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PESQUISA-INTERVENÇÃO
COMO MÉTODO,
A FORMAÇÃO COMO INTERVENÇÃO
A NA L ÚCIA C. H ECKERT
E D UA RD O P A S S O S
Premissas
E ste texto está em sintonia com estudos que vêm reunindo diferentes
pesquisadores voltados à análise e discussão dos processos de interven-
ção, formação e pesquisa. O campo problemático que pauta e dispara
nossas análises é o modo como os processos de formação e de pesquisa
têm se constituído na atualidade. Muitos vêm sinalizando a fragmenta-
ção dos processos de formação, bem como os efeitos da realização de
pesquisas dissociadas do plano de análise e intervenção que as constitui
(Linhares, 2001; Feuerwerker et al., 2001; Barros, 2005). Considera-
mos que se conserva um modo de formar-pesquisar dissociado dos pro-
cessos de intervenção e de um campo problemático disparador de temá-
ticas e problemas conectados à complexidade dos processos que hoje
forjam as políticas públicas no Brasil.
Do nosso ponto de vista está em pauta, como questão-problema,
os modos de formar e os modos de pesquisar.
Embora o texto constitucional de 1988 afirme a indissociabilida-
de entre ensino, pesquisa e extensão, em nosso cotidiano de trabalho nas
instituições públicas de ensino superior estas modalidades, por vezes,
vêm se constituindo de forma justaposta, paralela, isto é, dissociadas.
Ainda nos deparamos com hierarquizações onde a pesquisa ganha lugar
de produção de conhecimento, em detrimento do ensino e da extensão.
Cabe também ressaltar que, no campo das ciências humanas, ainda vi-
gora uma compreensão “aplicacionista” que percorre os processos de
formação e de pesquisa, pautados pelo princípio de que conhecemos
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A pesquisa inter
intervvenção como método
O modo como a questão do método em pesquisa tem sido aborda-
da no campo das ciências humanas ainda conserva uma compreensão
que, do nosso ponto de vista, opõe pensar e fazer, teoria e prática. Este
modo de conceber o método em pesquisa tem permeado a formação de
profissionais nas áreas de ciências humanas e ciências da saúde, o que
nos coloca diante de alguns debates que consideramos pertinentes.
Pesquisa-intervenção como método ♦ 375
aqui é dado ao caminhar. Fazer tal escolha, portanto, nos exige uma
reposição do modo tradicional como o método é tratado no discurso
universitário que garante seu estatuto privilegiado a partir de uma apos-
ta metodológica pautada em um rigor que se confunde com determinis-
mo, previsibilidade e, sobretudo, definição apriorística de uma meta a ser
alcançada no processo ou no caminho das atividades de investigação.
A segunda inversão subverte a máxima que localiza a intervenção
como derivação, ou momento posterior do processo de conhecer: “conhe-
cemos para transformar a realidade”. Trata-se, ao contrário, de intervir
para conhecer. Conhecer e transformar são, assim, processos indissociá-
veis que, em seu entrelaçamento, constituem sujeito e objeto da pesquisa.
A pesquisa-intervenção visa à interrogação das práticas naturali-
zadas que se materializam nos estabelecimentos. Não se trata de produzir
um conhecimento a priori buscando constatar sua veracidade, ou ainda
aplicá-lo a uma dada realidade aqui entendida como já dada, já formula-
da. Ou ainda a busca de apreensão de uma verdade sobre um objeto.
Objetiva-se cartografar os movimentos, pondo em análise as instituições
em cena em determinado campo. Nesse sentido, intervir refere-se a uma
aposta ético-política que afirma a radicalidade da intervenção em seu
sentido etimológico, isto é, intervir é vir entre. Pretende, portanto, romper
com uma concepção “aplicacionista” em que a teoria precede a prática e a
contemplação, o fazer. Nas palavras de Benevides & Passos (2000, p. 11).
Institucional afirma que sempre estamos implicados naquilo em que intervimos. Contudo,
a implicação não deve ser uma espécie de verificação, constatação, tampouco deveria
significar a compreensão do envolvimento pessoal e individual do pesquisador, dos trabalha-
dores sociais, com o campo de intervenção. É desse modo que será afirmada a importância
não de constatar implicações, mas de operar a análise das implicações com as instituições
(práticas sociais) que atravessam um dado campo, uma dada prática. A análise de im-
plicação nos permite incluir os efeitos analisadores dos processos de intervenção, analisando
a posição do profissional (pesquisador) nas relações sociais, na trama institucional. A im-
plicação é um “nó de relações” (Lourau, 2004a, p. 190). Sempre presente em nossa
atuação profissional, a implicação diz respeito aos nossos pertencimentos, investimentos
libidinais, referências, posição de classe, etc.
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