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Os Direitos Humanos e a proteção dos

estrangeiros

Guido Fernando Silva Soares

Sumário
I – Introdução: delimitação do tema. II –
Raízes históricas das normas internas de prote-
ção aos estrangeiros. III – A emergência histó-
rica do conceito de nacionalidade. IV – A deter-
minação da nacionalidade no Estado Moderno
e os limites impostos pelo Direito Internacio-
nal Público. V – Plurinacionalidade e apatrí-
dia: sua regulamentação na atualidade. VI – O
quadro normativo geral da proteção dos Di-
reitos Humanos na atualidade. VII – Os Direi-
tos Humanos fundamentais relacionados à pro-
teção dos estrangeiros. VIII – As três novas ver-
tentes do Direito dos Estrangeiros: o Direito
de Asilo, o Direito dos Refugiados e o Direito
Humanitário. IX – Considerações finais quan-
to ao Direito brasileiro.

I – Introdução: delimitação do tema


Numa obra em homenagem à memória
da eminente Professora Doutora Anna
Maria Vilella, cujos méritos principais resi-
dem na extraordinária contribuição que deu
para a fundação da Universidade de Brasí-
lia, DF, e para a formação inicial e o enri-
quecimento do cabedal científico e ético des-
ta instituição, não poderia, a nosso ver, fal-
tar alguma referência à sua inestimável con-
tribuição ao tema da proteção internacional
dos direitos dos estrangeiros. Fique a ex-
pressão póstuma de nossa admiração por
aquela ilustre Professora de Direito Interna-
cional Privado da UnB, registrada neste ar-
tigo, em que tentaremos unir dois campos
aparentemente estanques, mas que, como de-
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monstraremos, encontram-se relacionados de capitais e empresas, a partir de fins do Séc.
maneira indelével: a proteção internacional XIX, os Estados passaram a atribuir uma
dos Direitos Humanos e o capítulo mais tra- nacionalidade a pessoas jurídicas, com uma
dicional do Direito Internacional Privado, que dupla finalidade. Em primeiro lugar, a atri-
é a proteção dos direitos dos estrangeiros. buição de uma nacionalidade a empresas e
No presente estudo, as palavras estran- capitais permitiria uma discriminação en-
geiro ou estrangeiros serão empregadas para tre empresas e capitais nacionais e estran-
designar o indivíduo ou indivíduos que, geiros, reservando-se aos primeiros uma
embora estejam domiciliados ou residentes série de privilégios e atividades, que estari-
num determinado Estado, não pertencem ao am proibidos aos estrangeiros. Em segundo
círculo daquelas pessoas que possuem a lugar, o reconhecimento de empresas ou
nacionalidade desse Estado. Trata-se, por- capitais nacionais, logo no início do Séc. XX,
tanto, de um referencial negativo: qualida- permitiria e legitimaria uma intervenção
de ou status de um indivíduo que não tem os diplomática dos Estados da nacionalidade
mesmos direitos nem os mesmos deveres das empresas, perante outros Estados, na
daqueles outros indivíduos, os quais a or- eventualidade de desrespeitos a normas
dem jurídica considera como seus nacio- sobre direitos de propriedade (desapropri-
nais. Portanto, para bem poder considerar- ações) e sobre a boa-fé nos contratos inter-
se o posicionamento dos estrangeiros, numa nacionais (desrespeito a normas contratu-
determinada ordem jurídica nacional ou no ais, em particular, porque haveria, no con-
Direito Internacional, deve-se partir do es- trato, uma parte estrangeira), e que poderi-
tudo da nacionalidade das pessoas físicas am turbar a convivência pacífica entre os
e dos direitos e deveres atribuídos aos naci- Estados. Na verdade, com a determinação
onais, e que, em princípio, não se acham re- de uma nacionalidade a uma empresa ou a
conhecidos aos estrangeiros. capitais, os Estados nada mais fizeram do
Desde a Antigüidade, até meados do Séc. que estender o exercício da proteção diplo-
XVI, o conceito de nacionalidade referia-se, mática possível de ser exercida em favor de
com exclusividade, a pessoas físicas. Con- seus nacionais, pessoas físicas, a pesso-
tudo, desde a formalização dos Estados as jurídicas e a fenômenos econômicos
modernos, por volta de 1648 (Paz de Vestfá- como os movimentos internacionais de
lia), começaram os Estados, então confor- capitais.
mados como Estados autoritários, a atribuir No presente estudo, em que pretendemos
nacionalidade a navios militares e mercan- demonstrar a moderna inserção dos direi-
tis, claramente com a finalidade de controle tos dos estrangeiros na grande temática da
da entrada de tais embarcações nos mares proteção dos direitos humanos, o enfoque
territoriais e a fim de determinar a lei apli- será dado aos direitos dos estrangeiros, ape-
cável aos incidentes ocorridos a bordo dos nas tomados como pessoas físicas, direitos
mesmos quando se encontrassem em alto esses que serão considerados quanto à sua
mar. Em época mais recente, com a mesma oponibilidade a um sistema jurídico, do qual
finalidade de controle da sua circulação, a tais pessoas físicas não possuem a nacio-
nacionalidade igualmente foi estendida a nalidade.
veículos automotores e barcos de navega- No presente artigo, tomaremos como tex-
ção interior, assim como as aeronaves civis to de referência o Cap. 141 de nosso livro
e militares, a veículos lançadores de objetos Curso de Direito Internacional Público, em es-
espaciais e aos próprios objetos espaciais pecial para os itens IV e V, cujas partes mais
(como satélites artificiais e estações orbitais). importantes se encontram transcritas, e para
Da mesma forma, a fim de permitir um o item VIII, o Cap. 152 da mesma obra (SOA-
controle dos movimentos internacionais de RES, 2002 a).

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II – Raízes históricas das normas mas jurídicos dos Estados possuíam gran-
internas de proteção aos estrangeiros de número de normas jurídicas nacionais e
uma extensa prática interna nos aspectos
Na verdade, os direitos humanos, na sua legislativo, administrativo e judicial, dedi-
atual expressão, em especial, a partir dos cados à proteção da pessoa humana, mas
anos que se seguiram ao término da Segun- que, no entanto, permitiam discriminações
da Guerra Mundial, tal como reafirmados contra estrangeiros. Em tais sistemas, encon-
na Declaração Universal dos Direitos Hu- trara-se definida a maioria dos direitos hu-
manos, proclamada a 10 de dezembro de manos, mas que eram qualificados como
1948 pela Assembléia Geral da ONU, e em prerrogativas de pessoas com a nacionali-
todo seu desenvolvimento posterior, não dade dos Estados, e, portanto, direitos opo-
distinguem, quanto a seu escopo de prote- níveis ao próprio Estado, inclusive por man-
ção, entre nacionais e estrangeiros. Na sua damento de normas de natureza constituci-
raiz, fortemente ancorada em princípios e onal. Assim foi, no correr do Séc. XIX, como
normas internacionais escritas, os direitos decorrência da Revolução Inglesa e da Re-
humanos têm por finalidade proteger a pes- volução Francesa, numa época histórica em
soa humana na sua realidade individual que se elaboraram as bases do Estado de-
(os direitos individuais oponíveis contra o mocrático moderno, em que os capítulos das
Estado), na sua vivência coletiva (os direi- definições, nas constituições modernas, dos
tos exigíveis do Estado) ou como individu- direitos fundamentais da pessoa humana,
alidade ou pessoas inseridas no mundo (os na forma das Declarações de Direitos, tive-
direitos ditos difusos, como o direito à paz, ram a nítida finalidade de limitar o poder
a um meio ambiente equilibrado, o direito absoluto dos Monarcas. Contudo, não se
ao desenvolvimento, exigíveis dos Estados, pode dizer que, nessa mesma época, os di-
como partícipes de uma comunidade inter- reitos humanos, de cunho eminentemente
nacional). Para realizar tal desiderato, os nacionalista, estivessem abertos à recepção
responsáveis pela aplicação das normas de de normas de proteção aos direitos dos es-
proteção aos direitos humanos não estão trangeiros. Bem ao contrário, o que se verifi-
autorizados a distinguir tratar-se de indiví- cou foi ter havido a instituição das bases da
duos nacionais ou de estrangeiros, mas, bem democracia moderna, na configuração do
ao contrário, são eles incentivados a aplicar Estado liberal, mas, ao mesmo tempo, o for-
as normas protetoras, com o cuidado de con- talecimento de um nacionalismo exacerba-
siderar que todos os homens nascem livres e do e xenófobo, conducente a atitudes cada
iguais em dignidade e direitos (art. I da Decla- vez mais hostis em relação aos estrangei-
ração Universal), e sob o pressuposto de que ros.
todo homem tem capacidade para gozar os direi- Embora os direitos humanos, por sua
tos e as liberdades estabelecidas nesta Declara- própria natureza, não possam comportar
ção, sem distinção de qualquer espécie, seja de uma distinção entre indivíduos nacionais e
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião ou de estrangeiros, foram, nos primórdios da his-
outra natureza, origem nacional ou social, ri- tória de seu desenvolvimento, na forma de
queza, nascimento, ou qualquer outra condição normas do jus scriptum, direitos expressos
(art. II § 1 o, id., com um grifado por nós acres- num sistema jurídico nacional fechado,
centado). dentro do qual seria possível comportar
Há pontos comuns na história e no de- uma discriminação entre os nacionais e os
senvolvimento de ambos os campos jurídi- estrangeiros. Mas, na medida em que a pes-
cos, o da proteção da pessoa humana e o da soa humana tem seus direitos definidos em
proteção do estrangeiro. Contudo, eles não normas internacionais, que desbordamos
se confundem. Houve tempos em que siste- limites dos ordenamentos jurídicos nacio-

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nais, aquela discriminação perde sua razão Imperador Caracala, que estenderia a cida-
de ser, e, bem ao contrário, torna-se odiosa. dania romana a todos os habitantes do Im-
À medida que os direitos humanos são defi- pério Romano, numa época em que o jus
nidos em relação a qualquer indivíduo, gentium, de há muito já havia suplantado o
onde quer que se encontre, no tempo e no jus civile; contudo, peregrini continuariam a
espaço, e que são direitos exigíveis de qual- ser os indivíduos que não tivessem a cida-
quer Estado, fazer discriminação em razão dania romana (ou seja, que não fossem ha-
de origem nacional passa a ser a negação bitantes do Império Romano).
da universalidade da pessoa humana. Com o Cristianismo, tal fenômeno seria
A análise da história da evolução das reafirmado, com a consagração da supera-
normas sobre um tratamento eqüitativo dos ção das distinções entre os homens, entre
estrangeiros, perante os ordenamentos jurí- cidadãos e não cidadãos, ou na base de di-
dicos nacionais, demonstra que, bem antes ferenças entre raças ou outras origens na-
de pensar-se em dar proteção à pessoa hu- cionais. Relembre-se o mandamento prin-
mana contra o próprio Estado de sua nacio- cipal que Jesus Cristo impõe a seus segui-
nalidade, as primeiras preocupações foram dores: “amar ao próximo como a si mesmo”
no sentido de proteger os estrangeiros, con- (BÍBLIA, N. T. Lucas, 10: 25-27); entenden-
tra o arbítrio das autoridades locais. Certa- do-se “o próximo”, como qualquer outra
mente poderemos vislumbrar, nas grandes pessoa, independentemente de pertencer ela
religiões da antigüidade (como no judaís- ao mesmo povo de quem deve exercer aque-
mo, sobretudo em alguns dos Salmos do Rei la virtude do amor. Retomem-se as palavras
Davi3, e nas palavras do Profeta Isaías4), em de São Paulo, na sua Epístola aos Gálatas:
algumas filosofias éticas, como o estoicis- “não há pois judeu, nem grego, escravo ou
mo5, da Grécia Clássica e de Roma, os tra- livre, varão ou fêmea, pois sois todos um em
ços de considerar-se haver uma igualdade Jesus Cristo” (BÍBLIA, N. T. Gálatas, 3: 28).
entre as pessoas humanas. Embora a unidade do gênero humano
O Direito Romano foi uma surpreenden- tivesse sido proclamada pelo Cristianismo,
te exceção a todos os sistemas jurídicos dos não serviu tal conceito para impedir as guer-
povos da antigüidade, pela extraordinária ras fratricidas contra os denominados “in-
proteção que dava aos estrangeiros, confor- fiéis”, nem que se desenvolvesse uma legis-
me se pode comprovar, pela análise de seu lação nacional, cada vez mais xenófoba e
próprio desenvolvimento histórico. À me- repleta de preconceitos contra os estrangei-
dida que acompanhava o espraiamento do ros, mesmo que eles tivessem a mesma reli-
Império Romano pelo mundo de além fron- gião das pessoas que integravam determi-
teiras da Península Itálica, o antigo e tradi- nados ordenamentos jurídicos locais. Na
cional jus civile, de cunho religioso e reser- verdade, o espírito universalista que se re-
vado aos cives romani, aos poucos se foi adap- velava no Cristianismo apenas conseguiu
tando, em função da presença crescente de manter-se em algumas grandes instituições
outros povos, diferentes dos romanos, a no- medievais nele inspiradas e, sobretudo, na-
vas situações. Ao mesmo tempo em que quelas geradas sob a sombra da Igreja Ca-
abrandava seu primitivo rigor conceitual, o tólica, como as Universidades medievais. A
jus civile passou a conviver com outro cor- idéia fundamental das Universidades me-
po de normas jurídicas, o jus gentium, com- dievais ainda persiste nas Universidades
posto de normas extremamente plásticas e modernas, no relativo a seus Professores e
susceptíveis de abarcar tanto os cives roma- alunos, e, por certo, reflete ela o que de mais
ni, quanto os peregrini (os estrangeiros). Tal claro existe em termos de respeito aos direi-
evolução teria seu ponto culminante, no ano tos humanos: sua comunidade de alunos e
212 da era cristã, com a “Constitutio” do Professores deve ser constituída sem distin-

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ção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, constitui o átomo que compõe as rela-
língua, religião, opinião ou de outra natureza, ções internacionais. O conceito de na-
origem nacional ou social, riqueza, nascimento, cionalidade está presente nas antigas
ou qualquer outra condição (art. II § 1 o, Decla- civilizações, mesmo antes de o ter ela
ração Universal dos Direitos Humanos). sido adotada pelo Direito Internacio-
nal Público, cuja expressão passou,
III – A emergência histórica do conceito como temos insistido, a ser associada
de nacionalidade à emergência do próprio Estado mo-
derno, no Séc. XVI. Deve-se rever o
A universalidade do gênero humano, que se considera como “relações in-
que o Cristianismo pretendia, foi aos pou- ternacionais”, para incluir épocas
cos cedendo lugar a particularismos e indi- anteriores àquele século, a fim de con-
vidualismos, à medida que as sociedades siderar-se o relacionamento entre cé-
se fortaleciam, na Idade Média, em torno a lulas políticas em confronto, como
um micro universo de natureza local. Em- entidades autônomas (portanto, não
bora não se possa referir ao fenômeno do eram “Estados”), diferençadas entre
Estado moderno, no qual aquele particula- elas, exatamente por um traço cultu-
rismo será acentuado, na forma da nacio- ral forte, que hoje denominamos “na-
nalidade, na constituição de unidades polí- cionalidade”, para podermos afirmar
ticas, no mundo medieval, a idéia de per- que a nacionalidade existia nas anti-
tencer a um grupo tinha, por contrapartida, gas civilizações. No Egito antigo, na
a idéia de repelir-se qualquer outro perten- Babilônia, na Grécia, entre os hebreus,
cimento6 a outro grupo. havia o fato de um indivíduo poder
Mesmo antes de o conceito nacionalida- ser considerado como parte integran-
de ter emergido na história, sempre existiu, te daqueles povos, da mesma forma,
em qualquer agrupamento humano, aquele como nos primórdios da civilização
vínculo forte que liga um indivíduo à comu- romana, em função de sua filiação a
nidade, da qual ele se considera parte. O um dos membros daqueles povos, tão
sentimento de pertencer a um grupo, por distintos uns dos outros. No mundo
suas características de forte comprometi- da Helenidade, era considerado “gre-
mento do indivíduo em relação aos outros go”, o filho de um grego e que se dis-
indivíduos com os quais comunga determi- tinguiria dos barbarophonói (aqueles
nados valores societários, tem assim um que falam com a voz rouca), em prin-
duplo efeito: de um lado, fortalecer os laços cípio por “falarem” o idioma grego
de coesão entre os membros de uma comu- (“falar” quereria dizer muito mais do
nidade, e, de outro, servir de baliza e de se- que exprimir-se em grego, tendo um
paração dos membros dessa comunidade, sentido de “pertencimento” a uma ci-
em relação a outras que lhe são estranhas7. vilização que se auto supunha como
Conforme escrevemos na já citada obra superior às demais de seu tempo). No
Curso de Direito Internacional Público: auge do expansionismo romano, as
A nacionalidade é o vínculo mais definições de cives romanus sofreriam
antigo da História da Humanidade, extensões crescentes, mas sempre com
que une as pessoas e entre elas e que uma constante histórica, de que os
estabelece as bases para o exercício do novos cives romani, decorrentes da ex-
poder, por parte de uma autoridade tensão crescente da cidadania para
local; é a nacionalidade o conceito de todos os povos habitantes no Império
base inerente à configuração de uma Romano, passavam sua qualidade
unidade política autônoma, a qual pessoal a seus descendentes. Em to-

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das essas civilizações antigas, trata- inspirador da moderna concepção
va-se da consagração do critério do ambientalista (de valorização dos ani-
jus sanguinis, determinado por laços mais, como seres advindos do Cria-
familiares, e que serviria para legiti- dor, e, portanto, dignos de um respei-
mar direitos e deveres de um indiví- to por parte do homem), Santa Rita de
duo livre, em relação ao seu próprio Cássia e Santa Teresa de Ávila, famo-
povo e com os conseqüentes traços de sas religiosas que marcaram sua épo-
negação de tais direitos e deveres a ca, por sua intelectualidade e exem-
outros indivíduos que não tivessem plo de vida pessoal, e Erasmo de Ro-
sua “nacionalidade” (ou seja, o mes- terdã, célebre humanista holandês,
mo sangue). O estrangeiro, assim, era preceptor do Imperador Carlos V da
o indivíduo alheio ao grupo social, Espanha (MELLO, 2001, p. 315-316).
cercado das maiores hostilidades...
(SOARES, 2002a, p. 3114-3115). IV – A determinação da
Ainda na mesma obra, assim nos expres- nacionalidade no Estado Moderno
samos:
e os limites impostos pelo Direito
No universo da Idade Média, o cri-
tério do jus sanguinis passará a convi-
Internacional Público
ver com outro critério de vinculação Nos primórdios da emergência dos Es-
dos indivíduos a um determinado or- tados modernos, ainda no Séc. XV, a nacio-
denamento jurídico autônomo e dife- nalidade adquire ainda maior importância,
rençado de outros. Aos poucos emer- tendo em vista que passa a ser o elemento
ge o conceito de jus soli, ligado ao fe- determinante para a submissão de um indi-
nômeno do local de nascimento do in- víduo a um ordenamento jurídico, ordena-
divíduo, sem qualquer referência às mento esse, a partir de então, circunscrito a
qualidades de seus progenitores. Con- um território e dominado por um poder in-
forme anota o Prof. Celso de Albuquer- contrastável de um soberano. O conceito de
que Mello (2001, p. 932), a predomi- nacionalidade serviria, portanto, de elemen-
nância, naquele período, do critério do to para exigir das pessoas uma submissão
jus soli, “tem suas raízes na organiza- total à vontade do governante, em particu-
ção econômica e social do feudalismo lar naqueles períodos de crise, como as guer-
medieval. A terra era considerada a ras, em que se colocavam em perigo valores
maior riqueza e símbolo do poder. Di- nacionais supremos (recorde-se que a for-
versas normas e institutos (jus albina- mação dos exércitos nacionais é coetânea à
gi, jus naufragi etc.) surgiram desta po- emergência dos Estados modernos e que um
sição em relação à terra. A nacionali- Estado passaria a ser cada vez mais pode-
dade apenas acompanhou a orienta- roso, à medida que tivesse à sua disposição
ção geral”. Tal fenômeno se reflete na um grande contingente militar). Na verda-
maneira como que, no período medie- de, a partir da definitiva consagração do
val, se distinguiam os personagem fa- Estado como a mais relevante célula políti-
mosos, pelo local de seu nascimento: ca das relações internacionais, nos dias cor-
os monges São Bento de Núrcia e São rentes, somente se pode conceituar nacio-
Bernardo de Claraval, célebres funda- nalidade a partir da formação dos mesmos,
dores de ordens religiosas até hoje atu- que, como vimos, emergiram numa confor-
antes, o monge Guido d’Arezzo, in- mação totalitária e de exclusividade do po-
ventor da moderna escrita musical, der centrado na figura única do governan-
São Francisco de Assis, o fundador da te, fenômeno que teve sua consagração nos
Ordem dos Frades Menores, e grande Tratados de Vestfália de 1648, os quais,

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igualmente, consagrariam a regra da terri- dico dos Estados na pessoa de um dirigente
torialidade do ordenamento jurídico nacio- absoluto, nada mais natural que desapare-
nal, ou seja, a trazida para a esfera de sua cessem outras fontes de normas jurídicas,
regulamentação exclusiva todas as pessoas ao mesmo tempo em que se fortificava o con-
que se encontravam no seu território (o ele- ceito de nacionalidade, inclusive atribuin-
mento da territorialidade dos Direitos mo- do-lhe deveres imperativos, como o dever
dernos, em contraposição à personalidade cívico e inalienável de servir à pessoa do
das leis do período medieval). governante, a própria encarnação do Esta-
Questão interessante é saber-se até que do, principalmente nos tempos de guerra.
ponto a nacionalidade foi ou não um expe- No Direito Internacional Público atual,
diente dos Estados absolutistas de conse- não se encontra uma definição precisa do
guirem a mais completa submissão de seus que seja nacionalidade. Contudo, pelo me-
súditos ao seu poder, ou se, antes, foi o po- nos duas regras importantes se encontram
der do Estado que soube aproveitar-se de estabelecidas. A primeira diz respeito à to-
um elemento forte de unificação entre as tal liberdade de os Estados determinarem
pessoas, para delas extrair seu poder. O fato as regras sobre as pessoas que eles conside-
é que, desde a emergência dos Estados mo- ram como seus nacionais, seja no momento
dernos, a existência de uma nacionalidade do nascimento das pessoas (nacionalidade
definida tem servido como elemento de afir- originária, que pode ser definitiva ou depen-
mação da existência do próprio Estado e dos dente de registro e/ou opção), seja num
motivos que justificariam o essencial dos momento posterior (naturalizações, que po-
comportamentos dos mesmos. Em primeiro dem ser voluntárias, por um ato de um indi-
lugar, ao legitimar aquelas pessoas que têm víduo, sponte sua, adquirir a nacionalidade
direito de participar, nos ordenamentos ju- do Estado, ou involuntárias, por um ato le-
rídicos internos, diretamente na formação gislativo de outro Estado, em determinadas
da vontade política nacional (direito de vo- circunstâncias, ou ainda, pelo casamento
tar e serem votadas), às quais são reserva- com um nacional de outro Estado, e, em al-
dos direitos exclusivos; e, em segundo, no guns casos, pelo fato de os naturalizandos
que se refere à proteção de indivíduos, nas prestarem um trabalho no território de ou-
relações internacionais (o instituto da pro- tro Estado).
teção diplomática, bem como as justificati- No que se refere ao ordenamento jurídi-
vas para as relações consulares, exercidas co sobre as regras de aquisição da naciona-
em relação a pessoas nacionais que se en- lidade, citem-se a Convenção sobre Nacio-
contram em territórios de outros Estados e nalidade, adotada na Haia, em 1930 (no
os casos de deveres canalizados aos Esta- Brasil promulgada pelo Decreto 21.798 de
dos da nacionalidade das pessoas que se 06/11/1932), que fixou no seu art. 1 o a nor-
encontram em espaços internacionais co- ma de que “cabe a cada Estado determinar,
muns). Deve-se acentuar que a nacionali- por sua legislação, quais são seus nacionais.
dade teve, por outro lado, o papel de ainda Essa legislação será aceita por todos os ou-
mais unificar e fortalecer a fonte do poder tros Estados, desde que esteja de acordo com
do dirigente único da sociedade dos tem- as convenções internacionais, o costume
pos modernos, uma vez que solapou outros internacional e os princípios de direito ge-
critérios de “pertencimento” a vários orde- ralmente reconhecidos em matéria de naci-
namentos jurídicos que existiam, concomi- onalidade”. Uma análise de Direito Com-
tantemente, na Idade Média, em função de a parado revela que os tipos de legislação dos
pessoa pertencer a estamentos distintos e Estados podem variar, desde normas cons-
com suas normas particulares. Unificada a titucionais (caso do Brasil), até normas de
fonte da legitimidade do ordenamento jurí- direito público (como os Códigos de Nacio-

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nalidade ou normas específicas nas codifi- nhecidas por outro Estado, a não ser que
cações de Direito Internacional Privado) ou estejam conformes a uma finalidade geral
ainda de direito privado, como as leis es- de fazer concordar o vínculo jurídico da
parsas contidas nas leis civis, reguladoras nacionalidade, com a ligação efetiva do in-
do estado das pessoas físicas. divíduo ao Estado que assume a defesa de
A segunda regra importante sobre a aqui- seus cidadãos por meio da proteção diplo-
sição da nacionalidade diz respeito a que a mática frente a outros Estados”. Portanto, a
atribuição da nacionalidade não pode ser sentença da CIJ em Nottebohm determinou
resultante do exercício de uma competência que, para a nacionalidade produzir efeitos
discricionária total e injustificada por parte no Direito Internacional (pelo menos no que
do Estado, mas, antes, deve estar baseada diz respeito à legitimidade da proteção di-
em vínculos efetivos entre o indivíduo e o plomática dos Estados perante outros), é
Estado que lhe atribui a nacionalidade. Nes- necessário haver um vínculo efetivo entre
te último particular, havia, na mencionada aquele ato do Estado de outorgar sua nacio-
Convenção sobre Nacionalidade da Haia de nalidade e a pessoa que tem o direito de os-
1930, no seu art. 5 o, uma norma de que, num tentá-la e de pedir a proteção diplomática
terceiro Estado, o indivíduo que possuísse de seu Estado nacional; tais vínculos po-
várias nacionalidades poderia ver reconhe- dem ser uma residência ou domicílio, ou
cida quaisquer delas, podendo aquele Esta- ainda negócios habituais no país (fatores
do, “em seu território, reconhecer exclusi- que, no caso de Nottebohm, eram totalmen-
vamente, entre as nacionalidades que tal te ausentes no que se refere ao Lichtenstein).
indivíduo possua, tanto a nacionalidade do
país, no qual tenha a residência habitual e V – Plurinacionalidade e apatrídia: sua
principal, quanto a nacionalidade do país regulamentação na atualidade
ao qual, segundo as circunstâncias, ele, de
fato, pareça mais ligado”. Essa norma foi, O fato de os ordenamentos jurídicos na-
após a Segunda Guerra Mundial, reafirma- cionais poderem variar no que respeita a
da, de modo mais taxativo, pela Corte Inter- critérios adotados para a determinação da
nacional de Justiça, no julgamento do famo- nacionalidade, entre o jus sanguinis e o jus
so Caso Nottebohm, efetuado pela Corte In- soli, pode ocasionar um duplo fenômeno: a)
ternacional de Justiça, em 06/04/1955: tra- a atribuição de duas ou mais nacionalida-
tava-se de um próspero comerciante de na- des ao mesmo indivíduo (binacionalidade
cionalidade alemã, residente na Guatema- ou plurinacionalidade, também dita: poli-
la, que teria conseguido naturalizar-se ci- nacionalidade) e b) a apatrídia, ou seja, a
dadão do Lichtenstein, a fim de colocar-se a ausência de nacionalidade de uma pessoa
salvo das sanções econômicas (nacionali- física. Ambos os fenômenos decorrem da
zação dos bens) que, durante a Segunda regra da liberdade de os Estados poderem
Guerra Mundial, determinados Estados, adotar os critérios que bem entenderem (nos
como aquele da América Central, impuse- limites colocados pelo Caso Nottebohm e das
ram aos súditos alemães. Nesse Caso de regras internacionais de proteção aos direi-
1955, que opôs aqueles dois Estados, a CIJ tos humanos), e que podem ocasionar vín-
julgou que nenhum Estado poderia recla- culos concomitantes ou inexistentes entre
mar pelo fato de outro Estado ter estendido os respectivos ordenamentos jurídicos rela-
sua nacionalidade àquelas pessoas, que tivamente a um mesmo indivíduo, seja no
aquele Estado considera como seus nacio- momento de seu nascimento, seja em épo-
nais, mas determinou que verbis: “nenhum cas posteriores de sua vida.
Estado poderia pretender que as regras por A binacionalidade e plurinacionalida-
ele assim estabelecidas deveriam ser reco- de resultam, portanto, de situações de atri-

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buições legítimas e eficazes de duas ou mais efetiva aquisição de outra nacionalidade10)
nacionalidades concomitantes a um mesmo e b) a ocorrência de vínculos concomitantes
indivíduo. Tais situações podem advir de de jus soli e de jus sanguinis, no momento do
várias hipóteses: a) a ocorrência de víncu- nascimento, aos quais os ordenamentos ju-
los de jus soli e de jus sanguinis na mesma rídicos nacionais interessados não conferem
pessoa, desde que tais vínculos sejam efeti- eficácia para a atribuição da nacionalidade
vos e decorrentes das condições exigidas (um filho de um apátrida, ou de um estran-
pelos respectivos ordenamentos nacionais geiro originário de um país que consagra o
(a exemplo, no Brasil: uma pessoa nascida jus soli, nascido em território de um Estado
no Brasil, descendente de italiano, no grau que somente admita o jus sanguinis como cri-
de parentesco exigido pela lei italiana, e que tério para a atribuição da sua nacionalidade,
tenha adimplido as condições exigidas por hipóteses da maioria dos países europeus11).
aquela lei, das quais, uma opção pela naci- O plurinacional é, no Brasil, um brasi-
onalidade italiana, formalizada perante leiro nato12 ou, dependendo das circunstân-
autoridades italianas8); b) a extensão, por cias, um brasileiro naturalizado (no caso de
um ato unilateral de um Estado, de sua na- ter adquirido, por ato voluntário, a nacio-
cionalidade a pessoas que não possuam sua nalidade brasileira, sem haver perdido sua
nacionalidade originária, como um ato de nacionalidade de origem13), portanto, com
natureza política (naturalizações coletivas, os deveres inerentes à nacionalidade, e titu-
como foi o caso do Brasil, logo após a Pro- lar dos direitos de cidadania exclusivos
clamação da República9), ou no reconheci- concedidos ao brasileiro nato (em particu-
mento legal de situações personalíssimas lar os direitos de serem eleitos a cargos pú-
dos indivíduos, como o casamento com uma blicos reservados a tais categorias de brasi-
pessoa nacional daquele Estado (caso de leiros, como já visto anteriormente) e aque-
França) ou por outros motivos, como ter exer- les concedidos aos naturalizados. Contudo,
cido um emprego no país (caso da antiga a plurinacionalidade faz um indivíduo pro-
URSS) ou para permitir sua permanência tegido por vários sistemas jurídicos, mas
no país (caso do Japão). igualmente submetido a deveres cogentes e
A apatrídia resulta de concomitância de imperativos próprios do caráter nacional de
elementos fatuais, no momento do nasci- dois ou mais Estados, dos quais se destaca
mento de um indivíduo, ou em épocas pos- o serviço militar obrigatório. A questão do
teriores de sua vida, de tal maneira que não serviço militar obrigatório, em relação a dois
se verificam os vínculos reconhecidos pelos ou mais países, pode conduzir a situações
sistemas jurídicos nacionais, que permitam insolúveis, em tempos de guerra ou de gra-
a atribuição ao mesmo de qualquer nacio- ves convulsões internacionais; das questões
nalidade. Os fatos conhecidos são: a) perda mais importantes se destaca aquela de de-
coletiva ou individual de uma nacionalida- terminar-se a qual forças armadas de uma
de, sem que haja a aquisição de outra nacio- de suas nacionalidades deve um plurinaci-
nalidade (no primeiro caso, as hipóteses de onal servir, como dever, sob pena de insub-
desaparecimento de um Estado, como a Ar- missão e de pesadas sanções (inclusive os
mênia, durante a existência da URSS, ou da gravíssimos crimes de traição à pátria!), em
cassação na nacionalidade russa aos emi- especial, quando se encontram os dois ou
grados do regime soviético, logo após 1917, mais Estados da sua nacionalidade em con-
e, no segundo, a perda de uma nacionalida- fronto declarado. Em tempo de paz, a ques-
de, como pena, sem que tenha havido a atri- tão do serviço militar obrigatório dos pluri-
buição de outra nacionalidade ao indiví- nacionais encontra-se regulamentada pelo
duo, caso possível no Brasil, na hipótese da Protocolo da Haia de 1932, relativo às obri-
perda da nacionalidade brasileira e da não gações militares em certos casos de dupla

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nacionalidade, no Brasil promulgado pelo do (não pode votar nem ser votado, em ne-
Decreto 21.798, de 06/09/1932, segundo o nhum lugar do mundo), não tem ligações
qual, um indivíduo com duas nacionalida- com quaisquer valores nacionais a serem
des, que prestar serviço militar em um dos defendidos por ele, em caso de guerra ou de
Estados, fica isento de prestá-lo no outro (re- convulsões internacionais (pois sendo es-
gra essa que se encontra repetida na Con- trangeiro, em qualquer parte do mundo, não
venção européia de 1963 sobre resolução de tem o dever do serviço militar, em nenhum
casos de pluralidade de nacionalidade e lugar)15. Por outro lado, inexistem Missão
sobre a obrigação do serviço militar). diplomática ou Repartição consular que,
Ainda em tempo de paz, outras situa- sendo ele estrangeiro, em qualquer lugar do
ções bizarras podem ocorrer, no relativo a mundo, possam vir em socorro a seus direi-
plurinacionais, como os deveres eleitorais tos. Na verdade, e em princípio, o apátrida
(obrigação de voto numa eleição, circuns- não poderia sequer viajar ao exterior (pois
tâncias em que as repartições consulares do não teria sequer qualquer documento de
Estado que envia poderão estar autorizadas, identidade com validade internacional,
pelo Estado receptor das mesmas, a reco- como um passaporte), caso o Direito Inter-
lher as manifestações eleitorais de seus na- nacional não lhe facultasse um documento
cionais, nas respectivas sedes e nas condi- de viagem, o que de fato os Estados têm pro-
ções por aquele exigidas14), e os direitos à videnciado aos apátridas neles residentes
proteção diplomática e à proteção consular ou domiciliados, como a concessão de um
(a questão se resumiria a indagar-se até que laissez-passer, de passaportes amarelos (ins-
ponto poderia um brasileiro, que também tituídos pela ONU) ou outro documento de
tem outra nacionalidade, beneficiar-se de viagem internacional, similares a um pas-
proteção de uma Missão diplomática estran- saporte, os quais têm a função de servir de
geira ou de uma Repartição consular estran- documento de identidade pessoal, em qual-
geira, por fatos a ele relacionados, aprecia- quer lugar do mundo.
dos pelas autoridades brasileiras ou ocorri- A regulamentação internacional dos di-
dos no território nacional!). Neste último reitos subjetivos dos apátridas, na atuali-
particular, é mister citar-se o precedente do dade, constitui um importante campo da
Caso Canevaro, julgado em 1912 por um proteção internacional dos Direitos Huma-
árbitro único (Louis Renault), sob a égide nos, e comunga com os mesmos princípios
da Corte Permanente de Arbitragem, numa que regem duas outras situações de pesso-
reclamação do Peru contra a Itália, que en- as estrangeiras, que devem ter seus direitos
volveu aquele cidadão jure sanguinis italia- reconhecidos em qualquer lugar do mundo,
no e jure solis peruano; o árbitro afirmou que como se verá a seguir, neste trabalho. Em tal
a Itália não poderia endossar uma reclama- categoria, em primeiro lugar, estão os asila-
ção de um seu nacional, perante o Peru, país dos (instituto típico latino-americano, em
que igualmente poderia fazer o mesmo, em virtude do qual o Estado que concede asilo,
relação à Itália. territorial ou diplomático, tem o dever de
A situação mais estranha, quanto aos reconhecer aqueles direitos e conferir docu-
direitos de um indivíduo, diz respeito à apa- mentos de viagem internacional aos seus
trídia; na verdade, a situação de ausência beneficiados) e, em segundo, os refugiados
de nacionalidade torna o apátrida um indi- (pessoas que se encontram em outros paí-
víduo estrangeiro em qualquer parte do ses e que, por normas internacionais adota-
mundo! Tal fato confere ao apátrida uma das pela ONU, têm seus direitos subjetivos
situação de grandes negativas de direitos, assegurados).
pois não tem ele a possibilidade do exercí- O regime jurídico internacional dos apá-
cio da cidadania em nenhum país do mun- tridas recebeu uma especial atenção do

178 Revista de Informação Legislativa


ECOSOC da ONU (relembre-se: o colegiado ternacionais globais, sob a égide da ONU, e
que tem cuidado dos Direitos Humanos), o campo dos regionalismos.
cuja Resolução A(526), adotada na sua XVII As Declarações são instrumentos nor-
sessão, a 26/04/1954, teria, por conseqüên- mativos de extrema importância, que fixam
cia, a convocação de duas Conferências de as grandes linhas políticas e jurídicas que
Plenipotenciários, as quais adotaram, a pri- os Estados Partes se comprometem a respei-
meira, em 28/07/1954, a Convenção sobre tar, conquanto não se tenham revestido da
o Estatuto dos Apátridas, instrumento mi- forma de tratados solenes internacionais.
nucioso, composto de 42 artigos e Anexo, e Das várias Declarações, duas se destacam:
a segunda, em 30/08/1961, a Convenção a primeira, no tempo, a Declaração Ameri-
para a Redução dos Casos de Apatrídia, cana dos Direitos e Deveres do Homem
igualmente ato internacional complexo, (1948), aprovada pela IX Conferência Inter-
composto de 21 artigos 16. nacional Interamericana, em Bogotá, sob a
égide da Organização dos Estados Ameri-
VI – O quadro normativo geral canos, em abril de 1948, que, por poucos
da proteção dos Direitos meses, antecedeu à famosa Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos, adotada pela
Humanos na atualidade
Assembléia Geral da ONU, a 1o de dezem-
A inserção dos Direito Humanos como bro de 1948. Quanto à natureza jurídica de
um dos mais importantes capítulos do Di- tais Declarações, a Corte Internacional de
reito Internacional Público, na atualidade, Justiça, unicamente no relativo à Declara-
teve importantes conseqüências para o re- ção Universal de 1948, já teve a oportunida-
gime da proteção dos direitos dos estran- de para estatuir que se trata de um costume
geiros. Como se sabe, o grande passo histó- internacional, portanto, um documento com
rico no progresso dos Direitos Humanos, em mais força normativa do que uma soft law,
quaisquer de suas vertentes, no interior dos esta, uma espécie de ato jurídico de norma-
ordenamentos jurídicos nacionais, ou nas tividade branda, própria de atos adotados
suas relações externas, segundo o pensa- por organizações internacionais, no qual,
mento do grande jusfilósofo italiano Nober- na atualidade, alguns autores pretendem
to Bobbio (1992, p. 25-47), foi aquele dado colocar as duas Declarações.
em direção à afirmação de sua maior positi- Quanto aos tratados internacionais mul-
vidade e eficácia17. Tal momento se realizou, tilaterais de resguardo dos direitos huma-
após os trágicos acontecimentos da Segun- nos, é mister distinguir dois grandes regi-
da Guerra Mundial, com a consagração dos mes, nos quais eles se inserem: a) o regime
Direitos Humanos, que já se encontravam das relações globais, dos denominados “di-
definidos em normas dos ordenamentos ju- reitos humanos stricto sensu”, sob a égide da
rídicos internos dos Estados, em normas in- ONU e sob a égide de organismos reconhe-
ternacionais muito precisas, ao mesmo tem- cidos pelos Estados com poderes de elabo-
po em que se adotavam mecanismos, igual- rar normas relativas a Direito Humanitário
mente muito precisos, de verificação de sua e a Direito dos Refugiados, categorias essas
adimplência, sob o controle da comunida- que integram, juntamente com os anterio-
de dos Estados. res, o que denominamos de direitos huma-
As definições dos direitos humanos se nos lato sensu, e b) os regimes regionais da
encontram em dois grandes conjuntos de Europa, da América Latina (na qual se en-
atos solenes internacionais, as Declarações contra igualmente regulamentado o Direito
e os tratados multilaterais, atos esses que, do Asilo Político, na sua dupla forma, o asi-
por sua vez, podem ser incidentes em dois lo diplomático e o asilo territorial), da Áfri-
grandes campos: o campo das relações in- ca e dos Países Árabes. Devemos esclarecer

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que consideramos direitos humanos lato sen- tros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desuma-
su as normas de proteção, que se encontram nos ou Degradantes, de 1984 (no Brasil,
definidas, no curso da história, tanto para promulgada pelo Decreto 40 de 15/02/
os tempos de paz, quanto para os tempos de 1991); a Convenção sobre os Direitos da Cri-
guerra ou de situações excepcionais; sendo ança, de 1989 (promulgação no Brasil pelo
assim, “Direitos Humanos lato sensu”, a nos- Decreto 99.710 de 21/11/1990); a Conven-
so ver, englobam tanto as normas de prote- ção para a Prevenção e Repressão do Crime
ção aos direitos humanos, concebidas, na de Genocídio, de 1948 (Decreto de promul-
história, para os tempos de paz, os “direitos gação no Brasil, n o 30.822 de 06/05/1952).
humanos stricto sensu”, como aquelas outras Inclua-se, nesse rol, o importantíssimo Tri-
normas, excepcionais, concebidas para os bunal Penal Internacional, sediado na Haia,
tempos de guerra ou geradas para regular o qual foi adotado por uma Conferência Di-
as situações dos indivíduos, nos momentos plomática Ad Hoc das Nações Unidas, para
de grave perturbação da ordem interna ou o Estabelecimento de um Tribunal Penal
internacional (como as normas do Direito Internacional, reunida em Roma a 17 de ju-
Humanitário, os Direitos dos Refugiados e lho de 1998 (no Brasil, o tratado que resul-
os Direitos decorrentes do Asilo Político, na tou dessa Conferência, o Estatuto de Roma
América Latina). do Tribunal Penal Internacional, encontra-
No regime das relações globais, sob a se promulgado pelo Decreto 4.388 de 25/
égide da ONU, de proteção dos direitos hu- 09/2002). Tal corte judiciária internacional
manos stricto sensu, destacam-se os dois Pac- já se encontra instalada e com os seus ma-
tos das Nações Unidas, negociados sob a gistrados já empossados, devendo destacar-
égide de sua Assembléia Geral, e assinados se entre seus membros, uma eminente brasi-
ambos no mesmo dia 16 de dezembro de leira, ao tempo de sua nomeação, integrante
1966, na sede da ONU, em Nova York, por- do Tribunal Federal Regional da 3 a Região,
tanto, autênticos tratados multilaterais em a ilustre Dra. Sylvia Steiner.
devida forma: o Pacto Internacional sobre No regime dos direitos humanos lato sen-
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o su, ao lado daqueles direitos já menciona-
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e dos, que foram elaborados para ser aplica-
Políticos. Deve dizer-se que os dois Pactos dos em tempos de paz, e que constituem os
tiveram uma aceitação imediata dos Esta- fundamentos de um Estado democrático, na
dos, tendo em vista que os mesmos entra- atualidade, encontramos os direitos que in-
ram em vigor internacional a 23 de maio de tegram o denominado Direito Humanitário,
1976, após o 35o Estado haver depositado o Direito dos Refugiados e o Direito do Asi-
os instrumentos de ratificação, perante o lo, este último, conforme regulamentado no
Secretário Geral das Nações Unidas. No que continente latino-americano, os quais pos-
respeita ao Brasil, o país os assinou, na data suem, como nota comum, o fato de terem sido
de sua adoção, em dezembro de 1966, mas gerados para proteger os direitos humanos,
os ratificou após ter havido a redemocrati- em situações excepcionais, de guerras, con-
zação do país, somente em 23/12/1992, flitos armados, graves perturbações inter-
data de sua promulgação conjunta pelo nas, mas que hoje se estendem a quaisquer
Decreto n o 592 dessa data, e após ter havido períodos da vida em sociedade. Serão eles
a aprovação, pelo Congresso Nacional, por melhor considerados na parte deste traba-
meio do Decreto Legislativo no 226 de 12/ lho que se segue a esta.
12/1991 18. Os mecanismos de verificação da adim-
Citamos, ainda, outros importantes tra- plência dos deveres instituídos nos trata-
tados multilaterais, adotados sob a égide da dos multilaterais de proteção aos direitos
ONU: a Convenção contra a Tortura e Ou- humanos são procedimentos diplomáticos

180 Revista de Informação Legislativa


instituídos nos referidos tratados multilate- tular, em nome próprio, reclamações judici-
rais, e que representam importantes meios ais contra quaisquer Estados, inclusive os
de levar, à opinião pública internacional, de sua própria nacionalidade, domicílio ou
as atividades dos Estados violadoras dos residência, reclamações essas por violações
respectivos deveres internacionais. De tais dos direitos humanos.
mecanismos, sobressai-se a Comissão das No Continente europeu, logo após a as-
Nações Unidas sobre Direitos Humanos, sinatura dos tratados de paz que colocaram
instituída em 1946, por ocasião da primeira um fim à Segunda Guerra Mundial, os paí-
reunião do Conselho Econômico e Social da ses da então denominada Europa Ociden-
ONU, (Resolução I-5), com sede em Gene- tal, já decididos a estabelecer um dos mais
bra, composta de representantes diplomáti- complexos instrumentos multilaterais de
cos dos Estados, numa base de rotatividade integração econômica e política regional, e
de representação geográfica, para reuniões que deveria transformar-se na atual União
ordinárias anuais, por 40 dias, nos meses Européia21, assinaram a Convenção Euro-
de fevereiro e março19. À sua sombra, reú- péia para a Proteção dos Direitos Humanos
nem-se outros órgãos colegiados, instituí- e das Liberdades Fundamentais, em Roma,
dos em tratados multilaterais, como o Co- a 04/11/1950, e a Carta Social Européia,
mitê sobre Direitos Civis e Políticos, institu- adotada em Turim, a 18/10/1961, ambas
ído no Pacto da ONU sobre Direitos Civis e adotadas por iniciativa do Conselho da
Políticos de 1966, do qual o Brasil participa, Europa22. Ressalte-se que tal conjunto nor-
e o Comitê de Direitos Humanos, instituído mativo seria dotado, já no seu nascedouro,
pelo Protocolo Adicional ao Pacto sobre Di- de poderosos instrumentos de verificação
reitos Civis e Políticos, subscrito igualmen- da adimplência de suas normas, com a ins-
te em 1966, mas do qual o Brasil se encontra tituição de uma Comissão Européia de Di-
ausente, por não haver subscrito aquele Pro- reitos Humanos (organismo composto de
tocolo; importa observar que este Protocolo representantes dos Estados Partes, porém
confere, ao referido Comitê, a atribuição de escolhidos por suas qualidades personalís-
poder receber queixas individuais, contra simas, na atualidade, extinto23), e de uma
Estados 20, da mesma forma que os Comitês Corte Européia de Direitos Humanos (juí-
previstos na Convenção Internacional so- zes internacionais independentes), ambos
bre a Eliminação de Todas as Formas de sediados em Estrasburgo. Deve ser igual-
Discriminação Racial (art. 14 § 1 o) e a Con- mente ressaltado, como um fato de extraor-
venção contra a Tortura (art. 21 § 1 o e art. 22 dinária importância para a proteção inter-
§ 2 o). nacional dos direitos humanos, que, em data
Nos âmbitos regionais das normas de relativamente recente, o sistema normativo
proteção dos direitos humanos, verifica-se, europeu sofreria um grande aperfeiçoamen-
ao lado de um rol de direitos e deveres mais to, a partir de 1994, com a adoção do Proto-
bem definidos que aqueles dos instrumen- colo 11 e com as posteriores modificações
tos multilaterais globais, um evidente mai- introduzidas pelo Acordo Europeu Relati-
or aperfeiçoamento dos mecanismos de con- vo a Pessoas que Participam nos Procedi-
trole de adimplência das suas normas, in- mentos da Corte Européia dos Direitos Hu-
clusive, como no caso do Continente euro- manos, firmado em Estrasburgo, a 05 de
peu; neste último caso, deve destacar-se a maio de 1997; nos termos de tais reformas,
existência de uma Corte Européia dos Di- foi suprimida a Comissão Européia (que ti-
reitos Humanos, tribunal internacional com nha a incumbência de, entre outras, exami-
sua jurisdição aberta a pedidos de quais- nar e decidir sobre o encaminhamento à
quer pessoas, independentemente de sua Corte Européia das reclamações de indiví-
nacionalidade, as quais têm direitos de pos- duos contra os Estados Partes) e estendeu-

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se a competência da Corte Européia dos Di- de não reconhecer “como obrigatória, de
reitos Humanos, para o fim de poder rece- pleno direito e sem convenção especial, a
ber, diretamente, as reclamações dos indiví- Competência da Corte em todos os casos
duos contra quaisquer Estados Partes (in- relativos à interpretação ou aplicação da
clusive os das nacionalidades dos recla- Convenção” (art. 62 § 1o do Pacto de San
mantes ou de quaisquer outras nacionali- José). Deve notar-se que, a 10 de dezembro
dades). O texto da Convenção Européia para de 1998, conforme lhe faculta o mesmo art.
a Proteção dos Direitos Humanos e das Li- 62 do Pacto de San José, após o referendo de
berdades Fundamentais, assinada em aprovação antecipada dada pelo Congres-
Roma, a 04/11/1950, tal qual vigente na so Nacional, pelo Decreto Legislativo n o 89
atualidade, portanto, com as modificações de 03/12/1998, o Governo brasileiro pas-
introduzidas com os mencionados atos in- saria nota ao Secretário Geral da OEA, de-
ternacionais, especialmente o Protocolo 11, positário da Convenção de San José, segun-
encontra-se na Internet, no site: www. do a qual o Brasil daria “reconhecimento
dhnet.org.br. da competência obrigatória da Corte Intera-
Na América Latina, o modelo normativo mericana de Direitos Humanos em todos os
regional adotado para a proteção dos direi- casos relativos à interpretação ou aplicação
tos humanos seria o europeu, de seu início da Convenção Americana de Direitos Hu-
histórico, portanto antes das reformas in- manos para fatos ocorridos a partir do reco-
troduzidas em 1994, com o Protocolo n o 11, nhecimento, de acordo com o previsto no
e que persiste até os nossos dias. Tendo já parágrafo primeiro do art. 62 daquele ins-
adotado, em Bogotá, a Declaração America- trumento internacional”26.
na dos Direitos e Deveres do Homem, os Na África, em janeiro de 1982, seria apro-
Estados latino-americanos, a 22/11/1969, vada pela Conferência Ministerial da Orga-
assinariam a Convenção Americana sobre nização da Unidade Africana, reunida em
Direitos Humanos, em San José da Costa Banjul, no Quênia, a Carta Africana dos
Rica (conhecida como Pacto de San José), ao Direitos Humanos e dos Povos, denomina-
final de uma Conferência Internacional ad da “Carta de Banjul”, a qual seria formal-
hoc, realizada sob a égide da Organização mente subscrita pelos Chefes de Estado e de
dos Estados Americanos (OEA). Consagrou- Governo dos Estados membros daquela Or-
se a técnica da declaração formal dos direi- ganização, na XVIII sessão de sua Assem-
tos protegidos, por meio de um articulado bléia, reunida em Nairobi, igualmente no
preciso, bem como da instituição de uma Quênia, a 28/06/1981. Adota ela a técnica
duplicidade de órgãos de verificação da da declaração formal dos direitos protegi-
adimplência daqueles direitos, ou seja, uma dos (note-se a introdução, no universo dos
comissão composta de sete pessoas eleitas direitos protegidos, de certos “direitos dos
pela OEA, a Comissão Interamericana de povos”, como a livre disposição de seus re-
Direitos Humanos 24, sediada em Washing- cursos naturais, ao desenvolvimento, à paz
ton, e de um tribunal internacional, a Corte e à segurança, bem como o direito a um meio
Interamericana de Direitos Humanos, com- ambiente satisfatório), institui a Comissão
posta de sete juízes nacionais dos Estados Africana dos Direitos Humanos e dos Po-
Membros da OEA, a qual seria, em data pos- vos, composta de 11 membros, com perso-
terior, sediada em San José, na Costa Rica25. nalidades africanas, eleitas a título pessoal
O Brasil veio a aderir à Convenção Ameri- (independentemente de sua nacionalidade),
cana de Direitos Humanos somente a 25/ com as funções de verificar a adimplência
09/1992, tendo a mesma sido promulgada das obrigações convencionadas, por parte
no país, pelo Decreto n o 678 de 06/11/1992; dos Estados Partes, por meio da publicação
na ocasião, o Brasil valeu-se da faculdade de relatórios e de notificações endereçadas

182 Revista de Informação Legislativa


aos Estados. No sistema africano de prote- reitos econômicos e sociais (e, sendo assim,
ção aos direitos humanos, com a vigência ao ver daqueles Estados, seria, quando mui-
internacional regional do Protocolo à Carta to, supérflua a existência de tratados ou con-
Africana de Direitos Humanos e dos Povos venções internacionais globais ou regionais
sobre o Estabelecimento de uma Corte Afri- que os declarassem e instituíssem mecanis-
cana de Direitos Humanos e dos Povos (Pro- mos para sua proteção). Por outro lado, era
jeto adotado em setembro de 1995, por um um posicionamento comum dos países do
Comitê de Peritos reunidos em Cape Town, bloco socialista, sobretudo no auge da Guer-
na África do Sul, e a partir de 1997, em exa- ra Fria, que os assuntos de direitos huma-
me pela Comissão Africana dos Direitos nos constituiriam domínio reservado dos
Humanos e dos Povos), passará o mesmo a Estados, e que, nos termos do art. 2 o, § 7 o, da
contar com uma instância jurisdicional, para Carta da ONU27, estariam, portanto, excluí-
a verificação do cumprimento dos deveres e dos do poder regulatório da ONU e dos tra-
obrigações, em nível regional, em coordena- tados multilaterais que sob sua égide fos-
ção com os poderes da Comissão Africana sem adotados. À medida que países do an-
dos Direitos Humanos e dos Povos. tigo bloco soviético se tornem membros do
Com pesar, deve-se registrar que inexis- sistema regional europeu da União Euro-
te qualquer tratado ou convenção de prote- péia (e de modo muito especial, nas Comu-
ção internacional subregional aos direitos nidades Européias), e sendo condição es-
humanos, no Continente asiático. As expli- sencial para tal filiação um efetivo compro-
cações têm variado; desde argumentos de metimento dos Estados com a decisiva pro-
que se trata de uma região onde os aspectos teção dos direitos humanos, nos moldes da
eminentes de direitos das coletividades or- Convenção Européia para a Proteção dos
ganizadas na forma de Estados primam so- Direitos Humanos e Liberdades Fundamen-
bre os direitos dos indivíduos, até outras mais tais de Roma, de 1950, e da Carta Social
elaboradas, como uma proteção existente, Européia de Turim, de 1961, por expresso
porém distinta e inusitada, conforme os mol- mandamento do Tratado da União Européia
des vigentes nas demais regiões do mundo. (Maastricht, 1992), reafirmado pelo Trata-
A nosso ver, tais justificativas são totalmente do de Amsterdam de 199728, que consagra-
inconvincentes e, portanto, incompatíveis com ram a denominada “cláusula democráti-
a consciência generalizada na comunidade ca” 29, é de esperar-se que aquela lacuna no
de todos os Estados da atualidade. Continente Europeu seja sanada, mesmo
Outra lacuna notável, esperamos que no porque são extremamente poderosas as san-
presente momento seja ela um fato da histó- ções previstas para os Estados, sejam os já
ria passada, refere-se à antiga área de influ- participantes, sejam os postulantes, que não
ência da extinta URSS, a qual era justifica- respeitem as normas européias de proteção
da pela doutrina então dominante naque- aos direitos humanos 30.
les espaços, por considerarem os então paí- Os direitos humanos consagrados nos
ses socialistas a proteção dos direitos hu- diversos diplomas normativos internacio-
manos, mediante normas internacionais (em nais, na maioria, constituem uma unidade
particular, os direitos civis e políticos), como conceitual, e o fato de eventualmente haver
aspectos de uma filosofia burguesa, indivi- vários atos normativos que lidam com os
dualista e decadente, própria dos países mesmos direitos somente serve para refor-
capitalistas, e que, portanto, aqueles direi- çar sua importância e a busca de mecanis-
tos já estariam consagrados nos sistemas mos complementares para sua defesa. Por
das denominadas “democracias popula- outro lado, a concomitância de direitos hu-
res”. Tais democracias já contemplariam, na manos reconhecidos em tratados e conven-
sua própria essência, em particular, os di- ções internacionais, mundiais e regionais, e

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 183


ao mesmo tempo vigentes nos ordenamen- sil, de 1824 (em virtude do art. 179, “a invi-
tos jurídicos internos dos Estados, consti- olabilidade dos direitos políticos e civis” era
tui, de igual forma, uma garantia de sua efi- assegurada aos “cidadãos brasileiros”), a
cácia, tendo em vista que os ordenamentos partir da primeira Constituição republica-
jurídicos internos e internacionais devem na do Brasil, de 1981 (denominada Consti-
ser considerados como complementares tuição da República dos Estados Unidos do
uns dos outros. Brasil), passaram todas as Constituições
brasileiras a regulamentar, de maneira di-
VII – Os Direitos Humanos reta, os direitos de aquisição e perda da na-
fundamentais relacionados à cionalidade brasileira (a primitiva e a deri-
vada), bem como a inscrever, nos respecti-
proteção dos estrangeiros
vos textos, a norma fundamental de que bra-
Conforme já nos referimos, neste traba- sileiros e estrangeiros residentes no Brasil
lho, as proibições de discriminações entre têm a igualdade dos direitos fundamentais
nacionais e estrangeiros, no referente à aqui- assegurados aos brasileiros, conforme todas
sição e gozo dos direitos humanos, nem elas passavam a definir. Foi assim que o art.
sempre foram expressas nos ordenamentos 72, ementado “Declaração de Direitos”, da
internos dos Estados. Mesmo em épocas primeira Constituição republicana do Bra-
anteriores à segunda metade do Séc. XX, em sil, de 1891, estabeleceria, verbis: A Consti-
que, na Europa, os Estados se apresentavam tuição assegura a brasileiros e a estrangeiros re-
com uma feição democrática, havia um tra- sidentes no país a inviolabilidade dos direitos
tamento discriminatório conferido a estran- concernentes à liberdade, à segurança e à propri-
geiros. Dispositivos constitucionais de tra- edade, nos seguintes termos... Tais normas se-
tamento igualitário entre nacionais e estran- riam repetidas, com variantes nas redações
geiros eram a exceção, naqueles sistemas quanto ao arrolamento dos direitos protegi-
jurídicos marcados por um grande chauvi- dos, nas Constituições de 1934 (art. 113, ins-
nismo decorrente da falta de migrações in- crito no Cap. II ementado Dos Direitos e das
ternas entre os Estados europeus da época. Garantias Individuais), de 1937 (art. 122, num
Nos jovens Estados da América, em par- item denominado Dos Direitos e Garantias
ticular no Brasil, a tradição sempre fora de Individuais), de 1946 (art. 141, no Cap. II
considerar-se o estrangeiro em pé de igual- ementado Dos Direitos e das garantias indivi-
dade com os nacionais. No caso do Brasil, duais), na E/C 1/69 (art. 153, no Cap. IV
tal tendência histórica, presente no Impé- denominado Dos Direitos e Garantias Indivi-
rio, fortalecer-se-ia no momento em que, após duais) e, finalmente, na atual Constituição
a abolição da escravatura, então se busca- da República Federativa do Brasil, de 1988,
va, na jovem República, substituir a mão- no caput do art. 5o, que constitui o Cap. I,
de-obra escrava pelo trabalho assalariado. Dos Direitos e Deveres Constitucionais e Coleti-
Nesse particular, houve um enorme incre- vos, inscrito no Título II, Dos Direitos e Ga-
mento da política de imigração e de coloni- rantias Fundamentais, assim redigido: Todos
zação rural, por parte do Estado brasileiro, são iguais perante a lei, sem distinção de qual-
que nada mais representava do que os an- quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
seios dos proprietários das grandes fazen- estrangeiros residentes no País a inviolabilida-
das de café, pela presença da mão-de-obra de do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
assalariada do trabalhador imigrante euro- segurança e à propriedade, nos termos seguin-
peu e japonês. tes:... Na verdade, o caput do referido art. 5o
Essas são as razões pelas quais, dado o da Constituição Federal brasileira de 1988
silêncio sobre os direitos dos estrangeiros, deve ser interpretado em conjunto com o §
da Constituição Política do Império do Bra- 2 o do mesmo art. 5 o, assim redigido: “Os di-

184 Revista de Informação Legislativa


reitos e garantias expressos nesta Consti- estrangeiros. O fato de estarem tais normas
tuição não excluem outros decorrentes do sobre não discriminação em artigos iniciais
regime e dos princípios por ela adotados, dos diplomas legais confirma o desiderato
ou dos tratados internacionais em que a dos Estados subscritores dos atos normati-
República Federativa do Brasil seja parte”. vos internacionais de, em primeiro lugar,
Se a distinção entre nacional e estran- terem eles instituído normas de natureza
geiro pode ter sido importante nos ordena- objetiva, que criam igualdades entre as pes-
mentos internos dos Estados, conforme já soas, e, em segundo lugar, de terem estabe-
enfatizamos, por razões da política de for- lecido normas procedimentais relacionadas
talecimento do Estado autocrático, na atua- à qualificação dos beneficiários de todas as
lidade, pela própria natureza dos Direitos outras normas de proteção aos direitos hu-
Humanos, os quais passaram a ser defini- manos. Sendo assim, os vários direitos subje-
dos em normas internacionais, não se po- tivos definidos, como o direito à vida, à pro-
deria imaginar aquela distinção, quando se priedade, a um trabalho digno, tanto podem
encara a natureza transnacional e o escopo ser referidos e destinados aos nacionais de
das normas protetoras da pessoa humana. um Estado, quanto aos estrangeiros domicili-
O próprio conceito de pessoa humana repe- ados ou nele residentes, ou, ainda, simples-
liria quaisquer distinções entre os integran- mente dirigidos a indivíduos presentes no seu
tes de tal categoria de entes, no referente a território ou submetidos à sua jurisdição.
direitos protegidos. Vale a pena repetir a Os tratados solenes multilaterais repe-
transcrição inteira do Art. II da Declaração tem tais normas da Declaração Universal
Universal dos Direitos do Homem, anteri- de 1945, conforme se pode verificar pela re-
ormente mencionada no presente trabalho: dação do art. 2o do Pacto Internacional de
Artigo II – 1. Toda pessoa tem ca- Direitos Civis e Políticos, assim redigido:
pacidade para gozar os direitos e as Artigo 2 o, § 1 o: Os Estados Partes
liberdades estabelecidos nesta Decla- no presente Pacto comprometem-se a
ração, sem distinção de qualquer es- respeitar e a garantir a todos os indi-
pécie, seja de raça, cor, sexo, língua, víduos que se encontrem em seu terri-
religião, opinião política ou de outra tório e que estejam sujeitos a sua juris-
natureza, origem nacional ou social, dição os direitos reconhecidos no pre-
riqueza, nascimento, ou qualquer ou- sente Pacto, sem discriminação algu-
tra condição. ma por motivo de raça, cor, sexo, lín-
2. Não será tampouco feita ne- gua, religião, opinião política ou de
nhuma distinção fundada na condi- outra natureza, origem nacional ou
ção política, jurídica ou internacional social, situação econômica, nascimen-
do país ou território a que pertença to ou qualquer outra condição31.
uma pessoa, quer se trate de um terri- As normas de proibição de discrimina-
tório independente, sob tutela, sem ção entre nacionais e estrangeiros, quanto à
governo próprio, quer sujeito a qual- aquisição e gozo dos direitos humanos, têm
quer outra limitação de soberania. sua mais acabada expressão nos tratados
Deve observar-se que tais normas dizem regionais de proteção aos direitos humanos.
respeito a proibições de discriminação en- Assim se encontram normas expressas na
tre possíveis classes que se queira instituir Convenção Européia para a Proteção dos
entre as pessoas, evidentemente com finali- Direitos Humanos e das Liberdades Fun-
dades discriminatórias, no que respeita a damentais (ROMA, 1950 apud TRINDADE,
todos os demais direitos definidos e prote- 1991, p. 401), no seu art. 14, que assim dis-
gidos; entre as possibilidades de discrimi- põe: “O gozo dos direitos e liberdades reco-
nações se acha a distinção entre nacionais e nhecidos na presente Convenção devem ser

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assegurados sem quaisquer distinções, tais ção da ONU, pediam uma regulamentação
como as fundadas no sexo, raça, cor, lín- internacional, no sentido de opor-se um di-
gua, opiniões políticas ou outras, a origem reito da pessoa humana a um pretenso di-
nacional ou social, o pertencer a uma mino- reito dos Estados de, discricionariamente,
ria nacional, a riqueza, o nascimento ou considerar quem bem entendesse como seus
qualquer outra situação”. Na América Lati- nacionais.
na, tais normas encontram-se assim redigi- Em tal perspectiva, a Declaração Univer-
das, no Pacto de San José da Costa Rica: sal dos Direitos do Homem declara no art.
Artigo 1o (Pacto de San José da Artigo XV, no § 1 o, verbis: “Toda pessoa tem
Costa Rica de 1969) – Obrigação de direito a uma nacionalidade, e no § 2 o, verbis:
respeitar os direitos. Ninguém será arbitrariamente privado de
1. Os Estados Partes nesta con- sua nacionalidade, nem do direito de mu-
venção comprometem-se a respeitar dar de nacionalidade”. A Declaração Ame-
os direitos e liberdades nela reconhe- ricana dos Direitos e Deveres do Homem
cidos e a garantir seu livre e pleno exer- consagra idêntica norma, no seu Artigo XIX,
cício a toda pessoa que esteja sujeita à assim redigido: “Toda pessoa tem direito à
sua jurisdição, sem discriminação al- nacionalidade que legalmente lhe corres-
guma por motivo de raça, cor, sexo, ponda, podendo mudá-la, se assim o dese-
idioma, religião, opiniões políticas ou jar, pela de qualquer outro país que estiver
de qualquer outra natureza, origem disposto a concedê-la”.
nacional ou social, posição econômi- No que respeita às normas constantes
ca, nascimento ou qualquer outra con- em tratados multilaterais regionais, merece
dição social. registro o fato de a Convenção Européia para
2. Para os efeitos desta Conven- a Proteção dos Direitos Humanos e das Li-
ção, pessoa é todo ser humano. berdades Fundamentais (Roma, 1950) silen-
Em que pese a repulsa da distinção, nas ciar a respeito do direito a uma nacionali-
normas de proteção à pessoa humana, en- dade32, da mesma forma que a Carta Africa-
tre as pessoas humanas, com base na ori- na dos Direitos Humanos e dos Povos. Na
gem nacional ou no nascimento, ainda per- Convenção Americana dos Direitos do Ho-
manecem questões relacionadas aos direi- mem, o famoso Pacto de San José da Costa
tos dos estrangeiros e que necessitam uma Rica, constam normas claras sobre o direito
definição normativa, no elenco dos própri- da pessoa humana a uma nacionalidade,
os direitos humanos protegidos. Neste par- nos seguintes termos:
ticular, a nacionalidade, que, desde sempre, Artigo 20 – Direito à nacionalidade.
era considerada um status conferido a um 1. Toda pessoa tem direito a uma
indivíduo, por direito exclusivo do Estado, nacionalidade.
como se viu, em especial naqueles momen- 2. Toda pessoa tem direito à naci-
tos de agudas crises internacionais, como onalidade do Estado em cujo territó-
as guerras, durante as quais era necessário rio houver nascido, se não tiver direi-
o Estado contar com um exército compulso- to a outra.
riamente formado por seus nacionais, a par- 3. A ninguém se deve privar arbi-
tir da Declaração Universal dos Direitos do trariamente de sua nacionalidade
Homem, de 1948, passa a nacionalidade a nem do direito de mudá-la.
ser considerada como um direito subjetivo Merece registro um interessante dispo-
do indivíduo. As atribuições compulsórias sitivo constante da Carta dos Direitos Hu-
de nacionalidades, as mudanças maciças e manos dos Povos no Mundo Árabe, apro-
involuntárias de nacionalidades, que eram vada em 15/09/1994, pelo Conselho da Liga
freqüentes na Europa de antes da constitui- dos Estados Árabes, na qual consta o art.

186 Revista de Informação Legislativa


36, assim redigido: “Todo cidadão tem di- dades das demais pessoas, e que se-
reito a uma nacionalidade. Tem direito de jam compatíveis com os outros direi-
trocá-la e mantê-la juntamente com qualquer tos reconhecidos no presente Pacto.
outra nacionalidade árabe. Tem direito de 4. Ninguém poderá ser privado
passar sua nacionalidade a seus filhos sem arbitrariamente do direito de entrar
discriminação a este respeito entre homens em seu próprio país.
e mulheres”33. Artigo 13.
Dois direitos, com íntima relação aos di- Um estrangeiro que se encontre le-
reitos dos estrangeiros, dizem respeito: a) à galmente no território de um Estado
liberdade de ir e vir, seja entre dois ou mais Parte no presente Pacto só poderá dele
países, seja no interior do país em que se ser expulso em decorrência de decisão
encontram domiciliados e b) o direito de não adotada em conformidade com a lei e,
serem os estrangeiros expulsos de um país, a menos que razões imperativas de se-
sem um fundamento jurídico e somente após gurança nacional a isso se oponham,
o devido processo legal. São direitos subje- terá a possibilidade de expor as razões
tivos dos estrangeiros, aos quais os textos que militem contra sua expulsão e de
normativos internacionais multilaterais ter seu caso reexaminado pelas autori-
conferem um tratamento particular. dades competentes, ou por uma ou vá-
Assim, na Declaração Universal, há o rias pessoas especialmente designadas
Artigo XIII, assim redigido: Ҥ 1o РToda pelas referidas autoridades, e de fazer-
pessoa tem direito à liberdade de locomo- se representar com esse objetivo.
ção e residência dentro das fronteiras de Na Convenção Européia sobre Direitos
cada Estado. § 2 o – Toda pessoa tem o direi- Humanos e Liberdades Fundamentais,
to de deixar qualquer país, inclusive o pró- nada consta quanto ao direito dos estran-
prio, e a este regressar”. Na Declaração geiros de fixar residência, de não serem ex-
Americana, há o artigo Artigo VIII com a pulsos ou de seu direito subjetivo de ir e vir.
seguinte redação: “Toda pessoa tem direito Contudo, o tema é versado, de maneira trans-
de fixar sua residência no território do Esta- versal, na Carta Social Européia, adotada
do de que é nacional, de transitar por ele em Turim, a 18 de dezembro de 1961, § 18 e
livremente e de não abandoná-lo senão por § 19 da Parte I e o art. 19, ementado: “Direi-
sua própria vontade”. to dos trabalhadores migrantes e das suas
No Pacto Internacional das Nações Uni- famílias à proteção e à assistência” 34.
das sobre Direitos Civis e Políticos, há os Na Convenção Americana sobre Direi-
relevantes Art. 12 e Art. 13, assim redigidos: tos Humanos (Pacto de San José da Costa
Artigo 12. Rica), há um particular artigo destinado a
1. Toda pessoa que se encontre le- regular o direito de circulação, de nacionais
galmente no território de um Estado e de estrangeiros, e o direito de fixar resi-
terá o direito de nele livremente circu- dência. Trata-se do Art. 22, assim redigido:
lar e escolher sua residência. Artigo 22 – Direito de circulação e
2. Toda pessoa terá o direito de de residência.
sair livremente de qualquer país, in- 1. Toda pessoa que se ache legal-
clusive de seu próprio país. mente no território de um Estado tem
3. Os direitos supracitados não direito de circular nele e de nele resi-
poderão constituir objeto de restrições, dir em conformidade com as disposi-
a menos que estejam previstas em lei e ções legais.
no intuito de proteger a segurança 2. Toda pessoa tem o direito de
nacional e a ordem, saúde ou moral sair livremente de qualquer país, in-
públicas, bem como os direitos e liber- clusive do próprio.

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3. O exercício dos direitos acima residência no interior de um Estado,
mencionados não pode ser restringi- sob reserva de se conformar às regras
do senão em virtude de lei, na medida prescritas na lei.
indispensável, em uma sociedade de- 2. Toda pessoa tem direito de sair
mocrática, para prevenir infrações de qualquer país, incluindo o seu, e
penais ou para proteger a segurança de regressar ao seu país. Este direito
nacional, a segurança ou a ordem só pode ser objeto de restrições previs-
públicas, a moral ou a saúde públi- tas na lei, necessárias para proteger a
cas, ou os direitos e liberdades das segurança nacional, a ordem pública,
demais pessoas. a saúde ou a moralidade públicas.
4. O exercício dos direitos reconhe- 3. Toda pessoa tem direito, em
cidos no inciso 1 pode também ser res- caso de perseguição, de buscar e de
tringido pela lei, em zonas determina- obter asilo em território estrangeiro,
das, por motivo de interesse público. em conformidade com a lei de cada
5. Ninguém pode ser expulso do país e as convenções internacionais.
território do Estado do qual for nacio- 4. O estrangeiro legalmente admi-
nal nem ser privado do direito de nele tido no território de um Estado Parte
entrar. na presente Carta só poderá ser ex-
6. O estrangeiro que se ache legal- pulso em virtude de uma decisão con-
mente no território de um Estado Par- forme com a lei.
te nesta Convenção só poderá dele ser 5. A expulsão coletiva de estran-
expulso em cumprimento de decisão geiros é proibida. A expulsão coletiva
adotada de acordo com a lei. é aquela que visa globalmente grupos
7. Toda pessoa tem o direito de nacionais, raciais, étnicos ou religiosos.
buscar e receber asilo em território es- Claro está que muitos desses direitos que
trangeiro, em caso de perseguição por aparentemente se referem aos estrangeiros
delitos políticos ou comuns conexos podem também ser referidos aos nacionais
com delitos políticos e de acordo com dos Estados, como o direito de ir e vir e de
a legislação de cada Estado e com as fixar residência no território dos Estados.
convenções internacionais. Contudo, há situações críticas, em determi-
8. Em nenhum caso o estrangeiro nados países e em certas ocasiões (em parti-
pode ser expulso ou entregue a outro cular, naquelas de grande alterações da or-
país, seja ou não de origem, onde seu dem jurídica interna, como golpes de esta-
direito à vida ou à liberdade pessoal do ou revoluções), em que, mesmo os nacio-
esteja em risco de violação por causa nais de um Estado, não gozam de qualquer
da sua raça, nacionalidade, religião, proteção de seus direitos humanos, e pas-
condição social ou de suas opiniões sam a ser tratados com o mesmo grau de
políticas. desrespeito que os estrangeiros.
9. É proibida a expulsão coletiva
de estrangeiros. VIII – As três novas vertentes do
Na Carta Africana dos Direitos Huma- Direito dos Estrangeiros: o Direito de
nos e dos Povos, encontram-se dispositivos
Asilo, o Direito dos Refugiados e o
assemelhados aos do art. 22 do Pacto de San
Jose da Costa Rica, acima transcrito, com a
Direito Humanitário
seguinte redação: Com a elevação do nível normativo dos
Artigo 12. Direitos Humanos a um patamar de normas
1. Toda pessoa tem direito de cir- internacionais, o que lhes conferiu uma per-
cular livremente e de escolher a sua tinência a valores universais e lhe marcou

188 Revista de Informação Legislativa


como um campo de responsabilidade de as missões diplomáticas estrangeiras, os
toda comunidade internacional, a partir do navios militares, aeronaves militares ou
fim da Segunda Guerra Mundial, institutos acampamentos militares de outros Estados,
que existiam no Direito Internacional Pú- autorizados a estacionarem no território do
blico ganharam uma renovada expressão. Estado (o asilo será concedido pelas autori-
Daqueles que mais diretamente dizem res- dades estrangeiras encarregadas de tais lo-
peito aos direitos humanos dos estrangei- cais: o Chefe da Missão diplomática, os co-
ros, destacam-se: o instituto do asilo políti- mandantes militares dos navios, aeronaves
co (na sua dupla versão, do asilo diplomáti- ou acampamentos militares).
co e do asilo territorial), o instituto do refu- A Declaração Universal dos Direitos do
giado e, enfim, os novos conteúdos que Homem, de 1948, bem descreve o instituto
foram atribuídos ao Direito Humanitário, do asilo, nos seguintes termos:
na sua origem histórica, concebido para Artigo XIV – 1. Toda pessoa víti-
a proteção da pessoa humana em tempos ma de perseguição tem o direito de
de guerra. procurar e de gozar asilo em outros
O instituto do asilo político é antigo, re- países.
portando-se a tempos da Grécia clássica, em 2. Este direito não pode ser invo-
que havia lugares consagrados aos deuses cado em caso de perseguição legitima-
ou ao culto das divindades, que podiam mente motivada por crimes de direito
abrigar pessoas perseguidas pelas autori- comum ou por atos contrários aos pro-
dades ou pela populaça, desde que neles pósitos e princípios das Nações Uni-
entrassem. Foi praticado na Idade Média, das.
em conventos, cemitérios, lugares que, por A Declaração Americana dos Direitos e
sua dedicação a Deus ou a santos, recebiam Deveres do Homem, de 1948, repete tais
o maior respeito das autoridades leigas, in- normas, no seu Artigo XXVII, assim redigi-
clusive quanto à sua sacralidade. A invio- do: “Toda pessoa tem o direito de procurar
labilidade de determinados locais foi, com e receber asilo em território estrangeiro, em
o nascimento do Estado moderno, atribuí- caso de perseguição que não seja motivada
da a locais dedicados às missões diplomá- por delitos de direito comum, e de acordo
ticas ou com outras atribuições, nos quais com a legislação de cada país e com as con-
um Estado estrangeiro pudesse exercer suas venções internacionais”.
funções num outro Estado (como os acam- Deve dizer-se que nem os dois Pactos da
pamentos militares autorizados a serem lo- ONU, nem a Convenção Européia incorpo-
calizados no território de um outro Estado, ram tais normas. Unicamente o Pacto de San
navios militares, em águas territoriais de José da Costa Rica (no art. 22, § 7 o anterior-
outros Estados, e, na atualidade, aeronaves mente transcrito) e a Carta Africana dos Di-
militares). reitos dos Povos (Art. 12 § 3 o)35 consagram o
Trata-se de uma situação de conturba- instituto.
ção local, em um país, e que apresenta gran- Bem antes de o instituto do asilo político
de perigo para a pessoa, que se acha perse- ter sido consagrado nos textos internacio-
guida, por motivos políticos, em seu próprio nais multilaterais, teve ele um grande de-
país, a qual busca asilo, de duas maneiras: senvolvimento entre os países da América
a) ao entrar no território de outro Estado (en- Latina, onde se aperfeiçoou, por usos e cos-
trada urgente e irregular, sem qualquer vis- tumes. No correr do Séc. XX, foi consagrado
to de entrada ou mesmo sem a permissão em quatro convenções multilaterais regio-
das autoridades locais), diferente daquele nais, das quais as mais modernas são as
onde se encontra ou b) ao entrar nos locais duas assinadas em Caracas em março de
protegidos pelo Direito Internacional, como 1954 que representam sensíveis melhoras

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das anteriores 36: a “Convenção sobre Asilo i) o Estado asilante não é obrigado a conce-
Diplomático” e a “Convenção sobre Asilo der permanência a um asilado, mas não o
Territorial”. Assinadas por todos Estados poderá mandar de volta a seu país de ori-
latino-americanos membros da OEA, por- gem, salvo por vontade expressa do asila-
tanto, com exceção dos países anglófonos 37, do: j) enfim, o asilo diplomático não estará
e ratificadas pela maioria dos signatários 38, sujeito à reciprocidade, e qualquer pessoa,
as duas Convenções de Caracas podem ca- seja qual for sua nacionalidade, pode estar
racterizar-se como a expressão de um Direi- sob sua proteção (art. XX, id., no qual, con-
to Internacional Público Sub-Regional na tudo, nada diz a respeito dos apátridas).
América Latina, vigente entre os países lati- Os grandes traços do asilo territorial, nos
no-americanos do Continente americano. termos da Convenção de Caracas sobre Asi-
Os grandes traços do instituto do asilo lo Territorial de 1954, são os seguintes: a)
diplomático, conforme sua regulamentação nenhum Estado é obrigado a entregar a ou-
pela citada Convenção de Caracas sobre tro Estado ou a expulsar de seu território
Asilo Diplomático de 195439, podem assim pessoas perseguidas por motivos ou delitos
ser descritos: a) o asilo diplomático é conce- políticos (art. III); b) “a extradição não se
dido a pessoas perseguidas por motivos ou aplica, quando se trate de pessoas que, se-
delitos políticos (portanto, evitando-se as gundo a classificação do Estado suplicado,
discussões sobre a necessidade de haver sejam perseguidas por delitos políticos ou
qualquer procedimento administrativo ou delitos comuns, cometidos com fins políti-
judicial contra os asilados); b) o direito de cos, nem quando a extradição for solicitada
concessão do asilo pertence ao Estado, que obedecendo a motivos predominantemente
não se acha obrigado a concedê-lo, nem a políticos” (art. IV); c) o Estado não se encon-
declarar por que o nega; c) não se concede tra obrigado a estabelecer distinções entre
asilo diplomático a pessoas acusadas, pro- os estrangeiros, para discriminar os asila-
cessadas ou condenadas por delitos co- dos, na sua legislação interna, nem a aten-
muns; d) compete ao Estado asilante quali- der a pedidos de outro Estado, a adotar me-
ficar a natureza do delito ou dos motivos da didas excepcionais contra asilados, por
perseguição; e) o asilo diplomático pressu- motivos de opinião contrária àquele ou na
põe casos de urgência e pelo tempo estrita- sua liberdade de reunião; d) no caso de ha-
mente indispensável a que o asilado deixe o ver um pedido de internamento ou de vigi-
país, com as garantias acordadas pelo Esta- lância de asilados que se encontrem no ter-
do territorial, cabendo ao Estado asilante ritório do Estado asilante, feito pelo Estado
tipificar o que seja urgência; f) o Estado ter- de onde procedeu o asilado, o internamento
ritorial pode a qualquer momento exigir que deverá ser feito a uma distância prudente
o asilado seja retirado do país, para o que das fronteiras, e as despesas ocorridas de-
deverá conceder um salvo-conduto e as ga- verão ser suportadas pelo Estado que o soli-
rantias necessárias para tanto (art. XI da citar (art. IX e seus §§).
Convenção de Caracas de 1954); g) “conce- O asilo diplomático persiste sendo um
dido o salvo-conduto, o Estado asilante po- instituto tipicamente latino-americano, em-
derá pedir a saída do asilado para o territó- bora tenha havido casos históricos isolados,
rio estrangeiro, sendo o Estado territorial em outras partes do mundo, como foi o de
obrigado a conceder, imediatamente, salvo os EUA terem concedido asilo diplomático
caso de força maior, as garantias necessári- a dois eminentes Cardeais da Igreja Católi-
as” (art. XII, id); h) os asilados não poderão ca, Cardeal Mindszenti e Cardeal Wichinky,
ser desembarcados em ponto algum do Es- respectivamente, em suas missões diplomá-
tado territorial, em lugar que dele esteja pró- ticas em Budapeste e em Varsóvia, ao tempo
ximo, salvo por necessidade de transporte; da Guerra Fria e da intervenção armada da

190 Revista de Informação Legislativa


então URSS. Tais pessoas, no entanto, fo- restres ou marítimas, sem quaisquer docu-
ram conservadas praticamente como prisi- mentos autorizatórios do Governo brasilei-
oneiras das missões diplomáticas, por lon- ro, com a expectativa de beneficiar-se da
gos anos, à vista da recusa de concessão de proteção das normas internacionais e con-
salvo-conduto por parte das autoridades seguir a condição de asilado, a ser definida
locais. quando a pessoa já se encontra no território
Quanto ao asilo territorial, tendo em vis- nacional), quanto pelo asilo diplomático (en-
ta as citadas normas da Declaração Univer- trada em portos ou aeroportos internacio-
sal dos Direitos do Homem sobre asilo, os nais brasileiros, de posse de um salvo-con-
Estados, por intermédio da ONU, debruçar- duto concedido pelo Governo brasileiro
se-iam sobre o assunto, numa tentativa de quando o asilado se encontrava em lugares
elaborar normas internacionais globais a no exterior susceptíveis de abrigar um pos-
respeito. Assim sendo, a 14/12/1967, a XXII tulante a asilo, na condição de asilado já
Assembléia Geral da ONU adotaria, por reconhecida pelo mesmo). As regras gerais
unanimidade, a Resolução 2.314, denomi- são de que, ao asilado político, apliquem-se
nada “Declaração sobre Asilo Territorial” as normas brasileiras relativas aos estran-
(TRINDADE, 1991, p. 276-278), que, no seu geiros, bem como as que lhe impõe o Direito
preâmbulo, após recordar os já menciona- Internacional ou as que o Governo brasilei-
dos art. 13 § 1 o e art. 14 da Declaração Uni- ro lhe fixar (a ex.: fixação de residência em
versal dos Direitos do Homem, e expressa- determinados locais, no Brasil, em geral,
mente reconhecer que “a concessão de asilo longe das fronteiras do Estado de sua naci-
por um Estado a pessoas que tenham direi- onalidade ou residência, ao tempo anterior
to de invocar o artigo 14 da Declaração Uni- da concessão do asilo, cf. art. 28 do Estatuto
versal... é um ato pacífico e humanitário e do Estrangeiro). O art. 29 impõe ao asilado
que, como tal, não pode ser considerado ina- político o dever de somente sair do território
mistoso por nenhum outro Estado”, reco- nacional com a prévia autorização do Go-
menda que, “sem prejuízo dos instrumen- verno brasileiro, sob pena de considerar-se
tos existentes sobre o asilo e o estatuto dos renúncia ao asilo, o que impedirá o reingres-
refugiados e apátridas, os Estados se inspi- so, naquela condição (art. 29 e seu parágra-
rem, em sua prática relativa ao asilo territo- fo único, do Estatuto do Estrangeiro).
rial”40. É necessário enfatizar que, mesmo ten-
No Brasil, as normas sobre entrada e do havido somente na Constituição Federal
permanência no território nacional de asi- de 198842 normas sobre o asilo político, nos
lados, que são estrangeiros, regem-se pelo seguintes termos: “a República Federativa
denominado “Estatuto dos Estrangeiros” do Brasil rege-se nas suas relações interna-
(Lei n o 6.815 de 19/08/1980, com as altera- cionais pelos seguintes princípios: ... X –
ções da Lei n o 6.964 de 09/12/81 e um sem concessão de asilo político”, e que tais pre-
número de outros atos normativos como o ceitos constitucionais eram inexistentes nas
Regulamento expedido pelo Decreto n o Constituições anteriores, o País, desde sem-
86.715 de 10/12/1981 e outras normas da pre, reconheceu, respeitou e aplicou, incon-
legislação complementar ou correlata)41. No táveis vezes, os princípios relativos à prote-
Título III, integrado por dois únicos artigos, ção dos asilados no território nacional, seja
28 e 29, o Estatuto dos Estrangeiros regula a aqueles que solicitaram e obtiveram asilo, já
condição do asilado, que a Lei denomina dentro do território nacional, seja aqueles
“asilado político” e que a doutrina e práti- que estavam asilados em missões diplomá-
cas nacionais têm considerado como refe- ticas brasileiras no exterior, ou outros luga-
rente tanto ao estrangeiro beneficiado pelo res no exterior susceptíveis de oferecer asilo
asilo territorial (entrada pelas fronteiras ter- e que foram encaminhados ao citado terri-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 191


tório nacional. Por outro lado, em momen- da Haia relativas a prisioneiros de guerra
tos de golpes de Estado, de revoluções ou de ou à proteção de não combatentes, não con-
sublevações internas graves, o Governo bra- templavam aquelas situações. Por tais ra-
sileiro concedeu salvo-condutos a brasilei- zões, os Estados encarregaram a Sociedade
ros asilados em missões diplomáticas sedi- das Nações de disciplinar e tentar resolver
adas no Rio de Janeiro, então Capital Fede- o assunto, no imediato pós-guerra, dados
ral do País, e, na hipótese de asilo territorial os agudos problemas na Europa43.
concedido a brasileiros no exterior, respei- De uma relevante experiência assisten-
tou as regras internacionais, pois não rom- cial no Entre-Guerras, como rescaldo da Pri-
peu com as relações diplomáticas com os meira Guerra Mundial e dos problemas re-
países asilantes, da mesma forma que, se sultantes da Revolução Bolchevista na Rús-
não teve a prudência de abster-se de solici- sia e da instalação do III Reich na Alema-
tar extradição, soube dar às justas negati- nha, bem como a situação verdadeiramente
vas de concessão de extradição ou de entre- catastrófica das pessoas deslocadas que a
ga dos asilados as devidas proporções. Segunda Guerra Mundial deixou na Euro-
O refúgio, que por vezes, em evidente e pa44, todos os anteriores esforços empreen-
desnecessária confusão conceitual, tem sido didos sob a égide a ONU45 resultariam na
confundido com o instituto do asilo políti- instituição, pela Assembléia Geral da ONU,
co, sendo que obras doutrinárias fazem mes- de um órgão sediado em Genebra, o Alto
mo a errônea sinonímia entre asilado e refu- Comissariado das Nações Unidas para os
giado, é um instituto regulado por normas Refugiados, o ACNUR. Deve notar-se que o
multilaterais globais (e não regionais, como ACNUR foi a instituição que sobrou de to-
no caso do asilo político), editadas sob a dos os esforços dos Estados então integran-
égide da ONU, e, portanto, submetidas a um tes do denominado Bloco Ocidental, na cons-
regime de verificação de sua adimplência, tituição de uma organização especializada
por um órgão internacional, o Alto Comis- das Nações Unidas, esforços esses fracas-
sariado das Nações Unidas para os Refugi- sados devido à oposição do Bloco socialis-
ados, o ACNUR, com sede em Genebra. ta, para cujos Estados a questão dos refugi-
A proteção dos refugiados é um tema re- ados era uma daquelas que se inseriam no
lativamente novo, no Direito Internacional, denominado “domínio reservado dos Esta-
pois, embora a situação calamitosa de gran- dos”, numa retórica própria do auge da
de número de pessoas ficasse, ao final das Guerra Fria.
guerras, em todos os tempos, num estado de Por decisiva influência do ACNUR e sob
extrema penúria, algumas deportadas e per- seu patrocínio, a 26 de julho de 1951, numa
seguidas, outras desabrigadas e vítimas de conferência diplomática multilateral reuni-
epidemias e de fome, outras ainda despro- da em Genebra, os Estados adotaram um
vidas de uma nacionalidade ou com bru- projeto então apresentado pelo referido
tais mutações de sua nacionalidade (decor- ACNUR, que se transformaria na Conven-
rentes de anexações territoriais), foi somen- ção sobre o Estatuto dos Refugiados, consi-
te ao final da Primeira Guerra Mundial, da- derada a Magna Carta dos refugiados. Um
das as proporções alarmantes do número dos mais importantes elementos dessa Con-
de pessoas envolvidas, que o fenômeno re- venção reside no fato de caracterizar-se
ceberia a atenção dos Estados. Em 1919, os como um documento normativo multilate-
Estados já constatavam a lacuna existente. ral, que não só tipifica o status de refugiado
No relativo a tais pessoas deslocadas, pois e institui seus direitos subjetivos, por meio
tanto das incipientes normas do Direito de um arrolamento dos mesmos, mas tam-
Humanitário (Cruz Vermelha), naquele pe- bém institui obrigações aos Estados Partes
ríodo histórico, quanto daquelas do Direito de respeitarem tal status, com o esclarecimen-

192 Revista de Informação Legislativa


to dos deveres de os Estados Partes interna- A definição de refugiado, nas normas
lizarem, nos respectivos ordenamentos ju- internacionais da atualidade, é a seguinte:
rídicos nacionais, as normas protetoras as- “qualquer pessoa... que... temendo ser per-
sim definidas. Deve ser ressaltado que aque- seguida por motivos de raça, religião, naci-
le tratado multilateral centraliza, num úni- onalidade, grupo social ou opiniões políti-
co órgão da ONU, o Alto Comissário das cas, se encontra fora do país de sua nacio-
Nações Unidas para os Refugiados, junta- nalidade e que não pode ou, em virtude des-
mente com seus auxiliares, as tarefas con- se temor, não quer valer-se da proteção des-
cernentes à implementação e à aplicação se país, ou que, se não tem nacionalidade e
eficaz das normas internacionais específi- se encontra fora do país no qual tenha sua
cas 46. No Brasil, a Convenção sobre o Esta- residência habitual em conseqüência de tais
tuto dos Refugiados foi promulgada pelo acontecimentos, não pode ou, devido ao re-
Decreto 50.215 de 28/01/1961. ferido temor, não quer voltar a ele” (art. 1o
Deve ressaltar-se que a Convenção so- Seção A § 2 o da Convenção, com a redação
bre o Estatuto dos Refugiados somente com- dada pelo Protocolo de 67). No Brasil, mes-
preendia “acontecimentos antes de 1 o de ja- mo estando vigentes como direito interno
neiro de 1951”, portanto, ocorridos na Eu- os dispositivos da Convenção e do Protoco-
ropa e ligados aos fatos da Segunda Guerra lo, foi editada a Lei 9.474 de 22 de julho de
Mundial e aos rescaldos da Primeira Guer- 1997 (ANDRADE, 1996b, p. 7-12), que defi-
ra Mundial. Logo os Estados sentiram a ur- ne mecanismos para a implementação do Estatu-
gente necessidade de modernizar os dispo- to dos Refugiados de 1951 e determina outras
sitivos sobre proteção dos refugiados, alar- providências, na qual a definição da Conven-
gando-se a vigência temporal das normas ção de 1951 foi transcrita, conforme as op-
protetoras, e, sobretudo, sua abrangência ções possíveis que aquela Convenção per-
espacial, para poder compreender fenôme- mite e que foram eleitas pelo legislador bra-
nos de deslocamentos individuais e maci- sileiro, nos seguintes termos:
ços de grandes contingentes populacionais, Art. 1 o Será reconhecido como re-
ainda na Europa (não só as imigrações ma- fugiado todo indivíduo que:
ciças das antigas colônias africanas em di- I – devido a fundados temores de
reção aos países das antigas metrópoles, perseguição por motivos de raça, reli-
bem como os movimentos migratórios inter- gião, nacionalidade, grupo social ou
nos com o esfacelamento do Bloco Socialis- opiniões políticas encontre-se fora de
ta), na Ásia, na América Latina (aconteci- seu país de nacionalidade e não pos-
mentos relacionados a migrações de países sa ou não queira acolher-se à prote-
da América Central em direção ao México) ção de tal país;
e, em particular, na África (as guerras civis II – não tendo nacionalidade e es-
intermitentes, com os constantes massacres tando fora do país onde antes teve sua
de inteiras etnias). Foi assim que os Estados residência habitual, não possa ou não
Partes daquela Convenção, em 31 de janei- queira regressar a ele, em função das
ro de 1967, na sede da ONU, em Nova York, circunstâncias descritas no inciso an-
assinariam o Protocolo sobre o Estatuto dos terior;
Refugiados (no Brasil, promulgado pelo [III – devido à grave e generalizada
Decreto 70.946 de 07/08/1972)47, cujo dis- violação de direitos humanos, é obrigado
positivo principal foi ter considerado a de- a deixar seu país de nacionalidade para
finição de refugiado, constante naquela Con- buscar refúgio em outro país].
venção, sem a constância das referências aos Deve notar-se que o inciso III, do artigo
acontecimentos anteriores a 1 o de janeiro de transcrito, entre colchetes e em itálico, con-
1951. tém normas que inexistem na Convenção de

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 193


1951 e seu Protocolo de 1967, tendo sido no art. 34, determina que a solicitação de
introduzido no ordenamento jurídico bra- refúgio suspenderá, até decisão definitiva,
sileiro, a fim de compatiblizar seus disposi- qualquer processo de extradição pendente,
tivos, no tema da proteção dos refugiados, em fase administrativa ou judicial, baseado
com os princípios da Declaração de Carta- nos fatos que fundamentaram a concessão
gena de 22 de novembro de 1984, que tor- de refúgio; e c) no art. 35, determina que,
nou as normas da ONU mais apropriadas a para os efeitos dos artigos 33 e 34, qualquer
situações na América Latina48. solicitação de reconhecimento como refugi-
Como já acentuamos, no ordenamento ado deverá ser comunicada ao órgão onde
jurídico nacional do Brasil, mesmo após ter tramitar o processo de extradição.
havido uma internalização das normas do Deve notar-se o extremo cuidado com que
Estatuto dos Refugiados, conforme estabe- o sistema jurídico brasileiro tem regulamen-
lecidas pela Convenção de 1951 e seu Pro- tado o instituto do refugiado. Ademais de
tocolo de 1967, foi, como se disse, editada a haver transformado as normas internacio-
referida Lei 9.474 de 22 de julho de 1997 nais em dispositivos do ordenamento jurí-
(ANDRADE, 1997, p. 149-164), que “define dico interno do Brasil, segundo as suas ne-
mecanismos para a implementação do Es- cessidades e potencialidades, foi instituí-
tatuto do Refugiado de 1951, e determina do, no âmbito do Ministério da Justiça, como
outras providências”, inclusive com as nor- órgão de deliberação coletiva, o Conselho
mas e a filosofia da Declaração de Cartage- Nacional para os Refugiados, CONARE,
na. Essa Lei concede ao refugiado os direi- integrado por representantes dos Ministéri-
tos e deveres específicos, diferenciados da- os da Justiça, das Relações Exteriores, do
queles que, no ordenamento jurídico nacio- Trabalho, da Saúde, da Educação e Despor-
nal, são conferidos e exigidos dos estran- tos, do Departamento da Polícia Federal, de
geiros, inclusive dos asilados, tendo em vis- uma ONG que se dedique a atividades de
ta a remissão expressa à Convenção sobre o assistência e proteção dos refugiados no
Estatuto dos Refugiados de 1951 e ao seu Brasil (a presente, a CARITAS, entidade bra-
Protocolo de 1967 (o que implica a introdu- sileira, representada pela Caritas Arquidio-
ção, no sistema jurídico interno do Brasil, cesana do Rio de Janeiro e a de São Paulo) e,
daqueles tratamentos diferenciados institu- enfim , como convidado, o ACNUR, com
ídos pelas normas internacionais, em rela- direito a voz mas sem voto. Mister referir-se,
ção aos direitos e deveres conferidos e exigi- igualmente, à ativa participação da OAB,
dos dos estrangeiros em geral) e reproduz por suas Seções de São Paulo e do Rio de
as normas relacionadas à entrada, pedido Janeiro, que, por um “Convênio sobre As-
de refúgio, proibições ao rechaço49, à depor- sistência Jurídica e Entrevistas a Refugia-
tação e à expulsão. dos e Solicitantes de Refúgio” 50, celebrado
Uma notável novidade da Lei brasileira com o ACNUR (treinamento, assistência em
reside no fato de que ela regula um assunto questões técnicas e informações sobre a si-
que não consta na Convenção sobre o Esta- tuação em outros países) e a CARITAS (re-
tuto dos Asilados e no Protocolo de 1967: a cursos financeiros e assistência moral e re-
questão da extradição dos refugiados. As ligiosa às pessoas), participa, em entrevis-
normas encontram-se em três artigos, do seu tas com postulantes a refugiados, as ques-
Título V, “Dos Efeitos do Estatuto de Refu- tões da admissibilidade de conceder-se o
giados sobre a Extradição e a Expulsão”: a) estatuto aos mesmos, com a emissão de um
no art. 33, manda sustar qualquer pedido Parecer, a ser aprovado pelo CONARE.
de extradição formulado em relação a um Enfim, é mister enfatizar as fundamen-
refugiado, e que tenha por base os fatos que tais diferenças que existem entre de um lado,
fundamentaram a concessão de refúgio; b) o instituto do asilo político, conforme regu-

194 Revista de Informação Legislativa


lado nos usos e costumes regionais da Amé- tra a paz, um crime de guerra ou um crime
rica Latina, nas convenções multilaterais contra a humanidade, no sentido dos ins-
regionais vigentes nos países latino-ameri- trumentos internacionais elaborados para
canos e na Resolução 2.314, da AG da ONU, prever tais crimes, bem como proibições de
denominada Declaração sobre Asilo Territori- conceder refúgio a pessoas culpadas de atos
al, e de outro, o instituto do refúgio, confor- contrários aos fins e princípios das Nações
me regulado na Convenção sobre o Estatuto Unidas. As discussões sobre tratar-se de cri-
dos Refugiados de 1951 e no seu Protocolo me de direito comum ou de um crime políti-
de 1967, de cuja aplicação se encontra en- co, que são centrais nas convenções sobre
carregado um órgão da ONU, o ACNUR51. asilo, uma vez que determinantes da con-
Preliminarmente, é necessário dizer que as cessão de asilo político a pessoas persegui-
convenções multilaterais regionais sobre das em seus países de origem ou residência
asilo político têm uma vigência parcial, mes- permanente, são irrelevantes na questão do
mo entre os Estados Latino-americanos, ao Estatuto dos Refugiados, em que às motiva-
passo que a Convenção de 1951 e o Protoco- ções políticas para a perseguição, e mais
lo de 1976 relativos ao Estatuto dos Refugi- ainda, para a insustentabilidade de uma
ados, além de serem convenções mundiais, pessoa permanecer em seu país de origem
têm maior aceitação entre os Estados Lati- ou residência permanente, somam-se ques-
no-Americanos, tendo em vista que somen- tões relacionadas a motivos religiosos, de per-
te Cuba e México não os assinaram. Dito tencimento a determinados grupos sociais.
isso, os principais traços característicos do Tal exercício de comparação entre os
instituto do refúgio internacional são: a) os institutos do asilo político e do refugiado,
Estados Partes, naqueles instrumentos in- sem dúvida, serve de apoio às considera-
ternacionais, não têm a discricionariedade ções científicas sobre as diferenças funda-
de conceder ou não o refúgio: dadas as con- mentais entre ambos. Mas, igualmente, ser-
dições objetivas para sua concessão, terão o ve para afastar os argumentos daqueles au-
dever de proceder afirmativamente: b) o con- tores brasileiros que sustentam que a prote-
trole da aplicação das normas convencio- ção dos asilados, no ordenamento jurídico
nais sobre refúgio depende de órgãos inter- nacional, tem sua base constitucional no
nacionais, ficando, portanto, a responsabi- inciso X do art. 4o da Constituição Federal
lidade dos Estados por inadimplência de de 1988, recorde-se: “A República Federati-
seus deveres, no regime de violação de nor- va do Brasil rege-se, nas suas relações inter-
mas específicas, sob controle de órgãos in- nacionais, pelos seguintes princípios:... X-
ternacionais multilaterais; c) os motivos para concessão de asilo político”. A nosso ver,
a concessão de refúgio não são as simples esse dispositivo serve, como se pode dedu-
perseguições por motivos políticos, mas ain- zir de seu enunciado, unicamente ao asilo
da outras, por motivos de raça, grupo soci- político, o que não significa que o instituto
al, religião; d) há deveres precisos de os Es- do refúgio não tenha uma base constitucio-
tados Partes concederem aos refugiados nal! Tem, sim: no mesmo art. 4o, porém no
documentos de identidade e de viagem, e, inciso “II – prevalência dos direitos huma-
no caso brasileiro, proibições expressas de nos” e no inciso “IX – cooperação entre os
deportação aos postulantes e casos particu- povos para o progresso da humanidade”!
lares de proibições de expulsão e de extra- Enfim, qualquer estudo, nos dias atuais,
dição aos refugiados, e d) por tratar-se de sobre a proteção dos direitos dos estrangei-
um instituto regulamentado sob a égide da ros, na ótica dos direitos humanos, não po-
ONU, as normas que regem o refúgio têm deria deixar de referir-se às novas dimen-
salvaguardas de denegação de refúgio a sões do Direito Humanitário, que, de um
pessoas que tenham cometido um crime con- corpo de normas jurídicas destinado à pro-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 195


teção da pessoa humana em tempos de guer- estudioso do assunto, é mister notar-se que
ra, passaram a ter aplicação, em determina- “a quase totalidade das disposições das anti-
das situações, em tempos de paz. gas Convenções da Haia, relativas a condu-
O Direito Humanitário Internacional, na ção das hostilidades, se incorporaram ao Di-
sua origem, destinava-se a regulamentar, reito de Genebra, mediante adaptação e mo-
entre outros temas, a sorte dos prisioneiros dernização, e se encontram agora incluídas
de guerra; era ele constituído de tratados e no Protocolo I de 1977 [à Convenção de Gene-
convenções internacionais multilaterais, bra de 1949] relativo aos conflitos armados
adotados sob a égide do Comitê Internacio- internacionais” (PEYTRIGNET, 1996, p. 128).
nal da Cruz Vermelha Internacional, enti- As fontes normativas do Direito Huma-
dade suíça, com sede em Genebra, cuja su- nitário Internacional, (“direito de Genebra”)
pervisão era deixada à competência dos são:
Estados e das entidades nacionais da cita- a) as 4 Convenções adotadas a 12/
da Cruz Vermelha. É o que se denomina 08/1949, ao final de uma conferência
“Direito de Genebra”, que não se confunde internacional de representantes de
com o assim dito “Direito da Haia”, o con- Estados, realizada em Genebra, por
junto de normas adotadas nas duas famo- convocação do Governo suíço e por
sas Conferências da Paz, realizadas em proposta do Comitê Internacional da
1899 e 1907, naquela cidade holandesa. O Cruz Vermelha, o qual foi o responsá-
“Direito da Haia” compreende as 3 e 13 con- vel pelos respectivos projetos: (I), para
venções multilaterais52, adotadas, respecti- a Melhoria da Sorte dos Feridos e En-
vamente em 1899 e 1907, sobre o jus ad be- fermos dos Exércitos em Campanha;
llum, ou seja, as normas internacionais que (II), para a Melhoria da Sorte dos Feri-
regulam tanto o direito de ir à guerra e o dos, Enfermos e Náufragos das For-
direito de prevenção da guerra, quanto o ças Armadas no Mar; (III), Relativa à
jus in bello53, ou seja, as normas internacio- Proteção dos Prisioneiros de Guerra;
nais sobre a condução das hostilidades, nos (IV), Relativa à Proteção dos Civis em
dois tipos de guerras, então existentes, a Tempo de Guerra. Essas Convenções
guerra terrestre e a guerra marítima (hoje foram subscritas pelo Brasil, que as
complementado com normas sobre a guerra promulgou pelo Decreto n o 42.121 de
aérea e sobre o desarmamento), bem como o 21/08/1957; e
regime da neutralidade. Para completar o b) os 2 Protocolos adotados a 08/
sistema jurídico das normas sobre tais cam- 06/1977, igualmente em Genebra, ao
pos do jus in bello e do jus ad bellum, é mister final da Conferência Diplomática so-
referir-se a um “Direito de Nova York”, que bre Reafirmação de Desenvolvimento
diz respeito às normas sobre definição de do Direito Humanitário, Aplicável nos
agressão, combate ao terrorismo, desarma- Conflitos Armados, convocada, igual-
mento e todas outras que têm sido elabora- mente, pelo Governo suíço, sob o im-
das sob a égide da Assembléia Geral das pulso do CICV: o Protocolo I, relativo
Nações Unidas e do seu Conselho Econômi- à Proteção das Vítimas dos Conflitos
co e Social, claro está, sediados em Nova York. Armados Internacionais e o Protoco-
Na verdade, uma análise comparativa lo II, relativo à Proteção das Vítimas
entre as normas do “direito da Haia” (per- dos Conflitos Armados Não-Interna-
feitamente identificado como um “direito cionais. Ambos foram subscritos pelo
dos meios e métodos de combate”) com o Brasil, que os promulgou pelo Decre-
“direito de Genebra” confere a este último a to n o 849 de 25/06/1993.
característica de um “direito de proteção das Conquanto resultantes de projetos ela-
vítimas”. Contudo, como bem observou um borados por uma entidade de um Governo

196 Revista de Informação Legislativa


de um Estado, a Suíça, ou seja, o Comitê In- IX – Considerações finais quanto ao
ternacional da Cruz Vermelha, as 4 Con- Direito brasileiro
venções de Genebra de 1949 e os 2 Protoco-
los de 1977 foram subscritos por considerá- Um aspecto a observar é que a declara-
vel maioria dos Estados da atualidade, e ção nas normas internas dos Estados, sobre
imediatamente entraram em vigor interna- quem são seus nacionais, bem como as even-
cional54. Deve destacar-se que os dois Proto- tuais distinções entre nacionais, e, por im-
colos de 1977 foram decorrência dos fre- plicação, quais os direitos dos estrangeiros,
qüentes conflitos internacionais regionali- nos respectivos territórios, tradicionalmen-
zados, no imediato segundo Pós-Guerra, e te, eram aspectos que o Direito Internacio-
que exigiam uma regulamentação que com- nal Público definia como domínio reserva-
preendesse fenômenos que fugiam à tipici- do à competência interna dos Estados. Nos
dade das guerras tradicionais, como as guer- tempos anteriores à Declaração Universal
ras de libertação nacional, as guerras de dos Direitos do Homem, de 1948, ou seja, nas
descolonização e as guerras revolucionári- épocas históricas em que os direitos huma-
as, cujos efeitos na população eram talvez nos eram definidos unicamente em normas
maiores que as guerras clássicas (como de- internas dos Estados, as únicas limitações aos
monstrou a Guerra Civil espanhola). poderes dos Estados, no relativo a direitos
É necessário enfatizar que, mesmo que dos estrangeiros, referiam-se a poucas ques-
tenha havido uma extensão das atribuições tões sobre a efetividade das concessões de
do Direito Humanitário para os tempos de nacionalidade, e os limites que as próprias
paz e que as entidades da Cruz Vermelha normas constitucionais internas impunham
tenham, por um costume internacional, in- ao legislador infraconstitucional.
vadido campos que tradicionalmente lhe A elevação das normas de proteção à pes-
eram estranhos (como as situações em tem- soa humana ao nível internacional e outras
pos de paz, não tendo havido uma declara- importantes limitações ao poder indiscrimi-
ção formal de guerra), as 4 Convenções de nado dos Estados de legislarem sobre a situa-
Genebra de 1949 e os 2 Protocolos de 1977 ção dos estrangeiros foram sendo introduzi-
já tinham previsto hipóteses que a doutrina das nos ordenamentos internos dos Estados.
dos internacionalistas reconhecia como pró- Sendo assim, dentro dos limites permiti-
prios do campo de regulamentação pertinen- dos pelo Direito Internacional da Pessoa
te aos Direitos Humanos stricto sensu. Trata- Humana, considerando-se o caso do Direi-
se dos 3 artigos iniciais, que contêm dispo- to Constitucional brasileiro atual (Consti-
sitivos comuns àquelas 4 Convenções, do tuição Federal de 1988), poderemos ter as
art. 75, “Garantias Fundamentais” do Pro- seguintes situações, todas legítimas, no or-
tocolo I (proteção das vítimas dos conflitos denamento jurídico do Brasil:
armados internacionais) e do art. 4o, “Ga- a) existência de distinções entre os
rantias Fundamentais”, e art. 5o, “Pessoas próprios nacionais brasileiros, para
Privadas de Liberdade”, do Protocolo II (pro- fins de atribuir direitos exclusivos a
teção das vítimas dos conflitos armados não- uma categoria (hipótese em que os
internacionais)55. Por outro lado, a falta de brasileiros natos têm a plenitude dos
distinções claras entre uma situação de guer- direitos civis e políticos) e não a outra
ra e as situações de conflitos, na atualidade, (hipótese em que os brasileiros natu-
faz com que questões como o tratamento de ralizados se encontram excluídos dos
prisioneiros, em conflitos internacionais, a cargos mencionados no art. 12 § 5 o da
propósito de serem considerados crimino- Constituição Federal). Ainda no caso
sos comuns, tenham seus direitos humanos do Brasil, as distinções entre brasilei-
desrespeitados. ros natos e naturalizados sempre se-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 197


rão balizadas pelo fato de que “a lei ção, em sentido negativo (restrições de
[infraconstitucional] não poderá esta- direitos a uma categoria, em compa-
belecer distinção entre brasileiros na- ração a outra), as quais, no entanto,
tos e naturalizados, salvo nos casos somente podem ser estabelecidas por
previstos nesta Constituição” (art. 12 normas internacionais vigentes no
§ 2 o da Constituição Federal de 1988); Brasil. Trata-se do expresso permissi-
b) as distinções entre nacionais e vo na Constituição Federal de 1988,
estrangeiros, no Brasil, têm seus limi- (art. 12 § 1 o, com a redação dada pela
tes fixados em dispositivos permissi- Emenda Constitucional de Revisão n o
vos da Constituição Federal e dos tra- 3 de 07/06/1994)56, que foi incluído
tados e convenções internacionais so- nas normas constitucionais, a fim de
bre direitos e garantias à pessoa hu- compatibilizar a Constituição atual
mana, de que o País seja parte. No que com as normas da Convenção sobre
respeita aos limites constitucionais, Igualdade de Direitos e Deveres entre
sobreleva, no Brasil, o disposto no art. Brasileiros e Portugueses, Convenção
5 o caput (o qual arrola os Direitos e bilateral assinada antes de 1988, en-
Deveres Individuais e Coletivos, no tre Brasil e Portugal, no Brasil, pro-
campo dos Direitos e Garantias Fun- mulgada pelo Decreto 70.391 de 12/
damentais) assim redigido: Todos são 04/1972 e regulamentada pelo Decre-
iguais perante a lei, sem distinção de qual- to 70.436 de 18/04/197257 (e em Por-
quer natureza, garantindo-se aos brasilei- tugal, regulamentada pelo Decreto-Lei
ros e aos estrangeiros residentes no País a 126/72 de 22/04/1972) (VALLA-
inviolabilidade do direito à vida, à liber- DÃO, 1982, p. 390).
dade, à igualdade, à segurança e à propri- Enfim, devemos ressaltar que o ordena-
edade, nos termos seguintes: .... o qual mento jurídico brasileiro, tanto em nível
deve ser interpretado em conjunto com constitucional quanto infraconstitucional,
o § 2o do mesmo art. 5o da Constitui- pelo menos no que se refere às normas vi-
ção Federal de 1988 assim redigido: gentes, encontra-se em consonância com as
Os direitos e garantias expressos nesta normas internacionais de proteção da pes-
Constituição não excluem outros decor- soa humana. O mesmo não se poderia di-
rentes do regime e dos princípios por ela zer, no que respeita a uma determinada ju-
adotados, ou dos tratados internacionais risprudência do Supremo Tribunal Federal,
em que a República Federativa do Brasil que tem considerado as normas do Pacto de
seja parte. No que respeita aos limites San José da Costa Rica como legislação in-
das normas internacionais, remetemo- capaz de coadunar-se com o permissivo
nos às considerações anteriores do constitucional brasileiro, de colocar-se na
presente artigo, e poderemos dizer que prisão o depositário infiel, situação ex-
se trata das normas do Direito Interna- pressamente vedada pelo Pacto de San
cional da Pessoa Humana, lato sensu, José58.
nos quais se encontram o Direito Inter-
nacional da Pessoa Humana stricto sen-
su, os Direitos do Asilado Político, os
Notas
Direitos dos Refugiados protegidos
pela ONU e os direitos das pessoas 1
Assim se denomina o Cap. 14: A abrangência
abrangidas pelas normas do Direito In- pessoal das normas do Direito Internacional Público: a
nacionalidade, a plurinacionalidade, a apatrídia e a pro-
ternacional Humanitário; teção diplomática de estrangeiros. A pessoa jurídica no
c) as distinções entre estrangeiros, Direito Internacional. A nacionalidade dos meios de trans-
desde que não haja uma discrimina- porte internacional e sideral (p. 313-335).

198 Revista de Informação Legislativa


2
O Cap. 15 tem o seguinte título: O Primeiro 9
Como exemplo histórico dessa possibilidade,
Grande Tema da Globalidade: a proteção internacional cite-se o caso do Brasil, com a denominada Grande
da pessoa humana e suas três vertentes: Direitos Huma- Naturalização, logo após a Proclamação de Repú-
nos, Direito dos Refugiados e Direito Humanitário. O blica. Com efeito, na sua primeira Constituição
Direito de Asilo (p. 335-406). Republicana, de 24 de fevereiro de 1981, dispunha,
3
No Salmo 146 (145 da Vulgata), versículo 9, o no art. 69 que “são cidadãos brasileiros... § 4o) os
qual segue o tema constante na história dos he- estrangeiros que, achando-se no Brasil aos 15 de
breus, de o estrangeiro estar sempre assemelhado à novembro de 1889, não declararem, dentro em seis
situação das viúvas e órfãos (situação essa do mais meses depois de entrar em vigor a Constituição, o
completo desamparo), assim se lê: “Dominus cus- ânimo de conservar a nacionalidade brasileira, § 5 o)
todit advenas pupillum et viduam suscipiet et viam os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Bra-
peccatorum disperdet”, na tradução da Bíblia de sil e forem casados com brasileiras ou tiverem fi-
Jerusalém: “Iaweh protege o estrangeiro, sustenta lhos brasileiros, contanto que residam no Brasil, salvo
o órfão e a viúva...(mas) transtorna o caminho dos se manifestarem a intenção de não mudar de naci-
ímpios”. onalidade”. As Constituições posteriores consagra-
4
O Profeta Isaías, considerado o profeta da ram aquelas normas: a de 1934 (art. 106 alínea c,
esperança, invectivava as autoridades de seu tem- “são brasileiros”, sem fazer a distinção entre “na-
po a que propiciassem um tratamento adequado tos” e “naturalizados”), de 1937 (art. 115 alínea c,
aos estrangeiros, com a recordação de que os pró- “idem”) e de 1946 (art. 129. III, “idem”), repetindo
prios judeus se lembrassem de que tinham sido o seguinte dispositivo: “os que adquiriram a nacio-
estrangeiros nas terras de Babilônia. nalidade brasileira, nos termos do artigo 69, itens
5
O estoicismo, na sua primeira vertente, por IV e V, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891”.
volta do Séc. III a. C., centrada no filósofo Zenão de A de 1967 e sua Emenda Constitucional no 1/69,
Eléia, ter-se-ia preocupado com o “gênero huma- no art. 145, fizeram a distinção entre “brasileiros
no” e, em conseqüência, com os direitos dos estran- natos” e “brasileiros naturalizados”, tendo consi-
geiros. O estoicismo iria produzir importantes pen- derado como brasileiros naturalizados “os que ad-
sadores no mundo romano, como o imperador quiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do
Marco Aurélio (definiu o homem como o “cidadão artigo 69, itens IV e V, da Constituição de 24 de
do universo”) e Epitecto, o escravo (ambos escreve- fevereiro de 1891” . A Constituição atual de 1988
ram em grego), Sêneca e o grande Cícero (que for- silencia a respeito da Grande Naturalização em-
mulou a existência de um “direito natural”, pró- preendida pela Constituição de 1891.
prio à natureza humana, na sua obra De Republica). 10
O atual art. 12 § 4o da Constituição Federal
Tal vertente humanista da filosofia greco-romana de 1988 assim está redigido: “Será declarada a per-
irá exercer notável influência no pensamento oci- da da nacionalidade do brasileiro que: I – tiver can-
dental, sobretudo após sua revalorização pelo Cris- celada sua naturalização, por sentença judicial, em
tianismo. virtude de atividade nociva ao interesse nacional: II
6
Reconhecendo que, em português, inexiste – adquirir outra nacionalidade por naturalização
um vocábulo tão expressivo como no francês, “allé- voluntária”.
geance”, ou no inglês “allegiance”, para designar o 11
Na verdade, essa situação pode ser a de fi-
sentimento de fidelidade, de vassalidade a uma
lhos de brasileiro ou de brasileira, nascidos em pa-
nação, ou seja, o fenômeno de uma pessoa “perten-
íses europeus como a Alemanha, França e Itália,
cer” a um universo de valores nacionais, utiliza-
cujos progenitores não sejam nacionais desses Es-
mos o termo “pertencimento”, a nosso ver, por
tados, e, ao mesmo tempo, que não tenham ocorri-
demais cercado de noção de propriedade e pos-
se. O termo é derivado do universo medieval, do as hipóteses para a sua opção pela nacionalida-
conforme se pode verificar pela persistência, no de brasileira originária (como aquelas contempla-
moderno francês, do adjetivo “lige”, conforme a das no referido art. 12, inc. I, al. b) e c) da Consti-
expressão “homme lige”, no sentido de “person- tuição Federal de 1988).
ne entièrement dévouée à.. affidé inconditionnel (Cf.
12
Tal regra deve ser ressaltada pelo fato de que
LIGE, 1993). ilustres brasileiros, que ocuparam elevados cargos
7
Note-se, nas línguas neolatinas, a mesma raiz reservados a brasileiros natos (em especial o de Pre-
nas palavras estrangeiro e estranho, presente no prefi- sidente da República), cujos progenitores ou um
xo “extra” que designa “fora”, “além dos limites”. deles eram nacionais da Alemanha, da Itália e da
8
Pode dar-se a hipótese de a lei de outro país antiga Checoslováquia, terem sido, igualmente,
não exigir qualquer outra condição, para conside- nacionais desses países!
rar um brasileiro, nascido de progenitores da naci- 13
A regra constante do art. 12, 4o, item II, da
onalidade daquele país, como seu nacional. Basta- Constituição Federal de 1988 do Brasil (perda da
ria, portanto, a mera filiação. nacionalidade brasileira por naturalização volun-

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 199


tária em outro país) não é universal. Na verdade, tituído pelo Pacto da ONU sobre Direitos Econô-
trata-se de uma perda-pena, que a outros países micos, Sociais e Culturais, o Comitê para a Elimi-
pode parecer como inadequada para inibir seus na- nação da Discriminação Racial, instituído pela Con-
cionais a abandonar um status, do qual defluem venção sobre a Eliminação da Discriminação Raci-
direitos e deveres para com o Estado. Ressalte-se al, o Comitê para a Eliminação da Discriminação
que, a nosso ver, a nacionalidade deve ser conside- contra a Mulher, instituído pela Convenção sobre a
rada como um direito irrenunciável por parte de Eliminação da Discriminação contra a Mulher, o
seu titular e, portanto, uma perda da nacionalida- Comitê contra a Tortura, instituído pela Conven-
de por efeito da lei, como a prevista no Direito bra- ção contra a Tortura, e o Comitê dos Direitos da
sileiro, iria contra tais princípios. Criança, instituído pela Convenção dos Direitos da
14
Conforme já visto em capítulo anterior deste Criança.
trabalho, o exercício de funções eleitorais pelas Re- 21
A propósito da inter-relação entre o tema da
partições consulares se encontram permitidas, de integração econômica regional e o tema da prote-
conformidade com os dispositivos constantes no ção dos Direitos Humanos, veja-se nosso trabalho:
art. 5o, item (m) da Convenção de Viena sobre Rela- A União Européia, o Mercosul e a Proteção dos Direitos
ções Consulares de 1963, no Brasil promulgada pelo Humanos (2002b, p. 121-163).
Decreto no 61.078 de 26/06/1967. 22
O Conselho da Europa é uma organização
15
Há outros valores psicossociais importantes, regional européia, que se compõe dos Ministros da
que merecem consideração, como o caso de valores Justiça dos países dela integrantes, cujo número
desportivos, em competições internacionais. A qual incluiu e ultrapassa o número de Estados mem-
time de futebol ou a qual delegação nacional per- bros da Comunidade Européia e que não incluía os
tenceria um plurinacional? Num campeonato in- antigos Estados do Bloco socialista.
ternacional de futebol, um indivíduo ítalo-brasilei- 23
Interessante observar que o Protocolo no 8
ro deverá “torcer” pela “Seleção Canarinho” ou pela adicionaria um § 3o ao texto primitivo da Conven-
“Squadra Azzurra”?! ção Européia, claramente calcado no Pacto de San
16
Os textos em português de ambas as Con- José (veja-se além, no presente Capítulo), assim
venções se encontram apud Antônio Augusto Can- redigido: “Os candidatos deverão gozar da mais
çado Trindade (1991, respectivamente, p. 248-263, alta reputação moral e reunir as qualificações exi-
263-272). gidas ao exercício de altas funções judiciais ou se-
17
Segundo esse notável jusfilósofo italiano, te- rem pessoas de reconhecida competência em direi-
ria havido um caminhar dos Direitos Humanos, to nacional ou internacional”. Deve notar-se que a
em direção a uma maior clareza e eficácia: de sim- Comissão Européia seria extinta com o Protocolo
ples aspirações de pensadores, profetas, filósofos e 11, como será dito mais além. O texto do Protocolo
intelectuais, na Antigüidade, na Idade Média, no no 8 encontra-se apud Antônio Augusto Cançado
Renascimento, no Iluminismo, passam eles a ter Trindade (1991, p. 456-461).
uma existência mais concreta, com as definições 24
O Estatuto da Comissão Interamericana de
nas normas constitucionais e ordinárias dos orde- Direitos Humanos foi aprovado pela Resolução
namentos internos dos Estados, a partir das Revo- AG/RES. 447 (IX-079), adotada pela Assembléia
luções Inglesa e Francesa, e na definitiva implanta- Geral da OEA, no seu Nono Período Ordinário de
ção do constitucionalismo moderno. Enfim, após a Sessões, realizado em La Paz, na Bolívia, em outu-
Segunda Guerra Mundial, houve o grande refina- bro de 1979. Seu texto, em português, encontra-se
mento de tal caminhar em busca de maior efetivi- apud Luiz Flávio Gomes e Flávia Piovesan (2000,
dade, com a Declaração Universal dos Direitos p. 420-427).
Humanos, com os dois Pactos sobre Direitos Hu- 25
O Estatuto da Corte Interamericana de Direi-
manos, subscritos sob a égide da ONU, nos gran- tos Humanos foi aprovado pela Resolução AG/
des tratados multilaterais globais e respectivos me- RES. 448 (IX-0/79), adotada pela Assembléia Ge-
canismos de verificação de sua adimplência e, en- ral da OEA, no mesmo Nono Período Ordinário da
fim, nos tratados e mecanismos regionais de prote- Assembléia Geral da OEA, mencionada na nota de
ção dos Direito Humanos. rodapé anterior. Seu texto, em vernáculo, encontra-
18
Os textos da Declaração Universal dos Direi- se no mesmo livro citado no referido rodapé, Luiz
tos do Homem e de ambos os Pactos se encontram Flávio Gomes e Flávia Piovesan (2000, p. 428-452).
apud Vicente Marotta Rangel (2000, respectivamen- 26
O texto do Decreto Legislativo no 89 de 03/
te, p. 645-652, 668-680, 681-704). 12/1998, juntamente com a Mensagem do Presi-
19
Originariamente prevista para contar com 18 dente da República e da Exposição de Motivos do
Estados, hoje conta com 53, desde 1990. Cf. J. A Ministério das Relações Exteriores, encontra-se pu-
Lindgren Alves (1994, p. 73). blicado no Diário Oficial da União, de 04/12/1998,
20
Os demais comitês existentes são: o Comitê p. 2, e se acha igualmente reproduzido apud Luiz
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ins- Flávio Gomes e Flávia Piovesan (2000, p. 437-441).

200 Revista de Informação Legislativa


27
Relembre-se o disposto no art. 2o § 7o: “Ne- se a garantir que os direitos nele enunciados se exercerão
nhum dispositivo da Presente Carta autorizará as sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo,
Nações Unidas a intervirem em assuntos que de- língua, religião, opinião política ou de outra natureza,
pendam essencialmente da jurisdição de qualquer origem nacional ou social, situação econômica, nascimen-
Estado ou obrigará os membros a submeterem tais to ou qualquer outra situação. Nesse mesmo art. 2 o, há
assuntos a uma solução nos termos da presente um § 3 o, que merece transcrição, tendo em vista as
Carta... ressalvas quanto a dificuldades práticas que os
28
Para um estudo do condicionamento entre a países em desenvolvimento poderiam ter, em rela-
participação da União Européia e o referido com- ção à aplicabilidade a eles de tais mandamentos
prometimento com os direitos humanos, veja-se legais, assim redigido: § 3o Os países em desenvolvi-
nosso trabalho já referido: A União Européia, o Mer- mento, levando devidamente em consideração os direitos
cosul e a Proteção dos Direitos Humanos (SOARES, humanos e a situação econômica nacional, poderão deter-
2002b), já referido em rodapé anterior. minar em que medida garantirão os direitos econômicos
29
A “cláusula democrática” consta expressa- reconhecidos no presente Pacto àqueles que não sejam
mente no § 2 o do art. F do Tratado de Maastricht de seus nacionais.
1992 e assim se acha escrita, no Tratado de Ams- 32
Registre-se, contudo, que o Protocolo no 7 de
terdam de 1997, no seu art. seu art. 6o § 2o: “A 1984 à Convenção Européia de Direitos Humanos
União respeita os direitos fundamentais, tais quais e Liberdades Fundamentais regulamentou a ques-
se encontram garantidos pela Convenção Européia tão da expulsão de estrangeiros. Seu texto se en-
de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberda- contra apud Antônio Augusto Cançado Trindade
des Fundamentais, assinada em Roma a 04 de no- (1991, p. 453-454).
vembro de 1950 e tais quais resultem das tradições 33
Seu texto, com comentários de M. A. Al Mi-
constitucionais comuns aos Estados membros, en- dani (1996, p. 183-189). O texto transcrito corres-
quanto princípios gerais do direito comunitário”. ponde ao texto veiculado, ainda como Projeto, na
Em nossa tradução livre do texto do Tratado de obra de Antônio Augusto Cançado Trindade (1991,
Amsterdam, conforme: (1998, p. 304-392, citação p. 510).
retirada de p. 307). 34
Os textos de tais atos normativos se encon-
30
Tratar-se-ia da aplicação do art. 7o do Trata- tram apud Antônio Augusto Cançado Trindade
do de Amsterdam (ex. art. F.1 de Maastricht), as- (1991, p. 423, 432-433).
sim redigido: “§ 1o – O Conselho, reunido em nível 35
Eis seus termos: Toda pessoa tem direito, em
de Chefes de Estado ou de Governo e decidindo por caso de perseguição, de buscar e de obter asilo em territó-
unanimidade, por proposta de um terço dos Esta- rio estrangeiro, em conformidade com a lei de cada país e
dos membros ou da Comissão, e após parecer con- as convenções internacionais.
forme do Parlamento Europeu, pode constatar a 36
Na verdade, não se poderia referir a uma re-
existência de uma violação grave e persistente por vogação ou derrogação das anteriores, pois, como
um Estado membro dos princípios enunciados no há Estados que permanecem partes apenas de umas
artigo 6o parágrafo 1o, após haver convidado o Go- e não de outras, as antigas continuam vigentes en-
verno deste Estado membro a apresentar suas ob- tre os Estados que as ratificaram, conjuntamente.
servações sobre a matéria”. § 2o – “Desde que uma Para uma listagem dos países que ratificaram as
tal constatação seja feita, o Conselho, decidindo duas primeiras, veja-se Hildebrando Accioly (1956,
por maioria qualificada, pode decidir suspender p. 483), e para os Estados que ratificaram as duas
certos direitos decorrentes da aplicação do presen- assinadas em Caracas, veja-se, na Organização dos
te Tratado, em relação ao Estado membro em ques- Estados Americanos: www.oas.org/juridico/spa-
tão, neles compreendidos o direito do representan- nhish/firmas/a-46.html e idem/a-47.html. Acesso em:
te do Governo deste Estado membro no seio do abr. 2002.
Conselho. Ao assim decidir, o Conselho levará em 37
Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Domi-
conta as eventuais conseqüências de tal suspensão nica, EUA, Granada, Guiana, Jamaica, Saint Kitts e
sobre os direitos e obrigações das pessoas físicas e Nevis, Santa Lucia, e São Vicente e Granadinas.
morais. As obrigações que incumbem ao Estado 38
Não ratificaram a Convenção sobre Asilo Di-
membro em questão, decorrentes do presente Tra- plomático: Bolívia, Chile, Colômbia e Cuba. Não
tado, quaisquer que sejam as circunstâncias, per- ratificaram a Convenção sobre Asilo Territorial:
manecem exigíveis deste Estado” (Em nossa tra- Argentina, Bolívia, Chile, Honduras e República
dução livre, conforme fonte mencionada no pará- Dominicana. Informações: www.oas.org/juridico/
grafo anterior). spanhish/firmas/a-46..html e /a-47..html. Aces-
31
Comparem-se tais normas com as constantes so em: abr. 2002.
do § 2o do art. 2o do Pacto Internacional de Direitos 39
Na verdade, a Convenção de Caracas sobre
Econômicos, Sociais e Culturais, assim redigido: § Asilo Diplomático aproveitaria as críticas às im-
2 o : Os Estados Partes no presente Pacto comprometem- perfeições de convenções anteriores, feitas pela Corte

Brasília a. 41 n. 162 abr./jun. 2004 201


Internacional de Justiça, no famoso Caso Haia de como do Comitê Intergovernamental para as Mi-
la Torre, Caso do Asilo Diplomático, que opôs Co- grações Européias.
lômbia e Peru 1950 e 1951 e que seria julgado em 46
Um dos grandes problemas que tinha enfren-
1950 e 1951. Veja-se nossa crônica (SOARES, 2000). tado a Sociedade das Nações era a multiplicidade
40
Uma análise mais detalhada dessa Resolu- de convenções específicas, que versavam sobre um
ção da ONU pode ser encontrada no Cap. 15 O dado assunto, e sempre com caráter regional, cuja
Primeiro Grande Tema da Globalidade: a proteção inter- aplicação e seguimento era de competência de “Co-
nacional da pessoa humana e suas três vertentes: Direitos missários” temáticos, como se pode verificar com o
Humanos, Direito dos Refugiados e Direito Humanitá- Comissário para Refugiados Russos, estabelecido
rio. O Direito de Asilo (SOARES, 2000, p. 335-406). pelo Acordo sobre Refugiados Russos de 05/07/
41
Os assuntos relacionados a quaisquer tipos 1922.
de estrangeiros, regulamentados em tais normas, 47
Os textos da Convenção de 1951 (versão ori-
são, em linhas gerais: os casos de entrada de es- ginal) e do Protocolo de 1967 encontram-se em
trangeiros, de sua permanência, de sua deportação Nádia de Araújo e Guilherme Assis de Almeida
(recusa de permanência no território nacional, por (2001, p. 385-412, p. 413-419).
falta de requisitos de legalidade na entrada ou es- 48
O Texto da Declaração de Cartagena encon-
tada do estrangeiro, como a expiração de vistos de tra-se transcrito, em português, em Nádia de
permanência, com a devolução da pessoa a outros Araújo e Guilherme Assis de Almeida (2001, p.
Estados, de preferência, aos da nacionalidade), ex- 421-430).
pulsão (ato administrativo de fazer cessar a per- 49
Rechaço, ou como se diz no jargão do Direito
manência de um estrangeiro no território nacional, Internacional dos Refugiados, non refoulement, é a
pelos motivos elencados na lei, de natureza cível ou proibição de o Estado poder criar obstáculos, nas
criminal, que configuram o expulsando, em gran- fronteiras, à entrada de possíveis candidatos ao
des linhas, como uma “pessoa indesejável”) e a estatuto de refugiados.
extradição de estrangeiros (entrega de um estran- 50
Cf. Fernando Fernandes da Silva (2002), numa
geiro, inocente, no território nacional, a pedido de análise dos pontos principais da Lei 9.474 de 22/
um Poder Judiciário estrangeiro, seja de sua nacio- 07/1997.
nalidade ou não, por motivos de uma condenação 51
Um exemplar estudo comparativo entre am-
de privação de liberdade no Estado estrangeiro ou bos os institutos, encontra-se apud José Henrique
estar sua prisão autorizada por juiz, tribunal ou Fischel de Andrade (1998, p. 393).
autoridade competente deste último, conforme os 52
As 13 Convenções adotadas na Haia a 18/
temos do art. 78 do Estatuto dos Estrangeiros). 10/1907 foram assinadas pelo Brasil, ratificadas e
42
A propósito do tema “asilo político” na Cons- conjuntamente promulgadas pelo Decreto no 10.719
tituição Federal de 1988, veja-se o trabalho de Tha- de 04/02/1914.
my Pogrebinschi (2001, p. 319-342). 53
Jus in bello e jus ad bellum são expressões rela-
43
Veja-se o bem elaborado estudo do Prof. José tivamente recentes no Direito Internacional, cunha-
Henrique Fischel de Andrade (2000, p. 99-125). Em das pelo Prof. Louis Delbez (1951). A expressão
outro estudo, o mesmo Professor Fischel de tradicional para “Direito da Guerra” era, desde os
Andrade (1996a, 1999, p. 75-120) discorre sobre escritores da Idade Média, Jus Belli, então associa-
os mesmos fatos e ainda as outras organizações da à questão das discussões sobre a guerra justa e,
intergovernamentais instituídos após a II Guer- a partir de Grotius, às normas sobre o começo e fim
ra Mundial. das guerras, a condução das hostilidades, a neu-
44
Uma perfeita crônica da situação dos refugi- tralidade e o tratamento dos prisioneiros e da po-
ados na Europa, logo após o fim da Segunda Guer- pulação civil. A propósito dos conceitos do Prof.
ra Mundial, bem como um estudo pormenorizado Delbez, veja-se nosso trabalho (SOARES, 1985) A
dos antecedentes do ACNUR, encontra-se no Cur- Guerra Nuclear e o Direito.
so da Academia de Direito Internacional da Haia, 54
Pelo fato de, logo após sua assinatura, terem
do primeiro Diretor desta instituição da ONU, Dr. entrado em vigor internacional e pelo número de
G. J. Van Heuven Goedhart (1953, p. 261-369). sua ratificação, as 4 Convenções de Genebra de 1949
45
Destaque-se a atuação da Administração das provam sua aceitação pela quase totalidade dos
Nações Unidas para o Auxílio e Reabilitação, insti- Estados da atualidade, entre 186 Estados que as
tuída em 1952, com base de atuação em Genebra, ratificaram, da mesma forma que os 2 Protocolos
conhecida por sua sigla em inglês, UNRRA United de 1977, o primeiro, entre 135 Estados ratificantes,
Nations Relief and Rehabilitation Administration., que e o segundo, entre 125 Estados, nas mesmas cir-
funcionaria até 1947, data de sua auto-extinção e cunstâncias.
transferência de bens e atribuições para a uma nova 55
Os textos se encontram reunidos no livro do
instituição internacional que seria então instituída, Prof. Antônio Augusto Cançado Trindade (1991,
a Organização Internacional dos Refugiados, bem p. 308-309, 309-312, 312-325). Veja-se, igualmen-

202 Revista de Informação Legislativa


te, nosso Curso de Direito Internacional Público, no nacionais. Brasília: Ordem dos Advogados do Bra-
Cap. já referido (SOARES, 2002a). sil, 1997. p. 149-164.
56
O dispositivo atual assim reza: Aos portugue-
______. Regional policy approaches and harmoni-
ses com residência permanente no País, se houver recipro-
zation: a latin american perspective. International
cidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direi-
Journal of Refugee Law, Oxford, v. 10, n. 3, p. 389-
tos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta
409, Jul. 1998.
Constituição. No texto original da CF de 1988, por-
tanto, antes da Emenda Constitucional de Revisão ARAÚJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme Assis
no 3/94, constava a expressão “brasileiro nato”; no de (Coord.). O direito internacional dos refugiados:
texto atual, consta “brasileiro”. uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro; São Pau-
57
O texto do Decreto 79.436 de 18/04/1972, lo: Renovar, 2001.
“regulamenta a aquisição, pelos portugueses no
BAPTISTA, Luiz Olavo; RODAS, João Grandino;
Brasil, dos direitos e obrigações previstos no Esta-
SOARES; Guido Fernando Silva (Org.). Normas de
tuto da Igualdade e dá outras providências”, en-
direito internacional. São Paulo: LTr, 2001.
contra-se apud Luiz Olavo Baptista, João Grandi-
no Rodas e Guido Fernando Silva Soares (2001, t. 2, BOBBIO, Norberto. Presente e futuro dos direitos
p. 199). do homem. In: ______. A era dos direitos. Rio de
58
Veja-se a crônica deste caso, no Cap. 10: Rela- Janeiro: Campus, 1992. p. 25-47.
ções entre o direito interno e o internacional, na sua
Seção Única: A aplicabilidade do Direito Internacional DELBEZ, Louis. Manuel de droit international public:
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