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CIÊNCIA E SAÚDE

Telegramas
revelam que
partiu de Cuba
proposta para
criar Mais
Médicos, em
negociação
secreta com
governo Dilma
Documentos da embaixada
brasileira em Cuba mostram que
tratativas foram mantidas em
sigilo para evitar reação da classe
médica brasileira. Procurados, PT
e Dilma disseram que não vão
comentar. Ex-ministro afirma que
programa foi negociado
publicamente, aprovado e
prorrogado pelo Congresso.

Por G1

21/11/2018 19h24 · Atualizado há 3


anos

Telegramas revelam que partiu de Cuba a


proposta de criação do Mais Médicos

Telegramas da embaixada
brasileira em Havana revelam
que partiu de Cuba a proposta
para criar o programa Mais
Médicos no Brasil, e que a
negociação com o governo Dilma
Rousseff (PT) ocorreu de forma
secreta. Os documentos mostram
ainda que foi adotada uma
estratégia para que o programa
fosse colocado em prática sem
precisar da aprovação do
Congresso Nacional. A troca de
mensagens foi publicada pelo
jornal "Folha de S.Paulo" e
confirmada pela TV Globo.

Segundo a reportagem, Cuba


apresentou todo o projeto, desde
o envio de médicos e
enfermeiras, até a assessoria para
a construção de hospitais, a
preços vantajosos, demonstrando
a negociação de um acordo
comercial entre os dois países.

Os telegramas, mantidos em
sigilo por cinco anos, mostram
que as negociações foram
confidenciais para evitar reações
da classe médica brasileira e do
Congresso.

Os telegramas mostram que a


negociação ocorreu da seguinte
forma:

· Cuba criou uma empresa


estatal de exportação de
serviços médicos em outubro
de 2011

· Missão cubana visitou regiões


carentes do Brasil em março
de 2012

· Proposta inicial foi enviar 6 mil


médicos às regiões da
Amazônia brasileira

· Cuba queria inicialmente US$


8 mil por médico, e depois
passou para US$ 5 mil

· Brasil sugeriu US$ 4 mil, sendo


US$ 3 mil para o governo
cubano e US$ 1 mil para o
médico

· Proposta de usar a Opas como


intermediária partiu do
governo brasileiro

· O Brasil aceitou exigências de


Cuba como não realizar
avaliações dos médicos nem
permitir que eles exercessem
a profissão fora do programa

· Questões jurídicas deveriam


ser levadas à corte em Havana

Iniciativa de Cuba
Em comunicação de 23 de abril
de 2012, o então encarregado de
negócios da embaixada brasileira
em Cuba, Alexandre Ghisleni,
relata encontro ocorrido três dias
antes com Tomás Reinoso, vice-
presidente de Negócios da
Empresa de Serviços Médicos
Cubanos (SMC), criada em 2011.

Na ocasião, Reinoso informou


que já tinha contratos de serviços
médicos em outros países e que
conhecia o debate no Brasil sobre
revalidação de diplomas e a
utilização de médicos
estrangeiros para solucionar o
déficit de profissionais do país.

Segundo o diplomata, o
representante cubano informou
inclusive que uma missão da
estatal cubana já havia visitado o
Brasil. Em março de 2012, um
grupo liderado por Maria Entenza
Soto, especialista de negócios da
empresa, visitou os Estados do
Amapá, Bahia e Paraíba, além do
Distrito Federal, onde discutiram
possibilidades de cooperação.

O diplomata terminou seu


comunicado sugerindo o envio do
teor do encontro à Assessoria
Internacional do Ministério da
Saúde.

Outro comunicado da embaixada,


de 24 de maio de 2012, relata
encontro da vice-ministra de
Saúde Pública de Cuba, Marcia
Cobas, com o secretário-
executivo do Ministério do
Desenvolvimento brasileiro,
Alessandro Teixeira, ocorrido em
22 de maio daquele ano durante
a VI Reunião do Grupo de
Trabalho Brasil-Cuba de Assuntos
Econômicos e Comerciais.

Segundo o relato, Marcia Cobas


recordou ter "feito visita de
trabalho ao Brasil duas semanas
antes, a fim de tratar da proposta
de envio de seis mil médicos
cubanos ao país". De acordo com
o documento, ela teria dito ter
"condições de enviar mil
especialistas em medicina integral
até o próximo mês de novembro
e que as medidas de preparação
para essa missão já estavam em
curso no interior do Governo
cubano".

A comunicação afirma ainda que


"esse contingente de médicos
dirigir-se-ia às regiões da
Amazônia brasileira em que não
houvesse médicos brasileiros
interessados em preencher as
vagas existentes" e que a vice-
ministra "mostrou-se ciente de
que existem naquela região vagas
não preenchidas com salário
inicial de R$ 14.000".

Preocupação com o
Congresso
Em relato feito em 3 de julho de
2012, o embaixador brasileiro em
Havana, José Eduardo M. Felício,
avalia o modo de contrato
proposto por Cuba e demosntra
preocupação sobre a polêmica
que ele geraria se tivesse que
passar pelo Congresso Nacional
brasileiro.

Segundo o embaixador, Cuba


propunha que o contrato fosse
firmado por meio da empresa
SMC e com aplicação da lei
cubana. As divergências que não
pudessem ser resolvidas entre as
partes tiriam como palco a "Corte
Cubana de Arbitragem Comercial
Internacional, sob suas normas
processuais, na cidade de
Havana, e no idioma espanhol".

"A questão acima sobre solução


de controvérsias suscita dúvidas,
inclusive se tal convênio deveria
ter a forma de contrato de
compra de serviços médicos, de
caráter comercial, ou se conviria
assinar um acordo
intergovernamental, com maior
segurança e comprometimento.
Mas um acordo
intergovernamental do gênero
talvez tenha de ser submetido ao
Congresso, onde, por certo,
geraria polêmica. De todo o
modo, parece inevitável a
repercussão pública da
contratação de médicos cubanos
para trabalharem no Brasil."

Remessa de dinheiro
e intermediação da
Opas
A estratégia adotada para evitar
que a contratação dos médico
cubanos precisasse passar pelo
Congresso é relatada em
telegrama da Embaixada do Brasil
em Havana assinado pelo
encarregado de negócios
Alexandre Ghisleni e enviado ao
Ministério das Relações Exteriores
(MRE) em 7 de dezembro de
2012.

O documento resume uma visita


de Padilha ao país entre os dias 2
e 4 de dezembro de 2012, e diz
que "o tema que mais ocupou a
agenda do Ministro (...) foi a
possibilidade de contratação pelo
Governo brasileiro de serviços
médicos cubanos, mediante o
envio de mais de 6.000 médicos a
regiões remotas do país".

Segundo Ghisleni, a questão "de


maior sensibilidade" era a forma
de contratação dos médicos
cubanos. Naquela semana, o
governo brasileiro já negociava
com a Organização Panamericana
da Saúde (Opas) pela
intermediação do contrato.

"Tendo em vista a inexistência de


um acordo bilateral, aprovado
pelo Congresso brasileiro, que
permita a transferência de
recursos da União a Cuba na área
médica, o lado brasileiro
apresentou à consideração a
proposta de utilizar a
Organização Panamericana da
Saúde como intermediária,
caracterizando a contratação dos
serviços como cooperação na
área médica", diz o telegrama.

A princípio, o ministro da Saúde


Pública cubano, Roberto Morales,
apontou que um problema de
envolver a Opas no acordo seria o
risco de o embargo norte-
americano a Cuba afetar a
tramitação dos recursos "por
uma organização com sede em
Washington".

A proposta de Padilha, então, foi


"que a participação da sede da
OPAS se limitasse à aprovação do
projeto e que todas as operações
de transferência de recursos se
realizassem diretamente entre os
Escritórios da Organização em
Brasília e em Havana".

Uma reunião com a Opas foi


realizada em 3 de dezembro e,
segundo o documento, os
representantes da Opas
"mostraram-se entusiasmados
com o projeto", apesar de não
terem "clareza em relação aos
quesitos técnicos necessários
para viabilizar o seu
funcionamento".

Medo de retaliação
dos EUA e sugestão
de envolver o BNDES
No mesmo telegrama, a
diplomacia brasileira relatou
temer que a Opas sofresse
retaliação dos EUA por
intermediar o projeto.

"Além disso, como entendo que


os Estados Unidos são o segundo
maior contribuinte para o
orçamento da Opas, o uso da
Organização como intermediária
ensejaria uma situação em que o
Governo norte-americano
poderia no futuro pressionar a
Organização a sustar ou dificultar
a implementação do projeto, sob
pena de suspensão do
pagamento da contribuição."

Ainda durante a negociação


ocorrida em dezembro, a
diplomacia relatou que foi
sugerido um outro sistema de
pagamento, que seria o "sistema
de compensação, pelo qual o
Ministério da Saúde brasileiro
transferiria o valor dos serviços
diretamente ao BNDES, em
pagamento dos empréstimos
contraídos por Cuba junto ao
Banco", segundo relato de
encarregado de negócios da
embaixada brasileira em Cuba,
Alexandre Ghisleni.

Indefinição sobre
salários
Em julho de 2012, telegrama
relata que uma "Delegação
Brasileira reuniu-se com
dirigentes cubanos, nesta capital,
de 27 a 29 de junho último, a fim
de tratar da contratação de
médicos cubanos para
trabalharem em regiões remotas
do País".

A delegação brasileira foi chefiada


pelo secretário de Gestão do
Trabalho e da Educação na
Saúde, do Ministério da Saúde,
Mozart Sales. A parte cubana foi
liderada pela vice-ministra de
Saúde Pública, Marcia Cobas.
Segundo o documento, o
principal ponto de divergência foi
o valor pago para os médicos
cubanos que fossem trabalhar no
Brasil, negociado em dólares.

"O lado brasileiro propôs a


quantia de USD 4.000 (USD 3.000
para o governo cubano e USD
1.000 para o médico). (...) A parte
cubana, por sua vez, disse que
contava receber USD 8.000 por
cada médico e contrapropôs USD
6.000 (USD 5.000 para o Governo
cubano e USD 1.000 para o
médico)."

Neste encontro, Cuba "solicitou, a


esse respeito, que qualquer
avaliação seja feita previamente
em Cuba e que o 'controle' no
Brasil tenha finalidade de
familiarizar os médicos,
sobretudo, ao idioma, a práticas
processuais e administrativas e à
legislação. Ali, já se falava em
enviar "1.500 profissionais para o
fim de janeiro ou início de
fevereiro de 2013".

O que dizem os
citados
A assessoria da ex-presidente
Dilma Rousseff informou que ela
não vai comentar o que foi
relatado nos telegramas da
embaixada.

O Partido dos Trabalhadores


também disse que não vai
comentar.

O ex-ministro da Saúde Alexandre


Padilha negou que o Mais
Médicos tivesse sido negociado
secretamente. Ele disse, em nota,
que o programa foi defendido e
negociado publicamente.
Segundo Padilha, o Congresso
aprovou e prorrogou o programa,
com participação de todos os
partidos, assim como teve
aprovação do Supremo Tribunal
Federal, Tribunal de Contas e
Organização Mundial da Saúde.

A Opas também divulgou nota


afirmando que o Mais Médicos foi
instituído por lei aprovada pelo
Congresso Nacional e ratificado
pelo Supremo.

O Ministério das Relações


Exteriores informou que não
comentará.

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