o d e n d o l o c a l i z a r o s p a d r e s n a á r e a

24 LIVRO DO Tombo do mosteiro de São bento da cidade de Olinda. Recife, 1948, p. VI.
25 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. O Banguê nas Alagoas. Rio de Janeiro, 1949, p. 35.
26 SANT’ANA, Moacir Medeiros de. Os estudos históricos e os arquivos em Alagoas. Maceió, 1962, p. 30 e 31.
27 Livro do Tombo, ct. p. 542-43.

7
8
estabelecida na primeira escritura, reserva-lhe novos quinhões destinados
à e x p l o r a ç ã o a g r í c o l a , a d i c i o n a n d o - l h e s m ai s u m s í t i o p a r a s e r v e n t i a d a c a s a q u e
o s m e s m o s t in h a m a c a b a d o d e c o n s t r u ir n a p o v o a ç ã o . S e g u i n d o , p o r é m , a t r i l h a
dos bons capitães duartinos, sempre atentos aos interesses dos habitantes,
r e s g u a r d a a s e r v e n t i a d o s c a m i n h o s p úblicos in dispen sáv eis à v ida e
desenvolvimento da povoação. Não era um proprietário absenteista e sem
i n t e r e s s e p e l o d e s t i n o d o s e u f e u d o , o fi l h o d o P r o v e d o r R e a l d e P e r n a m b u c o . S u a
p r i o r i d a d e n o p o v o a m e n t o d a r e g i ã o d as l a g o a s f i c a d e f i n it i v a m e n t e a s s e n t a d a
com documento fidedigno. Antecipou-se ao senhor da lagoa do Sul, Gabriel
S o a r e s , n ã o p o d e n d o lev a n t a r e n g e n h o , p or f a l t a d e m e i o s , c o m e t e a e m p r e s a a
M a r t i n s R i b e i r o , d e c e r t o s e n h o r d e g r os s o s c a b e d a i s , q u e a e x e c u t a c o m ê x i t o .
N a e s c r it u r a , lin d a n d o c o m o s b e n ed i t i n o s , s u r g e m d o i s v u l t o s j á
r e l a c i o n a d o s e n t r e o s p r i m e i r o s p o v o a do r e s a l a g o a n o s . U m é M a n o e l A n t ô n i o
D u r o , a q u e m H e n r iq u e d e C a r v a lh o , c a p i t ã o d o s l i m i t e s d a s l a g o a s e p r o c u r a d o r
d e D i o g o S o a r e s , c o n c e d e r i a o u c o n fi r m a r i a e m 2 5 d e n o v e m b r o d e 1 6 1 1 ,
“ o i t o c e n t a s b r a ç a s d e t e r r a p o r c o s t a n a P a j u s s a r a ”, n o l o c a l o n d e o c o n t e m p l a d o
j á p o s s u í a c a s a d e t e l h a . C o n h e c i d a a l o c al i z a ç ã o d e M a n o e l A n t ô n i o n a b e l a p r a i a
m a c e i o e n s e , p o d e - s e e s t a b e l e c e r , e m b or a i m p r e c i s a m e n t e , u m d o s q u i n h õ e s
c o n c e d i d o s a o s p a d r e s , s i t u a d o a o n o r te d e P o n t a V e r d e , i n d o t e r m i n a r n u m a
“ a l a g o a g r a n d e q u e c o r r e a o l o n g o d a p r a y a” , t a l v e z a a t u a l L a g o a d a A n t a . O
o u t r o p o v o a d o r é L e o n a r d o P e r e ira d a Cu n h a , q u e p o s s u ía lég u a e m e ia d e t e r r a
na s esmaria d e Di og o V i ei r a e ou t ro á re a e q u iv a len t e n a s m a r g e n s d o r io d e S ã o
Francisco.

O Outeiro de São Bento


E r a t r a d i ç ã o c o r r e n t e n o s é c u l o p a s s ad o q u e , n a e l e v a ç ã o d e n o m i n a d a
O u t e i r o d e S ã o B e n t o, on de se ach av a localiz ado o c e m i t é r i o d e S a n t a L u z i a ,
e r g u e r a - s e e m t e m p o s r e m o t o s u m c o n ve n t o d e s s a o r d e m . T h o m a z E s p í n d o l a
j u l g a v a o f a t o j u r í d i c o , p o i s v i e r a d o s p r i me i r o s h a b i t a n t e s d o p o v o a d o , a p e s a r d e
n ã o s e c o n h e c e r d o c u m e n t o d a t r a d i ç ã o 28. D i a s C a b r a l , o m a i s e s f o r ç a d o d o s
n o s s o s h i s t o r i a d o r e s d o s é c u l o p a s s a d o, e m t r a b a lh o p u b lic a d o n o s e g u n d o
n ú m e r o d a R e v i s t a d o I n s t i t u t o A r q u e o l óg i c o e G e o g r á f i c o A l a g o a n o , e m 1 8 7 3 ,
p e s q u i s o u e x a u s t i v a m e n t e a c e r c a d o as s u n t o e , p e r c o r r e n d o a e x is t ê n c ia d e
S a n t a L u z ia s e m e n c o n t r a r n a d o c u m e n ta ç ã o c o n h e c i d a u m a s i m p l e s m e n ç ã o à
presença dos padres na vila de Diogo Vieira, opinou “não haver razões
c o m p r o v a d o r a s d a e x i s t ê n ci a d e u m c o n v e n t o d e S ã o B e n t o n o o u t e i r o a s s i m
d e n o m i n a d o” , r e c o m e n d a n d o , c o n t u d o “ e s t u d a r o f a c t o e e l l u c i d a r a s t r e v a s , j á
q u e é e s s e o p r o g r a m m a d o I n s t i t u t o ” 29. .
A s d ú v i d a s d e s a p a r e c e m a g o r a , d e c or r i d o q u a s e u m s é c u l o , d e m o d o
definitivo. Escrevia em 1763 o autor da Crônica do Mosteiro de São Bento de
O l i n d a , F r e i M ig u e l A r c a n j o d a A n u n c ia ç ã o , b a s e a d o n o p r imit iv o L i v r o d o T o m b o
dos bens de sua ordem, que Frei Cipriano de São Bento, governador pela segunda
vez o mosteiro em 1608, “contratou com Diogo Giz Vieira por meia legoa de terra
de larg. e duas de comprido de q’ já o dº tinha passado escritura pública p nella
f u n d a r m o s M ( M o s t e i r o ) ” 30. N ã o f o i f u n d a d o o m o s t e i r o , c o m o f i c a r a e s t i p i l a d o n a
d o a ç ã o p r i m i t i v a , p a s s a d a s e m d ú v i d a n a época do in ício sist emát ico do
povoamento da sesmaria, nos primeiros anos do século XVII. Mas existiu casa ou
recolh imen t o, n o local ex at o man t ido pela t r adição; “ e a s s i m m a i s t o m a r á m p a r a
sítio e serca (cerca) da caza que terminam fazer nesta povoaçam a Ilha que está
a o l o n g o d o r i o n e s t e o u t e i r o” . ( o g r i f o é n o s s o ) . A c a s a d e v i a s e d e s t i n a r a o s
monges encarregados da administração dos bens da Ordem. Possuíram os
b e n e d i t i n o s d i v e r s a s f a z e n d a s e s p a l h a d a s p e l a c ap it a n ia – u m a d e la s o e n g e n h o
d e M o s s u r e p e – e , m e s m o e m t e r r i t ó r i o a la g o a n o , a l é m d a s t e r r a s c o n s t a n t e s d a
e s c r i t u r a m e n c i o n a d a , r e c e b e r a m d o q u a rt o d o n a t á r i o , e m 1 6 1 0 , p o r i n t e r m é d i o

28 ESPÍNDOLA, Thomaz do Bomfim. Op. cit., p. 200.


29 CABRAL, João Francisco Dias. Qual a origem do apellido de São Bento porque é conhecido o outeiro sobranceiro a villa de Santa Luzia do Norte?”. Revista do
Instituto Archeológico e Geográphico Alagoano. Maceió, v. I, nº 2, jun. 1873, p. 8 e Seg.
30 ANUNCIAÇÃO, Fr. Miguel Archanjo da. Chronica do Mosteiro de São Bento de Olinda até 1763. Revista do Instituto Histórico e Archeológico e Geográphico
Pernambucano. Recife, nº XXXV, jun. 1937 a dez. 1937 [1941] p. 52
8
9
de Francisco de Gouveia, tutor de Duarte de Albuquerque Coelho, cinco
léguas de terra “na Paripoieira, indo para a Alagoa nas cabeceiras das terras que
f o r a m d a d a s a M i g u e l G o n ç a l v e s V i e i r a” , e m p a g a m e n t o d a s 1 4 l é g u a s p r o m e t i d a s
por Jorge de Albuquerque Coelho em 1593, quando os atraíra para a sua
c a p i t a n i a 31.
N ã o s a b e m o s q u a n t o s a n o s p e r m a n e c e ra m o s m o n g e s d e S ã o B e n t o e m
S a n t a L u z i a . A d e s t r u i ç ã o d o M o s t e i r o de Olin da du ran t e a in v asão h olan d esa
imp lic a r á , s e g u n d o r e la t o d o c r o n is t a F r e i M ig u e l A r c a n j o d a A n u n c ia ç ã o , n o
d e s a p a r e c i m e n t o d a s m e m ó r i a s e n o t íc ia s r e f e r e n t e s à f u n d a ç ã o d o c o n v e n t o , e
d a s o c o r r ê n c i a s n e l e v e r i f i c a d a s , r e s tan do apen as da f a se in icial algu n s
d o c u m e n t o s t r a n s c r i t o s n o L i v r o d o T o m b o. S e n ã o f o i l o n g a a p e r m a n ê n c i a d o s
cenobitas, deve Ter deixado, contudo, impressão profunda, pois de outro modo
não perduraria a tradição no passar dos séculos.
D o p r e c i o s o d o c u m e n t o q u e v i m o s a n al i s a n d o s e i n f e r e a a n t i g ü i d a d e d e
San t a L u z ia. Ao impu lso primit iv o dev e t er s u c e d i d o u m a f a s e d e e v o l u ç ã o m a i s
l e n t a o u m e s m o e s t a g n a ç ã o , m o t i v a d a d e c er t o p e l o a f a s t a m e n t o d o s e s m e i r o . P o r
m o t i v o s i g n o r a d o s q u e s ó o a p a r e c i m e nt o d e n o v a d o c u m e n t a ç ã o p o d e r á
e s c l a r e c e r , o s G o n ç a l v e s V i e i r a , b e m c o m o o s b e n ed it in o s , n ã o f ig u r a m n o s
episódios ligados à v ila du ran t e a in v asão h o l a n d e s a . A i n d a a s s i m , a p o v o a ç ã o
era apreciável antes do deslocamento da luta para o território alagoano e figura
em quase todos os relatórios da época como a povoação da Lagoa do Norte ou
s i m p l e s m e n t e L a g o a d o N o r t e . P o s s u í a i gr e j a e c o m s e u s p r ó p r i o s r e c u r s o s a
população a população soube reagir, em 1633, aos ataques dos invasores e
o r g a n i z a r , e m 1 6 3 5 , u m a c o m p a n h i a d e mi l í c i a s q u e s e r v i u a o l a d o d e o u t r a s
t r ê s , r e m a n e s c e n t e s d o t e r ç o c o n d e d e B a gn u o l o q u e , b a t i d o e m P o r t o C a l v o , s e
r e f u g i a r a n a p o v o a ç ã o . N o d i s t r i t o e rg u e m - s e t r ê s e n g e n h o s , d a n i f i c a d o s o u
destruídos no decorrer da guerra cruel que provocou na região a mais profunda
decadência, deixando-a quase despovoada.
N a S e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o X V I I , S an t a L u z i a s e r e c u p e r a d a s c i c a t r i z e s
deixadas pelos batavos. Entretanto, uma nova fonte de perturbações e
desassossêgo surge com o quilombo dos Pallmares, e a penetração dos
p o v o a d o r e s p e l o v a l e d o M u n d a ú , c o m o o b s e r v a D ié g u e s Jú n i o r , s e p r o c e s s o u
mu it o len t amen t e 32. N o d e c o r r e r d o m e s m o s é c u l o t o r n a - s e f r e g u e s i a ; c o n t u d o ,
p e r d e d e f i n i t i v a m e n t e o p r i m a d o p a r a a vi l a d a s A l a g o a s q u e , n o s s é c u l o s X V I I I e
XIX se tornaria, respectivamente, sede da comarca e da capitania, depois
província das Alagoas.
Somente em 1830 é erigida em vila a v e t u s t a p o v o a ç ã o . H o j e , a p a g a d a e
t rist e, v iv e em decadên c ia mais prof u n da q u e a a n t i g a c a p i t a l , s e m j a m a i s T e r
desfrutado prestígio idêntico. Mas sua ancianidade, atestada por documento
v á l i d o , s u r g i d o d o s a r q u i v o s d o M o s t e ir o d e S ã o B e n t o d e O l i n d a , d á - l h e
merecimento ímpar de vila pioneira – u m d o s m a i s a n t i g o s c e n t r o s d e
p o v o a m e n t o d a s A l a g o a s – c r i a d a p e l o s v ar õ e s d e n o d a d o s q u e , e n f r e n t a n d o t ô d a
s o r t e d e p e r i g o s e s a c r i f í c i o s , t r a n s fo r m a r a m a t e r r a v i r g e m , a n t e s a p e n a s
palmilh ada pelo au t óct on e erradio, em col ô n i a d e p l a n t a ç ã o e s t á v e l , d u r a d o u r a e
econômica.

31 LIVRO DO TOMBO, cit. p. 524-9.


32 DIÉGUES JÚNIOR, Manuel. O bangüe das Alagoas, cit., p. 50.
9
10

ANEXO

D E C L A R A Ç A M F E I T A P O R D I O G O V IE I R A F E I T A S O B R E A T E R R A D A S
ALAGOAS

Dizemos nos Diogo Viera, e o Padre Frey Cipriano de Sam Bento


Abbade do Mosteiro de Sam Bento de Pernambuco, que nos estamos
concertados por huma escriptura publica, pela qual eu Diogo Vieira lhe dey
huma legoa de terra, convem a saber, meya legoa de largo, e duas de
cumprido, e porque ao prezente nam se lhe pode dar aonde a dita
escriptura dis,, por estarem muitos moradores accomodados nas ditas
terras, lhe assigno a dita legoa de terra nas partes e na maneira seguinte
a saber, meya legoa de largo, e huma de cumprido no Rio Poticatuba, que
s e c o m e ç a r á a d e m a r c a r p e l o r i o P o t i ca t u b a , e c o r r e r á p a r a o r i o d e a g o a
doce, e que vay sair a praya e outro quarto de legoa, que sam mil, e
duzentas braças em quadra na praya do mar entre Manoel Antônio, e huma
A l a g oa g r a n d e , q u e v a y a o l on g o d a Pr a y a , e ou t r a s m i l , e d u z e n t a s b r a ç a s
em quadra no rio de Mendaug na ilharga de Leonardo Pereira correndo ao
Norte, e com isto ficam elles ditos Padres satisfeitos de sua legoa de
terra, e assim mais tomarám para sítio e serea da caza, que terminam
fazer nesta povoaçam a Ilha que está ao longo do rio neste outeiro com
t o d a a r e d o n d e z a d a d i t a I l h a r e z er v a n d o a s e r v e n t i a d e a l g u m c a m i n h o
publico, que for necessaria para serventia, e prol desta povoaçám, e com
isto se deo o dito Padre Abbade Frey Cipriano de Sam Bento por satisfeito
da dita terra em nome de seu convento, e por verdade se assignarem
ambos hoje quinze de Dezembro de seis centos e oito annos nesta
Povoaçam de nossa Senhora da Luz da villa nova de (santa?) Luzia” Frey
Cipriano de Sam Bento” Diogo Gonçalves Vieira”- nam se continha mais em
dito Documento que eu Filippe Nery Correa Tabaliam do publi-judicial e
notas da cidade de Olinda VI do Recife e seus termos Capitania de
Pernambuco p’s. magestade q’’ Ds etc fis trasladar do proprio com o qual e
c om o of f i c i a l a b a i x o a s i g n a d o e s t e c o n f e r i e c o n c e r t e i , v a i s e m c o u z a q u e
duvida faça ao proprio me reporto que tornei a entregar ao R. P. Pregador
Geral q’aqui asignou. Sobescrevi e asignei em publico e razo de meus
signais aos quatro dias do mez de Janrº, de mil e sete centos e setenta e
seis annos.

Cdº P’mim Tabaliam Em fé de verdade

Filipe Nery Correa Filipe Nery Correa

10

Você também pode gostar