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e consequências∗
Catarina Rodrigues
Universidade da Beira Interior
cos, vídeos caseiros, curiosidades, tudo pode deos como aquele que foi produzido pelo
ser visto e partilhado, a qualquer hora e em responsável pelo ataque na Universidade
qualquer lugar. Alguns aspectos indicam que Virgínia Tech? Recorde-se que os familia-
a cidadania se exerce também na Internet e res das vítimas criticaram fortemente a NBC
através dela. A participação activa dos cida- pela divulgação dessas imagens e pela lin-
dãos é o aspecto que aqui mais nos importa guagem nelas contida, mas os utilizadores da
realçar, embora não seja demais lembrar que Internet têm acesso aos mais diversos vídeos
aqueles que disponibilizam conteúdos neste sem qualquer tipo de filtro. Estará o sucesso
espaço constituem ainda uma minoria face do YouTube relacionado com a televisão, ou
ao número total de visitantes do site. melhor, com o que os telespectadores não en-
contram na pequena caixa mágica? Poderão
fenómenos como este concorrer com a pró-
2 Jornalistas de circunstância
pria televisão, nomeadamente no que diz res-
Os vídeos do YouTube têm muitas vezes ocu- peito à transmissão de determinados aconte-
pado espaços nos media, nomeadamente em cimentos?
noticiários televisivos onde a imagem é fun- A televisão, em especial os canais gene-
damental. À semelhança do que já havia ralistas têm vindo a perder telespectadores
acontecido com os blogs surge novamente a de uma forma acentuada. No caso dos jo-
questão do “cidadão-jornalista”, referida por vens em especial é notório um maior inte-
Dan Gillmor. Num texto publicado no seu resse pela comunicação via Internet, até por-
blog, Luís Carmelo compara o YouTube ao que são cada vez mais as possibilidades pro-
“tempo da iminência”2 . Para Carmelo “o porcionadas em frente ao pequeno ecrã do
YouTube permite ver imagens que se anteci- computador. Como lembra Moral o com-
pam às captadas pelos media tradicionais, ao putador é utilizado socialmente. “Todavia,
filtro da edição e sobretudo às consequências muitos adultos têm a imagem de uma criança
dos factos filmados. Há no YouTube um novo solitária que passa o dia colado ao ecrã do
tempo, o tempo da iminência, que nada tem computador a jogar ou a ver coisas indevi-
já que ver com o tempo da notícia, nem com das”3 .
o tempo da meta-ocorrência (i.e., os factos Uma outra característica das facilidades
reais transformados, num dado período, em permitidas pelos novos meios passa pelo
efabulação ficcional e contagiosa - veja-se o facto de os cidadãos se terem apropriado de
caso Sócrates, o caso Casa Pia, o caso gripe características que até então haviam sido de-
das aves, etc...)”. O autor dá o exemplo do legadas aos jornalistas: informar sobre o que
massacre Virginia Tech que denota o lado de mais relevante se passa, o que implica à
“abismado e terrível” dizendo mesmo que partida uma atenção constante em relação ao
“hoje em dia, deixámos de ter tempo para mundo envolvente. Munidos de câmaras fo-
nos prepararmos para a actualidade”. tográficas digitais, telemóveis ou câmaras de
O que dizer perante a transmissão de ví- vídeo (por sua vez também cada vez mais
2 3
http://luiscarmelo.blogspot.com/2007_04_01_ar http://blogs.alianzo.com/redessociales/2006/11/
chive.html#8397645546112102133 09/icomo-es-la-generacion-youtube
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A presença do YouTube nos media 3
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A presença do YouTube nos media 5
essencial entre o jornalismo cívico e esta cor- questiona-se a mediação entre o público e o
rente defendida por Gillmor reside no facto privado. A que se deve afinal o sucesso do
de o primeiro ser exercido por jornalistas, en- YouTube? Como respondem os media em
quanto que o segundo pode ser uma oportu- geral, e os jornalistas em particular, a estas
nidade para qualquer cidadão, ou seja para inovações tecnológicas e até culturais? Esta-
própria audiência. Uma das principais ideias remos perante novas formas de comunicação
de Gillmor é que cada um de nós pode ser e novas linguagens?
autor de notícias, deixando de ser um mero O Youtube é um espaço híbrido que soube
espectador, passando a ter um papel activo aproveitar as ferramentas que os cidadãos
na produção, ou seja, abordar temáticas que têm hoje ao seu dispor, podendo aqui aplicar-
de outra forma talvez não chegassem aos me- se a ideia de “estar no sítio certo à hora certa”
dia tradicionais. Dan Gillmor traça assim acrescentando-se ainda a possibilidade de
a (r)evolução do jornalismo de massas para nessa mesma hora poder dar a conhecer o su-
um jornalismo mais cívico, como se todos cedido a milhões de pessoas.
pudessem ser jornalistas. “A linha divisória De informação a entretenimento é possí-
entre produtores e consumidores vai esbater- vel publicar e encontrar de tudo um pouco
se, provocando alterações, que só agora co- no YouTube. Esta ferramenta é utilizada por
meçamos a antever, nos papéis de cada um simples curiosos que fazem pesquisas so-
dos grupos” (Gillmor, 2005:15). A audiên- bre um determinado tema, assim como por
cia desempenha agora um papel mais activo. bloggers que procuram documentar opiniões
E para além da informação que é possível e jornalistas que podem encontrar ali todo
encontrar em sites como o YouTube, os ci- um conjunto de informação. Através de um
dadãos procuram também o entretenimento, pequeno questionário5 realizado a bloggers
encontrando conteúdos alternativos aos me- e utilizadores do YouTube percebe-se que
dia mainstream e procurando satisfazer as grande parte do sucesso desta ferramenta se
suas preferências próprias. deve ao seu carácter inovador, bem como à
5
O questionário foi composto pelas seguintes
4 (R)evolução? questões: 1. É utilizador regular do YouTube? 2. O
que mais procura nesta ferramenta? 3. Porque utiliza
Estão a ser dados passos importantes no vídeos do YouTube no seu blog? 4. No seu entender, a
caminho traçado pela Web 2.0, relacionada que se deve o sucesso do YouTube? 5. Podem os cida-
dãos encontrar neste espaço o que não encontram nos
com o aparecimento de ferramentas que fa- meios de comunicação social? 6. Como devem res-
cilitam a publicação pessoal seja através dos ponder os media em geral e os jornalistas em particu-
blogs, do YouTube, da Wikipedia, ou da par- lar, a estas inovações tecnológicas e até culturais? 7.
ticipação nos próprios meios de comunica- Observou alguma vez o recurso a imagens do YouTube
ção social em espaços por estes proporciona- por parte dos media? 8. Estaremos perante novas for-
mas de comunicação e novas linguagens? Preocupa-o
dos em que simples cidadãos anónimos são a questão dos direitos de autor? A realização deste
agora produtores de conteúdos. Compreen- questionário não teve qualquer pretensão estatística,
der este fenómeno e a relação com os me- apenas procurou auscultar opiniões e sentir o pulsar
dia é fundamental. Observam-se mudanças de quem utiliza as ferramentas. Algumas das opiniões
ao nível do aparecimento de novas fontes e recebidas são por isso reproduzidas neste paper.
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vontade de partilhar informação aliada à fácil levar a imagem a qualquer parte do mundo”.
utilização. Trata-se de um espaço onde, para Houve também quem sublinhasse o facto de
além da actualidade se pode ter acesso a pe- os próprios media recolherem informação no
ças antigas que seriam difíceis de encontrar Youtube. Neste sentido a opinião geral é
em qualquer outra parte. A maioria dos utili- a necessidade de existir um filtro crítico ao
zadores que respondeu ao inquérito tem um manancial de informação disponível e neste
blog onde disponibiliza frequentemente ví- domínio os jornalistas devem ter um papel
deos do YouTube. Vasco Santos6 explica que fundamental. Podem aproveitar o desenvol-
a maior parte dos vídeos publicados se des- vimento da tecnologia, a participação activa
tina ao “entretenimento dos leitores embora dos cidadãos para investigar e divulgar novos
sejam também utilizados pontualmente para temas ou assuntos entretanto já esquecidos.
complementar algo, omo seja um evento que Para além dos noticiários televisivos da-
tenha ocorrido, uma crítica etc.”. Ricardo rem destaque a vídeos publicados na Internet
Cordeiro7 , autor de um blog sobre desporto, sobre os mais variados assuntos, é também
justifica que o recurso ao YouTube serve para cada vez mais frequente a criação de espa-
enriquecer os textos que escreve. “Como o ços multimédia com vídeos nos jornais on-
blog versa essencialmente sobre futebol, ao line. Relativamente às eleições presidenciais
falar de um determinado jogador, nada me- americanas está a ser promovida uma inici-
lhor que os visitantes poderem ver um vídeo ativa interessante entre o YouTube e a esta-
do atleta em causa. Como se costuma dizer ção televisiva CNN. Os cidadãos estão a ser
uma imagem vale mais do que mil palavras”, convidados a colocar questões aos candida-
explica. Questionados sobre o facto de ser tos através de vídeos. Os melhores e os mais
possível encontrar neste espaço o que não se criativos vão ser exibidos durante os vários
encontra nos meios de comunicação social, debates a ser realizados na presença dos res-
todos responderam que isso de facto acon- pectivos autores. A sua reacção poderá de-
tece, no sentido em que é possível encontrar, pois ser vista no Citizentube9 , um canal de
por exemplo, “programas que foram censu- conteúdos vocacionado para a política onde
rados”, tal como referiu Nuno Teles8 , e por qualquer cidadão pode participar. O diário
este meio deixaram de o ser. Vasco Santos espanhol El País10 , o jornal francês Le Fí-
refere que “é como se cada cibernauta pu- garo11 , o jornal inglês The Guardian12 são
desse ser um cameraman e facilmente difun- exemplos disso. Em Portugal existem tam-
dir imagens por todo o mundo numa ques- bém vários exemplos. O Expresso on-line13
tão de minutos. É sem dúvida uma ferra- disponibilizou mesmo no seu site a Expresso
menta poderosa, pois onde não está um ca- TV. Ao nível universitário têm de facto sur-
meraman de uma estação televisiva para le- gido casos interessantes da integração de ele-
var a imagem do acontecimento pode estar 9
http://www.youtube.com/citizentube
uma pessoa com o seu telemóvel apenas a 10
http://www.elpais.com
11
6 http://www.lefigaro.fr
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com 12
7 http://www.guardian.co.uk
http://futebol-bonito.blogspot.com 13
8
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com http://expresso.clix.pt
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A presença do YouTube nos media 7
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(mas não das partes...). No Japão, o You- que a Internet “se caracteriza por ser um es-
Tube foi mesmo acusado de violar os direi- paço de comunicação atípico, pela inexis-
tos de autor. Foram já vários os produtores tência de um mediador, contrariamente aos
de conteúdos que acusaram o site de publi- meios tradicionais de comunicação” (Silva,
car vídeos não autorizados. A Viacom, de- 2005:7). O autor defende ainda que a “vi-
tentora de marcas como a MTV, VH1, Para- são poética da Internet não pode prevalecer.
mount Pictures, Comedy Central e Nickelo- Tal como na sociedade em geral, também
deon também processou recentemente a em- na Sociedade da Informação a existência de
presa do grupo Google exigindo uma indem- normas jurídicas de molde a evitar e contra-
nização de mil milhões de dólares pela pu- riar conflitos é uma inevitabilidade” (Silva,
blicação indevida de excertos do conhecido 2005:10). Ao analisar o Direito à luz do caso
programa “Daily Show”. Para evitar ques- concreto dos blogs, Hugo Silva defende a no-
tões como esta a Time Warner e a Walt Dis- ção de “responsabilidade civil”, ou seja, “a
ney são os parceiros do YouTube na criação obrigação de reparar os danos causados a ou-
de uma ferramenta que permite verificar se trem, indemnizar os prejuízos que alguém foi
quem submete um vídeo está a respeitar os vítima” (Silva, 2005:10). Este conceito faria
direitos de autor18 . São inúmeros os vídeos todo o sentido se não estivéssemos constan-
de programas portugueses também disponí- temente perante o anonimato, que de facto
veis no site. Os sketches do Gato Fedorento coloca problemas nas questões relacionadas
são um exemplo disso. Consequência ou não como os direitos de actor.
a RTP passou a disponibilizar no seu site ofi- A participação cada vez mais activa dos
cial o programa semanal “Diz que é uma es- cidadãos, que deixaram de ter um papel ape-
pécie de magazine”. nas passivo é relevante. “A novidade da
Para além desta questão dos direitos de au- Internet está quer no facto de reunir num
tor há a questão da reserva da vida íntima e só diferentes meios de comunicação (im-
pessoal. A empresa da Google foi mesmo prensa, rádio, televisão, etc.) quer na cir-
obrigada pelo tribunal a impedir o acesso cunstância de as mensagens, em forma di-
a um vídeo que mostrava cenas íntimas de gital, poderem revestir natureza multimédia
uma modelo brasileira, mas entretanto esse (texto/som/imagem). Contudo, a nota mais
mesmo vídeo já estava disponível em sites e impressiva deste novo meio de comunica-
blogs um pouco por todo o mundo. ção é, para além da convergência multimé-
Tal como refere Alexandre Dias Pereira dia, a interactividade com o destinatário, o
“O Código do Direito de Autor não foi qual pode conformar os conteúdos informa-
feito para regular o novo meio de comu- tivos que utiliza. Sendo que quer a conver-
nicação que é a Internet, onde se congre- gência quer a interactividade são possíveis
gam as potencialidades dos meios tradici- graças à digitalização das mensagens. (Pe-
onais acrescentando-lhes a interactividade, reira, 2002:4) “Hoje em dia, o direito de au-
transformando o papel do utilizador em ac- tor, deixou de estar somente ligado à clássica
tivo” (Pereira, 2002:1). Hugo Silva lembra imagem da pessoa física, para ser um direito
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de protecção, não apenas da criação literá-
http://tek.sapo.pt/4M0/749665.html
ria e artística, mas também da publicação e
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