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Pesquisa-intervenção como método ♦ 373

PESQUISA-INTERVENÇÃO
COMO MÉTODO,
A FORMAÇÃO COMO INTERVENÇÃO

A NA L ÚCIA C. H ECKERT
E D UA RD O P A S S O S

Premissas

E ste texto está em sintonia com estudos que vêm reunindo diferentes
pesquisadores voltados à análise e discussão dos processos de interven-
ção, formação e pesquisa. O campo problemático que pauta e dispara
nossas análises é o modo como os processos de formação e de pesquisa
têm se constituído na atualidade. Muitos vêm sinalizando a fragmenta-
ção dos processos de formação, bem como os efeitos da realização de
pesquisas dissociadas do plano de análise e intervenção que as constitui
(Linhares, 2001; Feuerwerker et al., 2001; Barros, 2005). Considera-
mos que se conserva um modo de formar-pesquisar dissociado dos pro-
cessos de intervenção e de um campo problemático disparador de temá-
ticas e problemas conectados à complexidade dos processos que hoje
forjam as políticas públicas no Brasil.
Do nosso ponto de vista está em pauta, como questão-problema,
os modos de formar e os modos de pesquisar.
Embora o texto constitucional de 1988 afirme a indissociabilida-
de entre ensino, pesquisa e extensão, em nosso cotidiano de trabalho nas
instituições públicas de ensino superior estas modalidades, por vezes,
vêm se constituindo de forma justaposta, paralela, isto é, dissociadas.
Ainda nos deparamos com hierarquizações onde a pesquisa ganha lugar
de produção de conhecimento, em detrimento do ensino e da extensão.
Cabe também ressaltar que, no campo das ciências humanas, ainda vi-
gora uma compreensão “aplicacionista” que percorre os processos de
formação e de pesquisa, pautados pelo princípio de que conhecemos
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para transformar, produzimos conhecimentos a serem aplicados a uma


suposta realidade já dada. É o ideal de inteligibilidade positivista que
ainda vigora entre nós, para quem o conhecimento se define pelo enunciado
de leis que descrevem a regularidade dos fenômenos estudados. Nesta
tradição, o momento lógico da ciência (observação controlada, descrição
das regularidades e enunciado legal) antecede, necessariamente, seu
momento técnico. O conhecer antecede o fazer, garantindo-se assim a
suposta neutralidade e imparcialidade do conhecimento. Neste viés, à
extensão resta o lugar de transferência de conhecimentos construídos no
campo da pesquisa, visando mudança social e socialização de conhecimen-
tos. A baixa articulação entre ensino, pesquisa e extensão e a menor
importância que, muitas vezes, é atribuída às práticas extensionistas com-
prometem o sentido da universidade como organização autônoma. Como
dissemos em outro momento (Andrade, Longo & Passos, 2001), a articu-
lação entre os sujeitos que participam da rede de conversações caracterís-
tica da vida universitária (pesquisador, aluno, cidadão) permite a gera-
ção de uma rede que singulariza modos de produzir conhecimento, modos
de produzir formação e modos de produzir integração do extrauniversi-
tário na universidade. Se entendemos a autonomia como capacidade de
construção de sua próprias regras, a universidade não pode abrir mão da
articulação dos três modos de produção que entrelaçam os diferentes
sujeitos implicados nos processos de pesquisar, formar e intervir.
Este texto objetiva, portanto, partir deste campo de questões para
indagar o que se passa nos processos de formação e de pesquisa, e como
tais processos vêm se constituindo como dispositivos de publicização ou
privatização do público. Neste caminho de análise, abordar a questão do
método e dos princípios que revestem os processos de formação nos
parece fundamental, se apostamos na potência disruptiva da pesquisa e
da formação.

A pesquisa inter
intervvenção como método
O modo como a questão do método em pesquisa tem sido aborda-
da no campo das ciências humanas ainda conserva uma compreensão
que, do nosso ponto de vista, opõe pensar e fazer, teoria e prática. Este
modo de conceber o método em pesquisa tem permeado a formação de
profissionais nas áreas de ciências humanas e ciências da saúde, o que
nos coloca diante de alguns debates que consideramos pertinentes.
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Comumente o método de pesquisa é compreendido como um con-


junto de regras e normas necessárias que deverão nortear a produção do
conhecimento. O método científico é aquele em que o pesquisador par-
te de hipóteses para explicar processos, fenômenos e se utiliza de expe-
rimentos e técnicas que possam testar suas hipóteses, comprovando-as
ou rejeitando-as. Ao pesquisador cabe a explicação de um fato, fenôme-
no, a dedução de suas consequências, bem como a previsão dos eventos
decorrentes do fato observado/pesquisado.
Contudo, temos afirmado o método como modo de caminhar, modo
de fazer pesquisa que não se dissocia de seus princípios e campo proble-
mático (Benevides & Passos, 2005).
O que estamos denominando de campo problemático não reside no
delineamento de questões/problemas, a priori, para as quais se busca en-
contrar a solução ou confirmar sua veracidade. Conforme afirmou Deleu-
ze (1999, p. 10) a verdade ou falsidade de um problema não se situa na
sua possibilidade ou não de resolução. O campo problemático ao mesmo
tempo que dispara os processos de pesquisa e solicita a definição das
estratégias que serão utilizadas no acompanhamento dos processos, é refor-
mulado e delineado no próprio fazer do processo de pesquisa, conforme
aponta Kastrup (2007), alterando a formulação dos próprios problemas.
Trata-se mais de um aprender-fazendo, do que um aprender para fazer.
Contudo, traçar um campo problemático não é procedimento banal,
uma vez que envolve não cair nas armadilhas do “basismo”,1 nas arrogâncias
de um suposto distanciamento entre sujeito e objeto, mas pôr em análise
as implicações do pesquisador com seu campo de trabalho/questões.
Seria possível pensar a pesquisa apenas como modo de solução de
problemas? Não seria o processo de pesquisa uma espécie de arte de
produção de novos problemas? O que perdemos no processo de pesqui-
sa quando focalizamos a descoberta de uma dada realidade, a apreensão
de um certo fenômeno como se ele já estivesse dado, pronto, definido?
Seria possível dissociar a ação de conhecer um objeto/realidade do ato
de sua própria constituição?
Deleuze (1999, p. 128), discutindo o método em Bergson, nos
ajuda a compreender que talvez o mais importante não seja manter a
1
Estamos denominando como “basismo” a compreensão de que todo saber, e a
suposta verdade acerca do conhecimento, está localizado em um determinado pólo; seja
ele focalizado nos estudantes, no povo, etc.
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ficção de descoberta da realidade, mas sim compreender os movimentos


de produção do real.

Se a ciência é um conhecimento real da coisa, um conheci-


mento da realidade, o que ela perde ou simplesmente corre o risco
de perder, a menos que se deixe penetrar de filosofia, é menos a
própria coisa do que a diferença da coisa, o que faz seu ser, o que
faz com que ela seja sobretudo isto do que aquilo, sobretudo isto
do que outra coisa.

Neste sentido, nosso desafio consiste em pensar e propor métodos


de pesquisa com as pistas propostas em Passos, Kastrup & Escóssia
(2009): muito menos como um fazer que pretenda representar um obje-
to, e muito mais como um dispositivo que permita acompanhar proces-
sos. Portanto, importa menos os resultados do processo do que seu pro-
cesso de constituição; importa menos os resultados de uma luta do que
os efeitos que se constituem na luta.
Os trabalhos de pesquisas que realizamos têm se situado no plano
da pesquisa-intervenção, entendendo por isso que toda pesquisa é ne-
cessariamente intervenção. Ou seja, o processo de pesquisa produz rea-
lidades, institui práticas, interfere produzindo movimentos. Portanto, nos
sentimos instigados a analisar os movimentos que percorrem e disparam
os processos de pesquisa, tomando tais movimentos como objeto de nossas
reflexões e análises.
Nossa proposta tem consistido em pôr em ação um método de
trabalho que não se paute na dicotomia pesquisa/intervenção, teoria/prá-
tica, pesquisador/pesquisado. Nesse sentido, nossos caminhos estão per-
meados pela dupla inversão assinalada por Benevides & Passos (2000;
2005), escapando do lugar tradicionalmente ocupado pelo método e
pela intervenção no campo das ciências humanas.
O lugar hegemonicamente construído e herdado das ciências na-
turais destaca a primazia da meta com relação ao caminhar. Ou seja, a
meta é dada e configurada previamente, uma espécie de verdade que
aguarda o momento de sua revelação, definindo a priori e de forma pres-
critiva o caminhar: meta hodos. A inversão apontada aqui indica que a
meta (direção) é efeito do hodos (caminho), ou seja, é no processo de
pesquisa (no caminhar) que a meta (direção) se constitui; o primado
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aqui é dado ao caminhar. Fazer tal escolha, portanto, nos exige uma
reposição do modo tradicional como o método é tratado no discurso
universitário que garante seu estatuto privilegiado a partir de uma apos-
ta metodológica pautada em um rigor que se confunde com determinis-
mo, previsibilidade e, sobretudo, definição apriorística de uma meta a ser
alcançada no processo ou no caminho das atividades de investigação.
A segunda inversão subverte a máxima que localiza a intervenção
como derivação, ou momento posterior do processo de conhecer: “conhe-
cemos para transformar a realidade”. Trata-se, ao contrário, de intervir
para conhecer. Conhecer e transformar são, assim, processos indissociá-
veis que, em seu entrelaçamento, constituem sujeito e objeto da pesquisa.
A pesquisa-intervenção visa à interrogação das práticas naturali-
zadas que se materializam nos estabelecimentos. Não se trata de produzir
um conhecimento a priori buscando constatar sua veracidade, ou ainda
aplicá-lo a uma dada realidade aqui entendida como já dada, já formula-
da. Ou ainda a busca de apreensão de uma verdade sobre um objeto.
Objetiva-se cartografar os movimentos, pondo em análise as instituições
em cena em determinado campo. Nesse sentido, intervir refere-se a uma
aposta ético-política que afirma a radicalidade da intervenção em seu
sentido etimológico, isto é, intervir é vir entre. Pretende, portanto, romper
com uma concepção “aplicacionista” em que a teoria precede a prática e a
contemplação, o fazer. Nas palavras de Benevides & Passos (2000, p. 11).

Tradicionalmente, o momento teórico do conhecimento re-


fere-se à construção lógica de um sistema de inteligibilidade para
o objeto, e o momento técnico diz respeito à intervenção prática
sobre o objeto. Em se apostando no caráter sempre intervencio-
nista do conhecimento, em qualquer de seus momentos todo co-
nhecer é um fazer.

Assim, todo conhecer é um fazer, construindo no mesmo movi-


mento a si mesmo e o mundo.
Esta torção nos lança à discussão de outros conceitos-ferramenta
tais como transversalidade e implicação.2 Se partilhamos de uma aposta
2
A noção de implicação é forjada no campo da Análise Institucional, buscando
confrontar-se ao cientificismo objetivista e neutro que postula a possibilidade de separação
e distanciamento entre pesquisador e objeto. Ao contrário dessa neutralidade, a Análise
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que interroga a neutralidade e o distanciamento nos processos de pes-


quisa, e se afirmamos com a Análise Institucional que a gênese teórica
não precede a gênese social do conhecimento, entendemos que está em
debate como se recorta e se define o campo problemático nos processos
de pesquisa, as interferências do processo de pesquisar no campo proble-
mático anunciado, e o que estamos chamando de análise e de interven-
ção. Consideramos que tais discussões se insinuam como necessárias,
ante o perigo de transformarmos a pesquisa-intervenção em uma mais
nova técnica de pesquisa e, com isso, diluindo sua potência instituinte.
Com os analistas institucionais diríamos que a pesquisa intervém.
O que é o método da intervenção? Lourau no texto “Campo socioanalíti-
co”, primeiro capítulo do livro Intervenções socioanalíticas de 1996 (Lourau,
2004b), afirma que se perguntar acerca do método coloca para a Análise
Institucional imediatamente o tema da intervenção e do campo que por
ela é aberto — o campo da intervenção. Pensar este campo exige para o
autor a definição do que ele designa de “paradigma dos três Is” que, na
verdade, são quatro: instituição, institucionalização, implicação e o últi-
mo, intervenção, sendo este o termo que delimita o campo de ação.
A Análise Institucional define suas práticas como campo de inter-
venção e campo de análise. O primeiro diz respeito ao espaço-tempo
acessível aos interventores em função de uma encomenda inicial e as
modificações deste espaço-tempo em face da análise da encomenda no
processo de intervenção. No campo de intervenção, todos estão incluídos
compondo uma situação que K. Lewin já designava na pesquisa-ação. O
campo de análise, que se distingue, mas não se separa do campo de
intervenção, é o sistema de referência teórica que se torna operatório em
uma pesquisa-ação e, consequentemente, estando sempre encarnado em
uma situação social concreta. A análise aqui se faz sem distanciamento,

Institucional afirma que sempre estamos implicados naquilo em que intervimos. Contudo,
a implicação não deve ser uma espécie de verificação, constatação, tampouco deveria
significar a compreensão do envolvimento pessoal e individual do pesquisador, dos trabalha-
dores sociais, com o campo de intervenção. É desse modo que será afirmada a importância
não de constatar implicações, mas de operar a análise das implicações com as instituições
(práticas sociais) que atravessam um dado campo, uma dada prática. A análise de im-
plicação nos permite incluir os efeitos analisadores dos processos de intervenção, analisando
a posição do profissional (pesquisador) nas relações sociais, na trama institucional. A im-
plicação é um “nó de relações” (Lourau, 2004a, p. 190). Sempre presente em nossa
atuação profissional, a implicação diz respeito aos nossos pertencimentos, investimentos
libidinais, referências, posição de classe, etc.
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já que encarnada na experiência através das implicações que se atuali-


zam coletivamente.
Seguindo com Lourau (2004c), se os modos de fazer pesquisa são
sempre intervenções operadas em um campo de relações de poder-saber
que incluem o pesquisador e o pesquisado, a análise não é tarefa ou
atribuição de um perito/especialista, ou ainda um discurso sobre a ação.
Buscando reposicionar aquelas compreensões que situam em polos opos-
tos e conservam de um lado intelectuais-analistas-teóricos e, de outro, o
fazer-operacional-prático, Lourau (2004c, p. 123) nos ajuda a sair dessa
malha dualista e circular, ao afirmar que a “análise não é o oposto da
ação. A ação é a análise”. É neste caminho que os analisadores ganham
um estatuto fundamental assumindo um lugar de primazia com relação
ao analista. Esta aposta na despessoalização da análise — ao centrá-la
em acontecimentos que funcionam como catalisadores de mudanças que
problematizam uma dada prática e permitem a análise em ato — nos
permite reconsiderar certas oposições. Por esta atitude analítica, somos
levados a pôr em questão a distinção entre pesquisa como tarefa e técni-
ca, ato de interpretação da realidade do qual alguns assumem seu encar-
go (os chamados pesquisadores), e pesquisa como ato de interferência
que interroga as formas de atualização das forças sociais, incluindo aí o
próprio ato de pesquisar.
O sentido que queremos afirmar com relação ao método se con-
trapõe à compreensão de que o fazer pesquisa é uma ação apartada do
mundo, em que se assumiria como objetivo a busca de uma evolução do
conhecimento, do seu progresso. Essa contestação se faz por entender
que a realidade não é um dado a ser desvelado, descoberto ou interpre-
tado. E, desse modo, o conhecimento não se constrói de forma linear,
evolutiva e previsível. Com Walter Benjamin entendemos que método é
ação de desvio e que, portanto, não caminha em meio a previsibilidades
de um sujeito do saber que conhece um mundo exterior.

Método é desvio. A apresentação como desvio — eis o cará-


ter metodológico do tratado. Renunciar ao curso ininterrupto da
intenção é sua primeira característica. Incansavelmente, o pensa-
mento começa sempre de novo, volta minuciosamente à própria
coisa (Benjamin. Apud: Gagnebin, 1999, p. 87).
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A pesquisa como processo de formação


Retomamos aqui a afirmação anterior de que todo fazer é produção
de si e de mundos para pôr em análise o processo de pesquisa como
processo de formação. Ou seja, se partimos do princípio de que fazer
pesquisa é um processo de produção de subjetividade, há que se discutir
e analisar como tais processos estão se constituindo neste fazer. Se con-
siderarmos que os processos de formação não se dissociam dos proces-
sos de intervenção, portanto cabem algumas indagações: o que vem se
passando nos processos de formação forjados no âmbito da pesquisa?
A direção ético-política que permeia nossas análises e fazeres na
universidade pauta-se na aposta de que os processos de formação inter-
ferem nos sujeitos, com a potência de desestabilizar modos instituídos
de existência. A experimentação possui um potencial de alterização, “ou-
tramentos”, ou seja, possibilita provocar processos de produção tanto
dos objetos (até então tomados como naturais) quanto dos próprios su-
jeitos do conhecimento. Portanto, apostar na força de transformação da
experiência e, ou, experimento não significa apenas conferir aos objetos
um sentido ou definição conceitual, mas permite, sobretudo, indagar
acerca de seu processo de constituição e do processo de subjetivação a
ele associado. Sujeito e objeto não precisam ser tomados como realidade
prévias, ou fundamentos do ato cognitivo, mas realidade coemergentes
do próprio processo cognoscente.
Essa direção implica, necessariamente, reposicionamentos, deser-
ções de lugares instituídos, compreensão do caráter finito e limitado de
nossos dispositivos de intervenção. Implica, sobretudo, problematização
do modo de fazer pesquisa-formação.
Nesse caminho, compreender a formação, a produção do saber,
como processos de coemergência de si e de mundo nos abre a possibilidade
de fazê-la funcionar como um dispositivo potente de intervenção, como
usina de produção. A formação, nesse sentido, deixa de ser espaço tranquilo
de transmissão de conhecimento, para se apresentar como agora de disputa
de sentido, de embate de forças, de confronto entre as formas já estabele-
cidas e as forças de mudança. É nesse sentido que temos afirmado a
formação como potência disruptiva (Neves & Heckert, 2007), o que nos
lança num campo de análise e interrogação permanente do estado de
coisas instituído (as formas) e da abertura ao imponderável e imprevisível
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campo dos movimentos de criação. Ao ressaltar o caráter intervencio-


nista do conhecimento, recusa-se a falsa dicotomia saber/fazer, formar/
/intervir, teoria/prática; afirmando que formar é intervir.
Mas afirmar tais princípios nos arrasta para a problematização dos
modos de fazer os processos de formação-pesquisa. No lugar de regras
prescritivas, de práticas bancárias (Freire, 1978), de fortalecimento dos
especialismos, de busca de resultados imediatos mantenedores dos produ-
tivismos a todo custo, a formação-pesquisa-intervenção requer ser acio-
nada como dispositivo de abertura a outras sensibilidades, pondo em
cena, sempre, a análise das instituições que atravessam os processos de
formação-pesquisa de modo que amplie os índices de transversalidade.3

Trabalhar neste campo da pesquisa-intervenção implica tam-


bém recorrer a uma espécie de “desterritorialização” de campos de
visão, e tomar como perspectiva ângulos mais transversais para o
âmbito das realidades cotidianas (Roldi et al., 2007, p. 9).

Estamos lançados, assim, a um campo de problematização das


evidências que nos constituem (Foucault, 1999), e lidando, ao mesmo
tempo, com concepções de pesquisa que visam apreender as evidências
(diga-se de passagem, muitas delas naturalizadas), tomando-as como
ponto de partida do processo de pesquisa.
Os modos de fazer pesquisa ainda legitimados e reconhecidos no
campo das ciências humanas, e de parte das instituições de fomento à
pesquisa, acabam por reificar procedimentos que falam de, falam sobre,
mas não falam com os sujeitos. Por conseguinte, não é surpreendente que
entre graduandos nos deparemos com falas tais como: “mas eu não te-
nho de seguir o roteiro para verificar a hipótese da minha pesquisa?”;
“terei de refazer as entrevistas porque os meus sujeitos não abordaram o
tema que eu solicitei”; “eu já defini o lugar em que vou fazer a pesquisa,
mas ainda não delimitei meu problema de pesquisa”.
Desse modo, percebe-se que a interrogação acerca dos modos de
3
A transversalidade se opõe, conforme apontado por Guattari (1981, p. 95), à pura
verticalidade e à simples horizontalidade, compreendidos como eixos hegemônicos de
organização da comunicação nas instituições (os diferentes se comunicam verticalmente,
isto é, hierarquicamente, e os iguais se comunicam no plano horizontal do corporativismo).
Diz respeito ao grau de abertura à alteridade, tendendo-se a realizar-se quando se opera
um aumento do grau de comunicação entre os diferentes sujeitos, entre os grupos.
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fazer pesquisa é fundamental, caso estejamos atentos à complexidade


dos processos sociais.
Nesse caminho de interrogação do que se passa nos processos de
formação e pesquisa somos arrastados a tomar algumas questões que
consideramos instigantes. Como produzir desvios nos modos de fazer
pesquisa se conservamos perspectivas de formação em que o aprender se
reduz ao treinamento de habilidades e competências, dissociadas de um
campo de intervenção?
Os estabelecimentos de ensino superior encontram-se, na atualida-
de, voltados seja à preparação para atuação em um mercado de trabalho
entendido como realidade já dada e fixada, seja para a preparação preco-
ce de pesquisadores. Ao mesmo tempo, no cotidiano das universidades,
docentes e discentes veem-se às voltas com um “produtivismo” que tem
produzido como efeito repetições apressadas, pesquisas descoladas dos
desafios que percorrem a vida cotidiana de boa parte dos brasileiros(as),
temáticas e problemas de pesquisa pautados em evidências que não são
problematizadas (Ferreira Neto, 2008), dentre outras questões.
O que vemos ainda se repetindo é uma perspectiva de formação
muito mais voltada à “boa” e “correta” reprodução do já aprendido, à
busca de uma maneira “correta” de fazer pesquisa, do que a aposta no
aprender como ação de “[. . .] inaugurar, inventar o ainda não existente
[. . .]” (Schérer, 2005, p. 1188).
Um outro aspecto a ser destacado, no que se refere aos processos
de formação no campo da pesquisa, diz respeito ao caráter “transmissi-
vista” de conteúdos e técnicas (modernas, de ponta), tomados como in-
dicadores de uma boa formação. Estamos, portanto, nos referindo àque-
las noções que tomam a formação como repasse de informações de um
emissor a um receptor, pressupondo que tais polos (emissor/formador e
receptor/formando) são entes já dados, já formatados, preexistentes. Nesse
caminho não se consegue entender que a produção de sujeitos se faz no
encontro entre forças e processos de vários matizes.
Quando apostamos em princípios ético-políticos, comprometidos
com produção de autonomia e exercício de liberdade, somos forçados à
análise permanente das relações de saber-poder que recortam os processos
de formação/pesquisa, afastando-se daquelas ações de formação eminen-
temente prescritivas, modeladoras, voltadas à mudança de comportamento
e tomando os sujeitos em abstrato, metro-padrão modelar e homogêneo.
Pesquisa-intervenção como método ♦ 383

Se muitos pesquisadores têm se dedicado a uma reflexão acerca


dos métodos de fazer pesquisa, parece fundamental, também, tomarmos
como desafio a análise dos “métodos” de fazer a formação nos processos
de pesquisa. Nesse âmbito estamos transitando novamente no fio de
navalha, entre a produção de fôrmas de fazer pesquisa e a produção de
formas (sempre díspares) de operar nos processos de pesquisa. Como
atiçar processos de formação no campo da pesquisa que produzam “per-
guntadores” e não ventríloquos-seguidores que repetem incansavelmen-
te o tema, as perguntas, e as análises dos mestres?
Como aponta Ferreira Neto (2008, p. 541),

[. . .] a discussão metodológica merece ser reconhecida como


elemento vital na produção de conhecimento e deve ser entendida
mais amplamente do que a simples descrição operativa de procedimen-
tos que é solicitado nos projetos das agências de fomento. Ela envolve
também os importantes aspectos conceituais, éticos e políticos.

Nossas reflexões não objetivam fazer uma ode à reinvenção da


bússola todos os dias, ou advogar um populismo pedagógico em que
nada há que aprender com o outro, tampouco negar conhecimentos e
saberes já construídos e fundamentais à análise do nosso presente. Muito
menos estamos na defesa de um “autonomismo” individualista em que se
faz apenas aquilo que se quer, ou se faz aquilo que supostamente é con-
siderado legítimo e reconhecido no âmbito acadêmico (considerado por
muitos como a chave de um suposto sucesso futuro). Pensar a formação
como campo de compartilhamento de experiências requer sair dos mar-
cos de fazer apenas o que se quer (ou que é recomendado), mas criar
dispositivos que permitam “querer o que se faz” (Lins, 2005, p. 1231).
Exercitar a formação como dispositivo de compartilhamento de
experiências nos leva a incluir, também aqui, o modo como lidamos
com questões, problemas, perguntas. Entre perspectivas que visam a
encontrar a verdade sobre o sujeito, a elaborar respostas a perguntas prêt
à porter, a estudar a realidade como se esta estivesse disponível e em
“compasso de espera” aguardando uma interpretação justa, e aquelas que
visam a esboçar problemas como meio de atiçar a produção de novas
perguntas, pensando o impensável, é que se situam alguns de nossos
atuais desafios na esfera da formação nas universidades.
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Assim, somos atiçados a tomar algumas discussões efetuadas por


Deleuze ao discutir a Imagem do Pensamento (Deleuze, 1988, p. 259),
especialmente ao abordar a modalidade das soluções dos problemas,
mostrando-nos que somos levados a acreditar que a atividade de pensar
relaciona-se unicamente à busca de soluções. Ao contrário de centrar o
pensamento na resolução de problemas vindos “de fora”, ou na crença de
que a verdade de um problema consiste em sua possibilidade de solução,
Deleuze nos mostra que é fundamental (e necessário) o direito de criar-
mos/enunciarmos e gerirmos os próprios problemas. Contudo, essa ati-
vidade de pensar implica, sobretudo,

[. . .] considerar os problemas não como dados (data), mas


como “objetidades” ideais que têm sua suficiência, [. . .]. em vez
de concernir às soluções, o verdadeiro e o falso afetam em primeiro
lugar os problemas. Uma solução tem sempre a verdade que merece
de acordo com o problema a que ela corresponde; e o problema
tem sempre a solução que merece de acordo com sua própria verda-
de ou falsidade, isto é, de acordo com seu sentido. [. . .] porque a
solução deriva necessariamente das condições completas sob as quais
se determina o problema enquanto problema, dos meios e dos
termos de que se dispõe para colocá-los (Deleuze, 1988, p. 260).

Neste caminho de análise acerca dos modos de operar os proces-


sos de pesquisa-intervenção, e a formação como intervenção talvez caiba
assinalar que estes processos põem em cena não apenas subordinação,
adestramento, mas, sobretudo, experimentação e dispositivo de abertura
a outras sensibilidades.

A pesquisa como dispositivo:


memórias e políticas do esquecimento
Nesse caminho de compreensão dos processos de pesquisa, as for-
mulações de autores como Benjamin (1997) e Foucault (1985; 2003)
destacam-se, como fios que tecem a investigação das lutas pela afir-
mação de políticas públicas, as noções de memória, resistência e gestão,
compreendendo-as como dispositivos potentes para interpelar o proces-
so de sucatamento dos serviços públicos de educação e de saúde e a
invisibilização das movimentações cotidianas pela afirmação de direitos
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sociais que revertam a situação de iniquidade que ainda permanece em


nosso país.
Do nosso ponto de vista, essas movimentações fabricam políticas
de gestão dos serviços públicos, mostrando-se potentes para interferir na
ampliação do caráter público da educação e da saúde. A acentuação da
memória dessas lutas é vista como um recurso que possibilita interpelar
as políticas do esquecimento que tornam opacos os enfrentamentos e os
embates em torno da democratização dos serviços públicos e os movimen-
tos instituintes que irrompem no cotidiano de trabalho nestas instituições.
A memória não é compreendida como um instrumento de acesso
a um passado já dado. É entendida como meio que permite escovar o
passado de forma que acentue virtualidades que não se atualizaram (Ben-
jamin, 1997). O caráter poroso da memória — sua abertura infinita à
criação de outros sentidos — é ressaltado, de forma que mostre que
nada na vida está decidido ou estagnado de modo definitivo.
Os processos de resistência são entendidos como re-existência —
“invenção de outros modos de existência que afirmam a inesgotável po-
tência de criação que constitui o vivo” (Heckert, 2004, p. 2). Etimologi-
camente a palavra resistência vem do latim resistere cujo sentido próprio
é ficar para trás, parar. É com esse significado que o vocábulo ganhou
sua importância na teoria do aparelho psíquico proposta por Freud. Tal
significado está marcado por um sentido negativo que não queremos
recusar, mas que precisamos problematizar porque entendemos que o
ato da resistência comporta, paradoxalmente, uma ação negativa indis-
sociável de uma positividade. Toda resistência, para além do “não” que
enuncia, permite a instauração de outra coisa.
Mas como pensar esse sentido positivo da resistência? M. Fou-
cault nos dá uma direção com sua analítica do poder a partir da qual
podemos entender a realidade condicionada por um plano abstrato de
relações de força (o diagrama das relações de poder) que por não coincidir
completamente com a realidade estabelecida, com o instituído/constituí-
do, indica a porosidade das formas por onde a realidade se transforma.
A analítica proposta por Foucault racha a realidade fazendo apa-
recer seu plano diagramático e não se faz isso para, no plano do diagra-
ma encontrar a essência, a verdade ou o sentido último que explica as
formas, mas sim para, atiçando o campo de forças, nele encontrar esses
pontos singulares onde um dado diagrama se diferencia. Essa força, que
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no diagrama se oferece como ponto de fuga ou ponto de diferenciação,


desempenha na realidade uma função-limite a um só tempo dentro e
fora dela. O que entendemos, então, é que no diagrama das relações de
poder há um fora dele nele incluído que resiste a tudo que a partir dele
se estabiliza como realidade.
Partindo das formulações de Foucault (1985), destacamos que as
resistências não são ações de heróis ou personagens ilustres. São efeitos
das práticas anônimas que afrontam práticas instituídas e regimes de
verdade. A perspectiva história que Foucault nos indica revigora o sen-
tido da memória, tornando-a, a um só tempo, registro do passado e
análise crítica dos monumentos históricos. Na lembrança, guardo e re-
novo, evoco e invento, cultivo e resisto. A cartografia desses exercícios
de resistência requer atenção não apenas aos resultados ou êxitos decor-
rente dos afrontamentos, mas a todo um conjunto de práticas forjadas
nesses processos e aos modos de invenção de si que engendram. Práticas
de resistência são as que não atendem exclusivamente ao prescrito, mas
que no fazer cotidiano esboçam outros modos de ação que se irradiam e
se conectam a outras práticas desafiadoras das hierarquias e destinos
selados como sina. Ou seja, esses exercícios de resistência esboçam polí-
ticas de gestão da escola, dos serviços de saúde, dos serviços de apoio
social que, por sua vez, interferem nos rumos das políticas instituídas.
Essa formulação remete a um modo de compreensão de gestão
que busca não confundi-la com administração e nem restringir sua abran-
gência aos mecanismos institucionalizados de participação. Possibilita-
da ou não pelos gestores, sempre há processos de gestão em ação quan-
do a atividade humana está em cena, mesmo quando nos deparamos
com procedimentos rígidos e autoritários de gestão da escola e das po-
líticas governamentais. Seguindo Schwartz (2000), a gestão não é tarefa
de especialistas e se exerce onde há variabilidade e história, engendran-
do modos de agir, de fazer o trabalho, de organizar a escola. As políticas
de gestão se constituem em um campo de forças em luta em que a
submissão, o controle e o clientelismo não são absolutos.
A interligação da memória e da resistência com as políticas de gestão
permite-nos assinalar que, nos embates pelo exercício do direito à esco-
la e à saúde, outros modos de existência são fabricados, imprimindo
outros sentidos à escola e às práticas de produção de saúde e interferin-
do nos rumos das políticas governamentais. Porém, essa capacidade
Pesquisa-intervenção como método ♦ 387

normativa do vivo (Canguilhem, 2001) — sua potência de criação de


normas capazes de problematizar as já existentes — é pouco compreen-
dida por muitos dos que ocupam os espaços instituídos de gestão e por
diversas análises que privilegiam a ação do Estado na formulação das
políticas públicas.

Abrindo outras questões na experiência do pesquisar


Desse modo, o trabalho de pesquisa que efetuamos visa a se cons-
tituir como um dispositivo de interpelação das políticas do esquecimen-
to que têm silenciado as lutas pela construção de políticas públicas em
nosso país, lutas que interferem no processo de sucatamento da vida.
Contudo, consideramos que é fundamental buscar novas estratégias de
intervenção e novos elementos de análise acerca da temática “políticas
públicas” e da pesquisa-intervenção como método de interferência nos
processos sociais, nos processos de formação.
Propomos aqui indicar brevemente alguns caminhos que temos
trilhado nas pesquisas que efetuamos em uma universidade pública, mais
especificamente um processo de pesquisa voltado aos processos de luta
no âmbito da educação, em realização no município de Cariacica (ES)
desde 2005. O desafio foi tomar os princípios da pesquisa-intervenção
afirmados como “transformamos para conhecer”, bem como a compre-
ensão de que a pesquisa é um processo de intervenção em si e no mundo.
A pesquisa realizada em Cariacica (ES) tem nos permitido com-
preender que a gestão das políticas de educação não se efetua unicamen-
te pelos que assumem os lugares de gestores. A experiência dessa pes-
quisa também tem nos mostrado que a inclusão dos desvios operados no
caminhando da pesquisa nos possibilita efetuar modos de gestão com-
partilhados do/no próprio processo de pesquisar e lidar com a restitui-
ção como dispositivo de interpelação das políticas do esquecimento.
Na primeira fase desta pesquisa, após análise parcial dos dados
produzidos com lideranças comunitárias e profissionais de educação que
atuam ou atuaram na Rede Municipal de Ensino de Cariacica (ES), o
grupo de pesquisadores procedeu a restituição4 destes dados visando
4
A restituição como dispositivo socioanalítico, segundo Lourau (1993, p. 56), não
diz respeito apenas à coletivização da informação, é um ato inerente ao processo de
pesquisa que possibilita a quem está envolvidos no processo da pesquisa “[. . .] se tornar
uma espécie de pesquisador coletivo”. Ainda nas palavras de Lourau (1993, p. 64) “a
restituição consiste de análise coletiva da situação presente, no presente [. . .]”.
388 ♦ H ECKERT & P ASSOS

problematizar os processos de formação, gestão e trabalho nas escolas


deste município.
Entendendo a restituição como dispositivo de análise coletiva dos
dados construídos, seu efeito foi pôr em análise as ações dos movimen-
tos sociais e dos poderes executivo e legislativo na criação e implementa-
ção de canais democráticos de gestão da escola, tais como os conselhos
de escola e a escolha dos dirigentes por meio de processo eleitoral, com
participação da comunidade escolar.
Ao problematizar o modo como os processos de gestão vinham se
efetuando nas escolas municipais, o grupo participante do processo de
restituição dos dados propôs a criação de uma Comunidade Ampliada
de Pesquisa da Educação em Cariacica (ES) — Capec. Este grupo pas-
sou a reunir-se mensalmente, aglutinando educadores, líderes comunitá-
rios, moradores do município, profissionais da educação e pesquisadores
da universidade (professora e estudantes de graduação em psicologia).
A ação realizada pelo grupo consistia de: a) mapeamento das condições
de infraestrutura das escolas municipais; b) discussão acerca dos proces-
sos de gestão da política municipal de educação; c) reuniões com setores
envolvidos na elaboração de decretos-lei, portarias, etc. relativos aos
canais e fóruns de gestão compartilhada da escola (Poder Executivo e
Legislativo); d) mobilização de associações de moradores, redes sociais,
sindicatos, profissionais da educação visando construir alianças que in-
terferissem nos Poderes Executivo e Legislativo na construção de meca-
nismos formais de democratização da gestão das escolas; e) discussão
dos dados construídos pelo grupo de pesquisa visando proposição de
temas e problemas a serem investigados.
Nas reuniões da Capec estava também em discussão a relação Uni-
versidade-Comunidade, o modo de fazer pesquisa, a formação dos pro-
fissionais no campo da psicologia, a interface das políticas de educação
com as políticas de saúde, assistência, etc.
Do nosso ponto de vista, a restituição constituiu-se em potente dis-
positivo de intervenção nos caminhos da pesquisa, na formação dos gra-
duandos de psicologia, na relação da universidade com as políticas públicas.
Outros modos de ação foram engendrados, criando fóruns de debate acerca
dos processos de gestão das políticas públicas. Criar e gerir coletivamente
outros problemas de pesquisa foi um processo que se efetuou na medida
em que se tomou como “tarefa” a problematização das evidências que
Pesquisa-intervenção como método ♦ 389

afirmam que a gestão é tarefa de especialistas, e de que a produção do


conhecimento é domínio exclusivo de pesquisadores da academia.
Na prática concreta da investigação, pesquisa, formação e inter-
venção se mostraram como dimensões distintas e inseparáveis. O desa-
fio foi articular: 1) a produção de conhecimento acerca do processo de
formação na escola; 2) a formação de pesquisadores a partir da ação que
conecta a universidade com a realidade extrauniversitária; 3) a interven-
ção nas práticas que interligam escola e comunidade e 4) a experiência
atual com a memória do que se passou no campo de relações entre a
escola e seus interlocutores. A pesquisa se faz como intervenção em um
espaço de formação que não pode ser ele mesmo menos transformador.
Pesquisa e formação se apresentam como formas de intervenção.

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