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Bacharel em direito pelo Centro Universitário do Pará (2017),mestranda do programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPA. Bolsista CAPES. Pesquisadora Grupo de Pesquisa CNPQ: Novas formas de trabalho, velhas
práticas escravistas. End: Rua Tiradentes nº 46, Belém -PA, CEP: 016.536.062-31. E-mail:
tainaramiranda5@gmail.com Tel: (91) 982427112
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Diretora do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA. Doutora em direito pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPA (2014) (Orientadora). End: Instituto de Ciêcias Jurídicas / UFPA - R. Augusto Corrêa, 01 - Guamá,
Belém - PA, 66075-110 Email: valena_jacob@yahoo.com.br Tel: (91) 991303904
protagonistas de suas vidas, assim, e, como consequência, não podem decidir sobre aspectos
importantes de suas vidas impossibilitando, portanto, o desenvolvimento de inúmeras
habilidades que influenciam, inclusive, na relação direta com a natureza ao seu redor e com as
oportunidades de trabalho delas derivantes. Neste sentido, nota-se que a participação dos
indivíduos na sociedade é impactada pelas estruturas de autoridade nas relações de trabalho e
na vida doméstica (BIROLI, 2018)
Inserido nesse cenário, o território quilombola do Jambuaçu, no município de Mojú -
PA, é um exemplo real do impacto da dendeicultura no modo de vida das comunidades
tradicionais. Para garantir a sobrevivência de suas famílias, as mulheres desse território tiveram
de se submeter ao trabalho assalariado nos dendêzais da empresa Marborges, apesar das
condições precárias de trabalho que caracterizam situações análogas ao trabalho escravo.
Somado a esta situação, as mulheres do Jambuaçu são responsáveis pelo trabalho doméstico,
pela criação dos filhos e pelo cultivo de subsistência que, neste caso, é compreendido como
uma extensão da esfera reprodutiva.
Este trabalho é parte da pesquisa de dissertação de mestrado em que um dos objetivos é
analisar as relações de trabalho das mulheres do território quilombola do Jambuaçu, no
município de Moju – PA, que estão inseridas no fenômeno da dendeicultura, à luz do artigo 149
do código penal. Assim, o problema foi abordado através dos pressupostos teórico-
metodológicos da pesquisa exploratória. Os sujeitos da pesquisa foram três mulheres do
território quilombola do Jambuaçu empregadas da empresa Marborges que trabalham
diretamente na monocultura do dendê. Para a coleta de dados foram realizadas entrevistas
semiestruturadas, observação direta e análise documental. Para a proteção das entrevistadas
optou-se por representá-las com algarismos romanos (I, II e III).
Foi observado durante a pesquisa de campo que as mulheres do território quilombola do
Jambuaçu são responsáveis por cozinhar para família, limpar o ambiente doméstico, lavar
roupa, educar os filhos, preparar a terra para o plantio dos alimentos de subsistência, em especial
a mandioca, além de outras atividades. A principal fonte de renda é o salário pago aos
trabalhadores e trabalhadoras pela empresa Marborges, que pode variar de acordo com a meta
quinzenal. Essa renda é complementada pela comercialização da pimenta do reino cultivada
pelas famílias desse território. O cultivo de pimenta do reino é uma atividade familiar na qual
as mulheres são responsáveis pelo preparo da terra, plantio e coleta. Cabe ressaltar que as
atividades realizadas no pimental ocorrem após o horário de trabalho nos dendezais da empresa
Marborges e ou em seus dias de folga.
Segundo os relatos das mulheres do Jambuaçu as atividades realizadas nos dendezais da
Marborges são: plantio das sementes nos viveiros, troca das mudas, retirada dos cachos de
dendê, coleta dos frutos e transporte desses frutos até o caminhão de coleta. A jornada de
trabalho é de 6 horas, os trabalhadores e trabalhadoras são divididos em grupos de trabalho e
cada grupo é responsável por um módulo com cerca de 10 mil pés de dendê.
No plantio das sementes e troca das mudas, o trabalho é realizado exclusivamente por
mulheres. As trabalhadoras ficam cerca de 6 horas agachadas em uma estufa, selecionando e
inserindo as sementes nas covas para que sejam germinadas e, posteriormente, alocadas em
uma cova maior. Na retirada dos cachos as trabalhadoras manuseiam foices para cortar os
cachos de dendê com cerca de 10 metros de altura. Por fim, durante a coleta e transporte dos
frutos até o caminhão, as trabalhadoras enchem sacos de 60 kg e os transportam até o caminhão
de coleta.
As entrevistadas destacaram que o equipamento de proteção e as ferramentas são
ofertadas uma única vez e, caso seja necessário troca-los, é da responsabilidades das
funcionárias arcar com os custos dos novos equipamentos ou ferramentas.
Os banheiros ficam a cerca e de 4 km de distância dos módulos de plantio e a empresa
não fornece veículo para locomoção de suas funcionárias e funcionários, assim, o deslocamento
é realizado com veículo próprio das trabalhadoras (bicicletas) ou através de caminhada. Porém,
segundo os relatos, o tempo de deslocamento para essas áreas comuns impede que a meta
quinzenal seja atingida, impactando, portanto, no salário. Portanto, devido à distância dos
banheiros, vestiários e áreas de refeição, essas mulheres acabam fazendo suas necessidades no
local do cultivo.
Duas questões devem ser observadas nesse cenário: i) o trabalho feminino,
compreendido como um tipo de trabalho considerado doméstico, afetivo, imaterial ou
reprodutivo, está ligado às funções de cuidado e à socialização, precisando, no mundo
neoliberal, ser equilibrado com o trabalho produtivo; ii) embora o trabalho doméstico seja
imposto a essas mulheres, ainda assim, elas são obrigadas a realizar o trabalho produtivo para
garantir o sustento de suas famílias. Isso significa que a estrutura de classes permeada pela
análise de gênero torna-se um dispositivo importante para avaliar as relações que administram
a linha divisória entre o visível e o invisível, entre o acessível e o inacessível, entre o público e
o privado, dentro das tensões de poder que constroem os parâmetros para a formação social.
Devido à forte presença do capital no território quilombola do Jambuaçu o modo de vida
dessas comunidades tradicionais foi alterado, intensificado, portanto, um processo de
individualização com desvantagens maiores para as mulheres. Segundo Saffioti (2013),
designar às mulheres um lócus periférico social, foi um recurso do capitalismo ao usufruir do
trabalho desenvolvido por esse. A reprodução, intrinsecamente ligada à manutenção não apenas
da vida, mas à perpetuação das subjetividades humanas que comportam a racionalidade
capitalista, é organizada nesse sistema como não remunerada, construída como contínua à
ordem produtiva de bens e de serviços (FEDERICI, 2019). Esse processo de subvalorização é
intensificado pela superexploração das mulheres que estão submetidas a cadeia de produção do
óleo de palma, pois é possível observar em seus relatos o impacto que o trabalho em condições
análogas à escravidão ocasionou em suas vidas.
Diante da realidade vivenciada pelas mulheres do território quilombola do Jambuaçu, é
possível afirmar que as condições de vida, nesse território, estão intrinsicamente relacionadas
a submissão das trabalhadoras às condições precárias de trabalho. Porém, embora a pobreza
seja um fator que impulsiona a vulnerabilidade dessas mulheres é necessário compreender que
existem outros fatores que as colocam em uma condição de extrema vulnerabilidade. É
imperioso, portanto, analisar essa questão a partir da interseccionalidade entre gênero, raça e
identidade, pois essas mulheres são subjugadas, oprimidas e não possuem controle de sua
própria vida.
Assim, a exploração das mulheres na cadeia de produção do dendê torna-se ainda mais
extrema, visto que elas, enquanto sujeito de direitos, nem ao menos conseguem enxergar esse
processo de exploração, em face da lógica de classes e da cultura patriarcal que resulta em um
processo de alienação na qual estão condicionadas desde a infância.
REFERÊNCIAS
DIAZ, M. del C. V.. Incorporando a exaustão das reservas minerais ao Produto Interno Bruto
do Estado do Pará. Belém: Universidade Federal do Pará; Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos, Curso Internacional de Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento, 1999,
inédito.
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista.
São Paulo: Elefante, 2019.
LOUREIRO, V. R.. Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo:
Empório do Livro, 2009.
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Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduada em Direito do Trabalho
pela Universidade Cândido Mendes. Advogada. Pesquisadora sobre as temáticas: trabalho escravo
contemporâneo; trabalho doméstico e feminismo decolonial. Endereço: Rua Stella Hanriot, 421, apto 1001. Bairro
Buritis. Cep: 30575-120. Belo Horizonte, Minas Gerais. Telefone: (31) 98706-4323. E-mail:
marcelarage@gmail.com.
para esse cenário invisível? Algumas hipóteses podem ser ventiladas, tais como a naturalização
da exploração do serviço doméstico, o afeto existente na relação entre empregada e
empregadora, ou, até mesmo o fato de não ser de conhecimento público o que se passa no
interior das residências, em apreço aos princípios constitucionais da inviolabilidade do
domicílio e da privacidade (PEREIRA, 2021).
A história de Raiana da Silva instiga a procura pelas razões que contribuem para a
manutenção do cenário de exploração. Nesse sentido, indaga-se: caso a trabalhadora não tivesse
pulado do terceiro andar para fugir de situação de cárcere privado, as autoridades públicas
teriam conhecimento do que estava se passando naquela residência? A exploração
experimentada por Raiana da Silva é algo excepcional ou se aproxima da vivência de milhares
de empregadas domésticas espalhadas pelo Brasil?
Por definição, o trabalho doméstico é realizado dentro do espaço da casa, a qual é
protegida pelo princípio da inviolabilidade do domicílio. A proteção à inviolabilidade do
domicílio, cuja higidez é constitucional, não autoriza ao Estado, nem a ninguém adentrar à
esfera do lar, salvo nas hipóteses excepcionais também previstas no texto do art. 5º, inciso XI,
da CRFB/1988. Desse modo, o Estado não pode se dirigir às residências de forma aleatória para
verificar se ali há empregadas domésticas ou se estão sendo cumpridas as normas trabalhistas.
Para que a fiscalização adentre à casa de alguém é preciso ordem judicial que autorize o ingresso
na residência a ser fiscalizada. Portanto, imagina-se ser esse um dos principais fatores que
levam ao ínfimo percentual de ocorrências de trabalho escravo doméstico na atualidade.
Com efeito, o objetivo do presente estudo é apresentar o princípio da inviolabilidade
do domicílio, discutindo em que medida sua proteção funciona como véu para situações que
violam a dignidade da pessoa humana, como ocorre em casos de trabalho escravo doméstico.
Para tanto, adotar-se-á como ponto de partida o caso de Raiana da Silva, para
contextualizar o trabalho escravo doméstico contemporâneo, apontando a violação do bem
jurídico protegido pela norma penal, qual seja a dignidade da pessoa humana,
Em seguida, buscar-se-á aprofundar no conceito da inviolabilidade de domicílio,
identificando os limites enfrentados pelo Estado na apuração e repressão do crime do art. 149,
do CP, quando este ocorre no interior da residência.
A fim de compreender a perpetuação de situações como a experimentada por Raiana
da Silva, destacar-se-á de modo interseccional as características das sujeitas dessa relação
(empregada e empregadora), bem como alguns dos mecanismos que contribuem para a
deturpação da relação trabalhista a ponto de violar a dignidade de pessoa humana.
Ao final, espera-se trazer à tona a reflexão sobre o papel do princípio da inviolabilidade
do domicílio na invisibilidade do que se passa no interior da casa, criando, em última análise,
para trabalhadoras cenários ocultos de absoluta vulnerabilidade e aviltamento.
Em relação à metodologia, o estudo realiza a análise primária do caso, dados
estatísticos, bem como revisão bibliográfica. Apresenta viés jurídico-sociológico em sua
perspectiva decolonial, a fim de compreender a inalcançabilidade pelo Estado do trabalho
doméstico realizado em condições análogas às de escravidão, diante do véu da inviolabilidade
do domicílio.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Penal (1940): Decreto-lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF:
Presidência da República. [2021]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 20 set.
2020.
BRITO FILHO. José Cláudio Monteiro de. Trabalho Decente. Análise jurídica da
exploração do trabalho – trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São Paulo:
LTr, 2004.
RESUMO
1
Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – linha de pesquisa
Trabalho, Democracia e Efetividade. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Graduada em Direito pela PUC-MINAS. Advogada. Bolsista FAPEMIG - Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Endereço de correspondência: Avenida Professor Mário Werneck, nº 2451,
apto. 402, Bairro Buritis, Belo Horizonte – Minas Gerais. Telefone: 31- 99414-9523. Endereço eletrônico:
regianesilvaadv@gmail.com.
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Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – linha de pesquisa
Trabalho, Democracia e Efetividade. Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. Graduada em Direito pela PUC-MINAS. Advogada. Endereço de correspondência: Rua Júlio
Vidal, nº 55, apto. 301, Bairro Anchieta, Belo Horizonte – Minas Gerais. Telefone: 31- 98799-6721. Endereço
eletrônico: thaiscmenezes@gmail.com.
Nesse sentido, a política de lucrar a qualquer custo e a curto prazo emanada do
neoliberalismo obriga as empresas a se adaptarem a suas exigências, sob pena de perderem seus
investimentos e apoio econômico:
Bourdieu (2020) também pontua que as empresas, na busca desenfreada por lucros,
reduzem os custos com encargos trabalhistas, diminuem salários, realizam a contratação de
mão-de-obra temporária, impõem aos trabalhadores o aumento da produtividade por meio de
metas, fomentando, assim, um ambiente de trabalho competitivo.
Outra característica que se destaca no neoliberalismo é o crescimento da
individualização e o fortalecimento da política de gestão de si, engendrando no trabalhador a
ideia de que ele é responsável pelo seu sucesso e que sua prosperidade depende apenas do
quanto ele está disposto a trabalhar e se esforçar.
O neoliberalismo não impõe seu modo de ser apenas às empresas, mas também realiza
“intervenções diretas na configuração dos conflitos sociais e na estrutura psíquica dos
indivíduos. Mais do que um modelo econômico, o neoliberalismo era uma engenharia social”
(SAFATLE, 2021, p.25) Portanto, “é por meio da mobilização psíquica e mental que o
neoliberalismo converte o ser humano em empresário de si mesmo” (ALMEIDA; ALMEIDA,
2020, p. 44)
Nesse sentido, a racionalidade neoliberal busca “moldar o modo de ser, sentir,
compreender e agir dos seres humanos por meio da produção, manipulação e mobilização de
afetos, assim como através da neutralização de afetos contrários ao interesse do capital”
(ALMEIDA; ALMEIDA, 2020, p. 44)
O neoliberalismo introduz na mente do trabalhador que ele é totalmente responsável
por si e somente alcançará o sucesso se trabalhar muito. A ideia de empresário de si produz
efeitos danosos, como a desvalorização do Direito do Trabalho, a individualização do
trabalhador, fazendo com que este perca o sentimento de coletividade.
Tomando como base esse conceito, o presente trabalho busca realizar uma análise do
documentário Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, que retrata a realidade
dos moradores da cidade de Toritama, no interior de Pernambuco, considerada como a capital
do jeans.
O documentário demonstra uma pequena cidade no nordeste brasileiro que produz
cerca de 20 milhões de jeans anualmente em “fábricas” caseiras, em que os moradores da região
trabalham incansavelmente para produzirem o objeto de seu próprio sustento. Famílias inteiras
(homens, mulheres, crianças e idosos) destinam cerca de 16 horas diárias de domingo a
domingo, sem descanso, para aumentarem cada vez mais a produção de jeans, com o
pensamento de que a prosperidade da família e o sucesso individual de cada um se seus
membros, depende única e exclusivamente desse esforço incessante.
Os moradores de Toritama se sentem orgulhosos de serem seus próprios chefes, pois
apesar de não terem um salário “certo” ao final do mês, eles acreditam fielmente que esse
modelo de trabalho é o mais justo e o que mais lhes garantem benefícios financeiros e uma
flexibilidade que, no pensamento transmitido pelas gerações do jeans, não seria alcançada em
um modelo de trabalho celetista. Além disso, tem-se a ideia de que eles não carecem de
proteção, pois trabalham dentro de casa, com a família, produzindo aquilo que “dão conta”.
A aparente boa vida dos moradores de Toritama só existe, na verdade, na mente deles.
Por meio de uma simples análise da realidade desses moradores é possível perceber que as
jornadas de trabalho ultrapassam os limites constitucionalmente estabelecidos, o ambiente de
trabalho é extremamente insalubre, não há pausas para repouso e alimentação, não há utilização
de equipamentos de proteção individual, não há uma separação do ambiente de trabalho e
ambiente doméstico. E, mesmo que se admita a terrível ideia de que “vale tudo” pela
acumulação de capital, o documentário também demonstra que o trabalho excessivo a que esses
trabalhadores estão submetidos não é suficiente para lhes proporcionar um retorno financeiro
razoável: para que os moradores possam gozar de míseros 5 (cinco) dias de descanso, é preciso
vender seus eletrodomésticos para complementar a renda e permitir uma fuga da realidade.
Nessa perspectiva, é possível dizer que o sujeito neoliberal é tomado pelo sentimento
de liberdade, mas é essa sede por liberdade que o permite ser explorado e manipulado. O
neoliberalismo “promete liberdade aos seres humanos, mas cria a própria liberdade e aquela
que confere ao ser humano é funcional ao mercado.” (ALMEIDA, ALMEIDA, 2020, p. 50). O
trabalho do empreendedor de si não deixa de ser trabalho só porque está sendo exercido com
uma pseudoliberdade, pois o sujeito neoliberal continua sendo explorado e dominado pelo
capital: o trabalho ultrapassa o ambiente da “fábrica” e passa a adentrar o ambiente doméstico
e familiar, os finais de semana são tomados por eventos de coachs motivacionais, os livros e os
filmes são de educação financeira e investimentos.
O neoliberalismo é a verdadeira sociedade do espetáculo, relatada por Guy Debord
(2003). Para o autor, o espetáculo é “como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo
do não-vivo.” (DEBORD, 2003, p. 14). Por meio da estratégia do espetáculo, impõe-se uma
“realidade” fictícia em detrimento da vida real, impõe-se algo em paralelo, uma falsa
consciência do mundo, uma visão iludida da vida. O neoliberalismo é o verdadeiro espetáculo
que se sobrepõe à vida real e se ao criar uma falsa realidade, controlando pensamento, ações,
medos e sentimento, ele se torna a nova realidade.
A esse respeito, Byung-Chul Han aduz: “A técnica de poder do regime neoliberal
assume uma forma sutil, flexível e inteligente, escapando a qualquer visibilidade. O sujeito
submisso não é nunca consciente de sua submissão.” (HAN, 2018, p. 26). O neoliberalismo
não permite que os indivíduos sejam conscientes do controle que é exercido sobre a vida, e para
isso é gerada uma falsa sensação de autonomia e de liberdade, quando na verdade, os indivíduos
estão cada vez mais submetidos ao poder do capital e ao espetáculo que eles mesmos criaram.
Para Debord (2003), o poder abstrato na sociedade é, ao mesmo tempo, a concreta não-
liberdade. “Não seria o capital um novo deus que nos torna novamente devedores?” (HAN,
2018, p. 18).
Essa realidade não é exclusiva dos moradores de Toritama, ela está largamente
presente no mundo da moda, em seus mais diversos setores, criando o que atualmente
chamamos de uberização da moda. Esse termo representa um dinâmica de gestão do trabalho
por demanda em que se utiliza da exploração de mão-de-obra, oferecendo-a,
preponderantemente no setor de serviços com baixíssimos custos, com a preponderância do
labor feminino. A dominação social do tempo-mercadoria anula a própria existência do ser
humano, na medida em que o tempo é tudo e o ser humano não é nada. O sujeito passa a ter
todo o seu tempo destinado a produzir e suas vontades condicionadas às vontades do capital.
O presente resumo objetiva realizar reflexões acerca da uberização no âmbito da
moda, principalmente no que concerne as consequências da precarização do labor feminino na
vida e na saúde dessas trabalhadoras.
A metodologia utilizada é o método de abordagem indutivo e a pesquisa dogmático-
jurídica de natureza bibliográfica, por meio da consulta de obras, artigos, trabalhos acadêmicos
e legislação pertinentes à abordagem, bem como da análise do documentário estou me
guardando para quando o carnaval chegar sob o viés neoliberal.
ALMEIDA, Cleber Lúcio de. ALMEIDA, Wânia Guimarães Rabêllo de. El capitalismo
neoliberal y la alienación subjetiva y colonial de los trabajadores: Deseos y afectos en el
mundo del trabajo. In: Revista Chilena de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. v.
10. n. 10 (2019). p. 1-21. Disponível em:
https://revistatrabajo.uchile.cl/index.php/RDTSS/article/view/54227/59293. Acesso em: 01
jul. 2021.
ALMEIDA, Cléber Lúcio de; ALMEIDA, Wânia Guimarães Rabêllo de. Neoliberalismo,
Subjetividade e mutação Antropológica e Política. Belo Horizonte: Conhecimento Editora,
2020.
FRANCO, Fábio; CASTRO, Julio César Lemes de; MANZI, Ronaldo; SAFATLE, Vladimir;
AFSHAR, Yasmin. O Sujeito e a Ordem do Mercado: gênese teórica do neoliberalismo.
Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico. Vladimir Safatle, Nelson da Silva
Junior, Christian Dunker (Orgs.) 1 ed. 2ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.
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Auditor-Fiscal do Trabalho, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de
Escravo (DETRAE) e coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Graduado em Física pela
Universidade de Brasília.
aftmauriciokrepsky@gmail.com
SQS 203, Bloco B, Brasília/DF, CEP 70.233-020. (61) 992667417
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Entretanto, o caso que mudou a história do combate ao trabalho escravo doméstico
ocorreu ao final de 2020, com o resgate da trabalhadora doméstica Madalena Gordiano em
Patos de Minas/MG, a Inspeção do Trabalho constatou que ela tinha sido submetida à
condição análoga à de escravo ao longo de 38 anos. Segundo o depoimento coletado pelos
auditores-fiscais do trabalho, a trabalhadora relatou que o contato com a ex-empregadora
começou aos 8 (oito) anos, quando ela bateu em sua porta para pedir comida: "Fui lá pedir um
pão, pois eu estava com fome. Ela falou que não me dava se eu não morasse com ela". Ainda
quando criança, ela foi proibida de frequentar a escola. Nunca recebeu salário regularmente
ou conforme as leis trabalhistas: “Me dava R$ 200 ou R$ 300 por mês", disse.
Mas o principal efeito da divulgação desse caso de resgate foi interno, a sociedade
brasileira pôde perceber que havia no país uma exploração silenciosa e que estava roubando
vidas inteiras, em razão do padrão de exploração ser muito parecido: crianças “adotadas”, que
na verdade eram criadas por outras famílias para serem empregadas domésticas, inclusive
começando muito cedo a trabalhar.
Reflexo disso foi o aumento de denúncias dessa natureza, o que motivou mais ações
fiscais e mais trabalhadoras resgatadas em 2021. Em alguns dos casos em que a relação de
trabalho não era considerada análoga à escravidão, muitas vezes havia uma informalidade
muito grande, no mínimo.
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Em relação à autodeclaração de raça, 72% se declararam pretas ou pardas, 11%
brancas, 11% amarelas e 6% indígenas. Esse recorte de raça do trabalho escravo doméstico é
bastante similar ao perfil dos resgatados em 2020 em todas as atividades econômicas, onde
77% eram pretos ou pardos, 18% eram brancos e 5% eram indígenas.
Esse fator, resultante de uma cultura patriarcal, também é o mesmo que, na maioria
dos casos, faz com que os homens saiam em busca do sustento para a família, ao passo que as
mulheres fiquem cuidando da casa e dos filhos. O diálogo entre raça e escravidão igualmente
é muito íntimo no trabalho escravo doméstico, ressaltando a dívida histórica que o Brasil tem
com o povo negro escravizado desde a formação do país.
REFERÊNCIAS
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TRÁFICO SEXUAL DE MULHERES: LIMITE À LIBERDADE SEXUAL OU
CONSEQUÊNCIA DA VULNERABILIDADE SOCIAL?
O presente trabalho tem por objetivo analisar o tráfico sexual de mulheres a partir de
diferentes perspectivas, isto é, com base no tensionamento entre a vulnerabilidade social
subscrita a fatores como gênero, raça e classe, e os limites à liberdade sexual feminina. Para
tanto, foi adotada a metodologia de estudo comparativo, associando recentes dados estatísticos
nacionais e internacionais às contribuições de autoras acerca do tema, juntamente com
levantamento jurisprudencial nacional. Ademais, para melhor compreensão da modalidade
sexual do tráfico de pessoas e de seus impactos no Brasil, pretende-se, inicialmente, uma breve
recapitulação de como ela se deu nos séculos XX e XIX e foi alterada a partir do Protocolo de
Palermo (2000).
No século XIX e no início do século XX, o tráfico de pessoas era amplamente discutido
por países da Europa, bem como pela comunidade internacional, no contexto posterior à
abolição da escravatura em ex-colônias europeias (CASTILHO, 2019, p. 1). Nesse período, o
tráfico humano estava associado à prostituição e à exploração sexual, de forma que,
inicialmente, os protocolos e as convenções se preocupavam em proteger apenas mulheres
brancas das atividades relacionadas ao sexo, fossem elas voluntárias ou não (CASTILHO, 2019,
p. 4). O evidente recorte de raça e de gênero indica as noções sociais do período histórico
supracitado, em que o patriarcado e o racismo estrutural ditavam o perfil das vítimas em
potencial, diminuindo a proteção legal de outros grupos como mulheres de cor (KEMPADOO,
2005, p. 7).
Nota-se, nessa versão, a previsão somente da modalidade sexual do tráfico de pessoas,
juntamente com a necessidade de o sujeito passivo ser feminino. Contudo, isso mudou a partir
do Protocolo de Palermo, instrumento legal instituído em 2000 e ratificado pelo Brasil em 2004.
As principais alterações proporcionadas pelo Protocolo foram a variedade de finalidades do
tráfico humano, para além da modalidade sexual, bem como a constatação de que qualquer
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Graduanda em Direito pela UFMG. Av. João Pinheiro 100, Centro, Belo Horizonte - MG. Tel. 31 3264-4746.
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E-mail: shevah.ahavat@gmail.com
pessoa pode ser vítima, dada a multiplicidade de perfis aliciados para essa grave violação de
direitos (CASTILHO, 2019, p. 5). Como consequência da ratificação brasileira ao tratado,
diversas mudanças legislativas alteraram a tipificação do crime no Código Penal. A mais
recente ocorreu pela Lei nº 13.344/2016, que retirou especificações quanto ao gênero da vítima
e acrescentou cinco incisos que tratam das possíveis modalidades de tráfico. Também vale
ressaltar a mudança de capitulação, uma vez que o antigo art. 231 foi extinto, passando a vigorar
o novo art. 149-A, categorizado como crime contra a liberdade individual, próximo ao tipo
referente ao trabalho análogo ao escravo, disposto no art. 149, também do Código Penal.
Embora essas relevantes atualizações legislativas permitam melhor compreensão e
combate ao tráfico de pessoas, é notória a permanência das mulheres como as principais
vítimas, sobretudo quando para fins de exploração sexual. O mais recente Relatório Global
sobre Tráfico de Pessoas do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC),
indica que mulheres e meninas compõem 65% do total de vítimas (UNODC, 2021, p. 34). Além
disso, a finalidade de exploração sexual, que envolve fundamentalmente vítimas femininas
(92%), constituiu metade dos casos de tráfico de pessoas no mundo (UNODC, 2021, p. 11).
Nota-se, também, que entre as mulheres traficadas, 77% foram para exploração sexual
(UNODC, 2021, p. 34). Assim, o gênero feminino é relacionado à incidência dessa violação de
direitos, o que justifica o recorte relativo às mulheres adotado no presente estudo, não mais por
uma limitação legislativa - como ocorria na primeira redação do crime no Código Penal de 1940
-, mas devido à realidade fática e estatística apresentada.
Para tratar da alta incidência do tráfico sexual envolvendo mulheres, é necessário,
primeiramente, abordar a polêmica distinção entre prostituição voluntária e exploração sexual.
Diferentes vertentes abordam essas práticas ora como diferenciadas a partir do consentimento
do indivíduo, ora como muito semelhantes, já que a prostituição não poderia ser entendida como
trabalho verdadeiro, mas inerentemente como exploração (PISCITELLI, 2012, p. 5). Dentre as
diferentes abordagens, é possível destacar os modelos abolicionista e trabalhista, associados,
respectivamente, ao feminismo radical e ao transnacional, sendo este o feminismo “do terceiro
mundo” conforme a nomeação de Kamala Kempadoo (KEMPADOO, 2005, p. 7). O modelo
abolicionista entende que a “compra” do sexo por meio de dinheiro se trata de grave violência,
de modo que qualquer consentimento nesse sentido seria inválido, sendo a prostituição uma
forma de inerente violação de direitos humanos, e, portanto, exploração (BARRY, 1997, p. 27).
Por outro lado, a noção trabalhista interpreta a prostituição voluntária como um trabalho que
deve ser regulamentado pela esfera estatal, a fim de assegurar garantias às trabalhadoras e aos
trabalhadores sexuais. Tal visão é, inclusive, explicitada nos próprios termos do Relatório
Global da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2005, em que a exploração sexual,
por outro lado, seria composta por “situações nas quais mulheres ou homens entram, de forma
involuntária, na prostituição ou em outras formas de atividade sexual comercial, ou entram na
prostituição por vontade própria, mas não podem abandoná-la” (PISCITELLI, 2012, p. 11).
Nota-se que um dos principais pontos de conflito recai na compreensão da vontade da pessoa
ser - ou não - entendida como suficiente e válida para a descaracterização da conduta
exploratória sexual. No próprio ordenamento nacional, questiona-se o consentimento como
possível excludente do crime de tráfico de pessoas, questão que, para ser melhor explorada,
perpassa os conceitos da liberdade sexual (neste recorte, das mulheres) em conjunto com as
circunstâncias de vulnerabilidade, além de como ambas variáveis operam diante do
consentimento das vítimas em potencial.
Primeiramente, tem-se a liberdade para consentir como ponto chave da Revolução
Sexual nas décadas de 1960 e 1970, quando a liberdade de dispor da intimidade e do corpo
foram pautas feministas importantes, a fim de desvencilhar as mulheres de amarras sociais e
morais tradicionalmente estigmatizantes, “em uma busca de exercício da sexualidade até então
tomada como tabu” (AZEVEDO, 2005, p.4). Nessa perspectiva, a livre disposição do corpo não
deveria ser limitada, podendo a mulher consentir, inclusive, com atividades como prostituição
e produção de material pornográfico. Nesse sentido, conforme pontua Kamala Kempadoo, a
perspectiva do feminismo transnacional vê tal liberdade como fulcral para a agência sexual
feminina:
Nesta perspectiva, (...) [as mulheres] são concebidas como sujeitos atuantes,
auto-determinados e posicionados de maneira diferente, capazes não só de
negociar e concordar, mas também de conscientemente opor-se e transformar
relações de poder, estejam estas enraizadas nas instituições de escravidão,
prostituição, casamento, lar ou mercado de trabalho. (...) Assim, em lugar de
definir a própria prostituição como uma violência inerente contra as mulheres,
são as condições de vida e de trabalho em que as mulheres podem se encontrar
no trabalho do sexo, e a violência e terror que cercam esse trabalho num setor
informal ou subterrâneo que são tidos como violadores dos direitos das
mulheres e, portanto, considerados como “tráfico”. (KEMPADOO, 2005, p.
8)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Lilian Henrique de. Para ser mulher: feminismo, revolução sexual e a
construção de uma nova mulher em revistas no Brasil (1960-1975). Londrina, 2005.
Disponível em: https://bit.ly/3oGsguB Acesso em 08 out 2021.
BARRY, Kathleen: Prostitution of sexuality: a cause for new international human rights.
Journal of Loss and Trauma, 2:1, 1997.
CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de Pessoas: da Convenção de Genebra ao. Protocolo
de Palermo. Disponível em: https://bit.ly/3anm569 Acesso em 15 set 2021.
Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio
de Janeiro, 31 dez. 1940.
Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2017 a 2020. Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime; Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2021.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Crimes sexuais: bases críticas para a reforma do
direito penal sexual. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
UNODC, Global Report on Trafficking in Persons 2020. United Nations publication, Sales
No. E.20.IV.3, 2021.
TRÁFICO SEXUAL E AS MÍDIAS SOCIAIS QUE APOIAM A MANIPULAÇÃO E
APRESAMENTO DE MULHERES NA AMÉRICA LATINA
1
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail:
beatrizbiactrindade@gmail.com. (17)99208-0204. Endereço: Rua Araraquara, número 15,
bairro São Sebastião. Bebedouro. São Paulo.
2
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail:
lu.ranuzzi10@gmail.com. (34)9827-7429. Endereço: Helena Argentina Canova, 191, São José.
Paulínia, SP.
americana. Hodiernamente, pode-se abordar a presença de uma nova aliada poderosa para
todos esses processos: as mídias sociais, que espalham instantaneamente essa visão, a qual se
tornou até mesmo padronizada, e, por vezes, objeto de desejo e objetivo final de muitas
mulheres que se culpam por não serem tão parecidas com o ideal irreal apresentado desde os
primórdios
O conceito de Pierre Bourdieu da construção social do corpo, se enquadra perfeitamente
na situação:
O mundo social constrói o corpo como realidade sexuada e como depositário
de princípios de visão e de divisão sexualizantes. Esse programa social de
percepção incorporada aplica-se a todas as coisas do mundo e, antes de tudo,
ao próprio corpo, em sua realidade biológica: é ele que constrói a diferença
entre os sexos biológicos, conformando-a aos princípios de uma visão mítica
do mundo, enraizada na relação arbitrária de dominação dos homens sobre as
mulheres, ela mesma inscrita, com a divisão do trabalho, na realidade da
ordem social. (BOURDIEU, 2012, p. 18-20, grifo do autor)
Bourdieu (2012) ainda afirma que a socialização feminina é bastante impositiva quando
se relaciona aos limites impostos ao corpo, estando ligados, o corpo e a moral. O autor aborda
que os valores que constituem o ser feminino são interiorizados por meio de vestimentas,
formas de caminhar e partes do corpo que podem ou não estar visíveis. Existe uma
aprendizagem corporal sobre ser feminina: impõe-se o que é permitido a ela no
condicionamento de seu corpo. E, por conta disso, as mulheres que povoam a latino-américa
acabam sendo consideradas mais vulgares, mais abertas e até mesmo levam a alcunha de serem
“fáceis”, ou de serem mais abertas ao prazer sexual que as de outras regiões globais, tudo isso
por conta da constituição corporal do local, do clima que dita as vestimentas e pelo padrão e
ideologias sexistas ultrapassadas perpetuadas um tanto quanto frequentemente (BORDIEU,
2012).
Um outro conceito relevante nesse sentido, é o de violência simbólica, tratada por Souza
(2014), que seria o exercício do poder simbólico pela classe dominante, a qual tem o monopólio
dessa questão, submetendo todo o restante da sociedade. Esse poder simbólico, por sua vez, se
perpetua não por uma coerção física diretamente, ele passa despercebido pelos indivíduos
submetidos a ele. O autor discorre que as instituições exercem o poder através de estruturas,
como a mídia. Os meios de comunicação são estruturados, o que significa que são baseados
nos valores da ideologia dominante de uma sociedade. A mídia, como estrutura, exerce
influência da classe dominante para todas as camadas da sociedade através de suas proposições
e ideias, sendo, portanto, estruturante. Esses mecanismos operam de maneira muito sutil e
passam despercebidos, por isso são denominados de violência simbólica (SOUZA,2014).
A violência simbólica colabora com as desigualdades sociais, torna permissiva e
justifica a violência física e psicológica contra determinados segmentos ou grupos específicos,
e colabora para a perpetuação da padronização do corpo feminino, da subjugação deste e para
a perpetuação de estereótipos, questões que corroboram para um problema muito mais grave,
o tráfico sexual.
Por sua vez, uma análise histórica do tráfico de pessoas, em especial aquele que envolve
a exploração sexual de mulheres, demanda um certo conhecimento a respeito do início da
escravidão como um todo, assim como o papel da mulher ao longo dos anos dentro da
sociedade. Por exemplo, há registros de trabalho escravo desde o cerne da civilização humana,
quando povos que perdiam alguma disputa territorial eram escravizados pelos vencedores, ou
a própria subjugação de criminosos à escravidão como forma punitiva. Esses primeiros modos
de servidão forçada eram muito comuns no Império Romano ou dentro da civilização grega
(RODRIGUES, 2013). Ainda em relação a civilização grega, esta pode explicar muito sobre a
visão do tráfico frente às mulheres, suas maiores vítimas. Sabendo que a sociedade é regida
por um posicionamento patriarcal e sexista, o papel da mulher mudou gradativamente ao longo
dos anos, mas sempre possuiu uma posição de menor importância que o homem. Na Grécia
Antiga, por exemplo, mesmo apresentando todas as características que um homem, ainda não
eram consideradas cidadãs. À elas era dado o trabalho de manter a família e desenvolver
atividades manuais, enquanto que o homem era aquele que podia participar ativamente das
decisões da polis (LOPES, s.d)
Mais tarde, durante o tráfico de pessoas negras, foi possível ver um novo tipo de
escravidão surgir: uma baseada na cor da pele. Nesse caso, não era preciso ter cometido
nenhum crime, o próprio colonialismo criou uma retórica de que pessoas negras vindas de
países pobres e subdesenvolvidos, subjugados por metrópoles. Assim, as metrópoles europeias
e suas colônias se edificaram sobre o trabalho forçado da população negra, arrancada de suas
famílias, de suas casas e de suas liberdades. O sistema era ainda mais cruel, por ser respaldado
pelo aparato legal, ou seja, a lei ao invés de proteger a vítima, protegia os donos de escravos
(RODRIGUES, 2013).
Já nesse contexto de escravidão, as mulheres tinham trabalhos diferentes a serem
executados. A exploração sexual era comum de ocorrer com a escrava pelo seu senhor, que em
vários casos de julgamento justificavam que não havia crime, desde que a vítima não tinha
pleno controle sobre sua vida, ou seja, o escravocrata não poderia ter estuprado a mulher porque
ela era uma escrava o que não garantia poder sobre seu corpo. Por não ser livre, a mulher não
teria qualquer direito sobre seu próprio corpo, fazendo com que mesmo algo tão íntimo
estivesse sob domínio do dono do escravo. É válido lembrar, também, que esses crimes (apesar
de não serem considerados assim na época) ocorriam até mesmo com crianças (RODRIGUES,
2013). Isto é uma evidência de que, mesmo com as mudanças na lei (hoje a escravidão não é
mais legal), muitas concepções se mantiveram estáticas. As mulheres ainda são levadas a crer
que seu poder sobre seu próprio corpo é um direito volúvel, que o homem pode facilmente
tomar para si.
Após o século XIX, o tráfico de pessoas continuou acontecendo, mas dessa vez de modo
mais velado e desamparado pela justiça. Atualmente, existem inúmeros tratados que buscam
acabar com o tráfico e exploração sexual de pessoas, mas ainda é possível encontrar grandes
brechas na lei de muitos países, especialmente nos da América Latina. No início do século XX,
havia uma grande preocupação com as vítimas brancas e, em sua maioria europeia, sendo
traficadas na Europa e América, mas com a chegada dos anos 80, os países pobres e
subdesenvolvidos tornaram-se os maiores fornecedores de mulheres para o tráfico sexual.
Muitas, eram levadas da América Central e Sul, ludibriadas por promessas de trabalho, para
serem exploradas na Europa Ocidental ((RODRIGUES, 2013). Isso, claro, apenas piorava
quando uma nação passava por momentos de crise ou conflito, como o caso de Venezuela,
Haiti e Bolívia. Além disso, as maiores vítimas continuam sendo mulheres adultas e, entre as
crianças, aquelas do sexo feminino também são as mais traficadas para este fim, justamente
devido uma cultura de desvalorização da mulher e seu poder sobre o próprio corpo (UNODC,
2020).
Sabendo de todas as questões, pode-se perceber uma tênue linha ligando as mídias
sociais com o tráfico internacional. Essa é uma questão muito abordada atualmente,
principalmente na sociedade de modernidade líquida definida por Bauman, onde as redes
sociais e outros instrumentos configuram um papel central no isolamento de muitas pessoas.
Primeiramente, pode-se citar que elas corroboram para que haja a criação de um ideal de corpo
que começa a se tornar uma certa obsessão: todos querem ter aquele mesmo estereótipo, mas
isso não é real e pode até mesmo prejudicá-las em questões de saúde.
Outrossim, é por meio de vídeos e fotos propagados, que certas visões estereotipadas
são retratadas, como o fato de considerarem as mulheres latino-americanas mais receptivas e
mais “soltas” de uma maneira sexual. Por vezes, publicações são retiradas de contexto e
espalhadas sem consentimento, o que prejudica a imagem que essas mulheres têm de si, abalam
sua confiança e afetam suas vidas de maneira inimaginável.
E, mais concretamente, as redes sociais e seus bate-papos são utilizados para atrair as
vítimas, ameaçando-as, fazendo-as acreditar que não tem mais nenhuma opção a não ser
recorrer àquele método, ou ainda utilizando truques e promessas vazias de uma vida melhor.
As maiores vítimas são mulheres e crianças, as quais se deixam levar pelos argumentos dos
conquistadores, os quais, segundo o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as
Mulheres, Cedaw, se tornaram ainda mais frequentes durante a pandemia de COVID-19 (ONU
NEWS, 2020).
Portanto, é necessário afirmar que é imprescindível a atuação do governo na busca de
eliminar esse tipo de tráfico, com realce ao uso crescente da mídia social para recrutar vítimas
durante a pandemia, que vagam desde a discriminação baseada no sexo, as injustiças
socioeconômicas nos países de origem, as políticas de migração com preconceito de gênero e
sistemas de asilo em países estrangeiros, bem como conflitos e emergências humanitárias.
REFERÊNCIAS:
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 11. ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 50-120.
Lopes, Ana Maria D’Ávila; Jucá, Roberta Laena Costa; Costa, Andréia da Silva. Gênero e
Tráfico de Mulheres. Florianópolis, SC: Conceito Editorial, p. 15-39.
ONU News. Redes sociais têm sido mais usadas por traficantes de mulheres e meninas em
pandemia. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2020/11/1732552>. Acesso em: 12
Oct. 2021.
SOUZA, Rafael Benedito de. Formas de pensar a sociedade: o conceito de habitus, campos
e violência simbólica em Bourdieu. Revista Ars Historica, Rio de Janeiro, n.7, p. 139-151,
jan./jun. 2014. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2021.
A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE
INTERSECCIONALIDADE NO MEIO LABORAL E SUAS IMPLICAÇÕES EM
RELAÇÃO AO TRABALHO ESCRAVO DE MULHERES NEGRAS NO BRASIL1
Esse trabalho tem como premissa a análise bibliográfica da obra Calibã e a Bruxa, de Silvia
Federici, em consonância com o trabalho de Bell Hooks na obra Teoria Feminista, a fim de se
compreender as origens da divisão sexual do trabalho em meio ao surgimento de um
capitalismo embrionário, ao mesmo tempo que se analisa a situação das mulheres negras dentro
do contexto do feminismo elitista. Todo esse estudo foi feito para se entender as raízes da
problemática de raça, gênero e classe que estão intrinsecamente relacionados ao meio laboral,
desde os primórdios da Idade Média até os dias contemporâneos. Por conseguinte, pretende-se
discutir a interseccionalidade em relação às mulheres negras exploradas em trabalhos forçados
e/ou análogos à escravidão, utilizando, para isso, dados levantados por uma pesquisa de 2003
e o estudo do caso de Madalena Gordiano.
Pode-se dizer que a vigilância estatal que subjugou a mulher desde o período da Idade
Média, reside principalmente no fato de que a Igreja tinha controle sobre seus corpos e sua
procriação. Com a criminalização dos métodos de contracepção utilizados na época, tais como
poções e supositórios vaginais abortivos, as mulheres deixaram de ter autonomia sobre sua
própria sexualidade, pois a Igreja as expropriou de todo o saber que era passado de geração em
geração, sendo isso a única coisa que lhes garantia alguma liberdade em relação à geração de
filhos. Nesse viés, o Estado degradou a maternidade, reduzindo-a à condição de trabalho
forçado, o que acabou por confinar a mulher à atividade reprodutiva (FEDERICI, 2019). Pode-
se dizer, portanto, que nesse período surgiram os primeiros indícios da desvalorização do
trabalho feminino e da atribuição da mulher ao trabalho doméstico forçado, o que
posteriormente é notável na realidade brasileira contemporânea, principalmente no que diz
respeito à situação atual das mulheres negras no país.
1
Eixo temático: Gênero, raça e classe - uma análise interseccional do trabalho escravo e do tráfico de pessoas
2
Estudante do 4° período da Graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Diretora
de Mulheres do Centro Acadêmico Afonso Pena. Extensionista e pesquisadora voluntária do Programa de Ensino,
Extensão e Pesquisa RECAJ da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora voluntária pelo
PRUNART. E-mail: ccma@ufmg.br. Endereço: Avenida Bias Fortes, 1122, Bairro Lourdes, Belo Horizonte, (37)
99801-6139.
negras e de classe baixa dentro do próprio movimento feminista, majoritariamente branco e
elitista. Sendo assim, o objetivo geral deste estudo é compreender como a interseccionalidade
no meio laboral pode contribuir para o entendimento acerca dos motivos que levam as mulheres
negras a estarem inseridas fortemente no ambiente de trabalho escravo.
Desse modo, pode-se elencar os seguintes objetivos específicos de tal pesquisa: (i)
compreender de forma clara as origens da desvalorização do trabalho feminino em meio à
divisão sexual do trabalho; (ii) entender a posição da mulher negra dentro da sociedade e sua
exclusão frente aos movimentos feministas originários; (iii) relacionar por meio da
interseccionalidade os fatores de exclusão da mulher negra com sua desvalorização em meio
ao sistema laboral, a fim de abranger o trabalho forçado como problema central deste estudo.
Visando atingir os objetivos aqui propostos, esse resumo seguirá a vertente crítico-
metodológica, que parte de uma teoria crítica da realidade (DIAS, GUSTIN, NICÁCIO, 2020,
p. 64). Além disso, pode-se enfatizar que o gênero da pesquisa enquadra-se no tipo teórica
(DIAS, GUSTIN, NICÁCIO, 2020, p. 74), versando a revisão de teorias, conceitos e
referências, seguindo uma linha de raciocínio que se atualiza constantemente, embasando-se
na realidade factível. Dessa forma, tal revisão será feita cruzando as obras de Silvia Federici
(2019) e Bell Hooks (2019), a fim de se entender a temática em toda a sua complexidade.
Silvia Federici (2019) faz uma excelente análise no que diz respeito ao papel da mulher
na sociedade dentro de um contexto laboral. Assim como já foi dito anteriormente, neste
estudo, a criminalização do controle sobre a procriação retirou das mulheres a única autonomia
que essas tinham em relação aos seus corpos. A mulher foi confinada à função de reprodução,
de fazer filhos para seus maridos. Logo, não havia espaço para a mulher em outra profissão,
que não fosse aquela destinada pelo casamento, sendo esse, “a verdadeira carreira para uma
mulher”, pelas próprias palavras da autora. Nesse contexto, muitas mulheres solteiras
acabavam sendo expropriadas de suas terras, o que somado à perda de oportunidade no trabalho
assalariado, resultou no crescimento exponencial da prostituição.
Nesse ponto, é interessante dizer que a prostituição já foi vista de dois modos diferentes
ao longo da história. Na Baixa Idade Média, ela era aceita e incentivada pelo Estado e pela
Igreja, a fim de controlar a desordem dos trabalhadores jovens. Após o século XVI, como a
prostituição estava se tornando a principal fonte de renda das mulheres, a Igreja e o Estado
passaram a crimininalizá-la, num contexto de extrema misoginia, marcada fortemente pela
Reforma Protestante e pela famosa caça às bruxas (FEDERICI, 2019).
As mulheres lutaram por muito tempo para alcançarem algum espaço em meio ao
sistema laboral. Passaram pela discriminação frente ao machismo e à misoginia, à violência
sexual e ao controle árduo da própria Igreja. Foi justamente esse histórico de exclusão que deu
ensejo à construção de um novo patriarcado, que obrigava as mulheres a serem dependentes do
trabalho masculino (FEDERICI, 2019). Em meio a isso, mapeou-se o surgimento de uma nova
divisão sexual do trabalho, que diferenciava as tarefas dos homens e das mulheres, assim como
também definia suas experiências, vivências, a relação com o dinheiro e com a classe
trabalhadora. Todo esse contexto emerge num meio de acumulação primitiva, na qual o
capitalismo embrionário, futuramente predatório, passa a ser construído, de forma rápida e
destrutiva. A desvalorização do trabalho feminino nesse processo, contribuiu fortemente para
o crescimento do próprio capitalismo, que incentivava a diferença de poder entre homens e
mulheres, a fim de mascarar o verdadeiro problema: a diferença de classes (FEDERICI, 2019).
Os primeiros movimentos feministas existentes, puramente capitalistas e elitistas, seguiram
totalmente a linha pregada pelo capitalismo desde os primórdios do seu nascimento, buscando
os direitos apenas daquelas mulheres que estavam inseridas num alto padrão de sociedade, mas
que infelizmente não tinham liberdade de fazer o que queriam ou de expressar suas vontades.
Era óbvio, que os problemas de tais mulheres tratava-se de um reflexo de toda a exclusão
existente até então, contudo, muitas mulheres ficaram de fora desses movimentos, excluídas
por muito tempo, por não se encaixarem nos estereótipos exigidos.
Como disse Bell Hooks (2019), essas mulheres formavam uma “maioria silenciosa”,
que estando em situação de vítima, só lhes restava aceitar o destino que lhes era imposto. As
feministas eram, portanto, um seleto grupo de mulheres, esposas brancas de classes superiores
e com nível superior de ensino, que buscavam local de fala e direito a uma carreira. As mulheres
negras e de classe baixa, infelizmente, foram esquecidas durante esse processo e continuaram
submetidas ao poder esmagador do capitalismo, vítimas não somente do sexismo, mas também
do racismo e das diferenças de classes. Percebe-se hoje, que o feminismo do passado não
conseguia fazer a ligação necessária entre raça e classe social, o que atualmente tem sido
modificado com novas vertentes feministas, tal como visto na obra “Feminismo para os 99%:
um manifesto”, escrita por Nancy Fraser, Cinzia Aruzza e Tithi Bhattacharya.
A exclusão das mulheres negras dos movimentos dissidentes modernos é uma pauta
importante quando se fala da relação desses indivíduos com o trabalho escravo. Por muitas
vezes as mulheres negras foram subjugadas, colocadas em situações de inferioridade e na base
da pirâmide social, esquecidas e silenciadas até mesmo pelas próprias mulheres brancas
(HOOKS, 2019). Como disse Hooks (2019), a ideia feminista de que o trabalho libertaria as
mulheres era errônea, pois muitas mulheres, pobres e operárias e principalmente as mulheres
de cor, eram alienadas do movimento feminista e de suas conquistas. Ocorre, por conta dos
fatores citados anteriormente, a associação dessas pessoas com trabalhos subalternos, surge
aí a vinculação das mulheres negras ao trabalho doméstico, ou a empregos com condições
insalubres, e frequentemente, trabalhos forçados e/ou análogos à escravidão. É chocante de se
dizer, que em pleno século XXI, possa existir esse tipo de vínculo laboral, no entanto, essa
realidade está presente em muitas localidades espalhadas pelo Brasil. Segundo a Organização
Internacional do Trabalho, existem diferentes definições que estão associadas ao mesmo tipo
de violação dos direitos humanos (BOLZON, VASCONCELOS, 2008), dentre essas
definições destaca-se nesse estudo a escravidão, que seria um tipo de trabalho forçado com
controle absoluto sobre o indivíduo ou indivíduos e também as práticas análogas à escravidão,
que de acordo com o art. 149 do Código Penal, diz respeito ao trabalho forçado, com jornadas
exaustivas e condições insalubres, além de restrição para locomoção devido à dívidas
contraídas com o empregador.
Com base nisso, é perceptível por meio de pesquisas, que as mulheres negras são
maioria quando se fala de mulheres em situações de escravidão. Embora os homens
correspondem a 95% dos trabalhadores escravizados e apenas 5% são de mulheres, esse grupo
merece atenção, afinal, 53% dessas mulheres eram negras (sendo 42% pardas e 11% negras).
Esses dados foram extraídos dos cadastros do Seguro-Desemprego em 2003, com base nos
resgates feitos pelos Grupos de Fiscalização Especiais Móveis e mostram a verdadeira face do
mundo laboral num contexto contemporâneo brasileiro (CASTELI, SUZUKI, TERUEL,
2020).
Recentemente, um caso surpreendeu a mídia nacional, quando veio a tona a história de
uma mulher de 47 anos, chamada Madalena Gordiano, que viveu em situação análoga à
escravidão por 38 anos. Gordiano tinha como função, cumprir os afazeres domésticos na casa
da família de Maria das Graças Milagres Rigueira, onde esteve por quase quatro décadas. A
família, notavelmente abastada, além de explorar Madalena Gordiano como doméstica,
controlava a pensão que a mesma recebia, não permitindo que a mulher tivesse acesso ao
próprio dinheiro. Esse caso chocante, mostra claramente como a exploração racial ainda está
presente no Brasil, em diversos lares e localidades, frequentemente escondidas por famílias de
classe alta. É a prova de que a questão racial no país está intrinsicamente relacionada ao sistema
laboral escravista ainda nos dias de hoje, sendo isso um resquício traiçoeiro do período
escravocrata brasileiro.
Nota-se que essa realidade é um reflexo direto de toda a historicidade que foi exposta
aqui, partindo da desvalorização do trabalho feminino, do surgimento e incentivo da divisão
sexual do trabalho fomentada pelo próprio capitalismo e também pela exclusão em massa dos
movimentos feministas com as mulheres pobres e negras. É visível que por não conseguirem
ter acesso a empregos dignos, por conta de inúmeros fatores como sexismo, racismo, diferenças
de classe, dentre outros, muitas brasileiras negras acabam por se submeterem a situações
degradantes, o que as impede de garantir seu mínimo existencial, uma garantia constitucional,
que deveria ser, em tese, inviolável.
Em síntese, é com base na interseccionalidade, ou seja, no estudo das múltiplas facetas
da opressão, que torna-se possível vislumbrar toda a complexidade da inferiorização da mulher
negra, tendo em vista sua localização na base de uma pirâmide social construída em alicerces
capitalistas e não somente misóginos, como também racistas. O racismo é um problema muito
mais que estrutural, encontra-se engendrado nos costumes e nas relações interpessoais e
constantemente é reforçado indiretamente pelos poderes estatais, quando estes negligenciam a
existência dessa problemática. O entendimento das origens da diferença e o conhecimento
acerca da verdadeira face do capitalismo predatório, são pontos iniciais que permitem ao
cidadão comum perceber a incrível dinâmica excludente e anti-humanitária em que estamos
inseridos.
Embasado em toda a análise proposta, torna-se notável a percepção de que a
interseccionalidade é uma via crítica necessária no contexto analítico da situação da mulher
negra em meio à sociedade como um todo. A visualização das diferentes formas de opressão,
permite ao observador notar nuances que isoladamente não seria possível de serem enxergadas,
pois as diferenças de classe, raça e gênero são fatores que impactam diretamente neste grupo
de indivíduos aqui analisados.
Sendo assim, torna-se necessário o estudo aprofundado de tal temática, a fim de
entender em toda sua complexidade a exclusão social e política sofrida pela mulher negra e
como isso impacta negativamente em sua vida laboral, confinando muitas ao trabalho
escravo, ainda em pleno século XXI. Observa-se, portanto, que embora a Lei Áurea, assinada
em 1888, tenha dado “fim” a escravidão, isso não se concretizou, apenas passando de mera
formalidade, vendida ao exterior como bela imagem, mas que na realidade, oculta uma terrível
verdade, na qual homens e mulheres são vítimas constantemente de um sistema cruel e
desumano, uma continuidade da escravidão dos séculos passados, porém mascarada pelo nome
de “trabalho”.
Referências Bibliográficas
ARUZZA, Cinzia. BHATTACHARYA, Tithi. FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: Um Manifesto. São
Paulo: Boitempo, 2019.
BOLZON, Andréa; VASCONCELOS, Marcia. Trabalho forçado, tráfico de pessoas e gênero: algumas
reflexões, 2008.
CASTELI, Thiago; SUZUKI, Natália; TERUEL, Rodrigo. Trabalho Escravo e Gênero: Quem são as mulheres
escravizadas no Brasil?, Equipe: Escravo, nem pensar. São Paulo, 2020.
DIAS, Maria Tereza Fonseca; GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; NICÁCIO, Camila Silva. (Re)pensando a
Pesquisa Jurídica: teoria e prática. 5. ed. São Paulo: Almedina, 2020.
HOOKS, Bell. Teoria Feminista: Da Margem ao Centro. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019.
TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NO ESTADO DO AMAZONAS:
ANÁLISE DA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA E JUDICIAL NOS CASOS DE
RESGATE (1995 - 2019).
RESUMO
Analisa o perfil das infrações trabalhistas identificadas nas fiscalizações que resgataram pessoas
da condição de escravidão contemporânea no estado do Amazonas, com base na pesquisa inicial
do Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
1
Graduanda em Direito na Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Av. Humberto Calderaro Filho, casa 06,
quadra D, Adrianópolis, Manaus - AM. (92) 98172-4599. elv.dir17@uea.edu.br
2
Doutorando em Direito na Universidade Federal do Pará (UFPA, 2020). Mestre em Direito Ambiental pela
Universidade do Estado do Amazonas (UEA, 2018). Auditor Fiscal do Trabalho (2011). Professor de Direito e
Processo do Trabalho. Av. Professor Nilton Lins, 2401, torre 4, apto 403, Condomínio Brisas do Parque, Manaus
- AM. (92) 98805-4966 emersonvictor.sa@gmail.com
Inicialmente, promove-se o levantamento das infrações identificadas pelas equipes de
fiscalizações de trabalho escravo, nas ações realizadas de 1995 a 2019. Nesse espaço de tempo,
foram lavrados 474 autos de infração na ementa dedicada à conduta de submissão de pessoas à
condição de trabalho escravo, cuja capitulação encontra-se associada ao artigo 444 da
Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, em combinação com o artigo 2º-C da Lei
7.998/1990 e com base na conceituação normativa presente no artigo 149 do Código Penal,
quanto ao labor em condição análoga à de escravo.
A partir da Lei 10.833/2003, o conceito de trabalho escravo passou a abranger de modo expresso
a jornada exaustiva e as condições degradantes, cujo conteúdo se entende importante deixar
expresso. Sendo assim, jornada exaustiva é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental,
que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do
trabalhador relacionados à segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social. Por sua vez,
a condição degradante envolve a negação da dignidade humana pela violação de direito
fundamental do trabalhador, especialmente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e
de segurança, higiene e saúde.
Essas noções decorrem da redação do artigo 7˚, II e III, da Instrução Normativa 139 (BRASIL,
2018), que consolida o entendimento da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho
Escravo quanto às principais condutas observadas pela fiscalização laboral nas ações que
resultam na identificação de trabalho escravo contemporâneo, em conformidade também com
o artigo 2˚, II e III, da Portaria 1.293 (BRASIL, 2017), do Ministério do Trabalho e Previdência.
Referências
FIGUEIRA, Ricardo Rezende; ESTERCI, Neide. Slavery in Today?s Brazil: Law and Public
Policy. Latin American Perspectives, v. XX, p. 0094582X1769991, 2017. Disponível em:
http://www.gptec.cfch.ufrj.br/artigos/ricardo_e_neide_slavery_in_today_Brasil.pdf. Acesso
em 29 abr. 2021.
SILVA, Érica de Kássia Costa da; FERREIRA, Vanessa Rocha. Trabalho escravo
contemporâneo e o desmatamento na Floresta Amazônica: crise de garantias no Estado
Democrático de Direito. Revista de Direito e Sustentabilidade. Goiânia, v. 5, n. 1, p. 40-59,
2019. Disponível em:
https://www.indexlaw.org/index.php/revistards/article/download/5510/pdf. Acesso em 25 abr.
2021.
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E A PERPETUAÇÃO DO TRABALHO
ESCRAVO CONTEMPORÂNEO NA AMAZÔNIA
1
Acadêmico de Direito da Universidade do Estado do Amazonas (2018). Membro da Clínica de Mecanismos de
Soluções de Conflitos (MArbiC/UEA) (2020). Membro da Clínica de Direitos Humanos e Meio Ambiente
(CDH/UEA) (2021). Membro da Clínica de Estudos Constitucionais (CEC/UEA) (2021). Estagiário do Ministério
Público do Estado do Amazonas (2021). Orientando de Projeto de Iniciação Científica (2021). Endereço: Rua Samuel
Belchimol, 641, Smile Village Passeio do Mindú, Parque Dez de Novembro, Manaus, Amazonas, CEP: 69.7557-05.
Telefone: +55 (92) 999405-9404. E-mail: jlbls.dir18@uea.edu.br
2
Graduado em Direito pela Universidade da Amazônia (2006). Advogado (2008). Mestre em Direito Ambiental pelo
Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas (PPGDA-UEA) (2011).
Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) (2015). Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Estado de Minas Gerias (PPGD-UFMG) (2019). Coordenador da Clínica de
Mecanismos de Soluções de Conflitos (MArbiC-UEA) (2016). Rua Lusaka, #13, Quadra 46, Conjunto Campos
Elíseos, Planalto, Manaus, Amazonas, CEP: 69.045-700. Telefone: +55(92)99304-2805. Link do Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9956374214863816 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5903-4203 Contato:
daguiar@uea.edu.br
que se evidenciou no caso concreto foi a continuidade do poder de exploradores de atividades
econômicas sobre o povo da região. Além disso, medidas legais adotadas por distintos governos
brasileiros permitiram, também a entrada de empresas de capital externo na Amazônia, as
quais se mostraram como novas atrizes na exploração de tais terras e na efetivação do trabalho
escravo moderno.
O trabalho análogo à escravidão na região, insere-se nesse contexto, como uma repetição
de uma prática que deveria ter sido abolida desde a decretação da Lei Áurea em maio de 1888, mas
que permanece em dias atuais, onde casos emblemáticos são postos à tona, principalmente em
fazendas no estado do Pará e no sul do Amazonas. Um exemplo a ser citado é o da Companhia
Vale do Rio Cristalino onde, “A natureza excepcional da fazenda não impediu a reprodução do
modelo arcaico de trabalho (a peonagem).” (BUCLET, 2005, p.3).
A metodologia utilizada para tal pesquisa científica é a qualitativa, onde se analisa, de
maneira basilar e primordial a problemática relativa à Regularização Fundiária na Amazônia. De
tal modo, os meios que possibilitam a evolução teórica da temática são os da investigação histórica
e bibliográfica dos fenômenos diversos existentes.
A dificuldade da Regularização Fundiária na Amazônia, traz à tona, até mesmo em caráter
internacional o problema da situação dos trabalhos análogos à escravidão, de tal modo, entende-se
como o perfil de tais trabalhos onde as “jornadas exaustivas, das quais podem ou não haver a
contração de dívidas, cerceamento de direitos, dentre outros.” (AGUIAR; LIMA, 2021, p.31), onde
o trabalhador apresenta uma submissão exacerbada ao empregador.
Além disso, em caráter extranacional entende-se que os dois casos em que o Brasil foi
denunciado, a partir de investigações acerca de violações quanto a existência de trabalhos análogos
à escravidão, ambos ocorreram no estado do Pará. “Este cenário de exploração pode ser entendido
a partir da análise de aspectos históricos, relativos ao processo de ocupação da região amazônica e
que gera efeitos até os dias atuais.” (SILVA; MESQUITA, 2019, p.29).
Fatos esses que ressaltam a importância que o tema apresenta, além de refletir a situação
que deve ser combatida e abolida de uma vez por todas do território nacional brasileiro. Além disso,
destaca-se um outro aspecto preocupante, quando se percebe o caráter lucrativo que as novas
medidas escravistas possuem em detrimento à enfrentada em período colonial no Brasil. Entende-
se que: “Atualmente, o custo do trabalhador é quase zero, pois apenas é pago o transporte e, em
alguns casos, a dívida que o sujeito tinha em algum comércio ou hotel; caso o trabalhador adoeça,
é abandonado e alicia-se outro.” (FERNANDES; MARIN, 2008, p. 72).
Em relação ao viés econômico, também, se demonstra que a entrada do capital exterior na
economia brasileira, a partir das políticas de incentivos fiscais, principalmente nos anos do regime
militar no Brasil, auxiliaram na degradação das relações corretas de trabalho na região amazônica,
bem como permitiu um agravamento das disputas de terras nos locais, sobrepujando as
comunidades tradicionais locais.
Dessa forma, de acordo com o que se estabelece nesta pesquisa, pode-se entender que a
escravidão acaba por persistir na região norte do país. Onde tal perpetuação ocorre por conta de
diversos fatores históricos impregnados no âmago da região, além de ser motivada, essencialmente
pelo lucro que tal prática acaba por proporcionar àquele que a realiza. Além disso, o fato da
população tradicional de tais locais possuir menos acesso à educação e à justiça, por diversos
fatores sociais e econômicos, torna ainda mais difícil o combate ao trabalho escravo
contemporâneo.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Denison Melo de; LIMA, Adriana Almeida. O Trabalho Análogo ao de Escravo dos
Soldados da Borracha na Amazônia Brasileira. In: Quanto vale a dignidade? Estudos
contemporâneos sobre trabalho – Belo Horizonte: RTM, 2021.
FERNANDES, Luciana Sá; MARIN, Rosa Elizabeth. Trabalho Escravo nas Fazendas do Estado
do Pará, Novos Cadernos NAEA, v. 10, n. 1, p. 71-99, jun. 2007.
Tabela 1
1
Graduanda em jornalismo pela UEMG, estagiária na Secretaria de Comunicação da prefeitura dePará de
Minas-MG. <Rua Santa Clara, 20, São Francisco, Pará de Minas-
MG/miriam123damusica@gmail.com/(37) 9 9144-1504>.
2
Graduando em Direito pela UFMG e em licenciatura em filosofia pela UniCesumar,
estagiário na Secretaria de Trâsito de Divinóplis-MG, e professor voluntário no cursinho popular Tia Helia
<Av. Jovelino Rabelo, 712, Porto Velho, Divinópolis-MGraphaelgeraldovaz@gmail.com/(37) 9 8831-
6596>.
Marabá - PA 817
Rondon do Pará - PA 744
Novo Repartimento - PA 648
Rio de Janeiro - RJ 601
Itupiranga - PA 579
Pacajá - PA 510
Fonte: SIT, 2021 (confecção
própria).
Apesar de não ser o objetivo e nem ser factível tentar abstrair conclusões apenas com
base nesses números, sendo necessários estudos maiores e mais complexos, apenas a simples
observação do gráfico já revela padrões e questões interesses que merecem ser revisadas
posteriormente. Dentre os dez municípios do Brasil com o maior número de autos de infração
lavrados em decorrência de trabalho escravo, seis estão situados no estado do Pará. Com
exceção de Marabá e São Félix do Xingu, com populações maiores que 250.000 habitantes, as
outras cidades possuem população em torno de 50.000 a 75.000 pessoas, e Pacajá com apenas
cerca de 12.000 habitantes. Evidente que ao se tratar de fiscalização é praticamente impossível
fazer uma estimativa quanto aqueles trabalhadores, que podem estar em quaisquer localidades
do país, e nunca foram identificados, porém, ainda assim, as altas taxas de autuação em cidades
pequenas e todas localizadas na mesma região são características extremamente alarmantes.
Nessa perspectiva, Sakamoto (2020) que afirma que o trabalho escravo não se encontra
simplesmente perdido e isolado, mas, ao contrário, inserido em uma rede de produção global,
de maneira que "não significa que a economia do mundo dependa do trabalho escravo, mas o
trabalho escravo está na economia do mundo". Além disso, outro aspecto que atrai atenção é o
fato de que ao longo de todos esses anos São Félix do Xingu, uma cidade relativamente pequena,
se encontre praticamente no mesmo patamar de ocorrências que São Paulo, uma das maiores
megalópoles globais. Isso mostra, novamente, o modo como tal panorama abusa do tripé
impunidade, pobreza e ganância que se beneficia em manter esses sujeitos em uma situação de
falta de oportunidades, de vida digna, desde que contribua para inserir as redes de produção nas
redes de comercialização do mercado (SAKAMOTO, 2021).
Para além disso, outro ponto que se alimenta diretamente dessa relação de exploração
é o tráfico de pessoas. O Painel da Inspeção do Trabalho no Brasil também apresenta dados
relacionados a esse triste quadro. Assim, faz-se factível desenvolver a Tabela 2 e 3 que
demonstram, respectivamente, os municípios brasileiros com maior destino e origem de
trabalhadores vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho análogo ao
escravo em todos os anos no território, no mesmo período de tempo já observado anteriormente.
Tabela 2
Tabela 3
Tais dados, embora não necessariamente representem uma relação de origem e destino
dos trabalhadores vítimas de tráfico de pessoas, são interessantes de serem analisados e
visualizados em conjunto e em contraste. Sobre as cidades com maior origem apenas Itaituba
possui mais de 100.00 habitantes, Murici e Porteirinha têm em torno de 30.000 pessoas e todas
as demais cidades não ultrapassam 15.000 indivíduos. Vale ressaltar que todas se situam em
regiões de vulnerabilidade devido a algum fator econômico, algo que mais uma vez ressalta a
tese de Sakamoto (2020) que o trabalho análogo a escravidão, e os desdobramentos dessa infeliz
prática, são decorrentes não somente de fatores econômicos, mas também sociais, em
confluência de temas. Segundo o pesquisador a questão da pobreza de renda desses indivíduos
não é o único fator determinante que poderia explicar tal quadro, devendo se considerar também
que essas regiões apresentam uma enorme falta de oportunidades, de garantias aos direitos mais
básicos e necessários para uma chamada vida digna.
Nesse sentido, nesse breve resumo, não partiremos para discussões a respeito deaspectos
de como se dá ou ocorre o tráfico dessas pessoas, porém, vale realizar um breve paralelo com
as cidades com maior número de trabalhadores vítimas de trabalho análogo aode escravo,
com indício de tráfico de pessoas. Independente do porte desses municípios uma tendência
chamativa de se observar entre essas localidades é que todas ou possuem importantes setores
de produção econômica ou são polos culturais e de turismo. Essa tendência, ainda que
interessante, não pode ser abordada em completude, visto que faltam dados que poderiam ser
relevantes para realizar uma análise de em quais setores econômicos foram identificados tais
trabalhadores com indício de tráfico de pessoas, podendo ter relação ou não com as atividades
comerciais que revelariam outras facetas da exploração do trabalho não abordadas nessa
comunicação. Contudo, poderíamos pontuar, por fim, uma posição traçada por Sakamoto
(2021), a qual paralelamente a atuação constante da fiscalização estatal que tem cumprido um
papel com destaque internacional nessa área, devemos trazer a sociedade civil para esse debate
chamando a atenção para o quesito de mercado da exploração do trabalho. Isso pode vir a se
tornar um modo para assegurar que o trabalho escravo seja um
mau negócio, fazendo com que o sistema como um todo também acabe atuando para uma
responsabilização das cadeias beneficiadas pelo trabalho escravo.
Referências Bibliográficas
SAKAMOTO, Leonardo. In: LACERDA, Nara. Sakamoto: "Trabalho escravo não é umdesvio,
mas uma ferramenta do sistema". Brasil de Fato, 28 de jan. 2020. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2020/01/28/sakamoto-trabalho-escravo-nao-e-um-desvio-
mas-sim-uma-ferramenta-do-sistema>. Acesso em: 07 de out. 2021.
O NOVO NORMAL: ADAPTAÇÕES DO TRÁFICO DE PESSOAS À
PANDEMIA DE COVID-19
1
Graduando em Direito pela UFMG. Extensionista, Monitor do Grupo de Estudos e Pesquisador
Bolsista Júnior da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG. Estagiário em Escritório
Trabalhista. E-mail: andrerlino@ufmg.br.
2
Graduanda em Direito pela PUC-Minas. Participante do Grupo de Estudos da Clínica de Trabalho
Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG e do Grupo de Estudos-Teorias Marxistas do Direito (UFOP).
E-mail: alice.assuncao.soares@outlook.com.br.
Portanto, o presente trabalho objetiva analisar os efeitos da pandemia de Covid-19 no
que concerne ao agravo das vulnerabilidades e desigualdades referentes à raça, gênero e classe,
bem como os impactos na dinâmica do tráfico de pessoas e seus desdobramentos sobre as
vítimas e criminosos responsáveis pelo crime. Para tanto, será realizada pesquisa exploratória,
através de pesquisa bibliográfica e de notícias internacionais e nacionais.
Conforme exposto, a imposição de medidas inauditas para a garantia do
distanciamento social e do isolamento social causaram ampla afetação da sociedade e de todas
as interações nela existentes, com repercussão que não se limita ao campo econômico, dado o
contexto de crise a que foram expostas as nações, mas com ressonâncias ilimitadas, como o
agravamento das vulnerabilidades de outrora, pois “as medidas relacionadas ao COVID podem
afetar desproporcionalmente certas categorias de pessoas em risco de exploração”(UNODC,
2020) preexistente, especialmente aquelas vulnerabilizadas em função de questões de raça,
gênero e classe, causando severos efeitos deletérios a essas populações como o desemprego, a
miséria e a fome.
Entretanto, apesar da excepcionalidade da conjuntura global atual, velhas práticas, que
já deveriam ter sido extirpadas, se reinventaram a fim de permanecerem não apenas ativas mas,
sobretudo, lucrativas no contexto hodierno em que há uma sociedade pandêmica e ainda mais
informacional, na qual, nas palavras de Castanheira e Brumati (2011, p. 1) “os meios de
comunicação se projetam como extensão do corpo humano e a comunicação mediada pelo
computador passa a se incorporar nas práticas sociais”.
Notadamente, o tráfico de pessoas pode ser apontado como uma das práticas
históricas, ou crimes históricos, na medida em que “não representa um fenômeno novo do
século XXI, muito pelo contrário, o assunto já existia tempos atrás” (PUC-RIO, 2007), que se
reformulou para resistir aos avanços, mudanças e crises sociais pelas quais as populações
globais passaram. Desta forma, os criminosos e as redes de criminalidade organizada
estabelecem novos modos e métodos de operação, adequando a sua própria estrutura e logística
de captação e aliciamento das vítimas, bem como as formas e os meios de exploração adotados,
apoderando-se do campo digital e das novas formas de comunicação, o que lhes garante a
continuidade da prática criminosa altamente lucrativa e deletéria à dignidade das pessoas
vitimadas, pois “o crime prospera em tempos de crise e os traficantes de adaptaram rapidamente
ao ‘novo normal’” (CHATZIS, 2020).
A diretora executiva do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
(UNODC, em inglês), Ghada Waly, em estudo divulgado sobre o impacto da COVID-19 em
relação ao tráfico de pessoas, destaca que, em primeiro lugar, a pandemia acentuou as
desigualdades e vulnerabilidades, tornando alguns grupos mais suscetíveis ao aliciamento para
o tráfico de pessoas, com as medidas de isolamento em vigência e a ampla migração das
atividades para a rede mundial de computadores. Desta forma, “os aliciadores passaram a atuar
com mais força na internet em uma tendência que deve persistir mesmo após o fim da
pandemia” (MJSP, 2020), o que dificulta a localização dos criminosos e a localização e
atendimento para as vítimas, dadas as condições de segurança e criptografia adotados pelas
grandes redes sociais, o que torna a prática ainda mais capilar e invisível.
Ademais, a urgente necessidade de da adoção de medidas para controle da pandemia
de COVID-19 deslocou recursos públicos, tanto financeiros, quanto de equipamentos e de
pessoal outrora empregados no combate e enfrentamento ao tráfico de pessoas para suporte nas
atividades sanitárias adotadas em caráter emergencial, conforme aponta o Relatório Nacional
sobre Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Em segundo lugar, deve-se ressaltar que uma das principais causas do tráfico de
pessoas é a pobreza, uma vez que 51% dos casos de tráfico no mundo têm como principal fator
de risco a vulnerabilidade econômica (MJSP, 2020, p. 18). Nesse contexto, com o agravamento
da crise econômica e social, em nível global, causada pela crise sanitária do Covid-19, muitas
pessoas foram expostas ao desemprego e subemprego, tendo frustradas as condições para
sustento familiar, o que favorece, em grande medida, a vitimização desses indivíduos pelos
criminosos, em função da premente necessidade em que se encontram. Na busca por melhores
condições de vida para si e para a sua família, essas pessoas se tornam presas para os traficantes
que “se aproveitam das vulnerabilidades e frequentemente atraem suas vítimas com falsas
promessas de emprego", explica Ilias Chatzis, Chefe da Seção de Tráfico de Pessoas e
Contrabando de Migrantes do UNODC.
Nessa perspectiva, a pandemia afetou as mulheres de forma desproporcional.
Conforme dados disponibilizados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua,
de 2021, a taxa de desocupação foi maior para as mulheres, chegando a 17,9%, sendo a maioria
pretas ou pardas, o que ressalta as desigualdades de gênero e raça já existentes mesmo antes da
pandemia. Dessa forma, as mulheres foram colocadas em situação de vulnerabilidade social e
econômica, o que as expõe a um risco maior de exploração, principalmente sexual, recorte que
chega a 83% dos casos de tráfico entre as mulheres (UNODC, 2020). Nesse sentido, torna-se
evidente que “o tráfico é um crime de gênero, intimamente ligado à exploração sexual”
(LEINARTE, 2020).
À vista disso, o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres
(CEDAW, 2020) afirma que mulheres e meninas continuam sendo as principais vítimas do
tráfico humano durante a pandemia. Outrossim, os migrantes indocumentados e os
trabalhadores sazonais, que enfrentam condições de trabalho e vida mais precárias, também são
expostos a uma maior probabilidade de serem vítimas de redes criminosas que realizam o tráfico
de pessoas (UNODC, 2020).
Ademais, durante a pandemia, os criminosos se adaptaram às novas circunstâncias.
Com as medidas de isolamento social, os traficantes, aproveitando do aumento do tempo que
as pessoas passam conectadas em casa, migraram suas atividades para os ambientes virtuais
(UNODC, 2020). Nesse sentido, com o desenvolvimento das redes sociais e aplicativos de bate-
papo, se tornou crescente o uso das mídias sociais para o recrutamento de potenciais vítimas
pelos traficantes, que durante os bloqueios da Covid-19 não puderam usar os meios tradicionais
(CEDAW, 2020). Logo, o atual cenário de confinamento e interação virtual dificulta a
identificação da vítima e torna o crime ainda mais oculto e difícil de detectar, uma vez que as
ações dos criminosos ficam ainda mais invisíveis.
Além disso, com a interrupção dos serviços essenciais e o desvio de recursos e agentes
para o combate à pandemia, a detecção e o combate ao tráfico foram prejudicados. Sob essas
condições, existe um perigo iminente de que a investigação do tráfico de pessoas se torne uma
prioridade mais baixa e que as inspeções proativas dos locais e casos suspeitos sejam reduzidas
(UNODC, 2020). Sendo assim, "a pandemia impôs um retrocesso no enfrentamento do tráfico
de pessoas no Brasil” (GRECO, 2021) e no mundo.
Portanto, conforme Chatzis (2021), “a pandemia nos ensinou que precisamos
desenvolver estratégias sobre como continuar as atividades de combate ao tráfico de pessoas
em nível nacional e internacional, mesmo durante uma crise”. Notoriamente, a estrutura do
tráfico se aproveita das vulnerabilidades sociais e econômicas, que evidentemente foram
agravadas com a pandemia. Posto isso, as estratégias para a prevenção do tráfico de pessoas
precisam buscar, principalmente, a alteração do cenário socioeconômico, levando em
consideração as questões de raça, gênero e classe.
REFERÊNCIAS
CEDAW. Redes sociais têm sido mais usadas por traficantes de mulheres e meninas em
pandemia. ONU Brasil, 11 nov. 2020. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/100580-
redes-sociais-tem-sido-mais-usadas-por-traficantes-de-mulheres-e-meninas-durante-
pandemia>. Acesso em: 6 out. 2021.
CHATZIS, Ilias. Novo relatório da ONU revela impacto da COVID-19 no tráfico de pessoas.
ONU Brasil, 13 jul. 2021. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/135836-novo-relatorio-
da-onu-revela-impacto-da-covid-19-no-trafico-de-pessoas>. Acesso em: 4 de out. de 2021.
CORONAVÍRUS: A OMS declara pandemia. BBC News, 11 mar. 2020. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-51842518>. Acesso em: 25 set. 2021.
LEINARTE, Dália. Redes sociais têm sido mais usadas por traficantes de mulheres e meninas
em pandemia. ONU News, 11 nov. 2020. Disponível em:
<https://news.un.org/pt/story/2020/11/1732552>. Acesso em: 6 out. 2021.
ONU BRASIL. Novo relatório da ONU revela impacto da COVID-19 no tráfico de pessoas.
ONU Brasil, 13 jul. 2021. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/135836-novo-relatorio-
da-onu-revela-impacto-da-covid-19-no-trafico-de-pessoas>. Acesso em: 25 set. 2021.
PUC RIO. A trajetória histórica do tráfico de pessoas. Rio de Janeiro, 2007. Disponível
em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/10177/10177_3.PDF>. Acesso em: 25 set. 2021.
SILVA, Lara Lívia Santos; LIMA, Alex Felipe Rodrigues; POLLI, Démerson André; et al;
Medidas de distanciamento social para o enfrentamento da COVID-19 no Brasil:
caracterização e análise epidemiológica por estado. Caderno de Saúde Pública. 36 nº.9,
Setembro, 2020, Rio de Janeiro Disponível em:
<http://cadernos.ensp.fiocruz.br/csp/artigo/1183/medidas-de-distanciamento-social-para-o-
enfrentamento-da-covid-19-no-brasil-caracterizacao-e-analise-epidemiologica-por-estado>.
Acesso em: 25 set. 2021.
RESUMO
1
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (2018). Analista do Ministério Público de Sergipe. Endereço:
Avenida Adélia Franco, n 3580, Cond. Porto das águas, bloco Japaratuba, apto 004, bairro Luzia, Aracaju/SE.
E-mail: lucascarvalho.br@gmail.com; telefone (79) 99815-9546
2
Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2012). Mestre em Direito e Relações
Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Professora do Departamento de Relações
Internacionais (DRI) da Universidade Federal de Sergipe e do Programa de Pós-Graduação em Direito (PRODIR) da
mesma instituição. Endereço: Rua Jordão de Oliveira, nº 996, apto 1203, bairro Atalaia, Aracaju/SE. E-mail:
flaviadeavila@gmail.com; telefone (79) 99199-6229
Para alcançar o objetivo proposto, se utilizará de dados e informações oficiais do Estado
brasileiro, bem como a legislação interna e internacional sobre o tema, e denúncias de situações
recentes envolvendo o TEC no Brasil durante o período de pandemia de covid-19 (2020-2021),
obtidas por intermédio de consulta ao banco de dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho
(SIT), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e de organizações não governamentais como a
Repórter Brasil e a Comissão Pastoral da Terra (CPT). A partir dessas informações, numa
perspectiva decolonial, pretende-se refletir sobre a produção de desigualdades e a manutenção de
vulnerabilidades pela colonialidade do poder. Grosfoguel e Maldonado-Torres (2008) ao propor
uma teoria decolonial para analisar as migrações internacionais ao primeiro mundo a partir da
perspectiva da colonialidade do poder, afirmam que as formas ideológicas e institucionais do
racismo e do sexismo definem os destinos dos seres humanos, apesar de a maioria dos discursos
hegemônicos conceberem essas desigualdades como exceções, em vez de padrões bem definidos,
ou como vestígios de antigas instituições que foram formalmente superados por meio de medidas
legais.
A exploração do trabalho dos imigrantes mostra-se, então, como uma das características
desse complexo fenômeno internacional do trabalho escravo contemporâneo, sendo que “la
expresión y los efectos contemporáneos de la migración están intrínsicamente vinculados al
problema de las múltiples e interconectadas líneas de la colonialidad global”, sendo imperiosa a
“descolonización de las relaciones de poder económicas, políticas, sociales y culturales en el país 3”
(GROSFOGUEL; MALDONADO-TORRES, 2008, p. 120).
As marcas da colonização não foram apagadas na contemporaneidade, elas estão presentes
na colonialidade do poder (QUIJANO, 2005). As relações de poder no atual sistema capitalista
operam-se mediante uma classificação social que determina o lugar de cada indivíduo na sociedade,
conforme, afirmam Grosfoguel e Maldonado-Torres (2008), na América, a pobreza está racializada
e dividida por gênero, temos como exemplo o perfil do sistema carcerário, que mostra como o
sistema da colonialidade do poder opera, bem como no caso dos trabalhadores imigrantes coloniais
vítimas da escravidão contemporânea, foco da presente pesquisa. A colonialidade do ser então é
pensada como a negação de um estatuto humano para essas vítimas, construindo-se uma
subjetividade que se vê inferior em relação ao explorador. Para enfrentar esse sistema colonial, o
pensamento decolonial problematiza a manutenção das condições colonizadas da epistemologia,
restituindo-se a voz de quem histórica e sistematicamente foram oprimidos e alvos de dispositivos
de dominação.
3
“a expressão e os efeitos contemporâneos da migração estão intrinsicamente vinculados ao problema das múltiplas e
interconectadas linhas da colonialidade global”, sendo imperiosa uma “descolonização das relações de poder
econômicas, políticas, sociais e culturais no país” (tradução nossa)
Desse modo, a partir do referencial teórico da decolonialidade e da adoção da
interseccionalidade como método de análise dos dados, que cruzará marcadores como gênero,
raça/etnia, nacionalidade, dentre outros, buscar-se-á analisar como documentos, sentenças e
políticas públicas trabalham com esse tema, que costuma revelar como a exploração de
trabalhadores imigrantes é um determinante da colonialidade do ser e da desigualdade estrutural da
sociedade brasileira, contribuindo para a manutenção do fenômeno social da exploração da
escravidão contemporânea.
Quanto à metodologia, assumiu-se os postulados do paradigma interpretativista e qualitativo
em pesquisa científica (DENZIN; LINCOLN, 2006), aliado a procedimento de caráter bibliográfico,
modalidade de pesquisa documental (REGINATO, 2017), que acompanhará todas as etapas de
desenvolvimento do trabalho.
REFERÊNCIAS
BALES, Kevin. Disposable People: new slavery in the global economy. 3. ed. Berkeley: University
of California Press, 2012.
REGINATO, Andréa Depieri de A. Uma introdução à pesquisa documental. In: MACHADO, Maíra
Rocha (org.). Pesquisar Empiricamente o Direito. São Paulo: Rede de Estudos Empíricos em
Direito, 2017.
SUZUKI, Natália; PLASSAT, Xavier. O perfil dos sobreviventes. In: SAKAMOTO, Leonardo.
Escravidão Contemporânea. São Paulo: Contexto, 2020.
A POPULAÇÃO NEGRA E O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL:
ASSIMILAÇÕES ENTRE O PASSADO E O PRESENTE.
1
Extensionista bolsista no Diverso UFMG - Núcleo Jurídico de Diversidade Sexual e de Gênero. Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – PPGD/UFMG. Advogada.
Graduada em Direito pela Faculdade Santo Agostinho de Sete Lagoas. Especialista em Direito penal e Processo
penal pela Universidade Cândido Mendes. Domiciliada à rua ferro, 138, bairro progresso, Sete Lagoas – Minas
Gerais /cep: 35701-106. Telefone para contato (31) 99910-7452. E-mail: marcia.rvalentin@gmail.com.
continente africano foram obrigadas a se submeterem ao regime da escravidão no Brasil que,
de forma institucional, violenta e desumana, manteve o regime escravocrata por quase
quatrocentos anos (GOMES, 2019). Sozinho, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de africanos
para serem feitos cativos, se tornando o maior território escravista do ocidente. Além disso, o
Brasil foi o país que mais resistiu ao fim do tráfico negreiro e o último a abolir a escravidão no
continente americano, em 1888 (SCHWARTZ, 2019).
Conforme leciona Carlos Hasenbalg (1979), o passado escravista não é suficiente, para
explicar a ainda persistente desigualdade entre pessoas negras e brancas no país. Entretanto,
compreende-se que um regime como o da escravidão, não perdura por tanto tempo sem que
mecanismos estatais articulem sua manutenção. E o Estado não mantem suas estruturas sem o
suporte dos institutos jurídicos. Dessa forma, a reflexão que se propõe é sobre o papel do direito
brasileiro, enquanto estrutura normativa, articulada e articulante da divisão binária sujeito-coisa
a que foram submetidas pessoas negras no período escravista brasileiro, buscando compreender
se, de fato, o direito é instrumento de libertação eficaz na luta contra a escravidão de pessoas
no contexto contemporâneo.
Logicamente que a escravidão exercida contemporaneamente não está atrelada,
somente, ao fator racial, estruturando-se também através de práticas exploratórias e abusivas
dentro do contexto da relação trabalhista, que atualmente é regulada pelo Estado. Assim, a
primeira semelhança evidente é que tal qual acontecia no Brasil oitocentista, em que o Estado
regulava a atividade escravista, é também o Estado que regula o trabalho, via pela qual a
escravidão contemporânea se instaura. Assim, como um legado da nação escravocrata
oitocentista brasileira, o escravismo atual se configura, dentre outras causas, através do trabalho
forçado ou obrigatório, em que a liberdade é tolhida, havendo a limitação do direito de ir e vir.
A historiografia do período escravista no Brasil evidencia a economia da colônia se ergueu,
principalmente, através da força de trabalho de negros e negras escravizados. As pesquisas
atuais revelam que 82% dos resgatados do trabalho escravo no Brasil, são negros (PENHA,
2019).
Dessa forma, e tendo em vista que a abolição do regime escravista não foi suficiente
para livrar os afro-brasileiros da escravidão, o presente trabalho tem como objetivo analisar os
impactos da assimilação desse regime de trabalho forçado a que foi submetido o negro no
período escravista oitocentista e a experiência hodierna da escravização de pessoas pretas e
pardas (negros). O objetivo geral da pesquisa será o de compreender o papel que o direito
desempenhou na manutenção do regime escravista, bem como a forma como a construção social
a respeito das pessoas negras implicou na assimilação do corpo negro como um corpo coisa:
dominável, apropriável, escravizável. Objetiva-se ainda analisar o papel que o Estado ainda
desempenha para oferecer soluções aos problemas vivenciados por sujeitos marginalizados por
questões de gênero, raça, classe e sexualidade no Brasil contemporâneo. Nesse sentido, a
pesquisa buscará elaborar uma crítica reconstrutiva do direito a partir da experiência da
população negra escravizada, avaliando os dilemas e as limitações que emergem perante o
campo jurídico ao se perceber que o direito e o Estado também constituem corpos
marginalizáveis e escravizáveis. Nesse sentido, a investigação procurará situar o direito dentre
as múltiplas arenas em que está inserido o povo afrobrasileiro.
Para sustentar a discussão proposta, assumimos o referencial teórico da pesquisadora
brasileira comprometidas com o estudo da historiografia do período colonial, Mariana Armond
Dias Paes (2019), que em sua pesquisa busca compreender e investigar a relação entre
escravidão e direito, no Brasil, traçando a personalidade jurídica e o estatuto jurídico dos
escravos no Brasil oitocentista. Utilizamos ainda as construções teóricas desenvolvidas por Ana
Luiza Pinheiro Flauzina (2006), que pesquisa o genocídio antinegro na diáspora africana,
analisando mais especificamente o contexto brasileiro e as múltiplas formas de morte ou de
subvida a que é submetida a população negra no Brasil. E, por fim, utilizamos também a
pesquisa da historiadora Lilia Schwarcz (2019) que, ao analisar a história brasileira, se
compromete em aprofundar sobre o autoritarismo brasileiro e a forma como as raízes dessa
nação, já expostas anteriormente neste trabalho, ainda encontram repercussão no tempo
presente.
Na estratégia metodológica utilizada, o presente trabalho buscará a partir de uma
investigação histórica, jurídica e social da aplicação da escravização de pessoas negras no
Brasil, compreender a forma como o regime a que foi submetido o negro no período escravista
oitocentista repercute até hoje na experiência de vida de pessoas pretas e pardas (negros) no
que diz respeito ao trabalho. Para a realização da pesquisa será utilizado o método teórico
bibliográfico, abordando-se o tema através de métodos dedutivos-dialéticos.
Considera-se finalmente, e de forma parcial, que o Estado brasileiro, a partir da dinâmica
legal, incluiu excluindo as pessoas negras da perspectiva cidadã no período colonial e no
período do Império. Certo é que o dia mais longo da população negra no brasil é marcado pela
data de 13/05/1888, ocasião em que se deu início ao projeto inacabado da abolição da
escravidão no país. A experiência da população negra hoje na sociedade brasileira começou a
ser traçada nos séculos XVIII e XIX. Assim, mesmo diante das disposições legais que dizem
que ‘todos são iguais perante a lei’, a subalternização de corpos negros permanece acontecendo,
como um verdadeiro legado racista deixado pelo período escravista. Entretanto, o Brasil ainda
é um país que experimenta a escravidão da população negra. Não só negros são escravizados
contemporaneamente no território brasileiro, entretanto dados fornecidos pela Secretaria de
inspeção do Trabalho revelam que mais de 80% das pessoas que são resgatadas da escravidão,
atualmente, são negras.
Nesse sentido, forçosa se faz a análise que busca compreender a relação entre os fatos
históricos do passado e a repetição da escravização de pessoas negras no Brasil, sendo
necessário ainda verificar-se o papel do direito e do Estado no rompimento com esse legado
pernicioso deixado pelo período escravista. Necessária se faz a compreensão de que o projeto
de controle e punição de corpos negros reconfigurou toda a lógica social de se viver no Brasil
colônia, e no Brasil pós-colônia também, de forma a conduzir nosso pensamento a uma
permanente e necessária postura abolicionista.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
FLAUZINA, Ana Luiza. O corpo negro caído no chão: O sistema penal e o projeto genocida
do Estado brasileiro. Dissertação (mestrado), PPGD-UnB: 2006.
PENHA, Daniela. Negros são 82% dos resgatados do trabalho escravo no Brasil. Disponível
em: <https://reporterbrasil.org.br/2019/11/negros-sao-82-dos-resgatados-do-trabalho-escravo-
no-brasil/>
SCHWARCZ, Lilia Mortiz. Sobre o autoritarismo brasileiro. 1ª ed. São Paulo, 2019.
ISAURA: ESCRAVIDÃO, RAÇA E GÊNERO NO BRASIL.
1
Graduada em Direito na UFRJ (1997). Mestra em Políticas Públicas em Direitos Humanos NEPP-
DH/UFRJ (2020). Juíza do Trabalho do TRT1. Endereço: Rua Cristóvão Barcelos 251 apt.201,
Laranjeira, Rio de Janeiro/RJ, cep.22245-110; e-mail: danivmuller@gmail.com
2
No sec. XIX o termo “preto” era usado como referência à origem africana de certas pessoas e não
exatamente ao tom da pele; os descendentes desses africanos, nascidos no Brasil, eram denominados de
“crioulos” (REIS, 2019; MOURA, 2013).
3
MULLER, Daniela Valle da Rocha. A representação judicial do trabalho análogo ao de escravo. 2020.
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas em Direitos Humanos) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
para e por sujeitos” (ORLANDI, 1999, p.26), se busca identificar mecanismos
discursivos do passado, que legitimaram a escravidão, ainda subjacentes no imaginário
dos dias atuais.
Importa dizer que o texto, inclusive o jurídico, é um espaço de simbolização, no
qual interagem as palavras propostas e o imaginário do leitor. Ao conferir sentido a um
texto, o intérprete acessa sua memória, suas referências simbólicas, sem as quais não
seria sequer possível extrair sentido de um texto escrito.
A influência das representações sociais é inerente à interpretação jurídica, pois
apenas através delas é que o intérprete da norma poderá lhe atribuir sentido. Logo, a
significação dos comandos legais é constituída na e mediante a linguagem, um processo
que depende de representações sociais para preencher de sentido os termos legais.
Como já dito, o romance A escrava Isaura e suas adaptações têm forte presença
na representação simbólica da escravidão, entre magistrados e, possivelmente, em toda
sociedade brasileira. Compõe o imaginário mobilizado para dar sentido ao que é, onde e
quando ocorre a escravidão.
Vale ressaltar que o imaginário não é uma ficção nem uma mentira, ele está
ancorado na vida material, mas “por sua ‘natureza’, escapa desse enquadramento
funcionando como ideal” (SILVA, 2017, p.60), como utopia. É um repertório
necessário ao processo de significação, no qual caminhamos através da “floresta” dos
signos, dos significantes e dos significados. É na cultura que o “imaginário encontra o
reservatório que o alimenta e ao qual alimentará. A subjetividade é o canal natural por
meio do qual o imaginário se expressa” (SILVA, 2017, p.32).
Nessa perspectiva, é possível detectar a partir da obra em questão uma série de
questionamentos acerca da escravidão, a seguir pontuados.
Isaura, a personagem principal da trama, é uma jovem branca, bela4, educada
nos moldes europeus – é letrada, borda, canta e toca piano - e de caráter nobre –
recatada, católica, casta, justa e, principalmente, sabe o “seu lugar” – que foi
escravizada por um senhor cruel e devasso. Sua condição de escrava a impede de viver
seu grande amor, apesar de todas as suas qualidades físicas e morais.
O primeiro aspecto que chama a atenção é a escolha de uma personagem branca
para representar a escrava, em um país onde a cor da pele, desde o início, justificou a
4
Logo no início do livro Isaura é apresentada como “uma bela e nobre figura de moça” portadora de
puras e suaves linhas “que fascinam os olhos, elevam a mente, e paralisam toda análise. A tez é como o
marfim do teclado [do piano], alva que não deslumbra [...] leve palidez ou cor-de-rosa desmaiada”
(GUIMARÃES, 2011, p.12). A beleza deslumbrante de Isaura é exaltada ao longo de todo romance.
escravização de negras “da terra” (indígenas) e “de fora” (africanas). Ao tempo da sua
publicação, o racismo se consolidou “como uma postulação supostamente científica
para tentar justificar a transformação de seres humanos em propriedades de seres
humanos” (SILVA, 2018, p.172). Uma época em que a negritude era presunção da
condição de escravizadas/os, sinônimo de inferioridade e justificativa para a violência
física e moral que sofriam.
Estudos recentes indicam que no decorrer do séc. XIX o racismo se acirrou,
levando à escravização ilegal de diversas pessoas livres “de cor”. As mulheres negras
com filhos pequenos eram especialmente visadas, pois garantiam ao comerciante um
“bom negócio” e ao senhor, mão de obra escravizada por longo tempo5.
O confronto entre tal cenário e a trama de Bernardo Guimarães indica o disfarce
das múltiplas opressões que pesavam sobre a mulher negra, desde a escravização ilegal
até a obrigação de gerar, para seu senhor, mais escravos. O romance dá a entender que
não havia vinculação entre raça e escravidão. É possível, ainda, que o autor não
conseguisse associar as virtudes da personagem Isaura a uma mulher negra. Fato é que a
escolha por uma mulher branca, para protagonizar o romance, apaga aspectos relevantes
da infâmia imposta ao conjunto das mulheres negras escravizadas.
Outra visão que atravessa o enredo é de que a “desgraça” de Isaura foi ter um
senhor cruel. Lembre-se da “bondosa” ex-senhora de Isaura que lhe deu educação
primorosa, tratando-a como a filha que não conseguiu gerar e que lhe prometeu alforria
após sua morte, o que não foi cumprido por seu filho e herdeiro Leôncio. A trama
enaltece as virtudes da senhora falecida, sem questionar a manutenção do cativeiro, ou
seja, não condena a escravidão em si, apenas os maus senhores. O mesmo acontece em
relação ao pai de Isaura, um feitor bom: “todo mundo queria ele bem, e tudo andava
direito” (GUIMARÃES, 2011, p.50) com seu comando, na avaliação de uma escrava.
Branca e virtuosa, Isaura estava “indevidamente” na condição de escrava. Ela
não “combinava” com o cativeiro, com a senzala, estava deslocada do seu “lugar
natural”. Essa escolha narrativa deixa de fora a situação vivenciada pelos demais
escravos, os “devidamente” escravizados, que formavam a grande massa de cativos. As
condições de trabalho, que são a tônica e um dos requisitos legais para a configuração
5
Nesse sentido é a “Aula 2 - Curso Emancipações e Pós-Abolição: Por Uma Outra História do Brasil
(1808-2020) - A proibição do tráfico atlântico de africanos escravizados e o pacto pela escravidão”
proferida pela prof. Keila Grinberg (Unirio) no dia 12.08.2020. disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=sHAJXSiZ7HU acesso em 20.09.2021.
do delito de reduzir alguém à condição análoga à de escravo hoje em dia 6, são
abordadas de modo bastante secundário.
Numa das raras menções ao tema, a escrava tia Joaquina, uma “velha crioula”
sentencia: “quem teve a desgraça de nascer cativo de um mau senhor, dê por aqui, dê
por acolá, há de penar sempre” (GIMARÃES, 2011, p.49). Lido esse discurso “pelo
avesso” (BLIKSTAIN, 2020) conclui-se que ao ter um “bom senhor”, o cativo estaria
livre do trabalho extenuante, dos castigos e da degradação.
Assim, a centralidade da narrativa é da subjugação de um ser humano a outro e
não da exploração imoderada e inumana dos escravizados, a degradação daqueles que,
reduzidos à propriedade de outros homens, eram despossuídos de si mesmos.
O autor da novela ora analisada, Bernardo Guimarães se graduou na Faculdade
de Direito de São Paulo, onde conviveu com José de Alencar, que além de escritor foi
Senador da República e ferrenho defensor da escravidão. O romance foi elogiado pelo
então Imperador D. Pedro II. Parece significativa a origem elitista do escritor, para a
análise ora proposta.
Outro aspecto que chama a atenção é a sua adaptação como telenovela em 1976,
pela TV Globo. Embora se trate de um romance consagrado no sec. XIX, não foi o
único do período abolicionista que alcançou o sucesso. Um século após sua publicação,
já era possível identificar o caráter racista e elitista do romance, a partir de estudos
como os de Florestan Fernandes e Clóvis Moura, entre outros, e dos questionamentos de
entidades como a Frente Negra Brasileira (1931-1937), por exemplo.
Portanto, escolheu-se uma determinada narrativa sobre a escravidão, para a
construção de uma das telenovelas mais marcantes da teledramaturgia brasileira, numa
época que coincide com a denúncia realizada por D. Pedro Casaldaglia em 1971, o
enfraquecimento da ditadura civil-militar e rearticulação de movimentos sociais até
então reprimidos, entre eles, o movimento negro que pouco depois, em 18.06.1978,
fundaria o Movimento Negro Unificado.
No início do sec. XIX, logo após a alteração do art.149 do CPB, A escrava
Isaura ganharia nova versão, com a telenovela produzida pela Rede Record, exibida
entre 2004 e 2005. O romance também ganhou uma versão em quadrinhos (JAF, 2011).
6
trata-se de uma espécie de violação legal que só se manifesta nessa forma específica de relação social,
em que os sujeitos ativos do delito são, como regra, o contratante dos serviços e seus prepostos e o sujeito
passivo (vítima) é somente a “pessoa vinculada a uma relação de trabalho”.
Em relação à quadra histórica onde foi elaborada a trama, se por um lado remete
a uma escravidão distante, tanto no tempo (séc. XIX) quanto no espaço (rural), por
outro, dá notícias de uma época em que a escravidão se “reinventou”, se fortaleceu e foi
compatibilizada com o modo capitalista “moderno” de produção e as ideias liberais que
inspiravam a construção do Estado nacional brasileiro.
A representação da escravidão contida n’ A escrava Isaura, conforma uma
determinada percepção da escravização de mulheres, a partir de um ponto de vista de
um homem branco da elite no sec. XIX. Sua reprodução acrítica e idealizada, no tempo
presente, reforça as dominações de raça e de gênero subjacentes, que naturalizam a
exploração predatória de certos grupos, especialmente de mulheres negras.
Portanto, para se alcançar uma nova compreensão acerca do trabalho escravo,
histórico e contemporâneo, é necessário acessar elementos que dialoguem com o
imaginário coletivo e que combatam mitos como o da democracia racial e o da
existência de uma “boa” escravidão.
REFERÊNCIAS:
O artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (dado com a nova redação da EC 65/10),
visa a proteção do menor e de seus direitos como responsabilidade da família, do coletivo e do
Estado. O artigo 402 da CLT, que também protege o trabalho exercido por menores junto ao
artigo 7º, inciso XXXIII da Carta Magna, proíbem o trabalho para menores de dezesseis anos,
salvo na condição de aprendiz, que é permitido a partir de catorze anos. A proteção do trabalho
do menor quando os labores são considerados insalubres, perigosos ou periculosos está prevista
na Portaria Secretária de Inspeção do Trabalho – SIT nº 88 de 2009 (Lista das Piores Formas
de Trabalho Infantil, no item I – Trabalhos Prejudiciais à Saúde e à Segurança).
1
Pós-Graduanda em Direito e Processo de Família e Sucessões pela Universidade de Fortaleza; Graduada
em Direito pela Universidade de Fortaleza. Rua Pedro Rufino, nº 62, Varjota, Fortaleza/CE. Telefone: (85) 99969-
8239. E-mail: larissapereira@edu.unifor.br.
2
como as brincadeiras e a inocência, mas também retira o seu desenvolvimento digno e a vida
escolar. Com o trabalho precoce, acabam sobrecarregados e prejudicados nos estudos, causando
ainda mais danos às suas vidas (VASCONCELOS, 2020, p. 31).
Além da mão-de-obra infantil ser mais utilizada na região rural devido a precariedade
local, os filhos também iniciam o trabalho junto aos pais sob argumento de ajudar no sustento,
pois, na maioria das vezes, é o único meio de trabalho que conseguem suprir as necessidades
mensais (VASCONCELOS, 2020, p. 25).
Segundo Cabral (2010), o melhor horário para laborar com as castanhas, devido a
queimada e quebra da casca, é pela madrugada, pois a baixa temperatura diminui o desconforto
nas temperaturas quentes do processo. Quando descascam as castanhas, as mãos ficam
completamente sujas e aquela sujeira é difícil de retirar. Com a rotina do trabalho, as mãos
acabam perdendo as digitais e ficam daquela cor, “sujas”, como se fossem naturais.
Como o trabalho infantil é visto como mais uma garantia para sobrevivência, isso se
adiciona aos demais problemas que afastam o menor da escola, como a mobilidade da
população, a baixa qualidade de ensino, a péssima distribuição da rede escolar e,
principalmente, o pensamento que os pais possuem em que o trabalho constrói mais caráter do
que os estudos. A retirada do âmbito escolar para que cumpram tarefas domésticas, para que
cuidem dos irmãos e do lar, prejudica o desenvolvimento cultural, moral e educacional. Aqueles
mais novos ainda frequentam a escola, porém demonstram as marcas do trabalho precoce,
enquanto os maiores começam a faltar até abandonar, de vez, a sala de aula (GLOBO
REPÓRTER..., 2013).
Em uma pesquisa realizada por Rocha et. al. (2016, p. 14), com o povoado que labora
com castanhas de caju na cidade de Carrilho, no interior de Sergipe, deu-se como parte do
resultado as queixas de crianças com problemas respiratórios que são levadas até algum local
apropriado, como um posto de saúde, pois necessitam utilizar algum tipo de inalador. Com a
inalação de fumaça, as doenças respiratórias e hipertermia são fatores que prejudicam o
desenvolvimento. A dificuldade respiratória, asfixia, asma ocupacional, pneumonia, rinites e
resfriados são algumas das diversas consequências previstas na Lista TIP, advindas do trabalho
da produção de castanha de caju.
4
Há ainda de falar sobre os “gatos” ou vigias, que ficam nos locais de trabalho de olho
nos menores, pois por serem considerados imaturos, acreditam que suas atividades precisam
ser exercidas em determinados ritmos e em boa qualidade. Essa pressão sobre as crianças e os
adolescentes faz com que o cansaço, a ansiedade e o estresse aumentem.
Além disso, de acordo com Chielle (2016), o uso de equipamentos e utensílios que não
são devidos e até mesmo projetados para crianças e adolescentes também geram consequências.
A forma que crianças laboram, agachadas ou inclinadas, podem causar escoliose, lordose e
outros tipos de lesões. É comum, também, que nesses trabalhos esses menores precisem exercer
a mesma repetição de força diariamente, onde poderá ocasionar as lesões por esforços
repetitivos (LER) e os distúrbios osteomusculares relacionado ao trabalho (DORT).
Segundo Cabral (2010), o Líquido de Castanha de Caju (LCC), por ser um líquido
ácido em contato com a pele mais fina (camada de queratina) das crianças, as deixam escuras,
provocando perdas das digitais e mãos corroídas. Nas tentativas de limpá-las, os menores usam
água sanitária, deixando as mãos finas, sensíveis e cortadas. Esse apagamento de digital atinge
a maior parte das pessoas que trabalham com castanhas. Assim, as suas carteiras de identidade
têm validade de apenas doze meses (O TRABALHO..., 2016).
REFERÊNCIAS
A LIGA – Trabalho infantil (Parte 1). Direção: Sebastián Gadea. Produção: Diego Barredo.
São Paulo: Rede Bandeirantes, 2011. 1 vídeo (13 min). Publicado pelo canal Aligafan.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ie31wk3Y93o. Acesso em: 20 ago. 2021.
BARROS, Tatiane Nunes dos Santos. Trabalho infantil e o seu afastamento do contexto
escolar nas séries iniciais. Campinas: [s.n.], 2016. Disponível em:
https://silo.tips/download/trabalho-infantil-e-o-seu-afastamento-do-contexto-escolar-nas-
series-iniciais#. Acesso em: 22 ago. 2021.
GLOBO repórter: trabalho infantil – Exibido em 09/08/2013. Direção: Silvia Sayão. [S.l.]:
Rede Globo, 2013. 1 vídeo (43 min). Publicado por SINAIT. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=tqU8ES2tDS4&t=2235s. Acesso em: 20 ago. 2021.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
SAIBA como é o trabalho infantil nas plantações de cacau do Pará. Direção: Antonio
Guerreiro. São Paulo: RecordTV, 2019. 1 vídeo (17 min). Publicado por Câmera Record.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8d70zQhqCzc. Acesso em: 22 ago. 2021.
1
Mestranda em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduação em Direito pela
PUC/Rio (2018). Especialização em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC/Rio). Coordenadora da Clínica Interamericana de Direitos Humanos da UFRJ. E-mail:
thaimamede@gmail.com; Telefone: 21 97029-3432.
As sentenças são um acórdão deliberativo dos sete juízes da Corte as quais
definem as proposições finais de um caso em concreto, sendo a decisão final irrecorrível.
Nas sentenças, avaliam-se o mérito, as provas, sendo possível verificar a responsabilidade
internacional ou não do Estado.
Em 15 de julho de 2020, foi declarada a responsabilidade internacional do
Estado brasileiro pelas mortes e violações de direitos humanos das trabalhadoras da
Fábrica de Fogos, em Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano. Tal decisão
reconheceu a discriminações estruturais de raça, gênero e condições sociais como
violações de direitos humanos. O caso em específico aconteceu, em 11 de dezembro de
1998, um dia após do aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um dos
piores acidentes de trabalho no Brasil que resultou na morte de 64 pessoas, dentre elas,
vinte crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos de idade, que trabalhavam em uma
condição precária e insalubre.
Destaca-se que segundo a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, proposta
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Convenção 182, são as piores
formas de trabalho infantil “a escravidão, o tráfico de pessoas, o trabalho forçado e a
utilização de crianças e adolescentes em conflitos armados, exploração sexual e tráfico
de drogas”.
Conforme as informações dos peticionários do caso, dos 64 trabalhadores mortos
na explosão, 63 eram mulheres. A única vítima do sexo masculino era uma criança de 11
anos de idade. Dentre as vítimas havia 22 crianças e adolescentes. A imensa maioria eram
negras – dos 57 atestados de óbito juntados ao processo, 49 eram de pessoas negras, 3
brancas, e 6 sem identificação. Quatro mulheres grávidas – duas menores de idade e
outras duas de 18 e 19 anos – e três nascituros também foram vítimas da explosão.
Importante destacar que o Brasil foi responsabilizado pela falta de diligência e dever de
proteção e garantias de prevenir e reprimir os crimes em seu território, em matérias
previstas pelas normas internacionais de direitos humanos em vigor, em especial na
CADH.
Dentre as medidas de reparação, a Corte IDH recomenda que seja adotada
medidas de caráter estrutural que garanta a não repetição de novos casos, como, por
exemplo, a criação de alternativas econômicas para a inserção econômica e laboral das
vítimas e familiares da explosão, a criação e execução de um programa de
desenvolvimento socioeconômico para àquela população de Santo Antônio de Jesus,
como, por exemplo, criação de cursos de capacitação profissional e/ou técnicos que
permitam a inserção de trabalhadoras e trabalhadores em outros mercados de trabalho,
medidas destinadas a enfrentar a evasão escolar causada pelo ingresso de menores de
idade no mercado de trabalho, e campanhas de sensibilização em matéria de direitos
trabalhistas e riscos inerentes à fabricação de fogos de artifício. Além disso, medidas de
investigação, indenização e tratamentos médicos e psicológicos.
Importante mencionar que no caso Fazenda Brasil Verde (2016), caso de
responsabilização por trabalho escravo, foi reconhecido pela Corte IDH a situação
estrutural histórica de exclusão. Por outro lado, há o reconhecimento da vulnerabilidade
das vítimas em razão da desigualdade brasileira, inclusive com marcadores de pobreza.
Na sentença relativa ao caso, a Corte entendeu que:
REFERÊNCIAS:
CADH. Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm
CORTE IDH. Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus
familiares vs. Brasil. Sentença de 15 de julho de 2020. Exceções preliminares, Mérito,
Reparações e Custas. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_407_por.pdf
1
Adrilene Barroso da Paixao, graduanda do 6° semestre em Direito pela Universidade Federal do
Pará. E-mail: adrilenebarroso123@gmail.com | Cel.: (91) 98531-2527 | Passagem Ana Deusa, n°
108, Bairro Curio Utinga, CEP 66610-290 – Belém/PA.
2
Rayane da Silva e Silva, Graduanda do 6° semestre em Direito pela Universidade Federal do
Pará. E-mail: rayany100@gmail.com | Cel.: (91) 98174-1306 | Tv. Manoel Francisco da Silva,
n° 16, Bairro Jaderlândia, CEP 68746-070 – Castanhal/PA.
Primeiramente, cabe entender que o trabalho análogo ao de escravo se difere da
escravidão histórica praticada durante o Brasil colonial, onde tal prática era legitimada
pelo ordenamento jurídico vigente da época, que por sua vez dispensava à indígenas e
negros a condição de “coisa”, permitido que as pessoas escravizadas fossem tratadas
como bens, não havendo, portanto, limites legais que impedissem determinadas condutas.
Na região Norte, quase sempre esse trabalho é realizado por meninas, trazidas do
interior do estado para as cidades grandes, sob a promessa de melhores oportunidades de
estudo e de subsistência (DUTRA, 2007). Em relação a isso, tem-se a avaliação a partir
dos micros dados da Pnad/IBGE (2008-2011), que mostra a predominância feminina,
como por exemplo o ano de 2011, onde em números absolutos, a quantidade de meninos
em serviço doméstico eram de 321, enquanto a quantidade de meninas eram de 3.530, no
estado do Amazonas. Todavia, Apesar de se tratar de atividade ilegal, uma vez que a Lei
Complementar n° 150/2015, em seu artigo 1°, parágrafo único, veda completamente o
desempenho desta por menores de dezoito anos, é uma prática naturalizada e consolidada,
sobretudo na região de análise, onde já se tem características de superexploração, que
constitui um dos grandes problemas estruturais, sociais e políticos, quanto a raça, classe
e gênero (CAL, 2015).
Observa-se que, nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, os índices de trabalho
infantil doméstico são significativos, em relação às demais regiões do país. Um dos
motivos pode consistir na situação social e econômica dessas regiões. Onde o explorador
se aproveita de fragilidades sociais e econômicas, que assolam as famílias mais carentes,
retira essas crianças do núcleo familiar, geralmente em comunidades mais pobres e
afastadas dos grandes centros, para residirem consigo, lhes prometendo educação de
qualidade, alimentação e moradia. Entretanto, quando são finalmente trazidas para a
cidade grandes, essas “pessoas boas” acabam por explorar a mão de obra dessas crianças
e adolescentes.
Atenta a essa realidade, foram analisados 55 (cinquenta e cinco) procedimentos,
a partir de uma ficha de indicadores, o qual possui dezenove questionamentos, os quais
buscam responder se nos casos catalogados pelo MPT da 11° Região como trabalho
doméstico infantil havia ou não indícios de práticas previstas no artigo 149 do Código
Penal Brasileiro. Dessa maneira, os resultados se dividem em três categorias (i)
características gerais; (ii) perfil da criança explorada e (iii) existência dos modos de
execução caracterizante de trabalho análogo ao de escravo. Na primeira categoria, buscou
responder o local de ocorrência dos fatos, a origem das denúncias, tempo de duração dos
procedimentos e a situação de cada um deles. Na segunda, para traçar um perfil da vítima
analisamos quanto gênero, idade e etnia de cada uma delas. E, por fim, na terceira buscou-
se responder se há caracterizantes do ilícito penal e se estes foram ou não classificados
como trabalho análogo ao de escravo pelo MPT.
Assim, Manaus concentra a maioria dos casos em uma única cidade, com 82%
(45) dos casos. Sobre as cidades de ocorrência, se faz necessário explicar que apesar da
PRT-11 abranger os estados do Amazonas e de Roraima, em nenhum dos 55
procedimentos analisados foi encontrado ocorrência no estado de Roraima; 74% (41) dos
procedimentos têm origem no disque Direitos Humanos pelo disque 100, 98% (54) dos
casos foram arquivados e 2% (01 caso) foram transformados em Inquérito Civil.
Nesta pesquisa, buscamos analisar detidamente duas categorias, que foi quanto ao
gênero e a raça dessas crianças. Quanto ao primeiro, pôde-se ratificar o que a doutrina
sobre trabalho infantil doméstico já afirma há algum tempo: as vítimas da exploração
nesta atividade são, em sua larga maioria, meninas com 42%, meninos em 20% e não
informado em 38%. Tal desarmonia numérica ratifica a existência de uma divisão sexual
do trabalho desde a infância, a partir de uma construção social patriarcal, que
considerando unicamente o sexo atribui tarefas distintas entre meninas e meninos,
reforçando a compreensão, ainda existente no meio social, de que as mulheres são vistas
como ideais para os serviços desenvolvidos na esfera doméstica. Não obstante, os
serviços domésticos foram e continuam sendo vistos como atividades praticamente
exclusivas de pessoas do gênero feminino, o que retroalimenta situações de exploração
de mulheres, desde a infância. Por vezes, são inseridas em um ciclo de escravização por
toda vida, na medida em que são privadas de buscar estudos, desenvolver habilidades, e
usufruir de uma vida digna. Como em 38% dos casos não constam o gênero da vítima,
usando de uma lógica de gênero existente em casos de trabalho doméstico infantil, é
possível entender que o número de meninas exploradas pode ser ainda maior.
O segundo marco importante concerne quanto a raça, a qual, infelizmente, nos
documentos que tivemos acesso em 100% dos procedimentos não constam qualquer
informação. Como se pode perceber, existe um certo desinteresse dos órgãos pesquisados
quanto a raça dessas crianças, uma vez que em todos os casos o fato racial nem se quer é
mencionado. Ignorar o fator raça ao promover qualquer investigação envolvendo trabalho
doméstico, trabalho infantil e, principalmente, trabalho análogo ao de escravo, é ignorar
a herança escravocrata, colonialista e racista que se tem no Brasil, assim como, a sua
influência nas construções e relações sociais ao longo tempo. Apesar da falta de
informações do MPT, acerca da raça destes indivíduos, sabe-se que predomina na
sociedade brasileira a quantidade de pessoas pretas/pardas que são exploradas e
condicionadas a situações degradantes, um ciclo histórico que passa de geração a geração.
No que trata da existência de caracterizantes do trabalho análogo ao de escravo ou
não, temos que em 22% dos procedimentos foi possível verificar um ou mais modos
previstos no artigo 149 do CPB, em 7% não foram encontrados tais modos e em 74% dos
procedimentos, as informações constantes nos autos e a falta de documentos necessários,
não permitiram afirmar com segurança se houve ou não a ocorrência do ato ilícito, os
quais foram classificados como inconclusivos. Por fim, verificou-se que em nenhum dos
55 procedimentos foi classificado pela PRT-11 como trabalho análogo à escravidão,
porém, as condições encontradas nos casos analisados à norma prevista no artigo 149 do
CPB, torna possível verificar que em 9 procedimentos houve prática de trabalho escravo.
Assim, é possível concluir que o trabalho infantil ainda é realidade no Brasil, que
tem quase 25% do total de crianças ocupadas na América Latina, cerca de 3.406.493 (três
milhões quatrocentos e seis mil quatrocentos e noventa e três) crianças e adolescentes que
realizavam alguma ocupação em 2010 (OIT, 2016; SMARTLAB, s.d.). O trabalho
infantil doméstico embora listado como uma das Piores Formas de Trabalho Infantil, e
ser proibido à menores de 18 anos, é prática normalizada no estado do Amazonas, onde,
em sua grande maioria, é realizado por meninas, oriundas do interior, que passam a
realizar tarefas domésticas variadas, com ou sem remuneração, em troca de moradia,
alimentação e vestuário (DUTRA, 2007). As heranças colonizadoras com base na
exclusão e na exploração dos mais vulneráveis, favorece a naturalização de explorações
e a normalização de separações de atividades pautadas em ideais patriarcais.
A atuação do Ministério Público do Trabalho nesses casos se deu de forma
insatisfatória, visto que em pelo menos – dada a impossibilidade de conclusão de 74%
dos procedimentos - 22% dos casos analisados, diante das informações disponibilizadas,
que foi possível verificar a presença de um ou mais modos de execução da exploração de
trabalho análogo ao de escravo, não houve nenhuma diligência no que tange à escravidão
contemporânea por parte do Órgão. Fazendo assim, que em suma maioria, 98% dos casos,
os procedimentos fossem arquivados. Ademais, a falta de aprofundamento na
investigação das denúncias apresentadas ao órgão, bem como o indeferimento de
instauração de inquéritos civis que poderiam combater situações caracterizantes da
exploração de trabalho infantil doméstico e o desinteresse em um levantamento de dados
acerca da raça dos indivíduos vítimas de exploração, dificultam ainda mais o combate do
trabalho infantil doméstico análogo ao de escravo. Além disso, essas problemáticas
prejudicam um mapeamento correto para se ter uma análise mais consistente que
possibilitem criar mecanismos de prevenção a este crime.
Ao identificar as condições de trabalho análogas à escravidão nos casos concretos,
a PRT-11 deveria promover as diligências cabíveis, tratando-os como escravidão
contemporânea, e não mais somente como exploração do trabalho infantil doméstico. Tal
diferença mudaria diretamente o tratamento dispensado às vítimas, a começar pela
possibilidade de resgate, e nas sanções aplicáveis aos exploradores, que podem ir até a 08
(oito) anos de reclusão. Desse modo, o Ministério Público do Trabalho deve encontrar
mecanismos que possibilitam que os casos de denúncia da exploração de mão de obra
infantil sejam, primeiramente, investigados pelo órgão, visto que este possui as
capacidades técnicas necessárias para a fiscalização e reconhecimento das características
do tipo penal, evitando assim, prejuízos à investigação e, principalmente, às vítimas.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 abr. 2021
CAL, Danila Gentil Rodriguez. Luta pública contra o trabalho infantil doméstico: implicações
democráticas das ações de advocacy. Revista Brasileira de Ciência Política, nº18. Brasília,
setembro - dezembro de 2015, pp. 211-242. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbcpol/n18/2178-4884-rbcpol-18-00211.pdf. Acesso em: 24 fev. 2021
DUTRA, Maria Zuíla Lima. Meninas Domésticas, Infâncias Destruídas: Legislação e Realidade
Social. LT-r Editora, 2007.
IBGE. O trabalho infantil doméstico no Brasil: avaliação a partir dos microdados da Pnad/IBGE
(2008-2011). Brasília: FNPETI, 2013. Disponível em:
https://fnpeti.org.br/media/publicacoes/arquivo/O_Trabalho_Infantil_Domestico_no_Brasil.pdf.
Acesso em: 01 mar. 2020.