Copyright © SBTHH
Ficha catalográfica
ISBN: 978-85-69703-02-0
CDD
901 - Teoria e filosofia da história
981 - História do Brasil
CDU
930.1 Teoria e filosofia da história
Direitos reservados à
Editora SBTHH
Rua do Seminário, S/N, Centro
CEP: 35420-000 - Mariana - MG
Telefone: (31) 3557-9400
sbthh@yahoo.com.br
www.sbthh.org.br
Membros
Carlos Fico (UFRJ)
Cássio Fernandes (Unifesp)
Durval Muniz de Albuquerque Júnior (UFRN)
Hasn-Ulrich Gumbrecht (Stanford University)
João Paulo G. Pimenta (USP)
Luiz Costa Lima (Puc-Rio)
Marcelo Ganthus Jasmin (Puc-Rio)
Marcia Barbosa M. D’Alessio (Unifesp)
Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)
AGRADECIMENTOS 11
PREFÁCIO: ENSAIO SOBRE OS POTENCIAIS
(IN)ATUAIS DO PENSAMENTO E DO TEMPO 17
INTRODUÇÃO: A EMERGÊNCIA DA PALAVRA
UPDATE/ATUALIZAÇÃO 27
CAPÍTULO I - ATUALISMO E TEORIA 47
1.1. A temporalidade na Condição Pós-moderna:
Jean-François Lyotard 49
Queridos amigos,
Bom dia!
2 VALÉRY, Paul. Regards sur le monde actuel et autres essais. Paris: Gal-
limard, 1998.
History that all our stories – the ones we live and
the ones we write – will eventually be outmoded, up-
dated, and rewritten, and different versions take their
place?”3 Atualismo 1.0 demonstra como essa engrena-
gem atualista deixa de ser um mero epifenômeno do
método histórico, ultrapassando a exigência confes-
sional da historiografia em se renovar, ao inaugurar
uma abordagem rigorosa do conceito, concomitan-
temente contínua e descontínua, simultânea e não-si-
multânea, e não alheia à experiência cotidiana.
Forte Abraço,
Do Temístocles
29
cias se multiplicam e o uso associado à cultura do
computador começa a definir melhor o seu campo
semântico. Em um prospecto do Defense Techni-
cal Information Center de 1967, um software de
nome update prometia ser “[...] uma solução provi-
sória para o problema básico que todo o sistema
de dados enfrenta em um ambiente em tempo real:
perda total de todos os dados não processados du-
rante os modos de recuperação de diagnóstico in-
duzidos por erro” (CAMERON and C. 1967). Em
outras palavras, qualquer dado imputado ao siste-
ma tornava-se simultaneamente “atual”, registrado
e armazenado no mesmo tempo de sua execução.
Assim, já em 1967 podemos ter uma rápida ideia de
uma das utopias atualista, um tempo em que não
haveria distância entre a ação e sua integração a um
sistema sempre atual, sempre em estado presente,
significando que as ações que seriam passadas con-
tinuariam disponíveis sem que fosse preciso decidir
sobre sua relevância. Portanto, quando tudo pode
ser guardado e recuperado em tempo real, os meca-
nismo clássicos de memória e esquecimento podem
se tornar obsoletos ou automatizados?
30
efeito de nossa investigação percebemos que a pala-
vra atualização vai ampliando seu campo semântico,
em especial a partir da década de 1960. Os dicioná-
rios anunciavam, em suas novas edições, que estavam
revistos e aumentados e, no tocante a esse termo,
abandonam a ideia de crescimento para anunciar a
atualização. No Dicionário da Língua Portuguesa Cal-
das Aulete, desde os anos 1950 a palavra atualizar já
guardava alguma relação de sinonímia com moder-
nizar. A partir das décadas de 1960-1970 o adjetivo
atualizado é dicionarizado e designa estar a par, co-
nectado, com o que acontece no momento presente.
31
mais antigos, já usados para caracterizar a melhoria
ou dinâmica positiva em certo estado, como “pro-
gresso” e “melhoria”. A curva ascendente de update
parece acompanhar a nova realidade do universo do
computador,9 como podemos ver no incremento de
palavras como “web”, “virtual” e “digital”.
32
33
Gráfico 1: Frequência dos vocábulos digital, web, virtual e update
Fonte: Google Ngram, acesso em 19 jul. 2018.
Vemos também no gráfico a seguir que a fre-
quência de atualização aumenta, na medida em que
decresce a de alguns conceitos clássico-modernos
como “progresso” e “revolução”:
34
35
Gráfico 2: Frequência dos vocábulos progress, revolution e update
Fonte: Google Ngram, acesso em 03 jul. 2018.
A expressão updatism, que propomos como cate-
goria para definir certos aspectos da temporalidade
contemporânea, é encontrada em poucos sites da
internet e é mais utilizada por usuários em fóruns
acerca de games, funfictions, vlogs ou blogs, como uma
espécie de marca para postagens com a função prin-
cipal de atualizar um tópico. Surge como uma va-
riação espontânea e marginal de update, traduzindo
a dificuldade de tornar atual o “tempo real” da ex-
periência nesses ambientes digitais, uma vez que o
desejo ou a necessidade do atual ameaça aprisionar
o usuário no fluxo das novidades mais recentes. No
limite, não haveria diferença entre o tempo vivido e
sua atualização e exibição.
36
A busca no Google que sustentou tal análise
foi feita no primeiro semestre de 2016; a apre-
sentada na imagem anterior, em junho de 2018,
quando escrevemos este parágrafo. Outras en-
tradas e usos podem ser encontrados, talvez in-
dicando uma tendência à ampliação dos usos do
neologismo. Como no exemplo a seguir, retirado
de uma postagem no Twitter:
37
getry, também trazida na abonação.10 O atual como o
último, o mais recente e, por isso, melhor.
10 The American Heritage Dictionary of the English Language, Fifth Edition.
Houghton Mifflin Harcourt Publishing Company. 2018.
38
é decidido por hierarquias de classe, de geopolítica,
raça, de gênero, etc. Entregar-se ao automatismo do
gadget, aceitar suas atualizações automáticas vendidas
não mais como produto, mas como serviço, parece ser
uma condição incontornável do poder-ser atual.
39
sempre adiado ou obsoleto. Um aspecto positivo é a
flexibilização das identidades, que nos ajuda a pensar
fenômenos como o uso de avatares, a vida nos fóruns
de ficção de fãs (Fanfics),11 o entregar-se ao fluxo
ininterrupto das variedades. Pertencer ao seu tempo
pode exigir estar conectado 24 horas por dia/7 dias
por semana a um canal de notícias em fluxo ou fazer
parte da história nas reações em tempo real aos gran-
des acontecimentos pelas redes sociais. Enquanto isso,
nos tornamos servos voluntários e/ou involuntários
das grandes empresas da internet, ao usarmos e aces-
sarmos serviços aparentemente gratuítos e, ao mesmo
tempo, em que trabalhadores-assalariados lutam pelo
direito e/ou dever à desconexão (Cf. RIBEIRO 2018;
CARDOSO 2016; FUCHS–ERAN 2012).
40
41
Gráfico 3: Frequência da palavra actualización
Fonte: Google Ngram, acesso em 22 jun. 2018.
Embora o recurso do Google Ngram ainda não
esteja disponível para a língua portuguesa, essa au-
sência pode ser pacialmente subtituída por uma pes-
quisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do
Rio de Janeiro. Nessa base, estão reunidos centenas de
jornais e outras publicações seriadas que circularam no
Brasil entre os séculos XIX e XX. A comparação da
evolução dos vocábulos progresso, atualização, atua-
lizar e modernizar é mostrada no gráfico12, a seguir,
elaborado a partir dessa hemeroteca.
42
43
Gráfico 4: Evolução dos vocábulos na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional -RJ
Assim como na base do Ngram, podemos
identificar fenômenos análogos, o crescimento do
campo semântico em torno da palavra atualização
e a perda de energia de palavras como progresso em
proporção semelhante, podendo indicar alguma
relação competitiva entre os dois campos. O fu-
turismo das primeiras decadas do pós-guerra, tão
afeito à ideia de um progresso otimista, parece ce-
der bastante espaço para o ideal de um presente-
centrado atualista.
44
te entre conceito e experiência (Cf., entre outros,
KOSELLECK 2006, ARAUJO 2008, BENTIVO-
GLIO 2010). Dado o caráter exploratório e inicial
de nossa investigação, pretendemos manter uma
postura teórica e metodológica aberta ao diálogo
entre teoria e empiria. Nessa direção, considera-
remos, a partir da tradição já estabelecida em his-
tória intelectual (Cf., e. g., PALTI 1998; AVELAR;
FARIA; PEREIRA 2012), a emergência da pala-
vra update como um acontecimento, o que signi-
fica considerá-la em seu momento de enunciação
como estrutura suficiente e reveladora das reali-
zações discursivas. Como testemunho histórico,
essa palavra nos oferece um acesso privilegiado às
formas pelas quais determinados aspectos da vida
social atual experimenta, concebe e prefigura a rea-
lidade. Tal compreensão implica analisar os enun-
ciados para capturar diversas camadas de um texto
e discurso, seus usos e apropriações (Cf., também,
CERTEAU 2008). A compreensão do sentido de
um enunciado não se foca apenas em o que se disse
(conteúdo semântico dos enunciados, mas, em es-
pecial: “quem disse”, “como disse”, “onde disse”,
“a quem disse”, “em que circunstâncias disse”.
45
dade metodológica. O princípio de variação (Cf.
REVEL, 1998; 2010) nos abre possibilidades de
articular dinamicamente: atualismo e teoria (ca-
pítulo 1); atualismo e historicismo (capítulo 2); e
atualismo e atualidade (capítulos 3 e 4). Nossos
fragmentos partem de lógicas de interações em
que diferentes objetos se constituem em relação a
outros. A escolha das escalas, construção de con-
textos ou historicização de disputas, de categorias,
conceitos e fatos nos convida a um ir e vir entre
fenômenos e reflexão. Tal desafio é induzido tanto
por nós, quanto pelos fenômenos (Cf. WERNER;
ZIMMERMANN, 2003). Essas e outras perspecti-
vas em história da historiografia, teoria da história e
história intelectual foram fundamentais para descre-
ver, conceituar e interpretar nosso tempo histórico.
46
CAPÍTULO I: ATUALISMO E TEO-
RIA
1.1. A temporalidade na Condição Pós-
moderna: Jean François Lyotard
Embora no seu famoso livro de 1979, A Condição
Pós-moderna, Lyotard não aborde de modo direto o
problema da temporalidade, eu livro é ainda central
para este debate por dois motivos: seu impacto na
geração dos pensadores que irão enfrentar o tema
nas décadas seguintes (SIM 2001; MALPAS 2003;
MARQUES 2017) e as pistas que nos dá, no seu
preciso diagnóstico, dos efeitos da guinada pós-in-
dustrial.
49
embora aponte diversos outros fenômenos sociais
correlatos que hoje se apresentam como que natu-
ralizados em nosso cotidiano.
50
pós-humano (Cf., e. g., BERRY 2011, p. 40; BRAI-
DOTTI 2015, p. 150; ). Claro que a revolução dig-
ital significou a criação de outros heróis-experts, os
programadores, mas mesmo eles não escaparam da
ameaça do obsoleto, já que “[...] não foi apenas a in-
trodução da programação automática que inspirou
as narrativas da perícia masculina sob ataque, mas
também a introdução de - ou, mais propriamente, a
apreciação do - computador (automático)” (CHUN
2011, p. 43). Para Rigney, “num mundo onde as im-
agens e o texto podem ser copiados tão facilmente,
as possibilidades de interatividade aumentaram e as
fronteiras entre produção e recepção, entre o espe-
cialista e o amador, tornam-se muito mais difusas”.
(RIGNEY 2010, p. 111).15 Um visão positiva des-
sas transformações pode ser encontrada em David
Berry, que estudando as políticas e as práticas do
softwear livre, acredita que possam articular “for-
mas produtivas de autoconhecimento e disciplina”,
“modelos descentrados e não-coordenados de cria-
tividade: “Acho que essa nova forma de código-hu-
manismo [code-humanism] é um imaginário polí-
tico necessário que terá enormes consequências”
(BERRY 2008, p. 197).
51
veríamos com os desenvolvimento da Inteligência
Artificial e das Redes Neurais, mesmo que um gran-
de abismo pareça separar essas primeiras e modes-
tas tentativas do que hoje podemos encontrar em
aplicativos como o Google Translator (LEWIS-
-KRAUS 2016). Esse abismo não impede o autor
de antecipar as forças que hoje constituem o nosso
mundo, como a transformação do conhecimento e
da informação no grande produto do capitalismo
contemporâneo, distribuído como um serviço em
fluxo. Pela citação de um estudo de J. M. Treille fica
bem claro que, já em 1979 Lyotard tinha uma visão
precisa do alcance da revolução digital:
52
Uma visão sombria do capitalismo global vai emer-
gindo ao longo desse livro. Em sua leitura de Luhmann,
ficava evidente que a narrativa da emancipação era ape-
nas uma compensação periférica do sistema social em
uma descrição que bem poderia ser tomada como defi-
nição do que estamos chamando de atualismo:
53
Considerando-se em particular o estado da ciência, um
homem não é feito senão do que se diz que ele é ou
que se faz com o que ele é [...] É um mundo no qual os
eventos vividos tornam-se independentes do homem
[...] É um mundo do futuro, o mundo daquilo que
acontece sem que isto afete ninguém, e sem que nin-
guém seja responsável. (Apud LYOTARD 2009, p. 33).
54
Mas é na descrição do saber narrativo que pode-
mos encontrar os elementos para pensar a tempora-
lidade atualista na Condição Pós-Moderna. Para o autor,
o tempo da narrativa é de natureza dupla, organizado
por metro e acento. Enquanto o metro é a divisão re-
gular do fluxo temporal, o acento é o gesto de encur-
tar ou alargar esses espaços produzindo ritmo. Nas
narrativas míticas haveria o predomínio do metro
sobre o acento; neste caso, “[...] o tempo deixa de ser
o suporte da memorização e torna-se uma cadência
imemorial que, na ausência de diferenças observáveis
entre os períodos, impede de enumerá-los e os relega
ao esquecimento” (LYOTARD 2009, p. 40).
55
narrativas tradicionais de legitimação, emancipação e
especulação, fundadas em relatos fortemente acentua-
dos, não seria despropositado pensar que a tempo-
ralidade pós-moderna estaria mais próxima desse
tempo ‘evanescente’. Entretanto, essas conexões
não são desenvolvidas. Em 1979, Lyotard profetiza-
va que os bancos de dados seriam “[...] a ‘natureza’
para o homem pós-moderno” (p. 93); hoje são as
redes sociais como o Facebook, Twitter e o Insta-
gram os ambientes em que acontecem as mutações
dessa nova natureza, a própria imagem de um banco
de dados parece antiga, sendo hoje mais comum fa-
larmos em fluxos e circulação contínua e descentra-
da. Nesses ambientes, o valor do relato parece estar
mais em seu fluxo, uma espécie de melopédia na
qual em vão procuramos acentos definitivos ou em
que a disputa contínua por acento torna-se o metro.
56
responde a esse quadro de crise descrito e antecipa-
do por Lyotard em 1979. Para ambos, o problema
central parece ser como garantir uma sobrevida para
as Humanidades na Condição Pós-moderna. No entanto,
Gumbrecht oscila entre um fraco otimismo com a
perda das grandes narrativas e um pessimismo com a
percepção de que essa perda pode ter sido fruto não
do esgotamento, mas do aprofundamento da cultura
de sentido na era digital. Contra seu próprio desejo
de estabelecer uma ruptura liberadora de nosso tem-
po com a “modernidade”, o relato de Gumbrecht
também abre a possibilidade da interpretação oposta.
Sua descrição do desejo por presentificação como
sintoma do nosso tempo pode ilustrar a agonia das
práticas de presença, mais do que a sua generalização
reativa ou compensatória (GUMBRECHT 2014).18
57
tacaram um suposto fim ou esgotamento da moder-
nidade lamentam a perda de um futuro aberto, da
utopia, do sentido histórico, Gumbrecht vê nesses
mesmos diagnósticos possibilidades ambivalentes
para o aprofundamento de uma cultura do corpo e
da presença, em uma linhagem reflexiva mais próxi-
ma de autores como Lyotard e Luhmann.
58
não explicite o aspecto nostálgico de sua postura, fica
evidente que ela se apresenta em algum grau.20 Essa
imagem de uma espécie de decadência, mesmo que
não aprofundada, é reforçada com alguns exemplos
dos efeitos colaterais do uso do e-mail e das redes so-
ciais que, em 2010, quando da edição original, não
eram tão evidentes.
59
acelerado desenvolvimento tecnológico, no qual se
amplia a disponibilidade de tudo, inclusive de nós mes-
mos para os outros e os processos tecnológicos, Gum-
brecht afirma esperar que alguns objetos e situações
com as quais se acostumou possam continuar a existir
por mais algum tempo. Essa decisão de lutar contra a
obsolescência de certos objetos e hábitos funcionaria
como uma resistência não compensatória à aceleração
tecnológica, pois não se trataria aqui de deslocar o va-
lor desses objetos para o seu aspecto não pragmático,
como na historicização museográfica.
60
permitiu que fossem digitalizadas e enviadas a sua
secretária por e-mail. Era evidente certo desgosto ou
medo de alterar um aspecto de sua rotina de tra-
balho e vida. Lutava para manter funcionando um
objeto que deveria estar no lixo, num museu ou loja
para amantes de objetos vintage.
61
um mundo que não representa o fim da modernidade,
mas seu desenvolvimento mais extremo? Para reto-
marmos seu argumento no texto “Cascatas de Moder-
nidade” (1998), seria como se a quarta e última cascata
não fosse o desfazer das demais, mas o acumular não
progressivo de mais uma onda de modernização22.
Deixamos em aberto, no entanto, se o prolongamento
do analógico não estaria apontando mais um gesto de
resistência do que uma simples compensação.
62
piritual”. Será que podemos concordar com um juízo
tão definitivo? Esse juízo severo não viria, em parte, de
sua própria inabilidade, falta de graça confessada, em
lidar com essas novas mídias? Se a digitalização é uma
extensão da forma propriamente moderna, ela deve
ser capaz de produzir alguma intensidade intelectual,
mesmo que não intensidade de presença. Talvez para
Gumbrecht as palavras intensidade e sentido sejam in-
compatíveis, mas serão mesmo?
63
formulada, em especial, na descrição koseleckiana
(Cf., também, GUMBRECHT 2012).
64
antecipações formaria um “presente” largo e lento.
Mas o próprio autor mantém a questão em aber-
to: “Mas estou plenamente consciente de que esta
é apenas outra revolução das Panteras Grisalhas”.
(L. 1563). A revolução dos “Panteras Grisalhas”
alude ao movimento pelos direitos do envelheci-
mento criado em 1970 pela ativista estadunidense
Margareth Kuhn (Maggie Kuhn). Recusando-se a
aceitar a aposentadoria compulsória aos 65 anos,
Kuhn inicia o movimento que questionou o lugar
do idoso na sociedade, uma luta contra a obsoles-
cência que, de certo modo, pode inverter e alargar o
sentido e a duração do atual. Adiante voltaremos ao
ano de 1970 e suas formas de atualização.24
65
superior, o historicismo produzia a consciência aguda
do presente como o melhor dos tempos, revelador e
realizador do sentido histórico. Quanto à segunda afir-
mação, as simultaneidades atuais parecem ser majorita-
riamente impróprias (cf. seção 1.4) pouco tendo a ver
com o instante e o agora, tematizados por autores como
Benjamin e Heidegger a contrapelo do tempo vazio e
sucessivo do historicismo ou da cotidianidade.
66
consultamos na esperança vã de resolver o problema,
o clima predominante é de desespero, em seu sentido
literal, a perda catastrófica da esperança, a dificuldade de
acreditar que, nos tempos de total disponibilidade, algo
possa simplesmente desaparecer.
25 https://www.oficinadanet.com.br/post/13976-os-riscos-de-nao-
-atualizar-softwares. Acesso em 20/09/2018.
67
68
1.3. Atualismo e Presentismo: o rela-
to de François Hartog
A fixação do olhar sobre o que supostamente se
foi ou desapareceu pode nos impedir de ver as re-
configurações e deslocamentos (ZAWDZKI 2008).
Como pretendemos mostrar, cremos que parece ser
o caso do diagnóstico de François Hartog.
69
no episódio “Hino Nacional”, da série Black Mirror,
em que o Primeiro Ministro britânico é forçado a
fazer sexo ao vivo com uma porca por exigência
dos sequestradores de uma das princesas da famí-
lia real).27 Haveria uma passagem social e histo-
riográfica “da longa duração ao tudo é evento”
(2013, p. 263-266). O presentismo seria o tempo
no qual não há nada além do evento. Para o autor,
por exemplo, a partir do 11 de setembro de 2001 a
administração americana teria decidido fundar um
ponto zero da história mundial. A guerra contra
o terrorismo seria um presente novo e único. O
atentado para Hartog evidenciou a lógica do even-
to contemporâneo: ele se dá a ver enquanto acon-
tece, se historiza e “traz em si mesmo sua própria
comemoração: sob os olhos das câmeras. E, nesse
sentido, ele é absolutamente presentista” (HAR-
TOG 2003, p. 156). Afinal, as câmeras registrando
em tempo real o segundo avião teriam criado as
condições para isso. De forma semelhante, o mes-
mo teria ocorrido em 1968 e 1989, com as Revol-
tas Estudantis e a Queda do Muro de Berlim.
70
Em entrevista de 2015, o autor reflete, ainda que
timidamente, sobre a relação entre informática, crise da
história e nova experiência do tempo. Para ele, a revo-
lução da informática reforça a ruptura: “o tempo real
do mercado é presentista, ele é tanto da ordem do mi-
crossegundo como é contínuo. Toda uma economia do
instante é posta em ação: a financeira, a midiática, a po-
lítica, a social e também a das redes sociais” (HARTOG
2015b, idem, p. 283). Contudo, o historiador francês des-
taca que esse novo regime não é unívoco, haveria várias
camadas de presentismos: “Há o presentismo da circula-
ção, dos fluxos, da aceleração permanente, da desterrito-
rialização, dos mercados e da economia digital” (Ibidem,
p. 284). Nesse contexto, o passado é constantemente
fabricado para o presente, sobretudo por meio de ima-
gens, filmes, séries, jogos e encenações, e a história dis-
ciplina não sabe o que dizer, pois sua autoridade sobre
o passado foi superada.28 A história disciplina apresenta
sérias dificuldades em “apreender o mundo no seu cur-
so atual. O conceito moderno de história é basicamente
futurista e, desde o momento em que o presente se im-
põe como categoria dominante, a história também não
o vê claramente” (HARTOG 2015, p. 286).
71
Hartog destaca que a noção e a “valorização” do
patrimônio devem ser vistas a partir do presente, em
um jogo ambíguo com as temporalidades e ritmos
do mercado, em especial, com a indústria do turismo.
Desde os anos 1960 à fé no progresso se substituiu
a preocupação de preservar. Um dos indícios desse
processo é a mercantilização e museificação instan-
tânea dos restos do Muro de Berlim logo após sua
queda. Em reflexões mais recentes a relação entre
memória e/ou patrimônio com o presentismo foi li-
geiramente complexificada pelo autor, pois o lugar da
memória no mundo contemporâneo pode ser sinto-
ma e possibilidade de cura ao mesmo tempo:
72
e em todo caso, ao mesmo tempo, deve ser colocada
em relação a uma perda, se tomo meu vocabulário, da
evidência da história (HARTOG, 2012a, p. 367).
73
um presentismo pleno ou provisório (par défaut).
Dada a impossibilidade de um retorno passadista
(“onde o passado comanda”) poderíamos pensar
que estamos vivendo apenas uma suspensão, uma
parada, para que o futuro retome o comando? Ou
se trata de uma inédita experiência do tempo? Nessa
direção, Hartog afirma que a atual preferência pela
memória em detrimento da historiografia é coeren-
te com a atual experiência do tempo, em que o pre-
sente ou é abolido no instante ou parece perpétuo.30
74
humana do tempo. Por que e como esta predomi-
nância deverá ter lugar não fica claro em sua argu-
mentação, tendo em vista os fundamentos teóricos
de sua concepção de tempo histórico, centrado em um
uso fragmentário e parcial da descrição koselleckiana
da modernidade. De todo modo, Hartog ressalta que
“regime de historicidade” e “presentismo” não são
realidades, mas categorias analíticas, tipos ideais cons-
truídos pelo historiador, sem sucessões mecânicas
e sem coincidirem com um conceito substantivo de
época. Ocorre que, ao longo do livro de 2003, essas
categorias são utilizadas para além de suas funções
heurísticas, trata-se, em especial, a noção de presen-
tismo, de um juízo, de uma tomada de posição, sobre
a experiência do tempo contemporânea (Cf., também,
DELACROIX 2009). A ideia de procedimento heu-
rístico, por vezes, acaba por justificar a falta de funda-
mentação teórica e empírica de alguns argumentos e
conclusões, ou de uma reflexão mais detida sobre seu
fenômeno de base, as ordens do tempo.
75
foi mais futurista que presentista, ele terminou mais
presentista que futurista” (HARTOG 2003, p. 119).
Mas, em sua defesa, poderia ser observado que esse
tipo de procedimento é moeda corrente em boa par-
te da historiografia ocidental moderna.
76
mos numa era presentista, ou num momento em
que a experiência social do tempo foi espacializada
ou liquidada de qualquer forma”, citando o livro de
Peter Pal Pelbart, O tempo não-reconciliado, denuncia
a paradoxal homogeneização do tempo ainda ine-
rente a esse procedimento: “a imagem do passado
como presente a ser revisitado implica uma opera-
ção que tende a anular a diferença, a pluralidade dos
tempos” (Idem, Ibidem). A irreversibilidade do tempo
que passou não deveria ser tomada como absoluta,
já que “[...] o passado também retorna, seja como
memória, trauma ou repetição, e assim segue ope-
rando na atualidade” (Idem, ibidem).
77
historiador francês escapou da tendência dos “nossos
tempos” de “hipervalorizar o presente observável re-
sultando na supervalorização do presentismo de um
presente que talvez não seja tão distinto assim daquele
criado pela modernidade há algum tempo, e ainda por
ela recriado?” (PIMENTA 2015, p. 404).
78
tempo histórico que pudesse retirar da análise certo
impressionismo que, a todo momento, tende a ex-
plicações ou cadeias causais pouco mediadas, como
se o tempo pudesse ser tomado como uma espécie
de sujeito oculto dos fenômenos, ou, ainda, mais
frequentemente, reduzido a sintoma de eventos e
processos históricos. A temporalidade, em Hartog,
parece figurar algumas vezes como subproduto das
formas nas quais, por exemplo, antigos, modernos e
selvagens são articulados. Por isso, pouco se diz das
condições teórico-metodológicas para sua observa-
ção, algo que, na teoria da Begriffsgeschichte, depende
de uma longa discussão sobre os conceitos históri-
cos e sua dupla natureza de fato e indicador.
79
1.4. Heidegger e as diversas tempo-
ralizações do presente
Paul Ricoeur (2012) destaca que: “Agostinho e
Heidegger são, com efeito, pelo menos para mim,
os únicos pensadores que tomaram por tema dire-
tor de sua concepção do tempo a dialética do passa-
do, do presente e do futuro” (p. 338). E sobretudo
80
fallen) e discurso, entendidas como traços fundamen-
tais daquilo que diferencia o ser-aí de todos os outros
entes: o cuidado (sorge), ou seja, o seu ser sempre em
relação com outro ser-aí.34 Embora sejamos tentados
a entender essas categorias como individuais, na eco-
nomia de Ser e Tempo elas são ôntico-ontológicas, ou
seja, constituintes de todo e qualquer humano. Assim,
embora a descrição fenomenológica parta de aspectos
do mundo cotidiano, levando um leitor desprevenido a
imaginar que Heidegger estivesse tratando de sujeitos
individuais, as conclusões, ao menos se aceitarmos os
pressupostos do autor, são de validade geral, não fazen-
do sentido, por exemplo, a oposição indivíduo-socie-
dade que alguns críticos tradicionalmente reivindicam
(Cf., por exemplo, RICOEUR 1997; ANKERSMIT
2012). A análise-descrição existencial do humano não
é a descrição de traços de indivíduos concretos que só
então seriam universalizados por abstração.
81
o presente como uma realidade singular e autoevi-
dente. Veremos que podemos abordá-lo de outro
modo, revelando suas diversas possibilidades para a
compreensão das temporalizações.
82
dessas palavras e cairmos na tentação de uma oposição
maniqueísta. Em Ser e Tempo, fica claro que o ser-aí está
na maior parte das vezes se movendo na dimensão da
inautenticidade, mas que a sua condição mais original
se dá quando assume na abertura e decisão o mundo
previamente dado como possibilidade, e não uma
substância naturalizada. Assim, os fenômenos que
o ser-aí geralmente interpreta de modo impróprio
ou inautêntico estão fundados ou podem ser mais
bem compreendidos na dimensão própria. Não po-
demos simplesmente achar que a diferença entre
impróprio e próprio seja reduzida a uma polaridade
do tipo positivo e negativo, ambas as dimensões são
igualmente constitutivas do humano, o que Heideg-
ger procura revelar são as consequências dessas es-
truturas para nossa compreensão de mundo.
83
O clima desloca o humano de si mesmo, permi-
tindo uma abertura para o entorno existente, ou o aí
do ser-aí. Como ser-lançado em um mundo que o
precede ele abre-se para o passado como vigor-de-
-ter-sido, ou seja, o passado que ainda atua. Humores
como medo, angústia, tristeza e felicidade são as pri-
meiras aberturas entre o ser-aí e o seu aí. Portanto, a
forma temporal do vigor-de-ter-sido como estrutura
existencial do humano está na base da disposição. As
outras ekstases temporais, porvir e atualidade, são en-
tão modificadas, assim como veremos na análise da
temporalidade da compreensão e da decadência.
84
meira parte como disposição imprópria fica evidente
que no temor está em jogo uma dimensão do porvir
como espera. Tememos sempre algo que nos vem ao
encontro, a expectativa de um mal que se aproxima
é uma das estruturas temporais do medo. Mas esse
futuro ameaçador, no humor do medo, significa não
simplesmente um medo de algo porvir, mas um medo
por si mesmo, um medo do dano em seu aí. Esse
medo futuro que ameaça o aí (mundo estabelecido)
do ser-aí (humano) em suas ocupações com as coisas
e cuidado com outras pessoas produz efeitos (afetos)
como depressão, aflição, confusão e conturbação.
Na confusão do medo tendemos a esquecer de nossas
possibilidades, reduzindo-as ao seu aí mais imedia-
to, que imaginamos estar em risco. Ao confundir-se
com o seu aí o humano perde o que lhe é mais pró-
prio, ou seja, seu poder ser. Nesse esquecimento ele
se ocupa então exclusivamente do imediato, do que
está à mão. Na depressão, o ser-aí relaciona-se com
o seu estar-lançado, porvir, em sentido negativo, fe-
chando-se para o futuro, esperando-o como um mal
que se acerca, o que novamente o lança em direção
ao imediato em busca de proteção: “Por que se es-
quece de si e não apreende nenhuma possibilidade
determinada, a ocupação que se teme salta do mais
imediato para o mais imediato” (1993, p. 139).
85
tes simplesmente por estarem a mão, imediatas. Na
urgência do medo, o ser-aí esquece de si. Assim, a
temporalidade do medo está ancorada em uma for-
ma do passado, vigor-de-ter-sido, o esquecimento,
o qual, por sua vez, modifica o futuro e o presente
atual: “A temporalidade do temor é um esquecimen-
to que atende [espera] e atualiza” (1993, p. 149).
86
existência humana é compreensão, tudo o que faz
ou deixa de fazer está orientado por compreensões
enraizadas em sua condição de ser sempre em al-
gum lugar, que ele pode aceitar como uma realidade
imutável e naturalizar, ou entendendo sua própria
condição de um ser sem determinações absolutas,
questioná-lo em seus sentidos. Heidegger chama
de abertura a condição que permite esse questio-
namento, na qual o humano pode, então, decidir-se
em projetos que assumam passado-presente-futuro
como unidade. É a temporalidade dessa articulação,
ou seja, da abertura, o centro de sua análise entre os
parágrafos 67-70 de Ser e Tempo.
87
A compreensão está de início e na maior parte das
vezes orientada pela temporalização imprópria do fu-
turo. Não significa que no modo impróprio ela careça
de futuro, mas que essa relação é uma forma especí-
fica do preceder-se. O modo próprio de preceder-
se recebe a denominação de antecipação. Assim, na
abertura decidida, o humano temporaliza como pro-
jeto e o futuro então se dá como antecipação. Mas,
de início e na maior parte das vezes ele está ocupado,
lidando com coisas no interior do mundo. É nessa
lida, que é uma forma de compreensão, que ele con-
tinuamente envolve-se em expectativas, em esperas.
O que é preciso ser feito, o que farei amanhã, como
vou me organizar para fazer o que é urgente? Assim,
na sua preocupação cotidiana com as coisas, o ser-aí
continuamente está à frente de si mesmo.
88
ao porvir [zukunft] e ao vigor de ter sido [gewesenheit]”
(1993, p.135). A essa forma de presente articulado
pela decisão é dado o nome de instante (augenblick),
em contraste com os agoras (jetzt) da temporalida-
de imprópria. Enquanto o agora indica apenas o
tempo como uma unidade neutra e homogênea em
que podemos marcar a ocorrência de algo; o ins-
tante é instauração de uma situação, de um tempo
que reestrutura o que vem ao encontro no mundo.
Se a forma do futuro na compreensão própria é a
antecipação, o passado surge como repetição. As-
sim, a situação significa assumir que todas as três
ekstases temporais podem derivar uma da outra; o
passado está aqui e à nossa frente, assim como o
futuro está no presente e no passado. A instauração
de uma situação temporal específica é justamente
uma decisão que assume e revela o momento como
temporalização da temporalidade.
89
ção entre o lembrar e o esquecer na constante recor-
dação. A recordação é parte constitutiva da espera
atualizante. Para Heidegger, essa unidade ekstática
espera-atualização-recordação é o fundamento da
indecisão que caracteriza o cotidiano do ser-aí. In-
deciso, ele assiste a um mundo que parece se repro-
duzir automaticamente.
90
91
IMPRÓPRIA TEMPORALIDADE PRÓPRIA
COMPREENSÃO
PRESENTE
AGORA
ATUALIZAÇÃO MOMENTO
TEMPORALIZAÇÃO TEMPORALIZAÇÃO
ESPERA FUTURO ANTECIPAÇÃO
COMO INDECISÃO COMO DECISÃO
ESQUECIMENTO REPETIÇÃO
LEMBRANÇA
PASSADO
lidade. O vínculo entre atualidade e porvir torna-se
opaco e obscuro, é desse vínculo mesmo que o ser-aí
foge no não se deter da curiosidade, uma vez que “a
modificação ekstática do atender [espera] mediante a
atualização que surge numa atualização que ressurge
é a condição temporal e existencial da possibilidade
de dispersão [distração]” (1993, p. 146).
92
93
TEMPORALIDADE PRÓPRIA
IMPRÓPRIA
DECADÊNCIA AUSENTE
CURIOSIDADE
FUTURO
RESSURGE
DISTRAÇÃO
ATUALIZAÇÃO PRESENTE
DISPERSÃO
VARIEDADES
PASSADO
Essa atualidade se vê em toda a história, seja do
presente, seja do futuro, mas é uma identificação
como uma variedade do mesmo, a qual “atualiza em
função da atualidade” (1993, p. 146). A imagem de
um “presente amplo” ou de um “presentismo” en-
contra na temporalidade da decadência um paren-
tesco evidente e nos ajuda a entender o paradoxo de
um presente ao mesmo tempo cheio de novidades
e vazio de eventos. Por mais que as novidades se
apresentem, seja mesmo vindas do passado ou do
futuro, elas não são capazes de refazer vínculos con-
junturais, pois nossa ‘atualidade’ se atualiza (quase)
exclusivamente em função da própria atualidade.
O que esse movimento pode trazer de novo ao ar-
gumento presentista é esclarecer que não se trata
substancialmente de uma ampliação do presente,
mas mesmo da ampliação de referências ao passado
e futuro, porém em formas atualistas. Assim, pode-
mos entender como a moda da história e das coisas
históricas pode ser contemporânea do presentismo
ou de como uma sociedade que teria um futuro fe-
chado ser, ao mesmo tempo, viciada em novidades
e ávida pelo mais novo programa de TV, filme, jogo
on line ou gadget.
94
com uma realidade em constante surgimento. Por
isso, a atualização automática que parece simples-
mente surgir em nossos celulares e computadores
torna-se irresistível, uma metáfora e uma estrutura
arquetípica das temporalizações do atualismo.
95
antecipando o futuro, repetindo o passado no que
tem de vigente, instaurando o que Heidegger cha-
ma de instante (augenblick). Já no modo impróprio
da compreensão o ser-aí se relaciona com o futuro
como espera. O presente é a contínua atualização do
agora, que, obscurecendo sua procedência, precisa
sempre oscilar entre esquecimento e recordação: “[a
espera] que atualiza e esquece é uma unidade ekstá-
tica [em seus próprios termos] onde a compreensão
imprópria se temporaliza em sua temporalidade”
(Idem, p. 136).
96
CAPÍTULO II – ATUALISMO E HIS-
TORICISMO: CHATEAUBRIAND
E A MODERNIDADE COMO MÉ-
LANGE TEMPORAL
Em seu influente ensaio, François Hartog ca-
racteriza a passagem do que chama antigo regime
de historicidade, muitas vezes confundido com o
topos História Mestra da Vida e a noção de exem-
plaridade, a um regime moderno entre os século
XVIII e XIX a partir da análise de três autores:
Chateaubriand, Volney e Tocqueville. Mas é de
fato Chateaubriand que serve de guia principal
desta seção do livro, sendo caracterizado como
um homem entre dois mundos ou historicida-
des. A ideia é uma reapropriação de um trecho
das Memórias do próprio Chateaubriand, que, em
1833, interpreta sua biografia como um testemu-
nho da virada do século XVIII ao XIX, como o
encontro entre dois mundos, a confluência entre
dois rios, vendo a si mesmo como deixando para
trás o antigo mundo para iniciar um novo e im-
previsível curso (HARTOG 2015, p. 66).
99
2.1. O livro de Jó: a certeza metafísica
e a vida como constante atualização
De modo surpreendente, Hartog não analisa a
epígrafe escolhida por Chateaubriand para abrir o
prefácio-testamento e que parece oferecer uma im-
portante chave de leitura para o projeto das Memó-
rias. Trata-se de uma interpolação latina, bastante
popular, do livro de Jó, um dos heróis do retorno
ao cristianismo em bases historicistas promovida
pela geração de Chateaubriand. A epígrafe figura da
seguinte forma: Sicut nubes... quasi naves... velut umbra
(CHATEAUBRIAND n. d., p. XLIII). As expres-
sões são modos de referir à velocidade do tempo e à
fugacidade da vida, que passaria como uma nuvem,
uma barca ou uma sombra. Como podemos ver
adiante, trata-se de uma remissão às imagens cen-
trais de diferentes capítulos:
100
de pretexto para a demonstração de um fonte supe-
rior de sentido: Deus para o primeiro; e a constan-
te reflexão sobre si mesmo no caso das Memórias,
que precisam assumir o ponto de vista além-túmulo
para fazerem sentido, embora o recurso ao divino
não seja estranho a Chateaubriand. Essa diversidade
dos tempos recebe, no esforço memorialístico, uma
espécie de fusão significativa. Ao evocar o exemplo
de Jó, o escritor e ensaísta responde às atribulações
de seu tempo com uma aposta renovada no sentido
das coisas, mesmo que na chave da rememoração:
“Atravessei sucessivamente os anos vazios da minha
juventude, os anos tão cheios da era republicana, o
esplendor de Bonaparte e do reino da legitimida-
de.”(CHATEAUBRIAND n. d., p. XLIV).
101
2.2. O mundo atual: duas impossi-
bilidades?
Em uma passagem do final das Memórias, da-
tada de 1841, Chateaubriand afirma: “O mundo
atual, o mundo sem autoridade consagrada, parece
colocado entre duas impossibilidades: a impossibi-
lidade do passado e a impossibilidade do futuro”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 465-6). Entre essas
duas impossibilidades, restava o gesto negativo de
uma constante atualização do presente. Negativo
porque resultado da constatação da impossibilida-
de de alternativas? Estaria o autor do Gênio do Cris-
tianismo congelado em uma espécie de presentismo
melancólico-nostálgico? Essa atualização negativa
teria também seus desenvolvimentos positivos no
século XIX, como mostra a formulação do brasi-
leiro José de Alencar: “A superstição do futuro me
parece tão perigosa como a superstição do passa-
do [...]. Consiste a verdadeira religião do progresso
na crença do presente, fortalecida pelo respeito às
tradições, desenvolvida pelas aspirações a maior
destino” (ALENCAR apud LYNCH 2017, p. 337).
A solução de Alencar demonstra como a crença
historicista no progresso nem sempre conduz ao
futurismo, mas a uma determinação de passado
e futuro pelo presente. Evitemos esse desvio de
rota, interessa-nos compreender a natureza dessa
atualização em Chateaubriand.
102
No entanto, não fica claro se primeira para Cha-
teaubriand ou para o contexto francês, europeu ou
mesmo global, pois certamente antes de 1841 mui-
tos outros autores já haviam formulado essa situa-
ção de quebra da continuidade do tempo, bastando
citar Hegel em 1807 no prefácio à Fenomenologia. A
citação de Hartog, na verdade uma paráfrase do ori-
ginal, omite a referência ao problema que produzi-
ria essas impossibilidades, a ausência de autoridade
consagrada, assim como omite o aspecto retórico
da afirmação, ao final do texto, Chateaubriand reve-
lará a chave com a qual essas duas impossibilidades
poderiam ser superadas: o cristianismo. Assim, es-
peramos poder demonstrar que a modernidade não
pode ser reduzida ao futurismo e que momentos
presentistas ou passadistas são também constitu-
tivos da temporalidade moderna. A solução histo-
ricista da reconstrução de continuidades narrativas,
embora bastante populares, não foram as únicas pos-
sibilidades desenvolvidas para resolver essa equação.
103
as notas ao Ensaio Sobre as Revoluções?) ele pudesse
ter consciência da distância crescente entre passado
e futuro. No entanto, nas conclusões das Memórias
fica bastante claro que essa distância ou essa crise era
moeda corrente para sua geração. Em certo sentido,
o velho mundo que ele testemunhava se desfazer era
o mundo moderno, aqui contraposto ao mundo clás-
sico, mas capaz de com ele estabelecer relações de
continuidade, como veremos adiante.
104
foi substituída por outra. Assim, não são dois mun-
dos entre os quais se possa estar ou que possam
ter estruturas análogas. Sem forma, o presente não
pode ter passado; sem passado, não pode ter forma.
Mas quanto ao futuro? Esse presente não poderia
se autofundamentar e se orientar pelo horizonte de
expectativa, como por vezes caracterizamos o gesto
das filosofias da história?
105
sociedade abstrata? Que língua serviria à comunica-
ção global, uma língua simplificada, ou um sistema
em que todos poderiam entender as diversas línguas?
Chateaubriand vai divagando em um exercício espe-
culativo sobre essa sociedade global sonhada pelas
utopias filosóficas e chega a uma conclusão fascinan-
te: “Como encontrar lugar sobre uma terra alargada
pela poder da ubiquidade e encurtada pelas peque-
nas proporções de um globo profanado/poluido
por todo lado? Não restará senão pedir à ciência um
modo de mudar de planeta” (CHATEAUBRIAND
1850, p. 470). Podendo estar em qualquer lugar, o ho-
mem abstrato também acabaria por abstrair a paisa-
gem, nessa abstração dessacralizante perderia a pos-
sibilidade de encontrar o infinito e o mistério naquilo
que lhe fosse mais próximo e próprio. Essa completa
objetificação do planeta condenaria o homem a uma
errância em busca daquilo que sempre esteve ao seu
alcance: sua infinitude e liberdade.
106
A segunda subseção conclusiva é dedicada à ex-
ploração das imagens do futuro. Chateaubriand pas-
sa em revista todas as grandes utopias de seu tempo.
Por isso, o título é apenas uma lista exaustiva desses
experimentos: “Saint-Simonianos - Falansterianos -
Fourieristas - Owenistas - Socialistas - Comunistas
- Unionistas - Igualitaristas” (CHATEAUBRIAND
1850, p. 471). O texto é um longo argumento mos-
trando a impossibilidade e as consequências funes-
tas do futuro das novas utopias: “O infinito, por
exemplo, é de nossa natureza; impeça nossa inte-
ligência, ou mesmo as nossas paixões, de sonhar
benefícios sem limites, e reduzirá o homem à vida
de um caracol, transformando-o em uma máquina”.
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 476-7).
107
Sempre a atualização do verbo divino que se fez
carne.37 Portanto, insatisfeito com as filosofias da
história do século XIX, com suas modernas utopias,
Chateaubriand parece adotar como solução uma es-
pécie de atualização transcendental. Nesse contexto,
o presente se torna a espera da atualização de um prin-
cípio eterno. Continuando sua imagem do vaso, afir-
ma que, se desse princípio restasse apenas um grão, e
se esse caisse sobre um pouco de terra, “basta apenas
que nas ruínas de um vaso este grão fermente-ger-
mine, e uma segunda encarnação do espírito católico
reanimará a sociedade” (CHATEAUBRIAND 1850,
p. 486). O cristianismo seria a força capaz de mes-
clar as leis divinas, morais e políticas, essas últimas
definidas como liberdade, igualdade e fraternidade,
o lema da Revolução Francesa, que aparece reunido
pela força de fusão do cristianismo: “O cristianismo,
estável em seus dogmas, é móvel em suas luzes; sua
transformação envolve a transformação universal.”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 488-9).
108
dora, embora sem a possibilidade de revelação an-
tecipada do momento de sua realização: “Quando
esse dia desejado? Quando a sociedade se recom-
porá de acordo com os meios secretos do princípio
regenerativo? Ninguém pode dizer; não sabemos
calcular as resistências das paixões”. (CHATEAU-
BRIAND 1850, p. 489). Como em toda atualiza-
ção, o autor confia no tempo, conta com o tempo,
não da mesma forma que as filosofias da história,
que precisavam também desconfiar do tempo para
reservar ao sujeito histórico alguma agência decisi-
va; sem essa agência o progresso sempre poderia
reverter em barbárie: “Estes cálculos, eu sei, não
combinam com o temperamento francês; em nos-
sas revoluções nunca admitimos o elemento do
tempo: é por isso que estamos sempre espantados
com os resultados contrários à nossa impaciência”
(CHATEAUBRIAND 1850, p. 490). A providên-
cia, como motor oculto dessa história, fundamenta-
va a esperança como gesto central na experiência da
história em Chateaubriand, por isso, mesmo mer-
gulhado em um presente sem forma, poderia nadar
com esperança em direção a um futuro que não se
deixava ver no horizonte. O tempo atual dessa atua-
lização não é desse mundo, é o tempo eterno que se
encarna na história:
109
Portanto, nos parece que a pluralidade da ex-
periência temporal em Chateaubriand é menos o
resultado de um ainda não, de uma situação transi-
tória, e mais uma recusa consciente à solução histó-
rico-filosófica futurista.
110
desapareceram; de seus dias brilhantes, a Itália mantém
apenas Pindemonte e Manzoni. Pellico gastou seus belos
anos nas masmorras de Spielberg; os talentos do país de
Dante são condenados ao silêncio, ou forçados a langui-
decer em terras estrangeiras, Lord Byron e Mr. Canning
morreram jovens; Walter Scott nos deixou; Goethe nos
deixou cheio de glória e anos. A França não tem quase
nada de seu passado tão rico, que começa outra época:
eu permaneço para enterrar meu século, como o velho
padre que, no saque de Beziers, teria que tocar o sino
antes de morrer, então o último cidadão teria expirado.
(CHATEAUBRIAND n.d., p. XLV-XLVI).
111
ra demonstrar as porosidades entre essas sensibili-
dades, como escreve Guilherme Gomes:
112
cada uma dessas carreiras imaginou realizar tarefas
específicas: a “descoberta do mundo polar”, “o res-
tabelecimento da religião a partir de suas ruínas”, e a
oferta ao povo do “verdadeiro sistema monárquico
representativo” (Idem, p. XLVI).
113
começar um mundo, e que as características opostas
deste fim e deste começo estão misturadas em mi-
nhas opiniões. (Idem, p. XLVII-XLVIII).
114
princípios opostos, também Chateaubriand se coloca
como uma confusão desses mundos: ele documenta
essa mistura, não se trata apenas de um resquício ou
permanência do velho, ou da emergência de uma nova
época em tudo diversa, essa confluência há de produ-
zir uma fusão, só assim se entende como ele poderia
‘nadar com esperança para a margem desconhecida’.
A abertura de um novo tempo só pode ser compreen-
dida nessa mistura de dois mundos, por isso a posi-
ção privilegiada das Memórias e de Chateaubriand não
apenas como quem atravessa, mas como quem está
mergulhado e envolvido, aspecto pouco explorado por
Hartog, que, na introdução dos Regimes, destaca ape-
nas a imagem do nadador que atravessa o fosso entre o
antigo e o moderno (HARTOG 2015, p. 11).
115
Os momentos de crise produzem uma dobra na vida
dos homens. Em uma sociedade que se dissolve e re-
compõe, a luta dos dois gênios, o choque do passado
e do futuro, a mistura de antigos e novos costumes
formam uma combinação transitória que não deixa
um só momento de tédio. (Livro V, p. 293).
116
séculos.39 A seguir, podemos ter uma ideia bem
concreta da imagem evocada por Chateaubriand,
não do amontoado caótico do Terror, mas da
nova harmonia produzida por Lenoir:
39 Françoise Choay (2006) assim escreve sobre este episódio: “Mas,
preocupado antes de tudo com a pedagogia cívica e com a educação
histórica dos cidadãos, ele dispõs seus fragmentos de acordo com uma
cronologia que lhe parecia verossímil. Além disso, ‘teve o cuidado, sem-
pre que possível, de reunir [...] tudo o que poderia dar uma ideia sobre
o vestuário antigo, tanto civil, de homens e mulheres, como militar, de
acordo com as patentes. As peças assim reunidas só devem ser vistas
como um aglomerado de modelos, vestidos segundo as épocas a que
pertencem [...]” (p. 103).
117
Figura 2 - Alexandre Lenoir com Napoléon e Joséphine na sala do
século XIII.
118
cia tripla: religiosa, política e literária” (CHATEAU-
BRIAND n. d., p. XLV). Essa vida atribulada parece
entregar-se ao rio da história, já que o rio antigo con-
flui e confunde-se com o novo. As Memórias, no movi-
mento de ida e vinda, misturam os tempos, desafiam
a história processo em sua linearidade, quase que a es-
cova a contrapelo, mas de algum modo já pressupõe
essa unidade da experiência moderna. A imagem de
Chateaubriand como um derrotado nostálgico parece
mais refletir a posição do próprio Hartog, e, em certo
sentido, do projeto civilizacional francês, no contexto
Ocidental pós Guerra-Fria e pós 11 de Setembro.
119
peridade. Tal atitude permitiria outra mistura, do
ontem com o hoje... “do meu berço com o meu
túmulo e do túmulo com o berço”.
120
estaria interditado, opaco, não seria possível repetir
esse gesto de estar entre dois tempos. Como vimos
anteriormente, essa passagem do regime antigo ao
moderno é demonstrada por Hartog pela análise
de diferentes momentos da obra de Chateaubriand,
embora tenhamos nos concentrado nas Memórias, a
análise parte do “Ensaio histórico, político e moral
sobre as revoluções antigas e modernas considera-
das em suas relações com a Revolução Francesa”
(ER), cuja primeira edição, de 1797, é usada para
demonstrar o lado antigo da equação, e sua segun-
da edição, datada de 1826, em especial nas novas
notas acrescentadas pelo autor revisando diversos
aspectos do texto, demonstraria um Chateaubriand
já inserido na historicidade moderna.
121
po de experiência moderno emergiu no horizonte
histórico. Afirmar a disponibilidade desse campo de
experiência não é o mesmo que dizer que já estives-
sem ao alcance todas as articulações capazes de pro-
cessá-lo em ideologias, pois, para Koselleck (1999 e
2006), a ideologização é um dos fenômenos mais
tardios na história da modernização conceitual.
122
pela tensão criada entre o campo de experiência e o ho-
rizonte de expectativa (HARTOG 2003, p. 218).
123
deduzida da coordenação variável entre expectativa
e experiência (Idem, 309).
124
digitais democratizaram o acesso aos vestígios ma-
teriais do passado, de modo a enfraquecer a capa-
cidade sintética-orientadora do discurso histórico.
Não devemos ver essa situação apenas pelos seus
aspectos negativos, pois, além de ser irreversível,
não faria sentido esperar que esse patrimônio
acumulado e disponibilizado fosse novamente
disciplinado. A percepção da perda da forma do
tempo em Chateaubriand parece ser potente para
guiar nossa experiência atual.
125
ou fora do alcance de suas agências. Certamente há
perigos que precisam ser evitados nessa situação.
Muito podemos ganhar reativando a capacidade
sintética e orientadora do discurso histórico, mas
sem esperar ou desejar uma restauração da situa-
ção moderna - talvez mais imaginada do que vivi-
da - de um mundo pleno de sentido. Desonerar as
subjetividades, os corpos e as mentes, dessa tarefa
sisífica pode liberar energia social para o enfrenta-
mento de novos desafios.
126
FRAGMENTOS DE ATUALIDADE
1970
3.1. Fragmentos
Ouça aqui:
Ouça aqui:
129
Na introdução deste livro, apresentamos alguns
elementos para uma periodização inicial do fenô-
meno do atualismo. Seja na base do Google Ngram,
seja na Hemeroteca Digital da BN-RJ, o período
entre a década de 1960 e 1970 se destaca como o
momento de aceleração no uso da palavra. Talvez
fosse útil uma rápida incursão em alguma seção des-
se recorte de cerca de meio século. Retrospectiva-
mente, o que, nos mundos da vida no ano de 1970,
poderia indiciar a transformação que estamos des-
crevendo? Nossa intenção não é produzir um relato
historiográfico especializado, mas fazer uma espécie
de paródia com a ideia de retrospectiva, seguindo
cronologicamente a coleção do Jornal do Brasil deste
ano em busca dos usos da palavra atualizar.
130
131
Tabela 1 - Frequência das palavras atualizar e atualização na Base do Jornal do Brasil (1890-1999)
DÉCADA ACTUALIZAR ACTUALISAR ATUALISAR ATUALIZAR ACTUALIZAÇÃO ACTUALISAÇÃO ATUALISAÇÃO ATUALIZAÇÃO TOTAL
1890-1899 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1900-1909 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1910-1919 0 0 0 0 0 0 0 0 0
1920-1929 1 1 0 0 2 4 0 0 8
1930-1939 5 0 9 40 1 2 4 60 121
1940-1949 0 0 4 106 0 0 6 283 399
1950-1959 0 0 5 341 0 0 1 618 965
1960-1969 0 0 3 1054 0 0 0 3018 4078
1970-1979 1 0 1 1558 2 0 8 5557 7127
1980-1989 1 0 0 1422 9 0 1 4533 5966
1990-1999 0 0 0 1335 0 0 0 5197 6532
Como veremos a seguir, em 1970 a palavra pa-
recia ser relevante em diversos níveis da vida social,
com um uso corrente e amplo. Nas próximas páginas
gostaríamos que o leitor pudesse percorrer estes frag-
mentos com o mínimo de mediação possível, deixan-
do para o final da seção nossas considerações analíti-
cas. Certamente esse mínimo de mediação nada tem
de mínimo, pois a própria série não existiria sem os
procedimentos de pesquisa que a produziu, por isso
insistimos em sua natureza fragmentária, certamente
real e verdadeira em sua materialidade, mas cujas his-
tórias (totalidades provisórias?) nas quais possam ou
fizeram sentido são inesgotáveis.
132
mas que podem ser ignorados pelo leitor sem pre-
juízo para os objetivos dessa primeira aproximação.
Todos os destaques são nossos e visam ressaltar os
trechos em que a palavra atualizar e suas variações
estejam sendo usadas. A partir de agora esses frag-
mentos reunidos serão chamados de série JB1970.
**
14 de janeiro
“A Nudez: Psicanálise em nova forma
[...]
133
Os resultados chegam cedo. Quando o grupo
chegou, na tarde precedente, as respostas eram da-
das com jovialiade forçada, conversações por neces-
sidade de polidez, palavras curtas. [...] Menos de 24
horas depois, com menos de três horas de sono e
muitas horas carregadas de emoções, que normal-
mente conduziriam à exaustão total, todos parecem
descansados e bem humorados.
134
135
17 de janeiro
“Igreja chama a subversão à união e paz
136
a reunião tinha por objetivo ´atualizar´ nosso méto-
do de trabalho em conjunto, a fim de obter melhor
rendimento dos vários órgãos da área.”
12 de Fevereiro
“O Velho Apenas Conservado
Carros alegóricos de mau gosto e pobreza do
desfile. Nada mudou este ano nas grandes socieda-
des, a não ser a apresentação do Turunas de Monte
Alegre que botou gente sambando no asfalto e aca-
bou virando um bloco desorganizado. Perguntado
por que não acabava de vez com o desfile das gran-
des sociedades, o secretário Levi Neves respondia:
‘Não se pode terminar assim com uma tradição de
mais de 100 anos’.
[...]
5 de março
“Instrução Programada: A orientação, o caminho mais rápido
137
Uma nova forma de aprendizagem está sendo lan-
çada agora no Brasil. Um método que ensina as coisas
mais variadas, de jogo de xadrez à nomenclatura médica,
em menos de três meses. Que possíbilita às pessoas me-
nos instruidas ou inteligentes aprenderem o mesmo que
as outras, levando apenas mais algum tempo. O segredo,
‘a resposta ativa’, pela qual o aluno aplica de pronto o
que aprendeu, numa avaliação imediata da rapidez de
sua aprendizagem.
[...]
[...]
138
duzir 90% dos pontos abordados. Os outros, só 55%.
20 de março
“Anúncio da empresa Fluxo, aplicação de computadores
139
140
22 de março
“Rui Guerra, comandante espanhol na Marambaia
[...]
24 de março
Balanço do ano de 1969 do Banco Brasileiro de Descontos,
atual Bradesco.
141
“Empresa de hoje, cuidamos de atualizar nos-
sos equipamentos e modernizar os serviços ge-
rais, acompanhando o avanço e o progresso me-
cânico e eletrônico da nossa época.
142
3 de abril
“A Aceleração do Processo
[...]
23 de abril
“IBC
143
moderna administração, pois está consciente de que
o IBC precisa estar cada vez mais competitivo. É
oportuno lembrar, a propósito do assunto, a seguin-
te frase de Robert McNamara,o grande cérebro da
moderna empresa americana: ‘a capacidade da ges-
tão é, afinal de contas, a maior criadora de todas as
artes, pois é a arte de organizar o talento’.”
24 e 25 de maio
Anúncio de imóvel
3 de julho
Cúria Romana passa a ser internacional
144
A velha organização burocrática - cujos mem-
bros trabalham em escritórios dotados de ar condi-
cionado e dispõem de 2 mil aparelhos telefônicos,
além de ter computadores para resolver seus pro-
blemas - administra os negócios mundiais da Igreja
com seus 2.200 funcionários leigos e religiosos.
Cerca de 40% desses são italianos, no momento;
em 1961 os funcionários daquela nacionalidade
eram 58% do total.”
16 e 17 de agosto
“O Brasil e a Revolução Educacional (Jack Soifer)
[...]
16 e 17 de agosto II
“Nunca é tarde para se começar a estudar (Monica Soutello)
[...]
145
vel. Quem vai querer uma funcionária que, apesar
de preparada, não tem a memor prática, sem falar
na aparência. Uma senhora de 48 não pode querer
competir com uma jovem de 20, não é? Mas eu vou
continuar tentando porque sei que ainda posso fa-
zer alguma coisa, além de cuidar de netos.
[...]
27 de agosto
“A ópera terá apenas um ato e as mudanças de
cenário serão feitas com os cantores em cena, à base
de jogo de luzes. Paulo Fortes, responsável pelas
modificações introduzidas tanto em A Italiana em
Argel quanto em O Barbeiro de Sevilha, explica que
o objetivo principal é atualizar a ópera em si e
reativar o interesse do público pelo espetáculo.”
27 de agosto II
“UFMG acaba com vestibular para quem quer atuali-
zar e completar conhecimento
146
a matrícula em disciplinas isoladas de pessoas
interessadas em complementar ou atualizar seus
conhecimentos.
18 de setembro
“Brasília (Sucursal) - O censor federal dispõe ago-
ra de um documento - as Normas Doutrinárias da
Censura Federal - capaz de orientá-lo, em detalhes,
no julgamento de um programa de diversão pública.
[...]
[...]
[...]
147
148
19 de setembro
“Entrevista com Autran Dourado
21 de setembro
“Um convite para você conhecer na Sears a
moda internacional PRIMAVERA/70.
149
24 de setembro
O corresponde Araujo Netto, de Roma, infor-
mava as repercuções de um encontro entre Aldo
Moro e Mahmoud Riad:
“ATUALIZAÇÃO
03 de outubro
Notícia sobre a criação de um Fundo de Moderni-
zação e Reorganização Industrial (FMRI), no BNDE,
que tinha, dentre seus objetivos:
13 de outubro
“O repousante cansaço da ginástica
150
radical gymnos quer dizer nu, que era como os antigos
a praticavam. Significa a arte de exercitar os músculos
cientificamente, procurando a perfeição do desenvol-
vimento físico.
[...]
[...]
16 de outubro
“Embratel vê terminais da Olivetti fazer em segun-
dos troca de dados com a Itália
151
Embora alguns dados tivessem que ser obtidos
na Itália, o Sr. Ricardo Chaves tirou, em menos de
dois segundos, 2a. via de seu passaporte e Dona
Maria de Almeida, no mesmo tempo, divorciou-se
e casou-se, em seguida, com o Sr. Pedro Nascimen-
to, numa demonstração dos terminais Olivetti TCV
260, feita na Embratel.
FUTURO
[...]
152
28 de outubro
153
30 de outubro
“Escorpião
23 de novembro
“Eleição de 20 jovens muda o quadro político
carioca (Arthur Aymoré)
[...]
25 de novembro
“Com o Skylab, a NASA espera provar, antes de
mais nada, a necessidade do homem na execução do
programa espacial. Acreditam seus técnicos que o ser
humano é indispensável quando se busca a eficácia [...]
154
O satélite artificial não tripulado voa a grandes
altitudes; em compensação, não sabe escolher os
objetivos a visar. Às vezes o computador leva se-
manas processando a enorme massa de dados que
recebe. Já o Skylab apresenta a vantagem da seleção
prévia. Enviará apenas um punhado de impulso de
cada vez, permitindo a análise quase instantânea e o
atendimento de situações de emergência. Este é um
dos grandes argumentos do pessoal da NASA em
favor da presença humana no espaço. Quase todas
as tarefas podem ser realizadas pelos autômatos, é
certo, mas em muitos casos a economia e a eficácia
só podem resultar de uma decisão humana imediata.
[...]
26 de novembro
“Ubirajara não gosta da repreensão de Yustrich
[...]
[...]
155
- Durante os jogos eu costumo reter a bola, con-
trolando-a com os pés, Yustrich acha isso errado e
me repreende constantemente. Sou muito respon-
sável e sei o que faço. Apanhei esta mania porque
sinto que o adversário se surpreende com minha
tranquilidade e quando menos espera dou um chute
violento para frente e na maioria das vezes pego a
defesa desprevinida.
31 de novembro
“Há quatro meses, o Ministro Jarbas Passarinho
determinou à sua assessoria que diariamente recorte
as notícias de jornal que tragam informações sobre
o uso e o tráfico de drogas. Ele queria se atualizar
sobre o problema...”
22 de dezembro
“A Prefeitura da Capital paulista vai adqui-
rir um novo sistema eletrônico de processa-
mento de dados, visando ampliar e atualizar o
Centro de Computação Eletrônica do Municí-
pio. A medida baseia-se na necessidade de atender
com maior rapidez e racionalização o crescimento
da máquina fazendária da Prefeitura de São Paulo
e inclui também o contribuinte como peça funda-
mental, propiciando informações imediatas sobre
sua situação perante o fisco”.
156
3.2. Suas definições estão atuali-
zadas?
Após conhecer a série JB1970, a primeira con-
clusão é que a palavra atualizar foi um filtro eficiente
para recuperarmos traços relevantes dos mundos da
vida. Nos mais diversos setores, a realidade pode-
ria ou deveria se atualizar: na psicologia individual,
nos métodos de trabalho, no carnaval, no aprendi-
zado em todas as faixas etárias, na administração de
empresas privadas e públicas, em seus “sistemas de
controle, de informações e de decisões”, na infraes-
trutura produtiva em geral, no guarda-roupa com a
moda da estação ou no vestuário com algum novo
hardware. A ópera, os filmes, a literatura também são
e estão sujeitos à atualização. Não só equipamen-
tos como os próprios computadores, que já figuram
como os grandes heróis (ou vilões?) deste processo,
mas também as aeronaves, as roupas, a legislação e
os políticos deveriam ser atuais. Também era preci-
so atualizar a estrutura fundiária e a censura, a ren-
da pessoal, a Igreja, seja em seus dogmas ou nos
processos de gestão, e a mão-de-obra em geral. As
mulheres, em particular, pareciam carecer de ajuda
especial para se inserirem no novo tempo do mun-
do. O sujeito-objeto da atualização são os conhe-
cimentos e as informações. Poderíamos nos atuali-
zar com os pensamentos e a disposição de alguém
ou atualizar “as energias latentes no ser” ou nossas
energias astrais. Atualizar-se para acompanhar o rit-
mo das mudanças, bem como a maneira de agir. Por
fim, poderíamos nos atualizar sobre alguma coisa
acompanhando as notícias.
157
Por entre essa grande diversidade de usos talvez
possamos produzir alguns dispositivos mais gerais
que nos ajudem a compreender o que estamos fa-
zendo quando atualizamos. A primeira constatação
é que esse universo pode ser dividido entre coisas
que atualizam e coisas que precisam se atualizar,
mesmo que algumas vezes essas fronteiras se cru-
zem, como no exemplo do computador, que surge
como a maior ferramenta para “atualizar”, mas que
precisa ele mesmo ser a todo momento atualizado,
até que, talvez, a atualização se torne automática.
Podemos perceber a sensação de que esse intervalo
entre o atual e o inatual precisava encurtar a ponto
de não haver mais distância entre esses estados, ou
seja, uma realidade com índice zero de inatualidade.
Talvez seja esta uma formulação possível de certo
aspecto de uma utopia, ou ilusão, atualista.
158
Podemos dizer que o atualismo depende dessa fu-
são, de modo que o real, o efetivo, confunda-se com
o mais atual, o mais recente. Assim, do ponto de vis-
ta individual, seja na ginástica (ioga), na psicoterapia,
nas formas de comportamento, no aprendizado ou
na moda, realizar todo o seu potencial significa estar
por dentro, ter acesso a todas as informações, apostar
em processos que tornem transparentes e disponíveis
nós mesmos e os outros da forma mais veloz possí-
vel, no limite, imediata.
159
os astronautas Bowman e Poole viajam levando
consigo três cientistas que são conservados em sar-
cófagos com uma suspensão animada [sic], ou seja,
hibernados, para ressuscitarem ao chegar ao local e
o computador Hal 9000, que sabe tudo, vê tudo, fala
tudo e tudo controla.
160
mesmo (con)fusão entre o humano e o computador
se desenvolve em paralelo com a obsessão com a in-
formação mais recente, como o ministro Passarinho
que, de modo que hoje nos parece ingênuo, pede aos
seus assessores que façam um clipping – a palavra in-
glesa não é usada - para que possa se atualizar com
o problema do uso e tráfico de drogas; ou no caso
de empresas e agências governamentais que viam na
contínua atualização dos centros de processamen-
to de dados uma espécie de ação incontornável na
luta pela sobrevivência. A queixa, que será comum
adiante, a respeito do excesso de dados não aparece
na série JB1970, a preocupação central gira em torno
da organização, disponibilidade e novas formas de
inserção de dados, como os novíssimos teclados que
prometiam substituir os cartões perfurados.
161
do show e suas (in)transparências. Cabe de novo a
pergunta, quem está por dentro de quem? A realida-
de é um show, ou o show é a realidade? Estamos por
dentro do computador, ou o computador dentro de
nós? Ou não existiria mais nada que se possa cha-
mar de real, apenas o vir(a)tual. Como discutimos,
no atualismo o real se confunde com o atual em
constante reapresentação. O mundo atualista não
é apenas o melhor mundo possível, ele é o único
mundo possível, sua constante atualização não abre
espaço para o novo enquanto descontinuidade. O
novo é uma falha catastrófica no sistema.
162
Os três tripulantes assassinados seriam análogos
aos dinossauros extintos ou aos indivíduos primiti-
vos descartados pelo computador-obelisco em sua
busca dos melhores exemplares a serem programa-
dos. Bowman teria sido o único selecionado para
receber a nova atualização. Na mitologia de Clarke
essa atualização não é produzida de modo próprio,
o obelisco-computador vindo do espaço penetra a
mente e o corpo desse homem-macaco para repro-
gramá-lo e fazê-lo evoluir em outra direção. Sem
essa interferência ele certamente seria extinto. O
sentido da evolução é a luta contra a obsolescência
que só poderia se guiar por forças programadoras
externas. Embora sejamos tentados a repetir a cé-
lebre frase de Tocqueville, pois aqui também sem
a sabedoria do passado o homem vagaria nas som-
bras, há no meio das trevas uma luz, mas que não
parece pertencer à história humana.
163
em livro em 1962. O volume é publicado no Brasil
na coleção “Presença do Futuro”, coordenada por
Rose-Marie Muraro, pioneira do movimento femi-
nista, que naquele mesmo ano publicou seu livro
Libertação sexual da mulher. No ensaio “Voices from
the Sky”, Clarke desenvolve o tema da expansão
dos sinais de TV e Rádio e os usos políticos que os
soviéticos poderiam fazer dessa nova realidade:
164
como as reveladas pelos julgamentos de Nuremberg:
“A História está do nosso lado. Usaremos a própria
decadência estadunidense…” (Idem, ibidem).
165
sensação de aceleração atualizante da realidade bem
mais modesta das conquistas efetivas e seus impactos
no cotidiano. Poucas pessoas em 1970 tinham qualquer
contado com um computador real, mas a ameaça-
esperança era palpável. Esse universo de imagens
e referências pareciam se acoplar perfeitamente
às ideologias de progresso e modernização
predominantes. A interpretação que Rita Lee e Tom
Zé deram à música 2001 no Festival Internacional
da Canção de 1969, em que era introduzida por uma
moda de viola e um cantar caipira, indicia que essas
ambivalências não escapavam aos contemporâneos.
166
com preconceitos sociais arraigados, sejam as más-
caras das repressões ou a moralidade convencial,
um tema que dividia as sociedades e as gerações
entre os anos 1960 e 1970, em especial a partir de
1968. Afinal, ser livre parece passar por uma total
exibição. Fechados em si mesmos, representados
por elaboradas máscaras sociais, aquelas pessoas
eram convidadas a viver uma nova transparência.
Mas ali não haveria também o risco da censura, ou
da programação mental falseadora?51
167
versão’ tornou-se um dos lugares de memória dos
que cultivam o legado da Ditadura. O soldado foi
morto em fins de dezembro de 1969, isso explica
a conexão um tanto brusca na matéria entre o la-
mento do Arcebispo e a notícia de criação do que
seria um dois mais cruéis (e atualizados) aparelho
de repressão política, o CODI. Ao longo do ano, a
repressão política continuaria a crescer, mostrando
que o “Centro e Operações de Defesa Interna” que
aqui se inaugurava, com a promessa de ‘atualizar’ os
‘métodos de trabalho em conjunto’, não deixaria de
surtir seus efeitos. Para os que estavam lutando con-
tra a repressão e a censura, a liberdade como trans-
parência poderia apenas ser uma fantasia perigosa.
Para os órgãos da repressão, ter um maior controle,
organização e velocidade na recuperação das infor-
mações justificava o uso das novas tecnologias de
controle da transparência. Naturalmente, controlar
a transparência e a opacidade são coisas distintas.
Os governos precisavam governar o que se deveria
exibir e o que se poderia esconder. As políticas de
transparência, apesar de algumas enunciações totais,
são sempre um balanço entre o que se deve ou pode
mostrar e/ou esconder. A promessa da total trans-
parência é também uma ameaça.
168
tia-se que os programas de TV seriam examinados
por três censores e os resultados exarados em 48 ho-
ras. Mas a tarefa de controle precisava também ser
socialmente distribuída, assim, as normas que foram
entregues aos diretores de emissoras serviriam tam-
bém como um manual para os cineastas, teatrólogos
e artistas, permitindo que se autocensurassem pre-
viamente. Mesmo na sala lacrada da consciência, a
censura era convidada a entrar e nenhuma expressão
parecia ser banal a ponto de carecer de cuidados, em
especial àquelas que exibiam o ato sexual, os vícios
e a imoralidade. Quando não proibidos de exibição,
sua aparição deveria estar em contextos moralmente
regulados. Claro que na realidade de uma sociedade
dividida essas orientações produziriam efeitos muito
variados, aqui gostaríamos apenas de destacar o dese-
jo por controle e atualização.
169
parecia avançar em uma das habilidades até então
exclusivas: o pensamento.
170
lhante/A mente, mais inteligente/Tudo em super-
dimensão”; ou a nada irônica notícia do dia 28 de
agosto de que a UFMG teria se tornado a primeira
universidade no Brasil a abolir o vestibular para
pessoas interessadas “em complementar ou atuali-
zar seus conhecimentos”.
171
taurado, mas já vivido. A atualização acelerada dos
equipamentos e da infraestrutura parece ter de cor-
responder no corpo e nas vestimentas, em um tipo
de alinhamento entre hardware e software, é o que pa-
rece apontar, em nossa série, a nota do dia 28 de
outubro sobre o novo uniforme das comissárias da
Vasp. A legenda da foto, em que uma comissária
aparece de pé em frente a um avião, diz: “a ideia
de atualizar o uniforme ocorre paralelamente com a
renovação do equipamento utilizado pela empresa”.
O conjunto verde-musgo, uma das cores da moda
1970, deveria parecer muito atual. A atualização
de um elemento central do contexto provoca uma
onda de obsolescência que precisa ser respondida.
172
assim qualificava a sensação de descompasso entre os
avanças da ciência do espaço e as sociedades: “Pode a
obsolescência de nossas instituições governamentais e
sociais nos conduzir a uma evolução construtiva com
a rapidez necessária para capitalizarmos as fantásticas
bases científicas lançadas recentemente com as son-
das Mariner e Apolo?” (Idem, ibidem, p. 69). Um pouco
mais adiante insistia nesse mesmo ponto, mostran-
do-se preocupado com a taxa de obsolescência de
diversas instituições como “universidades, escolas
primárias e secundárias, igrejas, negócios, órgãos
legislativos, sociedades profissionais, a Academia
Nacional de Ciência e muitas outras”. Na verdade,
seriam os integrantes dessas instituições que “quase
não têm tempo de modificar sua atitude [...]”, daí os
sintomas, “grande quantidade de suicídios, insanida-
de e neuroses” (Idem, ibidem, p. 101).
173
3.6. Um salto de pantera para o atual
A ocorrência do dia 22 de março é uma resenha-
entrevista sobre o filme “Benito Cereno”, filmado
pelo francês Serge Roullet em 1969, em que Rui
Guerra interpreta o personagem título. A história,
baseada em um conto de Melville, se passa em 1799
e retrata a revolta em um navio negreiro espanhol.
Os trechos selecionados são falas do diretor, que
acaba por destacar os entrecruzamentos temporais
que tornariam sua obra atual, baseada em um texto
escrito no século XIX, sobre um incidente no sécu-
lo XVIII, cuja atualidade era ironicamente destacada
por trechos extraídos de uma das lideranças do Parti-
do Pantera Negra, Stokely Carmichael53 (1941-1998):
“a escravidão não acabou, o problema negro do século XVIII
continua vivo em 1970” (grifo nosso).
174
que esses negros atuais puderam ser encontrados –
uma espécie de ilha temporal ou cápsula do tempo.
175
venças com o polêmico ex-goleiro e treinador Yustrich
(Dorival Knipel, 1917-1990).56 Em suas palavras, “em
certas ocasiões acho que Yustrich deveria atualizar sua
maneira de agir dentro e fora do campo”. O técnico,
já bastante conhecido de outras polêmicas, tinha fama
de rígido, dessa vez havia repreendido o jogador por
ter “[...] aparecido no clube com uma calça estampa-
da”. Reclamava ainda da mania de Ubirajara em reter a
bola com os pés. Para a jovem estrela ascendente - que
em agosto daquele ano havia feito um inédito gol de
goleiro e que no ano seguinte seria eleito no programa
do Chacrinha “o negro mais bonito do Brasil”, esse
conflito geracional-esportivo poderia ser resolvido por
uma atualização de comportamento. De fato, o visual
de Ubirajara denunciava a incrível distância temporal,
bem maior do que qualquer calendário poderia re-
gistrar, que o afastava de Knipel. Nesse começo dos
anos 1970, em que o movimento Pantera Negra atin-
gia seu ponto alto nos Estados Unidos, o jovem era
uma das atualizações locais do mito, não apenas estava
na moda, mas a encarnava. Sua atualidade, como um
duplo, tornava Knipel obsoleto, como se não pudesse
haver lugar naquele tempo para o antigo e o atual go-
leiros. Para Knipel, assim como para boa parte daque-
la sociedade, esse novo talvez fosse apenas mais uma
moda passageira, que poderia ser controlada pela atua-
lização da censura, da repressão e da instrução.
176
Figura 2: No programa Chacrinha em 1971. Fonte: In: http://www.
fernandomachado.blog.br/novo/?p=123755, acesso em 25/09/2018.
177
do atual”.57 Embora as formas derivadas “actualizar”
ou “actualização” não apareçam uma só vez, a palavra
actual – grafado em português luso no site do Vatica-
no – surge 42 vezes no documento. Mas isso não im-
pediu que o esforço de compreensão do mundo atual
por parte do Concílio fosse amplamente interpretado
como “um esforço da Igreja Católica Romana para se
atualizar”, ou, como no original em inglês da matéria do
dia 3 de julho, uma “atualização da Igreja”. Essa melhor
representação da atualidade passava por modernização
burocrática – com computadores e outros eletrônicos,
mas também por uma representatividade global, redu-
zindo o peso dos italianos na Cúria.
**
57 http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_coun-
cil/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html
178
CAPITULO IV - ATUALISMO EM
POUCOS CARACTERES
4.1 A evocação da história no impea-
chment de Dilma Rouseff
58 http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/politica/noticia/2017/01/
marcos-nobre-e-impossivel-fazer-uma-retrospectiva-de-2016-a-nao-
ser-em-tempo-real-9043649.html, acesso em 25/09/2018.
59 Cf., por exemplo, https://super.abril.com.br/cultura/5-vezes-
em-que-house-of-cards-tirou-sarro-da-politica-brasileira/; https://
houseofcardsbrasil.wordpress.com/2016/05/13/de-frank-underwood-
temer-nao-tem-nada/; acesso em 25/09/2018. https://www.cartacapital.
com.br/politica/house-of-cards-e-a-politica-brasileira-667.html, acesso
em 25/09/2018. Ver, também, Pinto – Farias 2017.
60 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/
noticia/2016-08/confira-integ ra-do-discurso-de-dilma-em-
julgamento-do-impeachment-no-senado, acesso em 25/09/2018.
181
palavra história aparece 8 vezes, em quase todos
elas envolvendo a ideia de um processo histórico ou
mesmo uma “historiografia” ou “memória” capaz
de julgar e redimir.
61 Ibidem.
62 Disponível em: https://www.brasil247.com/pt/247/
poder/252049/Document%C3%A1rios-registram-o-g olpe-
182
tória aparece como uma grande força, de valor qua-
se transcendente, nos juízos acerca de seu discurso
parece prevalecer a ideia de que ele seria histórico
justamente pela disputa já estar perdida, sendo seu
valor apenas testemunhal. De algum modo, nossa
interrogação é: essa história ainda existe? É possível
separar o mundo das aparências do mundo dos fa-
tos, como denuncia Rouseff em seu discurso?
183
Em que pese o eurocentrismo do termo história
para designar a experiência pretérita, ainda sobrevive
certa crença de que a história (vivida e pensada) de-
signa processos verdadeiros e reais? Essa ideia mo-
derna de história (“a história em si e para si”), confor-
me analisa Koselleck (2006; 2014), constituiu-se, no
Ocidente, entre o século XVIII e XIX, e tem como
uma de suas bases certo antropocentrismo, ou me-
lhor, uma concepção de humanidade (humanidades?)
que separa o Homem (e a palavra é essa) da Nature-
za. Essas distinções ainda se sustentam?
63 In: https://www.tecmundo.com.br/software/130225-ia-dee-
pmind-consegue-encontrar-saida-labirintos-virtuais.htm, acesso em
25/09/2018. O estudo publicado na Nature pode ser lido em https://
www.nature.com/articles/s41586-018-0102-6, acesso em 25/09/2018.
Sobre a DeepMind, bem como sobre a vitória do AlphaGo em Lee
Sedol, ver https://en.wikipedia.org/wiki/DeepMind, acesso em
25/09/2018 e o documentário AlphaGo. Destacamos um trecho do
artigo da wikipedia no qual se afirma que o objetivo da empresa adqui-
rida pelo Google em 2014 é: “O objetivo da “DeepMind Technologies”
é “inteligência resolutiva”, que eles estão tentando alcançar combinan-
do “as melhores técnicas de aprendizado de máquina e sistemas de
neurociência para construir poderosos algoritmos de aprendizado de
propósito gneralizado”. Tudo isso nos faz lembrar um comentário céti-
co-melancólico de Baudrillard (1996) do final do século passado: “Hoje
não pensamos o virtual, é o virtual que nos pensa. E essa transparência
imperceptível que nos separa definitivamente do real nos é tão incom-
preensível quanto pode sê-lo para a mosca o vidro contra o qual ela se
choca sem compreender o que a separa do mundo exterior. A mosca
nem sequer imagina o que põe fim a seu espaço. Do mesmo modo, nem
sequer imaginamos o quanto o virtual já transformou, como por anteci-
184
Alguns arriscam a falar em uma condição pós-hu-
mana: “as atuais tecnologias da morte são pós-hu-
manas em função da forte mediação tecnológica
mediante as quais elas atuam” (BRAIDOTTI 2015,
p. 20). Nessa direção, o operador digital de um drone
pode ser considerado um piloto? “Nós todos, hoje,
estamos numa relação com o mundo cujo símbo-
lo seria o drone” (CASTRO 2014), isto é, as conse-
quências das ações estão cada vez mais separadas
das ações. A metáfora do drone também ajudaria a
explicar o processo de impeachment: “a destituição de
Dilma está para a democracia assim como os drones
para a guerra. Ambos reduzem os danos colaterais
causados por tanques atirando nas ruas. Têm lega-
lidade frágil e se estribam em evidências manipulá-
veis” (CONTI 2016). Vivemos em universos digi-
tais, comemos comidas geneticamente modificadas,
utilizamos próteses e fazemos usos de tecnologias
reprodutivas. Todas essas dimensões da vida atual
185
embaralham a fronteira do que é e não é humano.
Talvez o traço comum seja a mercantilização das
dimensões humanas e não humanas da vida atual.
186
um ponto de vista mais acadêmico, tem se chamado
essa governabilidade de algorítmica (ROUVROY
& BERNS 2015). Canclini (2018, p. 93) destaca
também que a autoexploração com consenso tem
também marcado o atual estágio do capitalismo e,
mais do que nas épocas pré-digitais, tem tido papel
decisivo na reprodução da exploração.
187
Canlini (2018) afirma:
Veja a propaganda
188
interações no Facebook Muhr e Pedersen chegam à
seguinte conclusão:
189
tinue o mesmo. Como na velha canção de Belchior,
que porta o belo título ‘camisa velha colorida’: ‘o que
ontem era jovem, novo, hoje é antigo, e precisamos
todos rejuvenescer’. O problema é que esse rejuve-
nescimento é da ordem única e exclusiva da camisa
velha colorida (CASANOVA 2017, p. 41-42).
190
misteriosas que, de acordo com as crenças modernas,
nutriam a interioridade de cada indivíduo (SIBILIA
2018, p. 219-220).
191
transparência digitais. Esse perfil, segundo o autor,
teria como marca de distinção a dificuldade em se
assumir como adulto, produzindo um ethos juvenil
que seria uma das fontes da incapacidade de enfren-
tar a experiência da verdadeira solidão e privacida-
de. Sem discordar do pessimismo de Andrew Keen,
podemos ainda acreditar que, no âmbito das huma-
nidades, devemos manter de pé o desafio da com-
plexidade da experiência. Podemos ainda tornar as
mídias sociais uma ferramenta, embora seja inegável
que o movimento esperado pelos seus produtores e
pelas corporações é o contrário, que nos tornemos
peças dessa nova engrenagem digital.
192
Em um horizonte de questionamento das ideo-
logias, talvez teríamos que aprender a agir e a fazer
para além dos partidos, de um programa político e
das lógicas da assembleia? Para o teuto-coreano, é
provável que Rousseau, tendo em vista sua inclina-
ção pela solidão, se vivesse hoje, fosse um hikiko-
mori. A vontade geral pode sim ser constituída, ma-
tematicamente, sem nenhuma comunicação, e ser,
ao mesmo tempo, mais justa e representativa. Uma
democracia fundamentada, do nosso ponto de vis-
ta, pela transparência numérica. Ora, o que estamos
falando aqui é de uma democracia em tempo real.
Será mesmo possível e desejável? Os riscos já foram
bem trabalhados, também, por diversos episódios
da série Black Mirror.
193
diáticas: o “YouTube permite la existencia y creación
de discursos contrahegemónicos en su seño. Pero tam-
bién ejerce un control sobre estos por la posibilidad
de censurarlos o eliminarlos en cualquier momento”
(MÁRUQEZ & ARDÈVOL 2018, p. 49).
194
Estamos frente à impossibilidade de uma relação
livre ou mesmo de superação com o mundo da téc-
nica? Para Duarte (2010), “na medida em que cada
vez mais o real, a natureza e o próprio homem são
tecnicamente produzidos, cada vez mais fará sen-
tido falar em realidade virtual, em natureza virtual
ou artificial e mesmo na virtualização artificializada
do próprio homem” (p. 12). O autor destaca que a
filosofia heideggeriana não defende o fim da técni-
ca, ciência ou da modernidade. Ela é, na verdade,
um chamado para outras possibilidades incertas e
imprevisíveis de uma relação mais livre com essas
dimensões. Ainda assim, o que está em questão no
nosso tempo, portanto, é a própria humanidade, o
nascimento e a morte dos humanos: qual o preço da
eliminação e/ou adiamento da morte pela técnica?
De que ente e ser estamos cada vez mais falando?
De qual abertura, história, memória e esquecimen-
to? O planejamento, produção e manipulação quase
integral do nascimento e da morte não é apenas um
fato da imaginação ficcional de séries do canal Net-
flix, é também uma das realidades e um presente-fu-
195
turo do nosso mundo. Seria o atualismo o tempo do
real virtualizado e, nesse sentido, a promessa ambí-
gua do fim da diferença entre o atual (real) e o virtual?
196
ção de impotência. A noção de resistência também
sofre, nessa perspectiva, profunda mutação. Afinal,
“quem pertuba mais a máquina: os movimentos so-
ciais ou os dispersos hackers” (p. 98)? Além disso, o
futuro de muitos empregos serão uma combinação
de processos realizados por computadores com ta-
refas realizadas por humanos. A esse respeito basta
pensar atualmente no Uber e no Airbnb. Ao que
parece, esse é um sistema propício para o trabalho
em condições atualistas. De modo complementar,
cabe dizer que a maior parte do planeta já é proprie-
dade de entidades subjetivas não humanas (nações
e companhias). A partir de Harari, em Homo Deus,
Canclini (2018, p. 101) sustenta que o dataísmo, isto
é, a religião dos dados, acaba por criar a crença na
mão invível do fluxo de dados.
197
Por mais paradoxal que seja, certas dimensões
atualistas de nossa vida contemporânea também
podem ser as condições de possibilidades para as di-
versas emergências para a reflexão e ação: a questão
de gênero, o antirracismo, o eurocentrismo, a ques-
tão ambiental, dentre outras.69 Mas, também, podem
nos impedir de ver alguns dos problemas globais
contemporâneos ligados à expansão do capitalismo
financeiro como, por exemplo, o aquecimento glo-
bal. O desafio é repensar as humanidades, pois as
teorias da maioria delas estão inadequadas para os
problemas que nos circundam (Cf. DOMANSKA
2010). Esse fato implicaria pensar em conhecimen-
tos em humanidades para além do antropocentris-
mo e enfatizar o colapso da distinção entre história
natural e humana? Assim, seria preciso repensar a
relação natureza/cultura e, por exemplo, romper o
silêncio e enfatizar que a atual mudança climática é
obra humana Chakrabarty (2013).
198
essas estruturas “[...] precisam funcionar de forma
sensível aos feedbacks, em tempo real, do comporta-
mento e dos desejos de indivíduos que são consumi-
dores, eleitores, grupos de pressão etc” (Idem, ibidem).
199
e ansiedades que o expectador atual pode facilmente
imaginar. A cena se resolve com a paciente devolvendo
as torradas e pedindo para que novas fossem feitas.
Como esperado, a atendente abre um sorriso proto-
colar, mas sai da sala um tanto furiosa com o que lhe
parece uma veleidade. Por outro lado, a manhã perfeita
da paciente foi definitivamente arruinada pela aflição
de uma imprevisível e bagunçada interação.
200
ricos. Ao despertar em um ambiente virtual com-
pletamente abstrato e homogêneo, a cópia não sabe
ser uma cópia, acredita ser a consciência original da
qual agora existe apartada. Nesse momento, entra
em ação um tipo de profissional cuja função é expli-
car ao novo ser a sua natureza e o que dele se espera
nesse mundo novo em que foi lançado. As primei-
ras reações da consciência duplicada é de descrença,
negação e revolta. Como “ela mesma” poderia ter
feito isso, como viver para sempre em um espaço
virtual com o único objetivo de servir a alguém,
e isso depois de ter vivido uma vida “real”, de ter
conhecido os prazeres e desejos de uma existência
física. Mas é exatamente por isso que essa consciên-
cia torna-se o assistente pessoal ideal, uma quase-
-pessoa, ou uma pessoa abstraída de sua condição humana.
201
dio. As táticas de domesticação da consciência en-
capsulada, parte da ambientação distópica, começa
pela aceitação de sua condição, que atinge seu ápice
quando a consciência vê seu corpo original em um
inocente cochilo vespertino. Esse reconhecimento
dá lugar a uma grande revolta e recusa em assumir
o papel de eterna assistente que lhe está reservado.
202
- Já programou? - Tudo certo, pronto para começar.
203
momento o programador parece sugerir que a dife-
rença entre as duas versões não seria o fato de uma
delas não possuir um corpo, mas sim que uma delas
é capaz de pagar pelo serviço, possui as prerrogativas
legais para isso. A verdadeira cópia parece ser verda-
deira apenas porque é capaz de pagar pela autentica-
ção. Usufruir dos prazeres de ter um corpo, de auto-
nomia, torna-se um privilégio, que se pode imaginar
muitas outras pessoas ou entidades estariam privadas.
como costumávamos pensar até pouco tempo atrás. Agora ela brota do
olhar alheio. Esse trânsito de um modo moderno de entender a memória,
para uma forma contemporânea e ainda em coagulação, parece se confir-
mar cada vez com mais força, inclusive no que se refere a algo fundamental:
quem se é, quem se tem sido e quem se poderia chegar a ser”.
204
automatizamos o controle sobre o que estamos
vendo, tornando a experiência do tempo real do ao
vivo fonte de ansiedade. É uma modalidade desse
mesmo sentimento que parece ser o tema central do
episódio, como viver o mundo real, o mundo his-
tórico, quando ele tão insistentemente parece fugir
ao nosso controle, nossa capacidade de manipular o
tempo, o espaço e as consciências. Mas certamen-
te esse não é um desejo ou uma prática nova, vale
lembrar as reações sociais à engenharia moderna do
tempo, tão bem ilustrada por Walter Benjamin, ao
analisar o vandalismo contra relógios públicos nas
ondas revolucionárias dos séculos XIX.
205
ca são equivalentes. Alienada de si mesma, em suas
duas metades, as consciências tornam-se escravas
uma da outra: atriz e telespectadora de si mesma em
uma realidade tão perfeita como a ficção. Ao fim, a
vida real torna-se uma espécie de show altamente
viciante para a sua cópia, que mantém a rotina da
original sob controle, espontaneamente programa-
da como o roteiro de um reality show.
206
A solidão surge em White Christmas apenas como
uma forma extrema de tortura, no espaço virtual neu-
tro e homogêneo em que a consciência é aprisionada
não há tempo em sentido próprio, por isso ela parece
incapaz de se perder em devaneios reflexivos, não há
qualquer indício de que tenha aproveitado esse tempo
para a autorreflexão. Esse tempo manipulado, que é
extremante veloz no mundo externo, e extremamente
lento no mundo virtual (mas que poderia ser também
o contrário, caso o programador asssim o desejasse),
não permite o tipo de suspensão da cotidianidade que
Heidegger associa ao estado de angústia, que também
é uma confrontação com o vazio, mas ao final da qual
podemos decidir e assumir o mundo como nosso po-
der-ser. Incapaz de estar só, pois naturalizou o mun-
do como algo essencialmente externo a si mesma, essa
pura consciência vê na ausência e na solidão (ou so-
litude) apenas ansiedade (Cf., também, entre outros,
FERRARIS 2011; TURKLE 2011; SIBILIA 2016;
DUNKER 2017). De todo modo, a história cen-
tral do episódio White Christmas trata exatamente do
drama de ser colocado em um restricted status housing,
eufemismo pelo qual as prisões nos Estados Unidos
definem a tortura da solitária.
207
sombrio. Um número crescente de pessoas com
idade acima de 60 anos que terminam por morar
sozinhas sentem-se cada vez mais solitárias. Sabe-
mos que estar sozinho e sentir-se solitário são coisas
bastante distintas, é possível um ‘solitário andar por
entre as gentes’ ou engajar-se em profundas rela-
ções estando sozinho. Em geral a pena que o ‘viver
sozinho’ provoca em nossa sociedade ignora a so-
ciabilidade potencial do estar só. No mundo digital,
estamos cada vez menos sozinhos, mas nem por isso
menos solitários. Tanto nos Estados Unidos quanto
na Grã-Bretanha, as taxas de solidão, ou seja, dos que
afirmam sofrer com a solidão entre pessoas acima de
60 anos, variam de 10% a 46%, o que tem motivado,
em especial no contexto britânico, uma preocupação
crescente com iniciativas públicas e privadas que vi-
sam enfrentar essa realidade. Hafner cita uma pesqui-
sa conduzida pela professora e geriatra Carla Peris-
sinotto, da Universidade da Califórnia, com pessoas
acima de 60 anos em que 43% relatam sofrimento
com a solidão (HAFNER 2016).
208
provam o sucesso de serviços como o Periscope, que
permite a qualquer usuário transformar momentos
de sua rotina em streamings de vídeo ao vivo e que
tem como lema a frase: “veja o mundo através dos
olhos de outra pessoa”. Esse desejo de uma empatia
total parece marcar as utopias e distopias do tempo
digital atualista.73
209
reproduzidos pelas diversas mídias sociais, assim
como a obra de arte descrita por Walter Benjamin,
nosso valor de face depende cada vez menos de
qualquer tipo de aura ou culto da autenticidade e
mais de nosso sucesso em nos reproduzir em múl-
tiplas cópias cujo original já não é tão fácil dis-
cernir. A relação entre a consciência original e sua
cópia parece ser, na verdade, a relação entre dife-
rentes modalidades de reprodução. No limite, são
os diversos serviços e aplicativos que ‘autenticam’ e
diferenciam o original da cópia, desde que se continue
a pagar por eles, em dinheiro ou dados pessoais que
constantemente deixamos que sejam armazenados.
Cada vez mais pessoais e sedentos por serviços per-
sonalizados que se retroalimentam de uma autoe-
xibição contínua, nós nos sentimos únicos, diferen-
ciados, no sentido de sermos diferentes e melhores,
definitivamente afastados de algo como um outro
semelhante. Sempre diferenciadas, mas não diver-
sas, as mídias sociais alimentam-se de nossa solidão
e, ao mesmo tempo, nos tornam incapazes daquele
estar sozinho meditativo.
210
de e complexidade dos autorretratos no interior
do museu Van Gogh ou mesmo da arte flamenga
reunida no outro lado da praça no Museu Rijk e a
multidão que freneticamente se autofotografa em
interações diversas com o enorme letreiro insta-
lado no gramado com a nova marca da cidade “I
Amsterdam”.74 A esse respeito, Byung-Chul Han
(2013), em sua crítica radical afirma: “o ‘rosto hu-
mano’ com seu valor cultural faz tempo que de-
sapareceu da fotografia. A época do Facebook e
Photoshop transforma o ‘rosto humano’ em uma
face que se dissolve por inteiro em seu valor de
exposição. [...]. Na sociedade exposta, cada sujei-
to é seu próprio objeto de publicidade. Tudo se
mede por seu valor de exposição. A sociedade ex-
posta é pornográfica. Tudo está direcionado para
fora, descoberto, despojado, desvestido e expos-
to” (p. 27 e 29).
74 https://thisisnotadvertising.wordpress.com/2012/11/05/i-
-amsterdam-the-campaign-to-re-brand-amsterdam/, acesso em
25/09/2018.
211
algumas delas, em torno de 25 mil, por períodos
que podiam se estender por anos de confinamento
(BARACK OBAMA 2016). A jornalista Erica Goode
produziu uma série de reportagens influentes em que
descreveu o estado dos prisioneiros e a banalização
da prática, que se expande entre as décadas de 1980 e
1990, mas cujos fundamentos, como bem lembra,
remonta ao imaginário vitoriano que acreditava que
a autorreflexão propiciada pela solidão teria efeitos
educativos sobre o prisioneiro (TAWILE 2016). Al-
guns especialistas que estudam os efeitos sobre os
presos de longos períodos de confinamento solitá-
rio costumam relacionar seus sintomas com a expe-
riência de uma morte social.
212
de conforto digital. O sentimento crescente de so-
lidão é compensado pela ampliação de nossas pos-
sibilidades de conexão, da qual somos cada vez
mais dependentes. Se, para Heidegger, a atividade
humana mais definidora é o cuidar com outros se-
res humanos, sentir-se cuidando e cuidado é fun-
damental, as redes prometem nos entregar essa
sensação sem os compromissos e os problemas do
mundo real. Como no Periscope, ver com os olhos
dos outros e depois desconectar gera um fenôme-
no dos relacionamentos digitais chamado ghosting,
já amplamente documentado (TAWILE 2016).76
Mas, como aponta Rodrigo Turin em sua leitura de
uma das versões deste texto, é preciso compreen-
der melhor a emergência de novas e intensas for-
mas de solidariedade política e laços sociais que,
por exemplo, as novas gerações experimentam
por meio de ocupações e coletivos, onde a solidão
pode ser relativizada e questionada por meio de
um trânsito positivo entre o virtual e o real.
213
LOADING: SUAS DEFINIÇÕES ES-
TÃO DESATUALIZADAS
“Mas o que parece certo, é que nos dois casos a desle-
gitimação e a prevalência do critério do desempenho soam
como a hora final da era do Professor [...]”
(LYOTARD 1979, p. 95).
217
tratégia eficiente” (LYOTARD 2009, p. 93). O que
sustenta o otimismo de Lyotard era poder ainda imagi-
nar que o automatismo informacional seria incapaz de
rotinizar o aqui e agora da atualização.
218
ou imprópria. Como para Heidegger essas formas
da experiência são ontológicas, foi preciso pensar
sobre o significado de seu relativo ocultamento nas
descrições do “tempo moderno” e sua hipertrofia
nas descrições da reivindicada novidade de nosso
cronótopo ou regime de historicidade.
219
TOUR 2017). A diferença parece mínima entre um
dos personagens principais, o especulador “Bobby”
Axelrod, e nosso personagem real Joesley Batista.
Dentro dessa perspectiva é preciso considerar que
a política é por definição ecológica, sendo assim o
meio ambiente não é algo exterior. Pensar em um
mundo capaz de explorar positivamente, ou mesmo
pelo avesso, as mesmas forças estruturantes que pro-
duzem o mundo atual, necessita levar essas dimen-
sões em consideração.
220
pensar em nossa situação contemporânea não por
uma afirmação negativa, como sem futuro, com
futuro fechado ou, ainda, de um futuro presentista
(e mesmo de um passado presentista visto apenas a
partir de um presente estendido), mas com um tipo
particular de futuro. O passado e o futuro atualista
não são consumidos apenas em função de um pre-
sente estendido. Esse modo específico de articulação
das dimensões temporais encontram, como mostra-
mos, na temporalidade da decadência, um parentes-
co evidente e nos ajuda a entender o paradoxo de
um presente ao mesmo tempo cheio de novidades
e quase sempre vazio de eventos. Por mais que as
novidades se apresentem, seja mesmo vindas do pas-
sado ou do futuro, elas não são capazes de refazer
vínculos conjunturais e estruturais, pois ‘nossa atua-
lidade’ se atualiza (quase) exclusivamente em função
da própria atualidade. O que esse movimento pode
trazer de novo ao argumento presentista é esclarecer
que não se trata substancialmente de uma amplia-
ção (ou encurtamento) do presente, mas mesmo da
ampliação de referências ao passado e futuro, porém
em modo atualista. Nesse sentido, o aprofundamen-
to da democracia (e da cidadania), por exemplo, pode
esperar, pois o importante como destaca a epígrafe
da introdução é a atualização por ela mesma. Assim,
podemos entender como a moda ou nostalgia da his-
tória e das coisas históricas ou mesmo do passado
pode ser contemporânea da experiência atualista do
tempo. Ou de uma sociedade que teria um futuro
fechado ser, ao mesmo tempo, viciada em novidades
e ávida pela mais nova série do Netflix.
221
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAMBEN, Giorgio.
- O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chape-
có: Argos, 2009.
225
Perla Chinchilla; MAZZUCHELLI, Aldo;
GUMBRECHT, Hans Ulrich (Org.). Zweiter
Ordnung im Historichen Kontext: Niklas Luh-
mann in Amerika. 1ed.Munique: Wilhelm
Fink Verlag, 2013a, p. 99-114.
- O Direito à História: O(a) Historiador(a)
Como Curador(a) de Uma Experiência His-
tórica Socialmente Distribuída. In: GUI-
MARÃES, Géssica; BRUNO, Leonardo;
PEREZ, Rodrigo (org.). Conversas sobre o Bra-
sil: ensaios de crítica histórica. Rio de Janei-
ro: Autografia, 2017, p. 191–216.
ARENDT, Hannah.
- A Condição Humana. 10º ed. Rio de Janeiro:
Ed. Forense Universitária, 2000.
226
ponível em: <http://piaui.folha.uol.com.br/
materia/o-brasil-e-recessao-democratica/>.
BAUDRILLARD, Jean.
- A alucinação coletiva do virtual. Disponí-
vel em: <http://www1.folha.uol.com.br/
fsp/1996/1/28/mais!/3.html>. Acesso em
25/09/2018.
- Após a orgia. In: A Transparência do Mal. En-
saio sobre os fenômenos extremos. Tradução de
Estela dos Santos Abreu. Campinas, SP: Pa-
pirus, 1996.
BENTES, Ivana.
- Os odiadores da nação. Cult. 2016. Dispo-
nível em: <https://revistacult.uol.com.br/
home/os-odiadores-da-nacao/>. Acesso em
25/09/2018.
BENTIVOGLIO, Julio. C.
- A história conceitual de Reinhart Koselleck.
Revista de História (UFES), v. 24, p. 126-144,
2010.
- História e Distopia: a imaginação histórica no
alvorecer do século XXI. Serra: Editora Mil-
fontes, 2017.
BERRY, David M.
- Copy, Rip, Burn: The Politics of Copyleft and
Open Source. London: Pluto Press, 2008.
- Critical Theory and the Digital. New York:
Bloomsbury, 2014.
- The Philosophy of Software: Code and Mediation
227
in the Digital Age. London: Palgrave Mac-
millan UK, 2011.
BEVERNAGE, Berber.
- History, Memory, and State-Sponsored Violence:
Time and Justice. New York: Routledge, 2012.
BOYM, Svetlana.
- Mal-estar na nostalgia. História Da Historio-
grafia. Ouro Preto, v.23, p. 153–165, 2017.
BRAIDOTTI, Rosi.
- Lo Posthumano. Barcelona: Editorial Gedisa,
2015.
BRUNO, Fernanda.
- Rastrear, classificar, performar. Ciência e Cul-
tura. Campinas, vol. 68, n. 1, 2016, p. 34-38.
228
CAMERON, Robert M.
- Update: A Utility Program for the An/gyk-
-3(v) Modular Data Processing System, De-
fense Technical Information Center/Naval
Research Lab. Washington, D. C. 1967.
CANCLINI, Nestor. G.
- Cómo investigar la era comunicacional del
capitalismo. Desacatos. México, CIESAS, n.
56, 2018, p. 90-105.
CANTANHÊDE, Eliane.
- Conciliar o inconciliável. Estadão (Estado de
São Paulo on-line), São Paulo, 14/08/2016.
Política. Colunistas. Disponível em: <https://
goo.gl/7aY55s>. Acesso em 09/09/2016.
CARDOSO, Ana C. M.
- Direito e dever à desconexão: disputas em
torno dos tempos de trabalho e de não tra-
balho. Revista da Universidade Federal de Minas
Gerais. Belo Horizonte, v. 23, 2016, p. 62-87.
229
rora: Revista de Filosofia (PUCPR. Impresso).
Curitiba, v. 27, n. 40, p. 167-196, jan./abr, 2015.
CASTELLS, Manuel.
- The impact of the Internet on Society: a global
perspective. In: Ch@nge: 19 key essays on how
Internet is changing our lives. BENKLER,
Yochai et al. Madrid: BBVA, 2013.
- A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
CERTEAU, Michel.
- A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Pe-
trópolis, RJ: Vozes, 2008.
CEZAR, Temístocles.
- Entre Antigos e Modernos: A Escrita Da
História Em Chateaubriand. Ensaio Sobre
Historiografia e Relatos de Viagem. Alma-
nack 11(maio): 26–33, 2010.
- Ser historiador no século XIX: o caso Varnha-
gen. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.
CHAKRABARTY, Dipesh.
- Antropocene Time. History and Theory. Mid-
dletown, n. 57, p. 5-32, 2018.
230
- O clima da história: quatro teses. Sopro. Cul-
tura e Barbárie, n. 91, 2013.
CHOAY, Françoise.
- A Alegoria Do Patrimônio. São Paulo: Unesp,
2006.
CLARKE, Arthur C.
- 2001: uma odisseia no espaço. São Paulo:
2013.
- Profiles of the Future: an Inquiry into the Li-
mits of the Possible. New York: Harper &
Row, 1962.
- The Collected Stories of Arthur C. Clarke. Lon-
dres: Victor Gollancz Ltd, 2000.
231
COMPTON, William David. BENSON,
Charles
- Living and Working in Space: A History of
Skylab. Washington: NASA, 1983.
DEBORD, Guy.
- A Sociedade Do Espectáculo. Lisboa: Editora
Antígona, 2005.
DELACROIX, Christian.
- Généalogie d’une notion. In: DELACROIX,
Christian; DOSSE, François; GARCIA, Pa-
trick (orgs.). Historicités. Paris, Éditions La
Découverte, 2009. p. 29-45.
DOMANSKA, Ewa.
- Beyond Anthropocentrism in Historical Studies.
Historien. Vol 10, 2010.
DUARTE, André.
- Vidas em risco: crítica do presente em
Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2010.
232
FARIA, Daniel.
- Anamorfose de um dia: o tempo da história
e o dia 11 de dezembro de 1972. História da
Historiografia. Ouro Preto, 2015, p. 11-29.
FARIA, Felipe.
- O Atualismo entre uniformitaristas e catas-
trofistas. Revista Brasileira de História da Ciência.
Vol. 7, n. 1, 2014, p. 101-109.
FEENBERG, Andrew.
- Agency and citizenship in a technological society.
Lecture presented to the Course on Digital Citi-
zenship. Copenhagen, IT University of Cope-
nhagen, 2011.
- Technosystem: The Social Life of Reason.
Cambridge, Massachusetts: Harvard Univer-
sity Press, 2017.
FERRARIS, Maurizio.
- Dove sei? Ontologia del telefonino. Milano:
Bompiani, 2011.
FOUCAULT, Michel.
- As Palavras e as Coisas. Uma arqueologia das ciên-
cias humanas. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
233
GENTILI, Giovanni.
- Teoria generale dello spirito como atto puro. Firen-
zi: Casa Editrice Le Lettere, 1987.
GOODE, Erica.
- Prisons Rethink Isolation, Saving Money,
Lives and Sanity. New York Times (on-line).
Nova York, 2012. Disponível em: <https://
goo.gl/Q7Nwes>. Acesso em 25/09/2018.
- Solitary Confinement: Reporter’s Notebook.
New York Times (on-line). Nova York, 2015.
Disponível em: <https://goo.gl/eKT9Wn>.
Acesso em 25/09/2018.
234
- Produção de presença. O que o sentido não con-
segue transmitir. Rio de Janeiro: Contrapon-
to e PUC-Rio, 2010.
HAFNER, Katie.
- Researchers Confront an Epidemic of Lone-
liness. The New York Times. New York, 5 de
Setembro de 2016. Disponível em: https://
nyti.ms/2VQGreQ. Acesso em 25/09/2018.
HAN, Byung-Chul.
- No Enxame: Reflexões Sobre o Digital. Lis-
boa: Relógio D’água, 2016.
- La sociedad de la transparencia. Barcelona:
Herder, 2013.
HANNOUM, Abdelmajid.
- What is an order of time? History and Theory.
Middletown, n. 47. October, 2008, p. 458-471.
HARRIS, Michael.
- The End of Absence: Reclaiming What We’ve
Lost in a World of Constant Connection.
New York: Penguin, 2014.
HARTOG, François.
- Croire en l’histoire. Paris: Flammarion, 2013.
- Entrevista com François Hartog: história, his-
toriografia e tempo presente. História da Histo-
riografia. Ouro Preto, n. 10, 2012a, p. 351-371.
- Entrevista: François Hartog. Rev. Bras. Hist. São
Paulo, v. 35 n. 70, July/Dec, 2015, p. 281-291.
- Présentisme plein ou par défaut? In: ____.
235
Régimes d’historicité. Présentisme et expé-
riences du temps. Paris: Seuil, 2012b, p. 5-9.
- Régimes d’historicité. Présentisme et expé-
riences du temps. Paris: Seuil, 2003.
HASSAN, Sara E.
- Los Gadgets. Acheronta Revista de Psicoanálisis
y Cultura. Buenos Aires, Psicomundo, n. 7,
Julio, 1998.
HEIDEGGER, Martin.
- Sein Und Zeit. Max Niemeyer Verlag Tübin-
gen, 2006.
- Ser y tiempo. Madrid: Trotta, 2003.
- Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1993.
- Being and Time. New York: State University of
New York Press, 2010.
JORDHEIM, Helge.
- Introduction: Multiple Times and the Work
of Synchronization. History and Theory. Mid-
dletown, n. 53 (4), 2014, p. 498–518.
JÚNIOR, Guilherme S. G.
- Paisagem, Graça E Sentimento Do Belo: Winckel-
mann, Chateaubriand E Girodet. ARS (São
Paulo) 12 (23): 2014. p. 80–103.
236
KEEN, Andrew.
- Digital Vertigo: How Today’s Online Social
Revolution Is Dividing, Diminishing, and
Disorienting Us. London: Constable (Kind-
le edition), 2012.
KLEINBERG, Ethan.
- Haunting History: Deconstruction and the
Spirit of Revision. History and Theory. Middle-
town, v. 46, n. 4, 2007, p. 113–43.
KOSELLECK, Reinhart.
- Crítica e Crise: uma contribuição à patogê-
nese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
EDUERJ; Contraponto, 1999.
- Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio
de Janeiro: Contraponto/Pontifícia Univer-
sidade Católica do Rio de Janeiro, 2014.
- Futuro Passado: Contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contra-
ponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
LATOUCHE, Serge.
- Usa e Getta: Le Follie Dell’obsolescenza Pro-
grammata. Torino: Bollati Boringhieri, 2015
LATOUR, Bruno.
- Les super-riches ont renoncé à l’idée d’un
monde commun. Bibliobs, Paris, 2017. Dispo-
237
nível em: <https://bibliobs.nouvelobs.com/
idees/20170316.OBS6702/bruno-latour-les-
-super-riches-ont-renonce-a-l-idee-d-un-mon-
de-commun.html>. Acesso em 25/09/2018.
LEWIS-KRAUS, Gideon.
- The Great A.I. Awakening How Google Used
Artificial Intelligence to Transform Google
Translate, One of Its More Popular Services
— and How Machine Learning Is Poised
to Reinvent Computing Itself. The New York
Times Magazine (on-line). Nova York, 14 de
Dezembro de 2016. Disponível em: <https://
goo.gl/dJaA3R>. Acesso em 25/09/2018.
LYON, David.
- Surveillance After Snowden. Cambridge, UK:
Polity Press, 2015.
LYNCH, Christian E. C.
- O Império é que era a República: a monarquia
republicana de Joaquim Nabuco. Lua Nova.
Revista de Cultura e Política, São Paulo, v. 1, p.
277-311-2012.
- Conservadorismo caleidoscópico: Edmund
Burke e o pensamento político do Brasil.
Lua Nova, São Paulo, 100: 313–62, 2017.
LYOTARD, Jean-François.
- A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2009.
LYTHGOE, Esteban.
- Disposición Afectiva Y Temporalidad En
Martin Heidegger entre 1927 y 1930. Aurora.
238
Curitiba n. 26, jul/dez, 2014, p. 759–75.
LÜBBE, Hermann
- Esquecimento e historicização da memória.
Estudos Históricos, 29, 285–300, 2016.
MALERBA, Jurandir.
- Acadêmicos na berlinda ou como cada um
escreve a história: uma reflexão sobre o em-
bate entre historiadores acadêmicos e não
acadêmicos no Brasil à luz dos debates so-
bre a Public History. História da Historiografia.
Ouro Preto, v. 15, 2014, p. 27-50.
- Os Historiadores e Seus Públicos: Desafios
Ao Conhecimento Histórico Na Era Digital.
Revista Brasileira de História. São Paulo, n. 37
(74), 2017, p. 135–54.
MALPAS, Simon.
- Jean-François Lyotard. London: Routledge, 2003.
239
sociológica. México, n. 69, 2016, p. 51-75.
MENZEL, Christopher.
- Actualism. Stanford Enciclopedia of Philosophy.
Center for the Study of Language and Infor-
mation. Stanford University, Stanford, 2014.
Disponível em: <http://plato.stanford.edu/
entries/actualism/>. Acesso em 25/09/2018.
NICOLAZZI, Fernando.
- A história entre tempos: François Hartog e
240
a conjuntura historiográfica contemporânea.
História: Questões & Debates. Curitiba, n. 53, p.
229-257, jul./dez., 2010.
- A História E Seus Passados: Regimes Histo-
riográficos E Escrita Da História. In Escre-
ver História: Historioadores E Historiografia
Brasileira Nos Séculos XIX E XX, eds. Julio
Bentivoglio; Bruno César Nascimento. Vitó-
ria: Milfontes, 7–36, 2017.
OBAMA, Barack.
- Why We Must Rethink Solitary Confine-
ment. The Washington Post (on-line), 2016.
Opinions. Disponível em: <goo.gl/WBL-
5ga>. Acesso em 25/09/2018.
OLIVEIRA, Bernardo.
A personagem de ficção e o mundo digital.
Viso: Cadernos de Estética Aplicada. v. 17, p.
204-220, 2015.
- As narrativas seriadas e a experiência con-
temporânea. O Que nos Faz Pensar (PUCRJ).
Rio de Janeiro, v. 36, p. 299-314, 2015.
PARISER, Eli.
- O filtro invisível: o que a internet está
escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar,
2012.
241
PEREIRA, Mateus. H. F; ARAUJO,
Valdei L. de.
- Actualismo y presente amplio: breve análisis
de las temporalidades contemporáneas. Desa-
catos. Revista de Antropología Social. Méxi-
co, v. 55, p. 12-27, 2017.
242
- A arte imita a vida: Análise do seriado de TV
“House of Cards” sob o olhar da comunica-
ção e sua relação com a política. Intercom. XIX
Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste, Fortaleza, CE, 2017.
PLANT, Sadie.
- The most radical gesture. New York: Routledge,
1992.
REVEL, Jacques.
- Micro-história, macro-história. Rev. Bras.
Educ. Rio de Janeiro, Zeppelini Editorial,
vol.15, n.45, 2010.
- Jogos de escalas. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
RICOEUR, Paul.
- A marca do passado. In: História da Historiogra-
fía. Ouro Preto, n. 10, 2012, p. 329-349.
243
- A memória, a história e o esquecimento. Campi-
nas, SP: Editora da Unicamp, 2007.
- Tempo e narrativa. Tomo III. Campinas: Papirus, 1997.
RIGNEY, Ann.
- When the monograph is no longer the me-
dium: historical narrative in the online age.
History and Theory. Middletown, n. 49 (4),
2010, p. 100–117.
ROSA, Hartmut.
- Aceleración social: consecuencias éticas y po-
líticas de una sociedad de alta velocidad
desincronizada. Persona y Sociedad. Chi-
le, Universidad Alberto Hurtado, v. XXV, n.
1, 2011, p. 9-49.
- Social Acceleration: a new theory of modernity.
Columbia University Press, 2013.
ROUSSEFF, Dilma.
- Discurso no Senado, 2016. Disponível
em: <https://goo.gl/Gydg1a>. Acesso em:
09/09/2016.
244
RUNCIMAN, David.
- How Democracy Ends. Hardcover, 2018.
RUMYANTZEVA, Mary.
- Compensation-Theory in the Context of
Classical and Contemporary Conception of
Modernization Process: Dualistic Model of
Modernity, Proposed by Odo Marquard and
Hermann Lübbe. Higher School of Economics Re-
search Paper No. WP BRP 96/HUM/2015. ht-
tps://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abs-
tract_id=2592462, acesso em 25/09/2018.
SIBILIA, Paula.
- Celebridade para todos: um antídoto contra a
solidão? Ciência e Cultura. V. 62, 2010, p. 52-55.
- O show do eu: a intimidade como espetáculo.
2ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.
- Você é o que Google diz que você é: A vida
245
editável, entre controle e espetáculo. In: In-
texto (UFRGS. Online), Porto Alegre, v. 42,
2018, p. 214-231.
SIM, Stuart.
- Lyotard and the Inhuman. Postmodern En-
counters. London: Icon Books, 2001.
SOUSA, Francisco G.
- Do presente à memória: dois olhares de Joa-
quim Nabuco sobre a proclamação da Repú-
blica. In: XIV Encontro Regional da Anpuh-Rio,
2010, Rio de Janeiro. Anais do XIV Encon-
tro Regional de História da ANPUH-Rio:
Memória e Patrimônio, 2010.
TAWILE, Mia.
- 2016. Ghosting, a New Social Phenomenon
Caused by Digital. Marketing & Innovation
(blog), 2016. Disponível em: <https://goo.
gl/2WjRgg>. Acesso em 25/09/2018.
Team Periscope.
- “Year One.” Periscope Blog. 2016. Disponível
em: <https://goo.gl/TdD5BG>. Acesso em
25/09/2018.
246
THOMPSON, Johan. B.
- Fronteiras cambiantes da vida pública e pri-
vada. MATRIZes. São Paulo, ano 4, n 1, jul./
dez., 2010, p. 11-36.
- A mídia e a modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
TIQQUN.
- La hipótesis cibernética. 2013. Disponí-
vel em: <http://tiqqunim.blogspot.com.
br/2013/01/la-hipotesis-cibernetica.html>.
Acesso em 25/09/2018.
TRÜPER, Henning.
- Löwith, Löwith’s Heidegger, and the Unity
of History. History and Theory. Meddletown,
53 (1), 2014, p. 45–68.
TURIN, Rodrigo.
- A polifonia do tempo: ficção, trauma e acele-
ração no Brasil contemporâneo. ArtCultura,
Uberlândia, v. 19, n. 35, 2017, p. 65.
TURKLE, Sherry.
- Alone together: why we expect more from
technology and less from each other. New
York: Basic Books, 2011.
UNGUREANU, Camil.
- Aestheticization of politics and ambivalence of
self-sacrifice in Charlie Brooker’s The National
Anthem. Journal of European Studies. 2015.
247
VALERO, Aurelia; ZERMEÑO,
Guillermo.
- La historia en un tiempo “presentista”. Desa-
catos. México, n. 55, 2017, p. 8-11.
WERNER Michael; ZIMMERMANN,
Bénédicte.
- Penser l’histoire croisée: entre empirie et réflexi-
vité. Annales. Paris: EHESS, v. 58, no1, 2003.
WHITE, Hayden.
- Ficción histórica, historia ficcional y realidad histórica.
Buenos Aires: Prometeo Libros, 2010.
ZAWDZKI, Paul.
- Les equivoques du présentisme. Esprit. Paris:
Esprit, 2008, n. 345.
ZERMEÑO-PADILLA, Guillermo.
- História, Experiência e Modernidade na
América Ibérica, 1750-1850. Almanack Bra-
ziliense. São Paulo, n. 7, 2008, p. 5-46.
248
250
Este livro foi composto na tipografia
Garamond, em corpo 08 pt e
impresso em papel Off-set, 75g.
251