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INFRAÇÃO PENAL
ANO LETIVO 2020/2021
Sara Jesus
UNIVERSIDADE LUSÍADA DO NORTE-PORTO
Acontece frequentemente que, no mesmo processo penal, o mesmo agente esteja a ser
julgado por vários crimes que cometeu. A isto chamamos “concurso de crimes” e está
previsto no artigo 30.º, nº 1 do Código Penal. Isto revela-se um problema desde logo
porque nos termos do artigo 29.º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa “ninguém
pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Se assim não fosse,
estaríamos a violar o princípio ne bis in idem1. Com efeito, o “crime” a que se referem
os artigos 30.º, nº 1 do Código Penal e 29.º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa,
diz respeito ao princípio da legalidade2 que nos diz que não há crime nem pena sem lei
escrita, certa, estrita e prévia “nullum crimen, nulla poena sine lege”, ou seja, só é crime se
estiver escrito na lei como tal.
Posto isto, nós só chegamos ao CONCURSO DE CRIMES através do CONCURSO
DE NORMAS, isto é, no caso concreto temos de fazer o levantamento de todas as normas
penais (cuja previsão normativa se deve verificar) a concurso e de seguida temos de
proceder à análise das relações entre essas normas, porque há casos de normas penais que
podem encontrar-se entre si numa relação de exclusão. Assim, ao excluirmos as normas
uma por uma, se restar apenas uma, estamos perante um crime unitário e, nesse caso,
passamos à análise da medida concreta da pena, artigo 71.º do CP; se sobrarem duas ou
mais normas, então estamos perante um concurso de crimes, pelos quais o agente será
punido cumulativamente3, artigo 77.º do CP.
Posto isto, há três tipos de relações possíveis entre as normas penais:
A. Relação de Especialidade.
B. Relação de Subsidiariedade.
C. Relação de Consumpção.
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Antes de avançar, é necessário saber como se determinam quais são as normas penais
chamadas a concurso. Façamos este exercício: é possível eu praticar ofensas à integridade
física sem matar uma pessoa, contudo, não é possível eu matar uma pessoa sem provocar
ofensas à integridade física, assim como não é possível matar uma pessoa sem tentar
matar. Ora, como no concurso de normas as normas se vão eliminando entre si até sobrar
apenas uma, chamamos a isto “concurso aparente ou falso concurso”. Por sua vez, no
concurso de crimes, as normas aplicam-se cumulativamente, então chamamos a isto
“concurso real ou efetivo”.
Relação de Especialidade4
Aqui temos de conhecer as normas gerais e as normas especiais, porque estas normas
estão numa relação de especialidade. Uma maneira de as distinguir é pensar que as normas
gerais descrevem o comportamento base e as normas especiais, além do comportamento
base, acrescentam-lhe mais qualquer coisa.
(relação de especialidade = normas especiais).
Solução: normas especiais DERROGAM as normas gerais.
Relação de Subsidiariedade5
Aqui há uma interceção entre a norma primária e a norma subsidiária, ou seja, uma
parte da norma primária (A) é comum a uma parte da norma subsidiária (B) e há uma
parte da norma subsidiária (B) que é comum à norma primária (A) – chama-se a isto “zona
de interceção”, contudo há uma zona de A que não é B e uma zona de B que não é A.
≈ Lei primária: contém a pena mais grave.
4 P.e. o pai, senhor A, mata o filho, senhor B, estão em conflito, pelo menos, as normas penais previstas nos artigos
131.º e 132.º do CP. Ora, o artigo 131.º do CP é uma norma geral; o artigo 132.º do CP é uma norma especial. Há
uma relação de especialidade entre elas, prevalecendo a norma especial, o artigo 132.º do CP.
5 P.e. o senhor A mata um lince ibérico que é propriedade do senhor B. Nota 1: o lince ibérico é uma espécie
protegida (crime de dano contra a natureza, artigo 278.º do CP). Nota 2: o lince ibérico era propriedade do senhor
B, logo o senhor A cometeu um crime de dano porque atentou contra o objeto propriedade de B (artigo 212.º do
CP). Aqui verifica-se que estão numa relação de subsidiariedade, então é necessário saber qual é a pena mais grave
entre as duas normas penais, sendo essa a aplicável.
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≈ Lei subsidiária: contém a pena menos grave.
RELAÇÃO DE SUBSIDIARIEDADE
Solução: lei primária (pena mais grave) DERROGA a lei subsidiária (pena menos grave).
Relação de Consumpção
Aqui estamos perante uma situação em que o A é um meio para chegar a B. Então,
falamos de “norma instrumento” e “norma fim”.
(Técnica do GPS)
≈ NORMA INSTRUMENTO6: paragens antes do destino final.
≈ NORMA FIM7: destino final.
RELAÇÃO DE CONSUMPÇÃO
Pura Impura
(a norma fim prevê uma pena mais (a norma instrumento prevê uma pena
grave do que a norma instrumento) mais grave do que a norma fim)
Concurso de Crimes
Há, então, concurso de crimes quando sobram duas ou mais normas que não se
encontram entre si numa relação de exclusão.
6 P.e. eu espeto uma faca na perna de A, cortando-lhe a veia femoral, para através disso conseguir atingir um
objetivo que é a morte dele.
7 P.e. eu espeto uma faca na perna de A só porque quero que ele sofra, não tenho nenhum objetivo além deste.
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PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA INFRAÇÃO PENAL
(01). Ação; (04). Culpa;
(02). Tipicidade; (05). Punibilidade.
(03). Ilicitude;
Para haver lugar à responsabilidade criminal é necessário ter em conta duas coisas: em
primeiro lugar, não há responsabilidade criminal por factos lícitos, ao contrário da
responsabilidade civil e, em segundo lugar, estes cinco pressupostos acima referidos
compõem a teoria da infração penal, significa isto que se um deles não se verificar (são,
portanto, pressupostos cumulativos), cessa a responsabilidade criminal.
1. AÇÃO
A ação, para ser relevante para o direito penal, tem de ser acompanhada de vontade de
ação. Assim, só relevam para o direito penal os comportamentos voluntários, aqueles
que são dominados ou domináveis pela vontade, p.e. eu estou em cima de um escadote
com um martelo pousado sobre o meu pé e, por baixo de mim, está a passar uma senhora.
Ao tempo que ela está a passar, eu movi o pé (sem a intenção de que o martelo caísse) e
o martelo caiu em cima da cabeça da senhora provocando-lhe um traumatismo craniano
– aqui existe ação porque houve vontade de mexer o pé. Pensemos no mesmo exemplo,
mas, desta vez, a minha vontade era, intencionalmente, mexer o pé para o martelo cair e,
assim, provocar um ferimento na senhora – existe ação de igual forma.
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Para haver ação, também é necessário que esta seja humana porque só o Homem é
que é suscetível de ter vontade ou falta dela.
PODEMOS CONCLUIR, ENTÃO, QUE A AÇÃO SE TRADUZ NUM
COMPORTAMENTO HUMANO E VOLUNTÁRIO.
Significa, desde logo, que há um conjunto de não ações voluntárias e/ou humanas:
(01). Vis absoluta (i.e., uma força incontrolável) – p.e. o senhor A está numa exposição
de motas, que se encontram distribuídas lado a lado, mas surge uma rajada de vento
que o empurra e, por efeito dominó, faz cair as motas todas.
(02). Coação física – p.e. o senhor A coloca uma faca na minha mão e, segurando-a,
espeta a faca na barriga do senhor B.
(03). Atos reflexos ou em curto circuito8 (i.e., determinados estímulos aos quais nós
reagimos de forma automática por instinto de sobrevivência) – p.e. estou num sítio
escuro, sozinha, e, estando amedrontada por estar neste ambiente, sou surpreendida
pelo senhor A que me assusta em tom de brincadeira. O meu instinto de sobrevivência
diz-me para eu me defender de uma ameaça, então eu dou-lhe um murro, partindo-
lhe o nariz.
8 Para que o ato seja voluntário, é necessário que haja uma relação de continuidade entre a parte do nosso corpo
que leva à prática do ato (p.e. mãos, pés, etc.) e o nosso órgão decisor central, o cérebro. Só se trata de uma ação
voluntária quando o nosso órgão decisor central é capaz de, de forma livre e consciente, controlar os movimentos
das extremidades do nosso corpo.
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2. TIPICIDADE
Para além de ser necessário existir uma ação humana e voluntária, é necessário que
essa ação seja típica. O comportamento é típico quando aquela ação praticada está
descrita9 numa previsão de uma norma penal, p.e. se eu, num ato de nervosismo, atirar
com o meu próprio telemóvel ao rio, apesar de existir uma ação humana e voluntária, esta
ação não é típica, porque não se insere na previsão de nenhuma norma penal10. Então, ao
nível da tipicidade, interessa-nos saber se aquele comportamento faz ou não parte dos
comportamentos que as leis penais tratam como sendo crimes.
Assim, a tipicidade é um JUÍZO DE CORRESPONDÊNCIA ENTRE UM
COMPORTAMENTO INDIVIDUAL E CONCRETO E UMA NORMA GERAL E
ABSTRATA.
EXEMPLO DE COMPORTAMENTO INDIVIDUAL E CONCRETO: André matou o João, seu
vizinho, com 10 facadas no peito.
EXEMPLO DE UMA NORMA GERAL E ABSTRATA: “Quem matar outra pessoa (...)”,
artigo 131.º do CP.
Ora, nós sabemos, desde já, que a tipicidade é objetivamente e subjetivamente típica.
Ou seja, por um lado encontramos a descrição OBJETIVA da conduta do agente
(atendemos apenas ao que o agente fez e as consequências do seu comportamento) e, por
outro lado, temos uma norma incriminadora que exige ser acompanhada de uma
determinada descrição SUBJETIVA (aqui verifica-se a
consciência/conhecimento/intenção do agente).
TIPICIDADE OBJETIVA
A tipicidade objetiva divide-se em dois momentos: em primeiro lugar, é necessário
fazermos uma classificação dicotómica dos tipos quanto aos seus elementos constitutivos
[ver em anexo], e, em segundo lugar, após ser feita essa classificação, devemos avançar
para o segundo momento que é a imputação objetiva do resultado à ação do agente.
9 O que está aqui em causa é o princípio da legalidade penal [ver página 1, nota 2].
10 As normas penais têm uma previsão e uma estatuição: a previsão é aquela que descreve um determinado
comportamento como crime; a estatuição é aquela que estabelece uma sanção a quem praticar um determinado
comportamento.
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Ora, quanto ao primeiro, já fiz um esquema que se encontra em anexo. Quanto ao
segundo, o que aqui importa é saber se podemos ou não imputar à ação do agente o
resultado produzido, ou seja, precisamos de verificar se existe uma causalidade (jurídica)
entre a ação e o resultado – esta causalidade jurídica assenta em juízos de previsibilidade
objetiva a que nós chegamos através da figura do Ser Humano Médio, ou seja,
perguntar-nos-íamos se daquela ação era previsível que adviesse aquele resultado,
segundo critérios de habitualidade e normalidade, p.e. era previsível o senhor A morrer
depois de eu lhe dar dois tiros na cabeça? Sim, era previsível. Era previsível o senhor A,
ao furtar um carro, abandoná-lo na Avenida Fernão Magalhães e o carro ser destruído, 30
minutos mais tarde, por um tsunami? Em princípio, não era previsível.
Assim, as teorias que ainda hoje estão em prática nos nossos tribunais para
determinarmos esse nexo de causalidade jurídica são a TEORIA DA ADEQUAÇÃO OU
TEORIA DA ADEQUAÇÃO
Estamos perante uma falsa teoria da adequação porque, na verdade, não se pretende
saber se aquela causa é ou não adequada a produzir aquele resultado (p.e. não vale a pena
perguntar se o facto de eu fazer cócegas na perna a uma pessoa é um comportamento
idóneo a provocar a morte – já sabemos que não – OU se o facto de eu dar dois tiros na
cabeça de uma pessoa é um comportamento idóneo a provocar a morte – já sabemos que
sim), desde logo porque se não o fosse, não o teria produzido.
Esta teoria assenta em juízos de previsibilidade média ou normalidade, por isso, é
corrigida pelo designado juízo de prognose póstuma. Ora, de acordo com este juízo, a
ação do agente é considerada causa do evento (e, consequentemente, causa do resultado)
se, ao colocarmos o Ser Humano Médio, nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar
do agente, com os conhecimentos concretos do agente, fosse previsível que daquela ação
adviesse aquele resultado. Ou seja, nós já sabemos se aquela ação era capaz ou não de
produzir aquele resultado, porque efetivamente o produziu ou não produziu. O que nos
interessa saber é se isso era ou não previsível, p.e. eu sei que se eu estiver com uma câmara
fotográfica de outra pessoa na minha mão e cair ao rio, vou estragar essa câmara (crime
de dano), logo, já sabemos que a minha ação é capaz de produzir esse crime, mas
imaginemos que eu caí ao rio porque uma rajada de vento me empurrou. Aqui, interessa-
nos saber se, naquelas circunstâncias de tempo e de lugar e com os meus conhecimentos
concretos, era previsível que isso acontecesse – p.e vamos imaginar que era um dia de
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verão, estava abafado, não corria vento nenhum e nada fazia prever que vinha uma rajada
de vento tão forte. Nestas circunstâncias, apesar de sabermos que o facto de eu ao cair ao
rio com a câmara ia causar um crime de dano, não era previsível que isso pudesse
acontecer.
Desta forma, há situações em que esta teoria nos conduz a resultados absurdos
(resultados em que teríamos de imputar um determinado resultado ao agente, mas
entendemos que não é justo para o agente OU resultados em que não devemos imputar
um determinado resultado ao agente e na verdade impõe-se que o imputemos, porque de
outra forma não seria justo) e isso tem a ver com as chamadas INSUFICIÊNCIAS DA
TEORIA DA ADEQUAÇÃO. Para superarmos essas insuficiências temos os (sete)
PRINCÍPIOS CORRETORES DAS SOLUÇÕES DA PREVISIBILIDADE
MÉDIA:
1. Risco permitido ou risco socialmente aceite.
2. Aumento do risco.
3. Diminuição do risco.
4. Âmbito da proteção da norma.
5. Desvios irrelevantes dos processos causais.
6. Processos causais atípicos.
7. Causa hipotética ou virtual.
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onde se exige a inspeção anual. Ora, o risco permitido é precisamente a intervenção do
Estado e do Direito no sentido de diminuir esses riscos na sociedade11, p.e., o senhor A
manda o empregado para a floresta num dia de pleno temporal, com a esperança de que
lhe caia um raio em cima e ele morra.
Nestas situações em que o agente pratica uma ação que está inserida no risco
permitido, – quando falamos de risco permitido estamos a falar de ações lícitas porque o risco
é pré-existente – se dessa ação advier um resultado, não podemos responsabilizar o agente
porque ele não produziu o resultado através de um risco ilícito/proibido, ou seja, não
podemos responsabilizar uma pessoa por factos lícitos (ver página 4).
A questão que se coloca é: mas se, no exemplo do empregado na floresta, a pretensão
do patrão era que o empregado morresse, porquê que não inserimos esta ação no risco
proibido? Porque o risco em questão não é suficientemente previsível para que partamos
para o âmbito do risco proibido. Pensemos: era completamente previsível o empregado
morrer com um raio a cair-lhe em cima da cabeça? Não era 100% previsível, existia
apenas uma possibilidade, mas não era suficientemente credível ao ponto de
considerarmos isso um risco proibido.
AUMENTO DO RISCO
Nestes casos, ultrapassamos o risco permitido e já estamos no âmbito do aumento do
risco, p.e. um automóvel que não foi inspecionado quando deveria ter sido – o autor dessa
omissão potenciou o aumento do risco, porque imaginemos que, em virtude dessa
omissão, não foram detetados problemas graves no automóvel que posteriormente
causaram um acidente originando uma morte. Embora nada nos garanta que a situação
não teria ocorrido na mesma caso a inspeção tivesse sido feita, se essa omissão não tivesse
ocorrido, isto é, se a inspeção periódica tivesse sido feita, os problemas do automóvel
provavelmente teriam sido detetados e o acidente também teria sido evitado e, mesmo
que o acidente tivesse acontecido na mesma, estaríamos no âmbito do risco permitido.
O agente, nestas situações, cria um risco ou aumenta um risco pré-existente que vai
além daquilo que é socialmente aceitável, porque as pessoas têm um conjunto de regras
que são obrigadas a respeitar para conter o risco.
11 Bem sabemos que há determinados riscos que não podem ser diminuídos, já que isso comportaria uma vida social
impossível (levar-nos-ia ao extremo). Contudo, há outros riscos que podem e devem ser diminuídos.
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P.e. um pintor de automóveis faleceu durante a pintura de uma viatura – ele não
utilizava a máscara de proteção, segundo indicações do seu patrão, tendo consciência que
a tinta é altamente tóxica e idónea a provocar a morte se não forem seguidas as regras de
segurança. Ora, bem sabemos que não foi o patrão que criou o risco (isto é, não é por
culpa do patrão que a tinta é altamente tóxica), contudo, ele estava obrigado a diminuí-
lo, transmitindo ordens aos seus empregados para que todos usassem máscara de
proteção. Assim, se se viesse a provar que com a utilização da máscara os níveis de
toxicidade da tinta teriam diminuído, estamos perante uma situação de aumento do risco
e aí o patrão teria de ser responsabilizado porque foi por sua indicação que o empregado
não utilizou máscara de proteção e isso levou à produção daquele resultado.
Contudo, se se provasse que, mesmo que o agente tivesse praticado a ação que omitiu
(se tivesse utilizado máscara), o resultado se teria produzido na mesma, ou seja, quer ele
estivesse a utilizar a máscara, quer não estivesse, a morte era inevitável, pelo que o
resultado se produziria em qualquer circunstância, então entramos no âmbito da
RELEVÂNCIA DO COMPORTAMENTO LÍCITO ALTERNATIVO. Isto significa
que o resultado não lhe pode ser imputado porque não há nexo de causalidade entre a ação
e o resultado, porque quer ele tenha atuado licitamente quer não, o resultado produzir-se-
ia na mesma.
Obs.: o patrão poderia ser responsabilizado por outras coisas ou em outros termos, mas isso, para já, não é
relevante. O importante é compreender o âmbito e alcance desta parte da matéria.
DIMINUIÇÃO DO RISCO
Nestas situações, o agente intervém num processo causal12 em curso, ou seja, atua
sobre um risco pré-existente, perigoso para um determinado bem jurídico, mas tem como
objetivo que este perigo passe a afetar outro bem jurídico de menor importância ou a
produzir um resultado menos gravoso, p.e. o senhor A vê um homem a apontar uma arma
à cabeça do senhor B, pronto para o matar, e conclui, desde logo, que a única hipótese
que tem de tentar salvar a vida dele é dando-lhe um pontapé nas costas de maneira a fazê-
lo cair ao chão. Ora, com esta ação, o senhor B fraturou uma costela e deslocou o pulso.
Neste caso, estamos perante uma diminuição do risco, porque já estava em curso um
processo causal que ameaçava a vida do senhor B e no qual o senhor A interferiu,
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originando um resultado menos gravoso tendo, consequentemente, afetado outro bem
jurídico (embora tenha provocado ofensas à integridade física do senhor B, salvou-lhe a
vida). Ora, nestas situações, o resultado não é imputado ao agente que diminuiu o risco
(ele limita-se a subtrair ao risco pré-existente um determinado risco), mas é imputado
àquele que iniciou o processo causal.
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DESVIOS IRRELEVANTES DO PROCESSO CAUSAL
O processo causal [ver nota 12] nem sempre se desenvolve de forma linear porque às
vezes sofre desvios, imaginemos, p.e. que, no efeito dominó, uma peça se encontra
ligeiramente desviada, o que vai acontecer é que essa peça interrompe o efeito de queda
em cadeia. Este processo causal deveria ter continuado até ao fim porque o agente, quando
inicia o processo causal, representa que essa ação vai conduzir a outra ação, que essa outra
ação vai conduzir a uma outra ação e assim sucessivamente.
O objetivo desta sucessão de ações é que se chegue, por fim, a um resultado. O
problema é quando, durante esse processo causal, há um desvio, ou seja, as coisas não
acontecem exatamente como o agente as representou. Estes desvios podem ser
IRRELEVANTES ou RELEVANTES. Os desvios irrelevantes são aqueles em que
tanto faz que tenha existido o desvio como não, é, como o nome indica, irrelevante. São
desvios relevantes aqueles que também são designados por PROCESSOS CAUSAIS
ATÍPICOS (veremos a seguir do que se trata).
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cai à água (estava vivo ainda), é comido por um crocodilo. O que acontece aqui é que o
resultado de morte ocorreu na mesma, embora fosse por causa diversa da pensada (ele
morreu sim, mas o que o agente imaginava é que ele iria morrer afogado e ele morreu
comido por um crocodilo), contudo, não era de todo previsível que houvesse crocodilos
no Rio Douro, o que significa que este desvio que o processo causal sofreu era relevante.
Seja uma situação de desvio irrelevante, seja uma situação de processo causal atípico,
estamos perante situações em que o processo se devia ter desenvolvido de forma linear e
não desenvolveu. Para resolvermos o problema por qualquer um desses desvios, é
necessário recorrermos à figura do Ser Humano Médio, colocado nas mesmas
circunstâncias de tempo e de lugar do agente, com os conhecimentos concretos do agente,
para percebermos se é ou não previsível ocorrer aquele resultado.
TEORIA DO RISCO
Esta teoria foi criada por Roxin porque ele considerou que a teoria da adequação é
obsoleta dado ter tantos princípios corretores. Ele construiu esta teoria a partir da
conjugação de quatro princípios básicos:
1. Diminuição do risco.
2. Riscos juridicamente irrelevantes.
3. Aumento do risco.
4. Fim de proteção da norma.
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Assim, Roxin diz-nos que, para que possamos imputar o resultado ao agente, é
necessário que:
1. O agente tenha criado um risco (criado, aumentado ou não diminuído o risco).
2. O risco que o agente criou é um risco proibido (exclui-se tudo o que não seja risco
proibido, nomeadamente o risco permitido ou socialmente aceite e a diminuição do risco).
3. O risco materializou-se no resultado (este risco proibido traduziu-se no resultado
produzido).
TIPICIDADE SUBJETIVA
O tipo subjetivo é que precede o tipo objetivo, que acabamos de analisar. No fundo,
quando o legislador, no artigo 131.º do CP diz “Quem matar outra pessoa (...)”, ele
também está a exigir que esses elementos objetivos sejam realizados com uma
determinada postura anímica/psíquica. Ou seja, tanto mata uma pessoa aquele que chegar
ao pé de outra pessoa e lhe der um tiro na cabeça (homicídio, artigo 131.º do CP), como
aquela pessoa que, conduzindo em excesso de velocidade, não consegue travar a tempo e
atropela outra pessoa, provocando-lhe a morte (homicídio por negligência, artigo 137.º
do CP).
O tipo objetivo, quer numa situação, quer noutra, é o mesmo – ambos matam outra
pessoa. Contudo, o tipo subjetivo é diferente porque o artigo 131.º do CP pressupõe que
a ação seja acompanhada de dolo, enquanto que o artigo 137.º do CP pressupõe que a
ação seja acompanhada de negligência.
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Deste artigo podemos retirar, desde já, algumas conclusões:
(PRIMEIRO). Só há dois tipos subjetivos: dolo e negligência.
(SEGUNDO). Todos os tipos exigem um elemento/tipo subjetivo. Ou seja, se um facto
não for praticado com dolo ou com negligência, então não pode ser responsabilizado
criminalmente.
(TERCEIRO). A responsabilidade criminal a título de negligência é
verdadeiramente excecional.
(QUARTO). Visto que só existem dois tipos subjetivos e que um deles – a negligência
– é excecional, “só nos casos especialmente previstos na lei”, significa que no silêncio
da lei, o crime é doloso.
DOLO
O dolo é constituído por três elementos: (1) elemento intelectual ou conhecimento, (2)
elemento volitivo ou vontade e (3) elemento emocional. Só há dolo se se verificarem estes
três elementos.
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Concluímos, então, que para haver dolo, é necessário haver conhecimento e, para haver
conhecimento, é necessário que haja uma correta perceção da realidade.
13 Subtrair significa colocar a coisa onde o proprietário, querendo utilizá-la, em princípio, não a vai encontrar onde
a procurar.
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Como sabemos se esse erro acerca da realidade é ou não relevante?
Quando estamos em erro há uma divergência entre a realidade real e a realidade
virtual/representada. Então, nessas situações, precisamos de pensar qual foi o crime que
o autor praticou e qual seria o crime que ele praticaria se não estivesse em erro. Faríamos
um exercício neste género:
(1) António quer matar o seu vizinho, o Joaquim. Julgando vê-lo a atravessar na rua,
saca da arma e dispara um tiro contra ele, matando-o. Mais tarde constata-se que afinal
se trata de João, um desconhecido.
Ø Objeto real: João (crime do artigo 131.º do CP);
Ø Objeto representado: Joaquim (crime do artigo 131.º do CP).
Nestes casos, em que o objeto real e o objeto representado correspondem ao mesmo
tipo de crime, significa que o erro não abrange circunstâncias relevantes porque o agente
está em ERRO SOBRE A IDENTIDADE DO OBJETO [ver abaixo – modalidades do erro].
(2) A dispara sobre uma moita onde pensa estar uma peça de caça. Quando vai buscar
a peça de caça, apercebe-se que, afinal, era um colega que está morto devido ao tiro.
Ø Objeto real: uma pessoa, colega do agente (crime do artigo 131.º do CP);
Ø Objeto representado: uma peça de caça (admitindo que ele matou uma espécie para
a qual estava devidamente licenciado, então não há nenhum crime).
Nestes casos, o objeto real e o objeto representado permitem enquadramentos jurídicos
diferentes, o que significa que o erro atingirá elementos determinantes do tipo, ou seja, é
relevante.
(3) O António vai à caça e pensa que atrás dos arbustos está o cão do amigo e dispara
sobre ele para o matar. Quando vai lá, constata que afinal matou o dono do cão.
Ø Objeto real: uma pessoa (crime do artigo 131.º do CP);
Ø Objeto representado: um animal, cão (crime do artigo 212.º do CP).
Nestes casos, o objeto real e o objeto representado dizem respeito a crimes diferentes,
o que significa que o agente está em erro sobre o objeto da ação, portanto é um erro
relevante.
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basta que o agente queira a prática da ação. Nos crimes de resultado, é necessário que o
agente, além de querer praticar a ação, queira que dessa ação advenha a produção de um
resultado típico.
Se o agente não conhecer a factualidade típica e/ou não a queira, estamos perante um
ERRO SOBRE A FACTUALIDADE TÍPICA [ver abaixo – modalidades do erro] e isso
significa que NÃO HÁ DOLO e, nessas situações, devemos procurar se podemos punir,
de acordo com o artigo 16.º, nº 3 do CP, a título de negligência.
Este elemento volitivo tem a ver com os níveis de intensidade da vontade, por isso é
que o dolo tem três modalidades (ver esquema em anexo):
A. Dolo direto, artigo 14.º, nº 1 do CP;
B. Dolo necessário, artigo 14.º, nº 2 do CP;
C. Dolo eventual, artigo 14.º, nº 3 do CP.
Relativamente ao dolo, ele está implícito, de acordo com o artigo 13.º do CP, sempre
que não esteja expressamente prevista a negligência.
NEGLIGÊNCIA
Há negligência quando se viola um dever de cuidado e esta só está prevista em casos
excecionais, conforme previsto no artigo 13.º do CP e tem duas modalidades (ver esquema
em anexo):
A. Negligência consciente:
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B. Negligência inconsciente:
A negligência, quer consciente quer inconsciente, pode ser simples ou grosseira.
Fórmulas de Frank
De acordo com o artigo 13.º do CP, a maior parte dos crimes são punidos na forma
dolosa e só excecionalmente é que são punidos na forma negligente. Preocupado com a
questão de sabermos se estamos a punir de forma justa, Frank criou uma fórmula que
essencialmente se prende com esta questão “se o agente soubesse que o resultado, com
toda a certeza, se produziria ou não, atuava na mesma?” – se disser que sim, atuou com
dolo eventual, se disser que não, atuou com negligência consciente [ver anexos].
Há situações em que o agente tem uma conduta típica, mas não agiu dolosamente nem
negligentemente, p.e. estou a conduzir, dentro dos limites impostos pelo Código da
Estrada, na Avenida Fernão Magalhães, e até adequo a minha velocidade às condições
climatéricas, mas de forma inesperada uma pessoa salta-me para a frente do carro e eu
atropelo-a por não me ser possível travar a tempo. Quanto muito poderíamos estar perante
um caso de negligência inconsciente, mas nem isso porque não violei nenhum dever de
cuidado. Ora, se não houver dolo nem negligência, não há elemento subjetivo do tipo,
então cessa a responsabilidade criminal.
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Ø Tipo/elemento subjetivo específico: “(...) com a intenção de a pôr em circulação
(...).”
MODALIDADES DO ERRO
O erro é um problema de representação – o agente representa erradamente uma
determinada parcela da realidade. Nós temos duas categorias de erro que não se podem
confundir:
Ø Erro sobre o facto típico, artigo 16.º, nº 1 do CP.
Ø Erro sobre a ilicitude.
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Neste artigo temos, essencialmente, três coisas:
Ø O erro sobre o facto de um tipo de crime14.
Ø O erro sobre elementos de direito de um tipo de crime.
Ø O erro sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que
o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto.
São então estas as modalidades do erro sobre o facto típico ou sobre as circunstâncias
do facto que estão implícitas no artigo 16.º, nº 1 do CP que acima analisamos:
§ Erro sobre o objeto (vs. erro sobre a identidade; vs. tentativa impossível);
§ Erro sobre o processo causal (vs. “erro” na execução ou aberractio ictus. Regime);
§ Erro sobre [outras] circunstâncias ou elementos do facto típico;
§ Erro sobre elementos de direito do tipo (vs. erro de subsunção);
§ Erro sobre as proibições (vs. erro sobre a proibição);
§ Outros casos de erro de conhecimento do artigo 16.º, nº 2 do CP.
O erro sobre a factualidade típica inclui a (1) falta de representação dos elementos do
tipo (não há representação alguma) e a (2) representação errada dos elementos do tipo.
ERRO SOBRE O OBJETO (vs. erro sobre a identidade; vs. tentativa impossível)
O erro sobre o objeto ou sobre a identidade do objeto são coisas distintas. O agente
pode atingir uma pessoa ou objeto distintos daqueles que visava.
Como é que sabemos se o erro é relevante ou não? Ora, se estivermos em erro sobre
a identidade do objeto, então estamos perante um erro irrelevante já que estamos em erro
sobre características que não fazem parte do tipo, portanto há dolo. Se estivermos em erro
sobre o objeto então exclui-se o dolo, sendo que aí o agente deve ser punido por um crime
tentado em relação à pessoa ou ao objeto que visava (se estiver previsto na forma tentada)
e, verificando-se os seus pressupostos, um crime negligente em relação à pessoa ou objeto
que efetivamente atingiu (artigo 16.º, nº 3 do CP, se estiver previsto na forma negligente,
que só está prevista em situações excecionais, artigo 13.º do CP).
14 O legislador, ao descrever os tipos de crime, recorre sempre a elementos de facto e, eventualmente, a elementos
de direito (são os que resultam de critérios do próprio legislador). No artigo 131.º do CP só estão presentes
elementos de facto, ao passo que no artigo 258.º, alínea a) do CP, com remissão para o artigo 255.º do CP, o
legislador já inclui elementos de direito, tanto que estamos perante uma anotação técnica definida no artigo 255.º
do CP.
21
P.e., eu quero matar o cão do meu vizinho porque ele ladra muito de noite e não me
deixa dormir, então, comprei uma arma e, após dirigir-me à varanda, vejo movimento
dentro da casota do cão e disparo, constatando, mais tarde, que afinal disparei contra o
dono do cão.
§ Objeto real: dono do cão (crime do artigo 131.º do CP).
§ Objeto representado: cão (crime do artigo 212.º do CP).
22
Relativamente ao “ERRO” NA EXECUÇÃO OU ABERRACTIO ICTUS, na verdade, não é
propriamente um erro, porque apesar de também haver aqui uma falsa representação da
realidade, esta diz respeito ao futuro.
Este erro ocorre quando o agente atingir um objeto distinto daquele que visava, p.e. A
vê, ao longe, B acompanhado pela namorada, C, e dispara contra B, mas por falta de
pontaria atinge a namorada deste que acaba por morrer. Neste caso, o agente representa
corretamente a identidade do objeto visado, mas ao executar o crime vem a atingir um
outro objeto, existindo, então, uma desconformidade entre o objeto visado e o objeto
atingido. Estamos, então, perante um concurso efetivo de crimes entre a tentativa de
homicídio sobre B e o homicídio negligente sobre C (não há dolo porque falha o elemento
volitivo – ele não queria matar a C, queria matar o B).
23
Quanto ao ERRO DE SUBSUNÇÃO, este ocorre nos casos em que o agente sabe que
aquela sua ação é desvaliosa15 e que com essa ação vai provocar um determinado dano,
mas não sabe que aquela ação se subsume num tipo legal de crime, p.e. se eu pintar o meu
carro de vermelho, mas no Documento Único constar que o carro é preto, eu estou a
praticar um crime de falsificação de documentos, porque, como vimos, existe um
documento onde constam as características do meu carro.
Quanto ao ERRO SOBRE A PROIBIÇÃO, é aquele que encontramos no artigo 17.º do CP,
que é o erro sobre a ilicitude [ver abaixo]. O erro sobre a ilicitude exclui a culpa “Age sem
culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for
censurável”16, o que pressupõe a não punição do agente.
15 Desvalor da ação: dimensão do juízo de ilicitude incidente sobre a ação do agente. As teorias finalistas vieram
destacar a distinção entre desvalor da ação e desvalor do resultado, defendendo que o ilícito não se esgota na
causação de um resultado proibido, antes engloba também a ação que o provoca, como ato pessoal e pleno de
significado. A manifestação mais clara desta relação entre desvalor da ação e desvalor do resultado será talvez o
regime da tentativa, ao prever a atenuação obrigatória da pena (artigo 23.º, nº 2 do CP). A autonomização deste
desvalor permite também, p.e. a explicação, segundo alguma doutrina, da solução consagrada no artigo 38.º, nº 4
do CP, consistente na punição do agente com a pena aplicável à tentativa quando desconhece o consentimento do
titular dos interesses afetados com a prática do facto.
16 P.e. um estrangeiro que comete uma excisão clitoridiana em território nacional, convencido de que essa prática
é tolerada pela ordem jurídica nacional.
24
3. ILICITUDE
ERRO SOBRE A ILICITUDE
É apenas um erro de valoração, ou seja, o agente desconhece que aquele ato que está
a praticar viola um determinado valor, p.e. [note-se que o exemplo diz respeito ao tempo em
que o aborto em Portugal era crime] uma holandesa vem a Portugal de férias e durante a
estadia descobre que está grávida e resolve abortar – ela abortou em circunstâncias que
na Holanda eram consideradas um comportamento lícito, mas em Portugal seria ilícito.
17 Dicionário Ana Prata, Teoria dos elementos negativos do tipo: “Doutrina que não autonomiza o juízo de ilicitude
da descrição típica do facto. De acordo com tal teoria, as causas de justificação constituem elementos negativos do
tipo, dado a sua verificação implicar a negação do preenchimento do tipo. Dito de outro modo: de acordo com a
teoria dos elementos negativos do tipo, a tipicidade abrange não só a descrição do facto considerado crime, como
também a sua valoração, ou seja, a ilicitude. De acordo com esta teoria, as causas de justificação, na medida em
que excluem a ilicitude do facto, constituem elementos negativos do tipo, já que, quando ocorrem, é excluída a
própria tipicidade”.
25
para que a conduta objetiva no tipo contribua para a incriminação, p.e. se o tipo negativo
em causa for a legítima defesa, os elementos objetivos deste tipo negativo são os
elementos em que se traduz a legítima defesa. Os elementos subjetivos são aqueles em
que se traduza a consciência dos elementos objetivos dos tipos negativos.
26
Isto está relacionado com o erro sobre as circunstâncias de facto [ver acima], previsto
no artigo 16.º, nos 1 e 2 do CP. No artigo 16.º, nº 1 do CP temos um erro acerca dos
elementos objetivos do tipo incriminatório, p.e. o agente não sabe que está a disparar uma
arma carregada. No artigo 16.º, nº 2 do CP o legislador diz-nos que, no caso p.e. da
legítima defesa, não basta o agente pensar que está a agir em legítima defesa, ele tem de
estar efetivamente em legítima defesa e que saiba que está, artigo 32.º do CP.
LEGÍTIMA DEFESA
Artigo 32.º do CP:
“Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a
agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de
terceiro.”
Para além disto, são necessários os elementos subjetivos, e tal como foi dito acima, é
necessário que o agente saiba que está a atuar em legítima defesa e que assim esteja, de
facto – é o designado “animus defendendi”22, a chamada “intenção de defesa”, p.e. o
senhor A e o senhor B são rivais, então, o A decide ajustar contas com B e executa-o no
18 Para saber se uma pessoa está a agir em legítima defesa, então precisamos de analisar qual é a agressão à qual
ele está a reagir (precisamos de a analisar, de a caracterizar).
19 A agressão é atual depois de começar (com a prática do primeiro ato de execução) e antes de acabar (com a
prática do último ato de execução), p.e. o ato de execução começa quando A vai a casa buscar a arma e acaba quando
A dispara. Os atos de execução (artigo 22.º, nº 2 do CP) são diferentes dos atos preparatórios (artigo 21.º do CP).
20 A agressão tem de ser ilícita, mas não precisa de ser culposa, ou seja, eu posso agir em legítima defesa em relação
a um inimputável.
21 O meio necessário é aquele que, de todos os meios eficazes que o dependente tenha ao seu dispor, é o menos
gravoso para a outra pessoa. O artigo 33.º do CP fala do “excesso de defesa” que é quando o agente se excede ao
empregar os meios de defesa – de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, se esse excesso não for censurável por
questões de “perturbação, medo ou susto”, então o agente não é punido; caso contrário, a pena é especialmente
atenuada, nos termos do nº 1 do artigo 33.º do CP.
22 Geralmente, na nossa doutrina, não se exige o animus defendendi.
27
meio da rua com um tiro na cabeça, nunca imaginando que B pensou fazer exatamente o
mesmo e que, se passasse mais uma fração de segundo, seria o B a disparar contra A.
Ora, nesta situação, apesar de estar objetivamente em legítima defesa, o A não sabia
que ao agir poderia estar a agir em legítima defesa (ele não sabia que ao agir estava a
repelir uma agressão atual e ilícita), então podemos dizer que ele não representou
corretamente os elementos objetivos deste tipo NEGATIVO, assim como, p.e. aquele
que acha que está a disparar contra um fardo de palha e, na verdade, disparou contra uma
pessoa, então estamos no âmbito do artigo 16.º, nº 1 do CP.
Também pode acontecer, p.e. o A ser surpreendido por B com uma arma falsa ou com
a arma descarregada, ou B fingir que tem uma arma no bolso do casaco e, julgando estar
em legítima defesa, decidir matar B primeiro – aqui já estamos no âmbito do artigo 16.º,
nº 2 do CP, porque o agente julga estar perante elementos objetivos que, na verdade, não
existem, apesar de ele achar que existem. Desta forma não é possível excluirmos o dolo,
porque mesmo que as coisas se passassem da maneira que ele imaginava, ele tem de atuar
apenas com o meio necessário, p.e. não havia motivos para ele atirar a matar, podia
disparar contra uma perna. Então, não lhe pode ser excluída a ilicitude, quanto muito
poderá haver uma certa atenuação ao nível da medida concreta da pena, nos termos do
artigo 71.º, nos 1 e 2 do CP.
Ao abrigo do artigo 16.º, nº 2 do CP, não existe o elemento emocional do dolo porque
aquele que age, julgando estar em legítima defesa (mesmo não estando), motiva-se pela
proteção de um valor.
Pode parecer confuso porque a diferença entre o artigo 16.º, nº 1 e o artigo 16.º, nº 2 é
apenas uma: no nº 1 o agente está em erro acerca dos elementos dos tipos positivos e no nº 2
o agente está em erro acerca dos elementos dos tipos negativos.
CONSENTIMENTO
Por sua vez, o artigo 38.º, nº 4 do CP fala-nos do CONSENTIMENTO que, em
determinadas situações, é uma causa de exclusão da ilicitude:
28
“Se o consentimento não for conhecido do agente, este é punido com a pena aplicável à
tentativa.”
Ora, para haver consentimento, é necessário verificar os elementos objetivos (que ele
exista) e os elementos subjetivos (que o agente, no momento da atuação, tenha a
consciência que ele existe), p.e. o Joaquim manda-me destruir o seu telemóvel porque
tem informações comprometedoras que não quer que sejam divulgadas e eu acatei com
consciência que estou ao abrigo do consentimento.
Outra situação diferente é p.e. eu destruir o telemóvel do Joaquim porque estou furiosa
com ele e passados 5 minutos vou ao meu telemóvel e vejo que afinal o Joaquim me tinha
mandado uma mensagem a pedir que eu destruísse o telemóvel dele. Nesta situação já
não estou ao abrigo do consentimento porque eu não atuei motivada pelo consentimento
porque eu nem sequer sabia que existia, eu atuei motivada pela ilicitude e isso é um
problema do artigo 38.º, nº 4 do CP.
Outra situação ainda é quando, p.e. eu julgo que o Joaquim, ao gesticular efusivamente,
me está a pedir para destruir o telemóvel e na verdade só me está a pedir que eu vá ao
meu telemóvel ler uma mensagem que ele me mandou, mas como eu julguei que ele me
pediu para destruir o telemóvel dele, eu destruí-o e isso é um problema do artigo 16.º, nº
2 do CP porque aqui o agente pensa que a causa de exclusão existe, quando, na verdade,
não existe.
O artigo 38.º do CP fala-nos do consentimento efetivo (o que é efetivamente prestado)
e o artigo 39.º do CP fala-nos do consentimento presumido (o que é deduzido, que não é
efetivamente prestado, p.e. um sinistrado entra no hospital inconsciente, precisa de uma
transfusão de sangue e os médicos têm de tomar uma decisão). O consentimento
presumido está relacionado com os critérios de normalidade do Ser Humano Médio (caso
não haja indicação expressa em contrário, p.e. testamento vital). Nestas situações temos
de aplicar uma analogia ao artigo 38.º, nº 4 do CP para punirmos com a pena aplicada ao
crime consumado especialmente atenuado, caso contrário o agente seria punido pelo
artigo 131.º do CP.
ELEMENTOS ELEMENTOS
SOLUÇÃO
OBJETIVOS SUBJETIVOS
Sim Não Artigo 38.º, nº 4 do CP
Não Sim Artigo 16.º, nº 2 do CP
Não Sim Artigo 32.º do CP (licitude)
29
Há determinadas situações em que nós podemos dispor de determinadas partes do
nosso corpo (p.e. esperma, rins, medula, sangue, ...), contudo, o legislador quer perceber
quais são as motivações que nos leva a fazer isso. Se for um caso médico-hospitalar, aí
sim, exclui-se a ilicitude do facto nos termos do artigo 38.º, artigo 39.º e artigo 149.º do
CP. Este tipo de consentimento não ofende os bons costumes, desde logo pela baixa
danosidade do comportamento, p.e. fazer tatuagens ou piercings. Contudo, há uma
categoria que ofende os bons costumes e, por isso, não é excluída a ilicitude do
comportamento, p.e. amputar um dedo ou uma mão por causa de uma aposta.
Este nº 2, a par do artigo 38.º, nº 1 do CP, fala dos bons costumes. As ofensas à
integridade física simples não produzem ofensas aos bons costumes, ou seja, o
consentimento é plenamente relevante desde que prestado nos termos do artigo 38.º do
CP. Se a ofensa à integridade física for grave, então é preciso analisar quais são os motivos
e os fins do ofendido, por isso é que se for em razão de uma aposta já ofende os bons
costumes. Relativamente às intervenções médico-hospitalares, as leges artis exigem que
haja consentimento do lesado, tanto que o artigo 150.º do CP trata-se de uma causa de
exclusão da tipicidade. Contudo, se não houver consentimento, a conduta é típica e ilícita.
Também só posso consentir no que diz respeito a bens de natureza patrimonial, no que
diz respeito aos bens de natureza pessoal, absolutamente indisponível só o direito à vida
e mesmo esse é disponível pelo próprio (é o caso do suicídio).
Outra situação é o homicídio a pedido que, por existir consentimento não é um
comportamento tão censurável, mas não podemos fazer de conta que não aconteceu e, por
isso, não podemos excluir a ilicitude.
O consentimento também só é válido para que tem capacidade natural para consentir:
idade (maiores de 16 anos) e discernimento mental, podendo ser, de acordo com o artigo
38.º, nº 2 do CP, livremente revogado até à execução do facto. O nº 4 do mesmo artigo
30
diz-nos que se não for conhecido do agente, este continua a ser punido (não se exclui a
ilicitude).
DIREITO DE NECESSIDADE
O direito de necessidade está previsto no artigo 34.º do CP e o estado de necessidade
desculpante está previsto no artigo 35.º do CP. Quanto ao primeiro, ele exclui a ilicitude.
Quanto ao segundo, ele exclui a culpa.
Estes requisitos são cumulativos. Relativamente à alínea b), os bens jurídicos não têm
todos o mesmo valor, por isso, eu não posso p.e. sacrificar a vida de alguém para proteger
a propriedade, então, tenho de fazer uso do meio adequado23 para afastar o perigo.
Também é preciso ter em atenção que, no caso da legítima defesa, aquilo que se pretende
afastar é uma agressão humana, enquanto que no direito de necessidade pretende-se
afastar um perigo atual – um perigo pode ser qualquer coisa, podem ser ataques de
animais ou casos fortuitos como uma inundação, um terramoto, etc.
23 O meio adequado é todo aquele que é eficaz e capaz de suster ou afastar o perigo atual.
31
Requisitos do direito de necessidade:
Ø É necessário afastar o perigo através de um meio adequado.
Ø É necessário que haja uma sensível superioridade do bem a salvaguardar em relação
ao bem a sacrificar (excluem-se os bens materiais).
Ø Tem que ser razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse, tendo atenção à
natureza ou ao valor do interesse ameaçado (excluem-se os bens materiais).
CONFLITO DE DEVERES
Artigo 36.º do CP
“Não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos
ou de ordens legítimas da autoridade, satisfazer dever ou ordem de valor igual ou
superior ao do dever ou ordem que sacrificar.”
Para haver conflito de deveres têm de estar em conflito dois ou mais deveres, ou seja,
não pode haver a possibilidade de o agente os cumprir a todos, obrigando-o a optar por
um dever ou outro, p.e. médico que está nas urgências de um hospital e recebe dois
sinistrados, de igual gravidade, e só pode optar por salvar a vida de um, deixando o outro
morrer. Nestas situações, exclui-se a ilicitude relativamente ao dever não cumprido ou a
ordem não obedecida. O dever a cumprir deve ser o de valor igual ou superior ao dever
que se vai sacrificar.
32
Ora, há situações em que, aparentemente, estamos perante um conflito de deveres,
mas, na verdade, só há um dever, p.e. médico que está nas urgências de um hospital e
recebe dois sinistrados, de igual gravidade, e só pode optar por salvar a vida de um, sendo
que esse morre, porque não havia, desde logo, nada a fazer, e o outro também morre
porque não recebeu assistência. Nesta situação, quanto ao paciente que ficou em espera e
acabou por morrer, não é excluída a ilicitude à conduta do médico, mas não é justo que
ele seja responsabilizado criminalmente, por isso, exclui-se o dolo, mas continua a ser
possível a punibilidade a título de negligência nos termos gerais, desde que tenha havido
uma violação do dever de cuidado – se o médico atuou com todas as diligências e de
acordo com a leges artis, então essa violação de cuidado não aconteceu.
OBEDIÊNCIA HIERÁRQUICA
Artigo 36.º, nº 2 do CP
“O dever de obediência hierárquica cessa quando conduzir à prática de um crime.”
Isto significa que se um dos deveres em conflito for um dever de natureza hierárquica
e, por sua vez, conduzir à prática de um crime, esse dever cessa e, consequentemente,
deixamos de estar perante um conflito.
No entanto, de acordo com o artigo 37.º do CP: “Age sem culpa o funcionário que
cumpre uma ordem sem conhecer que ela conduz à prática de um crime, não sendo isso
evidente no quadro das circunstâncias por ele representadas”, p.e. o senhor A começou
hoje a trabalhar numa repartição pública onde se fazem pagamentos em dinheiro e,
chegando ao final do dia, o chefe pede-lhe que pegue no dinheiro que está na caixa e o
deposite num NIB específico.
Mais uma vez, neste caso, aplicar-se-ia o artigo 16.º, nº 2 do CP e o artigo 38.º, nº 4
do CP.
33
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES
Lei 5/2006, de 23 de fevereiro, com atualizações até à lei 50/2019 de 24 de julho (em
anexo)
O artigo 42.º deste regime refere-se ao uso de armas de fogo num contexto de defesa
e está dividido em duas partes:
Ø Uso excecional [uso legítimo e lícito] de armas de fogo (interessa-nos as alíneas a) e
b) do nº 1).
Ø Uso não excecional [lícito] de armas de fogo (interessa-nos a alínea c) do nº 2).
“1. Considera-se uso excecional de arma de fogo a sua utilização efetiva nas seguintes
circunstâncias:
a) Como último meio de defesa, para fazer cessar ou repelir uma agressão atual e ilícita
dirigida contra o próprio ou terceiros, quando exista perigo iminente de morte ou
ofensa grave à integridade física e quando essa defesa não possa ser garantida por
agentes da autoridade do Estado, devendo o disparo ser precedido de advertência verbal
ou de disparo de advertência e em caso algum podendo visar zona letal do corpo
humano;
b) Como último meio de defesa, para fazer cessar ou repelir uma agressão atual e ilícita
dirigida contra o património do próprio ou de terceiro e quando essa defesa não possa
ser garantida por agentes da autoridade do Estado, devendo os disparos ser
exclusivamente de advertência.
2. Considera-se uso não excecional de arma de fogo:
(...)
c) Como meio de repelir uma agressão iminente ou em execução, perpetrada por animal
suscetível de fazer perigar a vida ou a integridade física do próprio ou de terceiros,
quando essa defesa não possa ser garantida por outra forma.”.
Este regime jurídico tende a ser confundido com o da legítima defesa, previsto no
artigo 32.º do CP, mas temos de ter em atenção que ele não obedece às exigências
impostas pelo artigo 32.º do CP. No fundo, é uma norma especial, mas mais restritiva,
relativamente à figura da legítima defesa.
34
Analisando o artigo 42.º deste regime, percebemos que ele tem 9 requisitos para que
se possa utilizar uma arma de fogo no contexto da legítima defesa:
Ø PRIMEIRO: este regime estabelece o uso EXCECIONAL das armas de fogo,
cumprindo a sua função natural.
Ø SEGUNDO: o artigo 32.º do CP fala-nos do “meio necessário” [ver causas de exclusão
da ilicitude], mas aqui fala-se do “último meio de defesa”, isto significa que tem de se
ter esgotados todos os meios de defesa possíveis.
Ø TERCEIRO: a sua utilização efetiva [ver primeiro] tem de ter como finalidade “fazer
cessar ou repelir uma agressão” e isso vai de encontro ao artigo 32.º do CP.
Ø QUARTO: a agressão que visa repelir tem de ser atual e ilícita, tal como o previsto
pelo artigo 32.º do CP.
Ø QUINTO: tem de ser “dirigida contra o próprio ou terceiros”, tal como analisado no
artigo 32.º do CP.
Ø SEXTO: “quando exista perigo iminente de morte ou ofensa à integridade física”.
Ø SÉTIMO: “quando essa defesa não possa ser garantida por agentes da autoridade
do Estado”, também já vimos isto no artigo 32.º do CP.
Ø OITAVO: “devendo o disparo ser precedido de advertência verbal ou de disparo de
advertência” – podemos fazê-lo já que isso se traduz num meio menos grave e isto
faz parte do meio necessário. Aparentemente, este requisito parece exigir que o agente
tenha por certo que a advertência verbal ou disparo de advertência não vão produzir
efeitos, ele só pode fazer mais do que isso depois de ter realizado um dos dois.
Ø NONO: “em caso algum o disparo pode visar zona letal do corpo humano” e isto vai
contra o artigo 32.º do CP – neste artigo podemos considerar uma situação de “ou
matas, ou morres”. O que o artigo 42.º, nº 1, alínea a) nos impede de fazer é de
dispararmos um tiro que atinja uma zona letal, impedindo-me de impedir
completamente o agressor, se necessário for, de eu ser vítima na própria agressão.
Se eu, à revelia do artigo 42.º, nº 1, alínea a) deste regime, disparar, atingindo uma
zona letal do corpo (p.e. cabeça), contra quem está prestes a matar-me, ao nível da
ilicitude o meu comportamento continua a ser ilícito porque estou a violar este artigo (é
o próprio artigo que impede a exclusão da ilicitude), contudo, ao nível da culpa, o juízo
de censura pressupõe a consciência da ilicitude, a liberdade de determinação e a
exigibilidade do comportamento lícito alternativo, sendo assim, não me era exigível que
35
eu me deixasse morrer só para não matar, pelo que aquilo que não pudéssemos resolver
pelo artigo 32.º do CP, poderíamos resolver pelo artigo 35.º do CP.
Qualquer situação em que haja uma inexigibilidade dos comportamentos lícitos
alternativos leva à exclusão da culpa, mesmo que não se traduza em nenhuma das
situações aqui previstas.
A alínea b) prevê um uso da arma de fogo também excecional, a diferença aqui é que
neste caso o disparo tem de constituir exclusivamente um meio de advertência, ou seja,
eu não posso visar nenhuma parte do corpo humano, seja letal ou não letal, e isto não
entra no artigo 32.º do CP porque se trata de uma séria restrição a este artigo.
No artigo 42.º, nº 2 deste regime temos o uso NÃO EXCECIONAL da arma de fogo.
A alínea a) fala do exercício da prática desportiva ou atos venatórios (questões
relacionadas com a caça). A alínea b) como meio de alarme ou de pedido de socorro numa
situação de emergência quando outros meios não possam ser utilizados com a mesma
finalidade ou, então, para alertar que está alguma coisa a acontecer. A alínea c) como
meio de repelir uma agressão iminente ou em execução, perpetrada por animal24
suscetível de fazer perigar a vida ou a integridade física do próprio ou de terceiros, quando
essa defesa não possa ser garantida de outra forma.
Se compararmos as situações da alínea c) do nº 2 do artigo 42.º deste regime com as
da alínea a) do nº 1 do artigo 42.º deste regime, vemos que o legislador foi mais
abrangente.
A razão deste regime e, sobretudo, destas restrições face ao artigo 32.º do CP, tem a
ver com a especial perigosidade e letalidade do meio.
24 Depreende-se daqui que o animal não está a ser usado como meio de agressão, senão cairíamos na alínea a) do
nº 1 do mesmo artigo. Estamos, então, a falar de animais vadios e aí já não estamos no âmbito da legítima defesa,
mas sim no âmbito do direito de necessidade, artigo 34.º do CP.
36
4. CULPA
A culpa é o limite intransponível da pena, ou seja, a pena não pode ir além da culpa,
mas pode ficar aquém dela. Ela traduz-se num juízo de censura ou de reprovação social
que sociedade faz sobre o agente que cometeu o crime, contudo, há situações em que
algumas pessoas (p.e. pessoas que sofrem de perturbações mentais) não merecem este
juízo de censura, desde logo porque no momento em que o agente praticou a ação, ou não
tinha consciência da ilicitude ou não tinha liberdade de se determinar de acordo com essa
avaliação e isso significa que há ausência de culpa e, consequentemente, de culpa. Isto
para dizer que a sociedade não emite juízos de censura sobre os inimputáveis (em razão
da idade ou em razão de anomalia psíquica).
Em relação à primeira causa de exclusão da culpa, vamos ler o exemplo da holandesa
grávida dado na matéria do erro sobre a ilicitude. A culpa aqui é excluída porque se ela
existisse anulava o primeiro pressuposto da culpa que é a CONSCIÊNCIA DA
ILICITUDE. Em relação ao segundo pressuposto da culpa, a LIBERDADE DE
DETERMINAÇÃO, esta liberdade é condicionada, pensemos no exemplo da Tábua de
Carnéades – nestes casos, estamos perante situações de constrangimento psicológico e
isso remete-nos para o terceiro pressuposto da culpa, a EXIGIBILIDADE, porque é
preciso ver até que ponto é que nos era exigível que tivéssemos optado por um
comportamento lícito alternativo ao comportamento ilícito pelo qual optamos – há
situações em que não há exigibilidade e por causa disso também não há liberdade de
determinação, por isso, não há culpa, artigo 35.º do CP [ver causas de exclusão da ilicitude,
direito de necessidade, página 31]. O nº 2 do artigo 35.º do CP fala-nos de “interesses
jurídicos diferentes” e isso refere-se aos interesses patrimoniais. Ainda assim, o legislador
deixa a possibilidade de dispensar o agente de pena, mas não exclui a culpa, porque o
comportamento lícito alternativo, neste caso, nunca é inexigível. O legislador quis deixar
claro que se uma pessoa não tem culpa, não merece pena.
37
Ø Situações em que o comportamento lícito alternativo é absolutamente exigível.
≈ Eu não gosto da pessoa A e, ao final do dia, decido que a vou matar.
≈ O comportamento lícito alternativo era 100% exigível.
Pressupostos da culpa:
Ø Consciência da ilicitude;
Ø Liberdade de determinação;
Ø Exigibilidade.
38
5. PUNIBILIDADE
O crime é composto por dois elementos: a identificação de um comportamento
criminoso e a cominação da respetiva pena. Então, quando falamos de punibilidade,
estamos a falar sobre a concreta e real possibilidade de aquele comportamento ser punido.
Uma das razões que leva uma ação típica, ilícita e culposa não ser punível, é qualquer
causa extintiva da responsabilidade criminal, artigo 127.º do CP, p.e. a morte do autor ou
a prescrição do crime.
Outra das razões são as chamadas “condições objetivas de punibilidade” em que o
nosso legislador, perante determinadas situações, apesar de o tipo estar preenchido, faz
depender a responsabilidade criminal da verificação de determinadas condições, p.e. o
crime de participação em rixa, artigo 151.º do CP ou o crime de incitamento ou ajuda ao
suicídio, artigo 135.º do CP ou o crime de autoria, artigo 26.º do CP. Nestes casos, é
necessário praticar pelo menos um ato de execução.
39
TENTATIVA
As tentativas são formas imperfeitas do crime e estão previstas no artigo 22.º do CP
(diz-nos quando há tentativa) e artigo 23.º do CP (diz-nos as regras de punibilidade da
tentativa). Assim, para que haja tentativa, de acordo com o artigo 22.º, nº 1 do CP, é
necessário que se verifiquem 3 requisitos:
Ø Haver prática de atos de execução25 [ver nota 17].
Ø Haver dolo da prática do crime (por isso é que não há tentativa nos crimes
negligentes).
Ø Ausência de resultado.
25 ATENÇÃO À ALÍNEA C) DO Nº 1 DO ARTIGO 22.º em que, por natureza, temos um ato preparatório [rever nota
19], mas devido à proximidade espácio-temporal do ato preparatório com outros atos de execução, esses atos
contaminam o ato preparatório transformando-o em ato de execução, p.e. senhor A quer assaltar o Banco X através
do telhado e, para isso, todos os dias tira uma telha até ter um buraco suficientemente grande para ele por lá poder
entrar. Ora, quando ele entra, ao tirar, p.e. a sexta telha, como se lhe segue um dos atos das alíneas a) e b),
transforma-se em ato de execução.
26 P.e. eu tenho uma arma na mão e disparo contra o A. Se a arma estiver carregada, é uma tentativa possível. Se
a arma não estiver carregada, é uma tentativa impossível.
40
DESISTÊNCIA
A desistência está prevista nos artigos 24.º (desistência na coautoria singular) e artigo
25.º do CP (desistência no caso da comparticipação). Há desistência quando o agente
pratica o primeiro ato de execução, mas pára no momento imediatamente antes do último
ato de execução. Por outras palavras: para haver desistência é preciso que a pessoa tenha
começado e não tenha acabado – antes de começar não pode desistir porque ainda nem
sequer começou e depois de acabar também não pode desistir porque o ato já está
consumado. A prática do último ato de execução corresponde ao último momento
desperdiçado pelo agente para evitar o resultado.
Como já vimos, só há desistência enquanto o agente não tiver praticado o último ato
de execução, p.e. eu quero vingar-me do senhor A e, para isso, comprei uma arma,
comprei as balas, invadi a casa do senhor A e até lhe apontei a arma à cabeça, mas na
hora de disparar perdi a coragem e desisti. Contudo, se eu tivesse disparado a arma até
ficar sem balas e falhei cada tiro que disparei, não podemos considerar que desisti porque
já não havia mais atos de execução para praticar. Por isso, na pior das hipóteses, seria
punida pela tentativa.
27 Ver exemplo da vingança. ATENÇÃO que se houver uma situação de concurso de normas, o agente pode não ser
punido em relação a uma norma, mas pode ser punido em relação a outra, p.e. o senhor A quer matar o senhor B
à pancada e até já lhe bateu tanto que até já lhe arrancou um olho, mas não o chegou a matar. A desistência até
pode impedir que ele seja punido pela tentativa de homicídio, mas vai continuar a poder ser punido pelas ofensas
corporais graves. Pensemos no caso das matrioscas russas.
28 P.e. eu tinha uma arma carregada com 4 balas e disparei as 4 balas contra o senhor A e até acertei nele durante
o último disparo, mas ainda tenho a possibilidade de reverter o processo, promovendo um socorro, levando a pessoa
ao hospital e fazendo com que ela não morra.
29 Tem a ver com os chamados crimes preterintencionais.
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Artigo 25.º do CP:
“Se vários agentes comparticiparem no facto, não é punível a tentativa daquele que
voluntariamente impedir a consumação ou a verificação do resultado, nem a daquele
que se esforçar seriamente por impedir uma ou outra, ainda que os outros
comparticipantes prossigam na execução do crime ou o consumem.”
Aqui estamos perante um condomínio do facto, p.e. quatro pessoas resolvem assaltar
um banco – a produção do resultado do facto já não depende apenas de uma delas,
depende de todas elas. Para haver coautoria é necessário que duas ou mais pessoas
combinem executar um crime e o façam em conjunto e isso implica a distribuição de
tarefas [para referência, assistir ao filme Ocean’s Eleven].
Ainda assim, cada um dos coautores tem o poder de decidir que aquilo que foi
combinado não acontece (todos os coautores têm o domínio negativo do facto), para isso
basta que falhe a sua parte, logo, nenhum deles pode garantir que o todo acontece, apenas
pode garantir isso em relação à sua parte do combinado (nenhum dos coautores tem o
domínio positivo do facto).
Posto isto, segundo o disposto no artigo 25.º do CP, para haver desistência exige-se
que o coautor (1) voluntariamente impeça a consumação, ou (2) evite a verificação do
resultado, ou (3) não tendo conseguido nenhum dos anteriores, pelo menos se tenha
esforçado seriamente por evitá-lo. A mera desistência é, portanto, irrelevante, já que não
assegura que o resultado não se vai produzir.
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COMPARTICIPAÇÃO
Há comparticipação criminosa sempre que há o contributo, no mesmo facto típico, de
uma pluralidade de agentes. Numa classificação geral, os comparticipantes são os autores
e os participantes.
Existem vários critérios de distinção entre a autoria e a participação, contudo, o
critério mais utilizado é o critério do domínio do facto que nos diz que são autores o
autor material, o autor mediato e o coautor e são participantes o instigador e o cúmplice.
Para esta teoria, o autor é quem tem o “se” e o “como” da realização do facto típico, ou
seja, é quem controla o processo causal que leva ao resultado típico, por isso, o facto
surge como obra da sua vontade.
Artigo 26.º do CP
“É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo(1) ou por intermédio de
outrem(2), ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro
ou outros(3), e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto,
desde que haja execução ou começo de execução(i).”
O nosso Código Penal distingue formas de autoria, artigo 26.º do CP, e formas de
participação. São formas de autoria:
(1)
Ø AUTORIA IMEDIATA : o autor (material) tem o domínio do facto através do
domínio da ação, ou seja, é ele próprio que executa a ação.
(2)
Ø AUTORIA MEDIATA : o autor tem o domínio do facto através do domínio da
vontade, ou seja, não é ele próprio que executa a ação, mas domina a vontade do
executante.
§ Não há autoria mediata quando o autor material (autor imediato) não chega a
praticar uma ação jurídico-penalmente relevante.
§ P.e. A empurra o B que cai sobre C. Não há autoria mediata por parte de A porque
não existiu domínio da vontade, B foi um mero instrumento.
§ P.e. A hipnotiza B para que este mate C. Não há autoria mediata porque B nem
sequer praticou uma ação, ele está hipnotizado.
Ø COAUTORIA (3): o autor tem o domínio do facto através do domínio funcional do
facto, ou seja, o agente, durante a execução, possui uma função relevante para a
realização típica em conjunto com outros agentes.
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Em relação à participação, ela só existe quando existe autoria. Assim, estão previstas
pelo nosso Código Penal as seguintes formas de participação:
Ø INSTIGAÇÃO (i).
Ø CUMPLICIDADE.
AUTORIA MEDIATA
Nestes casos, o facto é praticado por intermédio de outrem (esse outrem é utilizado
como instrumento da vontade do chamado autor mediato). Como é que se obtém esse
domínio da vontade? Para a maior parte da doutrina há duas formas:
Ø Por erro.
Ø Por coação.
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COAUTORIA
A coautoria está prevista no artigo 26.º do CP [ver página 43]. Para haver coautoria tem
de se verificar os seguintes pressupostos:
Ø Existir uma decisão conjunta;
Ø Existir uma execução conjunta.
Há uma decisão conjunta quando existe um acordo entre os autores, que pode
acontecer num momento prévio (antes de se executar o facto) ou durante a execução. Esse
acordo também pode ser expresso ou tácito.
Se houver um excesso durante a execução do facto, esse excesso, por regra, não poderá
ser imputado ao coautor, a não ser que seja um excesso previsível (nesse caso, poderá ser
atribuído ao autor a título de negligência), p.e. A e B combinam dar uma sova a C,
contudo, sem nada dizer a B, o A leva consigo uma arma e dispara sobre C, matando-o.
Para haver coautoria exige-se que haja acordo e o acordo não incluía matar o C, pelo que
houve um excesso.
Há execução conjunta quando cada um dos autores tem de ter o domínio da sua
parte/do seu contributo na execução, p.e. no caso da sova, há um contributo essencial dos
dois porque para o facto se realizar tal como aconteceu, foi preciso que ambos
contribuíssem.
Ainda assim, o legislador no artigo 26.º do CP fala em “tomar parte direta na sua
execução”, p.e. A dá instruções a B pelo telemóvel (estilo Ocean’s Eleven). É ou não
coautor? Se se exigir que tem de tomar parte direta, então não é coautor. Contudo, para
uma parte da doutrina, apesar de A não tomar parte direta, a sua ação tem consequências
diretas na execução, então podemos dizer que é coautor.
INSTIGAÇÃO
A instigação está prevista na última parte do artigo 26.º do CP. O professor Figueiredo
Dias considera que se houver determinação de outrem em praticar o crime, a instigação
deve ser uma forma de autoria, porque o instigador possui, através do domínio da decisão,
o domínio do facto.
Assim sendo, são elementos da instigação:
Ø Determinação de outrem a executar dolosamente o crime.
Ø Duplo dolo do instigador.
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Quanto ao primeiro, o instigador tem de fazer nascer no executor a vontade de praticar
o crime (não basta influenciar a decisão, ou sugerir alguma coisa ao executor, ou mesmo
reforçar a decisão do executor), p.e. A paga a B para este matar C. B nunca quis matar C,
mas A fez com que nascesse essa vontade nele, motivado pelo dinheiro. Neste caso, o
executor passa a ter o dolo da ação instigada.
Também é preciso ter em conta que para haver dolo tem de haver execução, nem que
seja na forma tentada, p.e. não basta A pagar a B para B ter o dolo da ação, porque em
direito penal não se punem as intenções, é preciso que B pratique atos de execução.
ATENÇÃO: não confundir isto com a coação porque aqui há dolo e livre vontade e
na coação não.
Quanto ao segundo, tem de haver um duplo dolo por parte do instigador. Esse duplo
dolo é o (1) dolo de determinar, i.e. tem de querer determinar o outro a praticar o facto;
e, além disso, tem de ter o (2) dolo da ação instigada, i.e. ele próprio também tem de
querer o crime, p.e. A disse a B que lhe pagava 10 000€ se este matasse C, o seu pior
inimigo, o problema é que B confundiu C com D, o seu melhor amigo. A maior parte da
doutrina considera que este erro sobre o objeto deve valer como uma aberractio ictus [ver
modalidades do erro].
CUMPLICIDADE
A cumplicidade tem como elementos objetivos:
Ø Contributo direto do cúmplice para facilitar ou preparar a execução.
Ø Causalidade do contributo em relação ao resultado tal como se produziu.
Ø Execução ou começo da execução.
Ø Dolo por parte do autor material/executor.
Quanto ao primeiro, este contributo pode ser material30 (p.e. alguém empresta uma
arma que vai ser utilizada num assalto, com o conhecimento que o assalto vai ser
realizado) ou moral31 (p.e. uma pessoa sabe que outra vai praticar um crime e diz-lhe “ah,
30 Não pode ser um contributo material ao ponto de ele tomar parte direta na execução, p.e. a pessoa é a única
capaz de fazer um mapa para chegar ao sítio onde se pratica um assalto.
31 Não pode ser um contributo essencial ao ponto de ser determinante da vontade do executor, senão estaremos
perante um instigador.
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muito bem, aconselho vivamente que o faças e se vais arrombar o cofre até podias fazer
da seguinte maneira (...).”).
Quanto ao segundo, ele refere-se às situações em que o contributo não foi causal, p.e.
uma pessoa emprestou uma arma para ser feito um assalto, mas a arma não foi utilizada.
Quanto ao terceiro, é quando p.e. uma pessoa empresta a arma, mas nem chega a haver
atos de execução.
Artigo 28.º do CP
“1. Se a ilicitude ou o grau de ilicitude do facto dependerem de certas qualidades ou
relações especiais do agente, basta, para tornar aplicável a todos os comparticipantes
a pena respetiva, que essas qualidades ou relações se verifiquem em qualquer deles,
exceto se outra for a intenção da norma incriminadora.
2. Sempre que, por efeito da regra prevista no número anterior, resultar para algum
dos comparticipantes a aplicação de pena mais grave, pode esta, consideradas as
circunstâncias do caso, ser substituída por aquela que teria lugar se tal regra não
interviesse.”
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O artigo 28.º do CP apesar de estar relacionado com o princípio da acessoriedade
limitada não pode ser confundido com ela. Este artigo existe para os crimes específicos
(próprios e impróprios), uma vez que visa dar resposta a problemas relacionados com
eventuais comparticipantes que não têm a qualidade exigida no tipo, i.e., pretende saber-
se se o comparticipante pode ou não ser punido.
P.e. um pai paga a uma pessoa para lhe matar o filho, artigo 132.º do CP. Nestes casos,
face ao artigo 28.º do CP, estendemos a qualidade ao executor que também seria punido
por homicídio qualificado. A única coisa que, como vimos, é analisada individualmente,
é a culpa, de acordo com o artigo 29.º do CP.
Note-se que estaríamos perante um erro sobre as circunstâncias agravantes se o
executor não tivesse conhecimento da relação filial e, nesse caso, extingue-se o dolo do
homicídio qualificado.
Este problema do artigo 28.º do CP já não se coloca se o autor material tiver a qualidade
exigida no tipo, porque aí recorremos ao princípio da acessoriedade limitada, ou seja,
aquela qualidade estende-se automaticamente ao comparticipante.
Ainda a propósito deste assunto, enquanto que o princípio da acessoriedade limitada
apenas se aplica quando falamos da participação (instigação e cumplicidade), o artigo
28.º do CP, por sua vez, aplica-se a todas as formas de comparticipação (participação ou
autoria).
Por fim, o artigo 28.º, nº 1 do CP, na parte final, diz-nos “exceto se outra for a intenção
da norma incriminadora”. A maior parte da doutrina concorda que o legislador trata aqui
dos crimes de mão própria que são aqueles que só podem ser praticados por aquela pessoa
e mais ninguém e, por isso, não faz sentido estender a punibilidade a qualquer participante
ou autor, p.e. bigamia, artigo 247.º do CP, a amante não pode ser punida.
O regime geral da comparticipação encontra-se nos artigos 25.º, 26.º, 27.º, 28.º e 29.º
do CP. O artigo 25.º do CP já o analisamos [ver página 42]. O artigo 26.º do CP determina
quem é punível como autor (o autor material, o autor mediato, o coautor e o instigador).
O artigo 27.º do CP caracteriza o cúmplice material e o cúmplice moral e determina a sua
punição com a pena fixada para o autor, especialmente atenuada. O artigo 28.º do CP
estabelece que todos os comparticipantes são punidos pelo mesmo tipo de crime quando
a norma incriminadora exige determinadas qualidades do autor e estas apenas se
verificam em um dos comparticipantes. O artigo 29.º do CP consagra o caráter individual
da culpa.
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Modalidades do Dolo
ELEMENTO INTELECTUAL: "(...) quem, representando um facto que preenche um tipo de crime (...)”
DOLO DIRETO
artigo 14.º, nº 1 do CP
ELEMENTO VOLITIVO: "(...) com intenção de o realizar.”
ELEMENTO INTELECTUAL: "(...) quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de
crime (...)”
DOLO NECESSÁRIO
artigo 14.º, nº 2 do CP ELEMENTO VOLITIVO: p.e. A quer incendiar o carro de B e sabe que está um sem-abrigo abrigado na
mala do carro.
Ele tem duas possibilidades: A) garante que o sem-abrigo sai do carro e incendeia-o;
B) não quer saber se o sem abrigo sai ou não e decide pegar fogo ao carro, matando o sem-abrigo.
ELEMENTO INTELECTUAL: "Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for
representada como consequência possível da conduta (...)”
DOLO EVENTUAL
artigo 14.º, nº 3 do CP ELEMENTO VOLITIVO: Vamos utilizar, novamente, o exemplo acima do sem-abrigo dentro do carro, mas
vamos alterar um facto: vamos imaginar que o sem-abrigo, neste caso, tanto ia para o carro como não e
não tinha hora de entrar/sair do carro. Aqui, o agente tem em consideração que esse resultado pode
acontecer e conforma-se com essa possibilidade. É um risco que ele aceita correr.
OBS.: tende a confundir-se o dolo eventual com a negligência consciente. A diferença entre um e outro está em saber se ele teria atuado na mesma, caso ele
soubesse da circunstância. Se sim, estamos num caso de dolo eventual. Se não, estamos num caso de negligência consciente.
Erro sobre o objeto (vs. erro sobre a identidade; vs. tentativa impossível);
Erro sobre o processo causal (vs. “erro” na execução ou aberractio ictus. Regime);
FACTO TÍPICO
artigo 16.º, nº 1 do CP Erro sobre elementos de direito do tipo (vs. erro de subsunção);
Erro
NEGLIGÊNCIA
É quando a pessoa representa como possível a produção de um determinado resultado de um facto que
CONSCIENTE preencha um tipo de crime, mas descarta-a, ou seja, não se conforma, p.e. (usando o exemplo do sem-
abrigo dado anteriormente) "vou incendiar o carro porque o sem-abrigo já deve ter saído porque são
artigo 15.º, alínea a) do horas de jantar".
CP
NEGLIGÊNCIA
INCONSCIENTE É quando a pessoa nem sequer representa a possibilidade da produção do resultado do facto que preencha
um tipo de crime, p.e. o A vai incendiar o automóvel mas nem sequer representa como possível que esteja
artigo 15.º, alínea b) do lá dentro um sem-abrigo.
CP
OBS.: tende a confundir-se o dolo eventual com a negligência consciente. A diferença entre um e outro está em saber se ele teria atuado na mesma, caso ele
soubesse da circunstância. Se sim, estamos num caso de dolo eventual. Se não, estamos num caso de negligência consciente.
A negligência pode ser mais grosseira ou menos grosseira (ou simples) dependendo de as circunstâncias serem mais censuráveis ou menos censuráveis.
Teoria da Infração Penal
Crime comum
1. Quanto à qualidade do agente Crime específico próprio
Crime de ação
3. Quanto à estrutura do comportamento Omissões puras
Crime por omissão
Omissões impuras
Crime consumado
6. Quanto ao modo de perfeição
Crime tentado
Crime instantâneo
Crime continuado
Teoria da Infração Penal
1. Qualidade do agente.
A. Crimes comuns: podem ser praticados por qualquer pessoa – “quem”.
B. Crimes específicos: podem ser praticados por pessoas específicas na lei.
i. Específicos próprios: é o próprio que o pratica na sua função (p.e. advogados ou solicitadores).
ii. Específicos impróprios: quando é praticado pelo próprio dotado de determinadas qualidades ou investidas em certas funções.
3. Estrutura do comportamento.
A. Crime por ação: consiste em fazer (a norma impõe que não façamos e nós fazemos mesmo assim).
B. Crime por omissão: consiste no que devia ter sido feito, mas não foi feito (há uma imposição de um dever).
i. Omissões puras ou próprias: o crime está consumado pela simples omissão de um determinado comportamento,
independentemente das consequências que daí advenham.
ii. Omissões impuras ou impróprias: exige-se que da omissão do agente advenha a produção de um determinado resultado.
i. Crime de perigo abstrato: para que o crime esteja consumado, basta haver uma probabilidade ou hipótese de perigo, mesmo que
não haja efetivamente um perigo.
ii. Crime de perigo concreto: o crime só está consumado quando a conduta se revelar efetivamente perigosa.
iii. Crime de perigo abstrato-concreto: N/A.
5. Modo de formação.
A. Crime de forma livre: o legislador não especifica de que forma é que o crime se consuma.
B. Crime de forma vinculada: o legislador especifica de que forma é que o crime se consuma.
6. Modo de perfeição.
A. Crime tentado: da ação não advém um resultado.
B. Crime consumado: da ação advém um resultado.
7. Momento da consumação.
A. Crime instantâneo: há apenas um único crime que se consuma num momento exato.
B. Crime duradouro: a consumação ocorre quando a ação, através de uma única ação ou omissão, se prolonga no tempo.
C. Crime continuado: são várias ações que se vão derrubando no tempo.