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1ª Edição

Copyright © SBTHH

Mateus Pereira & Valdei Araujo

Ficha catalográfica

ARAUJO, Valdei; PEREIRA, Mateus.


Atualismo 1.0 - Como a ideia de atualização mudou o século
XXI/ Mateus Pereira, Valdei Araujo. Mariana, MG: Editora
SBTHH, 2018.

ISBN: 978-85-69703-02-0

CDD
901 - Teoria e filosofia da história
981 - História do Brasil

CDU
930.1 Teoria e filosofia da história

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610/98. É


proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência
da editora. Feito o depósito legal.

Direitos reservados à

Editora SBTHH
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Revisão: Luiz Antônio Prazeres


Projeto gráfico e diagramação: Marianna Andrade Melo
Capa: Marianna Andrade Melo
Impressão: Rona Editora LTDA
Conselho Científico e Editorial da SBTHH
2016-2018
Presidente: Temístocles Cezar (UFRGS)

Diretora de Publicações: Karina Anhezini (Unesp)

Membros
Carlos Fico (UFRJ)
Cássio Fernandes (Unifesp)
Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN)
Hasn-Ulrich Gumbrecht (Stanford University)
João Paulo G. Pimenta (USP)
Luiz Costa Lima (Puc-Rio)
Marcelo Ganthus Jasmin (Puc-Rio)
Marcia Barbosa M. D’Alessio (Unifesp)
Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)
AGRADECIMENTOS 11
PREFÁCIO: ENSAIO SOBRE OS POTENCIAIS
(IN)ATUAIS DO PENSAMENTO E DO TEMPO 17
INTRODUÇÃO: A EMERGÊNCIA DA PALAVRA
UPDATE/ATUALIZAÇÃO 27
CAPÍTULO I - ATUALISMO E TEORIA 47
1.1. A temporalidade na Condição Pós-moderna:
Jean-François Lyotard 49

1.2. Hans-Ulrich Gumbrecht: o atualismo como


presente amplo 56

1.3. Atualismo e Presentismo: o relato de François


Hartog69

1.4. Heidegger e as diversas temporalizações do


presente  80

CAPÍTULO II - ATUALISMO E HISTORICISMO:


CHATEAUBRIAND E A MODERNIDADE COMO
MÉLANGE TEMPORAL 97
2.1. O livro de Jó: a certeza metafísica e a vida como
constante atualização  100

2.2. O mundo atual: duas impossibilidades? 102

2.3. Um presente sem forma: a atualização do verbo 104

2.4. A fusão temporal nas Memórias e a mélange110

2.5. Chateaubriand, nosso contemporâneo? 118

CAPÍTULO III - FRAGMENTOS DE


ATUALIDADE: 1970 127
3.1. Fragmentos 129

3.2. Suas definições estão atualizadas?  157


3.3. Futuros passados: 2001 em 1970  159

3.4. Transparência, censura e repressão 165

3.5. O medo da obsolescência e o super-humano 169

3.6. Um salto de pantera para o atual 174

CAPITULO IV - ATUALISMO EM POUCOS


CARACTERES 179
4.1 A evocação da história no impeachment de
Dilma Rouseff 181

4.2. Pós-Humano, Pós-Democracia? 184

4.3 Black Mirror, White Christmas: o colapso do


tempo histórico?  199

4.4. Cela analógico-digital: isolamento, exibição e


envelhecimento  207

LOADING: SUAS DEFINIÇÕES ESTÃO


DESATUALIZADAS 215
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS 223
Para Luana Melo e
Verônica Pereira, com amor.
AGRADECIMENTOS
Agradecer aos diversos interlocutores é uma boa
forma de introduzir um livro que nasceu de muito
debate e conversa, é reconhecer colegas que nos aju-
daram a superar as adversidades do lamentável mo-
mento político que vivemos, possibilitando o desen-
volvimento e aperfeiçoamento deste livro.

A ideia da atualização como porta de entrada para


uma reflexão sobre o tempo surgiu de uma longa
conversa de WhatsApp, enquanto um deles viajava
de ônibus entre Porto Alegre e Pelotas em outubro
de 2015. O argumento ganhava evidência entre uma
atualização e outra do aplicativo que era, ao mesmo
tempo, ferramenta e fenômeno a provocar e apoiar
o pensamento. Mesmo vivendo e trabalhando com
muita proximidade, boa parte das linhas mestras do
argumento foram desenvolvidas em viagens de um
ou de ambos. A suspensão do cotidiano possibilitou
pensar sobre essa experiência? Um livro que trata,
talvez demasiadamente, dos perigos da atualização
em sua forma atualista, deveria começar apontando
que nem toda forma de atualizar é atualista.

Partes do texto foram apresentadas em um mi-


ni-workshop em Ghent, na Bélgica, a convite do
grupo de pesquisa coordenado por Berber Berve-
nage, e no II Encontro da International Network
For Theory of History (INTH), realizada em Ouro
Preto em agosto de 2016. Em ambas as ocasiões o
argumento muito se beneficiou com o debate. Uma
primeira versão mais abrangente foi apresentada, em
2017, em ciclo de conferências na Casa de Leitura
Dirce Cortes Riedel, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ). Agradecemos aos presentes
pelas perguntas e sugestões, em particular, a João
Cezar de Castro Rocha, pelo convite, pela oportu-
nidade e interlocução sempre generosos. A seção
sobre Lyotard surgiu de um de seus comentários.
Em Porto Alegre, na UFRGS, debatemos algumas
ideias do livro tanto a convite de Mara Rodrigues,
quanto no 3º Encontro do grupo “História (In)dis-
ciplinada” no primeiro semestre de 2018, sempre
com grande proveito crítico.

Agradecemos, ainda, aos colegas do Núcleo de


Estudos em História da Historiografia e Moderni-
dade (NEHM), da Sociedade Brasileira de Teoria e
História da Histioriografia (SBTHH), bem como
aos colegas de Departamento de História da Uni-
versiade Fedral de Ouro Preto (UFOP); aos nossos
alunxs da graduação e pós-graduação; em especial,
aos amigos e amigas: Alexandre Avelar, Ana Móni-
ca Lopes, André Freixo, André Voigt, Anita Luc-
chesi, André Ramos, Beatriz Vieira, Carol Monay,
Caroline Bauer, Daniel Joni, Dalton Sanches, Da-
niel Faria, Daniel Pinha, Fabio Wasserman, Eduar-
do Ferraz Felippe, Fernando Nicolazzi, Francisco
Gouvea, Helena Mollo, André Ramos, Guilherme
Bianchi, Luna Halabi, Mario Marcello Neto, Gui-
lherme Norton, Henrique Estrada, Henrique Gaio,
Luana Melo, Géssica Guimarães Gaio, Julio Benti-
voglio, Thiago Brito, Luisa Rauter, Luiz Estevam
(Duda), Maria da Glória Oliveira, Mateus Reis, Mar-
celo Abreu, Marcelo Rangel, Pedro dos Santos, Pe-
dro Teles Silveira, Rebeca Gontijo, Rodrigo Turin,
Sérgio da Mata, Thamara Rodrigues, Temístocles
Cezar, Thiago Nicodemo, Verônica M. Pereira, Yuri
Araújo, e, em especial, a Walderez Ramalho pela lei-
tura atenta de uma das últimas versões do manuscri-
to. Agradecemos ainda nossos colegas e alunos/as
envolvidos no trabalho editorial da Revista História
da Historiografia: Fábio Franzini, Arthur Avila, Ale-
jandro Eujanian, Augusto Ramires, Marianna Melo
e Rodrigo Machado.

Apoios: CAPES, CNPq, FAPEMIG e UFOP


PREFÁCIO: ENSAIO SOBRE OS
POTENCIAIS (IN)ATUAIS DO PEN-
SAMENTO E DO TEMPO
“Il est temps que vous le sachiez: je suis moi aussi un
contemporain.”
(Ossip Mandelstam, Minuit dans Moscou)1

De: Valdei Araujo <valdei354@gmail.com>


Data: quarta-feira, 26 de setembro de 2018 09:57
Para: Temístocles Cezar <t.cezar@ufrgs.br>, Mateus Perei-
ra <matteuspereira@gmail.com>
Assunto: Livro Atualismo
Querido, bom dia!
Em anexo, segue, finalmente, uma versão final
do livro sobre o Atualismo. Queremos lança-lo pelo
selo da SBTHH (...).
Mas a razão desse e-mail é convidá-lo para es-
crever o prefácio, pois o livrinho deve muito ao seu
incentivo e interlocução. Ficaríamos muito felizes se
pudesse colaborar.
Um abração,

Valdei & Mateus

De: Temístocles Cezar <t.cezar@ufrgs.br>


Data: quarta-feira, 10 de outubro de 2018 05:28
Para: Valdei Araujo <valdei354@gmail.com>, Ma-
teus Pereira <matteuspereira@gmail.com>
Assunto: Re: Livro Atualismo

Queridos amigos,
Bom dia!

1  MANDELSTAM, Ossip. Œuvres poétiques I. Paris: Le Bruit du


temps/La Dogana, 2018, p. 405.
O convite de vocês além de ser uma honra, que
muita satisfação me proporciona, é um desafio no e
sobre o tempo. Entre as atividades na universidade,
o cotidiano familiar e uma rápida ida a Buenos Ai-
res, e, sobretudo, envolto, como boa parte de nós,
nos dilemas do nosso presente, pensei, inicialmente,
em tentar lançar, à guisa de prefácio, um olhar so-
bre o “mundo atual”, tal como fizera Paul Valéry em
Regards sur le monde actuel, cuja primeira edição data
de 1931.2 Quanta pretensão e quão pouco tempo...
Mais do que prefaciar, eu gostaria de conversar, de
trocar ideias, de escuta-los, de escrever como um ve-
lho amigo e não apenas como um colega que não
é adepto das redes sociais, mas que frequenta com
certa regularidade o ambiente virtual, menos para me
atualizar (“nem toda forma de atualizar é atualista”,
vocês previnem!), do que como ferramenta de tra-
balho imprescindível e como instrumento heurístico
para tentar entender o que se passa diante de meus
olhos, o que perturba tantas pessoas próximas a mim,
o que parece não ter descanso, cansaço ou limite, o
que deixa tanta gente “à flor da pele”, “o que será”?

Por um antigo hábito de formação, não é nosso


muso, nem mesmo a Oração ao tempo (lembram? Por
seres tão inventivo/ E pareceres contínuo/ Tempo,
tempo, tempo, tempo/ És um dos deuses mais lin-
dos...), mas outro orador, Agostinho que sempre me
vem à mente quando tenho que refletir sobre o tem-
po. Contudo, nesse momento, me recordei de uma
confissão mais recente, à de Robert A. Rosenstone:
“Shouldn’t we historians know from the history of

2  VALÉRY, Paul. Regards sur le monde actuel et autres essais. Paris: Gal-
limard, 1998.
History that all our stories – the ones we live and
the ones we write – will eventually be outmoded, up-
dated, and rewritten, and different versions take their
place?”3 Atualismo 1.0 demonstra como essa engrena-
gem atualista deixa de ser um mero epifenômeno do
método histórico, ultrapassando a exigência confes-
sional da historiografia em se renovar, ao inaugurar
uma abordagem rigorosa do conceito, concomitan-
temente contínua e descontínua, simultânea e não-si-
multânea, e não alheia à experiência cotidiana.

Vocês têm por objetivo “demonstrar que o atua-


lismo é a dimensão temporal que emerge nessas so-
ciedades aprisionadas pelas estruturas da expansão
infinita”. Mais do que considerar que o agora do
atual implique tão somente em uma deferência (“i.e.
deference to the past as a priority, as an authority”)
ou em um adiamento (“i.e. the constant postpone-
ment of historical recognition through its predispo-
sition to keep updating and re-evaluating knowledge
already known”)4 dos processos de historicização, a
análise do atualismo nos termos propostos nos con-
duz, por meio de um diálogo com Lyotard, Gum-
brecht, Hartog, Heidegger, Chateaubriand entre ou-
tros, a repensar os limites deste historicismo tardio.5

3  ROSENSTONE, Robert A. Confessions of a Postmodern (?) His-


torian. In: MUNSLOW, Alun (edited by). Authoring the past: writing and
rethinking history. London and New York: Routledge, 2013, p. 141.
4  DAVIES, Martin L. Imprisoned by History. Aspects of Historicized
Life. London and New York: Routledge, 2010, p. 214.
5  Para uma análise, resguardada as diferenças contextuais, mas que se
assemelha quanto à perspectiva crítica ao historicismo, encontra-se em:
CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: postcolonial thought
and historical difference. Princeton, Princeton University Press, 2000.
Mesmo considerando que a “pressão por estar up
to date, por ser contemporâneo de um tempo natura-
lizado como uma força externa, não [seja] estranha
à modernidade historicista” (Mandelstam!), e que a
força atualista possa inclusive reforçar o sonho his-
toricista do mergulho virtual em uma inexorável ideia
de história universal inescapável (a possibilidade da
conexão ilimitada com tudo e com todos), na qual
as tiranias do presente, a ruína do anonimato ou a
melancolia alongada dos modernos seriam sintomas,
vocês não deixam de perceber brechas (anti-histo-
ricistas?), sendo, pelo menos para mim, as mais im-
portantes: 1. a capacidade de desarticular o atual do
presente que o conceito implica quando “reivindica
forças do passado (e do futuro?) como mais atuais
do que a atualidade”; 2. e a “flexibilização das identi-
dades” que permitem uma espécie de cidadania das
traduções da qual decorrem uma maior abertura à
multiplicação de gêneros que transbordem as antigas
e confinadoras categorias do masculino, do feminino,
do humano e do não-humano.

O atualismo coloca em perspectiva não apenas


as contingências historicistas, mas os dissabores da
inadequação geracional às formas atuais de gerir o
mundo da vida. Assim, à lamentação de Gumbre-
cht, que não dissimula, em meu modo de ver, uma
crítica pertinente ao momento presente, ao presen-
tismo sem fronteiras de Hartog, que se mantém
como apreciação prudente e válida de uma forma
de temporalizar o tempo, o que não lhes tornam
imunes a contestações, como as que vocês apontam
com grande elegância e acuidade, gostaria de pro-
por questões alternativas que se relacionam à gera-
ção não nativa digital. Enquanto para Gumbrecht
o aterrissar do avião nos aeroporto do mundo e o
gesto dos passageiros em ligar imediatamente seus
celulares e se conectarem o mais rapidamente possí-
vel é um indicador de uma dependência da presença
virtual preocupante (e por que não angustiante), a
capa do livro de Hartog sobre o Presentismo é uma
foto do aeroporto de Barcelona que, segundo me
confidenciou, significa o deslocamento no presente
do parecido ao mesmo (du pareil au même). Por esse
ângulo, como vocês afirmam, sim o “o atualismo seria
uma hipertrofia do sentido”.

Além disso, a constatação de que o atualismo


“é experimentado como a crença quase mágica na
reprodução da realidade” traz ao debate um tema
potencialmente vigoroso. Se no campo da historio-
grafia a fotografia e o cinema já tiveram ou foram
visto como representações fieis do real, na dimensão
atualista e em seus acólitos digitais, na qual a foto e o
filme encontram-se subsumidos, as modalidades do
crer na mesma medida que se ampliam, posto que
estão supostamente armazenadas digitalmente para
sempre, veem-se, apesar das constantes demandas
de atualização do sistema, sob a iminência da perda
irrecuperável desses mesmos dados e de invasões
indesejadas de privacidade. Arquivo e memória se-
rão ainda fundamentais à crença na representação
do tempo real? Não seria prudente e desejável o de-
senvolvimento de uma estética da perda?

Relaciona-se ainda ao corte geracional (e que se


multiplica em outros estratos do tempo social) o pro-
blema que vocês definem como “direito à obsoles-
cência”, algo próximo ao que chamo de direito ao
anonimato. A esses direitos, eu acrescentaria o direito
ao erro. Narro uma pequena história. Jantava eu na
casa de um casal de amigos idosos, casados há mais
de 50 anos. Ele, como ela o caracteriza, é moderno:
tem celular da moda, facebook, instagram, twitter. Con-
versávamos sobre um filme francês antigo, cujo nome
do ator principal me escapava. Entre eles não havia
consenso. Para ela era o fulano, para ele o beltrano.
Após uma acalorada discussão, da qual fui apenas tes-
temunha, ele sacou seu IPhone, consultou o Google e
mostrando para ela e para mim a foto e o nome do
ator na tela do celular disse: era um terceiro nome,
sicrano! Ato continuo, ela sentenciou: ninguém mais
tem direito ao erro! Descontando sua impaciência
corriqueira com o marido, por mais que meus estu-
dos sobre o cinismo antigo e o ceticismo moderno
me tenham habituado à dúvida, estava desprepara-
do para meditar imediatamente sobre o impacto da
incerteza e da certeza na ordem da vida prática. Fi-
quei muito tempo pensando na cena sem encontrar
exatamente os termos de minha inquietude com uma
frase que julguei inicialmente quase desagradável e
aparentemente desimportante. Por intermédio de
o Atualismo consegui inserir “o direito ao erro” em
um contexto mais amplo de indagações, inclusive em
pensar o erro como uma variante inatual do presente.

Amigos queridos, li parte do livro nos jardins do


Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti, um dos
prédios que compõem o Espacio memoria y derechos hu-
manos, ex-Esma, em Buenos Aires, um dos centros
clandestinos de detenção, tortura e extermínio du-
rante a ditadura militar argentina, enquanto aguar-
dava ML que participava de um seminário.6 Não há
como negar que essa visitação somada à expectativa
da eleição no Brasil, apenas três dias depois, influen-
ciou demasiadamente minha leitura. O céu azul e o
sol que timidamente aquecia a relva verde contras-
tavam, paradoxalmente, com o clima opressor que
não aliviava a presença do passado. Eu lia o capítulo
sobre o Black Mirror (sobre um futuro próximo ou
sobre movimentos atualistas), cujo esboço já conhe-
cia, e que em um evento em que um de vocês o
apresentou, eu havia relacionado ao problema do
sono e da vigília de Descartes. Nesse segundo mo-
mento, ao ler que “o atualismo produz a sensação
de que tudo que importa está ou estará disponível e
presente”, quase irrefletidamente, eu o associei, em
função daquela criatura que vocês definem como
“uma quase-pessoa, ou uma pessoa abstraída de
sua condição humana”, aos corpos mutilados pela
intolerância que tornavam os seres humanos meto-
nímias de si mesmos, seres provisórios de uma me-
tafísica cruel da existência.

Este tempo e espaço que se atualizou em mim,


é claro trouxe com ele tristeza, amargura e apreen-
são quanto ao nosso retorno e ao domingo de elei-
ções. Porém, eu havia lido há alguns meses, um li-
vro sobre as relações entre o tempo presente, arte
e política, de três autoras/es que desconhecia e me
foram apresentados por Hartog, que ao explicar seu
projeto escreveram algo que me fez pensar em uma
terceira dimensão do atualismo: “(…) Nos temps

6  XI Seminario Internacional Políticas de la Memoria: Memoria su-


balternas, memorias rebeldes. Esma: Escuela de Mecanica de la Ar-
mada.
obscurs sont surtout des temps qui se préparent. Il
naît de là une impatience, afin que tout ce qui est déjà
là, potentiellement, s’actualise. C’est à cette actualisa-
tion que travaille la pensée potentielle.”7

Se, como vocês afirmam, “o mundo atualista não é


apenas o melhor mundo possível, ele é o único mundo possí-
vel, sua constante atualização não abre espaço para o novo
enquanto descontinuidade. O novo é uma falha catastrófica
no sistema”, então a potencialidade do pensamento
de vocês criou, como um vírus informático, uma
fenda nova ou alternativa nesta estrutura temporal.
Para esse Cavalo-de-Troia-do-Livre-Pensar, ainda
não existe antivírus capaz de detê-lo! Mas quando o
sentirem por perto não hesitem em apertar a tecla:
#EleNão!

Muito obrigado pela oportunidade de lê-los em


primeira mão, pela paciência e pela amizade.

Forte Abraço,

Do Temístocles

7  TOLEDO, Camille de; IMHOFF, Aliocha; QUIRÓS, Kantuta. Les


potentiels du temps. Art & politique. Paris: Manuella Éditions, 2016, p. 15.
INTRODUÇÃO: A EMERGÊNCIA
DA PALAVRA UPDATE/ATUALIZA-
ÇÃO
Como presidente efetivo, Temer terá mais condições de apre-
sentar uma “atualização” do País.
Cantanhêde. 14 de agosto de 2016.

O uso da palavra atualização na frase da jornalis-


ta pode expressar uma mudança sutil e subterrânea
da experiência: um substantivo deslocamento nas
formas modernas de significar o tempo histórico.
Quais as mudanças temporais que possibilitaram a
passagem (como sobreposição, substituição, sino-
nímia) da palavra modernização para atualização?
Levando-se em conta as já conhecidas críticas à
conceituação de categorias como “presentismo”
(François Hartog) ou do “presente amplo” (Gum-
brecht), procuramos refletir sobre esse deslocamen-
to na experiência do tempo por meio da categoria
updatism, um neologismo em língua inglesa, que
traduzimos em português como atualismo. O livro
que se segue é uma tentativa de reunir uma série de
fragmentos de reflexão em torno dessa categoria, de
modo que, ao final, possamos compreender melhor
nosso tempo e as formas históricas das atualizações,
ainda pouco estudadas.

Os dicionários etimológicos de língua inglesa


datam o uso corrente da palavra update entre 1940-
1945. Uma busca no Ngram, ferramenta da Google
que oferece a frequência de palavras ou expressões
na imensa base de livros digitalizados pela empresa,
revela algumas poucas ocorrências isoladas ao lon-
go do século XIX da palavra update. No começo do
século XX, encontramos casos do uso da expressão
com o sentido de “atualização”, trazer uma lista ou
um conhecimento a um estado mais completo. Mas
é efetivamente entre 1960 e 1970 que as ocorrên-

29
cias se multiplicam e o uso associado à cultura do
computador começa a definir melhor o seu campo
semântico. Em um prospecto do Defense Techni-
cal Information Center de 1967, um software de
nome update prometia ser “[...] uma solução provi-
sória para o problema básico que todo o sistema
de dados enfrenta em um ambiente em tempo real:
perda total de todos os dados não processados du-
rante os modos de recuperação de diagnóstico in-
duzidos por erro” (CAMERON and C. 1967). Em
outras palavras, qualquer dado imputado ao siste-
ma tornava-se simultaneamente “atual”, registrado
e armazenado no mesmo tempo de sua execução.
Assim, já em 1967 podemos ter uma rápida ideia de
uma das utopias atualista, um tempo em que não
haveria distância entre a ação e sua integração a um
sistema sempre atual, sempre em estado presente,
significando que as ações que seriam passadas con-
tinuariam disponíveis sem que fosse preciso decidir
sobre sua relevância. Portanto, quando tudo pode
ser guardado e recuperado em tempo real, os meca-
nismo clássicos de memória e esquecimento podem
se tornar obsoletos ou automatizados?

A palavra atualismo é dicionarizada em portu-


guês pelo menos desde meados do século XX, mas
em sentido especializado, como um termo da geo-
logia ou para designar a filosofia da mente de Gio-
vanni Gentile (1987), desenvolvida no começo do
século XX e inicialmente designada como “idealis-
mo atual”. Este livro recorrerá a esta palavra como
categoria analítica que resume os fenômenos histó-
ricos que investigamos ao focar nossa pesquisa na
história nas formas “atualização” e “atualizar”. Para

30
efeito de nossa investigação percebemos que a pala-
vra atualização vai ampliando seu campo semântico,
em especial a partir da década de 1960. Os dicioná-
rios anunciavam, em suas novas edições, que estavam
revistos e aumentados e, no tocante a esse termo,
abandonam a ideia de crescimento para anunciar a
atualização. No Dicionário da Língua Portuguesa Cal-
das Aulete, desde os anos 1950 a palavra atualizar já
guardava alguma relação de sinonímia com moder-
nizar. A partir das décadas de 1960-1970 o adjetivo
atualizado é dicionarizado e designa estar a par, co-
nectado, com o que acontece no momento presente.

Nos dicionários contemporâneos da língua in-


glesa encontramos um campo de sinônimos para a
forma do verbo to update que está mais próximo dos
fenômenos que pretendemos destacar ao longo des-
te livro. Em geral, o verbo é sinônimo de renovar,
modernizar, restaurar, rejuvenescer e revisar. Ainda
que pouco difundida e com outro sentido, existe em
inglês a palavra actualism, derivada de actual, real no
sentido de efetivo, a qual não absorveu os fenôme-
nos que gostaríamos de enfatizar por meio da ex-
pressão updatism.

No gráfico 1, comparamos a evolução do léxico


update na base de língua inglesa do Google Ngram8
e podemos verificar que a frequência da palavra ace-
lera em meados da década de 1960, aparentemente
recebendo parte do valor semântico de conceitos

8  Sobre os cuidados e pontencialidades do uso desse instrumento,


ver Pereira; Santos; Nicodemo 2015. Sobre o uso da palavra atualismo
(actualism) em geologia e em filosofia, cf. entre outros, FARIA 2014 e
MENZEL 2014.

31
mais antigos, já usados para caracterizar a melhoria
ou dinâmica positiva em certo estado, como “pro-
gresso” e “melhoria”. A curva ascendente de update
parece acompanhar a nova realidade do universo do
computador,9 como podemos ver no incremento de
palavras como “web”, “virtual” e “digital”.

9  Sobre a disseminação dessa cultura, em especial, associada à difusão


da internet, Castells (2013) afirma que “A Internet não é realmente uma
nova tecnologia: seu ancestral, a Arpanet, foi implantada pela primeira vez
em 1969 (Abbate, 1999). Mas foi nos anos 1990, quando foi privatizada
e liberada do controle do Departamento de Comércio dos EUA, que se
espalhou pelo mundo a uma velocidade extraordinária: em 1996, a primei-
ra pesquisa de usuários da Internet contou cerca de 40 milhões; em 2013
há mais de 2,5 bilhões, com a China respondendo pelo maior número de
usuários da Internet. Além disso, durante algum tempo a disseminação da
Internet foi limitada pela dificuldade de distribuir infraestrutura de teleco-
municações terrestre nos países emergentes. Isso mudou com a explosão
da comunicação sem fio no início do século XXI. De fato, em 1991, havia
cerca de 16 milhões de assinantes de dispositivos sem fio no mundo, em
2013 eles estão perto de 7 bilhões (em um planeta de 7,7 bilhões de seres
humanos). Contando com os usos familiar e comunitário dos telefones ce-
lulares, e levando em consideração o uso limitado desses dispositivos entre
crianças menores de cinco anos, podemos dizer que a humanidade está
quase totalmente conectada, embora com grandes níveis de desigualdade
na largura de banda bem como na eficiência e preço do serviço”.

32
33
Gráfico 1: Frequência dos vocábulos digital, web, virtual e update
Fonte: Google Ngram, acesso em 19 jul. 2018.
Vemos também no gráfico a seguir que a fre-
quência de atualização aumenta, na medida em que
decresce a de alguns conceitos clássico-modernos
como “progresso” e “revolução”:

34
35
Gráfico 2: Frequência dos vocábulos progress, revolution e update
Fonte: Google Ngram, acesso em 03 jul. 2018.
A expressão updatism, que propomos como cate-
goria para definir certos aspectos da temporalidade
contemporânea, é encontrada em poucos sites da
internet e é mais utilizada por usuários em fóruns
acerca de games, funfictions, vlogs ou blogs, como uma
espécie de marca para postagens com a função prin-
cipal de atualizar um tópico. Surge como uma va-
riação espontânea e marginal de update, traduzindo
a dificuldade de tornar atual o “tempo real” da ex-
periência nesses ambientes digitais, uma vez que o
desejo ou a necessidade do atual ameaça aprisionar
o usuário no fluxo das novidades mais recentes. No
limite, não haveria diferença entre o tempo vivido e
sua atualização e exibição.

Fonte: https://bit.ly/2MO0bwj, Acesso em 25/09/2018.

Figura Fonte: Updatism.blogspot.com , acesso em 25/09/2018

36
A busca no Google que sustentou tal análise
foi feita no primeiro semestre de 2016; a apre-
sentada na imagem anterior, em junho de 2018,
quando escrevemos este parágrafo. Outras en-
tradas e usos podem ser encontrados, talvez in-
dicando uma tendência à ampliação dos usos do
neologismo. Como no exemplo a seguir, retirado
de uma postagem no Twitter:

Fonte: https://twitter.com/PatrickMcFadin/status/1006240518336987137, aces-


so em 25/09/2018.

Na quinta edição do American Heritage Dictionary,


a entrada update tem definição nas funções de verbo
e substantivo. Como verbo, a palavra pode indicar o
ato de alterar algo, de modo a trazê-lo para o “dia de
hoje”, o atual: atualizar um livro, atualizar os arquivos
(update a textbook, update the files) e informar alguém
com as últimas notícias. A expressão informações
mais recentes (latest information) usada na abonação
é a forma superlativa, que pode aparecer também
substantivada, como na frase the latest in electronic gad-

37
getry, também trazida na abonação.10 O atual como o
último, o mais recente e, por isso, melhor.

Atualizar opõe-se não apenas ao inatual, mas


ao desatualizado como obsoleto. Para Serge La-
touche (2015), a obsolecência programada está no
centro das sociedades contemporâneas viciadas em
crescimento. Com a reflexão que segue, tentaremos
demonstrar que o atualismo é a dimesão temporal que
emerge nessas sociedades aprisionadas pelas estruturas
da expansão infinita.

Haveria alguma relação entre a crescente centrali-


dade da palavra update e a difusão dos gadgets? Ao que
parece sim. Como se sabe, Lacan, nos anos 1970, co-
meçou a refletir sobre os gadgets. Para ele, são objetos
de consumo como se fossem “desejos” da lógica ca-
pitalista produzidos pelo saber tecnocientífico. Uma
das consequências é a produção de “sujeitos-merca-
dorias”. Para Hassan (1998), como “produtos da tec-
nociência”, tais objetos têm sua existência ligada ao
fluxo do consumo, teriam o automatismo como um
de seus traços identitários, não apenas prescindindo
do controle humano, mas tornando-o obsoleto e
mesmo indesejável.

O gadget parece ser um objeto especialmente atua-


lista, marcado pela rápida obsolescência e que, por isso
mesmo, tem mais valor não apenas por ser fisicamente
novo, e sim porque porta maior valor de atualização.
Hoje podemos comprar um celular ou qualquer outro
objeto novo sem que seja atual, o acesso à atualidade

10  The American Heritage Dictionary of the English Language, Fifth Edition.
Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company. 2018.

38
é decidido por hierarquias de classe, de geopolítica,
raça, de gênero, etc. Entregar-se ao automatismo do
gadget, aceitar suas atualizações automáticas vendidas
não mais como produto, mas como serviço, parece ser
uma condição incontornável do poder-ser atual.

Update pode ainda nomear um informe ou relato


que visa atualizar as informações sobre determinado
fato ou processo, ou, ainda, tornar algo mais moderno,
modernizar, sempre com o sentido de melhorá-lo ou
de fazer com que corresponda ao tempo mais recente,
àquilo que está na moda. De toda forma, a pressão por
estar up to date, por ser contemporâneo de um tempo
naturalizado como uma força externa, não é estranha
à modernidade historicista. O fenômeno da pressão
da moda já era socialmente descrito no século XIX,
por exemplo, em Baudelaire, como uma força da qual
não se poderia fugir sem consequências (AGAMBEN
2009, p. 66). Para o já citado Serge Latouche, a obso-
lescência programada como forma generalizada seria
invenção estadunidense das primeiras décadas do sé-
culo XX (2015, p. 51-55).

Desde o século XIX essa pressão por ser atual era


temperada por imagens coletivamente compartilhadas
que pareciam dar sentido e estabilizar a mudança, ins-
tituições e novos profissionais surgiram para orientar o
cidadão na sua tarefa de estar por dentro de um tempo
que lhe parecia externo, fosse ele o tempo da nação,
o tempo moderno ou civilizado (ZERMEÑO, 2008).
Ao se enfraquecerem essas orientações mediadoras, a
pressão por estar em tempo se acelera a ponto de se
tornar paradoxal. O encontro consigo mesmo ou com
o seu tempo, que dispunha de lugares aparentemen-
te estáveis e de um circuito formativo, agora parece

39
sempre adiado ou obsoleto. Um aspecto positivo é a
flexibilização das identidades, que nos ajuda a pensar
fenômenos como o uso de avatares, a vida nos fóruns
de ficção de fãs (Fanfics),11 o entregar-se ao fluxo
ininterrupto das variedades. Pertencer ao seu tempo
pode exigir estar conectado 24 horas por dia/7 dias
por semana a um canal de notícias em fluxo ou fazer
parte da história nas reações em tempo real aos gran-
des acontecimentos pelas redes sociais. Enquanto isso,
nos tornamos servos voluntários e/ou involuntários
das grandes empresas da internet, ao usarmos e aces-
sarmos serviços aparentemente gratuítos e, ao mesmo
tempo, em que trabalhadores-assalariados lutam pelo
direito e/ou dever à desconexão (Cf. RIBEIRO 2018;
CARDOSO 2016; FUCHS–ERAN 2012).

Não é apenas na língua inglesa que vemos o


conceito de atualização como sintoma de uma
realidade ou situação que continuamente se incre-
menta e ganha pregnância. No gráfico abaixo a
evolução da palavra actualización na base de livros
em espanhol aponta movimento semelhante.

11  Pode-se ter um vislumbre da complexidade desse novo gênero em


https://pt.wikipedia.org/wiki/Fanfic, acesso em 25/09/2018, além da
crescente literatura acadêmica sobre o fenômeno.

40
41
Gráfico 3: Frequência da palavra actualización
Fonte: Google Ngram, acesso em 22 jun. 2018.
Embora o recurso do Google Ngram ainda não
esteja disponível para a língua portuguesa, essa au-
sência pode ser pacialmente subtituída por uma pes-
quisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nessa base, estão reunidos centenas de
jornais e outras publicações seriadas que circularam no
Brasil entre os séculos XIX e XX. A comparação da
evolução dos vocábulos progresso, atualização, atua-
lizar e modernizar é mostrada no gráfico12, a seguir,
elaborado a partir dessa hemeroteca.

12  Os valores obtidos no gráfico correspondem à divisão da fre-


quência de cada vocábulo e o número de páginas da base em cada dé-
cada. Esse procedimento nos permitiu normalizar o significado relativo
de cada valor de frequência na respectiva década.

42
43
Gráfico 4: Evolução dos vocábulos na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional -RJ
Assim como na base do Ngram, podemos
identificar fenômenos análogos, o crescimento do
campo semântico em torno da palavra atualização
e a perda de energia de palavras como progresso em
proporção semelhante, podendo indicar alguma
relação competitiva entre os dois campos. O fu-
turismo das primeiras decadas do pós-guerra, tão
afeito à ideia de um progresso otimista, parece ce-
der bastante espaço para o ideal de um presente-
centrado atualista.

Em nossa reflexão, a palavra atualismo ajuda


a entender a persistência de determinados níveis
de aceleração, dispersão e dissociação temporal,
apesar da crise ou fechamento do futuro. Chama-
mos as formas específicas de conectar o passado-
-presente-futuro de temporalização do tempo. Nessa
direção, a emergência da palavra atualização como
conceito de relevância político-social pode ser
tomada como um fenômeno revelador de novas
formas de temporalização. Se vista como uma me-
táfora de certas situações e experiências contem-
porâneas, a palavra pode nos ser útil na compreen-
são de transformações nos mundos da vida. Pode
ser ainda tomada como um sintoma de como o
tempo temporaliza no mundo atual e como a sen-
sação de aceleração e multiplicação de ocorrências
pode ser desconectada da decisão, da utopia e de
uma noção totalizante e orientadora de progresso.

Assim, nossa aposta é que alguns fragmentos da


temporalização moderna e contemporânea podem
ser abordados em torno da categoria updatismo/
atualismo, pois partilhamos do princípio teórico e
metodológico de que há uma interrelação constan-

44
te entre conceito e experiência (Cf., entre outros,
KOSELLECK 2006, ARAUJO 2008, BENTIVO-
GLIO 2010). Dado o caráter exploratório e inicial
de nossa investigação, pretendemos manter uma
postura teórica e metodológica aberta ao diálogo
entre teoria e empiria. Nessa direção, considera-
remos, a partir da tradição já estabelecida em his-
tória intelectual (Cf., e. g., PALTI 1998; AVELAR;
FARIA; PEREIRA 2012), a emergência da pala-
vra update como um acontecimento, o que signi-
fica considerá-la em seu momento de enunciação
como estrutura suficiente e reveladora das reali-
zações discursivas. Como testemunho histórico,
essa palavra nos oferece um acesso privilegiado às
formas pelas quais determinados aspectos da vida
social atual experimenta, concebe e prefigura a rea-
lidade. Tal compreensão implica analisar os enun-
ciados para capturar diversas camadas de um texto
e discurso, seus usos e apropriações (Cf., também,
CERTEAU 2008). A compreensão do sentido de
um enunciado não se foca apenas em o que se disse
(conteúdo semântico dos enunciados, mas, em es-
pecial: “quem disse”, “como disse”, “onde disse”,
“a quem disse”, “em que circunstâncias disse”.

A partir dessa perspectiva, os fragmentos aqui


analisados são tomados como escalas. Para Paul
Ricoeur (2007), o jogo de escalas indica uma saída
para a falsa alternativa que estruturava o trabalho
histórico entre os partidários do acontecimento e
os da longa duração. Em cada escala, observam-
se aspectos que não são vistos em outra e cada
olhar tem a sua legitimidade. O exercício dos jogos
de escala é antes de tudo um exercício de liber-

45
dade metodológica. O princípio de variação (Cf.
REVEL, 1998; 2010) nos abre possibilidades de
articular dinamicamente: atualismo e teoria (ca-
pítulo 1); atualismo e historicismo (capítulo 2); e
atualismo e atualidade (capítulos 3 e 4). Nossos
fragmentos partem de lógicas de interações em
que diferentes objetos se constituem em relação a
outros. A escolha das escalas, construção de con-
textos ou historicização de disputas, de categorias,
conceitos e fatos nos convida a um ir e vir entre
fenômenos e reflexão. Tal desafio é induzido tanto
por nós, quanto pelos fenômenos (Cf. WERNER;
ZIMMERMANN, 2003). Essas e outras perspecti-
vas em história da historiografia, teoria da história e
história intelectual foram fundamentais para descre-
ver, conceituar e interpretar nosso tempo histórico.

Ao final, este livro, menos que a representação


especular de uma realidade imóvel, é uma tentati-
va de intervenção transformadora sobre realida-
des com as quais podemos nos relacionar apenas
través de fragmentos.

46
CAPÍTULO I: ATUALISMO E TEO-
RIA
1.1. A temporalidade na Condição Pós-
moderna: Jean François Lyotard
Embora no seu famoso livro de 1979, A Condição
Pós-moderna, Lyotard não aborde de modo direto o
problema da temporalidade, eu livro é ainda central
para este debate por dois motivos: seu impacto na
geração dos pensadores que irão enfrentar o tema
nas décadas seguintes (SIM 2001; MALPAS 2003;
MARQUES 2017) e as pistas que nos dá, no seu
preciso diagnóstico, dos efeitos da guinada pós-in-
dustrial.

Gumbrecht não esconde a importância de Lyo-


tard em sua reflexão, e do impacto geral da teoria
dos sistemas de Niklas Luhmann: “Na época, vi-
viam, ensinavam e escreviam em Paris pensadores
de fama verdadeiramente mundial: os filósofos
Gilles Deleuze, Jacques Derrida e Jean-François
Lyotard [...]” (GUMBRECHT 2015, p. 96).13

Segundo Wilmar Barbosa, prefacista da edição


brasileira, Lyotard teria abandonado a utopia, es-
tando mais “preocupado com o presente e com o
reforço do critério de desempenho - critério tec-
nológico - visando com isso o reforço da ‘realida-
de’” (BARBOSA Apud LYOTARD 2009, p. XIII).
Apesar de definir a pós-modernidade como um
fenômeno “cultural”, como a “incredulidade nos
metarrelatos”, Lyotard não analisa os impactos
dessa descrença na experiência do tempo histórico,

13  Para um relato da trajetória intelectual de Gumbrecht, ver (ARAU-


JO 2006; RANGEL 2010a; RANGEL, RODRIGUES 2012; BRITO
2014).

49
embora aponte diversos outros fenômenos sociais
correlatos que hoje se apresentam como que natu-
ralizados em nosso cotidiano.

Não que Lyotard não contasse com fontes im-


portantes para pensar os efeitos temporais da con-
dição pós-moderna, uma vez que, quase dez anos
antes, em 1967, era publicado um dos mais impor-
tantes livros do Movimento Situacionista na França,
A sociedade do espetáculo, no qual Guy Debord carac-
terizava o capitalismo tardio pelo esvaziamento da
experiência autêntica dos objetos, substituídos pela
sua forma espetacular midiatizada. Em suas teses
Debord falará em um “tempo espetacular”, um
“presente estranho”, que “a realidade do tempo foi
substituída pela publicidade do tempo” e outras ca-
racterizações valiosas, mas não menciona uma vez
sequer qualquer variante da palavra “atual”. No fi-
nal dos anos 1960, a palavra talvez fosse por demais
inovadora para ser usada no vocabulário filosófico
do marxismo movimentado por Debord, embora
nos pareça evidente que ele percebesse a emergên-
cia dessa nova dimensão da experiência do tempo
histórico (DEBORD 2005, p. 109-118).14

A crise de autoridade dos especialistas (experts)


destacada por Lyotard e da noção de consenso em
detrimento dos inventores e suas “paralogias” são
temas hoje amplamente explorados por autores que
analisam os impactos positivos e negativos, utópi-
cos e distópicos, das redes sociais, da era digital e do

14  Sobre o movimento e a proximidade de Lyotard do grupo Situa-


cionista, há uma vasta literatura, destacamos PLANT 1992.

50
pós-humano (Cf., e. g., BERRY 2011, p. 40; BRAI-
DOTTI 2015, p. 150; ). Claro que a revolução dig-
ital significou a criação de outros heróis-experts, os
programadores, mas mesmo eles não escaparam da
ameaça do obsoleto, já que “[...] não foi apenas a in-
trodução da programação automática que inspirou
as narrativas da perícia masculina sob ataque, mas
também a introdução de - ou, mais propriamente, a
apreciação do - computador (automático)” (CHUN
2011, p. 43). Para Rigney, “num mundo onde as im-
agens e o texto podem ser copiados tão facilmente,
as possibilidades de interatividade aumentaram e as
fronteiras entre produção e recepção, entre o espe-
cialista e o amador, tornam-se muito mais difusas”.
(RIGNEY 2010, p. 111).15 Um visão positiva des-
sas transformações pode ser encontrada em David
Berry, que estudando as políticas e as práticas do
softwear livre, acredita que possam articular “for-
mas produtivas de autoconhecimento e disciplina”,
“modelos descentrados e não-coordenados de cria-
tividade: “Acho que essa nova forma de código-hu-
manismo [code-humanism] é um imaginário polí-
tico necessário que terá enormes consequências”
(BERRY 2008, p. 197).

Em Lyotard, a digitalização da sociedade levaria


o saber a ter de se traduzir em quantidades de in-
formação (LYOTARD 2009, p. 4). As “máquinas-
-intérpretes”, à época exemplificadas por tradutores
de bolso das “firmas Craig e Lexicon” com memó-
rias de 1500 palavras, apontavam para o salto que

15  Em direção semelhante, ver (MALERBA 2014 e 2017; PEREIRA


2015; ARAUJO 2017; SCHMIDT & RODRIGUES 2017).

51
veríamos com os desenvolvimento da Inteligência
Artificial e das Redes Neurais, mesmo que um gran-
de abismo pareça separar essas primeiras e modes-
tas tentativas do que hoje podemos encontrar em
aplicativos como o Google Translator (LEWIS-
-KRAUS 2016). Esse abismo não impede o autor
de antecipar as forças que hoje constituem o nosso
mundo, como a transformação do conhecimento e
da informação no grande produto do capitalismo
contemporâneo, distribuído como um serviço em
fluxo. Pela citação de um estudo de J. M. Treille fica
bem claro que, já em 1979 Lyotard tinha uma visão
precisa do alcance da revolução digital:

Não se fala o bastante das novas possibilidades de


disseminação da memória, em particular graças aos
semicondutores e aos lasers [...]. Cada um poderá em
breve estocar a baixo preço a informação onde ele
quiser, e dispor, além disso, de capacidades de trata-
mento autônomas. (LYOTARD 2009, p. 8).

Analisando o que chama de “ideologia da trans-


parência” e seus impactos na legitimidade do Estado
e do Liberalismo, Lyotard descrevia “fluxos paralelos
de conhecimentos” que navegariam pelos mesmos
canais dos fluxos financeiros: “[...] mas dos quais al-
guns serão reservados aos ‘decisores’, enquanto ou-
tros servirão para pagar a dívida perpétua de cada um
relativa ao vínculo social” (LYOTARD 2009, p. 7). 16

16  “Esses fluxos são computacionalmente em tempo real e é esse as-


pecto que é importante porque eles proporcionam vivacidade [liveness]
ou “agoridade” [‘nowness’] para os usuários e colaboradores” (BERRY
2014). A centralidade do conceito de fluxo (streaming) é mais bem de-
senvolvida pelo mesmo autor em BERRY 2011.

52
Uma visão sombria do capitalismo global vai emer-
gindo ao longo desse livro. Em sua leitura de Luhmann,
ficava evidente que a narrativa da emancipação era ape-
nas uma compensação periférica do sistema social em
uma descrição que bem poderia ser tomada como defi-
nição do que estamos chamando de atualismo:

[...] a harmonia entre necessidade e esperanças dos indi-


víduos e dos grupos com as funções que asseguram o
sistema não é mais do que uma componente anexa do seu
funcionamento; a verdadeira finalidade do sistema, aquilo
que o faz programar-se a si mesmo como uma máqui-
na inteligente, é a otimização da relação global entre os
seus input e output, ou seja, o seu desempenho [...] sendo
a entropia a única alternativa a este aperfeiçoamento das
performances, isto é, o declínio (LYOTARD 2009, p. 21).

As metáforas do mundo digital e a perspectiva


de um sistema de governança automatizado, com-
pletamente descolado de finalidades externas são
aspectos que nos ajudam a compreender o clima
apocalíptico e sombrio, ou mesmo de cínica resig-
nação, que vai tomar conta de parte desta geração.17
A perda de valor social das tradições históricas, das
identificações com a classe, com a a nação e com a
profissão libera o homem digital das agendas supos-
tamente emancipatórias da modernidade.

A finalidade e a orientação individual parecem cada


vez mais refluírem para o âmbito pessoal. Citando, em
nota, uma análise de J. Bouveresse do Homem sem Quali-
dades, Lyotard transcreve:

17  Essa perspectiva fica mais evidente no período pós-1989, como


demonstra Danilo Marques em sua análise das “Moralidades Pós-mo-
dernas”, publicadas por Lyotard em 1993 (2017, p. 52-62).

53
Considerando-se em particular o estado da ciência, um
homem não é feito senão do que se diz que ele é ou
que se faz com o que ele é [...] É um mundo no qual os
eventos vividos tornam-se independentes do homem
[...] É um mundo do futuro, o mundo daquilo que
acontece sem que isto afete ninguém, e sem que nin-
guém seja responsável. (Apud LYOTARD 2009, p. 33).

Nesta passagem podemos antecipar as consequên-


cias dessa descrição para a experiência do tempo histó-
rico. Esse mundo do futuro será cada vez mais o nosso
mundo e, por razões óbvias, vamos perdendo a capaci-
dade de falar sobre o futuro com a mesma desenvoltura
que Lyotard. A geração de Gumbrecht foi a primeira a
diagnosticar essa situação com clareza, ou seja, esse fu-
turo sem qualidades o qual torna as previsões e diagnós-
ticos de tipo moderno impossíveis ou irrelevantes. A
exemplo de Chateaubriand, como veremos no capítu-
lo II, o Lyotard de 1979 é um homem que vive na con-
fluência e na mistura do conteúdo experiencial quando
da explosão das formas da cultura. Ele é ainda capaz
de produzir diagnósticos modernos, mas o mundo que
emerge dessas previsões torna esse gesto impossível ou
obsoleto. A nostalgia do intelectual moderno que vai se
tornando uma constante nos cursos de humanidades
parece ser mais um documento dessa situação.

Nesse horizonte de crise das metanarrativas, Lyo-


tard inclui os Estados-nacionais, os partidos políticos,
as identidades profissionais e as tradições históricas.
Descrentes e liberados desses vínculos, as subjetivida-
des não estariam isoladas, mas dispostas “numa textu-
ra de relações”, “colocadas sobre os ‘nós’ dos circuitos
de comunicação”, o que hoje chamaríamos de redes.
Lyotard não esconde certo otimismo com as possibi-
lidades desse novo arranjo (LYOTARD 2009, 27-8).

54
Mas é na descrição do saber narrativo que pode-
mos encontrar os elementos para pensar a tempora-
lidade atualista na Condição Pós-Moderna. Para o autor,
o tempo da narrativa é de natureza dupla, organizado
por metro e acento. Enquanto o metro é a divisão re-
gular do fluxo temporal, o acento é o gesto de encur-
tar ou alargar esses espaços produzindo ritmo. Nas
narrativas míticas haveria o predomínio do metro
sobre o acento; neste caso, “[...] o tempo deixa de ser
o suporte da memorização e torna-se uma cadência
imemorial que, na ausência de diferenças observáveis
entre os períodos, impede de enumerá-los e os relega
ao esquecimento” (LYOTARD 2009, p. 40).

Uma sociedade em que o relato é a “forma chave


da competência” poderia se desligar da necessidade
de lembrar do passado, uma vez que

ela encontra a matéria do seu vínculo social não ape-


nas na significação dos relatos que ela conta, mas no
ato de recitá-los. A referência dos relatos pode pare-
cer que pertence ao passado, mas ela é, na realidade,
sempre contemporânea deste ato. É o ato presente
que desdobra, cada vez, a temporalidade efêmera que
se estende entre o Eu ouvi dizer e o Vocês vão ouvir
(LYOTARD 2009, p. 41).

Lyotard está descrevendo “sociedades não ociden-


tais”, as quais não se perguntariam pela legitimidade e
condições de prova do que é afirmado na narrativa. Os
relatos não são produzidos por sujeitos que precisam
responder pelo valor cognitivo de suas posições, o nar-
rador apenas executa o relato produzindo um tempo
evanescente e imemorial. Considerando que a tese do
livro afirma que nas sociedades pós-industriais estaría-
mos vivendo uma espécie de abandono e corrosão das

55
narrativas tradicionais de legitimação, emancipação e
especulação, fundadas em relatos fortemente acentua-
dos, não seria despropositado pensar que a tempo-
ralidade pós-moderna estaria mais próxima desse
tempo ‘evanescente’. Entretanto, essas conexões
não são desenvolvidas. Em 1979, Lyotard profetiza-
va que os bancos de dados seriam “[...] a ‘natureza’
para o homem pós-moderno” (p. 93); hoje são as
redes sociais como o Facebook, Twitter e o Insta-
gram os ambientes em que acontecem as mutações
dessa nova natureza, a própria imagem de um banco
de dados parece antiga, sendo hoje mais comum fa-
larmos em fluxos e circulação contínua e descentra-
da. Nesses ambientes, o valor do relato parece estar
mais em seu fluxo, uma espécie de melopédia na
qual em vão procuramos acentos definitivos ou em
que a disputa contínua por acento torna-se o metro.

O que permite o acento produzir o efeito de me-


morização é justamente sua capacidade de interrom-
per o metro, alterá-lo. No fluxo contínuo de novidades
a que nos entregamos hoje nas redes sociais, essa in-
terrupção é impossível, bem como a aceleração tecno-
lógica tornada rotina parece perder sua capacidade de
acentuar os relatos. Se tudo muda muito rapidamente,
mas sem quebrar as expectativas, se a própria mudança
se torna a expectativa, o tempo pode desacelerar e se
aproximar de um novo tipo de imemorial: o atualismo?

1.2. Hans-Ulrich Gumbrecht: o atua-


lismo como presente amplo
Em seu livro mais ambicioso em termos teóri-
cos, Produção de Presença [2004], Gumbrecht (2010)

56
responde a esse quadro de crise descrito e antecipa-
do por Lyotard em 1979. Para ambos, o problema
central parece ser como garantir uma sobrevida para
as Humanidades na Condição Pós-moderna. No entanto,
Gumbrecht oscila entre um fraco otimismo com a
perda das grandes narrativas e um pessimismo com a
percepção de que essa perda pode ter sido fruto não
do esgotamento, mas do aprofundamento da cultura
de sentido na era digital. Contra seu próprio desejo
de estabelecer uma ruptura liberadora de nosso tem-
po com a “modernidade”, o relato de Gumbrecht
também abre a possibilidade da interpretação oposta.
Sua descrição do desejo por presentificação como
sintoma do nosso tempo pode ilustrar a agonia das
práticas de presença, mais do que a sua generalização
reativa ou compensatória (GUMBRECHT 2014).18

Seis anos depois da primeira edição alemã de


Produção de Presença, no livro Nosso amplo presente,
Gumbrecht (2014 e 2015) analisa as relações entre
tecnologias digitais e temporalizações. No ensaio
“Disponibilidade infinita: da hipercomunicação
(e da terceira idade)”, sua perspectiva é predomi-
nantemente pessimista, sem, no entanto, deixar de
apontar oportunidades ou brechas na nova situação
e celebrar o que considera um esgotamento da mo-
dernidade. Ao tornar tudo e todos disponíveis, a
tecnologia da informação arrisca destruir as condi-
ções para o pensamento, que dependeriam de uma
oscilação entre “presença” e “sentido”. Enquanto
Hartog (2003) e outros autores que antes dele des-

18  Sobre as chamadas teorias da compensação, ver Rumiantseva


2015; Mata 2017; Lübbe 2016.

57
tacaram um suposto fim ou esgotamento da moder-
nidade lamentam a perda de um futuro aberto, da
utopia, do sentido histórico, Gumbrecht vê nesses
mesmos diagnósticos possibilidades ambivalentes
para o aprofundamento de uma cultura do corpo e
da presença, em uma linhagem reflexiva mais próxi-
ma de autores como Lyotard e Luhmann.

Logo no início desse ensaio, Gumbrecht afirma


estar entre aqueles que se sentem deslocados no am-
biente digital. Resistiu o quanto pode às inovações
tecnológicas e procurou defender sua escolha com
uma rigorosa disciplina que limitaria seu tempo de
uso de recursos como o e-mail. O relato começa a
nos interessar pelo evento de uma “atualização au-
tomática” (automatic upgrading [sic])19 do software de seu
computador do trabalho que teria compartilhado sua
caixa de e-mail com seu computador doméstico, um
dos efeitos e possibilidades da computação em nuvem.

Mesmo reconhecendo o caráter democrático e


o lado positivo dessa nova disponibilidade, a ênfase
dada por Gumbrecht, assim com outros analistas do
mesmo fenômeno (GUMBRECHT 2006), reside
na reciprocidade ambivalente do processo: estar on
line significa poder dispor do outro a qualquer mo-
mento, mas também estar cada vez mais à disposi-
ção dos outros. Gumbrecht não nega a natureza até
certo ponto ludista de sua resistência, nem o pre-
conceito de que o entregar-se a esses novos recur-
sos o levaria à certa decadência intelectual. Embora

19  Curioso saber que a ferramenta de tradução da Google verta como


“atualizar” tanto as palavras upgrade quanto update. O fato de que qualquer
atualização hoje parece ser “para melhor” ajuda a explicar a convergência.

58
não explicite o aspecto nostálgico de sua postura, fica
evidente que ela se apresenta em algum grau.20 Essa
imagem de uma espécie de decadência, mesmo que
não aprofundada, é reforçada com alguns exemplos
dos efeitos colaterais do uso do e-mail e das redes so-
ciais que, em 2010, quando da edição original, não
eram tão evidentes.

Sobre esse ponto, em diálogo com Gumbrecht,


Oliveira (2015a) afirma que, para a geração nativa
digital, não houve estratégias de adaptação como as
descritas anteriormente. Assim, novos comporta-
mentos são estimulados, como a assistência com-
pulsiva de séries em que

[...] a grande diminuição do peso do fim para o anda-


mento da história, produzem uma temporalidade ao
mesmo tempo prazerosa e repetitiva [...] O novo há-
bito transmuta o medo da obsolescência que acom-
panha o incansável esforço adaptativo às novas tec-
nologias [...] (OLIVEIRA 2015a, p. 312).

A primeira formulação em que Gumbrecht


complexifica a ideia de nostalgia nos chama a aten-
ção para certo compromisso, uma ética certamente
muito pessoal, de não deixar que desapareçam ob-
jetos e situações com as quais cresceu, que consti-
tuiriam o seu “ser-no-mundo”, ameaçadas pelos úl-
timos feitos evolucionários.21 Em um contexto em
que se identifica uma pressão por um contínuo e

20  “A crença otimista no futuro tornou-se obsoleta, enquanto a nos-


talgia, para o bem ou para o mal, nunca saiu de moda, permanecendo
estranhamente contemporânea” (BOYM 2017, p. 153).
21  Ainda assim, Eduardo Ferraz Felippe, em seu diálogo com Gum-

59
acelerado desenvolvimento tecnológico, no qual se
amplia a disponibilidade de tudo, inclusive de nós mes-
mos para os outros e os processos tecnológicos, Gum-
brecht afirma esperar que alguns objetos e situações
com as quais se acostumou possam continuar a existir
por mais algum tempo. Essa decisão de lutar contra a
obsolescência de certos objetos e hábitos funcionaria
como uma resistência não compensatória à aceleração
tecnológica, pois não se trataria aqui de deslocar o va-
lor desses objetos para o seu aspecto não pragmático,
como na historicização museográfica.

Gumbrecht parece deslocar parte da energia do


esforço adaptativo para a manutenção de certos ob-
jetos e hábitos obsoletos. Em uma de suas diversas
passagens pela cidade de Mariana, foi bastante di-
fícil convencê-lo de que não era necessário enviar
por correio ao seu escritório em Stanford duas mini
fitas cassetes do gravador analógico, o qual ainda era
sua ferramente de trabalho. Foi a contragosto que

brecht, entende a nostalgia atual “como uma perspectiva temporal


pautada em um presente alargado a se desdobrar em um futuro cin-
zento em uma época de memória” (2017, p. 124). Segundo o autor,
“a acumulação do passado para aqueles que nasceram depois de 1945,
[...], propicia essa disponibilidade que alimenta a nostalgia. Arrisco dizer
que as situações nostálgicas carregam consigo o mesmo sintoma do
encontro com o tempo de que nos fala Gumbrecht nas obras referidas,
uma experiência cíclica de esperança e desapontamento” (p. 124). Mas,
o lugar da nostalgia hoje não poderia ser entendida também como uma
necessidade compensatória, reacionária e/ou vital de uma experiência
temporal em que certa atualidade atualiza-se em função de si mesma?
Ou mesmo da ampliação das referências ao passado e ao futuro em
forma atualistas? O autor dá a entender que sim, quando afirma: “a
motivação provida pela nostalgia e a constatação da impermanência do
reino dos homens tornam o futuro indefinível, e o presente deixa de ser
apenas uma transição entre outras categorias temporais, acentuando a
mistura entre todas elas” (p. 131).

60
permitiu que fossem digitalizadas e enviadas a sua
secretária por e-mail. Era evidente certo desgosto ou
medo de alterar um aspecto de sua rotina de tra-
balho e vida. Lutava para manter funcionando um
objeto que deveria estar no lixo, num museu ou loja
para amantes de objetos vintage.

Em um tom de confissão, um traço de sua prosa,


Gumbrecht reconhece que sua resistência à inovação
tecnológica talvez se deva ao medo de não se sentir
capaz de usá-la com a excelência que espera de sua
performance intelectual, de uma graciosidade e na-
turalidade de comportamento que só se adquire com
dedicação, esforço e repetição. Ao dar o exemplo dos
passageiros de avião que, após ficarem alguns mo-
mentos sem conexão durante o voo, ligam ansiosa-
mente seus celulares mal a aeronave atinge o solo, no
exemplo hipotético, para anunciar a quem o estivesse
esperando no aeroporto a sua chegada, denuncia a
pulsão pela total disponibilidade.

O autor percebe o esvaziamento da presença fí-


sica pela diluição da ubíqua presença virtual. Aqui
temos um ponto importante em seu diagnóstico da-
quilo que estamos chamando de atualismo: em sua
tipologia “cultura de presença” versus “cultura de
sentido”, o atualismo seria a hipertrofia do sentido.
O que podemos questionar é qual o lugar para um
cronótopo não historicista em um mundo cada vez
mais historicista? A força da presença como energia
compensatória ao sentido justificaria falarmos em
um novo cronótopo? Esse seu desejo de despedi-
da da modernidade não seria uma espécie de fanta-
sia reativa, na linha do já citado Oliveira? Seu discurso
evidentemente antimoderno não estaria sem lugar em

61
um mundo que não representa o fim da modernidade,
mas seu desenvolvimento mais extremo?  Para reto-
marmos seu argumento no texto “Cascatas de Moder-
nidade” (1998), seria como se a quarta e última cascata
não fosse o desfazer das demais, mas o acumular não
progressivo de mais uma onda de modernização22.
Deixamos em aberto, no entanto, se o prolongamento
do analógico não estaria apontando mais um gesto de
resistência do que uma simples compensação.

O autor dá, ainda, o exemplo dos convites para


palestras, em que se pedem versões prévias do tex-
to, autorização para gravação em vídeo e divulgação
digital em rede. Esse excesso de registro esvaziaria o
caráter próprio do evento de estar em uma palestra.
“Nada é realmente novo, nada se perde....” (2014,
L. 1502) Sintomas do Atualismo? Nessa cultura da
variedade contínua podemos nos perguntar se ha-
veria ainda lugar para “diferenças”, em uma história
que acelera e é faminta de novos “eventos”, nada de
diferente pode realmente acontecer?

Gumbrecht recusa a ideia de que um debate ele-


trônico possa realmente gerar intensidade intelectual,
chegando mesmo a afirmar que discussões eletrônicas
produzem, na melhor das hipóteses, “mediocridade es-

22  Em uma das primeiras formulação do “passado amplo”, Gum-


brecht retomava Heidegger, mesmo que em chave crítica: “Se esta é
uma descrição justa de uma dessas fascinações específicas que, em nos-
so presente, impulsionam o interesse pelo passado, então podemos ter
certeza de que Heidegger teria interpretado tal entusiasmo por falar
aos mortos como um sintoma de nossa “queda no mundo”. Voltar-se
para o passado, fazendo os mortos falarem para ultrapassar o limiar da
morte, implica inevitavelmente um afastamento daquele futuro em que
nossas próprias mortes ocorrerão” (GUMBRECHT 2003, p. 66).

62
piritual”. Será que podemos concordar com um juízo
tão definitivo? Esse juízo severo não viria, em parte, de
sua própria inabilidade, falta de graça confessada, em
lidar com essas novas mídias? Se a digitalização é uma
extensão da forma propriamente moderna, ela deve
ser capaz de produzir alguma intensidade intelectual,
mesmo que não intensidade de presença. Talvez para
Gumbrecht as palavras intensidade e sentido sejam in-
compatíveis, mas serão mesmo? 

Essa dúvida parece alimentar sua ambivalência


quanto à caracterização da época atual pela emergência
de um novo cronótopo e a realização extrema dos tem-
pos modernos, como fica evidente nesta passagem:

Essa é a razão pela qual a hipercomunicação de base


eletrônica traz para sua conclusão insuperável o pro-
cesso de modernidade, como o processo em que o su-
jeito humano como pura consciência emancipou-se e
triunfou sobre o corpo humano [...]. (L. 1541).

Neste trecho, ele afirma claramente que a co-


municação eletrônica completaria a modernidade
como descorporificação, um mundo como pura
mente, um tema que vem desenvolvendo desde sua
formulação programática de um campo não her-
menêutico ainda nos anos 1980 (GUMBRECHT
1998, 2006).23 Mas como pensar um novo cronóto-
po nesse cenário? Que evidências teríamos de uma
possível superação ou desfazimento do cronótopo
moderno? A principal evidência apontada seria uma
sensação geral de desacelaração do tempo, que anu-
laria diversos aspectos da modernidade tal como

23  Para algumas análises recentes da reflexão de Gumbrecht sobre

63
formulada, em especial, na descrição koseleckiana
(Cf., também, GUMBRECHT 2012). 

Entretanto, logo em seguida, Gumbrecht insiste


que uma percepção sensual sempre resistirá a uma
redução conceitual e que o presente amplo digital é
marcado pela possibilidade de simultaneidades tem-
porais complexas.  Essa simultaneidade digital que
parece distanciar-se da ideia de um tempo linear e
vazio do “progresso” historicista rompe ou apro-
funda a modernidade? Essa nova cascata de moder-
nidade, que não desfazeria todos os aspectos das
demais (Cf. também, GUMBRECHT 1998), pode-
ria ser vista como uma forma de aprofundamento
e mutação de tendências mais estruturais do mo-
derno? Deixando de lado ou transformando aquilo
que no historicismo pode aparecer agora como não
fundamental, a ideia de progresso e formação, são
substituídas pela atualização contínua e acelerada do
mesmo: o atualismo. Como a breve incursão pela a
história da palavra update/atualização parece revelar,
ela absorve parte da carga semântica do conceito de
progresso, fenômeno que parece ter sido fotografa-
do na base de dados GoogleBooks, como mostra-
mos na introdução deste livro.

Segundo Gumbrecht, “no presente eletrônico de


hoje, não há nada ‘do passado’ que precisamos deixar
para trás, nem nada ‘do futuro’ que não pode ser feito
presente por uma antecipação simulada” (L. 1559).
A conjunção desse passado que não passa com as

a modernidade, ver BRITO 2014; RANGEL & RODRIGUES 2012;


RANGEL 2010. E ainda, ARAUJO 2006 e 2013a; KLEINBERG &
GHOSH 2013.

64
antecipações formaria um “presente” largo e lento.
Mas o próprio autor mantém a questão em aber-
to: “Mas estou plenamente consciente de que esta
é apenas outra revolução das Panteras Grisalhas”.
(L. 1563). A revolução dos “Panteras Grisalhas”
alude ao movimento pelos direitos do envelheci-
mento criado em 1970 pela ativista estadunidense
Margareth Kuhn (Maggie Kuhn). Recusando-se a
aceitar a aposentadoria compulsória aos 65 anos,
Kuhn inicia o movimento que questionou o lugar
do idoso na sociedade, uma luta contra a obsoles-
cência que, de certo modo, pode inverter e alargar o
sentido e a duração do atual. Adiante voltaremos ao
ano de 1970 e suas formas de atualização.24

Portanto, o presente, como breve momento de


transição, típico do historicismo, seria substituído
pelas complexas simultaneidades do universo digi-
tal. O argumento depende de nossa concordância
com duas afirmações: 1. Que realmente essa noção
de presente fugaz tenha sido hegemônica no his-
toricismo. 2. Que, pela desacelaração atual, ela se-
ria substituída pelas simultaneidades complexas. No
entanto, talvez esse presente como simples momento
de transição não tenha sido tão hegemônico e pudés-
semos identificar outras formas de temporalização do
presente no cronotopo historicista, como pretende-
mos mostrar no próximo capítulo. Além das diferenças
de ritmo, há uma reprodução e permanência do presen-
te que pode ser identificada mesmo no auge historicis-
ta. Ainda que ameaçado por um futuro virtualmente

24  Sobre o movimento, ver https://en.wikipedia.org/wiki/Gray_


Panthers, acesso em 25/09/2018.

65
superior, o historicismo produzia a consciência aguda
do presente como o melhor dos tempos, revelador e
realizador do sentido histórico. Quanto à segunda afir-
mação, as simultaneidades atuais parecem ser majorita-
riamente impróprias (cf. seção 1.4) pouco tendo a ver
com o instante e o agora, tematizados por autores como
Benjamin e Heidegger a contrapelo do tempo vazio e
sucessivo do historicismo ou da cotidianidade. 

Em nossa formulação, o atualismo é experimentado


como a crença quase mágica na reprodução da realida-
de. Um pouco depois de ter escrito a primeira versão
desta seção, em 2016 vivenciamos uma perda subs-
tancial de registros da pesquisa, quando da atualização
automática de uma nova versão do Windows. Embo-
ra parte substantiva do material estivesse em nuvem,
alguns arquivos estavam salvos na área de trabalho de
um laptop. A atualização do Windows simplesmente
apagou de modo definitivo todo o material que estava
salvo na área de trabalho. Em uma sociedade que cada
vez mais acredita na necessidade incontornável das atua-
lizações, que estão como que embebidas nos próprios
suportes da comunicação, um evento como esse tem o
potencial de revelar as fragilidades de um sistema que é
a todo tempo experimentada como garantido e garantia.
Quanto mais dependentes do armazenamento digital e
de sua atualização, mais corremos o risco de uma perda
catastrófica, ou de um vazamento catastrófico como as
invasões de privacidade. O que chamamos de Atualismo
parece depender de nossa crença de que em algum lugar
existe uma força, um sistema, que mesmo incompreen-
sível para a grande maioria das pessoas, talvez mesmos
para todas, ainda assim é garantidor da estabilidade de
nosso mundo. Como registrado em um dos fóruns que

66
consultamos na esperança vã de resolver o problema,
o clima predominante é de desespero, em seu sentido
literal, a perda catastrófica da esperança, a dificuldade de
acreditar que, nos tempos de total disponibilidade, algo
possa simplesmente desaparecer.

Somos convencidos que a não atualização envol-


ve diversos riscos, o seu antivírus pode não estar
à altura dos novos hakers, sua conta bancária pode
tornar-se insegura, suas fotos, organizadas e arma-
zenadas em nuvens podem ser exploradas por go-
vernos, empresas e indivíduos, como alardeia um
dos redatores da página “Oficina da Net”, no post
“Os riscos de não atualizar softwares”.25

Há um amplo espaço para uma fenomenologia


do atualismo que descrevesse esses novos fenômenos
e dispositivos. O salto para a computação em nuvem
radicalizou um dos traços mais perversos da sociedade
capitalista. A obsolescência do objeto transforma-se na
obsolescência do próprio real, completamente transfor-
mado em produto da ação humana e, por isso, em cons-
tante necessidade de atualização. Os serviços de strea-
ming financiados por pagamentos mensais deixam claro
que ou o consumidor paga regularmente pelo acesso à
realidade digital atualizada ou ele é relegado a uma espé-
cie de submundo anacrônico, inseguro, perigoso, cheio
de riscos. Um aspecto que poderia ser desenvolvido a
partir do relato de Gumbrecht seria o do direito à obso-
lescência como uma alternativa socialmente disponível,
além de apenas um privilégio pessoal ou de classe.

25  https://www.oficinadanet.com.br/post/13976-os-riscos-de-nao-
-atualizar-softwares. Acesso em 20/09/2018.

67
68
1.3. Atualismo e Presentismo: o rela-
to de François Hartog
A fixação do olhar sobre o que supostamente se
foi ou desapareceu pode nos impedir de ver as re-
configurações e deslocamentos (ZAWDZKI 2008).
Como pretendemos mostrar, cremos que parece ser
o caso do diagnóstico de François Hartog.

No prefácio da edição francesa de 2012 do livro


Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tem-
po, Hartog define o presentismo, como já havia feito
na primeira edição de 2003, como uma experiência
do tempo em que o presente se impõe como o úni-
co horizonte.26 Viveríamos em um mundo da tirania
do presente onipotente, onipresente e hipertrofia-
do: “presente único: este da tirania do instante e do
marasmo de um presente perpétuo” (HARTOG
2012, p. 6; PEREIRA & MATA 2013).

Em Crer na história, de 2013, Hartog mantém a


mesma crítica, quando afirma que o presentismo é
“o fechamento do futuro e o crescimento de um
presente onipresente” (HARTOG 2013, p. 30); ou
ainda: “o futuro, enfim, tornou-se um fardo que
pessoas, empresas ou instituições não querem mais
carregar. [...]. E para o passado há a memória (com
o patrimônio e a comemoração) e a justiça” (HAR-
TOG 2013, p. 103). Viveríamos entres crises subs-
tituídas a cada novo escândalo. Estaríamos concen-
trados em respostas imediatas ao imediato (como

26  O prefácio recebe o título: “presentismo pleno ou provisório”


(par défaut), a tradução brasileira prefere padrão a provisório.

69
no episódio “Hino Nacional”, da série Black Mirror,
em que o Primeiro Ministro britânico é forçado a
fazer sexo ao vivo com uma porca por exigência
dos sequestradores de uma das princesas da famí-
lia real).27 Haveria uma passagem social e histo-
riográfica “da longa duração ao tudo é evento”
(2013, p. 263-266). O presentismo seria o tempo
no qual não há nada além do evento. Para o autor,
por exemplo, a partir do 11 de setembro de 2001 a
administração americana teria decidido fundar um
ponto zero da história mundial. A guerra contra
o terrorismo seria um presente novo e único. O
atentado para Hartog evidenciou a lógica do even-
to contemporâneo: ele se dá a ver enquanto acon-
tece, se historiza e “traz em si mesmo sua própria
comemoração: sob os olhos das câmeras. E, nesse
sentido, ele é absolutamente presentista” (HAR-
TOG 2003, p. 156). Afinal, as câmeras registrando
em tempo real o segundo avião teriam criado as
condições para isso. De forma semelhante, o mes-
mo teria ocorrido em 1968 e 1989, com as Revol-
tas Estudantis e a Queda do Muro de Berlim.

27  Sobre o tema, ver UNGUREANU (2015). O autor analisa a


relação entre arte, auto-sacríficio e “teatro da violência” no episódio,
entendido como uma parábola de poder e resistência na era da tec-
nologia. Sobre o hábito de assistir a narrativas audiovisuais seriadas
por meio do modo stream na internet, estruturas narrativas, bem como
sobre o aspecto compusivo dessas práticas, ver OLIVEIRA (2015a e
2015b). Destacamos que, para esse autor, “a modalidade de recepção
das narrativas seriadas audiovisuais é nova, viabilizada pela internet e
pela maior velocidade de transmissão de dados. E foi claramente graças
a esta nova modalidade que o interesse pelas narrativas seriadas deu um
salto significativo. A recepção de romances e filmes de longa metragem
certamente encontrou um lugar no novo meio, mas foi justamente o
formato das séries que cresceu de modo inequívoco” (p. 300). Em ge-
ral, “o prazer do recomeço está à mão de modo imediato” (idem, p. 305).

70
Em entrevista de 2015, o autor reflete, ainda que
timidamente, sobre a relação entre informática, crise da
história e nova experiência do tempo. Para ele, a revo-
lução da informática reforça a ruptura: “o tempo real
do mercado é presentista, ele é tanto da ordem do mi-
crossegundo como é contínuo. Toda uma economia do
instante é posta em ação: a financeira, a midiática, a po-
lítica, a social e também a das redes sociais” (HARTOG
2015b, idem, p. 283). Contudo, o historiador francês des-
taca que esse novo regime não é unívoco, haveria várias
camadas de presentismos: “Há o presentismo da circula-
ção, dos fluxos, da aceleração permanente, da desterrito-
rialização, dos mercados e da economia digital” (Ibidem,
p. 284). Nesse contexto, o passado é constantemente
fabricado para o presente, sobretudo por meio de ima-
gens, filmes, séries, jogos e encenações, e a história dis-
ciplina não sabe o que dizer, pois sua autoridade sobre
o passado foi superada.28 A história disciplina apresenta
sérias dificuldades em “apreender o mundo no seu cur-
so atual. O conceito moderno de história é basicamente
futurista e, desde o momento em que o presente se im-
põe como categoria dominante, a história também não
o vê claramente” (HARTOG 2015, p. 286).

28  Talvez seja um argumento muito unilateral e provinciano (no sen-


tido de se dirigir mais diretamente ao contexto francês e da Europa
Ocidental) dizer que a autoridade da história disciplina sobre o passado
foi superada. Nesse ponto, Malerba (2014 e 2017) ajuda-nos a com-
preender que há, depois do advento da internet, alterações do produtor
de história e a expansão do público consumidor. A luta por incorporar
todo o potencial das novas tecnologias, mas a partir das velhas práticas
de pesquisa histórica, levou ao questionamento de objetivos e métodos
consolidados dentro do ofício, assim como das formas narrativas. O
autor destaca que: “a rígida divisão a que estamos familiarizados entre
produtores (homens e mulheres treinados na universidade nos funda-
mentos da história como ciência, no manejo de fontes e do método

71
Hartog destaca que a noção e a “valorização” do
patrimônio devem ser vistas a partir do presente, em
um jogo ambíguo com as temporalidades e ritmos
do mercado, em especial, com a indústria do turismo.
Desde os anos 1960 à fé no progresso se substituiu
a preocupação de preservar. Um dos indícios desse
processo é a mercantilização e museificação instan-
tânea dos restos do Muro de Berlim logo após sua
queda. Em reflexões mais recentes a relação entre
memória e/ou patrimônio com o presentismo foi li-
geiramente complexificada pelo autor, pois o lugar da
memória no mundo contemporâneo pode ser sinto-
ma e possibilidade de cura ao mesmo tempo:

Mas ela [a memória] é também o que torna complexa a


coisa, este fenômeno que permite, em um certo sentido,
escapar ao presentismo em razão de certa convocação
do passado. Mas sob um modo da memória ou do que
chamamos de memória, pois na realidade, em muitos
casos não se trata de memória. Trata-se de reconstrução
de alguma coisa, sobre a qual, em realidade, não se tem
acesso. Podemos perceber isso em todo o debate em
torno da memória da escravidão. Mesmo no Brasil, onde
a escravidão foi abolida muito tarde, o que significa a
memória da escravidão? Então a memória é presentista,
mas também uma tentativa de escapar ao presentismo

crítico) e consumidores de conhecimento sobre o passado se destina


em alguma medida a salvaguardar a autonomia dos historiadores profis-
sionais. O processo de ampliação vertiginosa de protagonistas e meios
de circulação da história, porém, coloca em xeque aquela divisão. [...].
Seria um erro supor, no entanto, que o impacto da Web 2.0 seja apenas
ao dispersar seu poder produtivo. Há também convergência: as pes-
soas estão se unindo e trabalhando para produzir um tipo de história
diferente. Esse novo mundo online da história pública não carece de
nenhuma das nuances e do dinamismo que têm caracterizado o campo
desde a sua criação. Questões de participação, audiência e exposição
são tão complexos quanto sempre foram, mas a plataforma digital os
potencializa exponencialmente” (2017, p. 143-144).

72
e em todo caso, ao mesmo tempo, deve ser colocada
em relação a uma perda, se tomo meu vocabulário, da
evidência da história (HARTOG, 2012a, p. 367).

Quatro palavras de ordem, em especial, gravitam


em torno do presentismo e se traduzem inclusive
em políticas: memória, patrimônio, comemoração e
identidade. Mas, também, de conceitos, segundo ele
destemporalizados, como modernidade, pós-moder-
nidade e globalização. Dada sua dimensão futurista,
o conceito moderno de história já não funciona mais
para captar o futuro das sociedades e orientar os ho-
mens no presente. Em outras palavras, a história e a
historiografia (realidade como processo temporal e
disciplina) perderam sua eficácia frente a um futuro
catastrófico e a crise de autoridade da disciplina, fe-
nômenos que se retroalimentam.29

Um futuro que já não é aberto indefinidamen-


te, mas cada vez mais constrangido, senão fechado,
pois a mudança mais notável dos últimos 30 anos
teria sido o que chama de recuo do futuro. A hipó-
tese da nova experiência do tempo (por vezes toma-
da como uma evidência) não pode ser entendida,
ainda segundo o autor, sobre o registro da nostal-
gia (um regime melhor que outro) ou da denúncia.
No prefácio já citado, Hartog afirma que no livro
não havia se colocado a questão se viveríamos em

29  Nesse ponto, certamente, nossos argumentos se afastam ou com-


plexificam os de Hartog, como ficará claro ao longo deste livro. Na
medida em que para esse autor, “l’histoire, celle du regime moderne
d’historicité, avec um grand H ou um petit h, avait foi dans le progrès,
marchait au futur et renvoyait avec assurance le passé au passe. Il ne
pouvait que passer. C’en est fini, et nou nous sommes retrovés en tête
à tête avec la mémoire et le présent seul” (p. 72).

73
um presentismo pleno ou provisório (par défaut).
Dada a impossibilidade de um retorno passadista
(“onde o passado comanda”) poderíamos pensar
que estamos vivendo apenas uma suspensão, uma
parada, para que o futuro retome o comando? Ou
se trata de uma inédita experiência do tempo? Nessa
direção, Hartog afirma que a atual preferência pela
memória em detrimento da historiografia é coeren-
te com a atual experiência do tempo, em que o pre-
sente ou é abolido no instante ou parece perpétuo.30

Frente ao quadro esboçado, restaria ao historia-


dor oferecer às sociedades um de seus atributos: o
olhar distanciado. O instrumental fornecido pela
noção de regimes de historicidades ajudaria a criar
a distância necessária para ver melhor o próximo.
A hipótese (o presentismo) e o instrumento (o re-
gime de historicidade) se complementariam. Uma
questão que surge dessa posição é: essa apologia
do olhar distanciado não consiste em retomar uma
das grandes ingenuidades do historicismo? Afinal, a
produção de distância não é, na verdade, um jogo,
no presente do historiador, entre proximidade e dis-
tanciamento? (Cf., por exemplo, PHILLIPS 2000).

O regime de historicidade é entendido como ar-


ticulação entre passado, presente e futuro ou uma
constituição mista das três categorias – com um dos
elementos dominantes – ao longo da experiência

30  Talvez essa perspectiva dicotomizada em que o historiador francês


pensa a relação entre historiografia e memória seja ainda muito tributária
dos trabalhos de Nora e a tradição sociológica francesa desde Halbwachs.
É curiosa essa permanência a despeito da crítica a essa tradição feita, em
especial, por Ricoeur, autor importante para as reflexões de Hartog.

74
humana do tempo. Por que e como esta predomi-
nância deverá ter lugar não fica claro em sua argu-
mentação, tendo em vista os fundamentos teóricos
de sua concepção de tempo histórico, centrado em um
uso fragmentário e parcial da descrição koselleckiana
da modernidade. De todo modo, Hartog ressalta que
“regime de historicidade” e “presentismo” não são
realidades, mas categorias analíticas, tipos ideais cons-
truídos pelo historiador, sem sucessões mecânicas
e sem coincidirem com um conceito substantivo de
época. Ocorre que, ao longo do livro de 2003, essas
categorias são utilizadas para além de suas funções
heurísticas, trata-se, em especial, a noção de presen-
tismo, de um juízo, de uma tomada de posição, sobre
a experiência do tempo contemporânea (Cf., também,
DELACROIX 2009). A ideia de procedimento heu-
rístico, por vezes, acaba por justificar a falta de funda-
mentação teórica e empírica de alguns argumentos e
conclusões, ou de uma reflexão mais detida sobre seu
fenômeno de base, as ordens do tempo.

Tendo em vista como a categoria é efetivamente


utilizado ao longo do livro principal (Regimes de Histo-
ricidade, 2003), é difícil concordar que ela não assume
a função de uma descrição substantiva das épocas ou
períodos históricos. Além disso, o historiador fran-
cês se baseia em categorias meta-históricas como a
experiência e a expectativa que permanecem teorica-
mente subdesenvolvidas em todo o seu argumento.
A categoria, o presentismo, permite-lhe falar em uma
perspectiva global sobre todo o século XX com uma
quantidade muito limitada e homogênea de evidên-
cias e provas. Um exemplo: “o século XX aliou, final-
mente, futurismo e presentismo. Se ele, inicialmente

75
foi mais futurista que presentista, ele terminou mais
presentista que futurista” (HARTOG 2003, p. 119).
Mas, em sua defesa, poderia ser observado que esse
tipo de procedimento é moeda corrente em boa par-
te da historiografia ocidental moderna.

Por uma questão de recorte e espaço, gostaría-


mos ainda de apresentar algumas críticas e desdo-
bramentos elaborados e/ou sistematizados por dois
historiadores brasileiros. Fernando Nicolazzi des-
taca que alguns leitores indicam, em Hartog, uma
interpretação marcada pela nostalgia, melancolia,
pelo pessimismo e ceticismo, em especial, frente
ao futuro já definido como sombrio. Além disso,
“questionam-se justamente as referências mútuas
entre historicidade e historiografia, afinal, um re-
gime de historicidade pode comportar formas dis-
tintas de escrita da história” (NICOLAZZI 2010, p.
251; NICOLAZZI 2017; BLOCKER & HADDAD
2006). Outro aspecto que chama a atenção de alguns
críticos é a maneira como o autor constrói passagens
rápidas entre “casos” e as escalas individuais para
dimensões mais coletivas, globais e societárias da
experiência do tempo. Essa generalização acaba
por abolir certa pluralidade e experiências subal-
ternas/alternativas do tempo, a despeito da aber-
tura que o formato ensaístico de Hartog nos ofere-
ce como remédio, na dupla acepção do termo, para
enfrentar tais questionamentos. Mas sabemos que
a forma ensaio pode também mascarar o exercício
de uma espécie de privilégio epistêmico, que auto-
riza falar por fora e alheio às convenções.

Mais ou menos na mesma direção, Faria (2014,


p. 403) afirma: “não se parte da tese de que vive-

76
mos numa era presentista, ou num momento em
que a experiência social do tempo foi espacializada
ou liquidada de qualquer forma”, citando o livro de
Peter Pal Pelbart, O tempo não-reconciliado, denuncia
a paradoxal homogeneização do tempo ainda ine-
rente a esse procedimento: “a imagem do passado
como presente a ser revisitado implica uma opera-
ção que tende a anular a diferença, a pluralidade dos
tempos” (Idem, Ibidem). A irreversibilidade do tempo
que passou não deveria ser tomada como absoluta,
já que “[...] o passado também retorna, seja como
memória, trauma ou repetição, e assim segue ope-
rando na atualidade” (Idem, ibidem).

João Paulo Pimenta (2015), por sua vez, destaca o


que chama de imprecisão conceitual, em especial, por
Hartog usar as categorias regimes de historicidade e
presentismo como descrição-significação de realida-
des sem a devida fundamentação. Para o autor, as di-
ferenças entre as propostas de Koselleck e Hartog não
são esclarecidas, em especial pelo fato de o historia-
dor francês negligenciar um aspecto central na teoria
koselleckiana da modernidade relacionada com o pre-
sentismo, a saber: a progressiva aceleração do tempo
histórico.31 Nessa perspectiva, o autor pergunta se o

31  Trata-se, assim, provavelmente, da incorporação de um fenô-


meno analisado por Rodrigo Turin (2017, p. 65), a patir da leitura de
Hartmund Rosa, nos seguintes termos: “a aceleração contemporânea, no
entanto, é distinta daquela da modernidade clássica, pois a distância entre
o cavalo e o trem apresenta-se como menor do que aquela que separa a
velocidade do trem do ‘tempo real’ dos fluxos de informações digitais.
Tal distância, além disso, não se reduz apenas à medição de uma maior
velocidade, mas também à sua nova qualidade, cada vez mais destituí-
da de qualquer telos estruturante.” Nesse sentido, Dispesh Chakrabarty
(2018, p. 10), em texto dedicado a François Hartog, afirma que: “Hartog,

77
historiador francês escapou da tendência dos “nossos
tempos” de “hipervalorizar o presente observável re-
sultando na supervalorização do presentismo de um
presente que talvez não seja tão distinto assim daquele
criado pela modernidade há algum tempo, e ainda por
ela recriado?” (PIMENTA 2015, p. 404).

Como mostraremos adiante, essa simplifica-


ção, em diversos momentos justificada por Hartog,
quando se recusa, por exemplo, a assumir as dife-
renças entre o trabalho teórico e o historiográfico,
produz inúmeras tensões entre o que o autor diz
fazer e o que o seu livro efetivamente produz. Sabe-
mos, por exemplo, que afirmar o aspecto formal de
certas categorias analíticas, seja como tipos ideais ou
instrumentos heurísticos, não deveria servir de sal-
vo-conduto para afirmação e descrições históricas
muito mais ambiciosas. Tais descrições precisam ser
confrontadas com seus pressupostos teóricos, epis-
temológicos e ontológicos. Assim, um dos aspectos
mais problemáticos é a ausência de uma teoria do

é claro, conta uma história europeia - embora não eurocêntrica - de um


moderno “regime de historicidade” (uma visão de um tempo de futuro
aberto) na Europa que abrangeu os séculos XVIII e XIX e chegou ao fim
com as duas guerras mundiais e sucumbiu a um “presentismo” - o futuro
arruinando-se no presente - no final do século XX. Pode-se argumen-
tar, no entanto, que um renovado regime da historicidade moderna teve
uma segunda vida fora da Europa a partir da década de 1950, quando a
descolonização de novas nações caiu sob o feitio de teorias de modern-
ização emanadas da União Soviética e dos Estados Unidos durante a era
da Guerra Fria. Incidentalmente, Ursula Heise descreve o antropoceno
precisamente em termos que lembram a descrição de Hartog do pre-
sentismo, “como um futuro que já chegou.” O argumento de que as peri-
ferias ainda não estariam em certa experiência não naturaliza as noções de
subdesenvolvimento, tempo e progresso? E não acaba por assumir uma
concepção teleológica que justamente Turin identifica como sendo cada
vez mais evanescente e/ou inexistente?

78
tempo histórico que pudesse retirar da análise certo
impressionismo que, a todo momento, tende a ex-
plicações ou cadeias causais pouco mediadas, como
se o tempo pudesse ser tomado como uma espécie
de sujeito oculto dos fenômenos, ou, ainda, mais
frequentemente, reduzido a sintoma de eventos e
processos históricos. A temporalidade, em Hartog,
parece figurar algumas vezes como subproduto das
formas nas quais, por exemplo, antigos, modernos e
selvagens são articulados. Por isso, pouco se diz das
condições teórico-metodológicas para sua observa-
ção, algo que, na teoria da Begriffsgeschichte, depende
de uma longa discussão sobre os conceitos históri-
cos e sua dupla natureza de fato e indicador.

Em poucas palavras, em Hartog a temporalidade


aparece frequentemente apenas como indicadora de
fenômenos que lhes são aparentemente externos e
determinantes. Como procuraremos mostrar a par-
tir da análise de Heidegger, acreditamos que parte
das insuficiências da noção de presentismo pode ser
resultado de uma concepção unidimensional do que
vem a ser o presente.32

32  Tendo em vista alguns pontos do nosso argumento, Aurelia Vale-


ro y Guillermo Zermeño tecem o pertinente comentário de uma versão
desta reflexão já publicada (PEREIRA e ARAUJO 2017): “[...] al filo de
este contraste se hace evidente el error potencial de lamentar o censurar
el curso que ha adquirido la experiencia temporal de nuestros días, sin
tomar en cuenta el espectro de posibilidades que ofrece. No menos evi-
dente aparece la necesidad de matizar el supuesto de una temporalidad
unidimensional y homogénea, implícito en el argumento presentista,
y de reconocer la naturaleza plural que la caracteriza. [...]. La tarea del
historiador consistiría, desde esa perspectiva, en asumir una postura crí-
tica, abierta al cambio y capaz de detectar las implicaciones, positivas o
negativas, de nuestra nueva situación en un tiempo regido por lo actual”
(VALERO e ZERMEÑO 2017, p. 9).

79
1.4. Heidegger e as diversas tempo-
ralizações do presente
Paul Ricoeur (2012) destaca que: “Agostinho e
Heidegger são, com efeito, pelo menos para mim,
os únicos pensadores que tomaram por tema dire-
tor de sua concepção do tempo a dialética do passa-
do, do presente e do futuro” (p. 338). E sobretudo

quanto a Heidegger, parece evidente que o proble-


ma de diferenciação das três instâncias de tempo seja
estabelecido a partir de sua presumida unidade. [...]
Assim, encontra-se localizada, além da questão da
pluralização, e ainda de dispersão das três instâncias,
a de sua articulação (p. 339).

Ricouer (2012) salienta a importância do gesto de


Heidegger em diferenciar passado e vigor-de-ter-sido,
nossa aposta é que podemos ampliar essa compreen-
são para a dimensão do presente. Embora menos evi-
dente, em Ser e Tempo o presente, como pretendemos
mostrar, também possui diferentes dimensões e rece-
berá, igualmente, distintas momenclaruras.

No capítulo “Temporalidade e cotidianeidade”,


quarto da segunda seção de Ser e Tempo (1927), inteira-
mente dedicada à análise da temporalidade da abertura
(erschlossenheit), Heidegger (2003, p. 324-359) aborda
a cotidianidade do ser-aí (dasein),33 começando pela
constituição temporal das estruturas existenciais com-
preensão, disposição (befindlichkeit), decadência (ver-

33  Apesar do contrassenso de traduzir dasein (‘ser-aí’, ‘presença’) por


humano, manteremos este procedimento em alguns momentos por
respeito aos leitores não familiarizados com o intrincado vocabulário
filosófico de Heidegger.

80
fallen) e discurso, entendidas como traços fundamen-
tais daquilo que diferencia o ser-aí de todos os outros
entes: o cuidado (sorge), ou seja, o seu ser sempre em
relação com outro ser-aí.34 Embora sejamos tentados
a entender essas categorias como individuais, na eco-
nomia de Ser e Tempo elas são ôntico-ontológicas, ou
seja, constituintes de todo e qualquer humano. Assim,
embora a descrição fenomenológica parta de aspectos
do mundo cotidiano, levando um leitor desprevenido a
imaginar que Heidegger estivesse tratando de sujeitos
individuais, as conclusões, ao menos se aceitarmos os
pressupostos do autor, são de validade geral, não fazen-
do sentido, por exemplo, a oposição indivíduo-socie-
dade que alguns críticos tradicionalmente reivindicam
(Cf., por exemplo, RICOEUR 1997; ANKERSMIT
2012). A análise-descrição existencial do humano não
é a descrição de traços de indivíduos concretos que só
então seriam universalizados por abstração.

Embora portadores de temporalizações específi-


cas, é no conjunto das relações entre compreensão,
disposição, decadência e discurso que Heidegger
afirma podermos encontrar a unidade estrutural da
temporalidade do cuidado como chave da tempo-
ralidade do ser-aí. O que queremos compreender na
incursão que segue é a multiplicidade de dimensões
de passado, presente e futuro nessas estruturas. Boa
parte da literatura sobre historicidade tem tratado

34  Seguimos a tradução de Márcia de Sá Cavalcante (HEIDEGGER


1993), comparando-a com a tradução espanhola de Jorge Eduardo Ri-
vera (HEIDEGGER 2003), a tradução para o inglês norte-america-
no de Joan Stambaugh (HEIDEGGER 2010) e com a edição original
alemã (HEIDEGGER 2006). O trabalho de Calvalcante tem algumas
peculiaridades, como a tradução de dasein por pre-sença.

81
o presente como uma realidade singular e autoevi-
dente. Veremos que podemos abordá-lo de outro
modo, revelando suas diversas possibilidades para a
compreensão das temporalizações.

Não teríamos espaço aqui para analisar cada uma


das quatro estruturas mencionadas por Heidegger. Sa-
bemos que em sua análise cada uma das três dimensões
temporais é atribuída de modo particular a uma estrutu-
ra existencial, cabendo ao discurso sua revelação. O pas-
sado estaria especialmente ligado à disposição; o futuro
à compreensão; e o presente à decadência. Além disso,
em cada estrutura existencial (disposição, compreensão,
decadência) as três dimensões temporais (passado, pre-
sente, futuro) estariam reunidas em arranjos específicos
(unidade ekstática), tanto em modo “autêntico-próprio”
quanto “inautêntico-impróprio”. Trataremos dos três
existenciais que consideramos emblemáticos e suficien-
tes para encaminhar nosso argumento, a saber: a tem-
poralidade da compreensão, centrada no futuro e par-
ticularmente associada à autenticidade; a temporalidade
da decadência, focada no presente e exemplar para o
entendimento dos modos “impróprios”; e a temporali-
dade da disposição, particularmente voltada ao passado.

As palavras em alemão que Heidegger usa na dis-


tinção entre próprio e impróprio são eigentlich e uneigentli-
ch. A primeira forma é uma expressão coloquial com o
sentido de realmente, de verdade, propriamente, etc. Os
historiadores devem lembrar da famosa frase de Ranke,
“wie es eigentlich gewesen”, na qual a expressão é traduzi-
da como realmente. Nas traduções filosóficas da obra
de Heidegger, o mais frequente é que seja usado o par
‘autêntico-inautêntico’. Precisamos ter algumas precau-
ções para não nos deixar levar apenas pelo valor de face

82
dessas palavras e cairmos na tentação de uma oposição
maniqueísta. Em Ser e Tempo, fica claro que o ser-aí está
na maior parte das vezes se movendo na dimensão da
inautenticidade, mas que a sua condição mais original
se dá quando assume na abertura e decisão o mundo
previamente dado como possibilidade, e não uma
substância naturalizada. Assim, os fenômenos que
o ser-aí geralmente interpreta de modo impróprio
ou inautêntico estão fundados ou podem ser mais
bem compreendidos na dimensão própria. Não po-
demos simplesmente achar que a diferença entre
impróprio e próprio seja reduzida a uma polaridade
do tipo positivo e negativo, ambas as dimensões são
igualmente constitutivas do humano, o que Heideg-
ger procura revelar são as consequências dessas es-
truturas para nossa compreensão de mundo.

Em Heidegger, a disposição aparece como a pri-


meira forma de o ser-aí se relacionar com o mundo
circundante; antes mesmo de qualquer compreen-
são, interpretação ou discurso, o ser-aí está em al-
guma disposição afetiva, afinado por algum clima.35
Concretamente, a disposição se organiza como
uma constelação específica de humores (stimmungen)
tais como medo, angústia, tédio, raiva, etc. Assim,
toda compreensão está ambientada, consonante
ou sintonizada por uma configuração de humores
ou disposição. Heidegger então se pergunta pela
constituição temporal dessa conexão entre humor
e compreensão.36

35  Sobre as relações entre disposição e temporalidade, ver Lythgoe 2014.


36  Para uma visão crítica da reflexão de Heidegger sobre a historici-
dade, ver Trüper 2014 e Nova 2017. Sobre os usos político-acadêmicos

83
O clima desloca o humano de si mesmo, permi-
tindo uma abertura para o entorno existente, ou o aí
do ser-aí. Como ser-lançado em um mundo que o
precede ele abre-se para o passado como vigor-de-
-ter-sido, ou seja, o passado que ainda atua. Humores
como medo, angústia, tristeza e felicidade são as pri-
meiras aberturas entre o ser-aí e o seu aí. Portanto, a
forma temporal do vigor-de-ter-sido como estrutura
existencial do humano está na base da disposição. As
outras ekstases temporais, porvir e atualidade, são en-
tão modificadas, assim como veremos na análise da
temporalidade da compreensão e da decadência.

Heidegger quer demonstrar a constituição tem-


poral da estrutura ontológica do estar consonante
(sintonizado), ou seja, da disposição, “tornar visível
a temporalidade do humor” (1993, p. 138). Por sua
temporalização primária no passado, o humor tem
como caráter existencial básico um trazer de volta
para. Por isso, por constantemente trazer de volta,
o humor revela um modo do passado como vigor-
-de-ter-sido. Nesse mundo que existe antes de o hu-
mano nele estar lançado, o humor é como um salto
de tigre que abre o humano para o mundo. Assim
como o tigre que mira a presa e, com isso, espera,
essa espera guarda em si mesma um retorno, uma
volta, e gera uma expectativa.

Heidegger limita-se a descrever a temporalidade


de dois humores que já havia abordado na primeira
seção da obra: o medo e a angústia. Definido já na pri-

da crítica a Heidegger na reflexão teórico-historiográfica contemporâ-


nea, ver Kleinberg 2007.

84
meira parte como disposição imprópria fica evidente
que no temor está em jogo uma dimensão do porvir
como espera. Tememos sempre algo que nos vem ao
encontro, a expectativa de um mal que se aproxima
é uma das estruturas temporais do medo. Mas esse
futuro ameaçador, no humor do medo, significa não
simplesmente um medo de algo porvir, mas um medo
por si mesmo, um medo do dano em seu aí. Esse
medo futuro que ameaça o aí (mundo estabelecido)
do ser-aí (humano) em suas ocupações com as coisas
e cuidado com outras pessoas produz efeitos (afetos)
como depressão, aflição, confusão e conturbação.
Na confusão do medo tendemos a esquecer de nossas
possibilidades, reduzindo-as ao seu aí mais imedia-
to, que imaginamos estar em risco. Ao confundir-se
com o seu aí o humano perde o que lhe é mais pró-
prio, ou seja, seu poder ser. Nesse esquecimento ele
se ocupa então exclusivamente do imediato, do que
está à mão. Na depressão, o ser-aí relaciona-se com
o seu estar-lançado, porvir, em sentido negativo, fe-
chando-se para o futuro, esperando-o como um mal
que se acerca, o que novamente o lança em direção
ao imediato em busca de proteção: “Por que se es-
quece de si e não apreende nenhuma possibilidade
determinada, a ocupação que se teme salta do mais
imediato para o mais imediato” (1993, p. 139).

O mundo, empobrecido de sua futuridade, vai se


tornando obscuro, vai sendo experimentado como
algo desconhecido e estranho, o ser-aí então passa
a atualizar, a presentificar o mais imediato que em
sua confusão acredita dever ser protegido. Heideg-
ger dá o exemplo de vítimas de incêndios que, no
desespero da fuga, salvam as coisas mais irrelevan-

85
tes simplesmente por estarem a mão, imediatas. Na
urgência do medo, o ser-aí esquece de si. Assim, a
temporalidade do medo está ancorada em uma for-
ma do passado, vigor-de-ter-sido, o esquecimento,
o qual, por sua vez, modifica o futuro e o presente
atual: “A temporalidade do temor é um esquecimen-
to que atende [espera] e atualiza” (1993, p. 149).

Já na angústia, não tememos por algo em parti-


cular, mas por nada possuir que faça sentido temer,
confrontamo-nos com o vazio e a estranheza do mun-
do no qual fomos lançado. O mundo das ocupações
cotidianas que é tomado como única realidade perde
relevância e o ser-aí pode, então, se desocupar, abrin-
do espaço para o poder-ser. O futuro na angústia não
pode ser o mesmo do medo, pois liberado das ocupa-
ções ele não espera, nem se entrega a expectativas, pois
está diante de si mesmo. Da mesma forma, o passado
não surge como esquecimento, mas como um estar
disposto para a possibilidade de repetição. Já o presen-
te se “mantém na recolocação do estar-lançado mais
próprio”, na revelação do caráter de possibilidades das
conjunturas e contextos que, no medo, estão congela-
dos e ameaçados de perda. Enquanto a angústia parece
estar particularmente relacionada com o futuro como
decisão, o medo ancora-se na atualidade de um presen-
te sempre instável em sua aparente estabilidade.

Mas certamente é na descrição da temporalida-


de da compreensão e da decadência que podemos
encontrar as contribuições mais diretas para enca-
minhar nosso argumento. Sendo um existencial, a
compreensão em Heidegger não pode ser entendida
como uma categoria de uma teoria do conhecimen-
to, como em oposição, por exemplo, à explicação. A

86
existência humana é compreensão, tudo o que faz
ou deixa de fazer está orientado por compreensões
enraizadas em sua condição de ser sempre em al-
gum lugar, que ele pode aceitar como uma realidade
imutável e naturalizar, ou entendendo sua própria
condição de um ser sem determinações absolutas,
questioná-lo em seus sentidos. Heidegger chama
de abertura a condição que permite esse questio-
namento, na qual o humano pode, então, decidir-se
em projetos que assumam passado-presente-futuro
como unidade. É a temporalidade dessa articulação,
ou seja, da abertura, o centro de sua análise entre os
parágrafos 67-70 de Ser e Tempo.

Compreender, decidir e projetar são gestos que


estão particularmente relacionados à futuridade. Hei-
degger atribui um valor excepcional ao se projetar pró-
prio do ser-aí, como a dimensão mais definidora de
sua singularidade ontológica, e aqui vale lembrar que a
‘analítica do ser-aí’, ou seja, a busca de suas estruturas
existências particulares, não é um fim em si mesmo em
Ser e Tempo, mas um caminho preparatório em direção
à pergunta pelo sentido do ser em geral. A analítica não
pretende ser uma descrição exaustiva da diversidade de
existênciais do humano, mas daqueles mais originais.
Por isso, a posição de destaque da dimensão própria,
mesmo considerando que estamos no início e na maior
parte das vezes indecisos e fechados. É na abertura e
decisão que mostramos nossa condição mais particular.
O ser-aí não é apenas o seu mundo, mas a possibilida-
de de mundo. Assim, próprio e impróprio estabelecem
uma relação de mútua dependência, pois sempre caído
em um mundo que o precedeu, é somente a partir des-
se mundo que o ser-aí pode ser ele mesmo.

87
A compreensão está de início e na maior parte das
vezes orientada pela temporalização imprópria do fu-
turo. Não significa que no modo impróprio ela careça
de futuro, mas que essa relação é uma forma especí-
fica do preceder-se. O modo próprio de preceder-
se recebe a denominação de antecipação. Assim, na
abertura decidida, o humano temporaliza como pro-
jeto e o futuro então se dá como antecipação. Mas,
de início e na maior parte das vezes ele está ocupado,
lidando com coisas no interior do mundo. É nessa
lida, que é uma forma de compreensão, que ele con-
tinuamente envolve-se em expectativas, em esperas.
O que é preciso ser feito, o que farei amanhã, como
vou me organizar para fazer o que é urgente? Assim,
na sua preocupação cotidiana com as coisas, o ser-aí
continuamente está à frente de si mesmo.

Naturalmente esse preceder-se funda expecta-


tivas e esperas. Nesse cotidiano inautêntico, o ser-
-aí espera que suas expectativas sejam realizadas,
que o amanhã não seja muito diferente do hoje:
nas terças-feiras dou aula; na próxima terça darei
aula e espero que o mundo e eu mesmo possamos
realizar as expectativas dessa espera. Esse preceder
impróprio conta com certa estabilidade das mu-
danças, embora possa também esperar pela recusa
dessas expectativas e se preparar para sua frustra-
ção. Assim, o futuro impróprio da compreensão é
a espera (gewärtigens).

Já no futuro da compreensão própria, a decisão


que funda a antecipação é capaz de abrir o que Hei-
degger chama de situação: “Na decisão não apenas
se recupera o presente [gegen-wart] da dispersão nas
ocupações imediatas como ela se mantém atrelada

88
ao porvir [zukunft] e ao vigor de ter sido [gewesenheit]”
(1993, p.135). A essa forma de presente articulado
pela decisão é dado o nome de instante (augenblick),
em contraste com os agoras (jetzt) da temporalida-
de imprópria. Enquanto o agora indica apenas o
tempo como uma unidade neutra e homogênea em
que podemos marcar a ocorrência de algo; o ins-
tante é instauração de uma situação, de um tempo
que reestrutura o que vem ao encontro no mundo.
Se a forma do futuro na compreensão própria é a
antecipação, o passado surge como repetição. As-
sim, a situação significa assumir que todas as três
ekstases temporais podem derivar uma da outra; o
passado está aqui e à nossa frente, assim como o
futuro está no presente e no passado. A instauração
de uma situação temporal específica é justamente
uma decisão que assume e revela o momento como
temporalização da temporalidade.

À forma específica de o presente se temporalizar


na compreensão imprópria Heidegger chama de
atualização (gegenwärtigen). De certo modo, a atuali-
zação é a resposta à experiência do tempo como
uma sucessão vazia de agoras, é a forma como
ele pretende manter diante de si essa sucessão. O
mundo, então, só pode estar presente porque ele se
atualiza como que automaticamente. Como se fos-
se da natureza das coisas essa manutenção quase
mágica de sua presença. A essa espera atualizante
(gegenwärtigendes gewärtigen) corresponde naturalmen-
te um passado. O fundamento desse passado capaz
de manter o ser-aí em suas ocupações cotidianas é o
esquecimento de sua condição mais própria, a partir
daí relacionar-se com os dados passados na oscila-

89
ção entre o lembrar e o esquecer na constante recor-
dação. A recordação é parte constitutiva da espera
atualizante. Para Heidegger, essa unidade ekstática
espera-atualização-recordação é o fundamento da
indecisão que caracteriza o cotidiano do ser-aí. In-
deciso, ele assiste a um mundo que parece se repro-
duzir automaticamente.

Mas é a estrutura existencial da decadência (Ver-


fallen) que encontra seu sentido prioritário no pre-
sente – “atualidade”, assim como a compreensão no
futuro e a disposição no passado. Dos três humo-
res que em Ser e Tempo Heidegger se utiliza para
caracterizar a decadência, falatório, ambiguidade e
curiosidade, somente o último recebe uma análise
mais detalhada. A curiosidade estaria fundada na
vontade de ver e ter visto, sem que o ser-aí retire
desse encontro com o ente elementos compreensi-
vos. Essa visualização depende de um encontro em
um tipo especial de presente, que a edição brasilei-
ra traduz como atualidade: “A atualidade [gegenwart]
fornece o horizonte ekstático no qual o ente pode
ser corporalmente vigente [anwesend]” (1993, p. 145).

Essa forma de presente como atualidade não está


destituída de futuro ou passado, mas estabelece com
eles relações impróprias. A decadência é a única es-
trutura existencial do ser-aí que não conhece uma
forma própria, a propriedade do ser-aí depende da
suspensão da decadência pela decisão. A curiosidade
se relaciona com o futuro negando qualquer possi-
bilidade de espera ou expectativa, já que tudo que
lhe interesse deve estar atualmente ao seu alcance, o
futuro é entendido apenas como espaço em que as
coisas surgem, emergem e podem ser vistas na atua-

90
91
IMPRÓPRIA TEMPORALIDADE PRÓPRIA
COMPREENSÃO
PRESENTE
AGORA
ATUALIZAÇÃO MOMENTO
TEMPORALIZAÇÃO TEMPORALIZAÇÃO
ESPERA FUTURO ANTECIPAÇÃO
COMO INDECISÃO COMO DECISÃO
ESQUECIMENTO REPETIÇÃO
LEMBRANÇA
PASSADO
lidade. O vínculo entre atualidade e porvir torna-se
opaco e obscuro, é desse vínculo mesmo que o ser-aí
foge no não se deter da curiosidade, uma vez que “a
modificação ekstática do atender [espera] mediante a
atualização que surge numa atualização que ressurge
é a condição temporal e existencial da possibilidade
de dispersão [distração]” (1993, p. 146).

Na decadência, constantemente representamos


o passado como algo novo (variado). O passado, as-
sim, deixa de estar no modo do vigor-de-ter-sido e
se apresenta como mera variedade numa oscilação
contínua entre esquecimento e recordação. Isso cria
uma dispersão que nos levaria a perceber o tempo
do presente como um desamparo, de estarmos em
toda parte e não estarmos em parte alguma: “este
modo da atualidade é o fenômeno que mais explici-
tamente se opõe ao instante” (p. 146).

92
93
TEMPORALIDADE PRÓPRIA
IMPRÓPRIA
DECADÊNCIA AUSENTE
CURIOSIDADE
FUTURO
RESSURGE
DISTRAÇÃO
ATUALIZAÇÃO PRESENTE
DISPERSÃO
VARIEDADES
PASSADO
Essa atualidade se vê em toda a história, seja do
presente, seja do futuro, mas é uma identificação
como uma variedade do mesmo, a qual “atualiza em
função da atualidade” (1993, p. 146). A imagem de
um “presente amplo” ou de um “presentismo” en-
contra na temporalidade da decadência um paren-
tesco evidente e nos ajuda a entender o paradoxo de
um presente ao mesmo tempo cheio de novidades
e vazio de eventos. Por mais que as novidades se
apresentem, seja mesmo vindas do passado ou do
futuro, elas não são capazes de refazer vínculos con-
junturais, pois nossa ‘atualidade’ se atualiza (quase)
exclusivamente em função da própria atualidade.
O que esse movimento pode trazer de novo ao ar-
gumento presentista é esclarecer que não se trata
substancialmente de uma ampliação do presente,
mas mesmo da ampliação de referências ao passado
e futuro, porém em formas atualistas. Assim, pode-
mos entender como a moda da história e das coisas
históricas pode ser contemporânea do presentismo
ou de como uma sociedade que teria um futuro fe-
chado ser, ao mesmo tempo, viciada em novidades
e ávida pelo mais novo programa de TV, filme, jogo
on line ou gadget.

Claro está que para Heidegger o ser-aí não está


desprovido de futuro e passado na decadência, mas
que a contínua atualização do atual, o que gostaría-
mos de chamar ‘atualismo’, impede que o ser-aí “vol-
te a si mesmo” (1993, p. 147). Cheio de novidades
que passam a sensação de uma aceleração crescente,
mas incapazes de transformar ou abrir a realidade
para possibilidades de diferença, na decadência, resta
ao ser-aí estar sempre por dentro do novo, up to date

94
com uma realidade em constante surgimento. Por
isso, a atualização automática que parece simples-
mente surgir em nossos celulares e computadores
torna-se irresistível, uma metáfora e uma estrutura
arquetípica das temporalizações do atualismo.

Como Heidegger está descrevendo estruturas


ontológico-existenciais, elas estarão supostamen-
te presentes em qualquer horizonte histórico. Te-
mos, então, que entender a decadência como uma
dimensão transhistórica. O que nos cabe pensar, no
entanto, é que fatores parecem ter ampliado a visi-
bilidade e disponibilidade dessa temporalização em
nossa contemporaneidade. Também as sociedades
tipicamente historicistas do século XIX movimen-
tavam-se na maior parte das vezes pela cotidianida-
de decadente, mas algo impedia que essa dimensão
dominasse a autorrepresentação social. Da mesma
forma, não podemos afirmar que hoje temos maior
oportunidade de distração, mas a distração parece ter
se tornado a grande demanda social. Como se a vida
fosse um interminável show de variedades ou um
reality show, “mesmo que tenha visto tudo, a curiosi-
dade sempre inventa algo novo” (1993, p. 147).

Em Ser e Tempo, são as estruturas da disposição


e da compreensão que permitem a quebra com a
cotidianidade decadente. Mas, como vimos ante-
riormente, mesmo essas duas estruturas podem se
desenvolver; e na maior parte das vezes assim acon-
tece, em modo impróprio. Também a compreensão
pode se temporalizar de modo mais congruente
com o atualismo, apesar de seu enraizamento estru-
tural no futuro. No modo próprio, a compreensão
permite que o ser-aí se projete em seu poder ser,

95
antecipando o futuro, repetindo o passado no que
tem de vigente, instaurando o que Heidegger cha-
ma de instante (augenblick). Já no modo impróprio
da compreensão o ser-aí se relaciona com o futuro
como espera. O presente é a contínua atualização do
agora, que, obscurecendo sua procedência, precisa
sempre oscilar entre esquecimento e recordação: “[a
espera] que atualiza e esquece é uma unidade ekstá-
tica [em seus próprios termos] onde a compreensão
imprópria se temporaliza em sua temporalidade”
(Idem, p. 136).

96
CAPÍTULO II – ATUALISMO E HIS-
TORICISMO: CHATEAUBRIAND
E A MODERNIDADE COMO MÉ-
LANGE TEMPORAL
Em seu influente ensaio, François Hartog ca-
racteriza a passagem do que chama antigo regime
de historicidade, muitas vezes confundido com o
topos História Mestra da Vida e a noção de exem-
plaridade, a um regime moderno entre os século
XVIII e XIX a partir da análise de três autores:
Chateaubriand, Volney e Tocqueville. Mas é de
fato Chateaubriand que serve de guia principal
desta seção do livro, sendo caracterizado como
um homem entre dois mundos ou historicida-
des. A ideia é uma reapropriação de um trecho
das Memórias do próprio Chateaubriand, que, em
1833, interpreta sua biografia como um testemu-
nho da virada do século XVIII ao XIX, como o
encontro entre dois mundos, a confluência entre
dois rios, vendo a si mesmo como deixando para
trás o antigo mundo para iniciar um novo e im-
previsível curso (HARTOG 2015, p. 66).

O texto que servirá de emblema para a descri-


ção de Hartog da passagem ou sucessão entre os
regimes de historicidade antigo e moderno está no
prefácio-testamento das Memórias de AlémTúmulo, a
sempre citada frase: Je me suis rencontré entre les deux
siècles comme au confluent de deux fleuves. Uma releitura
das Memórias pode nos oferecer algumas alternati-
vas interpretativas e, talvez, elementos para uma
descrição alterntiva do processo de modernização
e suas relações com nossa investigação sobre o
conceito de atualização e a descrição do atualismo.

99
2.1. O livro de Jó: a certeza metafísica
e a vida como constante atualização
De modo surpreendente, Hartog não analisa a
epígrafe escolhida por Chateaubriand para abrir o
prefácio-testamento e que parece oferecer uma im-
portante chave de leitura para o projeto das Memó-
rias. Trata-se de uma interpolação latina, bastante
popular, do livro de Jó, um dos heróis do retorno
ao cristianismo em bases historicistas promovida
pela geração de Chateaubriand. A epígrafe figura da
seguinte forma: Sicut nubes... quasi naves... velut umbra
(CHATEAUBRIAND n. d., p. XLIII). As expres-
sões são modos de referir à velocidade do tempo e à
fugacidade da vida, que passaria como uma nuvem,
uma barca ou uma sombra. Como podemos ver
adiante, trata-se de uma remissão às imagens cen-
trais de diferentes capítulos:

Como a nuvem se dissipa e desaparece, assim quem


desce ao Xeol não subirá jamais. (JÓ, 7, 9)

Meus dias correm mais depressa que um atleta e se


esvaem sem terem provado a felicidade; deslizam
como barca de papiro. (JÓ, 9, 26)

O homem, nascido de mulher, tem a vida curta e


cheia de tormentos. É como a flor que se abre e logo
murcha, foge como sombra sem parar. (JÓ, 14, 1-2)

Essa referência antiga, neste caso, cristã, da falta


de sentido do mundo, que poderia convidar ao carpe
diem, à concentração no presente e nos prazeres da
vida, tanto em Jó quanto em Chateaubriand servem

100
de pretexto para a demonstração de um fonte supe-
rior de sentido: Deus para o primeiro; e a constan-
te reflexão sobre si mesmo no caso das Memórias,
que precisam assumir o ponto de vista além-túmulo
para fazerem sentido, embora o recurso ao divino
não seja estranho a Chateaubriand. Essa diversidade
dos tempos recebe, no esforço memorialístico, uma
espécie de fusão significativa. Ao evocar o exemplo
de Jó, o escritor e ensaísta responde às atribulações
de seu tempo com uma aposta renovada no sentido
das coisas, mesmo que na chave da rememoração:
“Atravessei sucessivamente os anos vazios da minha
juventude, os anos tão cheios da era republicana, o
esplendor de Bonaparte e do reino da legitimida-
de.”(CHATEAUBRIAND n. d., p. XLIV).

A recuperação das memórias, em um período da


vida que Chateaubriand gostaria que fosse similar à
quietude que experimentou apenas no ventre ma-
terno e espera novamente na morte, era uma espé-
cie de paradoxo que sustentava o gesto: como dar
sentido a uma vida que ainda corria e se transfor-
mava incessantemente? Esse paradoxo não impe-
de o gesto narrativo, mas o convida. Assim, a vida
que acelera precisa ser simultânea e constantemente
narrada-atualizada, mas a partir de uma decisão an-
tecipatória, obviamente destacada no título das Me-
mórias: de além-túmulo. Como veremos adiante, essa
solução não é capaz de resolver todos os dilemas
que Chateaubriand acredita desafiam o seu tempo.
Suficiente para o autor, no plano histórico-social ele
voltaria a encontrar Jó e sua fé.

101
2.2. O mundo atual: duas impossi-
bilidades?
Em uma passagem do final das Memórias, da-
tada de 1841, Chateaubriand afirma: “O mundo
atual, o mundo sem autoridade consagrada, parece
colocado entre duas impossibilidades: a impossibi-
lidade do passado e a impossibilidade do futuro”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 465-6). Entre essas
duas impossibilidades, restava o gesto negativo de
uma constante atualização do presente. Negativo
porque resultado da constatação da impossibilida-
de de alternativas? Estaria o autor do Gênio do Cris-
tianismo congelado em uma espécie de presentismo
melancólico-nostálgico? Essa atualização negativa
teria também seus desenvolvimentos positivos no
século XIX, como mostra a formulação do brasi-
leiro José de Alencar: “A superstição do futuro me
parece tão perigosa como a superstição do passa-
do [...]. Consiste a verdadeira religião do progresso
na crença do presente, fortalecida pelo respeito às
tradições, desenvolvida pelas aspirações a maior
destino” (ALENCAR apud LYNCH 2017, p. 337).
A solução de Alencar demonstra como a crença
historicista no progresso nem sempre conduz ao
futurismo, mas a uma determinação de passado
e futuro pelo presente. Evitemos esse desvio de
rota, interessa-nos compreender a natureza dessa
atualização em Chateaubriand.

Em seu livro, Hartog interpreta a dupla impossi-


bilidade como a primeira formulação da quebra do
tempo que caracterizaria a entrada no regime mo-
derno de historicidade (HARTOG 2015, p. 88).

102
No entanto, não fica claro se primeira para Cha-
teaubriand ou para o contexto francês, europeu ou
mesmo global, pois certamente antes de 1841 mui-
tos outros autores já haviam formulado essa situa-
ção de quebra da continuidade do tempo, bastando
citar Hegel em 1807 no prefácio à Fenomenologia. A
citação de Hartog, na verdade uma paráfrase do ori-
ginal, omite a referência ao problema que produzi-
ria essas impossibilidades, a ausência de autoridade
consagrada, assim como omite o aspecto retórico
da afirmação, ao final do texto, Chateaubriand reve-
lará a chave com a qual essas duas impossibilidades
poderiam ser superadas: o cristianismo. Assim, es-
peramos poder demonstrar que a modernidade não
pode ser reduzida ao futurismo e que momentos
presentistas ou passadistas são também constitu-
tivos da temporalidade moderna. A solução histo-
ricista da reconstrução de continuidades narrativas,
embora bastante populares, não foram as únicas pos-
sibilidades desenvolvidas para resolver essa equação.

Cabe ainda notar que Chateaubriand não mencio-


na a expressão ‘mundo moderno’, mas ‘mundo atual’.
Aliás, ele usa a palavra moderno menos para designar
o mundo novo que presenciava emergir entre os sé-
culos XVIII e XIX, e mais para caracterizar o perío-
do da história europeia desde o Renascimento, como
no trecho: “Camões, entre os modernos, compôs os
mais magníficos epitáfios [...]” (CHATEAUBRIAND
1850, p. 246), ou, ainda, quando afirma que a monar-
quia medieval francesa “ligou o mundo antigo ao mo-
derno”. (CHATEAUBRIAND 1850, p. 441).

A leitura de Hartog parece arcaizar Chateau-


briand, como se apenas em 1841 (ou em 1826 com

103
as notas ao Ensaio Sobre as Revoluções?) ele pudesse
ter consciência da distância crescente entre passado
e futuro. No entanto, nas conclusões das Memórias
fica bastante claro que essa distância ou essa crise era
moeda corrente para sua geração. Em certo sentido,
o velho mundo que ele testemunhava se desfazer era
o mundo moderno, aqui contraposto ao mundo clás-
sico, mas capaz de com ele estabelecer relações de
continuidade, como veremos adiante.

2.3. Um presente sem forma: a atua-


lização do verbo
O capítulo conclusivo das Memórias está dividido
em sete partes, uma espécie de introdução e dois
grupos bem definidos, dedicados o primeiro ao pas-
sado e o segundo ao futuro. A parte dedicada ao
passado, à velha ordem que parece se arrastar até o
tempo atual, finaliza da seguinte forma: “A invasão
das ideias sucedeu à invasão dos bárbaros; a civiliza-
ção atual decomposta perde-se nela mesma; o vaso
que a contém não verteu o licor ao outro vaso, é o
vaso que se quebrou” (CHATEAUBRIAND 1850,
t. 11, p. 456 ). Assim, a aparente impossibilidade do
passado deriva da dissolução de sua forma, legando
ao presente um conteúdo que se perde nele mesmo.
A imagem do entre-mundos parece inadequada, a
ideia da decomposição que mistura os elementos
originais é mais fiel à experiência de Chateaubriand,
que via sua época como um tempo sem continen-
te, sem forma, ou, como afirma, o vaso do passado
não tem como verter seu conteúdo (a civilização),
pois o presente é amorfo. A forma social que exis-
tia no passado já não mais existe, mas também não

104
foi substituída por outra. Assim, não são dois mun-
dos entre os quais se possa estar ou que possam
ter estruturas análogas. Sem forma, o presente não
pode ter passado; sem passado, não pode ter forma.
Mas quanto ao futuro? Esse presente não poderia
se autofundamentar e se orientar pelo horizonte de
expectativa, como por vezes caracterizamos o gesto
das filosofias da história?

A primeira subseção dedicada ao futuro se intitula


justamente “O futuro - Dificuldade de compreendê-
-lo”. É logo no primeiro parágrafo que encontramos
a citação a respeito das duas impossibilidades, após
mostrar por que a velha Europa era impossível, afir-
ma a igual impossibilidade da jovem Europa. Passa,
então, a apontar as razões dessa impossibilidade de
futuro, indicando, em primeiro lugar, o descompas-
so entre progresso material e moral. O enfraqueci-
mento das individualidades nacionais pela tendência,
destacadas por alguns, à formação de uma comuni-
dade global: “A loucura do momento é achar que da
unidade dos povos surgirá um único homem, mas
isso não levaria a perda de “sentimentos privados?”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 467).

A decomposição da sociedade e a celebração de


indivíduos abstratamente iguais produziriam um es-
vaziamento moral, a perda de contato do homem
com suas infinitas possibilidades íntimas e próprias:
“Um homem não precisa viajar para se engrandecer,
ele porta em si mesmo a imensidão” (CHATEAU-
BRIAND 1850, p. 469). O que seria dessa sociedade
global, se não mais existissem franceses, portugueses,
alemães e a variedade dos povos? Como as diferen-
ças de clima e costumes poderiam se expressar nessa

105
sociedade abstrata? Que língua serviria à comunica-
ção global, uma língua simplificada, ou um sistema
em que todos poderiam entender as diversas línguas?
Chateaubriand vai divagando em um exercício espe-
culativo sobre essa sociedade global sonhada pelas
utopias filosóficas e chega a uma conclusão fascinan-
te: “Como encontrar lugar sobre uma terra alargada
pela poder da ubiquidade e encurtada pelas peque-
nas proporções de um globo profanado/poluido
por todo lado? Não restará senão pedir à ciência um
modo de mudar de planeta” (CHATEAUBRIAND
1850, p. 470). Podendo estar em qualquer lugar, o ho-
mem abstrato também acabaria por abstrair a paisa-
gem, nessa abstração dessacralizante perderia a pos-
sibilidade de encontrar o infinito e o mistério naquilo
que lhe fosse mais próximo e próprio. Essa completa
objetificação do planeta condenaria o homem a uma
errância em busca daquilo que sempre esteve ao seu
alcance: sua infinitude e liberdade.

Percebemos que toda essa descrição está con-


traposta a um homem capaz de encontrar o infinito
em si mesmo e no mundo a sua volta. Perdendo essa
capacidade, ele se torna uma espécie de ser errante,
por isso a imagem final de que só restará ao homem
deixar o planeta em busca do infinito que sempre
esteve junto de si. Essa imagem será retomada por
Hannah Arendt na famosa introdução de seu livro A
Condição Humana e, de resto, parece ser uma sensação
amplamente disseminada, sem os elementos críticos,
no discurso social entre as décadas de 1960-1970
com a chamada Corrida Espacial. Será por acaso que
exatamente nesse recorte o conceito de atualização
também se dissemine?

106
A segunda subseção conclusiva é dedicada à ex-
ploração das imagens do futuro. Chateaubriand pas-
sa em revista todas as grandes utopias de seu tempo.
Por isso, o título é apenas uma lista exaustiva desses
experimentos: “Saint-Simonianos - Falansterianos -
Fourieristas - Owenistas - Socialistas - Comunistas
- Unionistas - Igualitaristas” (CHATEAUBRIAND
1850, p. 471). O texto é um longo argumento mos-
trando a impossibilidade e as consequências funes-
tas do futuro das novas utopias: “O infinito, por
exemplo, é de nossa natureza; impeça nossa inte-
ligência, ou mesmo as nossas paixões, de sonhar
benefícios sem limites, e reduzirá o homem à vida
de um caracol, transformando-o em uma máquina”.
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 476-7).

A terceira e última seção desenvolve sua resposta


para sobreviver sem um futuro visível, por isso é inti-
tulada “A ideia cristã e o futuro do mundo”. Nela, ele
argumenta que apenas de um ponto de vista cristão-
-evangélico seria possível compreender a sociedade
futura e atender às demandas por melhorias tanto dos
defensores da ideia puramente republicana quanto da
monarquia modificada. No passado da velha ordem
europeia, Chateaubriand vê o declínio da sociedade e
o progresso do indivíduo; no presente, marcado pe-
las contradições internas dessa decomposição social,
somente a ideia cristã poderia oferecer a chave para
sua recomposição: “Todo ato de filantropia a que nos
comprometemos, todo sistema que sonhamos no in-
teresse da humanidade é apenas a ideia cristã retor-
nada, alterada de nome e muitas vezes desfigurada:
é sempre o verbo que se fez carne!” (CHATEAU-
BRIAND 1850, p. 485).

107
Sempre a atualização do verbo divino que se fez
carne.37 Portanto, insatisfeito com as filosofias da
história do século XIX, com suas modernas utopias,
Chateaubriand parece adotar como solução uma es-
pécie de atualização transcendental. Nesse contexto,
o presente se torna a espera da atualização de um prin-
cípio eterno. Continuando sua imagem do vaso, afir-
ma que, se desse princípio restasse apenas um grão, e
se esse caisse sobre um pouco de terra, “basta apenas
que nas ruínas de um vaso este grão fermente-ger-
mine, e uma segunda encarnação do espírito católico
reanimará a sociedade” (CHATEAUBRIAND 1850,
p. 486). O cristianismo seria a força capaz de mes-
clar as leis divinas, morais e políticas, essas últimas
definidas como liberdade, igualdade e fraternidade,
o lema da Revolução Francesa, que aparece reunido
pela força de fusão do cristianismo: “O cristianismo,
estável em seus dogmas, é móvel em suas luzes; sua
transformação envolve a transformação universal.”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 488-9).

Chateaubriand faz um esforço contínuo, até as


últimas páginas de suas memórias, escritas duran-
te mais de três décadas, para atualizar a si mesmo
e a seus leitores acerca das transformações em seu
mundo - esse processo não se estabiliza frente a uma
filosofia da história, não há uma metanarrativa ima-
nente que pudesse refrear essa aceleração, apenas a
crença no valor do cristianismo como força civiliza-

37  Embora a palavra atualização pareça não ter relevância ou mesmo


existido nessa forma no século XIX, o conceito está disponível. Ao
analisar a História Geral do Brasil, de Varnhagen, Temístocles Cezar es-
creve: “[...] a atualização corresponde ao estabelecimento de um tempo
próprio à história brasileira” (Cezar 2018, p. 188).

108
dora, embora sem a possibilidade de revelação an-
tecipada do momento de sua realização: “Quando
esse dia desejado? Quando a sociedade se recom-
porá de acordo com os meios secretos do princípio
regenerativo? Ninguém pode dizer; não sabemos
calcular as resistências das paixões”. (CHATEAU-
BRIAND 1850, p. 489). Como em toda atualiza-
ção, o autor confia no tempo, conta com o tempo,
não da mesma forma que as filosofias da história,
que precisavam também desconfiar do tempo para
reservar ao sujeito histórico alguma agência decisi-
va; sem essa agência o progresso sempre poderia
reverter em barbárie: “Estes cálculos, eu sei, não
combinam com o temperamento francês; em nos-
sas revoluções nunca admitimos o elemento do
tempo: é por isso que estamos sempre espantados
com os resultados contrários à nossa impaciência”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 490). A providên-
cia, como motor oculto dessa história, fundamenta-
va a esperança como gesto central na experiência da
história em Chateaubriand, por isso, mesmo mer-
gulhado em um presente sem forma, poderia nadar
com esperança em direção a um futuro que não se
deixava ver no horizonte. O tempo atual dessa atua-
lização não é desse mundo, é o tempo eterno que se
encarna na história:

Se o céu não pronunciou ainda seu último juízo;


se um futuro deve ser poderoso e livre, este futuro
ainda está longe, muito além do horizonte visível;
apenas com a ajuda dessa esperança cristã somos
capazes de alcançá-lo, suas asas se expandem à me-
dida que tudo parece trair, esperança mais longa do
que o tempo e mais forte que o infortúnio. (CHA-
TEAUBRIAND 1850, p. 491-2).

109
Portanto, nos parece que a pluralidade da ex-
periência temporal em Chateaubriand é menos o
resultado de um ainda não, de uma situação transi-
tória, e mais uma recusa consciente à solução histó-
rico-filosófica futurista.

2.4. A fusão temporal nas Memórias


e a mélange
No Prefácio-testamento Chateaubriand procura
qualificar sua voz de autoridade, indicando todos os
aspectos da vida que experimentou, não apenas as via-
gens, mas os diferentes papéis que assumiu e as revi-
ravoltas de sua vida. O tema do homem de dois mun-
dos é apenas mais um atributo dessa voz autorizada e
única. Observador ou viajante, Chateaubriand nas Me-
mórias é capaz de escrever a história porque a fez: “as-
sisti aos sítios, congressos, conclaves, à reconstrução e
demolição dos tronos. Fiz história, posso escrevê-la”
(CHATEAUBRIAND n. d., p. XLV). Sua autoridade
discursiva advém de sua posição privilegiada, me-
nos como o de um homem entre dois mundos e
mais como um testemunho no qual esses mundos
se encontram misturados de modo profundo.38 Essa
mistura entre o antigo e o novo parece ter sido um
traço de sua geração, mas ao olhar ao redor percebia
que dela já poucos restavam para representar esse
tempo particular de crise:

Tenho em torno de mim apenas quatro ou cinco


contemporâneos de renome. Alfieri, Canova e Monti

38  Temístocles Cezar enfatiza o aspesto (des)ordenado desse tempo


em Chateaubriand (CEZAR 2010, pp. 30-21.

110
desapareceram; de seus dias brilhantes, a Itália mantém
apenas Pindemonte e Manzoni. Pellico gastou seus belos
anos nas masmorras de Spielberg; os talentos do país de
Dante são condenados ao silêncio, ou forçados a langui-
decer em terras estrangeiras, Lord Byron e Mr. Canning
morreram jovens; Walter Scott nos deixou; Goethe nos
deixou cheio de glória e anos. A França não tem quase
nada de seu passado tão rico, que começa outra época:
eu permaneço para enterrar meu século, como o velho
padre que, no saque de Beziers, teria que tocar o sino
antes de morrer, então o último cidadão teria expirado.
(CHATEAUBRIAND n.d., p. XLV-XLVI).

Embora o uso que Hartog faz da passagem en-


fatize que esse velho mundo que era deixado para
trás fosse algo próximo ao mundo clássico, o an-
tigo regime de historicidade, a leitura integral do
prefácio revela também algo mais simples talvez: o
lamento de um homem que já se achava velho, ao
ver o mundo e a geração a que pertenceu desapa-
recerem. A perda que lamenta não é apenas, ou so-
bretudo, a de um mundo clássico, mas de homens
muito próximos e parte do que considerava como
sua geração, Goethe, Scott, Byron, etc, que saíam
de cena quando da percepção generalizada de uma
mudança geracional após a revolução de julho de
1830 (MILNER & PICHOIS 1996, p. 82). Ao mo-
vimentar o topos do homem entre dois mundos,
Hartog renova a interpretação mais canônica da
tradição da história da literatura que vai destacar
Chateaubriand entre os expoentes de um primeiro
romantismo em que influências neoclássicas e mo-
dernas conviveriam até serem normalizadas pela
emergência da nova estética nos primeiros grandes
manifestos culturais românticos. Mas essa leitura
tem sido desafiada por uma concepção que procu-

111
ra demonstrar as porosidades entre essas sensibili-
dades, como escreve Guilherme Gomes:

Diferente daqueles que seguiram os passos de Win-


ckelmann, Chateaubriand não é nostálgico de um tem-
po que se perdeu, nem está disposto a propor como
modelo de imitação a grande arte dos tempos de Fí-
dias. Não é aquela civilização que o comove, mas o
sentido do tempo que arruína todas as civilizações.
Chateaubriand coloca-se assim na abertura do século
que foi propriamente histórico (JÚNIOR 2014, p. 89).

Na última seção das Memórias, em mais uma re-


capitulação dos principais acontecimentos de sua
vida, o último parágrafo é uma espécie de epitáfio:

Ao desenhar estas últimas palavras, este 16 de novembro


de 1841, minha janela, que abre para o oeste nos jardins
das Missões Estrangeiras, está aberta: são seis horas da
manhã; percebo que a lua pálida e larga vai baixando no
pináculo dos Invalides aos poucos revelado pelo primeiro
raio dourado do oriente: parece que o velho mundo está
terminando e o novo começa. Vejo os reflexos de um
alvorecer do qual não verei o sol. Tudo o que me resta a
fazer é sentar-se à beira de minha cova; depois disso des-
cerei com ousadia, crucifixo na mão, para a eternidade
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 504).

Chateaubriand insiste nessa imagem de um mun-


do que termina e outro que acaba, mas sempre com o
pano de fundo de uma espécie de circularidade eter-
na, os mesmos princípios se atualizam, numa repeti-
ção que não comporta exemplaridade. No Prefácio-
-testamento, Chateaubriand entende sua vida como
um drama em três atos: no primeiro, foi soldado e
viajante; no segundo, durante a Revolução, exerceu a
vida literária; e, depois da Restauração, a política. Em

112
cada uma dessas carreiras imaginou realizar tarefas
específicas: a “descoberta do mundo polar”, “o res-
tabelecimento da religião a partir de suas ruínas”, e a
oferta ao povo do “verdadeiro sistema monárquico
representativo” (Idem, p. XLVI).

Outro traço evocado para justificar o valor espe-


cial das Memórias é o fato de se considerar o único
escritor moderno da França em que vida e obra po-
deriam se espelhar perfeitamente: “viajante, soldado,
poeta, publicista, foi nos bosques que cantei os bos-
ques, e nos navios que pintei o mar (Idem, p. XLVII).
Para ele, essa mistura entre obra e vida pública havia
sido comum no passado, seja entre os grandes orado-
res gregos e romanos, ou entre os poetas do final da
Idade Média e do Renascimento: “os primeiro gênios
das letras e das artes participaram do movimento so-
cial. Que corajosas e belas vidas aquelas de Dante,
Tasso, Camões, Ercilla e Cervantes” (Idem, p. XLVII).
No caso particular da França, em que, no passado,
os poetas e antigos historiadores não estavam apar-
tados da vida pública, teria sido apenas a partir de
Francisco I que a situação mudaria, “nossos escrito-
res tornaram-se homens isolados cujos talentos po-
dem ser a expressão do espírito, mas não dos fatos
de seu tempo” (Idem, ibidem). O argumento, de fatura
romântica, procura afirmar que viveu espelhando os
acontecimentos em sua atividade literária, podendo,
assim, documentar o seu tempo, um tempo de mistu-
ra, talvez de síntese entre mundos:

Se estiver destinado a viver, representaria na minha


pessoa, representada em minhas memórias, os prin-
cípios, as ideias, os eventos, as catástrofes, a epopeia
do meu tempo, especialmente que eu vi terminar e

113
começar um mundo, e que as características opostas
deste fim e deste começo estão misturadas em mi-
nhas opiniões. (Idem, p. XLVII-XLVIII).

Novamente, não se trata apenas de um homem en-


tre dois mundos, mas como uma mistura, uma fusão
de características opostas que seria a marca de seu tem-
po. Sua resposta para a crise será sempre essa mescla,
uma mistura só possível pelo movimento de ida e vin-
da da reflexão, em que o nascimento entra pela morte
e se restabelece pelas ruínas, assim como ele acreditava
ter feito com o cristianismo. Dessa mistura, talvez uma
vida melhor poderia ser restabelecida pelas ruínas do
velho mundo presentes em Chateaubriand.

É justamente após esse esclarecimento e esse


elogio da mescla que segue a imagem citada por
Hartog para ilustrar a passagem entre regimes de
historicidade. Após dizer que esses dois mundos se
encontram nele misturados, Chateaubriand escreve:

encontrei-me entre os dois séculos como na con-


fluência de dois rios; mergulhei nas suas águas tur-
bulentas, distanciando-me a contragosto da velha
margem onde nasci e nadando com esperança para
a margem desconhecida onde vão aportar as novas
gerações. (Idem, p. XLVIII).

Ele não está entre dois tempos, parece ter cons-


ciência de estar mergulhado em uma atualidade sem
forma, em que princípios em disputa estão mistura-
dos. No momento crítico e decisivo, quando os dois
rios se chocam e as águas tornam-se turbulentas e
turvas, ele mergulha, voluntariamente ou não, nesse
ambiente conflituoso. Assim como o novo mun-
do que surge do conflito deve ser uma mescla dos

114
princípios opostos, também Chateaubriand se coloca
como uma confusão desses mundos: ele documenta
essa mistura, não se trata apenas de um resquício ou
permanência do velho, ou da emergência de uma nova
época em tudo diversa, essa confluência há de produ-
zir uma fusão, só assim se entende como ele poderia
‘nadar com esperança para a margem desconhecida’.
A abertura de um novo tempo só pode ser compreen-
dida nessa mistura de dois mundos, por isso a posi-
ção privilegiada das Memórias e de Chateaubriand não
apenas como quem atravessa, mas como quem está
mergulhado e envolvido, aspecto pouco explorado por
Hartog, que, na introdução dos Regimes, destaca ape-
nas a imagem do nadador que atravessa o fosso entre o
antigo e o moderno (HARTOG 2015, p. 11).

A figura de um homem entre dois mundos não


parece revelar toda a complexidade dessa imagem
de um mergulho, mesmo que involuntário, na con-
fluência turbulenta de dois rios. Tudo parece suge-
rir a imagem de uma nova época como a mistura,
não necessariamente sintética, desses princípios, o
antigo e o novo, irremediavelmente envolvendo os
contemporâneos. A imagem dos rios parece mais
próxima da situação da modernidade como cascatas
que se precipitam em sucessão, tal como descreveu
Gumbrecht (1998). Tal imagem evitaria o risco de
assumirmos um regime de historicidade clássico de
uma improvável longuíssima duração ou baixa ope-
racionalidade analítica, e nos deixaria mais atentos
ao acumular desses processos descontínuos. É o
próprio Chateaubriand que nos oferece, ainda nas
Memórias, uma imagem precisa dessa situação:

115
Os momentos de crise produzem uma dobra na vida
dos homens. Em uma sociedade que se dissolve e re-
compõe, a luta dos dois gênios, o choque do passado
e do futuro, a mistura de antigos e novos costumes
formam uma combinação transitória que não deixa
um só momento de tédio. (Livro V, p. 293).

Seria muito difícil imaginar que, nessa luta de


gênios, de princípios, o passado fosse completa-
mente abandoado, ou que a sociedade emergente
dessa situação transitória representasse apenas o
novo, e não outra harmonia, provisória para Cha-
teaubriand, entre os princípios em conflito nessa
sociedade que se “dissolve e se recompõe”. Na
mesma página, o autor nos oferece uma nova
pista nessa mesma direção, dizendo que poderia
retratar melhor a sociedade francesa entre 1789
e 1790, comparando-a aos elementos arquitetô-
nicos dos séculos XV-XVI amontoados pelos re-
volucionários no Convento dos Petits-Augustin:

Quando as ordens gregas se misturaram ao estilo


gótico, ou melhor, foram assimiladas à coleção de ruí-
nas e tumbas de todos os séculos, amontoados após
o Terror nos claustros dos Petits-Augustins: somente
os destroços de que falo estão vivos e variando sem
cessar (CHATEAUBRIAND n. d., p. 293).

Essa situação de mistura entre os monumen-


tos confiscados pelos revolucionários foi reme-
diada em 1795 por Alexandre Lenoir, que, desde
1791, fora encarregado de organizar o espólio
de modo a torná-lo um museu histórico. Lenoir
decide então ordenar a coleção por reinados e

116
séculos.39 A seguir, podemos ter uma ideia bem
concreta da imagem evocada por Chateaubriand,
não do amontoado caótico do Terror, mas da
nova harmonia produzida por Lenoir:

Figura 1 - A sala do século XIV, por Charles-Marie Bouton, (1821),


Paris, Musée Carnavalet.

39  Françoise Choay (2006) assim escreve sobre este episódio: “Mas,
preocupado antes de tudo com a pedagogia cívica e com a educação
histórica dos cidadãos, ele dispõs seus fragmentos de acordo com uma
cronologia que lhe parecia verossímil. Além disso, ‘teve o cuidado, sem-
pre que possível, de reunir [...] tudo o que poderia dar uma ideia sobre
o vestuário antigo, tanto civil, de homens e mulheres, como militar, de
acordo com as patentes. As peças assim reunidas só devem ser vistas
como um aglomerado de modelos, vestidos segundo as épocas a que
pertencem [...]” (p. 103).

117
Figura 2 - Alexandre Lenoir com Napoléon e Joséphine na sala do
século XIII.

O que mais nos interessa nessa imagem evocada


de um amontoado de ruinas é a evocação final da pró-
pria posição de Chateaubriand frente ao seu mundo:
“os destroços de que falo estão vivos e variando sem
cessar”. Longe de serem objeto de uma meditação me-
lancólica, ou se domesticarem em uma compensação
historicista-museal, as ruínas desse mundo são princí-
pios vivos que podem se atualizar no presente.

2.5. Chateaubriand, nosso contem-


porâneo?
A todo momento Chateaubriand usa a metáfo-
ra da barca e do naufrágio para se referir ao curso
atribulado de sua vida, a qual, ao final, não parecia
tanto uma derrota como analisa Hartog, tendo em
vista a consciência de seu protagonismo: “Dentro e
ao lado do meu século, talvez tenha exercido sobre
ele, inconscientemente e sem buscá-lo, uma influên-

118
cia tripla: religiosa, política e literária” (CHATEAU-
BRIAND n. d., p. XLV). Essa vida atribulada parece
entregar-se ao rio da história, já que o rio antigo con-
flui e confunde-se com o novo. As Memórias, no movi-
mento de ida e vinda, misturam os tempos, desafiam
a história processo em sua linearidade, quase que a es-
cova a contrapelo, mas de algum modo já pressupõe
essa unidade da experiência moderna. A imagem de
Chateaubriand como um derrotado nostálgico parece
mais refletir a posição do próprio Hartog, e, em certo
sentido, do projeto civilizacional francês, no contexto
Ocidental pós Guerra-Fria e pós 11 de Setembro.

Parece certo que Chateaubriand se via na con-


fluência entre dois mundos, duas eras, assim como
muitos de sua geração desde a virada do século
XVIII. O que não nos parece evidente é que esses
mundos possam ser bem entendidos como ilustra-
ção de regimes temporais distintos, essa percepção
de passagem entre mundos é um topos moderno,
será certamente evocado em diversas outras oca-
siões, mesmo quando a mudança em questão não
envolva transformações temporais dessa magnitu-
de. Podemos pensar, por exemplo, no caso de Joa-
quim Nabuco no Brasil, quando da Proclamação
da República (LYNCH 2012). Os exemplos são
muitos e as épocas variadas.

Menos que o registro dessa passagem entre


dois regimes temporais, as memórias surgem para
Chateaubriand como a interpenetração de tempos
diversos de sua trajetória biográfica. O ensaísta
afirma que, nas horas de alegria e bonança, es-
creverá sobre as penúrias e as atribulações; e que,
nas horas de desespero, escreverá sobre sua pros-

119
peridade. Tal atitude permitiria outra mistura, do
ontem com o hoje... “do meu berço com o meu
túmulo e do túmulo com o berço”.

Os sentimentos diversos de minhas diversas idades,


minha juventude penetrando em minha velhice, a
gravidade de meus anos de experiência entristecendo
meus anos ligeiros, o raio do meu sol, desde o ama-
nhecer ao pôr-do-sol, cruzando e fundindo-se como
as reflexões dispersas da minha existência, dão uma
espécie de unidade indefinível ao meu trabalho: meu
berço tem meu túmulo, meu túmulo tem meu berço
[...] (CHATEAUBRIAND n.d., p. XLVIII).

Após novamente usar a metáfora da vida como


uma barca e um naufrágio, diz do desejo de ressusci-
tar a hora dos fantasmas para corrigir as provas... os
mortos vão rápido. A reflexividade ou a observação
de segunda ordem, ou a história em si e para si, mes-
mo com as dificuldades ontológicas que tornam o
gesto senão paradoxal, infinito. A atividade letrada de
Chateaubriand, marcada pelas constantes reescritas,
revisões, reedições atingem nas Memórias seu ápice,
num incessante gesto de atualização de um relato im-
possível de se completar. Novamente a ideia de repe-
tição e ruína parece conduzir menos a uma nostalgia
e mais a uma atualização própria, sem expectativa de
repouso ou realização de uma narrativa de progres-
so: “Coloquei na composição dessas Memórias uma
predileção muito paternal, gostaria de poder ressusci-
tar na hora dos fantasmas para corrigir as provas: os
mortos vão depressa (Idem, ibidem).

Na conclusão de seu livro, Hartog retorna a


Chateaubriand para afirmá-lo como um não con-
temporâneo. Como para o presentismo o futuro

120
estaria interditado, opaco, não seria possível repetir
esse gesto de estar entre dois tempos. Como vimos
anteriormente, essa passagem do regime antigo ao
moderno é demonstrada por Hartog pela análise
de diferentes momentos da obra de Chateaubriand,
embora tenhamos nos concentrado nas Memórias, a
análise parte do “Ensaio histórico, político e moral
sobre as revoluções antigas e modernas considera-
das em suas relações com a Revolução Francesa”
(ER), cuja primeira edição, de 1797, é usada para
demonstrar o lado antigo da equação, e sua segun-
da edição, datada de 1826, em especial nas novas
notas acrescentadas pelo autor revisando diversos
aspectos do texto, demonstraria um Chateaubriand
já inserido na historicidade moderna.

Acreditamos que, em sua leitura do ensaio de


1797, Hartog tenha se deixado levar excessivamente
pelas notas da segunda edição de 1826, produzindo
uma espécie de distorção retrospectiva da primeira
edição. Sem negar a presença substantiva de aspec-
tos da experiência neoclássica no Ensaio (ER), acre-
ditamos que ele pode ser interpretado no interior
das histórias filosóficas e hipotéticas tão populares
no século XVIII europeu e com as quais Chateau-
briand estava bastante familiarizado. Portanto, no
lugar de simplesmente interpretar o autor como um
homem entre dois regimes de historicidade, acre-
ditamos que seria mais produtivo entendê-lo como
reagindo ao campo de experiência moderno a partir
do repertório conceitual e analítico de que dispunha,
um moderno aqui definido como momento de per-
da da forma unificada do tempo. Essa simultaneida-
de de referências só foi possível quando um cam-

121
po de experiência moderno emergiu no horizonte
histórico. Afirmar a disponibilidade desse campo de
experiência não é o mesmo que dizer que já estives-
sem ao alcance todas as articulações capazes de pro-
cessá-lo em ideologias, pois, para Koselleck (1999 e
2006), a ideologização é um dos fenômenos mais
tardios na história da modernização conceitual.

Mas, por outro lado, o surgimento das ideologias


modernas não tornarão indisponíveis os conceitos,
as imagens e as metáforas herdadas de outros mo-
mentos históricos. Desse modo, a simples coexis-
tência desses elementos parece ser insuficiente para
afirmar a coexistência de regimes temporais distintos,
a não ser sob o risco de reduzir a historicidade a
sua simples representação, destituindo a categoria
de todas as estruturas político-sociais que são fun-
damentais na análise do problema em Koselleck,
cuja pesquisa é evocada como fundamento para a
argumentação de Hartog.

Assim, talvez possamos compreender a afirma-


ção, um tanto paradoxal, de Hartog em sua con-
clusão, ao dizer que o nosso tempo não poderia
mais ser caracterizado como um tempo do entre
dois mundos como fez Chateaubriand e Hannah
Arendt, que a dissociação entre passado e futuro
teria se alargado tanto, que deveríamos duvidar da
existência mesma de um tempo histórico, na forma
como Koselleck o definiria:

Hoje, as luzes são produzidas pelo próprio presente e


apenas por ele. Neste sentido (apenas), não há mais nem
passado nem futuro, nem tempo histórico, se é verdade
que o tempo histórico moderno é posto em movimento

122
pela tensão criada entre o campo de experiência e o ho-
rizonte de expectativa (HARTOG 2003, p. 218).

Embora procure dar um aspecto restritivo a


essa caracterização, é perceptível ao longo de todo
o livro que a descrição do presentismo acaba resva-
lando sempre para a ideia de um tempo só presen-
te. O problema dessa leitura é considerar que tempo
histórico seja sinônimo de modernidade. Koselleck
define o tempo histórico moderno não como uma
tensão entre experiência e expectativa, mas como
o acelerado afastamento entre um e outro, a pos-
sibilidade de crises de distanciamento está inseri-
da na própria caracterização do tempo moderno,
o que Hartog tende a definir como algo próprio
do presentismo é um traço mesmo da moderni-
dade: sempre estar mediando e remediando esse
abismo entre passado e futuro. Koselleck define
tempo histórico como uma categoria transcenden-
tal, pressupõe apenas algum tipo de mediação, de
relação, entre horizonte e expectativa. A carência
do tempo histórico somente seria possível em uma
situação pós-humana. Assim, nos parece que Har-
tog confunde tempo histórico moderno com tem-
po histórico em geral. Apenas para que não restem
dúvidas, voltemos a essas definições em Koselleck:

Assim, nossas duas categorias indicam a condição


humana universal; ou, se assim o quisermos, reme-
tem a um dado antropológico prévio [...] (KOSEL-
LECK 2006, p. 308).

o tempo histórico não apenas é uma palavra sem


conteúdo, mas também uma grandeza que se mo-
difica com a história, e cuja modificação pode ser

123
deduzida da coordenação variável entre expectativa
e experiência (Idem, 309).

Minha tese afirma que na era moderna a diferença


entre experiência e expectativa aumenta progressi-
vamente... (Idem, 314).

Concebendo então o presentismo como uma es-


pécie de anomalia temporal pós-humana, é natural
que Hartog tenha dificuldades em encontrar ele-
mentos de contemporaneidade em Chateaubriand.
Nossa leitura propõe um deslocamento de ênfa-
se, destacando no lugar do entre a ideia de mistu-
ra (mélange) como categoria decisiva para entender
os sentidos da reflexão de Chateaubriand sobre a
modernidade. Por esse rumo, o autor das Memórias
pode servir de inspiração no enfrentamento de nos-
sa situação atualista de modo não melancólico ou
nostálgico. Ao recusar as filosofias da história e suas
soluções historicistas, é verdade que Chateaubriand
tinha em sua fé cristã um espaço de esperança que
não pode ser nosso, mas além desse horizonte há
outros elementos que consideramos mais funda-
mentais. Ele nos ajuda a identificar elementos da
crítica aos efeitos da modernização que alimentam
nosso repertório quando tentamos caracterizar
o presentismo, o presente amplo ou o atualismo
como o esquecimento do que há de mais próprio
no humano, demonstrando que tais elementos de
crítica não são exclusivos de nosso tempo, algo que
já tentamos demonstrar na seção sobre Heidegger.

De certo modo, nossa situação contemporâ-


nea é semelhante ao convento de Saint-Augustin
antes de sua musealização, as novas ferramentas

124
digitais democratizaram o acesso aos vestígios ma-
teriais do passado, de modo a enfraquecer a capa-
cidade sintética-orientadora do discurso histórico.
Não devemos ver essa situação apenas pelos seus
aspectos negativos, pois, além de ser irreversível,
não faria sentido esperar que esse patrimônio
acumulado e disponibilizado fosse novamente
disciplinado. A percepção da perda da forma do
tempo em Chateaubriand parece ser potente para
guiar nossa experiência atual.

Finalmente, Chateaubriand nos ensina também


a identificar, nessa multiplicidade, ruínas vivas do
passado que podem ser evocadas e atualizadas para
atender às demandas plurais de nosso tempo plural.
Apostar e aceitar a fragmentação e a mistura tempo-
ral como uma possibilidade mais liberadora do que
apenas a sincronização historicista, mesmo sabendo
que ela continua sendo uma possibilidade entre ou-
tras, mas que não pode ser tomada como sinônimo
de tempo histórico. Apostar na capacidade de tornar
o fragmento em ruína viva como estratégia de en-
frentamento de nossas demandas existenciais, práti-
cas e cognitivas em nossa relação com a história.

A descrição de Hartog do presentismo como


um tempo desorientado também não condiz com
nossa descrição do atualismo como um tempo em
que as pessoas parecem também confiar em uma
organização automática da realidade. Assim, nossa
situação não emerge simplesmente de um tempo
desorientado, sem telos, mas de uma sociedade em
que as pessoas sentem não precisar ter de se preo-
cupar com esse tipo de orientação, que a atualiza-
ção do presente estaria de algum modo garantida,

125
ou fora do alcance de suas agências. Certamente há
perigos que precisam ser evitados nessa situação.
Muito podemos ganhar reativando a capacidade
sintética e orientadora do discurso histórico, mas
sem esperar ou desejar uma restauração da situa-
ção moderna - talvez mais imaginada do que vivi-
da - de um mundo pleno de sentido. Desonerar as
subjetividades, os corpos e as mentes, dessa tarefa
sisífica pode liberar energia social para o enfrenta-
mento de novos desafios.

126
FRAGMENTOS DE ATUALIDADE
1970
3.1. Fragmentos

Eu quase posso palpar, a minha vida que grita


Emprenha e se reproduz, na velocidade da luz
A cor do céu me compõe, o mar azul me dissolve
A equação me propõe, computador me resolve
Rita Lee & Tom Zé. 2001. 1968.40

Ouça aqui:

Pode ser que o novo movimento lhe pareça estranho


Seus olhos talvez sejam de cobre, seus braços de estanho
Não se preocupe, meu sistema manterá
A consciência do ser
Você pensará
Seu corpo será mais brilhante
A mente, mais inteligente
Tudo em superdimensão
Gilberto Gil. Futurível. 1969.41

Ouça aqui:

40  https://www.youtube.com/watch?v=2BKGMjYCPhc, acesso em


25/09/2018.
41 https://www.google.com.br/search?q=gilberto+gil+futur%-
C3%ADvel&oq=gilberto+gil+futur%C3%ADvel&aqs=chro-
me..69i57j69i61j0l2.14027j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8, acesso
em 25/09/2018.

129
Na introdução deste livro, apresentamos alguns
elementos para uma periodização inicial do fenô-
meno do atualismo. Seja na base do Google Ngram,
seja na Hemeroteca Digital da BN-RJ, o período
entre a década de 1960 e 1970 se destaca como o
momento de aceleração no uso da palavra. Talvez
fosse útil uma rápida incursão em alguma seção des-
se recorte de cerca de meio século. Retrospectiva-
mente, o que, nos mundos da vida no ano de 1970,
poderia indiciar a transformação que estamos des-
crevendo? Nossa intenção não é produzir um relato
historiográfico especializado, mas fazer uma espécie
de paródia com a ideia de retrospectiva, seguindo
cronologicamente a coleção do Jornal do Brasil deste
ano em busca dos usos da palavra atualizar.

O que deveria ou poderia ser atualizado no ano


de 1970? Vale dizer que em nossa pesquisa na base
do Jornal do Brasil, que na Hemeroteca começa na
década de 1890, não há qualquer referência às pa-
lavras atualizar ou atualização até 1922. Em 1926,
aparece um actualisar com o sentido de efetivação
de uma energia em potencial, em uma matéria sobre
doping em cavalos. É apenas na década de 1930 que
vemos surgir um uso mais amplo, muito aplicado
ao processo de reforma da constituição. Essa fraca
presença de um verbo que hoje nos parece tão na-
tural e disseminado deveria nos deixar mais alertas
para algumas descontinuidades ainda mal percebi-
das na experiência moderna do tempo. Na tabela 1,
confirmamos que é na década de 1960 que a palavra
ganha uma força inédita.

130
131
Tabela 1 - Frequência das palavras atualizar e atualização na Base do Jornal do Brasil (1890-1999)
DÉCADA ACTUALIZAR ACTUALISAR ATUALISAR ATUALIZAR ACTUALIZAÇÃO ACTUALISAÇÃO ATUALISAÇÃO ATUALIZAÇÃO TOTAL
1890-1899 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1900-1909 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1910-1919 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1920-1929 1 1 0 0 2 4 0 0 8
1930-1939 5 0 9 40 1 2 4 60 121
1940-1949 0 0 4 106 0 0 6 283 399
1950-1959 0 0 5 341 0 0 1 618 965
1960-1969 0 0 3 1054 0 0 0 3018 4078
1970-1979 1 0 1 1558 2 0 8 5557 7127
1980-1989 1 0 0 1422 9 0 1 4533 5966
1990-1999 0 0 0 1335 0 0 0 5197 6532
Como veremos a seguir, em 1970 a palavra pa-
recia ser relevante em diversos níveis da vida social,
com um uso corrente e amplo. Nas próximas páginas
gostaríamos que o leitor pudesse percorrer estes frag-
mentos com o mínimo de mediação possível, deixan-
do para o final da seção nossas considerações analíti-
cas. Certamente esse mínimo de mediação nada tem
de mínimo, pois a própria série não existiria sem os
procedimentos de pesquisa que a produziu, por isso
insistimos em sua natureza fragmentária, certamente
real e verdadeira em sua materialidade, mas cujas his-
tórias (totalidades provisórias?) nas quais possam ou
fizeram sentido são inesgotáveis.

As matérias não serão transcritas em sua integra-


lidade, com poucas exceções. Sempre que houver al-
guma supressão entre dois trechos da mesma matéria
ela será apontada com o uso de colchetes. Os recor-
tes servem para enfatizar os contextos que possam
iluminar os sentidos do uso da palavra-conceito que
estamos estudando. Claro que não convidaríamos o
leitor a ler a série em sua forma atual, se não estivés-
semos esperando que muitos outros caminhos ainda
possam ser trilhados a partir desses fragmentos, uma
vez que, neste caso, os ruídos são tão importantes
quanto a música. A escolha de apenas um ano, de
apenas um jornal, se dá, em parte, pelo esforço de co-
locar em frente ao leitor o máximo possível do corpo
do arquivo que construímos a fim de contar nossa
história, não porque queremos assim torná-la apenas
mais autorizada pelas fontes, mas, como já dito, am-
pliar as oportunidades para outras histórias.

Alguns esclarecimentos pontuais que ajudem a si-


tuar as notícias serão oferecidos nas notas de rodapé,

132
mas que podem ser ignorados pelo leitor sem pre-
juízo para os objetivos dessa primeira aproximação.
Todos os destaques são nossos e visam ressaltar os
trechos em que a palavra atualizar e suas variações
estejam sendo usadas. A partir de agora esses frag-
mentos reunidos serão chamados de série JB1970.
**

14 de janeiro
“A Nudez: Psicanálise em nova forma

Nova Iorque (Globe Press) – Paul Bindrim é mais


um dos muitos psicólogos americanos que utilizam a
terapia de grupos, chamados de encontro ou de mara-
tona. Seu modo de conduzir a experiência é algo dife-
rente e controvertido: ele o chama de treinamento da
sensibilidade ao nu. Como o nome indica, os membros
do grupo são introduzidos numa sociedade nudista
pouco após o início da sessão e ficam nus até o fim.

Em termos gerais, o objetivo da experiência é o


de atualizar o potencial dos indivíduos normais,
isto é, promover autêntica interação e relações entre
seus membros, de modo que quando saírem sejam
capazes de se haver melhor com suas vidas diárias.
[...] A experiência é um atentado às máscaras sociais
que fecham o indivíduo em si mesmo. Destina-se, em
outras palavras, a trazer a psicologia individual a nu.
Paul Bindrim utiliza o método de fadiga induzida (o
grupo pode ficar em sessão contínua durante muitas
horas) e de confrontação direta entre as pessoas).

[...]

133
Os resultados chegam cedo. Quando o grupo
chegou, na tarde precedente, as respostas eram da-
das com jovialiade forçada, conversações por neces-
sidade de polidez, palavras curtas. [...] Menos de 24
horas depois, com menos de três horas de sono e
muitas horas carregadas de emoções, que normal-
mente conduziriam à exaustão total, todos parecem
descansados e bem humorados.

Quando o grupo se afastou não havia mais neces-


sidade das boas maneiras convencionais – um sorriso
quente comunicava tudo o que era necessário”.

134
135
17 de janeiro
“Igreja chama a subversão à união e paz

Falando em nome da Igreja, na missa pela


alma do soldado Elias Santos, o Cardeal Dom Jai-
me de Barros Câmara42 lamentou que ele tivesse
sido morto pela subversão praticada por brasileiros. O
Arcebispo apelou à conversão dos que praticam atos
terroristas, ‘para que, refletindo melhor, filhos de Deus
como nós, destinados à felicidade como nós, se unam
para a felicidade da nação.

O comandante do I Exército presidiu ontem a ins-


talação do Centro de Operações de Defesa Interna, do
qual participaram representantes do Exécito, Marinha
e Aeronáutica. O General Siseno Sarmento43 disse que

42  “Em 1º de janeiro de 1970, dom Jaime comemorou em Florianó-


polis o jubileu de ouro de sua sagração sacerdotal. Em outubro desse ano,
menos de um mês antes das eleições parlamentares, a polícia política do
Rio invadiu a sede nacional da JOC, prendendo sete padres e vários leigos,
o que provocou a imediata mobilização da CNBB. No Rio, dom Jaime,
que normalmente se mantinha afastado de tais episódios, procurou obter
audiências com o ministro do Exército, general Orlando Geisel, e com o
comandante do I Exército, general Siseno Sarmento, que oficialmente se
manifestaram propensos à limitação do conflito”. In: http://www.fgv.br/
cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/jaime-de-barros-camara,
acesso em 25/09/2018.
43  “Como comandante do I Exército, Siseno Sarmento criou o Centro
de Operação para a Defesa Interna (CODI), órgão destinado a combater
a subversão e sediado no Rio de Janeiro, mais tarde transformado no De-
partamento de Operações Internas (DOI). Foi principalmente durante sua
gestão, marcada em todo o país por um encarniçado confronto entre gru-
pos armados de esquerda e as forças da repressão, que o CODI funcionou
mais ativamente, notabilizando-se pela severidade com que desempenhou
suas funções, o que lhe valeu acusação de maus-tratos a prisioneiros políti-
cos. Em novembro de 1970, a pretexto de prevenir manifestação pelo pri-
meiro aniversário da morte do líder comunista Carlos Marighella e coinci-

136
a reunião tinha por objetivo ´atualizar´ nosso méto-
do de trabalho em conjunto, a fim de obter melhor
rendimento dos vários órgãos da área.”

12 de Fevereiro
“O Velho Apenas Conservado
Carros alegóricos de mau gosto e pobreza do
desfile. Nada mudou este ano nas grandes socieda-
des, a não ser a apresentação do Turunas de Monte
Alegre que botou gente sambando no asfalto e aca-
bou virando um bloco desorganizado. Perguntado
por que não acabava de vez com o desfile das gran-
des sociedades, o secretário Levi Neves respondia:
‘Não se pode terminar assim com uma tradição de
mais de 100 anos’.

[...]

O jeito é descobrir uma forma de atualizar


e dinamizar o desfile que, segundo os historiado-
res, perdeu muito após a proibição da crítica polí-
tica em 1937.”44

5 de março
“Instrução Programada: A orientação, o caminho mais rápido

dindo com a realização de eleições parlamentares em nível nacional, Siseno


dirigiu uma das maiores operações militares anti-subversivas que tiveram
lugar desde 1964, da qual resultou a prisão de cerca de três mil pessoas.
Deixou o comando do I Exército em abril de 1971, sendo substituído pelo
general João Bina Machado”. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/diciona-
rios/verbete-biografico/siseno-ramos-sarmento, acesso em 25/09/2018.
44  Cf. https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_carnavalesca, aces-
so em 25/09/2018.

137
Uma nova forma de aprendizagem está sendo lan-
çada agora no Brasil. Um método que ensina as coisas
mais variadas, de jogo de xadrez à nomenclatura médica,
em menos de três meses. Que possíbilita às pessoas me-
nos instruidas ou inteligentes aprenderem o mesmo que
as outras, levando apenas mais algum tempo. O segredo,
‘a resposta ativa’, pela qual o aluno aplica de pronto o
que aprendeu, numa avaliação imediata da rapidez de
sua aprendizagem.

[...]

A macroeconomia é um assunto fascinante, do qual


você não entende quase nada. Mas quer entender. Bem
que você gostaria de fazer alguma coisa. Afinal não é a
primeira vez que você sente necessidade de apren-
der coisas novas, de deixar de ser por fora, de se atua-
lizar. Frequentar um curso noturno? Mas é que você
chega exausto do trabalho e o horário do curso é logo
em cima. Não, não dá não, acaba desistindo da ideia.
Agora existe um novo método de aprendizagem que
pode ajudá-lo. A Instrução Programada, um método
que se propõe ensinar qualquer matéria em menos de
90 dias, estando para o aprendizado das matérias como
a leitura dinâmica está para a leitura de livros.

[...]

Na IBM, foi feito um teste com um grupo de ven-


dedores de ditafones - em que alguns tinham feito o
curso de Escutar Eficientemente. Leu-se uma decla-
ração a respeito dos prós e contras dos ditafones, do
ponto-de-vista dos clientes. Depois pediu-se aos ven-
dedores que escrevessem resumidamente o que fora
falado. O grupo que tinha feito o curso pode repro-

138
duzir 90% dos pontos abordados. Os outros, só 55%.

O que demonstra que a Instrução Programada po-


derá ir muito mais longe, através do próprio desenvolvi-
mento dos sentidos do homem, levando-o a ver mais, a
entender melhor, a sentir mais.”

20 de março
“Anúncio da empresa Fluxo, aplicação de computadores

139
140
22 de março
“Rui Guerra, comandante espanhol na Marambaia

- Eu procurei reviver uma espécie de atmosfe-


ra irrespirável como a dos contos de Edgard Allan
Poe: é essa atmosfera que desperta no espectador o
maior interesse e suspense. No filme, são minucio-
samente focalizados alguns temas complexos. Há
no texto citações extraídas de Carmichael, que,
penso eu, não deixarão de atualizar, por uma
ironia mordaz, a história do filme: a escravidão
não acabou, o problema negro do século XVIII
continua vivo em 1970.

[...]

- Encontrar 150 negros do tipo africano no Brasil,


não é fácil. Procurei no Rio, mas foi na Marambaia
que descobri uma colônia com elementos desse tipo.
Aliás, naquela região, a gente pensa mesmo que está na
África. O povoado é quase que excluído da influência
urbana, e vive essencialmente da pesca. O mais ex-
traordinário é que aquelas criaturas puderam preservar
sua liberdade através dos séculos, quando uma imensa
exploração de bananas, a uma dezena de quilômetros,
teria podido naturalmente absorvê-las.”45.

24 de março
Balanço do ano de 1969 do Banco Brasileiro de Descontos,
atual Bradesco.

45  Como o diretor se recusava a usar atores profissionais em seus


filmes, ele teve que buscar populares que pudessem encarnar seus per-
sonagens.

141
“Empresa de hoje, cuidamos de atualizar nos-
sos equipamentos e modernizar os serviços ge-
rais, acompanhando o avanço e o progresso me-
cânico e eletrônico da nossa época.

Na mecanização e centralização dos serviços,


para o que partíramos há vários anos, a grande ar-
rancada foi conseguida em 1969, com a implantação
de novos sistemas, treinamento do pessoal e amplia-
ção dos equipamentos.

No Centro Eletrônico de Processamento de Da-


dos, integrado por 8 computadores da IBM, sendo três
“1401”, um “1460” e quatro “barra 360”, modelo 40,
procedemos à ampliação desses últimos, adicionando
nova unidades de disco, outras impressoras e aumen-
tando a capacidade de memória de trabalho para
128.000 posições. Os sistemas 1401 tiveram também
suas memórias reforçadas para 16.000 posições.

Passo decisivo será a integração de dois novos


equipamentos IBM “barra 360”, modelo 65, a mais
avançada experiência e técnica eletrônica, ao nos-
so Centro. Já contratados pelo Banco, sua entrega é
prevista para meados de 1970.

Todos os esforços estão concentrados no estudo,


levantamento e programação para o tele-processa-
mento, tendo o Banco adquirido, em fase experi-
mental, dois sistema completos VECTOR 500, Data
Entry, da Olivetti, cada um com 24 terminais, equi-
pamentos periféricos, para conexão ao computador
IBM, eliminando o expediente de perfuração de car-
tões, e que serão entregues já no decorrer de 1970.”

142
3 de abril
“A Aceleração do Processo

[...]

Ao mesmo tempo foi editado um dos principais


diplomas legais da Revolução, o Ato Institucional
No. 9, que tornou viável a utilização do instrumento
da Desapropriação por Interesse Social, sem a qual
o Governo jamais poderia atualizar a estrutura
fundiária do país, nos termos da urgência e gran-
deza que o problema está a requerer. Os Títulos da
Divida Agrária lastrearão as desapropriações que
se fizerem necessárias.”

23 de abril
“IBC

Uma das preocupações do presidente do IBC


[Instituto Brasileiro do Café], Sr. Mário Penteado,46
é a de atualizar e modernizar os métodos de
administração da autarquia, alguns deles her-
dados de épocas que não mais condizem com
o avanço tecnológico. O presidente do IBC tem
de tal modo presente este assunto que, no curso da
visita que, recentemente, fez à Inglaterra, procurou
se informar sobre todas as questões pertinentes à

46  “Assessor do general Agostinho Cortes, chefe da agência do Ser-


viço Nacional de Informações no estado de São Paulo durante o gover-
no do general Humberto Castelo Branco (1964-1967), retornou à pre-
sidência do IBC em fevereiro de 1970, em substituição a Jaime Miranda,
sendo exonerado em dezembro do ano seguinte”. In: http://www.fgv.
br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/mario-penteado-fa-
ria-e-silva, acesso em 25/09/2018.

143
moderna administração, pois está consciente de que
o IBC precisa estar cada vez mais competitivo. É
oportuno lembrar, a propósito do assunto, a seguin-
te frase de Robert McNamara,o grande cérebro da
moderna empresa americana: ‘a capacidade da ges-
tão é, afinal de contas, a maior criadora de todas as
artes, pois é a arte de organizar o talento’.”
24 e 25 de maio
Anúncio de imóvel

“SEU APARTAMENTO está mal alugado? Ve-


nha conversar conosco! Nós compramos na hora. -
Esta é uma solução para V. atualizar sua renda;
procure a Frente Imobiliária.”

3 de julho
Cúria Romana passa a ser internacional

(Paul Hofmann do New York Times)

Roma - A Cúria romana, organização adminis-


trativa do Vaticano e que vem sendo controlada
pelos italianos há séculos, tornou-se um genuíno
órgão multi-nacional, como parte do esforço da
Igreja Católica Romana para se atualizar, e que
data do pontificado do Papa João XXIII.47

47  Esse primeiro parágrafo no original: “ROME, June 30 - The Ro-


man Curia, the administrative arm of the’ Vatican that has been con-
trolled by Italians for centuries, has become a genuinely multinational
body as part of the updating of the Roman Catholic Church initiated
by Pope John XXIII. http://www.nytimes.com/1970/07/01/archi-
ves/vatican-curia-is-truly-multinational-italian-membership-is-now-a.
html, acesso em 25/09/2018.

144
A velha organização burocrática - cujos mem-
bros trabalham em escritórios dotados de ar condi-
cionado e dispõem de 2 mil aparelhos telefônicos,
além de ter computadores para resolver seus pro-
blemas - administra os negócios mundiais da Igreja
com seus 2.200 funcionários leigos e religiosos.
Cerca de 40% desses são italianos, no momento;
em 1961 os funcionários daquela nacionalidade
eram 58% do total.”

16 e 17 de agosto
“O Brasil e a Revolução Educacional (Jack Soifer)

[...]

Na década de 70 o Brasil terá de ‘queimar etapas’


de técnicas de produção, sob pena de não mais atingir
os países desenvolvidos, cuja avançada tecnológica
tende a aumentar a distância dos países em desen-
volvimento. Nesses 10 anos teremos que formar e
atualizar a mão-de-obra necessária ao país [...].”48

16 e 17 de agosto II
“Nunca é tarde para se começar a estudar (Monica Soutello)

[...]

Depois dos quarenta, realização ou frustração?

- E aí começou a segunda parte do drama:


mulher na minha idade não encontra emprego de
maneira alguma. Aliás eu acho natural e explicá-

48  Jack Soifer, apresentado como “técnico em telepedagogia do Cen-


tro Nacional de Recursos Humanos do IPEA”.

145
vel. Quem vai querer uma funcionária que, apesar
de preparada, não tem a memor prática, sem falar
na aparência. Uma senhora de 48 não pode querer
competir com uma jovem de 20, não é? Mas eu vou
continuar tentando porque sei que ainda posso fa-
zer alguma coisa, além de cuidar de netos.

[...]

São Paulo (Sucursal) - Como muitas mulheres


que assistem as conferências por ela organizadas,
dona Margarida voltou a estudar com 45 anos, en-
trando para a faculdade de Sociologia e Política.

Ela faz parte do grupo de senhoras do Veritas,


centro de expansão cultural e promoção social que
tem a preocupação de atualizar a mulher para
melhor inseri-la no mundo de hoje.”

27 de agosto
“A ópera terá apenas um ato e as mudanças de
cenário serão feitas com os cantores em cena, à base
de jogo de luzes. Paulo Fortes, responsável pelas
modificações introduzidas tanto em A Italiana em
Argel quanto em O Barbeiro de Sevilha, explica que
o objetivo principal é atualizar a ópera em si e
reativar o interesse do público pelo espetáculo.”
27 de agosto II
“UFMG acaba com vestibular para quem quer atuali-
zar e completar conhecimento

Belo Horizonte (Sucursal) - A Universidade Fede-


ral de Minas Gerais tornou-se a primeira universidade
brasileira a abolir os exames vestibulares e a receber

146
a matrícula em disciplinas isoladas de pessoas
interessadas em complementar ou atualizar seus
conhecimentos.

A Coordenação de Ensino e Pesquisa, através da


Resolução 15/70, permite a qualquer pessoa a ma-
trícula em disciplinas isoladas dos cursos da Univer-
sidade sem exigência de classificação em concurso
vestibular para complementação ou atualização
de conhecimentos.”

18 de setembro
“Brasília (Sucursal) - O censor federal dispõe ago-
ra de um documento - as Normas Doutrinárias da
Censura Federal - capaz de orientá-lo, em detalhes,
no julgamento de um programa de diversão pública.

[...]

Elas foram elaboradas por técnicos do Serviço


de Censura depois de discussões com sociólogos,
psicólogos, produtores de emissoras de televisão e
artistas. Além de atualizar a legislação censória,
consolidou-a. A matéria que regulava o assunto es-
tava muito dispersa.

[...]

Cada programa será examinado na Censura Fe-


deral por três censores. Em 48 horas, eles deverão
ter pronto um parecer sobre o programa.

[...]

Televisões aceitam e assinam a autocensura.”

147
148
19 de setembro
“Entrevista com Autran Dourado

- Há pessoas que justificam isso, dizendo que os


meios de comunicação prejudicam. Isso é relativo.
Quem gosta de literatura é quem lê literatura. O
público de TV é outro. Pra literatura, você precisa
saber ler, e pra televisão, só ver. Haverá romance,
enquanto houver gente que gosta de ler e de escre-
ver romance. É evidente que a gente quer que esse
público aumente, mas sem concessões, no sentido
de que ele possa apreciar uma literatura de boa
categoria, que ajude a atualizar, tornar viva a
linguagem, que é a sua principal função.”

21 de setembro
“Um convite para você conhecer na Sears a
moda internacional PRIMAVERA/70.

Cuidadosamente selecionadas, estas criações


reúnem o que de melhor em qualidade e bom-gos-
to... e ao seu alcance.

De Chanel a Givenchy... concepções para a sua


intimidade, o seu dia a dia... o campo... a praia.

Na Sears, MODA PRIMAVERA/70 é o convite


sedutor para você atualizar o seu guarda-roupa.”

149
24 de setembro
O corresponde Araujo Netto, de Roma, infor-
mava as repercuções de um encontro entre Aldo
Moro e Mahmoud Riad:

“ATUALIZAÇÃO

As indiscrições em torno desse encontro, hoje,


começaram a surgir. O Governo italiano queria se
atualizar com o pensamento e a disposição de
Nasser diante da possibilidade de um prolongamen-
to da trégua entre Israel e o Egito, para dar maiores
possibilidades às negociações de paz, hoje ameaçadas
pelas hostilidades entre os feddayin e o Exército do
Rei Hussein.”

03 de outubro
Notícia sobre a criação de um Fundo de Moderni-
zação e Reorganização Industrial (FMRI), no BNDE,
que tinha, dentre seus objetivos:

“a) a reorganização administrativa, aí compreendi-


da as despesas com estudos e com a implantação de
planos destinados a atualizar os sistemas de con-
trole, de informações e de decisões da empresa.

b) a reformulação o processo de produção, incluin-


do as obras, as instalações e os equipamentos neces-
sários à atualização do sistema produtivo.”

13 de outubro
“O repousante cansaço da ginástica

A palavra ginástica vem do grego gymnastikê, cujo

150
radical gymnos quer dizer nu, que era como os antigos
a praticavam. Significa a arte de exercitar os músculos
cientificamente, procurando a perfeição do desenvol-
vimento físico.

[...]

Como a falta de tempo também é grande, foram


criados métodos em que o praticante pode se exerci-
tar até em frente da televisão, como o do Dr. Cooper,
adotado pela Força Aérea Americana.

A ginástica é fundamental para o ser humano em


todas as idades. O adolescente, que está com a estrutu-
ra óssea em formação, precisa dela; o adulto também
tem que se exercitar para manter o equilibrio do orga-
nismo, mas, para as pessoas de mais de 80 anos uma
caminhada diária é suficiente.

[...]

A Raja Ioga se divide em cinco práticas auxiliares: a


Mantrica Ioga, que utiliza música ou qualquer espécie
de som como instrumento de introspecção; a Yantra
Ioga, meditação sobre certos símbolos; a Laya Ioga,
onde a pessoa procura amortecer sua personalidade
desligando-se totalmente das coisas terrenas; a Kinya
Ioga, que busca atualizar as energias latentes no
ser; e a Hatha Ioga, base de todas as outras, que é a
parte de ginástica da Ioga, onde se busca o equilíbrio
físico e psicossomático.”

16 de outubro
“Embratel vê terminais da Olivetti fazer em segun-
dos troca de dados com a Itália

151
Embora alguns dados tivessem que ser obtidos
na Itália, o Sr. Ricardo Chaves tirou, em menos de
dois segundos, 2a. via de seu passaporte e Dona
Maria de Almeida, no mesmo tempo, divorciou-se
e casou-se, em seguida, com o Sr. Pedro Nascimen-
to, numa demonstração dos terminais Olivetti TCV
260, feita na Embratel.

Os nomes e os fatos eram, evidentemente, fictícios,


mas a troca de informações necessárias à sua concreti-
zação foi bem real, com os terminais ligados a compu-
tadores e com a utilização do satélite Intelsat-III.

FUTURO

O terminal ontem demonstrado consiste numa tela


na qual são projetados os dados fornecidos pelo com-
putador, sendo as perguntas formuladas num teclado
anexo. Para efetuar todas as operações ontem realiza-
das o operador enviou sinais eletrônicos para a estação
de Tanguá no Estado do Rio, que as retransmitiu ao
satélite, sendo em seguida captados pela estação de Fu-
cino, na Itália, atingindo o computador instalado em
Ivrea, mais ao Norte. O total percorrido pelas pergun-
tas e respostas foi de 80 mil quilômetros.

[...]

Através do processo - ja em uso na Améri-


ca do Norte e na Europa - é possível atualizar
informações de qualquer setor público sobre
assuntos administrativos, localizar pessoas e fazer
um sem-número de outras coisas.”

152
28 de outubro

153
30 de outubro
“Escorpião

Você deverá estar hoje plenamente capa-


citado a atualizar suas energias, mas procure
conduzi-las no caminho certo e obterá bons re-
sultados. Poderá também receber um auxílio ines-
perado e positivo na concretização de seus planos.
Contudo, omita-se nas reuniões entre amigos”.

23 de novembro
“Eleição de 20 jovens muda o quadro político
carioca (Arthur Aymoré)

[...]

Sérgio Maranhão, advogado de 32 anos, nasci-


do e criado em Copacabana, líder evangélico e que
nunca ocupou um cargo público, assim define a as-
censão dos jovens:

- Os velhos políticos não traziam mais nenhu-


ma esperança e nenhuma motivação. Os jovens
manifestaram nas urnas o seu inconformismo e o
desencanto por essa geração superada que não
soube se atualizar e acompanhar o ritmo de de-
senvolvimento do Estado, em todos os setores,
encarando-o ainda como Prefeitura.”

25 de novembro
“Com o Skylab, a NASA espera provar, antes de
mais nada, a necessidade do homem na execução do
programa espacial. Acreditam seus técnicos que o ser
humano é indispensável quando se busca a eficácia [...]

154
O satélite artificial não tripulado voa a grandes
altitudes; em compensação, não sabe escolher os
objetivos a visar. Às vezes o computador leva se-
manas processando a enorme massa de dados que
recebe. Já o Skylab apresenta a vantagem da seleção
prévia. Enviará apenas um punhado de impulso de
cada vez, permitindo a análise quase instantânea e o
atendimento de situações de emergência. Este é um
dos grandes argumentos do pessoal da NASA em
favor da presença humana no espaço. Quase todas
as tarefas podem ser realizadas pelos autômatos, é
certo, mas em muitos casos a economia e a eficácia
só podem resultar de uma decisão humana imediata.

[...]

Por último, um mosaico de centenas de mi-


lhares de fotografias ajudará a atualizar o ma-
peamento dos Estados Unidos, que em parte
se acha obsoleto.”

26 de novembro
“Ubirajara não gosta da repreensão de Yustrich

[...]

O motivo de toda essa tristeza era mais uma re-


preensão que Ubirajara levara do técnico Yustrich,
desta vez por ter aparecido no clube com uma calça
estampada.

- Ainda sou jovem e não vejo nada demais que-


rer andar na moda. Parece até perseguição.

[...]

155
- Durante os jogos eu costumo reter a bola, con-
trolando-a com os pés, Yustrich acha isso errado e
me repreende constantemente. Sou muito respon-
sável e sei o que faço. Apanhei esta mania porque
sinto que o adversário se surpreende com minha
tranquilidade e quando menos espera dou um chute
violento para frente e na maioria das vezes pego a
defesa desprevinida.

Em certas ocasiões acho que Yustrich de-


veria atualizar sua maneira de agir dentro e
fora do campo.”

31 de novembro
“Há quatro meses, o Ministro Jarbas Passarinho
determinou à sua assessoria que diariamente recorte
as notícias de jornal que tragam informações sobre
o uso e o tráfico de drogas. Ele queria se atualizar
sobre o problema...”
22 de dezembro
“A Prefeitura da Capital paulista vai adqui-
rir um novo sistema eletrônico de processa-
mento de dados, visando ampliar e atualizar o
Centro de Computação Eletrônica do Municí-
pio. A medida baseia-se na necessidade de atender
com maior rapidez e racionalização o crescimento
da máquina fazendária da Prefeitura de São Paulo
e inclui também o contribuinte como peça funda-
mental, propiciando informações imediatas sobre
sua situação perante o fisco”.

156
3.2. Suas definições estão atuali-
zadas?
Após conhecer a série JB1970, a primeira con-
clusão é que a palavra atualizar foi um filtro eficiente
para recuperarmos traços relevantes dos mundos da
vida. Nos mais diversos setores, a realidade pode-
ria ou deveria se atualizar: na psicologia individual,
nos métodos de trabalho, no carnaval, no aprendi-
zado em todas as faixas etárias, na administração de
empresas privadas e públicas, em seus “sistemas de
controle, de informações e de decisões”, na infraes-
trutura produtiva em geral, no guarda-roupa com a
moda da estação ou no vestuário com algum novo
hardware. A ópera, os filmes, a literatura também são
e estão sujeitos à atualização. Não só equipamen-
tos como os próprios computadores, que já figuram
como os grandes heróis (ou vilões?) deste processo,
mas também as aeronaves, as roupas, a legislação e
os políticos deveriam ser atuais. Também era preci-
so atualizar a estrutura fundiária e a censura, a ren-
da pessoal, a Igreja, seja em seus dogmas ou nos
processos de gestão, e a mão-de-obra em geral. As
mulheres, em particular, pareciam carecer de ajuda
especial para se inserirem no novo tempo do mun-
do. O sujeito-objeto da atualização são os conhe-
cimentos e as informações. Poderíamos nos atuali-
zar com os pensamentos e a disposição de alguém
ou atualizar “as energias latentes no ser” ou nossas
energias astrais. Atualizar-se para acompanhar o rit-
mo das mudanças, bem como a maneira de agir. Por
fim, poderíamos nos atualizar sobre alguma coisa
acompanhando as notícias.

157
Por entre essa grande diversidade de usos talvez
possamos produzir alguns dispositivos mais gerais
que nos ajudem a compreender o que estamos fa-
zendo quando atualizamos. A primeira constatação
é que esse universo pode ser dividido entre coisas
que atualizam e coisas que precisam se atualizar,
mesmo que algumas vezes essas fronteiras se cru-
zem, como no exemplo do computador, que surge
como a maior ferramenta para “atualizar”, mas que
precisa ele mesmo ser a todo momento atualizado,
até que, talvez, a atualização se torne automática.
Podemos perceber a sensação de que esse intervalo
entre o atual e o inatual precisava encurtar a ponto
de não haver mais distância entre esses estados, ou
seja, uma realidade com índice zero de inatualidade.
Talvez seja esta uma formulação possível de certo
aspecto de uma utopia, ou ilusão, atualista.

Outro aspecto é a existência de dois grandes


campos semânticos na palavra, atualizar como efe-
tivar algo que está dormente, como a realização de
um potencial, e atualizar como corresponder ao
atual, ao mais moderno e desenvolvido. O primeiro
sentido parece ser mais antigo, vimos aparecer, ain-
da que com uma grafia arcaizante, em 1926 na série
do Jornal do Brasil, com o sentido de efetivação de
uma energia em potencial, em uma matéria sobre
doping em cavalos. O segundo uso tende a se tornar
mais forte, o que pode explicar, em parte, a norma-
lização da grafia em atualizar, quase eliminando a
diferença entre o actual (efetivo, real) e o atual (hoje,
agora, presente, contemporâneo, moderno). Essa
fusão abre um amplo espaço à sobreposição dos
dois sentidos, com sensível predomínio do segundo.

158
Podemos dizer que o atualismo depende dessa fu-
são, de modo que o real, o efetivo, confunda-se com
o mais atual, o mais recente. Assim, do ponto de vis-
ta individual, seja na ginástica (ioga), na psicoterapia,
nas formas de comportamento, no aprendizado ou
na moda, realizar todo o seu potencial significa estar
por dentro, ter acesso a todas as informações, apostar
em processos que tornem transparentes e disponíveis
nós mesmos e os outros da forma mais veloz possí-
vel, no limite, imediata.

As ocorrências em torno do novo método da


Instrução Programada evidencia bem esse conjunto
de problemas, ele prometia velocidade e igualdade de
acesso aos valores que permitiriam a todo indivíduo
atualizar seus conhecimentos em qualquer matéria. O
aspecto imediato das respostas e programado-modu-
lar dos conteúdos - o estudante precisa atingir um
número mínimo de acertos para progredir e as res-
postas estão disponibilizadas ao final dos exercícios -
deixam entrever que o “programado” aqui estabelece
pontes entre os sistemas de educação e os sistemas
computacionais. Seria possível programar pessoas
como se programavam os computadores?

3.3. Futuros passados: 2001 em 1970


Esse trânsito ambivalente entre humanos e má-
quinas é bem antigo, mas parece ter uma relevância
especial nesta conjuntura. Desde 1968 estava em
cartaz no Brasil o filme 2001: Uma odisseia no espaço.
Em 19 de junho daquele ano, em matéria de página
inteira no JB, Miriam Alencar assim resumia o cen-
tro da trama:

159
os astronautas Bowman e Poole viajam levando
consigo três cientistas que são conservados em sar-
cófagos com uma suspensão animada [sic], ou seja,
hibernados, para ressuscitarem ao chegar ao local e
o computador Hal 9000, que sabe tudo, vê tudo, fala
tudo e tudo controla.

Um dos ícones de nosso tempo, o filme-livro de


Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke condensa e difun-
de essa sensação de uma competição, provavelmente
perdida, entre homens e computadores. A imagem
do filme evocada pela jornalista é aterradora, seres
humanos completamente privados de ‘atualidade’,
em animação suspensa (selados em sarcófagos), ex-
postos aos desejos de um computador que tudo sabe.
Na propaganda da empresa Fluxo, a alusão ao con-
flito-desejo não poderia ser mais clara: o texto abre
com a afirmação de que os computadores não po-
dem criar, chorar ou amar (e odiar?), que sua equipe
super-atualizada e jovem faria a mediação entre você
(que sabe de seus negócios) e o computador. Mas,
como vemos em 2001, os mediadores nem sempre
são capazes de mediar, talvez porque não possam se
dar ao luxo de viver uma hibernação “desatualizan-
te”. No fim, o anúncio tem um tom que é de quase
ameaça: “por enquanto, os computadores não têm
autodeterminação. Nem precisam ganhar a vida”.
Você, dono de empresa, que precisa ganhar a vida,
não pode ficar em animação suspensa. Como um
pharmakon, os computadores podem ser o remédio
ou o veneno, desde que não se tornem muito deter-
minados ou passionais. O remédio pode ser ainda um
simples cosmético, como veremos adiante.

Esse tema que envolve oposição, colaboração e

160
mesmo (con)fusão entre o humano e o computador
se desenvolve em paralelo com a obsessão com a in-
formação mais recente, como o ministro Passarinho
que, de modo que hoje nos parece ingênuo, pede aos
seus assessores que façam um clipping – a palavra in-
glesa não é usada - para que possa se atualizar com
o problema do uso e tráfico de drogas; ou no caso
de empresas e agências governamentais que viam na
contínua atualização dos centros de processamen-
to de dados uma espécie de ação incontornável na
luta pela sobrevivência. A queixa, que será comum
adiante, a respeito do excesso de dados não aparece
na série JB1970, a preocupação central gira em torno
da organização, disponibilidade e novas formas de
inserção de dados, como os novíssimos teclados que
prometiam substituir os cartões perfurados.

A con(fusão) entre homem e computador exi-


ge estar por dentro, às vezes literalmente, como o
astronauta Bowman esteve por dentro de Hal9000
para desativar suas memórias, depositadas em
uma sala lacrada, metáfora do cérebro maqui-
nal: “Se fosse possível dizer que a personalidade
do computador ocupava algum lugar no espaço,
ela ficava na sala selada, contendo o labirinto de
unidades de memória interconectadas e grades de
processamento, perto do eixo central do carrossel”
(CLARKE 2013, Loc. 1844).

Os chamados reality shows dialogam com essa


tradição de imagens, um olho que tudo vê, seres
humanos dispostos-fechados em estações em que
se confundem as sensações de total confinamento,
disponibilidade e transparência, mesmo que apenas
para ocultar a real distância que separa o expectador

161
do show e suas (in)transparências. Cabe de novo a
pergunta, quem está por dentro de quem? A realida-
de é um show, ou o show é a realidade? Estamos por
dentro do computador, ou o computador dentro de
nós? Ou não existiria mais nada que se possa cha-
mar de real, apenas o vir(a)tual. Como discutimos,
no atualismo o real se confunde com o atual em
constante reapresentação. O mundo atualista não
é apenas o melhor mundo possível, ele é o único
mundo possível, sua constante atualização não abre
espaço para o novo enquanto descontinuidade. O
novo é uma falha catastrófica no sistema.

A imagem do estar lacrado no interior de algo


(por dentro) aparece diversas vezes no livro 2001
como imagem de proteção, seja nas cápsulas que
isolam contra os rigores do espaço, ou nos casulos
de hibernação; mas também como prisão e morte:

Agora os tempos haviam mudado, e a sabedoria


herdada do passado tornara-se uma tolice. Os
homens-macacos tinham que se adaptar, ou mor-
reriam – como as feras maiores que desapareceram
antes deles, e cujos ossos agora jaziam selados no in-
terior das colinas de calcário (CLARKE 2013, Loc.
269. Grifo nosso).

A exemplo dos fósseis dos extintos dinossauros


selados no interior de colinas de calcário (limestone) ou
nos mesmo casulos, agora imaginados como sarcófa-
gos quando Bowman precisa esvaziá-los dos corpos
dos tripulantes assassinados por Hal9000. Esse para-
lelismo entre homens e dinossauros é organizado pela
imagem da necessária evolução e adaptação desenhada
na primeira atualização dos hominídeos no começo do
livro, também o homo sapiens tornava-se obsoleto.

162
Os três tripulantes assassinados seriam análogos
aos dinossauros extintos ou aos indivíduos primiti-
vos descartados pelo computador-obelisco em sua
busca dos melhores exemplares a serem programa-
dos. Bowman teria sido o único selecionado para
receber a nova atualização. Na mitologia de Clarke
essa atualização não é produzida de modo próprio,
o obelisco-computador vindo do espaço penetra a
mente e o corpo desse homem-macaco para repro-
gramá-lo e fazê-lo evoluir em outra direção. Sem
essa interferência ele certamente seria extinto. O
sentido da evolução é a luta contra a obsolescência
que só poderia se guiar por forças programadoras
externas. Embora sejamos tentados a repetir a cé-
lebre frase de Tocqueville, pois aqui também sem
a sabedoria do passado o homem vagaria nas som-
bras, há no meio das trevas uma luz, mas que não
parece pertencer à história humana.

Mas em 1970 a máquina também poderia estar


por dentro de nós de outras formas, seja na ins-
trução programada, ou pelas técnicas mais avan-
çadas de brainwashing que povoavam a realidade e
a imaginação, ou como na imagem de estar “atua-
lizado” (por dentro?) do pensamento e disposição
de alguém presente em nossa série. Em sua obra
Clarke associava a revolução da comunição que os
satélites promoveriam com os riscos do uso políti-
co, tais como a propaganda, a lavagem cerebral, e,
mais profundo, a tendência ao banal que acreditava
habitar a alma humana. No JB de 05 de fevereiro de
1970 há uma breve nota resenhando o livro Perfil do
Futuro: uma investigação sobre os limites do possível, uma
coletânea de textos de Clarke originalmente reunida

163
em livro em 1962. O volume é publicado no Brasil
na coleção “Presença do Futuro”, coordenada por
Rose-Marie Muraro, pioneira do movimento femi-
nista, que naquele mesmo ano publicou seu livro
Libertação sexual da mulher. No ensaio “Voices from
the Sky”, Clarke desenvolve o tema da expansão
dos sinais de TV e Rádio e os usos políticos que os
soviéticos poderiam fazer dessa nova realidade:

Essa liberdade de comunicação terá um efeito es-


magador sobre o clima cultural, político e moral do
nosso planeta. Ela contém tanto perigos quanto pro-
messas. Se você duvida disso, considere a seguinte ex-
trapolação pouco imaginativa, que pode ser intitulada
“Como conquistar o mundo sem que ninguém perce-
ba”. Por volta de 1970 a URSS estabelece o primeiro
satélite de TV de alta potência acima da Ásia, trans-
mitindo em várias línguas de modo que mais de um
bilhão de seres humanos possam entender os progra-
mas. (CLARKE 1962, p. 397).

A mesma ideia é desenvolvida em “I Remember


Babilon”, de 1960, o primeiro conto da coletânea
Tales of Ten Worlds, de 1962, que relata um suposto
encontro de Clarke com um desertor norte-ameri-
cano que planejava, em conluio com os soviéticos,
lançar um satélite de TV para transmitir todo tipo de
conteúdo indesejável em território dos EUA: “Pela
primeira vez na história, qualquer forma de censura
se torna totalmente impossível. Simplesmente não há
como aplicá-la; o cliente pode conseguir o que quer
em sua própria casa. Tranque a porta, ligue o televi-
sor - amigos e familiares nunca saberão” (CLARKE
2000). O libertário produtor pretendia oferecer con-
teúdos que eram censurados, como pornografia, para
todos os “quatro sexos” [sic] e imagens de tortura

164
como as reveladas pelos julgamentos de Nuremberg:
“A História está do nosso lado. Usaremos a própria
decadência estadunidense…” (Idem, ibidem).

A questão retorna na única passagem do livro


2001, uma odisseia no espaço, em que é usada qualquer
variação da palavra update.49 Na viagem entre a esta-
ção espacial e a Lua, o Dr. Heywood Floyd confere
as notícias em seu newspad e reflete sobre as maravi-
lhas da comunicação:

O texto era atualizado automaticamente a cada hora;


mesmo que alguém lesse somente as versões em in-
glês, era possível passar uma vida inteira sem fazer
mais nada além de absorver o fluxo de informações
em constante mutação vindas dos satélites de notícias
(CLARKE 2013, Loc. 709).

O encantamento com a tecnologia logo daria lugar


a um severo juízo sobre seus efeitos: “Quanto mais
maravilhoso o meio de comunicação, mais trivial, me-
díocre ou deprimente seu conteúdo parecia ser” (Idem,
ibidem). Segue-se uma lista de mazelas descritas nos jor-
nais, acidentes, crimes, conflitos, editoriais sombrios,
mas tudo isso parecia ainda melhor que os jornais de
“Utopia”, estes, “[...] concluíra há muito tempo, seriam
terrivelmente chatos” (Idem, ibidem).

É difícil superestimar o impacto que o filme-livro


tinha sobre a imaginação do futuro e do presente em
1970. O vocabulário, os temas e as imagens pareciam
se retro-alimentar, ficando às vezes difícil separar a

49  Na edição brasileira há uma segunda ocorrência, mas traduzindo


o original “while he was briefing himself ” por “enquanto se atualizava”.

165
sensação de aceleração atualizante da realidade bem
mais modesta das conquistas efetivas e seus impactos
no cotidiano. Poucas pessoas em 1970 tinham qualquer
contado com um computador real, mas a ameaça-
esperança era palpável. Esse universo de imagens
e referências pareciam se acoplar perfeitamente
às ideologias de progresso e modernização
predominantes. A interpretação que Rita Lee e Tom
Zé deram à música 2001 no Festival Internacional
da Canção de 1969, em que era introduzida por uma
moda de viola e um cantar caipira, indicia que essas
ambivalências não escapavam aos contemporâneos.

3.4. Transparência, censura e re-


pressão
A referência que abre nossa série, datada de 14
de janeiro de 1970, descreve uma sessão de psicote-
rapia que teria acontecido nos Estados Unidos, sob
a orientação do terapeuta Paul Bindrim.50 Tratava-se
de uma dinâmica de grupo que partia da ideia de
que a nudez poderia acelerar o processo de cura, isso
significava desmontar as máscaras sociais e libertar
o indivíduo para interações mais transparentes e
livres. A fadiga induzida pelas longuíssimas seções
de nudez coletiva deveria ajudar na queda das más-
caras, atualizando “[...] o potencial dos indivíduos
normais [...]”. Atualização está sendo usada em sen-
tido de efetivação de um potencial, mas claramente
se associa à pressão pelo estar ‘por dentro’, romper

50  Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Nude_psychotherapy, acesso


em 25/09/2018.

166
com preconceitos sociais arraigados, sejam as más-
caras das repressões ou a moralidade convencial,
um tema que dividia as sociedades e as gerações
entre os anos 1960 e 1970, em especial a partir de
1968. Afinal, ser livre parece passar por uma total
exibição. Fechados em si mesmos, representados
por elaboradas máscaras sociais, aquelas pessoas
eram convidadas a viver uma nova transparência.
Mas ali não haveria também o risco da censura, ou
da programação mental falseadora?51

Três dias depois, em 17 de janeiro, o tema da


censura e da repressão tornava-se menos abstrato.
Na primeira página do jornal, vemos duas chamadas
lado a lado, a primeira informa que a “Nova fábrica
da IBM vai para S. Paulo”, a segunda, “Igreja cha-
ma subversão à união e paz”. A morte do soldado
Elias Santos em uma ação contra a chamada ‘sub-

51  Vinte anos depois, Baudrillard (1996) afirmava em tom melancó-


lico: “se fosse caracterizar o atual estado de coisas, eu diria que é o da
pós-orgia. A orgia é o momento explosivo da modernidade, o da libera-
ção em todos os domínios. [...]. Hoje, tudo está liberado, o jogo está fei-
to e encontramo-nos coletivamente diante da pergunta crucial: O QUE
FAZER APÓS A ORGIA? [...]. No fundo, a revolução já aconteceu em
toda parte, mas não do modo como se esperava. Em toda parte, o que
foi liberado o foi para passar à pura circulação, para entrar em órbita.
Com certo recuo, pode-se dizer que o fim inelutável de toda a liberação
é fomentar e alimentar as redes. [...]. A lógica da dispersão viral das re-
des já não é a do valor nem a da equivalência. Já não há revolução, mas
circunvolução, uma involução do valor [...]. Assim, a ideia de progresso
desapareceu, mas o progresso continua. A ideia de riqueza que sustenta
a produção desapareceu, mas a produção continua firme [...]. Os seres
tecnológicos atuais, as máquinas, os clones, as próteses, todos eles ten-
dem para esse tipo de reprodução e, lentamente, induzem o mesmo
processo nos seres chamados humanos e sexuados [...]. Na época da
liberação sexual, a palavra de ordem foi ‘o máximo de sexualidade com
o mínimo de reprodução’”.

167
versão’ tornou-se um dos lugares de memória dos
que cultivam o legado da Ditadura. O soldado foi
morto em fins de dezembro de 1969, isso explica
a conexão um tanto brusca na matéria entre o la-
mento do Arcebispo e a notícia de criação do que
seria um dois mais cruéis (e atualizados) aparelho
de repressão política, o CODI. Ao longo do ano, a
repressão política continuaria a crescer, mostrando
que o “Centro e Operações de Defesa Interna” que
aqui se inaugurava, com a promessa de ‘atualizar’ os
‘métodos de trabalho em conjunto’, não deixaria de
surtir seus efeitos. Para os que estavam lutando con-
tra a repressão e a censura, a liberdade como trans-
parência poderia apenas ser uma fantasia perigosa.
Para os órgãos da repressão, ter um maior controle,
organização e velocidade na recuperação das infor-
mações justificava o uso das novas tecnologias de
controle da transparência. Naturalmente, controlar
a transparência e a opacidade são coisas distintas.
Os governos precisavam governar o que se deveria
exibir e o que se poderia esconder. As políticas de
transparência, apesar de algumas enunciações totais,
são sempre um balanço entre o que se deve ou pode
mostrar e/ou esconder. A promessa da total trans-
parência é também uma ameaça.

O acirramento da repressão passava pela atua-


lização de suas ferramentas, além da criação do
CODI, em 18 de setembro temos a notícia de que
o Serviço de Censura acabava de “atualizar a legis-
lação censória”. O tom da nota é quase celebrativo,
afinal, o censor federal contava agora com um do-
cumento capaz de orientá-lo em um trabalho que
parecia cada vez mais complexo e urgente. Prome-

168
tia-se que os programas de TV seriam examinados
por três censores e os resultados exarados em 48 ho-
ras. Mas a tarefa de controle precisava também ser
socialmente distribuída, assim, as normas que foram
entregues aos diretores de emissoras serviriam tam-
bém como um manual para os cineastas, teatrólogos
e artistas, permitindo que se autocensurassem pre-
viamente. Mesmo na sala lacrada da consciência, a
censura era convidada a entrar e nenhuma expressão
parecia ser banal a ponto de carecer de cuidados, em
especial àquelas que exibiam o ato sexual, os vícios
e a imoralidade. Quando não proibidos de exibição,
sua aparição deveria estar em contextos moralmente
regulados. Claro que na realidade de uma sociedade
dividida essas orientações produziriam efeitos muito
variados, aqui gostaríamos apenas de destacar o dese-
jo por controle e atualização.

3.5. O medo da obsolescência e o


super-humano
Muito já falamos sobre o clima de competição
homem-computador que parecia permear certos
aspectos do cotidiano em 1970 pelas páginas do
JB. Por um lado, as habilidades dos computadores,
projetadas ou fantasiadas, criavam uma sensação
de que o homem teria um novo concorrente a te-
mer, por outro, essas mesmas habilidades surgiam
como promessa de uma expansão dos sentidos e
capacidades humanas. Sob o risco de torna-se obsoleto,
o homem atualizado poderia se tornar um super-homem. O
tema poderia ter um desenvolvimento paralelo em
que o homem tinha sua autenticidade reforçada,
de modo a diferenciá-lo dessa nova máquina que

169
parecia avançar em uma das habilidades até então
exclusivas: o pensamento.

Todas essas percepções eram agravadas pela


sensação de aceleração, seja efetivamente existente
ou pressentida. Todos pareciam correr o risco de se
tornarem obsoletos, de ficarem por fora. Assim, na
matéria já citada sobre aprendizagem programada,
o articulista dialogava com os medos e desejos dos
leitores: o método ensinaria qualquer assunto em
menos de três meses, a resposta ativa, a aplicação
de pronto e a avaliação imediata garantiriam a rapi-
dez. Macroeconomia, xadrez, nomenclatura médi-
ca, tudo poderia ser rapidamente aprendido: “afinal
não é a primeira vez que você sente necessidade de
aprender coisas novas, de deixar de ser por fora, de
se atualizar”. Tantas informações disponíveis, nem
uma delas parecia banal para o anúncio, era preci-
so acelarar o aprendizado, pois se tudo abunda, o
tempo sempre falta: “Frequentar um curso notur-
no? Mas é que você chega exausto do trabalho e o
horário do curso é logo em cima”. Análogo à lei-
tura dinâmica, a instrução programada pode dar as
habilidades de processamento de um computador.
Em seguida entra o exemplo da pesquisa feita entre
os funcionários da IBM, a precursora de grandes
mitos de nosso tempo como a Microsoft, Apple e
Google, - a mãe do HAL9000. Há uma confusão
contante entre o universo da cibernética e da edu-
cação. A meta? Ir mais longe, pelo desenvolvimento
dos sentidos do homem levá-lo a “ver mais, a en-
tender melhor, a sentir mais”. (Idem, ibidem). Como
na irônica formulação de Futurível, não se preocupe,
o sistema garantirá que “seu corpo será mais bri-

170
lhante/A mente, mais inteligente/Tudo em super-
dimensão”; ou a nada irônica notícia do dia 28 de
agosto de que a UFMG teria se tornado a primeira
universidade no Brasil a abolir o vestibular para
pessoas interessadas “em complementar ou atuali-
zar seus conhecimentos”.

O corpo e a aparência eram particularmente


sensíveis ao risco de desatualização. Curioso notar,
se considerarmos apenas a matéria de 13 de ou-
tubro, que as academia de ginástica e musculação
eram praticamente inexistentes no Rio de Janeiro de
1970, já que o articulista precisa introduzir concei-
tos básicos, além de apontar a ausência da prática. O
“repousante cansaço da ginástica” parece ter algum
parentesco com a exaustão liberadora das sessões
de psicoterapia nua, assim como a atualização das
“energias latentes no ser” da ioga, com a atualiza-
ção do “potencial dos indivíduos normais”. Manter
o corpo atual pode significar explorar o potencial
cosmético de nosso pharmakomputador, o que hoje é
evidente do Photoshop aos filtros digitais automáti-
cos das câmeras de celulares que nos mantêm mais
jovens e atuais. Tudo muito coerente com a análise
dos dias 16 e 17 de agosto que afirmava o imenso
atraso do país, sua necessidade de “queimar etapas
de técnicas de produção”, o que passaria pelo esfor-
ço de “atualizar a mão-de-obra”.

Além disso, o corpo também precisava lutar


contra a obsolescência da moda. O convite da Sears
para atualizar o guarda-roupa para a nova estação
é apenas o aspecto mais familiar do fenômeno. A
obsessão pelo futuro incentiva o cultivo de roupas
e objetos que fantasiam um presente ainda não ins-

171
taurado, mas já vivido. A atualização acelerada dos
equipamentos e da infraestrutura parece ter de cor-
responder no corpo e nas vestimentas, em um tipo
de alinhamento entre hardware e software, é o que pa-
rece apontar, em nossa série, a nota do dia 28 de
outubro sobre o novo uniforme das comissárias da
Vasp. A legenda da foto, em que uma comissária
aparece de pé em frente a um avião, diz: “a ideia
de atualizar o uniforme ocorre paralelamente com a
renovação do equipamento utilizado pela empresa”.
O conjunto verde-musgo, uma das cores da moda
1970, deveria parecer muito atual. A atualização
de um elemento central do contexto provoca uma
onda de obsolescência que precisa ser respondida.

As dúvidas sobre a atualidade do humano sur-


gem novamente na matéria de 25 de novembro so-
bre os preparativos para o lançamento da estação
espacial norte-ameriana Skylab.52 Nesse começo
dos anos 1970, a corrida espacial parecia ter desa-
celerado, os problemas de financiamento e a emer-
gência de outras agendas sociais retiravam um tanto
de sua centralidade. O livro Marte e a mente do homem
transcreveu o debate ocorrido em outubro de 1971,
às vésperas da chegada da sonda Mariner 9 a Mar-
te (CLARKE et alli, 1973). O evento fazia parte de
uma grande mobilização de propaganda da missão
e reunia, além de um jornalista, Bruce C. Murray,
escritores e figuras públicas como Ray Bradbury,
Arthur Clarke, Carl Sagan e Walter Sullivan. Mur-
ray, em seu balanço final, escrito em uma avaliação
posterior para a publicação dos debates em 1973,

52  Para um panorama do projeto, ver Compton (1983).

172
assim qualificava a sensação de descompasso entre os
avanças da ciência do espaço e as sociedades: “Pode a
obsolescência de nossas instituições governamentais e
sociais nos conduzir a uma evolução construtiva com
a rapidez necessária para capitalizarmos as fantásticas
bases científicas lançadas recentemente com as son-
das Mariner e Apolo?” (Idem, ibidem, p. 69). Um pouco
mais adiante insistia nesse mesmo ponto, mostran-
do-se preocupado com a taxa de obsolescência de
diversas instituições como “universidades, escolas
primárias e secundárias, igrejas, negócios, órgãos
legislativos, sociedades profissionais, a Academia
Nacional de Ciência e muitas outras”. Na verdade,
seriam os integrantes dessas instituições que “quase
não têm tempo de modificar sua atitude [...]”, daí os
sintomas, “grande quantidade de suicídios, insanida-
de e neuroses” (Idem, ibidem, p. 101).

Discutia-se bastante o papel que o humano pode-


ria ainda ter na conquista do espaço, já que a tendên-
cia parecia ser a predominância de missões não tripu-
ladas, ao menos por pessoas de carne e osso. Assim,
entende-se por que a matéria sobre o Skylab afirma
que com a estação a NASA “[...] espera provar, antes
de mais nada, a necessidade do homem na execução
do programa espacial.” O projeto do Skylab destaca-
va-se justamente pela decisão de tripular um satélite
transformando-o em um laboratório com pessoas,
já que o satélite não saberia estabelecer prioridades.
O fator humano economizaria a tarefa do processa-
mento das informações: “quase todas as tarefas po-
dem ser realizadas pelos autômatos, é certo, mas em
muitos casos a economia e eficácia só podem resultar
de uma decisão humana imediata”.

173
3.6. Um salto de pantera para o atual
A ocorrência do dia 22 de março é uma resenha-
entrevista sobre o filme “Benito Cereno”, filmado
pelo francês Serge Roullet em 1969, em que Rui
Guerra interpreta o personagem título. A história,
baseada em um conto de Melville, se passa em 1799
e retrata a revolta em um navio negreiro espanhol.
Os trechos selecionados são falas do diretor, que
acaba por destacar os entrecruzamentos temporais
que tornariam sua obra atual, baseada em um texto
escrito no século XIX, sobre um incidente no sécu-
lo XVIII, cuja atualidade era ironicamente destacada
por trechos extraídos de uma das lideranças do Parti-
do Pantera Negra, Stokely Carmichael53 (1941-1998):
“a escravidão não acabou, o problema negro do século XVIII
continua vivo em 1970” (grifo nosso).

Como o diretor se resusava a usar atores pro-


fissionais em seus filmes, ele teve que buscar
populares que pudessem encarnar seus persona-
gens. Os tipos de negros africanos que buscava,
que pudessem representar esse passado que se
ocultava no presente, era naturalmente uma di-
ficuldade temporal. Os negros atuais-atualizados
eram como os Pantera Negras, mas mesmo sendo
análogos aos revoltosos do século XVIII, algo os
separava, em especial do tipo negro que se pode-
ria achar em uma zona urbanizada como o Rio
de Janeiro, contemporâneos, mas não atuais? Foi
apenas da comunidade quilombola da Marambaia

53  Ver https://kilombagem.net.br/educacao/biblioteca/stokely-


-carmichael-1941-1998-de-pantera-negra-a-pan-africanista/

174
que esses negros atuais puderam ser encontrados –
uma espécie de ilha temporal ou cápsula do tempo.

A comunidade quilombola de Marambaia sur-


ge com o colapso do império de um dos maiores
traficante e proprietário escravista do Império, se-
diado na cidade de Piraí e que tinha na Marambaia
um ponto de entrada ilegal de africanos.54 No qui-
lombo que o diretor diz ter descoberto essa espécie
de fóssil, que, diferentemente dos hominídios de
Clarke, poderiam ter ainda futuro: a resolução de
um trauma, um nó temporal ou uma cicatriz aber-
ta no tempo: “O mais extraordinário é que aquelas
criaturas puderam preservar sua liberdade através
dos séculos [...]”. Neste caso, a atualização pressu-
põe uma espécie de denúncia do presente, que ainda
estava assombrado por um passado ambivalente: a
escravidão e seus efeitos, mas também um legado
de liberdade que havia se acumulado e que poderia
deslocar-se no presente abrindo novas potencia-
lidades. Estaríamos aqui frente a uma atualização
em sentido próprio? Era esse o mesmo efeito que
Autran Dourado esperava da boa literatura, “atuali-
zar, tornar viva a linguagem”, ou aqui está mais em
questão a capacidade de incorporar o atual em um
patrimônio já acumulado?

No caderno de esportes, Ubirajara da Silva Alcân-


tara,55 à epoca goleiro do Flamengo, narrava suas desa-

54  Em 2015, a comunidade teve a propriedade da área reconhecida,


após longa disputa com a Marinha brasileira. Veja a notícia no site do
Incra: http://www.incra.gov.br/noticias/comunidade-quilombola-da-
-ilha-de-marambaia-tem-suas-terras-tituladas, acesso em 25/09/2018.
55  https://pt.wikipedia.org/wiki/Ubirajara_Alc%C3%A2ntara,

175
venças com o polêmico ex-goleiro e treinador Yustrich
(Dorival Knipel, 1917-1990).56 Em suas palavras, “em
certas ocasiões acho que Yustrich deveria atualizar sua
maneira de agir dentro e fora do campo”. O técnico,
já bastante conhecido de outras polêmicas, tinha fama
de rígido, dessa vez havia repreendido o jogador por
ter “[...] aparecido no clube com uma calça estampa-
da”. Reclamava ainda da mania de Ubirajara em reter a
bola com os pés. Para a jovem estrela ascendente - que
em agosto daquele ano havia feito um inédito gol de
goleiro e que no ano seguinte seria eleito no programa
do Chacrinha “o negro mais bonito do Brasil”, esse
conflito geracional-esportivo poderia ser resolvido por
uma atualização de comportamento. De fato, o visual
de Ubirajara denunciava a incrível distância temporal,
bem maior do que qualquer calendário poderia re-
gistrar, que o afastava de Knipel. Nesse começo dos
anos 1970, em que o movimento Pantera Negra atin-
gia seu ponto alto nos Estados Unidos, o jovem era
uma das atualizações locais do mito, não apenas estava
na moda, mas a encarnava. Sua atualidade, como um
duplo, tornava Knipel obsoleto, como se não pudesse
haver lugar naquele tempo para o antigo e o atual go-
leiros. Para Knipel, assim como para boa parte daque-
la sociedade, esse novo talvez fosse apenas mais uma
moda passageira, que poderia ser controlada pela atua-
lização da censura, da repressão e da instrução.

acesso em 25/09/2018. Uma entrevista recente com o ex-jogador pode


ser vista em https://www.youtube.com/watch?v=JtEBTGIddYo Ver
também o post: https://tardesdepacaembu.wordpress.com/tag/ubira-
jara-da-silva-alcantara/, acesso em 25/09/2018.
56  https://pt.wikipedia.org/wiki/Dorival_Knipel, acesso em
25/09/2018.

176
Figura 2: No programa Chacrinha em 1971. Fonte: In: http://www.
fernandomachado.blog.br/novo/?p=123755, acesso em 25/09/2018.

Na maior parte das vezes o esforço de atualização


parece estar voltado não para a reativação de algum po-
tencial do passado, mas na luta pela sobrevivência de
formas que estavam se tornando rapidamente obsole-
tas. Na ocorrência de 12 de fevereiro, esse aspecto fica
bastante evidente na resenha demolidora do desfile das
Grandes Sociedades Carnavalescas. A matéria aponta
que o secretário municipal Levi Neves havia sido ques-
tionado se não seria o caso de acabar de vez com aquele
tipo de desfile, ao que ele responde: “não se pode ter-
minar assim com uma tradição de mais de 100 anos”.
A solução: “[...] é descobrir uma forma de atualizar e
dinamizar o desfile [...]”. Mas nem sempre os esforços
resultam, neste caso, as Grandes Sociedades efetiva-
mente desapareceram do carnaval carioca. Na entrada
do dia 27 de agosto é a ópera que está em questão, e a
solução atualizadora também passava pela dinamização:
apenas um ato, economia na produção, cenário com jo-
gos de luzes, tudo a fim de tornar o velho Rossini mais
acessível, “atualizar a ópera em si e reativar o interesse
do público pelo espetáculo”.

Todas essas manifestações do passado precisavam


representar melhor a atualidade, a mesma percepção
que João XXIII teve ao usar a palavra italiana aggionar-
mento para definir a tarefa de transformar a Igreja. Em
um dos principais documentos do Concílio Vaticano
II, publicado em 1965, a “Constituição pastoral Gau-
dium et Spes” tem o subtítulo “sobre a igreja no mun-

177
do atual”.57 Embora as formas derivadas “actualizar”
ou “actualização” não apareçam uma só vez, a palavra
actual – grafado em português luso no site do Vatica-
no – surge 42 vezes no documento. Mas isso não im-
pediu que o esforço de compreensão do mundo atual
por parte do Concílio fosse amplamente interpretado
como “um esforço da Igreja Católica Romana para se
atualizar”, ou, como no original em inglês da matéria do
dia 3 de julho, uma “atualização da Igreja”. Essa melhor
representação da atualidade passava por modernização
burocrática – com computadores e outros eletrônicos,
mas também por uma representatividade global, redu-
zindo o peso dos italianos na Cúria.

**

Pelo volume, relevância e representatividade, as pa-


lavras atualizar e atualização parecem portar, na série
JB1970, o valor de um conceito histórico-social. Elas
apontam para uma nova dimensão da experiência do
tempo, que desenvolve certas potencialidades do tempo
moderno, mas também apontam para alguns de seus
limites. A pressão por estar atualizado ganha os contor-
no de uma ideologia, na medida em que parece dar sen-
tido a uma visão conjunta da realidade. Vimos também
que, para além dessa dimensão ideológica, em sentido
mais básico de sua capacidade de agregar valores e dar
sentido a muitas camadas da realidade, o que estamos
chamando de atualismo, o conceito de atualização porta
igualmente um potencial crítico, quando desarticula o
atual do presente, quando reivindica forças do passado
(e do futuro?) como mais atuais do que a atualidade.

57  http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_coun-
cil/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html

178
CAPITULO IV - ATUALISMO EM
POUCOS CARACTERES
4.1 A evocação da história no impea-
chment de Dilma Rouseff

É impossível fazer uma retrospectiva de 2016 a não


ser em tempo real. 
Marcos Nobre58

É provável que o slogan da Rádio Bandeirantes,


“Em 20 minutos tudo pode mudar”, tenha feito
sentido em alguns momentos de 2013 até a vota-
ção do impeachment de Dilma Rousseff e seus des-
dobramentos nas sucessivas e concentradas fases da
chamada “Operação Lava Jato”. Nesse interregno
de tempo, além de referências à ficção como a série
House of Cards e dos perfis da série com a política
brasileira,59 também a história foi invocada diversas
vezes. Foi dito, inclusive, que o discurso de Dilma no
Senado, às vésperas da derrota, era para a história.60
Essa percepção parece indicar que o discurso não
pretendeu de fato reverter o processo político em
curso, mas apenas registrar uma tomada de posição.
Não deixa de ser interessante pensar na ambivalên-
cia desse juízo, já que na fala de Dilma Rouseff a

58  http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/01/
marcos-nobre-e-impossivel-fazer-uma-retrospectiva-de-2016-a-nao-
ser-em-tempo-real-9043649.html, acesso em 25/09/2018.
59 Cf., por exemplo, https://super.abril.com.br/cultura/5-vezes-
em-que-house-of-cards-tirou-sarro-da-politica-brasileira/; https://
houseofcardsbrasil.wordpress.com/2016/05/13/de-frank-underwood-
temer-nao-tem-nada/; acesso em 25/09/2018. https://www.cartacapital.
com.br/politica/house-of-cards-e-a-politica-brasileira-667.html, acesso
em 25/09/2018. Ver, também, Pinto – Farias 2017.
60  Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/
noticia/2016-08/confira-integ ra-do-discurso-de-dilma-em-
julgamento-do-impeachment-no-senado, acesso em 25/09/2018.

181
palavra história aparece 8 vezes, em quase todos
elas envolvendo a ideia de um processo histórico ou
mesmo uma “historiografia” ou “memória” capaz
de julgar e redimir.

Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benes-


ses do presente, que respondam perante a sua cons-
ciência e perante a história pelos atos que praticam.
A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se
tornaram. E resistir. Resistir sempre. Resistir para
acordar as consciências ainda adormecidas para que,
juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado
certo da história, mesmo que o chão trema e ameace
de novo nos engolir. [...] Muitos hoje me perguntam
de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do
que acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que
fizemos. Olhar para a frente e ver tudo o que ainda
precisamos e podemos fazer. [...] O mais importante
é que posso olhar para mim mesma e ver a face de
alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem forças
para defender suas ideias e seus direitos. [...] Hoje o
Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam
o desfecho deste processo de impeachment. [...] Invo-
ca-se a Constituição para que o mundo das aparências
encubra hipocritamente o mundo dos fatos.61

Enquanto muitos assistiam ao discurso em


“tempo real”, pelo menos quatro documentários
foram produzidos. A esse respeito, a senadora pe-
tista Gleisi Hoffman, por exemplo, afirmou, na
época, que os “golpistas reclamam das equipes de
filmagem porque não querem o golpe registrado na
história. Mas vai ter documentário com a carinha
deles sim”.62 Enquanto no discurso de Dilma a his-

61  Ibidem.
62  Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/
poder/252049/Document%C3%A1rios-registram-o-g olpe-

182
tória aparece como uma grande força, de valor qua-
se transcendente, nos juízos acerca de seu discurso
parece prevalecer a ideia de que ele seria histórico
justamente pela disputa já estar perdida, sendo seu
valor apenas testemunhal. De algum modo, nossa
interrogação é: essa história ainda existe? É possível
separar o mundo das aparências do mundo dos fa-
tos, como denuncia Rouseff em seu discurso?

É claro que um conjunto de profissionais – os


historiadores – criam e escrevem sobre um passado
especificamente histórico. Mas, talvez, “o passado
histórico exista somente nos livros e artigos escritos
por investigadores profissionais do passado e diri-
gidos em grande medida para eles mesmos – mais
do que para o público em geral” (WHITE 2010, p.
125). Para Hayden White, o paradoxo é: à medida
que os estudos históricos tornam-se mais científi-
cos, tornam-se menos úteis para qualquer finalidade
prática, até mesmo para educar os cidadãos para a
vida política. Segundo Henrique Estrada Rodrigues
(2016), trata-se, na verdade, da seguinte aporia:

se, de um lado, o século XX testemunha a consolida-


ção da forma disciplinar da história, o ‘nosso tempo’
parece indicar um horizonte não apenas de retração
da esfera pública como também de certa descrença
quanto à relevância (ou autoridade) dos profissionais
da história (RODRIGUES 2016).

para-a-hist%C3%B3ria.htm, acesso em 25/09/2018. Um desses


documentários, O Processo de Maria Augusta Ramos, foi o terceiro filme
preferido do público no Festival Internacional de Berlim (2018) na
mostra Panorama. O trailer pode ser visto em: https://www.youtube.
com/watch?v=Z3rHUGdOXUs, acesso em 25/09/2018.

183
Em que pese o eurocentrismo do termo história
para designar a experiência pretérita, ainda sobrevive
certa crença de que a história (vivida e pensada) de-
signa processos verdadeiros e reais? Essa ideia mo-
derna de história (“a história em si e para si”), confor-
me analisa Koselleck (2006; 2014), constituiu-se, no
Ocidente, entre o século XVIII e XIX, e tem como
uma de suas bases certo antropocentrismo, ou me-
lhor, uma concepção de humanidade (humanidades?)
que separa o Homem (e a palavra é essa) da Nature-
za. Essas distinções ainda se sustentam?

4.2. Pós-Humano, Pós-Democracia?

A inteligência artificial reorganizou sua rede elétrica em


padrões hexagonais, imitando o cérebro humano.
Caswell Barry, 201863

63 In: https://www.tecmundo.com.br/software/130225-ia-dee-
pmind-consegue-encontrar-saida-labirintos-virtuais.htm, acesso em
25/09/2018. O estudo publicado na Nature pode ser lido em https://
www.nature.com/articles/s41586-018-0102-6, acesso em 25/09/2018.
Sobre a DeepMind, bem como sobre a vitória do AlphaGo em Lee
Sedol, ver https://en.wikipedia.org/wiki/DeepMind, acesso em
25/09/2018 e o documentário AlphaGo. Destacamos um trecho do
artigo da wikipedia no qual se afirma que o objetivo da empresa adqui-
rida pelo Google em 2014 é: “O objetivo da “DeepMind Technologies”
é “inteligência resolutiva”, que eles estão tentando alcançar combinan-
do “as melhores técnicas de aprendizado de máquina e sistemas de
neurociência para construir poderosos algoritmos de aprendizado de
propósito gneralizado”. Tudo isso nos faz lembrar um comentário céti-
co-melancólico de Baudrillard (1996) do final do século passado: “Hoje
não pensamos o virtual, é o virtual que nos pensa. E essa transparência
imperceptível que nos separa definitivamente do real nos é tão incom-
preensível quanto pode sê-lo para a mosca o vidro contra o qual ela se
choca sem compreender o que a separa do mundo exterior. A mosca
nem sequer imagina o que põe fim a seu espaço. Do mesmo modo, nem
sequer imaginamos o quanto o virtual já transformou, como por anteci-

184
Alguns arriscam a falar em uma condição pós-hu-
mana: “as atuais tecnologias da morte são pós-hu-
manas em função da forte mediação tecnológica
mediante as quais elas atuam” (BRAIDOTTI 2015,
p. 20). Nessa direção, o operador digital de um drone
pode ser considerado um piloto? “Nós todos, hoje,
estamos numa relação com o mundo cujo símbo-
lo seria o drone” (CASTRO 2014), isto é, as conse-
quências das ações estão cada vez mais separadas
das ações. A metáfora do drone também ajudaria a
explicar o processo de impeachment: “a destituição de
Dilma está para a democracia assim como os drones
para a guerra. Ambos reduzem os danos colaterais
causados por tanques atirando nas ruas. Têm lega-
lidade frágil e se estribam em evidências manipulá-
veis” (CONTI 2016). Vivemos em universos digi-
tais, comemos comidas geneticamente modificadas,
utilizamos próteses e fazemos usos de tecnologias
reprodutivas. Todas essas dimensões da vida atual

pação, todas as representações que temos do mundo. Somos incapazes


de imaginá-lo porque é da natureza do virtual pôr fim não apenas à
realidade, mas também à imaginação do real, do político, do social - não
apenas à realidade do tempo, mas também à imaginação do passado e
do futuro (a isso se dá o nome, com uma boa dose de humor negro, de
“tempo real”). Ainda estamos muito longe de compreender que a en-
trada em cena da mídia impede a evolução da história, que a subida ao
palco da inteligência artificial impede o avanço do pensamento [...]. No
tempo histórico, o evento ocorreu e as provas de fato existem. Mas não
estamos mais no tempo histórico, estamos no tempo real - e no tempo
real não há mais provas, sejam elas quais forem [...]. O tempo real é uma
espécie de buraco negro onde nada penetra sem antes perder sua subs-
tância [...]. Exatamente nisto é que consiste a derrota do pensamento -
do pensamento histórico e do pensamento crítico. Na verdade, porém,
não é sua derrota: é a vitória do tempo real sobre o presente, sobre o
passado e sobre todas as formas de articulação lógica da realidade [...].
Ora, não existe mais o pensamento do artifício num mundo em que o
próprio pensamento torna-se artificial.”

185
embaralham a fronteira do que é e não é humano.
Talvez o traço comum seja a mercantilização das
dimensões humanas e não humanas da vida atual.

Braidotti defende que a “noção modernista” de


inumano de Lyotard se transformou em um conjun-
to de práticas pós-humanas e pós-antropocêntricas:
“la relación entre lo humano y el outro tecnológico,
tal como los afectos implicados em ella, como el
deseo, la crueldade y el sufrimento, cambian radical-
mente com las actuales tecnologias del capitalismo
avanzado” (2014, p. 132). Aponta para a confusão
entre o “objeto tecnológico” e a “carne” e a natu-
ralização da transitividade dos limites entre gêneros,
raças e espécies já apontadas, segundo ela, por Lyo-
tard: “El outro tecnológico hoy – un mero ensamblaje
de circuitos y anillos de retroacción – se mueve em
el dominio social de las diferencias desenfocadas, si
no roza incluso la indeterminación” (Idem, ibidem).

Em uma perspectiva mais crítica, militante e ra-


dical, o coletivo Tiqqun64 argumenta que vivemos
a passagem de um paradigma soberano de poder
(vertical, estático, centralizado) para o cibernético
(horizontal, dinâmico, distribuído). O modelo des-
sa nova forma de governabilidade cibernética seria
o Google ou o Facebook (O Facebook tem hoje
1,5 bilhões de usuários, ou seja, tem uma população
maior do que a da China).65 A cibernética seria uma
nova tecnologia de governo (TIQQUN 2013). De

64 Cf. http://tiqqunim.blogspot.com.br/. Cf., também, https://


en.wikipedia.org/wiki/Tiqqun.
65  Cf., também, https://www.cartacapital.com.br/revista/941/qual-
-e-o-plano-do-facebook-para-dominar-o-mundo.

186
um ponto de vista mais acadêmico, tem se chamado
essa governabilidade de algorítmica (ROUVROY
& BERNS 2015). Canclini (2018, p. 93) destaca
também que a autoexploração com consenso tem
também marcado o atual estágio do capitalismo e,
mais do que nas épocas pré-digitais, tem tido papel
decisivo na reprodução da exploração.

Além do Facebook, é assustador o poder e o


controle de informações que o Google vem acumu-
lando. Até 2009, o principal algoritmo do Google, o
PageRank, obtinha os mesmos resultados por meio
da relevância dos links. Desde esse período, o re-
sultado é o que o algoritmo sugere ser o melhor
para cada um. As consequências dessa mudança es-
tão bem analisadas em Pariser 2012, em especial, no
que se refere à ação dos rastreadores na acumulação
de dados e preferências privadas. No que se refere
aos rastreadores, os dados sobre o Brasil identifi-
caram, em 2010, a presença de “362 rastreadores
de dados de usuários [...] em apenas cinco sites da
internet brasileira (Terra, UOL, Yahoo, Globo.com,
YouTube) e de 295 rastreadores nas duas redes so-
ciais mais populares no Brasil na ocasião (Orkut e
Facebook)”. Essas ferramentas estão a serviço do
marketing on line, embora, mais recentemente, elas
têm sido organicamente integradas ao marketing
político. O rastreamento e o arquivamento de nos-
sas ações na internet é possibilitada pela estrutura
dessa rede de comunicação, pois “toda ação deixa
um rastro potencialmente recuperável, constituindo
um vasto, dinâmico e polifônico arquivo de nossas
ações, escolhas, interesses, hábitos, opiniões etc”
(BRUNO 2016, p. 34). Ainda sobre essas questões

187
Canlini (2018) afirma:

muitos jovem que adotam o Snapchat para fazer de-


saparecer as mensagens segundos depois de serem
lidas, ao mesmo tempo, aceitam cookies sem preven-
ções [...]. Ninguém quer sair por completo da inter-
net, mas requer um fino trabalho – coletivo – apren-
der a ser cidadão: como controlar o que querem saber
de nós e o que fazer com o que desconhecemos que
fazem (p. 103 e 104).

Assim, as abordagens mais recentes parecem


menos otimistas quanto aos impactos emancipa-
dores das redes. O otimismo da propaganda da
provedora norte-americana MCI, em seu famoso
comercial, veiculado pela primeira vez no inter-
valo do Superbowl, em 1997, continua sendo um
dos melhores exemplos das perspectivas otimistas:
“Não há raças, não há gêneros, não há idades, não
há doenças. Apenas mentes. Utopia? Não. Internet.
A MCI tem a conexão de internet mais veloz”.

Veja a propaganda

A possibilidade do anonimato que a mediação


da rede prometia que, logo depois, com a ascensão
da web 2.0, tomaria justamente a direção contrária,
sugeria a superação dos incômodos de se ter um
corpo. Aplicando o conceito de interpassividade de
Slavoj Zizek para compreender a natureza de nossas

188
interações no Facebook Muhr e Pedersen chegam à
seguinte conclusão:

A parte interpassiva do Facebook, portanto, é sua ca-


pacidade de agir como o gravador de vídeo que grava
os filmes que eu quero ver, mas que nunca tenho a
chance de assistir. Ele adia o encontro com a minha
própria passividade, meu sofrimento e prazer, ao
mesmo tempo em que mantém a promessa de que,
quando finalmente o fizer, será mesmo como eu es-
perava. (MUIHR & PEDERSEN 2010, p. 275).

Do ponto de vista da historicidade, estaríamos


indo rápido para lugar nenhum? (ROSA 2011;
MARTIN 2016; MATA 2016) Seria o morador do
panóptico digital vítima e ator ao mesmo tempo?
Viveríamos em uma sociedade positiva do eu gosto?
Para Byung-Chul Han, a crise da época atual “não é
da aceleração, mas da dispersão e dissociação tem-
poral. Uma dissincronia temporal faz o tempo trans-
correr de forma sibilante sem direção e se decom-
por em uma mera sucessão de presentes temporais
atomizados” (HAN 2013, p. 65). Nessa direção, a
solução não está em apenas desacelerar ou tratar a
cena atual como mais do mesmo na oscilação entre
modernização e compensação historicista. Do nos-
so ponto de vista, a pergunta justa talvez deva ser:
em nossa condição atualista tudo se atualiza para
que tudo permaneça a mesma coisa? Casasova pare-
ce acreditar que sim, quando afirma que

o que está acontecendo a cada momento [...] é sem-


pre fluido demais para que pudesse receber mesmo
que apenas derivadamente o nome de acontecimento.
A estagnação é a nossa lei por mais que ela seja ex-
perimentada em um meio incessantemente dinâmico.
Tudo muda aqui incessantemente para que tudo con-

189
tinue o mesmo. Como na velha canção de Belchior,
que porta o belo título ‘camisa velha colorida’: ‘o que
ontem era jovem, novo, hoje é antigo, e precisamos
todos rejuvenescer’. O problema é que esse rejuve-
nescimento é da ordem única e exclusiva da camisa
velha colorida (CASANOVA 2017, p. 41-42).

Segundo Silveira (2017), também na relação


com outro a emergência das redes sociais envolve
promessas e catástrofes, a exposição do eu permite
pensar na ampliação da empatia e do entendimen-
to, de uma esfera pública global fantasiada na ficção
por séries como Sense8, mas “[...] também é ins-
trumento de humilhação” (SILVEIRA 2017, p. 75).
Ainda sim, toda a discussão sobre o direito-dever à
exibição envolve a perda de controle do que é mos-
trado e seu alcance, o que nos leva ao esquecimen-
to e à análise dos riscos em termos de um passado
ou memória editável. Qual o critério de veracidade
desse passado ou dessa memória? Para Paula Sibilia
(2018), a mania de registro do século XIX assume
hoje proporções paradoxais, já que a capacidade de
armanezar vem acompanhada do poder de deletar o
que foi guardado, reivindicado inclusive como um
direito pessoal:

Não é casual que, justamente agora, surjam esses


sonhos de uma memória editável ao gosto do con-
sumidor, como se a própria vida fosse uma história
contada em suporte digital, cujos episódios desagra-
dáveis pudessem ser apagados – ou melhor, deleta-
dos – com a eficácia típica dos computadores e por
livre decisão de cada um. [...] Agora, ambos os planos
– vida e relato audiovisual – se fundem e se confun-
dem nessa biografia cuja textura é informática. Tra-
tadas como arquivos digitais, as lembranças deixam
de ser concebidas como aquelas entidades etéreas e

190
misteriosas que, de acordo com as crenças modernas,
nutriam a interioridade de cada indivíduo (SIBILIA
2018, p. 219-220).

Nessa direção, é preciso destacar que o corpo de


Jeremy Bentham (1748-1832) ainda está exposto na
cadeira que ocupou no University College London.
Andrew Keen (2012) situa-se do lado apocalíptico da
recepção da chamada revolução social, que menos que
enfatizar o potencial libertador ou transformador das
novas medias, destaca o risco envolvido em sua expan-
são irresistível. É curioso que seu ensaio apropria-se da
linguagem do Twitter. O autor vê o gesto de Bentham
da contínua exibição do seu corpo como um sintoma
extremo da utopia da total transparência e total exibi-
ção que substituiria as formas tradicionais de subjetiva-
ção por interioridade.

Para Keen, esse novo social é mais uma forma


de isolar as pessoas, de modo que possam funcio-
nar mais plenamente como peças de uma grande
engrenagem produtiva. As tecnologias do social
explorariam a paixão do homem moderno pela au-
toexibição, associando exposição a valor social.  Em
um mundo cada vez mais individualista e competiti-
vo, as redes sociais nos tornariam novos Benthams,
aprisionados em nossas vitrines-celas individuais,
mas, ao mesmo tempo, presentes em todos os espa-
ços de exibição em que já não sabemos diferenciar
a câmera que individualiza da câmera-câmara que
aprisiona. Uma conseqüência possível: o empobre-
cimento da experiência que surge de uma sociedade
que dificulta a privacidade, a interioridade, com os
diferentes perfis dos homens que estão produzindo
essa grande revolução da total (pseudo) presença e

191
transparência digitais. Esse perfil, segundo o autor,
teria como marca de distinção a dificuldade em se
assumir como adulto, produzindo um ethos juvenil
que seria uma das fontes da incapacidade de enfren-
tar a experiência da verdadeira solidão e privacida-
de. Sem discordar do pessimismo de Andrew Keen,
podemos ainda acreditar que, no âmbito das huma-
nidades, devemos manter de pé o desafio da com-
plexidade da experiência. Podemos ainda tornar as
mídias sociais uma ferramenta, embora seja inegável
que o movimento esperado pelos seus produtores e
pelas corporações é o contrário, que nos tornemos
peças dessa nova engrenagem digital.

Nesse aspecto, Byung-Chul Han (2016) pode aju-


dar, quando aponta alguma positividade no fenôme-
no dos hikikomori, chamado por ele de “a-social”. Os
jovens, em geral japoneses, que se isolam da socieda-
de, mas que mantêm relações pelo computador. Se-
riam um símbolo novo do estar junto? Para o autor,
há mutações em curso abertas pelo ser-em-rede. Es-
sas transformações são analisadas numa perspectiva
histórica por J. B. Thompson (2009 e 2010) como ca-
pazes de criar diversas interações mediadas, pois não
são baseadas na co-presença: “as mídias eletrônicas
possibilitaram a transmissão de informações e con-
teúdos simbólicos por largas distâncias com pouco
ou mesmo nenhum atraso. Consequentemente criam
um tipo de “simultaneidade despacializada” (2010, p.
22). Umas das consequências desse processo é o que
o autor denomina de “fronteira cambiantes da vida
pública e privada” que podem levar atualmente, por
meio da profusão de escândalos, partes inteiras da
vida política e social ao caos (Idem, ibidem).

192
Em um horizonte de questionamento das ideo-
logias, talvez teríamos que aprender a agir e a fazer
para além dos partidos, de um programa político e
das lógicas da assembleia? Para o teuto-coreano, é
provável que Rousseau, tendo em vista sua inclina-
ção pela solidão, se vivesse hoje, fosse um hikiko-
mori. A vontade geral pode sim ser constituída, ma-
tematicamente, sem nenhuma comunicação, e ser,
ao mesmo tempo, mais justa e representativa. Uma
democracia fundamentada, do nosso ponto de vis-
ta, pela transparência numérica. Ora, o que estamos
falando aqui é de uma democracia em tempo real.
Será mesmo possível e desejável? Os riscos já foram
bem trabalhados, também, por diversos episódios
da série Black Mirror.

Ivana Bentes (2016), em uma análise sobre o episó-


dio Nosedive, afirma: “todas as interações sociais estão
sujeitas a uma avaliação em tempo real, que pode ser
convertida em mais acessos e vantagens sociais ou em
segregação”. A contaminação da disputa político-so-
cial pela lógica do clickbait (caça-clique) tem provocado
verdadeiros terremotos em velhas estruturas do po-
der democrático liberal. Seja em vazamentos como os
promovidos por Snowden, seja por operações como a
Lava jato, podemos imaginar os usos políticos, sociais
e econômicos dessa vigilância indiscriminada (Idem,
ibidem).66 A “monetização dos youtubers”, também
abordada por Bentes, coloca em questão certa retórica
otimista, participativa e democrática da web 2.0 e das
redes sociais, pois a plataforma tem se convertido em
um espaço dominado pelas grandes corporações mi-

66  Sobre Snowden e a questão da vigilância/controle ver Lyon 2015.

193
diáticas: o “YouTube permite la existencia y creación
de discursos contrahegemónicos en su seño. Pero tam-
bién ejerce un control sobre estos por la posibilidad
de censurarlos o eliminarlos en cualquier momento”
(MÁRUQEZ & ARDÈVOL 2018, p. 49).

Além disso, é preciso lembrar que, na interação


assimétrica entre corporações e consumidores, te-
mos, de um lado, a transparência dos dados dos úl-
timos e, de outro, a opacidade dos algoritmos dos
primeiros na “era comunicacional do capitalismo”
(CANCLINI 2018, p. 91). O paradoxo pode ser
enunciado do seguinte modo, enquanto nas redes
sociais a gratificação é imediata, “a democracia re-
presentativa funciona de outra forma: não gera
gratificação imediata, e, [...], não foi feita para fa-
zê-lo. [...]. Daí a tendência recente à substituição do
partido – incapaz de gerar gratificações imediatas
– pelo movimento”. Segundo o autor, a exemplo
das redes os movimentos combinam “máxima hori-
zontalidade” com lideranças e estrturas verticais “O
Facebook é uma rede horizontal, sem dúvida, mas
é também, no fim das contas, o brinquedo do Mark
Zuckerberg. [...]. O mesmo vale para Macron no En
Marche! (BARROS 2018).67

67  Esta passagem é um diálogo crítico do autor com Runciman


(2018). Em recente entrevista Runciman prenuncia a pós-democracia
do seguinte modo: “Nosso mundo mudou muito nos últimos 30 anos
- alterando a forma como vivemos em quase todos os níveis, exceto na
política democrática. Mesmo as revoltas políticas dos últimos dois anos,
do Brexit a Trump, são pequenas mudanças em comparação com o
impacto que o Facebook está tendo na experiência humana. Em algum
momento, essa mudança alcançará a democracia. O escândalo Cambri-

194
Estamos frente à impossibilidade de uma relação
livre ou mesmo de superação com o mundo da téc-
nica? Para Duarte (2010), “na medida em que cada
vez mais o real, a natureza e o próprio homem são
tecnicamente produzidos, cada vez mais fará sen-
tido falar em realidade virtual, em natureza virtual
ou artificial e mesmo na virtualização artificializada
do próprio homem” (p. 12). O autor destaca que a
filosofia heideggeriana não defende o fim da técni-
ca, ciência ou da modernidade. Ela é, na verdade,
um chamado para outras possibilidades incertas e
imprevisíveis de uma relação mais livre com essas
dimensões. Ainda assim, o que está em questão no
nosso tempo, portanto, é a própria humanidade, o
nascimento e a morte dos humanos: qual o preço da
eliminação e/ou adiamento da morte pela técnica?
De que ente e ser estamos cada vez mais falando?
De qual abertura, história, memória e esquecimen-
to? O planejamento, produção e manipulação quase
integral do nascimento e da morte não é apenas um
fato da imaginação ficcional de séries do canal Net-
flix, é também uma das realidades e um presente-fu-

dge Analytica é apenas um vislumbre do novo mundo por vir - para


o bem ou para o mal. [...]. A política democrática, que durante grande
parte de sua história foi acusada de ser muito volúvel e tímida, agora
parece muitas vezes complicada e pesada. (Veja a recente tentativa dos
membros do Congresso de questionar Zuckerberg: foi embaraçoso.)
[...]. O grande perigo para a democracia é a concentração de riqueza
e poder com perícia técnica - na tecnologia, finanças e universidades.
[...]. O futuro pós-democrático da América provavelmente implicará na
contínua fragmentação de sua identidade política. A política se tornará
ao mesmo tempo mais local e mais global, mais individualista e mais
conectada, mais populista e mais tecnocrática. [...] A democracia se
tornará uma ideia cada vez mais vazia”. Disponível em: https://www.
bloomberg.com/view/articles/2018-05-22/democracy-s-death-narra-
ted-by-david-runciman

195
turo do nosso mundo. Seria o atualismo o tempo do
real virtualizado e, nesse sentido, a promessa ambí-
gua do fim da diferença entre o atual (real) e o virtual?

Apesar de utilizar uma perspectiva distinta da ado-


tada aqui, Castells (2011), em suas análises sobre o que
chama de socidade em rede, cultura da virtualidade
real e tempo intemporal, destaca a negação da morte
como uma das expressões da atual “ambição tecnoló-
gica e em concordância com nossa comemoração do
efêmero” (p. 547). Essa tentativa de apagar a morte da
vida ou transformá-la em algo inexpressivo é também
produto de sua repetição na mídia, como morte do
outro: “separando a morte da vida e criando o sistema
tecnológico para fazer que esta crença dure o suficien-
te, construímos a eternidade durante nossa existência.”
(Idem, ibidem). Seria uma tentativa de empurrar a mortali-
dade para um futuro sempre adiado: “na última década, a
luta pelo tempo preparou o terreno para o conflito funda-
mental da nossa sociedade: uma nova cultura da natureza
contra a cultura da aniquilação do tempo, que equivale ao
cancelamento da aventura humana” (XXIX).

Nesse contexto, as próprias noções de hegemo-


nia e contra-hegemonia estão em questão. Na atual
reconfiguração das disputas de poder, emergem, para
Canclini (2018), combinações ambivalentes, híbri-
das nas quais surgem e intervêm diversos atores e
formas de sociabilidade, “em que o poder não tem
uma estrutura binária, mas uma complexidade dis-
persa. Coexistem muitos modos de estar juntos, de
comunicar e compartilhar ou disputar os bens” (p.
95). Ainda sim, a utopia não realizada da dimensão
horizontal, livre e democratizante da renda engen-
dra nos cidadão e consumidores uma forte sensa-

196
ção de impotência. A noção de resistência também
sofre, nessa perspectiva, profunda mutação. Afinal,
“quem pertuba mais a máquina: os movimentos so-
ciais ou os dispersos hackers” (p. 98)? Além disso, o
futuro de muitos empregos serão uma combinação
de processos realizados por computadores com ta-
refas realizadas por humanos. A esse respeito basta
pensar atualmente no Uber e no Airbnb. Ao que
parece, esse é um sistema propício para o trabalho
em condições atualistas. De modo complementar,
cabe dizer que a maior parte do planeta já é proprie-
dade de entidades subjetivas não humanas (nações
e companhias). A partir de Harari, em Homo Deus,
Canclini (2018, p. 101) sustenta que o dataísmo, isto
é, a religião dos dados, acaba por criar a crença na
mão invível do fluxo de dados.

Mas, por outro lado, surgem ações de cidadania


que exigem qualidade e verdade de informações.
Fato, diríamos, que explica, por exemplo, a contra-
tação de empresas de checagem de informações,
da parte do Facebook, para as eleições de 2018 no
Brasil.68 A manipulação algorítmica desperta, certa-
mente, crítica, mobilização e feedbacks, mas algumas
questões fundamentais continuam em aberto no
atual processo de robotização e concentração eco-
nômica. “A dolorosa conflitividade atual não parece
administrável com programas de governabilidade
robotizada” (CANCLINI 2018, p. 103)

68  O ataque imediato, da parte de grupos conservadores, como o


Movimento Brasil Livre - MBL, ao fact checking, na visão de alguns
analistas, já anunciava a “guerrilha virtual” que deve marcar a eleição
brasileira. Cf. http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2018/05/21/fgv-a-
taques-eleicoes/, acesso em 25/09/2018.

197
Por mais paradoxal que seja, certas dimensões
atualistas de nossa vida contemporânea também
podem ser as condições de possibilidades para as di-
versas emergências para a reflexão e ação: a questão
de gênero, o antirracismo, o eurocentrismo, a ques-
tão ambiental, dentre outras.69 Mas, também, podem
nos impedir de ver alguns dos problemas globais
contemporâneos ligados à expansão do capitalismo
financeiro como, por exemplo, o aquecimento glo-
bal. O desafio é repensar as humanidades, pois as
teorias da maioria delas estão inadequadas para os
problemas que nos circundam (Cf. DOMANSKA
2010). Esse fato implicaria pensar em conhecimen-
tos em humanidades para além do antropocentris-
mo e enfatizar o colapso da distinção entre história
natural e humana? Assim, seria preciso repensar a
relação natureza/cultura e, por exemplo, romper o
silêncio e enfatizar que a atual mudança climática é
obra humana Chakrabarty (2013).

Essas questões certamente se relacionam o com


o que alguns autores chamam de cidadania técni-
co-científica (Cf., em especial, FEENBERG 2011
e 2017). A esse respeito, Castelfranchi e Fernandes
(2015) procuram pensar as atuais possibilidades de
resistência e confronto: “Uma delas é a que chama-
mos de insistência: uma política hacker, por meio
da qual não se vê a tecnologia e a dominação como
imperativos que pairam acima de nós, ou que sejam
exteriores” (p. 191). Reforçam a capacidade dos ato-
res sociais modificarem essas estruturas por gestos
de resistência e ressignificação através do uso, porque

69  Ver, também, entre outros, Silva 2014.

198
essas estruturas “[...] precisam funcionar de forma
sensível aos feedbacks, em tempo real, do comporta-
mento e dos desejos de indivíduos que são consumi-
dores, eleitores, grupos de pressão etc” (Idem, ibidem).

4.3 Black Mirror, White Christmas:


o colapso do tempo histórico?

Um smartphone é, em si mesmo, um amigo bem mais


seguro do que um bagunçado e imprevisível ser humano. Bem
menos ameaçador ao lidar e pouco disposto a mudanças de
humor ou halitose (HARRIS 2014, p. 83).70

Em uma das mini-histórias do episódio “Whi-


te Christmas”, do drama televisivo britânico “Black
Mirror”, uma paciente acorda após um procedimento
médico sobre o qual não temos inicialmente qualquer
informação.71 Seu pequeno dilema mental é anteci-
par que a sua eventual queixa sobre as torradas que
estavam por lhe servir produziriam um tipo de afli-
ção inescapável. Tostadas além de seu gosto pessoal,
restavam-lhe duas opções, comê-las sem reclamar ou
devolvê-las para a atendente, que acabava de perguntar
se tudo estava bem. Consumidora de um serviço de
alto padrão, a paciente espera ter direito aos pequenos
confortos da vida, um atendimento personalizado. Ter
de pedir e ensinar outro ser humano acerca de suas
preferências, que certamente terão a aparência de uma
banalidade incompreensível, gera conflitos internos

70  É preciso sublinhar que a maioria dos programas e aplicativos dos


smartphones são produzidos, comercializados e controlados por um
seleto grupo de grandes corporações como a Google e o Facebook.
71  Esse episódio foi escrito por Charlie Brooker, criador da série.

199
e ansiedades que o expectador atual pode facilmente
imaginar. A cena se resolve com a paciente devolvendo
as torradas e pedindo para que novas fossem feitas.
Como esperado, a atendente abre um sorriso proto-
colar, mas sai da sala um tanto furiosa com o que lhe
parece uma veleidade. Por outro lado, a manhã perfeita
da paciente foi definitivamente arruinada pela aflição
de uma imprevisível e bagunçada interação.

Na cena seguinte, ficamos sabendo que o proce-


dimento médico em questão era o upload do conjunto
de suas recordações para um computador, que passa
então a emular a personalidade original. Mas o aspec-
to distópico, já antecipado na descrição angustiante de
uma situação social aparentemente banal, ganha con-
tornos inesperados. O objetivo do procedimento era a
produção de uma assistente pessoal perfeita, uma có-
pia exata dela mesma, capaz de antecipar todos os seus
desejos, de conhecer todas as suas manias, de alimen-
tar todas as suas vaidades. Essa assistente, conectada
a todos os aparelhos da casa e a todos os gadgets que
formam nossa nova fauna digital, poderia potenciali-
zar a vida, personalizando todos os aspectos de seu
cotidiano. Tudo poderia agora ser programado, desde a
temperatura do chão em que seus pés irão tocar pela ma-
nhã, o aumento crescente da luminosidade do quarto ao
acordar, o ponto pessoal da torrada, os amigos e a inte-
ração social cuidadosamente mediada por uma curadoria
pessoal: a vida perfeita como uma bolha de conforto.

O problema é que esse conjunto de lembranças


digitalmente armazenadas é, em si mesmo, também
uma consciência, uma individualidade movida por
um banco de dados e um processador, continua-
mente alimentada por inputs de seus órgãos perifé-

200
ricos. Ao despertar em um ambiente virtual com-
pletamente abstrato e homogêneo, a cópia não sabe
ser uma cópia, acredita ser a consciência original da
qual agora existe apartada. Nesse momento, entra
em ação um tipo de profissional cuja função é expli-
car ao novo ser a sua natureza e o que dele se espera
nesse mundo novo em que foi lançado. As primei-
ras reações da consciência duplicada é de descrença,
negação e revolta. Como “ela mesma” poderia ter
feito isso, como viver para sempre em um espaço
virtual com o único objetivo de servir a alguém,
e isso depois de ter vivido uma vida “real”, de ter
conhecido os prazeres e desejos de uma existência
física. Mas é exatamente por isso que essa consciên-
cia torna-se o assistente pessoal ideal, uma quase-
-pessoa, ou uma pessoa abstraída de sua condição humana.

Figura 9: Logo após desafiar a “consciência” a soprar em seu rosto,


Mathew (Jon Hamm) faz a revelação.

No episódio o diálogo entre o “programador-


-feitor” (vivido pelo ator Jon Hamm) e sua vítima
(Oona Chaplim) é mediado por uma espécie de ga-
dget com periféricos embutidos como câmeras e áu-

201
dio. As táticas de domesticação da consciência en-
capsulada, parte da ambientação distópica, começa
pela aceitação de sua condição, que atinge seu ápice
quando a consciência vê seu corpo original em um
inocente cochilo vespertino. Esse reconhecimento
dá lugar a uma grande revolta e recusa em assumir
o papel de eterna assistente que lhe está reservado.

O programador então passa para fase 2, a intimi-


dação e a tortura. Como o ambiente virtual em que
a consciência emulada existe é completamente con-
trolado pelos seus proprietários, ele pode ter todas
as suas variáveis manipuladas. Como a consciência
emulada não tem um corpo, as formas tradicionais
de tortura não fariam sentido, ou pareceriam pouco
eficazes sem o risco de uma morte física? Assim, é
a manipulação de um tempo virtual completamente
vazio e homogêneo a fonte última de manipulação,
de fato a base de todo o controle. Com um simples
gesto em um console, o programador é capaz de
expandir ou contrair o tempo vivido pela consciên-
cia duplicada. Na primeira seção ele a submete a 3
semanas, 21 dias, presa em um não ambiente, sem
literalmente nada para fazer, nem mesmo a possi-
bilidade de matar o tempo dormindo. Para o ope-
rador, passaram-se apenas 21 segundos do tempo
cronológico. A consciência retorna dessa experiên-
cia forçada em estado de choque, mas ainda assim
resiste aos comandos. É então submetida a um lap-
so de tempo ainda maior, seis meses no vazio, na
mais terrível das “solitárias”. Quando retorna, sim-
plesmente está implorando por algo para fazer. No
mesmo instante, a “consciência original” aparece na
cozinha, onde a batalha havia sido lutada, e pergunta:

202
- Já programou? - Tudo certo, pronto para começar.

O fragmento do episódio encerra com mais uma


manhã. Com a dedicação concentrada de seu ou-
tro eu controlando todas as variáveis do ambiente,
finalmente nossa protagonista pode desfrutar de
um dia perfeito: 16 de dezembro, marca a agenda
cuidadosamente exibida por sua zelosa assistente,
que antecipa um dia cheio de experiências humanas
potencialmente ricas, encontro com amigos para
drinks natalinos, ir ao teatro assistir ao Quebra No-
zes. O episódio foi produzido como um especial de
Natal para a TV, exibido justamente no dia 16 de
dezembro de 2014. Mais do que um mero exercício
de futurologia, o drama pretende ser uma reflexão
sobre a nossa relação com a tecnologia e com os
limites e contradições de nossa humanidade.

Afinal, essa consciência copiada e sem corpo


pode ser entendida como um ser humano? O que
acontece com o conceito de autenticidade, com a
ideia de ser próprio, quando somos capazes de ob-
jetificar a nós mesmos? A consciência original con-
tinua original após sua duplicação?72 Ao final, toda
a história não parece demonstrar uma incapacidade
deste eu original em relacionar-se com outros seres
humanos em ambiente não controlado? Em certo

72  Poderíamos dizer que essa consciência, em termos societários ou co-


letivos, se chama atualmente Google? A esse respeito, Paula Sibilia (2018, p.
229) afirma que “o buscador mais usado da internet constitui não apenas
uma sorte de oráculo que tudo sabe, mas também uma instância legítima
– ou, pelo menos, assim legitimada, [...] – para administrar as referências
pessoais de seus milhões de usuários de todo o planeta”. Assim, continua a
autora (p. 230): “a verdade tem deixado de emanar do interior de cada um,

203
momento o programador parece sugerir que a dife-
rença entre as duas versões não seria o fato de uma
delas não possuir um corpo, mas sim que uma delas
é capaz de pagar pelo serviço, possui as prerrogativas
legais para isso. A verdadeira cópia parece ser verda-
deira apenas porque é capaz de pagar pela autentica-
ção. Usufruir dos prazeres de ter um corpo, de auto-
nomia, torna-se um privilégio, que se pode imaginar
muitas outras pessoas ou entidades estariam privadas.

A estranha familiaridade que a situação às vezes


evoca, como quando o programador aperta a tecla
mute durante um ataque verbal de sua oponente ad-
vém de nossa crescente familiaridade com formas
virtualmente mediadas de comunicação. Assim
quando nos surpreendemos ao tentar avançar um
vídeo de uma transmissão ao vivo e ficamos extre-
mamente frustrados ao perceber que o futuro para
o qual queremos avançar ainda não existe, não está
disponível em nosso presente. As longas sessões
do parlamento brasileiro e/ou do Supremo Tri-
bunal Federal transmitidas ao vivo, em momentos
de grande comoção nacional, que recentemente se
tornaram comuns, certamente têm sido uma fonte
inesgotável desse gesto, em geral quando assistidas
através de meios como o tablet, o computador ou o
celular. Menos presos à lógica da TV aberta tradi-
cional, substituída por serviços de streaming como
Netflix, Spotfy, Google Play, Itunes, dentre outros,

como costumávamos pensar até pouco tempo atrás. Agora ela brota do
olhar alheio. Esse trânsito de um modo moderno de entender a memória,
para uma forma contemporânea e ainda em coagulação, parece se confir-
mar cada vez com mais força, inclusive no que se refere a algo fundamental:
quem se é, quem se tem sido e quem se poderia chegar a ser”.

204
automatizamos o controle sobre o que estamos
vendo, tornando a experiência do tempo real do ao
vivo fonte de ansiedade. É uma modalidade desse
mesmo sentimento que parece ser o tema central do
episódio, como viver o mundo real, o mundo his-
tórico, quando ele tão insistentemente parece fugir
ao nosso controle, nossa capacidade de manipular o
tempo, o espaço e as consciências. Mas certamen-
te esse não é um desejo ou uma prática nova, vale
lembrar as reações sociais à engenharia moderna do
tempo, tão bem ilustrada por Walter Benjamin, ao
analisar o vandalismo contra relógios públicos nas
ondas revolucionárias dos séculos XIX.

Por outro lado, viver em um mundo comple-


tamente virtual pode significar um deslocamento
qualitativo nessa tendência humana à formalização
do tempo. O que o episódio nos convida a pensar
é em que medida estamos sendo constantemen-
te manipulados pelos nossos próprios desejos. A
apropriação completa do tempo que a experiência
atualista promete, tornando-o disponível à total ma-
nipulação, é o mesmo gesto que torna um privilégio
o tempo próprio, o tempo histórico no sentido de
uma apropriação decidida fundada na compreensão
e na disposição afetiva. Escasso, e por isso valioso,
o tempo próprio parece ser alcançado apenas pela
total alienação do outro, mesmo quando parece ser
um luxo ter alguém automaticamente decidindo por
você. A experiência parece um privilégio em um
mundo em que certo esteticismo promete uma to-
tal coincidência entre o pessoal e o real. Mas essa
bolha de conforto é apenas o outro lado do mesmo
espelho que nas suas faces toda negra ou toda bran-

205
ca são equivalentes. Alienada de si mesma, em suas
duas metades, as consciências tornam-se escravas
uma da outra: atriz e telespectadora de si mesma em
uma realidade tão perfeita como a ficção. Ao fim, a
vida real torna-se uma espécie de show altamente
viciante para a sua cópia, que mantém a rotina da
original sob controle, espontaneamente programa-
da como o roteiro de um reality show.

De modo paradoxal, a duplicação do ego é uma


resposta para nosso medo profundo da solidão e, ao
mesmo tempo, nossa insatisfação nas relações com
as pessoas reais que resistem às nossas expectati-
vas. Essa consciência duplicada nunca está sozinha,
mas também nunca está verdadeiramente em rela-
ção com uma realidade da qual possa sentir falta.
O atualismo produz a sensação de que tudo que
importa está ou estará disponível e presente. Como
muito bem caracterizou Michael Harris, toda uma
geração de migrantes digitais presencia e documen-
ta, no curto espaço de uma vida, a transição tecno-
lógica mais veloz e profunda de que temos notícia.
Para essa geração, algo parece ter se perdido nes-
se caminho, algo que os nativos digitais são incapaz
de sentir falta: “Que sentimento é esse de uma per-
da misteriosa que nos atinge a cada passo que damos
nesse caminho? Continuo voltando para a perda de
uma falta, o fim da ausência.” (HAFNER 2016, p. 63).
Ou ainda, “Em nossa corrida para as promessas do
Google e do Facebook - para as promessas da redu-
ção da ignorância e da solidão - sentimos que esta-
mos rumando para uma vida melhor. Esquecemos
a miríade de acomodações que fazemos ao longo do
caminho” (Idem, p. 71).

206
A solidão surge em White Christmas apenas como
uma forma extrema de tortura, no espaço virtual neu-
tro e homogêneo em que a consciência é aprisionada
não há tempo em sentido próprio, por isso ela parece
incapaz de se perder em devaneios reflexivos, não há
qualquer indício de que tenha aproveitado esse tempo
para a autorreflexão. Esse tempo manipulado, que é
extremante veloz no mundo externo, e extremamente
lento no mundo virtual (mas que poderia ser também
o contrário, caso o programador asssim o desejasse),
não permite o tipo de suspensão da cotidianidade que
Heidegger associa ao estado de angústia, que também
é uma confrontação com o vazio, mas ao final da qual
podemos decidir e assumir o mundo como nosso po-
der-ser. Incapaz de estar só, pois naturalizou o mun-
do como algo essencialmente externo a si mesma, essa
pura consciência vê na ausência e na solidão (ou so-
litude) apenas ansiedade (Cf., também, entre outros,
FERRARIS 2011; TURKLE 2011; SIBILIA 2016;
DUNKER 2017). De todo modo, a história cen-
tral do episódio White Christmas trata exatamente do
drama de ser colocado em um restricted status housing,
eufemismo pelo qual as prisões nos Estados Unidos
definem a tortura da solitária.

4.4. Cela analógico-digital: isola-


mento, exibição e envelhecimento
Uma geração mais velha do que a dos migrantes
digitais parece viver hoje, ao menos nos países cen-
trais do capitalismo, os efeitos do desengajamento
com as relações comunitárias não digitais. Na ma-
téria “pesquisadores enfrentam uma epidemia de
solidão”, a jornalista Katie Hafner traça um quadro

207
sombrio. Um número crescente de pessoas com
idade acima de 60 anos que terminam por morar
sozinhas sentem-se cada vez mais solitárias. Sabe-
mos que estar sozinho e sentir-se solitário são coisas
bastante distintas, é possível um ‘solitário andar por
entre as gentes’ ou engajar-se em profundas rela-
ções estando sozinho. Em geral a pena que o ‘viver
sozinho’ provoca em nossa sociedade ignora a so-
ciabilidade potencial do estar só. No mundo digital,
estamos cada vez menos sozinhos, mas nem por isso
menos solitários. Tanto nos Estados Unidos quanto
na Grã-Bretanha, as taxas de solidão, ou seja, dos que
afirmam sofrer com a solidão entre pessoas acima de
60 anos, variam de 10% a 46%, o que tem motivado,
em especial no contexto britânico, uma preocupação
crescente com iniciativas públicas e privadas que vi-
sam enfrentar essa realidade. Hafner cita uma pesqui-
sa conduzida pela professora e geriatra Carla Peris-
sinotto, da Universidade da Califórnia, com pessoas
acima de 60 anos em que 43% relatam sofrimento
com a solidão (HAFNER 2016).

Em uma sociedade em que o valor pessoal passa


pela capacidade de inovar ou, ao menos, manter-se
atualizado com o fluxo contínuo de inovações, as
funções tradicionalmente associadas ao envelhecer
parecem perder sentido. A atomização e a perso-
nalização que as novas tecnologias sociais nos pro-
metem dependem de nossa capacidade de contínua
inscrição, como se ao nosso eu real devesse cor-
responder um eu virtual em contínuo broadcasting.
A vontade de se exibir parece se encaixar perfeita-
mente na vontade de ver, na curiosidade ilimitada
pelos aspectos mais banais da vida cotidiana, como

208
provam o sucesso de serviços como o Periscope, que
permite a qualquer usuário transformar momentos
de sua rotina em streamings de vídeo ao vivo e que
tem como lema a frase: “veja o mundo através dos
olhos de outra pessoa”. Esse desejo de uma empatia
total parece marcar as utopias e distopias do tempo
digital atualista.73

Em 2016, após um ano de seu lançamento, o ser-


viço comemorou 200 milhões de broadcastings e,
diariamente, são assistidos 110 anos de vídeo ao vivo
(Team Periscope 2016). Na singela apresentação em
seu site, o serviço revela grandes ambições: “E se
você pudesse enxergar pelos olhos de um participan-
te dos protestos na Ucrânia? Ou assistir ao nascer do
sol a bordo de um balão de ar quente na Capadócia?
Pode parecer maluquice, mas nós queríamos criar
algo que fosse quase como teletransporte”. 

Essa nova ansiedade pela fama foi bem registrada


por uma recente pesquisa britânica que comparou as
aspirações de crianças dos dias de hoje com as de uma
geração no passado. Por volta de 1990, as carreiras
mais citadas eram o magistério, banqueiro-bancário e a
medicina. Hoje, as três profissões mais ambicionadas
pelas crianças no Reino Unido são esportista, cantor
pop e ator (This is not ADVERTISING 2012).

Esse est percipi, ser é perceber e ser percebido.


A antiga máxima do filósofo irlandês George
Berkeley (1685-1753) assume contornos inespera-
dos em nossa condição atualista. Constantemente

73  Sobre a relação entre imaginação histórica e distopia, ver, em es-


pecial, Bentivoglio (2017).

209
reproduzidos pelas diversas mídias sociais, assim
como a obra de arte descrita por Walter Benjamin,
nosso valor de face depende cada vez menos de
qualquer tipo de aura ou culto da autenticidade e
mais de nosso sucesso em nos reproduzir em múl-
tiplas cópias cujo original já não é tão fácil dis-
cernir. A relação entre a consciência original e sua
cópia parece ser, na verdade, a relação entre dife-
rentes modalidades de reprodução. No limite, são
os diversos serviços e aplicativos que ‘autenticam’ e
diferenciam o original da cópia, desde que se continue
a pagar por eles, em dinheiro ou dados pessoais que
constantemente deixamos que sejam armazenados.
Cada vez mais pessoais e sedentos por serviços per-
sonalizados que se retroalimentam de uma autoe-
xibição contínua, nós nos sentimos únicos, diferen-
ciados, no sentido de sermos diferentes e melhores,
definitivamente afastados de algo como um outro
semelhante. Sempre diferenciadas, mas não diver-
sas, as mídias sociais alimentam-se de nossa solidão
e, ao mesmo tempo, nos tornam incapazes daquele
estar sozinho meditativo.

A tendência à subjetivização é um dos tra-


ços mais consensuais da modernidade, que sem-
pre contou com formas de subversão e crítica.
O turista/viajante que visita hoje, por exemplo,
o Museu Van Gogh, pode certamente experi-
mentar como o pintor aprofundou e subverteu
a representação do próprio eu, que tinha e tem
na pintura de retratos flamenga um dos grandes
pilares da afirmação da subjetividade moderna.
Ao mesmo tempo, como não pensar, dentro de
nossa perspectiva, no contraste entre a densida-

210
de e complexidade dos autorretratos no interior
do museu Van Gogh ou mesmo da arte flamenga
reunida no outro lado da praça no Museu Rijk e a
multidão que freneticamente se autofotografa em
interações diversas com o enorme letreiro insta-
lado no gramado com a nova marca da cidade “I
Amsterdam”.74 A esse respeito, Byung-Chul Han
(2013), em sua crítica radical afirma: “o ‘rosto hu-
mano’ com seu valor cultural faz tempo que de-
sapareceu da fotografia. A época do Facebook e
Photoshop transforma o ‘rosto humano’ em uma
face que se dissolve por inteiro em seu valor de
exposição. [...]. Na sociedade exposta, cada sujei-
to é seu próprio objeto de publicidade. Tudo se
mede por seu valor de exposição. A sociedade ex-
posta é pornográfica. Tudo está direcionado para
fora, descoberto, despojado, desvestido e expos-
to” (p. 27 e 29).

Explorar as tensões e novas complexidades nas


encenações da subjetividade e do tempo é uma ta-
refa fundamental, já que a cultura do eu encontra
hoje mídias cada vez mais poderosas nas quais e as
quais (se) alimenta.

Em artigo em que anuncia iniciativa do governo


dos Estados Unidos para reduzir e regular o uso abu-
sivo do isolamento em seus presídios, Barack Obama
reagia a um longo debate nacional que denunciava o
fato de que cerca de 100 mil pessoas estavam na-
quele momento sendo mantidas em celas solitárias;

74 https://thisisnotadvertising.wordpress.com/2012/11/05/i-
-amsterdam-the-campaign-to-re-brand-amsterdam/, acesso em
25/09/2018.

211
algumas delas, em torno de 25 mil, por períodos
que podiam se estender por anos de confinamento
(BARACK OBAMA 2016). A jornalista Erica Goode
produziu uma série de reportagens influentes em que
descreveu o estado dos prisioneiros e a banalização
da prática, que se expande entre as décadas de 1980 e
1990, mas cujos fundamentos, como bem lembra,
remonta ao imaginário vitoriano que acreditava que
a autorreflexão propiciada pela solidão teria efeitos
educativos sobre o prisioneiro (TAWILE 2016). Al-
guns especialistas que estudam os efeitos sobre os
presos de longos períodos de confinamento solitá-
rio costumam relacionar seus sintomas com a expe-
riência de uma morte social.

O nosso atual estado social, com muitos amigos


e nenhum amigo, explica talvez o sucesso da figu-
ra do zumbi (um quase-vivo ou quase-morto) na
cultura pop contemporânea, nunca sozinhos, con-
tinuamos a sofrer de solidão e seus efeitos, sempre
divididos entre as vidas digital e não digital, nem
sempre é fácil migrar de um ambiente a outro.75 O
uso das redes sociais pode ter um papel positivo em
nossa capacidade de fortalecer nossos laços sociais,
mas também tem servido de estratégia que apenas
compensa os efeitos da solidão, tornando-nos me-
nos capazes de cuidar com o outro fora das bolhas

75  O exibicionismo, voyeurismo e a busca pela fama encontra, segun-


do Paula Sibilia (2010, p. 55), “terreno fértil numa sociedade atomizada
por um individualismo com arestas narcisistas, que precisa ver sua bela
imagem refletida no olhar alheio para ser. A solidão, nesse quadro, lon-
ge de ter sido exterminada, converte-se num problema difícil de ser
resolvido: cada vez mais rara por ser cada vez mais intolerável, promove
sucedâneos como a necessidade de conexão permanente e a ilusão de se
ter ‘um milhão de amigos’ nas miragens das redes sociais.”

212
de conforto digital. O sentimento crescente de so-
lidão é compensado pela ampliação de nossas pos-
sibilidades de conexão, da qual somos cada vez
mais dependentes. Se, para Heidegger, a atividade
humana mais definidora é o cuidar com outros se-
res humanos, sentir-se cuidando e cuidado é fun-
damental, as redes prometem nos entregar essa
sensação sem os compromissos e os problemas do
mundo real. Como no Periscope, ver com os olhos
dos outros e depois desconectar gera um fenôme-
no dos relacionamentos digitais chamado ghosting,
já amplamente documentado (TAWILE 2016).76
Mas, como aponta Rodrigo Turin em sua leitura de
uma das versões deste texto, é preciso compreen-
der melhor a emergência de novas e intensas for-
mas de solidariedade política e laços sociais que,
por exemplo, as novas gerações experimentam
por meio de ocupações e coletivos, onde a solidão
pode ser relativizada e questionada por meio de
um trânsito positivo entre o virtual e o real.

76  A prática do ghosting aponta para importantes transformações. A


esse respeito Sibilia (2018, p. 221 e 222) aponta que: “quando se opera
segundo a lógica informática, se ninguém lembrar que algo aconteceu
– inclusive consigo mesmo – porque esse dado foi eliminado tecni-
camente, então, pode-se agir como se isso nunca tivesse ocorrido. É
comparável ao que acontece quando se recorre ao bisturi para modelar
o próprio aspecto físico, por exemplo, ou quando se pratica o ghosting
bloqueando alguém de todas as redes de comunicação para finalizar
assim um relacionamento sem ter que dar explicações enfadonhas. [...]
o que somos perde a sólida consistência que costumava ostentar, para
se tornar algo bem mais flexível e reprogramável ao gosto de cada um.
[...] já não se guarda quase nada para sempre, nem na interioridade im-
palpável da alma, nem na privacidade da casa”.

213
LOADING: SUAS DEFINIÇÕES ES-
TÃO DESATUALIZADAS
“Mas o que parece certo, é que nos dois casos a desle-
gitimação e a prevalência do critério do desempenho soam
como a hora final da era do Professor [...]”
(LYOTARD 1979, p. 95).

Ao que parece, sobreviver, resistir e positivar ao


atualismo implica em produzir desatualizações, mais
do que, ainda que também seja importante, desace-
lerar. Nessa direção, Lyotard, em seu ensaio de 1979,
afirmava que o papel do ensino e da Universidade
estavam se transformando. Como as estruturas da
sociedade pós-industrial tornavam obsoletas a bus-
ca por legitimação, a justificação da universidade
por algum tipo de bildung ou formação de sabedoria
entraria necessariamente em colapso, afetando, em
particular, o campo das humanidades. Não se trata-
va mais de formar elites para guiar a nação, mas de
fornecer o sistema de jogadores, isto é, narradores
capazes de atualizar os relatos e rotinas do sistema
(LYOTARD 2009, p. 89). A resposta é de adaptação,
não de lamento. Caberia à universidade oferecer um
saber em fluxo, um ensino continuado em busca da
melhoria das performances no interior do sistema, e
não mais a transmissão de blocos de saberes: “[...] e
enquanto o professor tradicional é assimilável a uma
memória, a didática pode ser confiada a máquinas
articulando as memórias clássicas (bibliotecas, etc)
[...]” (LYOTARD 2009, p. 92). O que considerava
como o destino possível para além da função tradi-
cional da memória e do processamento seria uma
didática cuja importância estaria na “[...] capacidade
de atualizar os dados pertinentes para o problema
a resolver ‘aqui e agora’ e de ordená-los numa es-

217
tratégia eficiente” (LYOTARD 2009, p. 93). O que
sustenta o otimismo de Lyotard era poder ainda imagi-
nar que o automatismo informacional seria incapaz de
rotinizar o aqui e agora da atualização.

Nossa aposta, neste livro, foi de que alguns


fragmentos da temporalização moderna e contem-
porânea podem ser abordados em torno da cate-
goria updatismo/atualismo. Essa aposta teve como
fundamento a percepção de que uma das saídas
para a crise das humanidades passa por um retorno
reflexivo, crítico e criativo a nossa possibilidade de
teorizar e desenvolver novos conceitos.

Nesse ponto, concordamos com a análise de


Rosi Bradotti (2015) em sua crítica ao neo-empi-
rismo nas ciências humanas e ao anti-intelectua-
lismo estimulado pelo neoliberalismo: “Éste es un
duro golpe sobre todo para las ciencias humanas,
en cuanto penaliza la sutileza del análisis, llamada
a prestar indebida fidelidad al sentido común – la
tiranía de la opinión – y al beneficio económico – la
banalidad del interés individual. En este contexto, la
teoría ha perdido valor y a menudo ha sido desacre-
ditada como una especie de fantasía o de narcisista
autocomplacencia” (p. 15).

A partir de uma intuição e interpretação do capí-


tulo “Temporalidade e cotidianidade” de Ser e Tem-
po, procuramos construir a hipótese de que certos
aspectos do tempo presente apontados por alguns
autores como sintomas de uma mutação histórica
da experiência podem ser derivados das descrições
de Heidegger da temporalidade da abertura (Ers-
chlossenheit), em particular da dimensão inautêntica

218
ou imprópria. Como para Heidegger essas formas
da experiência são ontológicas, foi preciso pensar
sobre o significado de seu relativo ocultamento nas
descrições do “tempo moderno” e sua hipertrofia
nas descrições da reivindicada novidade de nosso
cronótopo ou regime de historicidade.

Nossa tentativa foi fundamentada, também, em


reflexões que procuram relativizar uma visão homo-
gênea das historicidades modernas. Durante toda a
sua existência, a temporalidade identificado como
moderna foi desafiada por outras historicidades,
mais lentas, mais rápidas, com outros ritmos, ou-
tras sucessões de eventos e outras narrativas (JOR-
DHEIM 2014, BRITO 2014). Assim, o que chama-
mos de atualismo herda parte de seu vocabulário
analítico de diversas tradições de pensamento que se
posicionaram de modo cético e crítico ao processo
de modernização. Tentamos demonstrar essa relação
em nossa releitura de Chateaubriand, mas é evidente
que, de modo distinto esses mesmos temas vão rea-
parecer em autores mais recentes. O desafio é não se
deixar levar por uma espécie de fatalismo, algumas
vezes cínico, e com isso obscurecer as possibilidades
emancipatórias dessas transformações.

Ainda assim, depois de assistir uma série como


Billions,79 onde os super-ricos – os novos Tio Pa-
tinhas – atualizam suas fortunas no jogo do capi-
talismo financeiro e especulativo de forma blasé e
amoral, é impossível não concordar que os bilioná-
rios renunciaram à ideia de um mundo comum (LA-

79  Cf. https://en.wikipedia.org/wiki/Billions_(TV_series).

219
TOUR 2017). A diferença parece mínima entre um
dos personagens principais, o especulador “Bobby”
Axelrod, e nosso personagem real Joesley Batista.
Dentro dessa perspectiva é preciso considerar que
a política é por definição ecológica, sendo assim o
meio ambiente não é algo exterior. Pensar em um
mundo capaz de explorar positivamente, ou mesmo
pelo avesso, as mesmas forças estruturantes que pro-
duzem o mundo atual, necessita levar essas dimen-
sões em consideração.

Acreditamos que um dos problemas da reflexão


sobre o presentismo ou o presente amplo é não es-
tar suficientemente atenta a essas diferentes formas
de presente, em especial para o fato de que qual-
quer presente conterá em si formas específicas de
passado e futuro. Para avançar na caracterização
dos impasses nas descrições de nossa historicidade,
acreditamos ter argumentado e demonstrado que o
conceito de atualização e a hispótese atualista nos
ajudam a pensar uma forma do presente que enfati-
za as temporalizações impróprias, as quais, embora
sempre ativas em outros momentos históricos, vão
se tornando predominantes não apenas na cotidia-
nidade, como mostra a descrição fenomenológica
heidegeriana, mas se oferecem como umas das for-
mas hegemônicas de temporalização na era digital.

Por hora, esperamos ter demonstrado que nosso


presente não precisa ser pensado apenas como pre-
sente alargado, ou como um presente sem futuro,
mas como uma forma de temporalização assentada
em um modo específico do presente articular futuro
e passado que estamos chamando provisoriamente
de atualismo. Assim, acreditamos que deveríamos

220
pensar em nossa situação contemporânea não por
uma afirmação negativa, como sem futuro, com
futuro fechado ou, ainda, de um futuro presentista
(e mesmo de um passado presentista visto apenas a
partir de um presente estendido), mas com um tipo
particular de futuro. O passado e o futuro atualista
não são consumidos apenas em função de um pre-
sente estendido. Esse modo específico de articulação
das dimensões temporais encontram, como mostra-
mos, na temporalidade da decadência, um parentes-
co evidente e nos ajuda a entender o paradoxo de
um presente ao mesmo tempo cheio de novidades
e quase sempre vazio de eventos. Por mais que as
novidades se apresentem, seja mesmo vindas do pas-
sado ou do futuro, elas não são capazes de refazer
vínculos conjunturais e estruturais, pois ‘nossa atua-
lidade’ se atualiza (quase) exclusivamente em função
da própria atualidade. O que esse movimento pode
trazer de novo ao argumento presentista é esclarecer
que não se trata substancialmente de uma amplia-
ção (ou encurtamento) do presente, mas mesmo da
ampliação de referências ao passado e futuro, porém
em modo atualista. Nesse sentido, o aprofundamen-
to da democracia (e da cidadania), por exemplo, pode
esperar, pois o importante como destaca a epígrafe
da introdução é a atualização por ela mesma. Assim,
podemos entender como a moda ou nostalgia da his-
tória e das coisas históricas ou mesmo do passado
pode ser contemporânea da experiência atualista do
tempo. Ou de uma sociedade que teria um futuro
fechado ser, ao mesmo tempo, viciada em novidades
e ávida pela mais nova série do Netflix.

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Este livro foi composto na tipografia
Garamond, em corpo 08 pt e
impresso em papel Off-set, 75g.

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