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TUTELAS DIFERENCIADAS
DE URGÊNCIA
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complexos, de outro prazo maior.
Os documentos novos a que se refere o art. 303, parágrafo 1º, inc. I, do
NCPC são aqueles necessários para demonstrar os argumentos deduzidos para
a obtenção do pedido de tutela final, ainda que existentes no momento em que se
requer a tutela antecipada em caráter antecedente. No aditamento da petição
inicial, caberá ao demandante delinear toda a sua estratégia jurídica para
convencer o Poder Judiciário que tem razão e que, portanto, merece obter a tutela
final1. Além de juntar documentos, o autor pode também requerer a produção de
outras provas (v.g., testemunhal e pericial) necessárias a influenciar melhor a
formação do convencimento judicial.
Nada impede, contudo, que a petição inicial na hipótese de tutela
antecipada requerida em caráter antecedente seja integral, sendo o referido
aditamento meramente eventual e facultativo, até porque a tutela provisória de
urgência pode ser satisfativa (NCPC, art. 4º), desde que fundado em juízo de
certeza (prova inequívoca) quanto à existência do direito afirmado 2. De qualquer
modo, caso não haja necessidade de complementar a petição inicial, caberá ao
autor esclarecer esse fato e declarar que, no caso concreto, a petição inicial está
plenamente apta para ser admitida e que não há necessidade da juntada de outros
documentos3.
Por outro lado, não concedida a liminar e, se houver necessidade, o órgão
jurisdicional determinará o aditamento da petição inicial em até cinco dias. O art.
303, parágrafo 6º, do NCPC usa equivocadamente o termo emenda da petição
inicial, mas, em verdade, se trata de mero aditamento, já que a inicial,
propositadamente, foi redigida apenas para o requerimento da tutela provisória.
Tal situação não se confunde com a hipótese do art. 321 do NCPC em que a
petição inicial apresenta vícios na sua origem. Neste caso, o prazo para emendá-
la é de 15 dias, enquanto que o prazo para o aditamento é de cinco dias. Trata-se
de um ônus imposto ao demandante. Se a petição inicial não for aditada neste
prazo, ela será indeferida e todo o processo será resolvido sem julgamento de
mérito (NCPC, art. 303, parágrafo 6º).
1 SOUZA, A. C. Análise da tutela antecipada prevista no relatório final da Câmara dos Deputados
em relação ao novo CPC. Da tutela de evidência. Última parte. Revista de processo, v. 235,
set./2014. p. 180.
2 YARSHELL, F. L. A tutela provisória (cautelar e antecipada) no novo CPC: grandes mudanças?
Jornal Carta Forense, mar./2016. p. A4.
3 GODINHO, R. R. Comentários ao art. 303 do CPC. In: Comentários ao Novo Código de
Processo civil. Coord. Antônio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
p. 479.
3
A tutela antecipada fundada na urgência requerida em caráter antecedente
não constitui um processo diverso, autônomo e independente daquele em que se
busca a tutela final.
Há duas formas de requisição da tutela antecipada de caráter urgente, que
poderá ser postulada em caráter antecedente ou incidental. O NCPC apenas
pretendeu facilitar a obtenção da tutela jurisdicional antecipada, uma vez que
baseada em situação urgente, não exigindo maiores formalidades desnecessárias
à mera obtenção da referida prestação jurisdicional, a ponto inclusive de
possibilitar a complementação da argumentação posteriormente (NCPC, art. 303,
parágrafo 1º, inc. I). Afinal, para a concessão da tutela de urgência basta que fique
evidenciada a probabilidade do direito (NCPC, art. 300, caput), já que a cognição
é sumária e, portanto, não é exigível o juízo de certeza próprio da cognição
exauriente. Ademais, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente pode
ser estabilizada, sem a necessidade de observação prévia da integralidade do
procedimento comum (NCPC, art. 304).
Tanto não são dois processos diferentes, autônomos e independentes que,
postulada a tutela antecipada em caráter antecedente, o aditamento da petição
inicial se dará nos mesmos autos, sem que haja novo pagamento de custas
processuais (NCPC, art. 303, parágrafo 3º) e o valor da causa que deve prevalecer
é o relativo à tutela final (NCPC, art. 303, parágrafo 4º). Isto é, o autor deve indicar
como valor da causa, na petição que requer a tutela antecipada antecedente, o
valor pertinente à tutela definitiva, ponderando o pedido principal.
O aditamento da petição inicial, a que se refere o disposto no art. 303,
parágrafo 1º, inc. I, do NCPC, salienta-se, não se confunde com as hipóteses do
art. 321 do NCPC, nas quais a petição inicial não preenche os requisitos dos arts.
319 e 320 do NCPC ou apresenta irregularidades capazes de dificultar o
julgamento de mérito. Aquela situação concerne à complementação da inicial,
enquanto esta diz respeito à necessidade de reparar irregularidades para o
saneamento do processo.
Caso a petição inicial esteja incompleta, caberá ao autor complementá-la,
em 15 dias ou no prazo fixado pelo juiz, sob pena de perda de eficácia da tutela
antecipada, resolução do processo sem julgamento de mérito (NCPC, art. 303,
parágrafo 2º) e responsabilização do autor pelos prejuízos que a efetivação da
tutela de urgência causar à parte adversa (NCPC, art. 302).
Realizado o aditamento ou não sendo esta complementação necessária
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(quando tal situação ficar expressamente afirmada na petição inicial), o réu será
citado para a audiência de conciliação ou de mediação do art. 334 do NCPC em
sede da tutela antecipada requerida em caráter antecedente (NCPC, art. 303,
parágrafo 1º, inc. II). É na mesma decisão que o juiz concede a tutela antecipada
que também será determinada a intimação do autor para aditar a petição inicial e
a citação do réu para comparecer à audiência de conciliação ou mediação ou, não
sendo hipótese de sua designação (porque ambas as partes se manifestaram,
expressamente, desinteresse na composição consensual ou porque o caso não
admite autocomposição; NCPC, art. 334, parágrafo 4º), para apresentar sua
defesa.
O comparecimento espontâneo do réu supre a falta ou a nulidade da
citação, fluindo a partir desta data o prazo para promover as medidas necessárias
contra a decisão que concede a tutela antecipada (exegese do art. 239, parágrafo
1º, do NCPC).
A audiência de conciliação ou mediação (NCPC, art. 334) deverá ser
designada em data posterior ao aditamento da petição inicial. Caso contrário,
poderá ser inócua, posto que a ausência de aditamento da petição inicial acarreta
a resolução do processo sem julgamento de mérito (NCPC, art. 303, parágrafo
2º). Ademais, é somente a partir do aditamento da petição inicial que todos os
argumentos do autor estarão articulados e inseridos no processo, de maneira a
possibilitar ao réu uma análise adequada quanto à conveniência ou não da
autocomposição. Antes disso, o demandado não terá exata dimensão das
vantagens e das desvantagens de exercer o contraditório pleno e a ampla defesa
perante o Poder Judiciário.
Para fins do começo da fluência do prazo para a contestação (NCPC, art.
303, parágrafo 1º, inc. II), o termo inicial será contado da data da audiência de
conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando a parte
não comparecer ou, estando presente, não houver autocomposição (NCPC, art.
335, inc. I). Ou, ainda, da data do protocolo do pedido de cancelamento da
audiência de conciliação ou de mediação apresentado pelo réu, quando ocorrer a
hipótese de manifestação de desinteresse na composição consensual (NCPC,
arts. 334, parágrafo 4º, inc. I, e 335, inc. II; Enunciado 144 do FPPC).
Se não for o caso de designação dessa audiência ou se não houver
autocomposição, será iniciado o prazo para a contestação, nos termos do art. 335
do NCPC (NCPC, art. 303, parágrafo 1º, inc. III). Frise que o prazo para a resposta
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não deve começar antes da ciência inequívoca do réu do aditamento da petição
inicial, somente devendo fluir após a data da intimação do aditamento da petição
inicial ou do despacho que considerar desnecessário tal aditamento 4.
4 Idem. Ibidem.
5 GRINOVER, A. P. Tutela jurisdicional diferenciada. A antecipação e sua estabilização. In:
MARINONI, L. G. (coord). Estudos de Direito Processual Civil. Homenagem ao Professor Egas
Dirceu Moniz de Aragão. São Paulo: RT, 2005. p. 222.
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pela interinalidade, isto é, concedida ou não a antecipação da tutela, o processo
deveria prosseguir até o julgamento final (CPC/73, art. 273, parágrafo 5º). Logo,
a tutela antecipada, da maneira como concebida na processualística civil brasileira
até o advento do NCPC, não possuía autonomia procedimental.
O NCPC inova ao trazer o art. 304, cujo objetivo foi inspirado, em especial,
no direito francês e italiano, com o escopo de sumarizar, a um só tempo, tanto a
cognição quanto o procedimento, tornando eventual e facultativo o exercício da
cognição exauriente para resolver os conflitos de interesses por meio da
intervenção do Estado-juiz, desde que seja hipótese de concessão de tutela
antecipada inaudita altera parte, requerida expressamente pelo autor (NCPC, art.
303, parágrafo 5º), em caráter antecedente e autônomo, e o réu não tenha contra
ela se insurgido6.
Em estudo comparado com outros países, quanto ao instituto da tutela
antecipada urgente, na Alemanha, se o demandado não inicia o procedimento
ordinário, a medida, até então de caráter provisório, converte-se em definitiva,
sem que haja a necessidade de julgamento de mérito. Também na Bélgica, a
instauração de uma ação plena não é essencial, embora o référé seja tipicamente
temporário. Na França, as partes costumam se conformar com o provimento, sem
a necessidade do processo ordinário.
No Brasil, até o advento do NCPC, com exceção feita à monitória não
impugnada, a tutela antecipada urgente não dispensava o procedimento comum
nem a sentença de mérito.
11 ASSIS, A. Processo civil brasileiro. Tomo II. São Paulo: RT, 2015. v. II. p. 492.
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antecedente. Nesse sentido, deve ser ressaltado o Enunciado 32 do FPPC: “além
da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente
negociada da tutela antecipada de urgência antecedente”.
Questão importante diz respeito à atuação do réu para evitar a
estabilização da tutela antecipada satisfativa. Da decisão concessiva da
antecipação de tutela, em caráter antecedente, o réu deve ser intimado para
interpor o respectivo recurso (NCPC, art. 304, caput), isto é, o agravo de
instrumento (NCPC, art. 1.015, inc. I)12. Desde que tal recurso seja conhecido,
ainda que ele não possua como regra o efeito suspensivo (NCPC, art. 1.019, inc.
I), a tutela antecipada não pode ser estabilizada. A decisão interlocutória continua
a produzir efeitos, salvo se concedido pelo relator o efeito suspensivo, mas o
processo judicial prossegue com a observância do procedimento comum.
Se não houver nesse interregno temporal o aditamento da petição inicial, o
juiz deverá revogar a decisão que concedeu a tutela antecipada, resolver o
processo sem julgamento de mérito (NCPC, art. 303, parágrafo 2º) e comunicar
sua decisão ao Tribunal. Nessa hipótese, o agravo de instrumento perderá o seu
objeto e não poderá ser julgado no mérito, não obstante deva se impor ao agravo
o pagamento dos honorários advocatícios do advogado do agravante, pois a
inércia do autor em aditar a petição inicial gerou despesas ao réu.
A não interposição do agravo de instrumento, pelo art. 304, caput, do
NCPC, torna estável a decisão que concedeu a tutela antecipada em caráter
antecedente. O juiz de ofício ou a requerimento do autor, percebendo que não
houve a interposição do agravo de instrumento ou que tal recurso não foi
conhecido, deverá resolver o processo com julgamento de mérito, confirmando a
tutela antecipada concedida (NCPC, art. 304, parágrafo 1º).
Como a tutela antecipada, requerida em caráter antecedente, é concedida
inaudita altera parte, com base em cognição sumária, não só apenas o Tribunal
pode alterar a decisão, mas também o juiz que, a qualquer tempo (NCPC, art.
296), diante dos argumentos apresentados pelo réu ou mesmo de ofício, pode se
convencer da ausência de probabilidade do direito alegado pelo autor ou da falta
de perigo de dano.
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eletrônicos, quando não há obstáculo de acesso ao sistema informatizado.
14 ASSIS, A. Processo civil brasileiro. Vol. II. Tomo II. Cit. p. 493.
15 MITIDIERO, D. Comentário ao art. 304 do CPC. In: ALVIM, T. A.; DIDIER JR, F.; TALAMINI, E.;
DANTAS, B. (coords.) Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2015. p. 789.
14
pagamento de alimentos ao autor pelo seu suposto pai (o réu), nada impede que
este ajuíze ação de investigação de paternidade (que é imprescritível) para que
seja declarada a inexistência da relação de filiação16.
Passados mais de dois anos, contados da ciência da decisão que encerrou
o processo, a estabilidade da decisão não mais poderá ser afastada (NCPC, art.
304, parágrafos 5º e 6º), em razão da extinção do prazo decadencial 17. Assim,
embora a decisão que antecipou a tutela antecipada não se revista da autoridade
da coisa julgada material, pois está fundada em cognição sumária e a vinculação
constitucional da coisa julgada depende de cognição exauriente (inerente à
observância das garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal), seu conteúdo se torna imutável e indiscutível para as
partes, permitindo-se concluir que a equiparação dos efeitos dessa estabilidade
qualificada possui autoridade de coisa julgada material 18.
Desse modo, pelo NCPC é possível tornar definitivo e suficiente o comando
estabelecido por ocasião da decisão antecipatória. Fica a critério das próprias
partes a decisão sobre a instauração ou o prosseguimento da demanda voltada
ao exercício do contraditório e ao exaurimento da cognição.
Com isso, torna-se autossuficiente o procedimento antecedente, na
hipótese de preclusão da decisão antecipatória de tutela, revelando, a propósito
do que ocorria no passado com a cautelar satisfativa, a utilidade do tema.
A estabilização da tutela antecipada urgente não é instituto estranho ao
direito processual civil brasileiro, tendo apenas generalizado a ideia de o
provimento monitório não impugnado estabilizar a tutela jurisdicional,
considerando pacificado o conflito, sem a necessidade de observar a plenitude do
contraditório e a ampla defesa. Aliás, tal generalização não é surpreendente, pois
16 WAMBIER, L. R.; TALAMINI, E. Curso avançado de direito processual civil. 15ª ed., v. 2.
São Paulo: RT, 2015. p. 896-897.
17. Em sentido contrário, por considerar que o efeito declaratório da decisão é inerente apenas à
coisa julgada material, Bernardo da Silva Lima e Gabriela Expósito defendem que, mesmo após
passados dois anos, a decisão concessiva da tutela antecipada pode ser revertida mediante o
ajuizamento de ação de natureza declaratória. “Porque tudo que é vivo, morre” (LIMA, Bernardo
Silva de; EXPÓSITO, Gabriela Comentários sobre o regime da estabilização dos efeitos da tutela
provisória de urgência no novo CPC. Revista de processo. São Paulo: RT, v. 250, dez./2015. p.
185).
18 Por outro lado, defendendo que a não iniciação do processo de cognição exauriente faz com
que a sentença proferida no processo sumário adquira a autoridade da coisa julgada material,
verificar: BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Estabilização das tutelas de urgência. In:
YARSHELL, F.; MORAES, M. Z. de. (Orgs.). Estudos em homenagem à profa. Ada Pelegrini
Grinover. São Paulo: DPJ, 2012. p. 667.
15
os provimentos antecipatórios são, substancialmente, provimentos monitórios.
Ademais, a abreviação da tutela jurisdicional decorre da vontade das partes, e,
portanto, é incongruente qualquer alegação no tocante ao cerceamento de defesa
ou violação de garantias constitucionais processuais.
As partes – e não apenas o demandado, como ocorre no modelo alemão –
podem ter interesse na instauração ou no prosseguimento da demanda,
porquanto a antecipação de tutela pode ser apenas parcial.
O ônus da instauração ou do prosseguimento da demanda é cabível tanto
ao demandante quanto ao demandado. A conduta omissiva é um indício seguro
de que não há mais necessidade de sentença de mérito baseada em cognição
exauriente, tanto que o pedido de instauração ou prosseguimento da demanda
não torna a medida antecipada ineficaz; ao contrário, ela prevalece, salvo se for
expressamente revogada ou alterada.
Nas soluções belga e a francesa, a estabilização da decisão antecipatória,
embora tenham força executiva plena, não revestem a decisão da autoridade da
coisa julgada.
No Brasil, é certo que o direito de rever, reformar ou invalidar a tutela
antecipada preclui para ambas as partes, da mesma forma que o provimento
monitório não impugnado se estabiliza sem a necessidade de observância da
plenitude do procedimento comum. Aliás, não oferecidos os embargos à monitória
e formado o título executivo judicial, os devedores não poderão contestar os
documentos que instruíram a monitória, estando limitados à alegação das
matérias previstas para a impugnação do cumprimento da sentença (NCPC, art.
525, parágrafo 1º)19.
19 STJ, AgRg no REsp 1130949/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado
em 15.03.2016, DJe 21.03.2016.
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gratuidade da justiça, mas não conseguiu adequada assistência jurídica, da
Fazenda Pública, daqueles demandados que dependem da nomeação de curador
especial como os incapazes e os presos (NCPC, art. 72), dos processos que
versam sobre direitos indisponíveis ou interesses difusos ou coletivos, daqueles
em que o assistente do réu revel interpôs recurso (NCPC, art. 121, parágrafo
único) ou quando um dos litisconsortes passivos impugnar a decisão que concede
a tutela antecipada.
A prudência recomenda detida cautela nessas situações a conduzir uma
interpretação restritiva para que a tutela de urgência não se estabilize quando
puder, sem o contraditório prévio, acarretar potenciais riscos aos direitos da parte
contrária, notadamente quando se vislumbrar perigo de irreversibilidade dos
efeitos da decisão (NCPC, art. 300, parágrafo 3º).
No entanto, nem sempre tal precaução se faz necessária. Por exemplo, na
hipótese de se buscar por meio de tutela antecipada a obtenção de um remédio
que consta da lista oficial de medicamentos para dispensação obrigatória pelo
Sistema Único de Saúde, a concessão da liminar não depende de prévio
contraditório, ainda que a demanda tenha sido ajuizada em face da Fazenda
Pública e pode ser estabilizada na forma do art. 304 do NCPC20. Afinal, nesses
casos, o fato pode estar consumado no momento da interposição do agravo de
instrumento e não se pode presumir grave dano à economia pública, ainda que o
medicamento seja de alto custo21.
De igual modo, a revelia não impede, por si só, a aplicação da técnica
prevista no art. 304 do NCPC, pois a defesa do réu é uma faculdade, não um
dever, o que inclusive é causa justificativa para o julgamento antecipado do mérito
com fundamento no art. 355, inc. II, do NCPC 22. No entanto, não basta a inércia
do réu, o qual para exercer sua faculdade de defesa manifestar-se-ia por meio do
agravo de instrumento (NCPC, art. 1.015, inc. I) ou por qualquer outro meio de
impugnação, é necessário que não estejam presentes as situações previstas no
art. 345 do NCPC, que deve ser aplicado por analogia para impedir a estabilização
da tutela antecipada, requerida em caráter antecedente e não impugnada pelo
17
réu.
Afinal, não é razoável que o magistrado conceda, por exemplo, a tutela
antecipada, em face de réus que sequer foram citados (NCPC, arts. 303,
parágrafo 1º, inc. II, e 345, inc. I); se o direito for de natureza indisponível (pois,
nesses casos, o réu não pode dispor de seu direito material; logo, a falta de
contestação, ainda que induza a revelia, não gera a presunção de veracidade dos
fatos narrados na petição inicial; NCPC, art. 345, inc. II); se a petição inicial não
estiver acompanhada de documento que a lei considere indispensável à prova do
ato (NCPC, art. 345, inc. III); ou, ainda, se as alegações apresentadas para a
concessão da tutela provisória forem inverossímeis ou estiverem em contradição
como os documentos juntados pelo próprio demandante (NCPC, art. 345, inc. IV).
A estabilização da tutela antecipada (NCPC, art. 304), também não atinge
o defensor público, o advogado dativo e o curador especial, independentemente
do grau de contato com o réu (v.g., citado por edital ou por hora certa, enquanto
não constituir advogado; NCPC, 72, inc. II) ou se com ele possui uma relação
precária que dificulta o exercício da defesa. Tais profissionais têm o dever
funcional de produzir a respectiva defesa e, portanto, impugnar a decisão que
concede a tutela antecipada. Com efeito, nesses casos excepcionais, a inércia do
demandado por si só não pode ensejar a aplicação da técnica de sumarização do
art. 304 do NCPC, até porque o próprio diploma processual (art. 341, parágrafo
único) exclui a incidência da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo
autor e não impugnados pelo réu, a ensejar a observância do procedimento
comum antes da estabilização do provimento jurisdicional.
Nessas hipóteses, a técnica da estabilização da tutela provisória, prevista
no art. 304 do NCPC, deve ser mitigada, impondo-se a aplicação por analogia do
art. 355, inc. II, do NCPC, pelo qual não basta a inércia do demandado para o
julgamento antecipado do mérito, sendo imprescindível que se possa presumir
verdadeiros os fatos alegados pelo autor e não impugnados pelo réu. Esse
raciocínio é reforçado pela aplicação análoga do art. 348 do NCPC, pelo qual
caberá ao juiz, em não se verificando o efeito material da revelia, ordenar que o
autor especifique as provas que pretende produzir, caso ainda não as tiver
indicado. Não se impede, a rigor, a tutela antecipada, mas a não interposição do
respectivo recurso (NCPC, art. 304, caput), nessas hipóteses, não gera a
estabilização da demanda, devendo o processo prosseguir regularmente.
Em sentido contrário, dispõe o Enunciado 582 do FPPC: “Cabe
18
estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública”.
Além disso, ainda que se possa buscar a equiparação da estabilidade à
coisa julgada material para fins de gerar a imutabilidade da decisão que concede
a tutela antecipada em caráter antecedente para fora do processo, como tal
pronunciamento judicial está baseado em juízo provisório, não se permite que tal
decisão seja objeto de ação rescisória. Isso porque o art. 304, parágrafo 6º, do
NCPC afirma que a decisão que concede a tutela não faz coisa julgada e o art.
966 do NCPC exige que a decisão de mérito necessariamente transite em julgado
para ser rescindida, com fundamento em um dos incisos deste dispositivo. Nesse
sentido, é o Enunciado 33 do FPPC: “não cabe ação rescisória nos casos de
estabilização da tutela antecipada de urgência”.
Entretanto, ainda que ultrapassado o prazo de dois anos, sobrevindo novo
fundamento, nada impede que a decisão concessiva da tutela antecipada
estabilizada seja objeto de questionamento judicial. Por exemplo, passados dois
anos da concessão de determinado medicamento pelo Poder Público, vindo o
beneficiário da tutela provisória obter a cura de sua moléstia, não sobrevém mais
a obrigação de pagamento do remédio 23. De igual modo, é possível a aplicação
do regime da estabilização da tutela antecedente aos alimentos previstos no art.
4º da Lei 5.478/1968, embora isso não impeça a aplicação do art. 13, parágrafo
1º, da mesma lei que afirma que os “alimentos provisórios podem ser revistos a
qualquer tempo, se houver modificação da situação financeira das partes” (Cf.
Enunciado 500 do FPPC). Isto porque, nas decisões que versam sobre obrigações
de trato sucessivo, a estabilidade da tutela jurisdicional está submetida à cláusula
rebus sic stantibus: havendo modificação no estado de fato ou de direito, que
impliquem na alteração da situação financeira das partes, o juiz poderá decidir
novamente tais questões (NCPC, art. 505, inc. I), ainda que ultrapassados os dois
anos para a revisão do julgado (exegese do art. 304, parágrafos 4º e 5º).
Portanto, o NCPC admite a autonomização e a estabilização de tutela
antecipada urgente, requerida de forma antecedente, ainda que baseada em mera
probabilidade do direito (NCPC, art. 300, caput), com caráter satisfativo (NCPC,
art. 4º). Já a tutela provisória requerida em caráter incidental (NCPC, arts. 294,
caput, e 295) não pode ser autonomizada nem estabilizada, o que exclui a
possibilidade do réu, por meio da reconvenção, requerer a estabilização da tutela
antecipada com fundamento no art. 304 do NCPC.
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REFERÊNCIAS
ASSIS, A. Processo civil brasileiro. Tomo II. São Paulo: RT, v. II, 2015.
MITIDIERO, D. Comentário ao art. 304 do CPC. In: ALVIM, T. A.; DIDIER JR, F.;
TALAMINI, E.; DANTAS, B. (coords.) Breves comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
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STF, STA 361 AgR, Relator(a): Min. Cezar Peluso (Presidente), Tribunal Pleno,
julgado em 23.06.2010, DJe-149 Divulg. 12.08.2010 Public. 13.08.2010 Ement. V.
02410-01 p. 00017.
STJ, REsp 10.020/SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em
09.09.1996, DJ 14.10.1996, p. 39009.
STJ, REsp 303.424/GO, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
julgado em 02.09.2004, DJ 13.12.2004, p. 363.
STJ, REsp 1158679/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
07.04.2011, DJe15.04.2011.
STJ, AgRg no REsp 1130949/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma,
julgado em 15.03.2016, DJe 21.03.2016.
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