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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2

2 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS


HUMANOS .................................................................................................................. 3

2.1 A constituição dos direitos humanos .................................................... 3

2.2 Direitos humanos ................................................................................. 6

2.3 Direitos humanos e senso comum ....................................................... 9

3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS ...................... 11

3.1 Introdução .......................................................................................... 11

3.2 Origens da Declaração Universal dos Direitos Humanos ................... 11

3.3 Um importante instrumento na defesa dos direitos humanos ............. 13

3.4 Dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos ............ 14

3.5 Preâmbulo .......................................................................................... 15

4 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL E O PAPEL DOS ENTES


FEDERADOS ............................................................................................................ 21

4.1 Segurança pública e entes federados ................................................ 24

5 INOVAÇÃO NA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA ........................... 27

6 AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA


PÚBLICA 30

6.1 Principais conceitos e discussões ...................................................... 31

6.2 A segurança pública no governo FHC ................................................ 38

6.3 A segurança pública no governo Lula ................................................ 44

7 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 53

1
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno,
O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante
ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

2
2 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Fonte:www.unisinos.br

Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo conforme os contextos


históricos. Eles se adequaram e foram construídos com base nas necessidades de
cada momento. Em linhas gerais, os direitos humanos são direitos inerentes a todos
os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outra
forma de distinção. O que se tem observado na atualidade é um movimento contrário
à atuação dos defensores dos direitos humanos. Tal movimento é propagado pela
mídia e por líderes políticos e governantes que possuem interesse em que a
população desconheça ou desvalorize a importância de direitos dessa natureza
(DORETO, 2018).
Neste capítulo, você vai estudar o processo histórico de constituição dos
direitos humanos. Também vai conhecer a sua definição e discutir aspectos
relacionados aos direitos humanos com base no senso comum (DORETO, 2018).

2.1 A constituição dos direitos humanos

Para começar, considere o Brasil Colônia. O povo daquela época não possuía
autonomia enquanto nação e sofria uma intensa exploração (VINAGRE; PEREIRA,
3
2008). Já na época do Império (1822–1889), se registraram vio- lações importantes
aos direitos humanos, especialmente no que se refere ao genocídio a que foram
submetidos os índios e negros. Nesse aspecto, uma primeira conquista ocorreu em
1888, com a abolição da escravatura. Para Vinagre e Pereira (2008, p. 35), “[...] a
escravidão é uma das maiores violações dos direitos humanos, posto que se refere à
apropriação total do produto do trabalho da pessoa a esse regime, sendo, também,
apropriação do seu corpo, da sua vida e do seu destino”. Com o fim da escravidão, os
negros adquiriram direitos civis, pois teoricamente deixaram de ser propriedade do
senhor e de ser considerados mercadorias (DORETO, 2018).
Ao longo da história de violação de direitos, sempre houve resistência e
enfrentamento. Um exemplo de movimento organizado e desenvolvido pela
resistência negra foi a experiência bem-sucedida do Quilombo de Palmares. No
entanto, apesar da resistência, essas vivências não eram favoráveis à efetivação de
direitos, uma vez que muitas pessoas ainda eram forçadas a realizar trabalhos em
grandes propriedades rurais, em que os proprietários determinavam limites ao próprio
Estado. VINAGRE e Pereira (2008, p. 36) complementam:

[...] no que se refere aos direitos políticos, estes eram restritos a uma elite; e
dos direitos sociais, ainda não se falava, uma vez que a garantia dos mínimos
sociais ficava a cargo da filantropia privada e da Igreja Católica,
prevalecendo, pois, o caldo cultural clientelista e patrimonialista (Apud,
DORETO, 2018).

No período destacado, além dos negros, outros setores também


desfavorecidos se mobilizaram na busca por direitos. Datam desse período a Revolta
dos Alfaiates, a Revolução Farroupilha, a Guerra de Canudos e outros movimentos.
Na luta por direitos, merece destaque o movimento pelo voto das mulheres, após a
Revolução de 1930. Destaque também para o movimento operário e a sua luta por
direitos civis e políticos, reivindicando o direito ao trabalho, à organização sindical e
aos direitos trabalhistas (VINAGRE; PEREIRA, 2008 apud DORETO, 2018).
Na Primeira República, Vinagre e Pereira (2008) destacam que os primeiros
avanços em termos de direitos ocorreram após a entrada do Brasil na Organização
Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Então, houve avanços na área de direitos
relacionados ao trabalho, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
de 1943. Os direitos políticos foram sendo efetivados de acordo com cada período
histórico. No período da ditadura, por exemplo, direitos como a liberdade de expressão

4
e de organização política ficaram bastante restritos. Sobre isso, Vinagre e Pereira
(2008, p. 37) consideram:

No contexto ditatorial pós-golpe militar de 1964, os direitos civis e políticos


foram brutalmente subtraídos pelas medidas de repressão mais sombrias da
história do país. Com amparo em “instrumentos legais” — os atos
institucionais —, foram cassados os direitos políticos de lideranças sindicais
e partidárias, de artistas e intelectuais; foram fechadas as sedes das
organizações estudantis e dos trabalhadores. O direito de opinião e
organização foi restringido e adotada a censura nos meios de comunicação.
Práticas de prisões arbirtrárias, torturas e execuções sumárias de opositores
do regime eram frequentes. Direitos tais como a inviolabilidade do lar e da
correspondência eram sistematicamente desrespeitados, assim como o
direito à vida e à integridade física, em nome da ideologia da “segurança
nacional”, que legitimava a autonomização do aparato policial, inclusive frente
ao Estado.

Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou


para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez,
foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres,
operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar
pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos,
alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à
vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos
outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os
direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008 Apud
DORETO, 2018).
Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou
para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez,
foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres,
operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar
pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos,
alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à
vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos
outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os
direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Veja:

Ainda que sob a égide da moral liberal, a Declaração de 1948 avança em


relação a textos dos séculos XVIII e XIX, posto que lança a inovação dos
princípios da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos,
acrescentando direitos civis e políticos, da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa de 1789), a defesa dos

5
direitos econômicos, O processo histórico da constituição dos direitos
humanos 3 sociais e culturais (como os direitos à educação, à saúde, a justas
condições de trabalho e ao acesso à cultura), reivindicados desde as lutas
operárias dos séculos XIX e XX e, em especial, após a Declaração dos
Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de Janeiro de 1918, advinda da
Revolução Russa (VINAGRE; PEREIRA, 2008, p. 41 apud DORETO, 2018)

Para Barroco (2008, p. 2):

[...] a origem da noção moderna dos DH é inseparável da ideia de que


a sociedade é capaz de garantir a justiça — através das leis e do Estado —
e dos princípios que lhes servem de sustentação filosófica e política: a
universalidade e o direito natural à vida, à liberdade e ao pensamento.

O autor ainda afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma
forma de confirmar, na prática, algo que até então não era reconhecido por toda a
sociedade.

2.2 Direitos humanos

Como você viu, após alguns acontecimentos históricos, como a Segunda


Guerra Mundial, foi elaborada e aprovada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Ela representa uma tentativa de contribuir com a luta da sociedade contra
situações de discriminação, preconceito e opressão, valorizando a noção de igualdade
entre todos os indivíduos e a dignidade humana. É dessas questões que tratam os
chamados “direitos humanos”. Eles garantem a vida, a liberdade, o trabalho, a saúde,
a educação, a dignidade, o respeito, entre outros direitos que buscam assegurar ao
cidadão uma vida digna. Destaca-se o fato de que a Declaração foi proposta por meio
de acordos internacionais, ratificada por meio de cartas, convenções e pactos. Isso
assegura o seu caráter universal e representa o consentimento de toda a comunidade
internacional envolvida. A proposta de que os direitos humanos sejam resguardados
é feita por meio do Conselho de Segurança da ONU, que colabora com os países
tanto na implantação desses direitos quanto no controle da sua violação.
Os direitos humanos foram evoluindo ao longo do tempo conforme os contextos
históricos, adequando-se e sendo construídos com base nas necessidades surgidas
em cada momento. Para melhor representar essa evolução, utiliza-se uma
classificação dos direitos humanos por meio de “gerações”, que, na verdade, situam
as categorias propostas no momento histórico de sua construção. A primeira

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classificação, conhecida como primeira geração, está associada ao século XVIII, à
independência dos Estados Unidos, em 1787, e à Revolução Francesa, dois anos
depois. Essa geração traz ideias de liberdade relacionadas especialmente aos direitos
civis e políticos. Você deve considerar que nessa época se registrava uma luta da
burguesia por melhores condições de comércio (liberdade). Portanto, os direitos
conquistados restringiam-se a determinados indivíduos e não eram aplicados a toda
a sociedade. Nessa geração, o Estado deveria limitar sua intervenção na ação
humana, considerando o direito à liberdade de todos. São exemplos de direitos
assegurados a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à privacidade,
entre outros.
Já os direitos humanos considerados de segunda geração têm como marco
oficial a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), crescendo paralelamente à ideologia
do estado de bem-estar social. Nesse percurso histórico, os trabalhadores também
começam a lutar pelos seus direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma
classe. Nessa lógica, a proposta é que os direitos até então limitados a uma classe
sejam expandidos para todos os indivíduos por meio de políticas públicas que
garantam saúde, trabalho, moradia, direito ao voto e a participar da vida pública, entre
outros. Nessa geração, fica evidente a necessidade de se exigirem do Estado
condições iguais para todos, com a finalidade de que tenham uma vida mais digna.
A terceira geração de direitos surge na década de 1960 e tem como foco
principal os ideais de solidariedade e fraternidade. Mediante o acirramento da luta de
classes, os trabalhadores começam a lutar por direitos mais específicos, aqueles das
chamadas “minorias sociais”, ou seja, grupos considerados em situação mais
desfavorecida. É o caso de mulheres, pessoas com deficiências e outras que
precisavam que seus direitos fossem mais detalhados, a fim de que suas
necessidades fossem de fato asseguradas. Além da proteção aos grupos mais
vulneráveis, inclui-se nessa proposta a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há
discussões entre os intelectuais sobre a inclusão de uma quarta geração de direitos,
que envolve informática e bioética, mas eles ainda divergem opiniões e tal geração
não está de fato estabelecida.
Marco (2006, p. 47) destaca que “[...] os avanços tecnológicos e as descobertas
científicas colocam o mundo em perplexidade com os valores sociais e éticos das três
gerações de direitos até aqui delineadas”, trazendo à tona a necessidade de

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considerar outra geração de direitos. Assim, ainda que esta não esteja de fato
consolidada entre os intelectuais, considerando a intensidade de discussões a
respeito do tema e sua viabilidade, falam-se hoje nos “direitos de quarta geração”.
Trata-se de uma geração que surgiu para acompanhar o desenvolvimento da
humanidade e ajudar o direito a encontrar soluções e impor limites para responder a
eventuais questionamentos decorrentes das inovações tecnológicas e do
aprimoramento genérico. Fazem parte dessa geração os direitos à democracia, à
informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 1996 apud MARCO, 2006)
Isso posto, é importante você conhecer um pouco do conteúdo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, esse documento elenca alguns dos
objetivos que levaram à sua elaboração. O primeiro deles refere-se ao
reconhecimento de que a dignidade e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Assim, o
desconhecimento sobre os direitos origina responsáveis por atos de barbárie, que
revoltam por seu elevado grau de crueldade. A Declaração possui 30 artigos. Entre
eles:

Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade. Artigo II Todo ser humano tem
capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,
idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. [...] Artigo III Todo
ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será
submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante. Artigo XVIII Todo ser humano tem direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar
de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em
particular. Artigo XIX Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e
expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e
de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
2009, documento on-line).

Como você pode observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos


envolve a proteção do indivíduo e o respeito à sua dignidade, de forma bastante
ampla. Diante disso, você pode considerar que se trata de um marco na história dos
direitos na sociedade. No entanto, é necessário o conhecimento da sociedade acerca

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desses direitos e de sua importância para que eles sejam de fato assegurados e para
que se possam evitar violações (DORETO, 2018).

2.3 Direitos humanos e senso comum

Na atualidade, têm ocorrido importantes distorções no que se refere aos direitos


humanos, especialmente vindas de setores sociais mais conservadores. Vários
fatores contribuem para essa situação. Entre eles, destaca-se a mídia, que se
encontra a serviço da classe dominante e, em razão disso, deixa de lado a sua função
de informar com responsabilidade para disseminar notícias de forma sensacionalista.
Nessa perspectiva, a relação entre os defensores dos direitos humanos e a mídia
nunca seguiu um caminho tranquilo e sem embates. Sempre houve tensões. Em
muitos casos, a mídia tem a função de servir à classe dominante, visando ao lucro.
Isso, como você deve imaginar, acaba impactando negativamente a sociedade
(COSTA, 2017).
Por outro lado, as distorções sobre os direitos humanos também acontecem.
Nem todos os indivíduos possuem acesso às informações e aos direitos de forma
correta. Isso gera críticas infundadas e que trazem como consequência prejuízos à
coletividade.
Costa (2017) aponta que a mídia atua com um discurso diferente a cada
momento histórico. Ela ora se posiciona a favor dos defensores dos direitos humanos,
ora se coloca contra eles, tratando-os como se fossem defensores de bandidos. O
autor acrescenta que a tentativa de construir um senso comum a respeito de direitos
humanos intensificou-se a partir dos anos 1980, quando o Brasil buscava se adequar
aos tratados e convenções que firmavam a necessidade de que esses direitos fossem
assegurados em todo o País (OLIVEIRA, 2009 apud COSTA, 2017).
Considere ainda o seguinte:

A mídia em geral, e em particular a imprensa, gosta de investir no senso


comum para manter a audiência e assegurar a manutenção do status quo,
poucas vezes se preocupando em buscar novo enfoque diante de situação
recorrente, mesmo quando os fatos apontam em outra direção e a conjuntura
sugere a necessidade de se buscar nova abordagem. Muitos estereótipos e
preconceitos arraigados na sociedade são decorrência dessa perseverança
de atuar em sintonia com o senso comum, como ocorre com os movimentos
sociais e, particularmente, os de defesa dos Direitos Humanos, sempre
associados à defesa “de bandidos” quando atuam em prol de vítimas de maus

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tratos ou arbitrariedades das autoridades policiais ou judiciárias (FREITAS,
2010 apud COSTA, 2017, p. 27).

Costa (2017) afirma também que a mídia muitas vezes coloca seus
interesses ligados à audiência e ao capital em primeiro lugar, em detrimento dos
interesses coletivos. Assim, ela deixa de atender à sua responsabilidade com o que é
repassado para a sociedade. São condutas dessa natureza que contribuem para a
criação de estereótipos e preconceitos que acabam sendo disseminados e aceitos na
sociedade.
Você deve considerar, então, que no contexto do capitalismo não é possível
conciliar a lógica da acumulação de riquezas, de capital e da exploração do
trabalhador com as lutas a favor da garantia dos direitos humanos. Isso acontece pois,
de acordo com essa lógica, os interesses pelo capital são individuais ou referem-se a
uma classe específica, o que não ocorre com os direitos humanos, que buscam
atender indistintamente a todos os indivíduos, sem discriminação de nenhum tipo.
Assim, como você viu, a sociedade brasileira vive situações que requerem a
defesa dos direitos humanos há muitos séculos. Sua história é marcada por
exploração, discriminação e violência contra muitos grupos. Nesse sentido, O
processo histórico da constituição dos direitos humanos os direitos humanos surgem
para proteger e garantir a igualdade entre todos os indivíduos. No entanto, a defesa
desses direitos nem sempre é vista como algo favorável. É por isso que a população
deve conhecer o verdadeiro valor desses direitos, para que possa lutar por eles e
valoriza-los. A mídia, enquanto importante instrumento de comunicação de massa,
pode contribuir para que isso ocorra. No entanto, são necessárias instituições de fato
comprometidas com a disseminação de informações corretas e com a sociedade.

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3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS

Fonte: wordpress.com

3.1 Introdução

Estudar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é analisar os


principais valores da humanidade, para que todos os seres humanos do planeta
consigam ter no mínimo uma vida com dignidade. Assim, neste capítulo, para melhor
entender a DUDH, você vai analisar o momento histórico em que ela tomou forma e
vai estudar seus dispositivos, identificando e compreendendo seu papel e
sua importância no Direito (SEIXAS, 2018).

3.2 Origens da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Os direitos humanos, não raras vezes, desafiam estudiosos de diversos


âmbitos do conhecimento — como a Filosofia, a Sociologia, a História, o Direito, dentre
muitos outros — a investigarem os precedentes históricos e a desvendarem os seus
conceitos iniciais, tudo isso com a finalidade de entender o processo de surgimento,

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proteção, abrangência e universalização desses tão importantes direitos, cujo marco,
no plano internacional, deu-se com a positivação da DUDH (SEIXAS, 2018).
Assim, de uma forma geral, o estudo acerca dos direitos humanos apresenta
importantes características, como historicidade, universalidade, essencialidade,
irrenunciabilidade, imprescritibilidade, inviolabilidade e efetividade. Isso porque os
direitos humanos são fruto de um desenvolvimento social e jurídico, visto que tal
proteção surgiu de forma progressiva, à medida que se desenvolvia o conceito e o
reconhecimento de que todas as pessoas humanas são iguais e merecem, dessa
forma, isonomia de direitos e proteção mínima efetiva (SEIXAS, 2018).
Esse reconhecimento, apesar de parecer óbvio na contemporaneidade, não
aconteceu de forma igualitária nem simultaneamente ao redor do planeta. Na verdade,
esse reconhecimento e essa proteção são fruto de conquistas históricas, construídas
gradualmente, devido à luta de movimentos sociais em prol da dignidade da pessoa
humana (SEIXAS, 2018).
Sobre a genealogia dos direitos humanos, é importante citar as palavras de
Bobbio (1992, p. 30), que sintetiza essa importante discussão filosófica:

[...] para a realização dos direitos do homem, são frequentemente


necessárias condições objetivas que não dependem da boa vontade dos que
os proclamam, nem das boas disposições dos que possuem os meios para
protegê-los. Mesmo o mais liberal dos Estados se encontra na necessidade
de suspender alguns direitos de liberdade em tempos de guerra; do mesmo
modo, o mais socialista dos Estados não terá condições de garantir o direito
a uma retribuição justa em épocas de carestia. Sabe-se que o tremendo
problema diante do qual estão hoje os países em desenvolvimento é o de se
encontrarem em condições econômicas que, apesar dos programas ideais,
não permitiam desenvolver a proteção da maioria dos direitos sociais. O
direito do trabalho nasceu com a Revolução Industrial e é estreitamente
ligado à sua consecução. Quanto a esse direito, não basta fundamentá-lo ou
proclamá-lo. Nem tampouco basta protegê-lo. O problema da sua realização
não é nem filosófico nem moral. Mas tampouco é um problema jurídico. É um
problema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da sociedade
e, como tal, desafia até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise
até o mais perfeito mecanismo de garantia jurídica. A efetivação de uma
maior proteção dos direitos humanos está ligada ao desenvolvimento global
da civilização humana.

Dessa forma, é necessário entender o momento histórico no qual foi cunhado


um dos mais importantes documentos de proteção à humanidade, a DUDH, que
inaugurou uma nova era de direitos e proteção (SEIXAS, 2018).
Após a Segunda Guerra Mundial, principalmente devido às atrocidades contra
seres humanos nela cometidas, surgiu a necessidade de uma nova declaração de

12
direitos de cunho inclusive internacional, como explica Dallari (1993). O processo teve
início em 1945, por meio da Carta das Nações Unidas (1930), com uma norma
internacional “[...] destinada a fornecer a base jurídica para a permanente ação
conjunta dos Estados em defesa da paz mundial” (DALLARI, 1993, p. 178), que serviu
de pano de fundo para, em 1948, ser aprovada a DUDH (SEIXAS, 2018).
Segundo Silva (2000), os princípios da universalidade e da indivisibilidade dos
direitos individuais são os ideais da DUDH, que acabou por divulgá-los em todo o
mundo e por ressaltar a condição de pessoa como requisito para a dignidade de todos.
Portanto, com a DUDH, surgiu um novo conceito de proteção dos direitos humanos e
iniciou-se, por consequência, o desenvolvimento da positivação internacional das
normas relativas à proteção desses direitos mediante inúmeros tratados
internacionais. Assim surgiu o chamado sistema normativo positivo global de proteção
dos direitos humanos, composto por instrumentos de abrangência internacional
específicos e gerais (Apud SEIXAS, 2018).

3.3 Um importante instrumento na defesa dos direitos humanos

A DUDH, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em


Paris, destaca-se como um importante instrumento de defesa dos direitos humanos
no plano internacional, colocando esses direitos sob outro paradigma: o da
necessidade do reconhecimento dos direitos fundamentais e da dignidade humana
como fundamentos da liberdade, da justiça e da paz mundial, fazendo Declaração
Universal dos Direitos Humanos 3 prevalecer a liberdade individual, a igualdade entre
os seres humanos e o ideal democrático como formas de atingir o progresso
econômico, social e cultural, conforme expõe Silva (2000).

Para Douzinas (2007, p. 19): [...] os direitos humanos se tornam o princípio


de libertação da opressão e da dominação, o grito de guerra dos sem teto e dos
destituídos, o programa político dos revolucionários e dos dissidentes [...] Os direitos
humanos são o fado da pós-Modernidade, a energia das nossas sociedades, o
cumprimento da promessa do Iluminismo de emancipação e autorrealização (Apud,
SEIXAS, 2018).
13
A DUDH inaugurou a forma como hoje entendemos os direitos humanos, uma
vez que primou pelos princípios da universalidade e da indivisibilidade desses direitos
e acabou por difundi-los pelo mundo inteiro. Assim, abriu caminhos para todo um
sistema normativo positivo internacional de proteção e colocou o Direito Internacional
em um novo patamar, o do Direito Internacional da Cooperação e da Solidariedade,
no lugar do Direito da Paz e da Guerra. Zarca (1997, p. 9) explica que a DUDH:

[...] traz um aspecto fundamental para a compreensão da modernidade. Um


dos traços essenciais dessa modernidade não reside exatamente na
definição do homem como sujeito de direitos? Sujeito ao qual se ligam,
simplesmente porque é um ser humano, ou seja, naturalmente, direitos. Ora,
essa definição do homem como um ser portador de direitos não é atemporal,
já que foi inventada pela filosofia moral e política moderna, constituindo uma
de suas principais inovações. Poderíamos dar várias formulações sobre a
importância dessa inovação. Mas, eu ficarei com apenas uma: a
transformação da noção renascentista de dignidade do homem na noção de
homem como ser portador de direitos no século XVII. Transformação significa
conservação e mudança. O que se conserva é a ideia de uma especificidade
que caracteriza o homem enquanto tal e o distingue de todos os outros seres
naturais. O que muda profundamente é que a dignitas hominis se refere
menos ao lugar do homem na hierarquia dos seres, já que o homem tem sua
própria liberdade de se constituir naquilo que ele é, e muito mais à noção do
homem como ser portador de direito que define muito mais um dado do que
uma responsabilidade sobre aquilo que ele será.

Dessa forma, baseado em valores essenciais, pode-se dizer que o principal


objetivo da DUDH é que os seres humanos, universalmente, ou seja, onde quer que
se encontrem, consigam ter, no mínimo, uma vida com dignidade, independentemente
de nacionalidade, sexo, idade e cor. Daí a grande importância dessa Declaração no
plano internacional e como instrumento de proteção aos direitos humanos (Apud,
SEIXAS, 2018).

3.4 Dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

Como vimos, a DUDH foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela


Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris. A sua aprovação se deu por meio de
uma resolução, a Resolução ONU nº. 217-A, destacando-se como um importante
documento de defesa dos direitos humanos no plano internacional. Devido à grande
importância desse instrumento na proteção dos direitos humanos, precisamos analisar
os seus dispositivos legais.
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A DUDH foi aprovada como resolução, não como tratado internacional.

3.5 Preâmbulo

Preâmbulo é a introdução, a declaração inicial dos termos de um dispositivo


legal. É no preâmbulo que vêm expressos os princípios, valores e objetivos que
fundamentam o texto legal. O preâmbulo da DUDH se inicia trazendo a dignidade
como elemento inerente à pessoa humana e, junto com a isonomia, fundamenta o
ideário de liberdade, justiça e paz no mundo.

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os


membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (ORGANIZAÇÃO
DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

Contudo, nos parágrafos seguintes, o preâmbulo expõe a necessidade de


consciência da humanidade e de se proteger os seres humanos das atrocidades
praticadas pelos próprios seres humanos, de maneira universal:

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem


conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e
que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar
e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta
inspiração do Homem; Considerando que é essencial a proteção dos direitos
do Homem através de um regime de direito, para que o Homem não seja
compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O preâmbulo demonstra, na parte final, a necessidade de se universalizar de


maneira isonômica a proteção aos direitos humanos fundamentais, como forma de
promover o desenvolvimento das relações entre as nações, independentemente de
onde se encontre o indivíduo:
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações;

Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam,


de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e no
valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a
instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;
15
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em
cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e
efetivo dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais; Considerando
que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta
importância para dar plena satisfação a tal compromisso: A Assembleia Geral
proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal
comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os
indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no
espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o
respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas
progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a
sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios
Estados-Membros como entre as dos territórios colocados sob a sua
jurisdição (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

Os arts. 1º e 2º da DUDH proclamam o direito à liberdade e à igualdade de


todos os seres humanos, consagrando assim os princípios da igualdade material e da
liberdade, sem qualquer discriminação:

Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade. Artigo 2º Todos os seres humanos
podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente
Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo,
de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou
social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso,
não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou
internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse
país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma
limitação de soberania (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009)

Igualdade material não significa tratar todos de forma igual, mas tratar os
iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, de forma a igualar as possíveis
diferenças.

Os arts. 3º, 4º e 5º da DUDH consagram os direitos fundamentais à vida, à


segurança jurídica (diferente da segurança pública) e à liberdade, proibindo a
escravidão e a servidão, assim como o aliciamento das pessoas (é vedada a tortura e
o castigo cruel ou degradante):

Artigo 3º Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.


Artigo 4º Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a
escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos. Artigo
5º Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).
16
Os arts. 6º e 7º da DUDH anunciam o princípio da isonomia formal que,
diferentemente da igualdade material, estabelece a necessidade de igualdade entre
as pessoas (igualdade perante a lei), bastando nascer humana para fazer jus ao
reconhecimento e tratamento como ser humano, proibindo inclusive o incitamento de
discriminação a qualquer ser humano, o que viola a DUDH:

Artigo 6º Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos


os lugares, da sua personalidade jurídica. Artigo 7º Todos são iguais perante
a lei e, sem distinção, têm direito à igual proteção da lei. Todos têm direito à
proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração
e contra qualquer incitamento a tal discriminação (ORGANIZAÇÃO DA
NAÇÕES UNIDAS, 2009).

Os arts. 8º, 9º, 10 e 11 trazem as garantias processuais e materiais das pessoas


humanas:

 os remédios constitucionais de garantia a direitos protegidos pela DUDH;


 o devido processo legal;
 a vedação à prisão arbitrária, à detenção ou ao exílio arbitrários;
 a isonomia processual;
 a imparcialidade do magistrado;
 a publicidade dos atos processuais;
 a presunção de inocência;
 a legalidade e a irretroatividade da lei penal, salvo em benefício do réu.

Artigo 8º Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições


nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais
reconhecidos pela Constituição ou pela Lei. Artigo 9º Ninguém pode ser
arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo 10º Toda a pessoa tem direito,
em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada
por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e
obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra
ela seja deduzida. Artigo 11º 1. Toda a pessoa acusada de um ato delituoso
presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada
no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias
de defesa lhe sejam asseguradas

2. Ninguém será condenado por ações ou omissões que, no momento da sua


prática, não constituíam ato delituoso à face do direito interno ou
internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a
que era aplicável no momento em que o ato delituoso foi cometido
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

17
O art. 12 proclama o direito à vida privada, à intimidade e à inviolabilidade de
correspondência e domiciliar:

Artigo 12º Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na


sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua
honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem
direito à proteção da lei (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 13 proclama o direito à liberdade de ir e vir (liberdade de locomoção),


consagrando o direito de transitar pelo país e de sair e voltar quando quiser:

Artigo 13º 1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a


sua residência no interior de um Estado. 2. Toda a pessoa tem o direito de
abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar
ao seu país (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 14 consagra o direito ao asilo político, excepcionando os casos que não


comportam esse direito, quando o indivíduo é legitimamente perseguido por crimes
de direito comum ou quando se trata de atos contrários aos objetivos e princípios das
Nações Unidas:

Artigo 14º 1. Toda a pessoa sujeita à perseguição tem o direito de procurar e


de beneficiar de asilo em outros países. 2. Este direito não pode, porém, ser
invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito
comum ou por atividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações
Unidas (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 15 trata do direito à nacionalidade como um direito humano, que deve


ser assegurado a todos as pessoas:

Artigo 15º 1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade. 2. Ninguém
pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de
mudar de nacionalidade (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 16 protege o direito à constituição de família, considerando a família como


um núcleo natural e fundamental da sociedade, ressaltando a igualdade entre os
cônjuges no casamento:

Artigo 16º 1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de


casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou
religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm
direitos iguais. 2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno
consentimento dos futuros esposos. 3. A família é o elemento natural e
fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

18
O art. 17 consagra um direito de primeira geração, que é o direito à propriedade
sem interferências do Estado:

Artigo 17º 1. Toda a pessoa, individual ou coletiva, tem direito à propriedade.


2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

Os arts. 18 e 19 explicitam o direito à liberdade de pensamento, opinião,


expressão, crença e consciência também como um direito humano e universal:

Artigo 18º Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de


consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião
ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou
convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo
ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19º Todo o indivíduo tem
direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não
ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem
consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de
expressão (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 20 traz a liberdade de reunião e de associação pacífica, não podendo


ninguém ser obrigado a fazer parte de uma associação:

Artigo 20º 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de


associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma
associação (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009)

Os arts. 21 e 22 consagram o direito à utilização dos serviços públicos e à


segurança social e o direito de se fazer representar diretamente ou indiretamente
pelos mesmos, assim como asseguram o direito ao voto e à participação política no
país.

Artigo 21º 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos
negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de
representantes livremente escolhidos. 2. Toda a pessoa tem direito de
acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país. 3. A
vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve
exprimir-se através de eleições honestas a realizar-se periodicamente por
sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente
que salvaguarde a liberdade de voto. Artigo 22º Toda a pessoa, como
membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente
exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis,
graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a
organização e os recursos de cada país (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES
UNIDAS, 2009)

19
Os arts. 23º e 24º consagram os direitos trabalhistas, como o direito de ter um
trabalho em condições justas, de escolher o trabalho, de proteção contra o
desemprego involuntário, de igualdade de condições no trabalho, de remuneração
justa e satisfatória, de liberdade de associação em sindicatos, bem como o direito a
repouso e lazer, a uma jornada limitada e a férias periódicas e remuneradas.

Artigo 23º 1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do


trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção
contra o desemprego. 2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a
salário igual por trabalho igual. Declaração Universal dos Direitos Humanos
11 3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória,
que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade
humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção
social. 4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas
sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses. Artigo
24º Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a
uma limitação razoável da duração do trabalho e às férias periódicas pagas
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

Dos arts. 25º ao 29º são assegurados os direitos sociais; ou seja, esses artigos
estabelecem uma vida socialmente digna como um direito humano, incluindo o direito
à educação, inclusive gratuita, nos períodos elementares e fundamentais, assim como
a possibilidade de acesso a todos à instrução técnico-profissionalizante e à instrução
superior baseada no mérito. Asseguram também como direitos humanos a cultura e o
pleno desenvolvimento da personalidade, devendo os direitos e as liberdades serem
limitados apenas pela lei.

Artigo 25º 1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à
alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda
quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no
desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos
de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua
vontade. 2. A maternidade e a infância têm direito à ajuda e à assistência
especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam
da mesma proteção social. Artigo 26º 1. Toda a pessoa tem direito à
educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao
ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino
técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores
deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito. 2. A
educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das
atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. 3. Aos pais
pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos
filhos. Artigo 27º 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na
vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso
científico e nos benefícios que deste resultam. 2. Todos têm direito à proteção
dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica,
20
literária ou artística da sua autoria. 12 Declaração Universal dos Direitos
Humanos Artigo 28º Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e
no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os
direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração. Artigo 29º 1. O
indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o
livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade. 2. No exercício deste
direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações
estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o
reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de
satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar
numa sociedade democrática. 3. Em caso algum estes direitos e liberdades
poderão ser exercidos contrariamente e aos fins e aos princípios das Nações
Unidas (ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

O art. 30, último dispositivo da DUDH, assegura uma interpretação ampla das
proteções asseguradas nessa Declaração pelos Estados, proibindo de forma
expressa a utilização das garantias e liberdades como forma de destruição dos direitos
assegurados na própria Declaração:

Artigo 30º Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser


interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou
indivíduo o direito de se entregar a alguma atividade ou de praticar algum ato
destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados
(ORGANIZAÇÃO DA NAÇÕES UNIDAS, 2009).

4 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL E O PAPEL DOS ENTES FEDERADOS

Fonte: oidiario.com.br

21
Neste capítulo, você vai conhecer a trajetória da segurança pública no Brasil,
em especial você vai conhecer o papel dos entes federados no cenário do debate, da
construção e da implementação das políticas de segurança pública.
Como você vai ver, no contexto contemporâneo, a inovação na gestão da
segurança pública e a participação social são ferramentas fundamentais para que as
demandas do cidadão sejam atendidas de forma efetiva (MENDONÇA, 2020).

4.1 A segurança pública no Brasil

No Brasil, a primeira instituição policial surge com a transferência da família real


portuguesa, em 1808. Apesar de ter moldes muito diferentes dos que você conhece
hoje, a Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, sediada no Rio
de Janeiro, era responsável pelo policiamento judiciário e pela fiscalização; além
disso, atendia às necessidades relativas a serviços urbanos (MARCINEIRO;
PACHECO, 2005). Menos generalista, a Divisão Militar da Guarda Real de Polícia
tinha cunho mais coercitivo. Criada em 1809, detinha competências militares e estava
subordinada ao Ministério da Guerra. Além de reprimir atos criminosos, atuava na
captura de escravos fugitivos e na patrulha. Com a independência e a convulsão social
que ela provocou, uma Guarda Real foi estabelecida, visando à proteção do País e de
seus cidadãos. Essa força policial agia em conjunto com o Exército, criado em 1648,
mas com limitações de atuação em virtude da dependência brasileira de Portugal.
Posteriormente, a Regência pôs fim à Guarda Real, substituindo-a pelo Corpo de
Guardas Municipais Voluntários Permanentes. Tais instituições eram regionalizadas,
o que mais tarde possibilitou a alteração de cada uma de acordo com a unidade
federativa (MENDONÇA, 2020).
Note que há uma relação entre o policiamento brasileiro e as forças militares.
A estrutura social vigente em todo o período anterior à proclamação da República
colocava a manutenção da ordem sob os cuidados da nobreza e de grandes
proprietários de terra. Além disso, a polícia exercia um controle que visava a coibir
insubordinações, fossem às leis ou aos costumes. Nesse período, as forças policiais
tratavam de garantir a presença do poder estatal em todos os territórios, em uma
tentativa de se aproximar da população, de modo a solucionar os conflitos cotidianos.
Aos poucos, a instituição policial tomou forma e adquiriu força para manter a ordem

22
social. Como seu poder ainda era submisso à coroa portuguesa, a instituição policial
exigiu esforços da nobreza e dos magistrados brasileiros para se tornar submissa ao
Poder Judiciário (MENDONÇA, 2020).
O período imperial trouxe inovações importantes para a descentralização do
poder policial. Com a promulgação do Código Processual Penal, em 1832, foram
criadas duas autoridades provinciais, que eram indicadas pelo governador e
coordenavam a polícia regionalmente: os chefes de polícia e os juízes de paz. Mas
esse modelo não foi bem-sucedido; afinal, ao regionalizar o controle, o Estado perdia
poder de decisão. Assim, o cargo de juiz de paz perde sua autonomia frente às forças
policiais em 1841, ficando tal autonomia concentrada nos chefes de polícia, agora
indicados diretamente pelo governo central (MENDONÇA, 2020).
Com a proclamação da República, em 1889, somada aos resultados da
abolição da escravidão, as relações sociais sofreram um impacto significativo. Os
escravos fugitivos, antes alvo da polícia, transformaram-se em uma classe subalterna
livre, e a classe dominante perdeu parte de seu poder. Além disso, a rápida
urbanização das cidades e o adensamento demográfico exigiram das instituições
policiais algumas adequações. Configurava-se a passagem do espaço rural para o
urbano, agora com diferentes demandas de vigilância e repressão (MENDONÇA,
2020).
O federalismo trouxe a descentralização de poderes, exigindo uma nova
dinâmica para exercer o controle social. Apenas a vigilância e a repressão já não eram
suficientes, e novos instrumentos precisavam ser pensados e implementados. O
Código Penal de 1890 foi um desses instrumentos. Segundo Holloway (1997), o novo
código voltou os olhos para as chamadas “classes perigosas”, tipificando como crimes
a vadiagem, a prostituição, a embriaguez e a capoeira (MENDONÇA, 2020).
É com o golpe de 1930 que a polícia começa a desempenhar um papel de
destaque na manutenção do regime autoritário. Getúlio Vargas amplia as tarefas
policiais para controlar as dissidências políticas e promove uma reforma no alto
escalão das polícias civis em todo o País. Desse modo, somente pessoas de sua
estrita confiança podiam ocupar cargos de comando (MENDONÇA, 2020).
Para Faoro (1997), Vargas fazia repressão política e colocava todo o aparato
policial sob suas ordens. Considere o seguinte:

23
A Constituição Federal de 1934 outorga o controle direto das forças públicas
estaduais ao governo federal. É nesse texto constitucional que pela primeira
vez na história há a imposição formal de um caráter eminentemente
militarizado ao campo da segurança, tornando as forças estaduais, auxiliares
do exército. Com isso a segurança pública brasileira segue na tênue e
complexa dinâmica política e social que envolve o poder e a violência. Esse
princípio metamórfico atinge especialmente as polícias que passam a receber
uma espécie de upgrade em suas prerrogativas quanto ao uso do poder e do
exercício da prática violenta (BONAMIGO; CHAVES, 2014, p. 461).

A militarização das polícias toma corpo no regime militar. Assim como na Era
Vargas, a polícia tinha como missão principal conter a oposição política, daí o histórico
de abuso de autoridade, repressão violenta e tortura que marca esse período. Ainda
que, pela perspectiva do governo, as polícias estivessem garantindo a ordem pública,
os excessos cometidos no período da ditadura militar deixaram marcas profundas na
história da instituição policial (MENDONÇA, 2020).
No período seguinte, a centralização do comando começa a ser questionada,
bem como o papel da instituição policial como um órgão de prestação de serviços para
a sociedade. A Constituição Federal de 1988 reorganiza a estrutura das polícias,
atribuindo a cada uma competências capazes de atender às necessidades sociais.

4.2 Segurança pública e entes federados

Em um país como o Brasil, de dimensões continentais e com tanta diversidade


cultural, o controle da criminalidade e a manutenção da ordem são desafios para os
governos. Ainda que o planejamento e a implementação das políticas públicas de
segurança atendam a critérios regionais, o monitoramento, o controle e a avaliação
precisam estar dispostos de forma a permitir a rápida tomada de decisão e o
reencaminhamento de ações (MENDONÇA, 2020).
Com o fim da ditadura e o começo da abertura democrática, torna-se possível
pensar em alternativas para alterar a realidade da ação policial. A Assembleia
Nacional Constituinte se preocupa em dedicar um espaço na Constituição para inovar
na segurança pública (MENDONÇA, 2020).
O modelo policial reativo praticado até então (era necessário que o delito se
efetivasse para que a polícia agisse) estava muito longe do que a sociedade
precisava. Assim, a Constituição Federal de 1988 propõe e legitima uma ação policial
proativa, com políticas de prevenção. Além disso, ainda inova ao determinar a gestão

24
participativa como elo fundamental para a resolução dos crescentes violência e
criminalidade.
No seu art. 144, a Constituição estabelece os órgãos policiais e suas
competências. Veja (BRASIL, 1988):

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de


todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I — polícia
federal; II — polícia rodoviária federal; III — polícia ferroviária federal; IV —
polícias civis; V— polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Ao estabelecer cinco âmbitos de atuação das polícias, o legislador pretendia


obter uma organização por competências, antes de uma organização hierárquica. Isto
é, ele não desejava estabelecer uma concorrência na ação das instituições, que
passam a atuar de acordo com as demandas dos entes federativos. O art. 144 ainda
determina o seguinte (BRASIL, 1988):

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e


mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I — apurar
infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas
públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão
interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se
dispuser em lei; II — prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação
fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de
competência; III — exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e
de fronteiras; IV — exercer, com exclusividade, as funções de polícia
judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na
forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia
ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento
ostensivo das ferrovias federais. § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as
funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação
da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições
definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 6º As
polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva
do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º A lei
disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades

Veja que, com exceção da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Ferroviária


Federal, a Polícia Federal e as polícias civis e militares apresentam competências
muito semelhantes, o que pode significar uma dificuldade na definição e no
cumprimento de suas competências. O legislador procurou determinar uma separação
25
regional e ainda de subordinação. Ao atribuir a uma lei futura a organização e o
funcionamento dos órgãos de segurança pública, buscou descentralizar a organização
de acordo com a realidade de cada ente federado. Veja a seguir uma síntese das
competências de cada uma das polícias (MENDONÇA, 2020).

 Polícias militares: são as forças estaduais de segurança pública. Sua


função principal é a preservação da ordem pública. O policiamento é
ostensivo e reativo. As polícias militares são subordinadas aos
governadores.
 Polícias civis: também são forças estaduais de segurança pública, no
entanto atuam como polícia judiciária, como auxiliares na aplicação da lei
pela Justiça Estadual. São consideradas forças de inteligência, pois, cabe a
elas a investigação policial.
 Polícia Federal: trata-se de instituição subordinada diretamente ao
Ministério da Justiça, portanto investiga os crimes julgados pela Justiça
Federal. Policiamento marítimo e aeroportuário, fiscalização de fronteiras e
alfândegas, além de emissão de passaportes, são de competência da
Polícia Federal.
 Polícia Rodoviária Federal: a atuação da Polícia Rodoviária Federal está
circunscrita às rodovias federais. Ela é responsável pela fiscalização de
trânsito e pelo combate ao crime.
 Polícia Ferroviária Federal: é subordinada diretamente à União, como as
outras polícias federais. É responsável pelo patrulhamento ostensivo nas
ferrovias federais.

Para Mendonça (2020) as polícias legislativa e do Exército são instituídas em


regulamento próprio, por serem internas aos seus órgãos. Assim, não cabe a elas
funções que extrapolem o âmbito da instituição em que atuam. Por isso, essas polícias
não constam do art. 144 da Constituição Federal. Há ainda a Força Nacional de
Segurança Pública, que atua em situações localizadas e que, por seu caráter não
permanente, não pode ser considerada uma força policial. As guardas municipais,
apesar da previsão constitucional, possuem especificidades locais e não compõem a
força policial, dado o seu caráter preventivo e de vigilância.

26
Por fim, os corpos de bombeiros militares são instituições de defesa civil, mas
também atuam como forças auxiliares do Exército quando necessário, assim como as
polícias militares. Seu caráter é mais protetivo, estando a serviço da população no
combate a situações de calamidade pública.

Os estados federados desempenham dois papéis fundamentais: a


preservação da ordem e a investigação em seus territórios. Isso ocorre tanto no
policiamento ostensivo das polícias militares quanto nas forças de inteligência
representadas pelas polícias civis (MENDONÇA, 2020).

5 INOVAÇÃO NA GESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Fonte: escola.mpu.mp.br

Quando se fala em inovação de serviços públicos, surge uma série de entraves


burocráticos a serem transpostos. Com a segurança pública, não é diferente. Como
ela é uma questão de extrema importância para a sociedade e envolve tantos fatores,
27
qualquer mudança deve ser discutida e refletida com vistas a oferecer à sociedade
condições de segurança suficientes para o exercício pleno da cidadania.
Na inovação do setor público, destaca-se a exigência de novos arranjos
políticos, o que exige investimento em recursos humanos, capacitação profissional e
gestão eficiente de recursos econômicos. Face a tantas condicionalidades, cada
mudança proposta, apesar de necessária, enfrenta resistências e causa desconforto.
Na segurança pública, com a gestão participativa, novos atores são convidados a
opinar e debater as demandas, sempre com suas especificidades (OLIVEIRA, 2020).
A Constituição Federal e as legislações posteriores se propuseram a trazer
novas ferramentas e instrumentos para se pensar a segurança pública, de maneira a
romper com o paradigma de uma polícia truculenta. A Política Nacional de Segurança
Pública, juntamente ao Sistema Único de Segurança Pública, visa a uniformizar e
multiplicar as boas práticas nas diferentes polícias, bem como a atender o anseio da
sociedade por segurança e bem-estar (OLIVEIRA, 2020).
A prevenção ainda é reconhecida como uma das melhores estratégias para a
redução dos índices de criminalidade. Mas trabalhar a prevenção exige uma interação
cooperativa com a sociedade e com outras organizações públicas, além de incentivos
dos entes federativos. A repressão continua sendo importante, no entanto pode ser
minimizada por ações preventivas e educativas. Veja o que afirma Oliveira Junior
(2016, p. 14):

Parte-se do pressuposto de que a atuação de instituições participativas, tais


como os conselhos comunitários de segurança pública (ou instituições
congêneres) e os programas criados principalmente por iniciativa das polícias
estaduais, como o Rede de Vizinhos Protegidos, consiste em uma forma
relativamente nova de participação da sociedade civil na segurança pública
no Brasil. Trata-se de programas, ações ou projetos costumeiramente
classificados sob a rubrica do policiamento comunitário, ou modelos afins,
como polícia de proximidade e outros.

Políticas e programas têm trazido bons resultados, embora ainda tímidos, nas
inovações em segurança pública no Brasil. Base comunitária, Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs), programas de prevenção ao uso de drogas, conselhos de
segurança, territórios de paz, entre tantas outras ações, destacam- -se como
iniciativas importantes para modificar a realidade dos índices de violência e
criminalidade do País (OLIVEIRA, 2020).

28
Como exemplo, você pode considerar a Secretaria de Segurança Pública do
Estado de São Paulo, que criou em 2008 a Diretoria de Polícia Comunitária e de
Direitos Humanos (DPCDH). Com a DPCDH, a instituição constrói um rol de valores
para a aproximação com a comunidade. Isso passa pela capacitação profissional dos
agentes policiais e por ações e programas de estreitamento do vínculo com a
comunidade. Os valores da DPCDH são representados:
 pelos pilares da hierarquia e da disciplina;
 pela filosofia de polícia comunitária;
 pelo mais absoluto respeito aos direitos humanos;
 pela ação em defesa da vida, da integridade física e da dignidade das
pessoas;
 pela ação com honestidade de propósitos, probidade, patriotismo, civismo
e coragem.

As relações humanas no ambiente de trabalho devem ser pautadas pela


fraternidade, pela justiça, pela lealdade, pela constância de propósitos e pelo
profissionalismo. Além disso, os policiais devem servir à população da mesma forma
como gostariam de ser servidos (OLIVEIRA, 2020).

As UPPs do Rio de Janeiro não foram bem-sucedidas como política


permanente; várias unidades já foram desativadas.

Todos os programas têm como base a polícia comunitária, filosofia


organizacional compartilhada por todos os órgãos de polícia, visando sempre ao
ligação entre os direitos humanos e a segurança pública:

É uma filosofia e estratégia organizacional que proporciona uma nova


parceria entre a população e a polícia. Baseia-se na premissa de que tanto a
polícia quanto a comunidade devem trabalhar juntas para identificar, priorizar
e resolver problemas contemporâneos tais como crime, drogas, medo do
crime, desordens físicas e morais, e em geral a decadência do bairro, com o
objetivo de melhorar a qualidade geral da vida na área (TROJANOWICZ;
BUCQUEROUX, 1994, p. 4).

A polícia comunitária atua a partir dos seguintes requisitos:

29
 imagem da polícia protetora e amiga;
 aproximação entre a comunidade e a organização policial;
 noção de que o agente policial tem função didático-pedagógica, orientando
e educando o cidadão;
 respeito aos direitos humanos e direitos fundamentais garantidos pela
Constituição;
 noção de que o policial é um cidadão íntegro, um representante do Estado
que atende às demandas sociais.

Todas essas inovações no comportamento e nas competências das polícias


requerem também uma modificação da participação da sociedade e, principalmente,
dos órgãos públicos na promoção de uma cultura de justiça social. São necessárias
políticas públicas transversais e integradas com vistas ao exercício pleno da cidadania
(OLIVEIRA, 2020).

6 AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO DAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA


PÚBLICA

Fonte: gestaodesegurancaprivada.com.br

30
Neste capítulo, você vai estudar a avaliação e o monitoramento das políticas
de segurança pública no Brasil. Ao longo do capítulo, você vai verificar como se
organiza a estrutura federalista do Brasil e conhecer o histórico das políticas nacionais
de segurança pública, com especial atenção aos planos nacionais de segurança
pública propostos nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Luiz Inácio
Lula da Silva. Você deve ficar atento às políticas públicas de segurança relacionadas
aos diferentes níveis e segmentos de poder e à ramificação entre prevenção e
repressão (OLIVEIRA, 2020).
Por sua vez, o relacionamento entre a avaliação e o monitoramento deve ser
compreendido junto às questões de performance policial, aos planos nacionais de
segurança pública e aos apontamentos relativos aos direitos humanos. Também fique
atento ao seguinte: violência, corrupção, criminalidade e brutalidade policiais são
questões veementemente tratadas nos mais diversos planos nacionais, porém há
recuos, pressões e reações, o que gera um histórico negativo de aplicação de políticas
de segurança pública no Brasil (OLIVEIRA, 2020).
Em síntese, a ideia é que, a partir das discussões propostas, você compreenda
por que a segurança pública é uma das questões mais sensíveis no contexto
brasileiro, ainda que sua presença seja corriqueira nas agendas políticas nacionais
(OLIVEIRA, 2020).

6.1 Principais conceitos e discussões

A segurança pública está intimamente vinculada à segurança interna, no


sentido de preservação da ordem pública. Por outro lado, ela se contrapõe à
segurança interna territorial e à segurança externa, que ficam sob a responsabilidade
das Forças Armadas. Então, embora tenha um conceito complexo, a segurança
pública pode ser lida como uma das causas da ordem pública, que por sua vez se
vincula à ordem administrativa em geral, que engloba saúde, segurança, moralidade
e tranquilidade pública, assim como boa-fé nos negócios (LAZZARINI, 2003 apud
OLIVEIRA, 2020).

Ademais, o conceito de segurança pública está atrelado à proteção da


sociedade; está em jogo um sistema de desenvolvimento social que dirige um sistema

31
de proteção social, no âmago da sociedade civil, em conjunto com um sistema de
desenvolvimento nacional e um sistema de proteção nacional. A ausência de um
conceito de segurança pública na Constituição abre margem à interpretação. Assim,
a segurança pública ganha enfoques distintos: defesa ou garantia contra ameaças, ou
unicamente defesa contra a ameaça do crime e da contravenção penal (ESPÍRITO
SANTO; MEIRELES 2003).
As políticas de segurança pública no Brasil têm sido, de forma geral,
organizadas e implementadas de maneira fragmentada e pouco planejada. No final
dos anos 1980, houve a retomada da ordem democrática no País, e diversos direitos
foram respaldados e reformulados pela Carta Maior. Todavia, o direito à segurança e
à ordem, da mesma forma que a organização estrutural que deveria garanti-lo, acabou
limitado a uma lista de organizações policiais apresentada no Título V — Da Defesa
do Estado e das Instituições Democráticas. Com esse tratamento, a segurança ficou
longe de assumir o caráter cidadão conferido aos outros setores da vida social do
Brasil, que começava a se reajustar (BALLESTEROS, 2014 apud OLIVEIRA, 2020).
A insuficiência constitucional relativa à segurança pública é vista por inúmeros
autores como decorrência do abalo institucionalizado em relação à temática,
resultante das violações e arbitrariedades cometidas durante a ditadura militar.
Refrear o debate e afastar-se dessa temática na Constituinte teria permitido edificar a
conciliação indispensável para a transição ao regime democrático (BALLESTEROS,
2014). Veja:

As continuidades organizacionais [...] caracterizaram a segurança pública


desde a promulgação da Constituição de 1988, somadas à falta de indicação
sobre diretrizes de coordenação ou articulação, bem como à omissão com
relação ao papel do governo federal e dos municípios neste setor.
Tradicionalmente, as implicações da estrutura federalista para a
caracterização das políticas públicas nacionais foram analisadas apenas para
as políticas sociais e fiscais. Em raras oportunidades as análises desta
natureza foram estendidas às políticas de segurança pública. Isso porque, no
entender de alguns analistas, os vazios eram tão mais expressivos do que as
ações empreendidas, que não haveria elementos sobre os quais fazer
considerações teóricas. O federalismo como forma de organização político-
territorial, segundo corrente majoritária da doutrina, tem forte impacto na
estrutura administrativa e no desenho e implementação das políticas
públicas, e a interação que se dá entre o governo central e os governos
subnacionais em uma federação é essencial para definir o modo e a
qualidade com que o Estado proverá direitos fundamentais dos cidadãos
(BALLESTEROS, 2014, p. 8).

32
Ainda assim, alguns procedimentos governamentais indicam mudanças na
forma como a segurança pública vem sendo administrada nos últimos 30 anos no
Brasil. Embora o governo federal não tenha a competência legal para tratar do tema,
sua atitude política construída com base em propostas que superam as limitações da
normatividade tem sido utilizada para movimentar um ambiente baseado na inércia e
na reatividade. Ainda que não consumadas, essas alterações devem ser consideradas
significativas marcas da governança da segurança pública (BALLESTEROS, 2014).
Nesse sentido, a implementação de políticas públicas de segurança não
depende apenas do desenvolvimento de um bom planejamento, mas dos resultados
práticos que advêm da excelência na governança e da determinação de prioridades,
bem como do afastamento de pontos errôneos que podem gerar retrocessos. Assim,
manter programas de segurança pública em funcionamento depende de dois fatores
essenciais: a avaliação e o monitoramento (OLIVEIRA, 2020).
Conjuntamente, esses fatores são formuladores de índices de qualidade e/ou
ineficiência das ações e estratégias desenvolvidas pela atividade conjunta dos
governos federal, estadual e municipal para a aplicação de projetos vinculados à
segurança pública, ao combate ao crime e à violência, à reestruturação das polícias,
ao aprimoramento de tecnologias e conhecimentos, etc.
A avaliação de desempenho diz respeito à análise dos resultados atingidos por
meio de determinada ação, a qual, por sua vez, pressupõe a competência, que é
entendida como “[...] a capacidade de um indivíduo ou grupo em executá-la e, em
certos casos, a eficiência, que é a virtude de produzir algum efeito tendo em vista uma
relação de custos e benefícios [...]” (DURANTE; BORGES, 2011, p. 64). Assim, avaliar
o desempenho é o mesmo que lhe conceder um conceito em relação às expectativas
preestabelecidas. Dessa forma, a avaliação e, por conseguinte, o monitoramento são
instrumentos que possibilitam ao gestor ter conhecimento dos resultados e impactos
da ação de determinada política, programa ou plano. Por meio disso, ele pode
estabelecer, rotineiramente, contratos com os agentes vinculados ao projeto ou
política avaliada considerando os resultados que são esperados, procurando “[...]
acompanhar os desafios propostos, corrigindo os rumos quando necessário e avaliar
os resultados alcançados. [Estes] derivam do planejamento estratégico definido pelos
gestores da organização ou departamento avaliado [...]” (DURANTE; BORGES, 2011,
p. 65). Considere o seguinte:

33
A avaliação em processo [...] tem a particularidade de ser preventiva da
eficiência e até mesmo da eficácia, dependendo da metodologia e dos
instrumentais que são utilizados. Este tipo de avaliação é fundamental para a
introdução da correção de rumos no decorrer do processo de implementação
de políticas públicas. Essa avaliação é muito sensível politicamente porque
afeta diretamente os responsáveis políticos e técnicos pela condução das
políticas. A avaliação em processo destina-se a problematizar, em
profundidade, a direção, os produtos e os resultados que a política esteja
produzindo, mas enquanto ela está́ sendo implementada (DURANTE;
BORGES, 2011, p. 66).

Durante e Borges (2011, p. 66) também discorre sobre a importância dos


indicadores de desempenho. Veja:

Como ferramenta essencial para realizar a avaliação de desempenho,


destacamos os indicadores de desempenho. A criação de um sistema de
indicadores de desempenho pode ser um instrumento para avaliação das
instituições de segurança pública e um autocontrole dos resultados do seu
desempenho. Por outro lado, permite comparar o desempenho da instituição
gestora com outras similares. Permite, ainda, destacar os pontos fortes e
fracos dos diferentes setores das entidades gestoras, de maneira que sejam
adotadas medidas corretivas para a melhoria da produtividade, dos
procedimentos e das rotinas de trabalho. Por fim, permite a monitorização dos
resultados das decisões dos gestores, facilitando a implementação de um
sistema de gestão da qualidade. Os indicadores de desempenho devem
proporcionar informações no que diz respeito aos objetivos das instituições e
facilitar as tomadas de decisão, bem como o redirecionamento de ações que
estão sendo desenvolvidas (Apud OLIVEIRA, 2020).

Soares (2007), por sua vez, destaca que os efeitos da sazonalidade e da


relatividade da aceleração são coeficientes muito simples para os mecanismos de
avaliação e monitoramento de políticas públicas de segurança. Deve-se recordar as
hipóteses vinculadas a fatores sociais que são causas capazes de promover
condições ótimas para a formação ampliada de práticas criminosas; nesses casos,
ainda que um excelente programa de segurança seja aplicado, os indicadores
poderiam ser negativos. O autor assinala que tais indicativos poderiam ser
apaziguados caso uma política de segurança não estivesse sendo empregada, mas
isso “[...] conduziria o analista a um argumento contrafactual impossível de testar e,
portanto, de comprovar [...]” (SOARES, 2007, p. 78 apud OLIVEIRA, 2020). O
contrário também poderia ocorrer, ou seja, fatores negativos poderiam fracassar ou
mesmo se extinguir, tendo como consequência resultados positivos e alheios às
políticas de segurança. Nesse sentido,

34
Consideremos quatro exemplos da participação relativamente autônoma de
fatores negativos [...]: dinâmicas demográficas ou a qualidade da saúde
pública materno-infantil, ou o aperfeiçoamento das condições sanitárias, fruto
de processo de urbanização, levam ao aumento do número de jovens na
população. Sabemos que a magnitude da presença de jovens na população
constitui uma variável significativa para o panorama da criminalidade e da
violência. Eis aí um contexto favorável ao crescimento do número de crimes.
Desastres naturais, como enchentes e tornados, podem gerar
desabastecimento, desespero e uma onda de saques, de tal maneira que se
produza um ambiente propício à proliferação de práticas criminosas de tipos
diversos, contra a vida e o patrimônio. Crise econômica, provocando
desemprego em massa e aprofundando desigualdades, na contramão de
uma cultura hegemônica individualista e igualitária, pode funcionar como
vetor facilitador da difusão de práticas criminosas. Crescimento econômico e
elevação da renda média, universalização do acesso ao ensino público, em
ambiente de intenso desenvolvimento tecnológico, no contexto da expansão
do que se convencionou chamar “sociedade do conhecimento ou da
informação”, tornam simples a reprodução doméstica de obras culturais
(como filmes e gravações musicais) e incontrolável sua distribuição ilícita,
colocando em xeque os termos que tradicionalmente definem a propriedade
intelectual e alimentando verdadeira avalancha dos crimes apelidados
“pirataria” (SOARES, 2007, p. 78 apud OLIVEIRA, 2020).

Tais hipóteses correspondem a um grupo de elementos independentes do


desempenho policial ou das políticas de segurança e representam a perspectiva de
que boas práticas não são capazes de minimizar danos ou limitar consequências
negativas. Dessa forma, não estaria correta a avaliação por meio do resultado
vinculado da colisão de dinâmicas, vetores e processos, exceto se fosse realizado por
metodologia comparativa de situações similares (SOARES, 2007).

Os indicadores sociais devem possuir duas características fundamentais:


validade e relevância. Veja a seguir.
- Validade: a validade de um indicador corresponde ao grau de proximidade entre o
conceito e a medida, ou seja, é a sua capacidade de refletir, de fato, o conceito
abstrato que se propõe a “operacionalizar” ou “substituir”.
- Relevância: enquanto propriedade desejável de um indicador social, a relevância diz
respeito à pertinência desse indicador para a tomada de decisão acerca dos
problemas sociais. Os indicadores podem ser utilizados para medir ou revelar
elementos relacionados a diversos aspectos sociais. Podem, por exemplo, medir a
disponibilidade de bens, serviços e conhecimentos, ou captar processos em termos
de intensidade e sentido de mudanças. Dessa forma, os indicadores podem se referir
a aspectos tangíveis e intangíveis da realidade. Os tangíveis são os facilmente
35
observáveis e aferíveis quantitativa ou qualitativamente, como renda, escolaridade,
saúde, organização, gestão, conhecimentos, habilidades, formas de participação,
legislação, direitos legais, divulgação, oferta, etc. Já os intangíveis são aqueles que
só se pode captar parcial e indiretamente por meio de algumas manifestações; por
exemplo: consciência social, autoestima, valores, atitudes, estilos de comportamento,
capacidade empreendedora, liderança, poder e cidadania (OLIVEIRA, 2020).

A situação se torna mais intrigante quando se visualiza que o sucesso ou o


fracasso de políticas de segurança e desempenho policial facilita a formatação de
condutores independentes positivos ou negativos, o que relativiza a ideia de
autonomia dos coeficientes. Ademais, outras dificuldades permanecem:

[...] o aprimoramento dos serviços de segurança pública pode elevar o grau


de confiança da população nas polícias, o que, por sua vez, pode levar ao
crescimento do volume das denúncias ou dos registros de crimes [...]
(SOARES, 2007, p. 79 apud OLIVEIRA, 2020).

Deve-se destacar que o recurso de pesquisas de vitimização está sempre


presente nas análises de políticas de segurança, que auferem eventos e percepções.
Quando repetidas de forma contínua, essas pesquisas são a forma mais efetiva de
observar quantidades e tipos de ocorrências, bem como de mensurar a confiança
popular nas polícias. Porém, elas não solucionam a questão da avaliação (SOARES,
2007 apud OLIVEIRA, 2020).
Quando políticas de segurança e performances policiais são avaliadas com o
objetivo de aprimoramento, incumbências e responsabilidades são recebidas pelos
gestores de acordo com os resultados obtidos. Essa concepção modifica o objeto da
avaliação de forma a tornar o processo de avaliação e monitoramento mais complexo.
Assim, pode ser um equívoco de larga escala conceder bônus pecuniários aos
estados e:

[...] áreas que apresentam os dados mais graves, as taxas mais elevadas de
criminalidade, uma vez que a valorização pode tornar atrativo o fracasso;
tanto quanto fazer o inverso pode condenar [os locais com mais problemas]
ao abandono e ao círculo vicioso do agravamento que se retroalimenta [...]
(SOARES, 2007, p. 80).

Os resultados paradoxais, ou seja, aqueles majoritariamente positivos, mas, da


mesma forma, capazes de gerar efeitos negativos, constituem outra matriz de

36
impasses às avaliações. Dessa forma, uma boa política tem de se manter aberta,
permitindo modificações contínuas quando elas se fizerem necessárias, como indicam
os exemplos práticos:

Tome-se o caso das drogas: na medida em que se aperta o cerco ao tráfico


internacional, maiores passam a ser os riscos do transporte ilegal e da
distribuição para o varejo. A leitura ingênua deduziria dessa adição de custos
uma eventual tendência à desaceleração do comércio de drogas. Contudo, o
que é mais difícil e envolve mais riscos tem mais valor e passa a exigir, para
realizar-se, pagamento correspondente ao novo valor, inflacionado,
paradoxalmente, pelos novos obstáculos agregados à provisão do serviço
ilícito. Ganhos mais elevados, por seu turno, implicam mais estímulo a
investimentos nessa área da economia ilegal e maior capacidade de
recrutamento de operadores dispostos a enfrentar óbices e riscos. Ou seja, a
espiral descrita faz de cada ônus acrescido ao ato criminoso uma promessa
de benefício, uma ampliação da recompensa. O mesmo vale para o caso da
corrupção: aprimoramento dos instrumentos de controle, intensificação de
ações repressivas e aumento de penas tornam o custo da transgressão mais
elevado. No entanto, o ciclo não se esgota aí. Considerando-se que a parcela
do ganho ilícito (digamos que se trate de fraudar uma licitação) apropriada
pelo mediador criminoso é, por definição, elástica, o aumento do risco pode
promover um novo arranjo, Avaliação e monitoramento das políticas de
segurança pública 7 em cujo âmbito se reduza a margem de lucro do
beneficiário da fraude — sem subtrair-lhe atratividade —, e se eleve,
proporcionalmente, o percentual que cabe ao broker, mantendo-se, para ele
ou ela, o interesse da operação. Se o processo inflacionar excessivamente o
valor da operação, pode, ao invés de desestimulá-la, suscitar a mudança de
sua qualidade, tornando-a ainda mais danosa. Por exemplo, provocando o
entendimento entre os competidores da licitação para que a manipulem,
incluindo-a em pacote mais abrangente, em cujos termos todos os envolvidos
se beneficiariam, a médio prazo, lesando-se com mais proficiência e em
maior intensidade o interesse público. Isso não significa que nada haja a fazer
e que Estado e sociedade devam render-se ao inevitável. Mas significa, sim,
que intervenções realmente efetivas requerem mais engenho e arte — isto é,
mais atenção à complexidade do que suporia necessária a visão ligeira do
problema (SOARES, 2007, p. 81 apud OLIVEIRA, 2020).

Esses efeitos paradoxais das políticas de segurança e da performance policial


são capazes, além do mais, de ser veículos para a migração das práticas criminosas,
ou seja, o êxito de certas intervenções locais pode culminar no deslocamento do crime
para bairros próximos, cidades vizinhas ou estados de divisa. A consequência
vinculada pode, dessa maneira, manter-se incólume ou decair, de modo que as
migrações podem provocar litígios por territórios e intensificação da violência no
cometimento das práticas criminosas. Da mesma forma, no caso da migração
territorial, também podem ocorrer alterações nos delitos, por exemplo, “[...] quando a
repressão de roubos a banco aumenta, os criminosos podem deslocar-se para a
prática de sequestros e daí para o roubo de cargas — e assim sucessivamente [...]”
(SOARES, 2007, p. 82 apud OLIVIERA, 2020).

37
Você deve ficar atento ao seguinte: os resultados não são os únicos fatores
necessários para que uma avaliação de um programa de segurança pública seja
exitosa. Procedimentos e propósitos intermediários, considerados especialmente
relevantes por métricas institucionais, têm de ser meios de acompanhamento crítico
sistemático. Destacam-se, por exemplo, a qualidade da formação de operadores de
segurança pública, a confiança e a real existência dos controles internos e externos,
entre outros. Nos casos de políticas preventivas, os programas propostos podem ter
valor segundo diferentes variáveis, independentemente de conclusões observadas a
curto prazo. Nesse sentido, o entendimento é necessário para a avaliação crítica, mas
não pode ser obtido a todo momento, tendo vista a natureza prática dos meios de
avaliação, proveitosos, em suma, para o monitoramento disciplinante do sistema
examinado. Assim, o aprimoramento não pode esperar um lapso temporal
consideravelmente longo para que estudos comparativos sejam realizados (SOARES,
2007 apud OLIVEIRA, 2020).

As propostas vinculadas à segurança pública que utilizam um planejamento


estratégico adequado, definindo objetivos e metas a serem alcançadas,
precisam de monitoramento para o aperfeiçoamento das suas ações. Tal
monitoramento envolve procedimentos científicos de coleta e análise de
informações em relação ao conteúdo, à estrutura, ao processo, ao resultado
e aos impactos de políticas governamentais (DURANTE; BORGES, 2011). A
avaliação é um instrumento de gestão, uma vez que pode ser utilizada em
todas as fases da gestão de políticas de segurança: planejamento e
formulação de uma intervenção, acompanhamento de sua implementação,
ajustes a serem realizados e decisões em relação à sua permanência,
melhoria, alteração ou cessação. Ademais, a avaliação auxilia no fomento de
todas as atividades dos controles interno e externo, por meio de instituições
públicas e da participação social, garantindo maior transparência e
accountability às ações do governo. Desse modo, as características
essenciais da avaliação devem estar vinculadas por meio de um diagrama
integrado a todo o ciclo de gestão, fortalecendo-se junto a ele desde o
momento em que o problema é diagnosticado (DURANTE; BORGES, 2011).
Portanto, as organizações políticas devem ser periodicamente avaliadas, de
forma a promover um procedimento de retroalimentação que possibilite que
os programas revisem estratégias e seu modus operandi. Como
consequência, diminuem-se as sequelas da predisposição à desordem do
sistema, absolutamente comum nas políticas de segurança pública no Brasil
(DURANTE; BORGES, 2011 apud OLIVEIRA, 2020).

6.2 A segurança pública no governo FHC

No segundo mandato presidencial de FHC, foi lançado o primeiro Plano


Nacional de Segurança Pública, que objetivou aperfeiçoar o sistema de segurança
pública por meio de propostas que vinculassem políticas de segurança, políticas

38
sociais e ações comunitárias. A ideia era reprimir e prevenir o crime e reduzir a
impunidade, aumentando a segurança e a percepção de tranquilidade social do
cidadão (BRASIL, 2001).
É importante que você compreenda o contexto em que se deu a criação e a
publicação desse plano pioneiro. O governo FHC, com seus sucessivos ministros da
Justiça (contexto do segundo mandato do sociólogo), teve a ideia de compor um plano
nacional de segurança pública a partir de um fato específico. Em 12 de junho de 2000,
o sobrevivente da chacina da Candelária Sandro Barbosa do Nascimento sequestrou
o ônibus 174 (Central–Gávea) no Rio de Janeiro. O sequestro resultou na morte de
Geísa Firmo Gonçalves, que ficou refém do sequestrador e morreu depois de ele
disparar três tiros em suas costas. Como não havia outros reféns, a polícia imobilizou
Sandro, levando-o preso, porém o criminoso faleceu por asfixia enquanto os policiais
tentavam imobilizá-lo a caminho da delegacia. O crime chocou a população brasileira
e ficou marcado na história do País (OLIVEIRA, 2020).
Ato contínuo, FHC determinou aos seus assessores que tomassem uma
decisão quanto à agenda da segurança nacional, ao menos naquilo que se referia à
União. Após essa determinação, em poucos dias, a nação brasileira recebia seu
primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, denominado “O Brasil diz Não à
Violência”. Esse plano, pela urgência de criação e por uma análise caduca, tomou
forma com uma série de intenções diversificadas e assimétricas. Salienta-se que, no
primeiro mandato de FHC, caminhos importantes foram traçados quanto à segurança
pública, com especial destaque para a criação da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos e a formulação do primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos (SOARES,
2007 apud OLIVEIRA, 2020).
Ao analisar o Plano Nacional de Segurança Pública de FHC, alguns autores
identificam na propositura de um plano baseado meramente em questões políticas um
motivo da estagnação do desenvolvimento de reformas interessantes no sistema de
segurança no País. Eles consideram que se trabalhou a temática como um
planejamento de governo, não se atendendo aos requerimentos demandados pelo
Estado (MESQUITA NETO, 2008 apud OLIVEIRA, 2020).
Embora o Plano Nacional de Segurança Pública de FHC tenha representado
um primeiro passo para os programas de políticas públicas pós-ditadura, ele não
detinha elementos suficientes e satisfatórios para sua execução. Afinal, faltou àquele

39
documento uma estruturação de política, que requeria “[...] a identificação de
prioridades, uma escala de relevância, [bem como] a identificação de um conjunto de
pontos nevrálgicos condicionantes dos processos mais significativos [...]” (SOARES,
2007, p. 83). Assim, não houve mudanças impulsionais e estruturadas ou conjuntas e
brutas com elementos suficientes para modificar a realidade da segurança pública no
País, o que seria capaz de impulsionar conjunturas apropriadas para as alterações
estratégicas, baseadas em metas suficientemente delineadas. Não foi possível obter
um conceito estruturado dos problemas, em suas diversas proporções, sejam elas
sociais ou institucionais. Da mesma forma, sequer se delimitou uma qualificação —
na falta do estabelecimento de metas e critérios, métodos e mecanismos de avaliação
e monitoramento (SOARES, 2007 apud OLIVEIRA, 2020).
Não foi difícil para os estudiosos e pesquisadores perceber que aquele “plano
nacional” não era suficiente para a delimitação de propostas relativas à segurança
pública nacional, uma vez que lhe faltavam requisitos mínimos de direcionamento
(SOARES, 2007). Ademais, os estudiosos de segurança pública diagnosticaram que
o primeiro Plano Nacional de Segurança Pública tinha uma série de características
estabelecidas pelo jogo político delineado desde a época da constituinte, baseadas
em interesses corporativistas (MESQUITA NETO, 2008). Outra característica
imperiosa para a fraqueza da implementação desse primeiro documento formal de
segurança no País foi a falta de integração entre os entes federativos para o
desenvolvimento conjunto de políticas. Em termos de auxílio mútuo entre União,
estados, Distrito Federal e municípios, o poder de desenvolvimento das lideranças
locais era essencial. Essas lideranças eram fundamentais às negociações político-
partidárias. Sem considerar a integração entre elas e o governo federal, o Plano
Nacional de Segurança Pública de FHC deixava de lado o deslocamento categórico
no sentido da democratização e da ampliação de mecanismos para o
desenvolvimento de políticas harmonizadas de segurança pública no Brasil
(BALLESTEROS, 2014 apud OLIVEIRA, 2020).
Porém, o Plano Nacional de FHC não foi apenas um conjunto de ideias sem
possibilidade de aplicação; pelo contrário: foi um material inaugural das políticas de
segurança pública que o sucederam. Entre os pontos que merecem destaque, está a
importância atribuída à prevenção da violência, distanciando-se da falida ideia de
repressão. Para tanto, foi criado o Plano de Integração e Acompanhamento dos

40
Programas Sociais de Prevenção da Violência, com o objetivo de promover a
cooperação e a interação local. Por conseguinte, tal plano buscava a recíproca
tonificação dos programas sociais implementados pelos governos federal, estadual e
municipal que, de maneira direta ou indireta, conseguissem auxiliar na redução dos
elementos vinculados aos delitos de natureza criminosa (OLIVEIRA, 2020).
Embora houvesse propostas interessantes, os obstáculos para a sua execução
eram muito maiores do que o documento previa. Considerando a estrutura do Estado
no Brasil, que é ensejada pela ramificação corporativa, nada é mais complicado do
que agregar programas setoriais, constituindo, pela coordenação, uma denominada
“política intersetorial”. Isso é verdadeiro em especial quando a vontade está além da
competência de uma única camada de governo e se estende para os três níveis da
Federação (SOARES, 2007). Mas, nesse sentido, diligências consideráveis foram
realizadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública:

O estabelecimento de condições de cooperação entre as instituições da


segurança pública; o apoio a iniciativas visando a qualificação policial; o
investimento [...] na expansão das penas alternativas [...]; o desenvolvimento
de perspectivas mais racionais de gestão, nas polícias estaduais e nas
secretarias de segurança, através da elaboração de planos de segurança
pública, nos quais se definissem metas a alcançar (SOARES, 2007, p. 84–
85).

Ainda no que compete à união entre os entes federados, não se poderia negar,
junto à ideia de execução do Plano Nacional fomentado no governo FHC, que havia
um constrangimento do pacto federativo no concernente à segurança pública. Afinal,
embora o governo federal sempre tenha tido papel de destaque na produção de
políticas de segurança pública, a execução dessas políticas recaía, e continua
recaindo, sobre os estados, que por sua vez encaram questões delicadas na esfera
de sua localidade. Entre essas questões, está a tarefa de desenvolver um trabalho
baseado nas características regionais de contenção ao crime e nas especificidades
do elo entre “[...] políticas, Ministério Público, Poder Judiciário e autoridades
penitenciárias com o governo civil e com as elites políticas locais [...]” (ADORNO,
2003, p. 141). Assim, esse vínculo é uma questão de sumária importância, uma vez
que a execução de qualquer plano político, incluindo aqueles de segurança pública,
depende das alianças estabelecidas entre governos estaduais e federal,

41
intermediadas pelas relações entre os representantes estaduais e federais no
Congresso Nacional (BALLESTEROS, 2014 apud OLIVEIRA, 2020).
Mesmo diante desse ambiente hostil, o governo FHC cuidou, junto ao seu Plano
Nacional de Segurança Pública, de criar o Fundo Nacional de Segurança Pública, que
ficou sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública, com o
objetivo de impulsionar as políticas públicas e suas adequações. Porém, diante da
falta de uma política nacional sistêmica, com prioridades delineadas, o fundo
enfrentou limitações que se vinculavam a antigos procedimentos, como o repasse de
recursos, que, em vez de ser instrumento político previsto para o estímulo de reformas
estruturais, na prática passou a ser utilizado para a compra de armas e viaturas. Logo,
o Fundo Nacional de Segurança Pública foi exaurido pela força da imobilidade e ficou
estagnado na antiga máxima de “fazer mais do mesmo”, sem prospectar as inovações
que vinham indicadas no Plano Nacional de Segurança Pública. O que se viu foram
estruturas gastas sendo beneficiadas por meio de políticas confusas e suportando a
convivência com organizações policiais resistentes à gestão racional, à avaliação, ao
monitoramento e ao controle externo (SOARES, 2007 apud OLIVEIRA, 2020)
O segundo mandato de FHC foi marcado por uma mudança positiva,
democrática e progressiva: o conteúdo da segurança pública ganhou status político
superior e se reconheceu “[...] sua importância, a gravidade da situação e a
necessidade de que o governo federal assuma responsabilidades nessa matéria [...]”
(SOARES, 2007, p. 85). Ademais, o governo firmou compromisso político com a pauta
dos direitos humanos; especificamente na seara da segurança pública, foi criada uma
agenda idônea, com destaque à prevenção de delitos, à integração entre os diferentes
entes da Federação e entre governos, ao reconhecimento das questões locais, à
qualificação das polícias, ao encorajamento ao policiamento comunitário, ao incentivo
ao programa de proteção às testemunhas e à criação de ouvidorias. Porém,
lamentavelmente, a pauta não foi conduzida com os meios indispensáveis à sua
consumação; em sentido amplo, “[...] faltaram verbas, orientação política adequada,
liderança e compromisso efetivos, e um plano sistêmico, consistente, que garantisse
uma distribuição de recursos correspondente às prioridades identificadas no
diagnóstico [...]” (SOARES, 2007, p. 86 apud OLIVEIRA, 2020).
Deve-se observar que, embora com apontamentos tímidos (porém incipientes)
do governo FHC, o âmbito da segurança pública, na esfera da União, foi marcado por

42
insensibilidade e falta de mobilidade. Os gestores federais conformaram-se com dar
andamento às práticas tradicionais, adaptando-as ao novo contexto democrático,
marcado pela Constituição Federal de 1988. Porém, os esqueletos organizacionais se
mantiveram inalterados no processo de transição à democracia. As autoridades se
restringiram a recepcionar o legal da tradição brasileira autoritária que reproduz
características substanciais, trazendo apenas ajustes residuais. Isto é, as polícias e
suas práticas deixaram de focar com exclusividade a segurança do Estado, passando
à defesa dos cidadãos e à proteção de seus direitos (SOARES, 2007 apud OLIVERIA
2020).
Além disso, foram herdados inúmeros aspectos do primeiro mandato de FHC,
com o mesmo diagnóstico, por exemplo, para as causas de crescimento da violência
e dos crimes. Para além disso, os agentes e agências incumbidos de implementar a
obsoleta política da “lei e ordem” e de promover a segurança pública revelaram-se
resistentes às mudanças institucionais. Essa situação é um reflexo dos imponentes
interesses petrificados na burocracia estatal — alguns provenientes dos governos
autoritários no País —, os quais ainda tinham espaço significativo nos processos de
tomada de decisões. Os governos civis do período pós-ditadura não se esforçaram
para fomentar um novo quadro de operadores de segurança pública, isto é, um quadro
mais articulado às novas Avaliação e monitoramento das políticas de segurança
pública 13 ideias quanto ao trabalho no Estado Democrático de Direito (ADORNO,
2003). Logo, a brutalidade arbitrária continuou como forma peculiar do relacionamento
com as camadas populares, em especial com negros e mulheres, nas periferias e
favelas. O mesmo ocorreu com o sistema penitenciário e os cárceres no geral. Veja:

Os tempos mudaram, o país passou-se a limpo, em certo sentido,


adequando- -se à nova ecologia política, ante a ascensão dos movimentos
sociais e do associativismo, mas as instituições da segurança pública
preservaram seus obsoletos formatos — com o ciclo de trabalho policial
dividido, entre Polícia Militar e Polícia Civil —, sua irracionalidade
administrativa, sua formação incompatível com a complexidade crescente
dos novos desafios, sua antiga rivalidade mútua, seu isolacionismo, sua
permeabilidade à corrupção, seu desapreço por seus próprios profissionais,
seu desprezo por ciência e tecnologia, e seus orçamentos irrealistas, que
empurravam os profissionais ao segundo emprego na segurança privada
ilegal e em atividades nebulosas (SOARES, 2007, p. 86).

Logo, embora tenha acontecido uma transformação democrática no País, tal


transição não foi capaz de compreender o cerne da segurança pública, que traz
marcas de um passado obscuro e é, em relação à cidadania, ineficaz. Apesar de os
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fatores estaduais e regionais serem muito diferentes, as corporações da segurança
pública se transformaram em parte do problema, em vez de assumirem um novo
significado e apontarem um caminho de soluções e inovações (SOARES, 2007).
Porém, não se pode negar a importância do documento publicado na gestão
de FHC. Afinal, pela primeira vez na história da democracia recente do Brasil, a
segurança pública foi posta em pauta na agenda governamental, o que estimulou a
ampliação e a propagação de novos planos nacionais de segurança pública, que
podem ser observados e estudados até hoje (OLIVEIRA, 2020).
O primeiro contato próximo do governo federal com a segurança pública, por
meio do Plano Nacional de Segurança Pública de 2000, abriu portas para o então
candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva apresentar ao
Congresso Nacional e à população brasileira um auspicioso novo Plano Nacional de
Segurança Pública. Tal plano tratou da temática com fervor e incitou anseio dos
operadores de segurança no País e otimismo pelos projetos que propunha. Você vai
conhecer melhor esse documento na seção seguinte (OLIVEIRA, 2020).

6.3 A segurança pública no governo Lula

A segurança pública desenvolvida pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva


pode ser analisada a partir de duas abordagens: aquela implementada em seu
primeiro mandato e a que foi estabelecida em seu segundo mandato. Em fevereiro de
2002, como candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva
apresentou ao Congresso Nacional seu Plano Nacional de Segurança Pública,
desenvolvido em conjunto com o Instituto Cidadania. Esse documento foi recebido
com respeito, inclusive por seus adversários políticos, uma vez que apontava sério
compromisso com questões de caráter técnico e não se voltava a velhas políticas
ideológicas na área da segurança. O Plano assumia uma posição não partidária e
objetivava contribuir para a edificação de um mínimo consenso nacional, partindo da
máxima de que a segurança pública é matéria e dever de Estado, não de governo,
colocando-se, então, para além dos litígios político-partidários. Quando eleito, Lula
institucionalizou o Plano Nacional de Segurança Pública em seu programa de governo
(SOARES, 2007).

44
O autor do Plano foi o então secretário nacional de Segurança Pública. A ele,
coube colocar em prática as primeiras etapas do Plano, que contemplavam, por
exemplo: a construção de um consenso com governadores em torno do próprio Plano;
a definição de pontos fundamentais para a celebração de um acordo para a
normatização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp); a instalação de
gabinetes de gestão integrada de segurança pública em uma parceria do governo
federal com os governos estaduais; o não contingenciamento dos recursos do Fundo
Nacional de Segurança Pública; a desconstitucionalização das polícias; e, uma vez
endossado o Plano, a celebração, em conjunto com os 27 governadores de estados,
do Pacto pela Paz (SOARES, 2007).
A primeira gestão de Lula se baseou no reforço do caráter de articulação do
governo federal, associado ao destaque dado a políticas de prevenção e valorização
profissional dos agentes de segurança pública do País. Além disso, o
restabelecimento do vínculo federativo foi proposto pelo Comitê de Articulação
Federativa (CAF) do governo, que prospectava a harmonização no fomento de uma
fórmula para criar estratégias e ações de implementação coordenada e cooperativa
entre o governo federal e as esferas municipais, para suporte dos requerimentos
sociais e aperfeiçoamento das relações federativas (BRASIL, 2007).
Ademais, no Projeto Segurança Pública para o Brasil, de 2002, elaborado com
a participação de alguns setores da sociedade, foram propostas reformas estruturais
abrangentes, incluindo também reformas relativas às normas constitucionais
(BALLESTEROS, 2014). Nesse sentido, o Brasil esteve muito perto de atingir em nível
nacional a compreensão sobre as reformas, uma vez que os governadores se
dispuseram a ajudar, endossando a carta de adesão ao Plano Nacional. Porém, para
a surpresa de todos, o presidente Lula não confirmou a participação do governo
federal no pacto nacional. Ao revisar sua adesão ao Plano, o presidente acabou
desistindo do caminho previsto, uma vez que notou que realizá-lo “[...] implicaria
assumir o protagonismo maior da reforma institucional da segurança pública no país,
ou seja, implicaria assumir a responsabilidade pela segurança, perante a opinião
pública [...]” (SOARES, 2007, p. 88). Tal fator era de grande risco político, uma vez
que a responsabilidade por cada problema seria atribuída ao governo federal, o que
resultaria em um inevitável desgaste, dado que os efeitos práticos de uma

45
reorganização institucional seriam percebidos apenas a longo prazo (SOARES, 2007
Apud OLIVEIRA, 2020).
As principais características do Plano Nacional de Segurança Pública do
primeiro mandato de Lula eram singulares: havia uma série de propostas articuladas
de modo sistêmico, com destaque para a reforma das polícias e do sistema
penitenciário, com a implementação integrada de políticas de prevenção pelos
diversos setores. Tais propostas tinham a capacidade de produzir efeitos significativos
e gerar uma enorme transformação, com potencial para impactar a realidade da
violência criminal. Em especial, operava-se com um plano baseado em objetividade e
consistência interna, com observância ao diagnóstico e à abrangência. Para que o
seu sucesso fosse alcançado, a sua implementação estaria vinculada a avaliações
regulares e sistemas de monitoramento com capacidade de identificar os erros; a ideia
era evitar que os erros se repetissem indefinidamente (SOARES, 2007 Apud
OLIVEIRA, 2020). Considere o seguinte:

Os focos sobre os quais incidiria o programa de reforma das polícias seriam:


recrutamento, formação, capacitação e treinamento; valorização profissional;
gestão do conhecimento e uniformização nacional das categorias que
organizam os dados, para que eles possam funcionar como informação;
introdução de mecanismos de gestão, alterando-se funções, rotinas,
tecnologia e estrutura organizacional; investimento em perícia; articulação
com políticas preventivas; controle externo; qualificação da participação dos
municípios, via políticas preventivas e Guardas Municipais, preparando-as
para que se possam transformar, no futuro próximo, em polícias de ciclo
completo, sem repetir os vícios das polícias existentes; investimento em
penas alternativas à privação da liberdade e criação das condições
necessárias para que a Lei de Execuções Penais (LEP) seja respeitada no
sistema penitenciário (SOARES, 2007, p. 89).

Aquilo que dizia respeito à normatização do Susp necessitaria da definição de


regras de funcionamento legais. Logo, o Susp “[...] não implicaria unificação das
polícias, mas a geração de meios que lhes propiciassem trabalhar cooperativamente,
segundo matriz integrada de gestão, sempre com [...] avaliações e monitoramento
corretivo [...]” (SOARES, 2007, p. 89). O trabalho da polícia estaria, nesses moldes,
vinculado à prevenção, buscando se articular com políticas sociais. Além de incluir a
institucionalização do Susp como proposta, o Plano Nacional de Lula recomendava a
desconstitucionalização das polícias, isto é, a transferência aos estados do poder para
definirem, em suas respectivas constituições, o modelo mais adequado de polícia de
que necessitariam (SOARES, 2007). Essa desconstitucionalização levava em conta o
seguinte contexto:
46
O Brasil é uma República federativa; é uma nação continental, marcada por
profundas diferenças regionais. Soluções uniformes não são
necessariamente as melhores. Além disso, soluções uniformes acabam se
defrontando com a política de veto, praticada por estados que não têm
condições políticas de promover mudanças em suas polícias ou por aqueles
que consideram contraproducente fazê-lo. Esse contexto conduz à paralisia
e torna os estados que precisam de transformações urgentes e profundas
reféns dos que optam pela manutenção do status quo (SOARES, 2007, p.
90).

De acordo com o Plano Nacional da primeira gestão de Lula, a


desconstitucionalização das polícias não resultaria em confusão com relação aos
princípios matriciais, na definição da natureza das polícias no Estado Democrático de
Direito. Os elementos fundamentais iriam se manter conforme a disposição da Carta
Maior de 1988; os modelos organizacionais é que iriam passar a ser estipulados pelos
estados (SOARES, 2007 Apud OLIVEIRA, 2020).
Embora o Plano Nacional de Segurança Pública do primeiro governo de Lula
fosse audacioso e tivesse boa recepção, os curtos ciclos eleitorais e o tempo de
maturação de políticas públicas de caráter reformista acabaram levando o governo
federal a abandonar seus compromissos mais imediatos relacionados com as políticas
de segurança pública. Assim, o Plano Nacional foi transferido do centro da agenda do
Ministério da Justiça, de forma progressiva, às ações da Polícia Federal (SOARES,
2007 Apud OLIVEIRA, 2020).
Como importantes contribuições para a segurança pública no âmbito da União,
restaram as atividades realizadas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública em
benefício da qualificação policial, como cursos que, segundo analistas, ajudaram a
diminuir os índices de homicídios dolosos no País. Ademais, o resultado do referendo
favorável à comercialização de armas conteve a vontade inicial que conectava as
polícias (SOARES, 2007 Apud OLIVEIRA, 2020).
No primeiro mandato de Lula, foram retirados dois significativos compromissos
inéditos do Plano Nacional de Segurança Pública: a passagem da Secretaria Nacional
de Segurança Pública ao nível ministerial, o que a tornaria uma secretaria especial,
com estreitos laços com a Presidência da República, para cujo âmbito se transfeririam
as polícias federais; e o deslocamento da Secretaria Nacional Antidrogas para a
Secretaria Nacional de Segurança Pública ou para o Ministério da Justiça (SOARES,
2007 Apud OLIVEIRA, 2020).

47
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva retomou compromissos, ampliou
repertórios e adiou questões polêmicas. Em 20 de agosto de 2007, o governo federal
lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), por
meio da Medida Provisória nº 384, comprometendo-se a investir R$ 6,707 bilhões, até
o fim de 2012, em um conjunto de ações que envolviam diversos ministérios em
intervenções articuladas com estados e municípios. O Pronasci era composto por um
conjunto de 94 projetos desenvolvidos pelo Ministério da Justiça (SOARES, 2007
Apud OLIVEIRA, 2020). Veja:

Primeiro, foi preciso definir a intervenção do Ministério da Justiça numa


questão nacional de extrema importância, que é a questão da segurança
pública. Embora já́ tivesse começado um trabalho positivo nesse sentido na
época do ministro Marcio Thomaz Bastos, o governo não tinha uma proposta
de renovação do paradigma da segurança pública no país. Então [...] (a)
primeira tarefa foi trabalhar com uma equipe, formulando uma concepção do
que seria esse programa. Foi essa, imediatamente, a (primeira) ação
(FERREIRA; BRITO, 2010, p. 27).

A meta máxima do Pronasci era alterar o paradigma de segurança pública no


País, especialmente pela colossal articulação federativa que propunha entre União,
estados e municípios, em conjunto com uma distribuição de responsabilidades inédita
até aquele momento (FERREIRA; BRITO, 2010 apud OLIVEIRA, 2020).
Ademais, o Pronasci reiterou o Plano Nacional de Segurança Pública da
primeira gestão de Lula, o qual já incorporava uma série de elementos advindos do
Plano Nacional do governo FHC. O novo plano gerencial de segurança pública de Lula
enfatizou os direitos humanos e a eficiência policial, frentes 18 Avaliação e
monitoramento das políticas de segurança pública que não se opõem, mas, pelo
contrário, são conjuntamente necessárias. Afinal, inexiste eficiência policial sem que
exista respeito aos direitos humanos; da mesma maneira, a vigência dos direitos
humanos se vincula às garantias oferecidas pela eficácia da atuação policial
(SOARES, 2007). Considere o que afirma Soares (2007, p. 92):

Polícia cumpre papel histórico fundamental na construção da democracia,


cabendo-lhe proteger direitos e liberdades. Nesse sentido, empregar a força
comedida, proporcional ao risco representado pela resistência alheia à
autoridade policial, impedindo a agressão ou qualquer ato lesivo a terceiros,
não significa reprimir a liberdade de quem perpetra a violência, mas preservar
direitos e liberdades das vítimas potenciais. Assim, aprimoramento do
aparelho policial e aperfeiçoamento da educação pública não devem
constituir objetos alternativos e excludentes de investimento estatal. Não se
edifica uma sociedade verdadeiramente democrática sem igualdade no
acesso à Justiça, a qual depende da qualidade e da orientação das polícias

48
(e das demais instituições do sistema de Justiça criminal) e da equidade no
acesso à educação.

Outro ponto importante da pauta do Plano Nacional do segundo mandato de


Lula foi a valorização da participação municipal nas ações de segurança pública,
eliminando restrições relacionadas a uma leitura limitada do art. 144 da Constituição
Federal, uma vez que a contribuição dos municípios não se finda com a criação de
guardas municipais; ela estende-se à implantação de políticas sociais preventivas
(SOARES, 2007).
Ademais, no Pronasci, desenvolve-se algo que foi abordado no Plano Nacional
de 2002: o sentido de que a segurança pública é uma matéria de Estado, e não de
governo, colocando-se, então, acima das disputas político-partidárias. Em uma
comparação entre o primeiro e o segundo mandatos do presidente Lula, nota-se
algumas dissemelhanças importantes a favor do Pronasci; merece destaque o seu
estabelecimento por meio de medida provisória, o que indica que naquele momento
houve um envolvimento formal do governo com a implantação e o fortalecimento
político dos agentes responsáveis pela institucionalização do programa. Tal questão
é salutar, uma vez que mostra um comprometimento que vai além do que é
determinado ou proferido pelo líder a respeito de pautas que muitas vezes são
meramente retóricas (SOARES, 2007).
Em relação ao que foi proposto via Pronasci, destacam-se os recursos
destinados à implementação do programa entre os anos de 2007 e 2012. Além disso,
o governo posterior, de Dilma Rousseff, continuou comprometido com esse âmbito
(SOARES, 2007).
Outro ponto importante quanto à atuação do segundo mandato de Lula diante
de programas de políticas públicas de segurança diz respeito à avaliação. Essa
avaliação previa a participação de agentes locais, o que representou uma mudança
na dinâmica da cultura institucional, já que tal participação era inexistente no âmbito
da segurança pública no País. Isso se dava especialmente pela ausência de
mecanismos institucionais indispensáveis à obtenção de bons resultados, balizados
pela implementação de tecnologias e estruturas organizacionais compatíveis
(SOARES, 2007).

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Porém, o Pronasci não apresentou apenas avanços. Ele também trouxe
retrocessos em relação ao Plano Nacional de Segurança Pública da primeira gestão
do presidente Lula:

(a) Em vez de unidade sistêmica, fruto de diagnóstico que identifica


prioridades e revela as interconexões entre os tópicos contemplados pelo
plano, tem-se a listagem de propostas, organizadas por categorias descritivas
[...] mas essencialmente fragmentárias e inorgânicas, isto é, desprovidas da
vertebração de uma política; (b) O envolvimento de um número excessivo de
ministérios [...]; (c) A única referência à regulamentação do Sistema Único de
Segurança Pública é brevíssima, superficial, pouco clara, e sugere uma
compreensão restrita, reduzindo-o à dimensão operacional [...]; (d) O tema
decisivo, as reformas institucionais, não é sequer mencionado [...] e a
desconstitucionalização ou alguma fórmula reformista, ao nível das estruturas
organizacionais, o status quo policial e, mais amplamente, o quadro
fragmentário das instituições da segurança pública acabam sendo
assimilados (SOARES, 2007, p. 93–94).

O Plano Nacional de Segurança Pública do segundo mandato de Lula trouxe à


baila uma série de assimetrias, a partir de concepção por listagem tópica e
compromissos desordenados das categorias escolhidas de forma heterogênea e
desarmônica, o que resultou em redundâncias e falhas. Ademais, os seis eixos
predefinidos do Susp não foram trabalhados como estratégias de intervenções
sistêmicas e modulares, com a disposição de formação, gestão, perícia, informação,
controle externo e articulação com políticas sociais. Dessa forma, o Pronasci trouxe
propostas em inúmeras áreas, porém não o fez de maneira estruturada. Pode-se notar
isso a partir da afirmação de que seriam realizados “cursos diversos”, que se
contrapõe à omissão quanto à substituição da fragmentação bélica entre os diferentes
entes da Federação, respeitando a autonomia federativa, porém de forma integradora.
Em relação às guardas municipais, o documento da secunda gestão de Lula foi
omisso; defendeu a valorização e a qualificação das guardas, porém sem assumir
posicionamento quanto ao destino institucional dessas corporações (SOARES, 2007).
As benesses do Pronasci justificaram uma breve esperança quanto aos
avanços da segurança pública, porém não foram suficientes para a superação da
cultura autoritária que continua suprimindo a possibilidade de avanços na segurança
pública do País. Esse tema, como você sabe, continua sendo veementemente
debatido pelos governos que sucederam o de Luiz Inácio Lula da Silva.
Como você viu até aqui, diversas iniciativas governamentais promoveram
mudanças na forma como a segurança pública vem sendo administrada nos últimos
30 anos no Brasil. Embora o governo federal não tenha competência para trabalhar
50
com a temática, manobras que superam as restrições da normatividade têm sido
utilizadas para chacoalhar um tema que ficou por muitos anos inerte na pauta das
agendas de governo e que geralmente é abordado a partir de certa reatividade. Ainda
que não solidificadas, tais alterações são extremamente importantes para os marcos
de governança de segurança pública no Brasil (BALLESTEROS, 2014 apud
OLIVEIRA 2020).

O Programa Pacto pela Vida, conduzido em Pernambuco pelo governo de


Eduardo Campos entre janeiro de 2007 e junho de 2013, é apontado como um dos
mais exitosos programas desenvolvidos no Brasil em termos de segurança pública
(PEREIRA, 2014). Como indica a análise do programa realizada por pesquisadores
da área de segurança pública, o índice de homicídios no estado teve redução de
26,26% entre 2007 e 2011, uma média de 5,25% ao ano (INFOPOL, 2014). O êxito
do programa é atribuído ao interesse do governo do estado em eleger a segurança
pública como prioridade de gestão, com destaque para a adoção de reformas
institucionais das polícias. O ponto de partida foi a análise da segurança e o
desenvolvimento de um plano estadual de segurança pública, a partir da realização
do Fórum Estadual de Segurança Pública, que contou com a participação popular e
com uma análise baseada em parâmetros técnicos (PEREIRA, 2014). Deu-se
prioridade ao combate aos delitos violentos, com o objetivo de diminuição de 12% ao
ano. Ademais, foi fortalecida a Gerência de Análise Criminal e Estatística, da
Secretaria da Defesa Social, por meio de boletins trimestrais de aspecto criminal
(INFOPOL, 2014). Medidas importantes foram chanceladas: „ criação de carreira de
gestor estadual e realização de concursos públicos; „ elaboração de protocolos e
procedimentos obrigatórios de ação integrada das polícias; „ delimitação territorial das
atividades policiais, com a incorporação da divisão do estado em áreas integradas
pelo núcleo estratégico de gestão da política pública;
- identificação das configurações de homicídios, que não possuíam as mesmas
características em todo o estado;
- fortalecimento do departamento de homicídios e proteção à pessoa;
- criação de gratificações e estímulos aos policiais que atingissem as metas nas
áreas sob sua responsabilidade;
51
- promoção da articulação entre agências do sistema de justiça criminal, por
meio de uma câmara técnica específica (PEREIRA, 2014).
Outro fator importante para o sucesso do programa foi o envolvimento pessoal
do governador do estado, que participava de reuniões mensais. Além disso, destaca-
se a realização de audiências públicas periódicas e a adoção de critérios de prestação
de contas e de constante avaliação. As qualidades do Programa Pacto pela Vida a
serem perseguidas por ações similares incluem ações coordenadas e monitoramento
por meio do estabelecimento de prioridades, metas e mecanismos de gestão
(PEREIRA, 2014 apud OLIVEIRA, 2020).
O programa do governo de Eduardo Campos foi interrompido pela gestão
seguinte, demonstrando que o Brasil deve passar a adotar políticas de Estado, e não
unicamente de governo.

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