Você está na página 1de 174

O ENSINO DE FÍSICA

E O COTIDIANO

Autoria: Francisco Halyson Ferreira Gomes

1ª Edição
Indaial - 2022

UNIASSELVI-PÓS
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD:


Carlos Fabiano Fistarol
Ilana Gunilda Gerber Cavichioli
Jairo Martins
Jóice Gadotti Consatti
Marcio Kisner
Norberto Siegel
Julia dos Santos
Ariana Monique Dalri
Marcelo Bucci

Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2022


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.
G633o

Gomes, Francisco Halyson Ferreira

O ensino de Física e o cotidiano. / Francisco Halyson Ferreira Gomes


– Indaial: UNIASSELVI, 2022.

174 p.; il.

ISBN 978-65-5646-380-3
ISBN Digital 978-65-5646-381-0

1. Ensino de Física. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da


Vinci.

CDD 370

Impresso por:
Sumário

APRESENTAÇÃO.............................................................................5

CAPÍTULO 1
A Evolução do Ensino de Física no Brasil..................................7

CAPÍTULO 2
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o Ensino
de Física.........................................................................................67

CAPÍTULO 3
Ensino de Física por Meio de Projetos................................... 117
APRESENTAÇÃO
A ciência tem progredido de forma impressionante. Difícil imaginar, nos dias
atuais, nossas vidas sem os aparelhos desenvolvidos pelo trabalho de cientistas
e desenvolvedores ao redor do mundo. Quem sabe você não está lendo este
texto com o auxílio de um desses equipamentos e se perguntando: como isso
funciona? Qual ciência está por trás do desenvolvimento desse aparelho? Nas
últimas décadas, o conhecimento humano acumulado nos fez viajar para além das
fronteiras do sistema solar, exploramos a constituição da matéria e desenvolvemos
tecnologias capazes de nos auxiliar em diferentes tarefas do cotidiano.

A Física tem seu papel nesse desenvolvimento e como professores dessa


ciência precisamos refletir: que Física estou apresentando aos meus alunos em
sala de aula? Fazer uma reflexão da prática pedagógica passa por refletir sobre os
objetivos da educação, os objetivos dos estudantes e para onde está caminhando
a sociedade na qual a escola está inserida.

Se, como professores de Física, quisermos que nossos alunos enxerguem


essa ciência para além de teorias e equações matemáticas, precisamos
desmistificar muitas questões e uma delas é que cientista não é só uma pessoa
privilegiada, que usa jaleco e descobre coisas que jamais alguém pensou em
descobrir, e professor não é só uma pessoa que repassa os conteúdos do livro
didático.

As pessoas estão imersas num mundo de informações, mas lhes falta,


algumas vezes, capacidade de filtrar e refletir sobre o conhecimento que é
construído. O professor tem, além de outras funções, o papel de ajudar nesse
processo e uma das etapas é fazer a transposição didática do que será trabalhado
em sala de aula.

Olhar para um conteúdo e fazê-lo significativo para o aluno é um desafio. A


construção de um currículo de Física envolve várias etapas e pode não ser uma
tarefa fácil, uma vez que muitos de nós fomos formados por meio de exemplos
descontextualizados e fora da realidade de nossas vidas. É preciso fugir do lugar
comum, quebrar paradigmas e passar a construir um ensino de Física capaz de
ajudar no desenvolvimento de jovens críticos e reflexivos sobre os fenômenos
naturais, culturais, sociais e tecnológicos.

Como professores de Física precisamos ter muito claro de onde viemos e


para onde queremos ir. Somos rodeados de fenômenos naturais que podem ser
explicados com o auxílio da Física e de outras ciências, afinal o desenvolvimento
científico é interdisciplinar. Logo, proporcionar diferentes e variadas experiências
aos estudantes pode lhes garantir uma aprendizagem significativa e ajudá-los no
enfrentamento de novos desafios sociais.
C APÍTULO 1
A Evolução do Ensino de Física no
Brasil

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Conhecer as principais mudanças no ensino de Física no Brasil ao longo da


história.
• Fomentar o espírito crítico no aluno a partir da reflexão sobre os objetivos do
ensino de Física.
• Discutir o ensino de Física no Brasil.
• Empregar os conceitos aprendidos na prática docente.
O Ensino de Física e o Cotidiano

8
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
A escola passou por diferentes transformações ao longo da história no
Brasil. Os objetivos educacionais mudaram conforme a sociedade também
se transformou. Vivemos épocas em que a escola era um espaço para a
catequização dos colonos e para a formação de mão de obra para um Brasil em
desenvolvimento econômico e, atualmente, vivemos em uma sociedade que utiliza
de forma diária ferramentas digitais tecnológicas. Que tipo de escola estamos
formando? Quais os objetivos da escola? Será que o currículo desenvolvido pelos
docentes, nas diferentes áreas do conhecimento, contempla os objetivos de vida
dos estudantes?

O aprofundamento nessas discussões poderá identificar possíveis caminhos


para dar significado aos espaços de construção do conhecimento nas escolas
e as práticas docentes dos professores, a partir do relato das experiências
compartilhadas ao objeto de estudo deste livro.

A Física é parte desse processo de modernização da sociedade. Muitas


vezes, sem perceber, utilizamos equipamentos e produtos do desenvolvimento
científico no nosso cotidiano em tarefas simples, por exemplo, aquecer um
alimento num forno micro-ondas. Quem nunca assistiu ao telejornal para saber se
no fim de semana teria sol? Entretanto, poucos sabem de todo o esforço científico
para desenvolver satélites, enviá-los para a órbita da Terra e fazer a leitura e a
interpretação dos dados coletados por eles.

Enfim, será que a escola tem olhado para esses exemplos da vida real ou
continua oferecendo um ensino conteudista, retirado do contexto social, político e
econômico? Muitos esforços precisam ser empreendidos para agregar diferentes
tecnologias ao currículo escolar: políticas públicas voltadas à formação inicial e
continuada de professores; redução da desigualdade; flexibilização do currículo;
uso de teorias educacionais que concebam o uso de diferentes metodologias
como ferramentas importantes para o ensino e a aprendizagem etc.

Debater um currículo de Física que olha para ações do cotidiano e a partir


delas compreender processos, teorias e conceitos passa por olhar como essa
ciência foi construída ao longo da história. Olhar para o passado nos ajuda a
compreender o presente, como essa memória é elaborada e adaptada, além de
nos ajudar a entender como foi feita, muitas vezes, a apropriação dos frutos do
passado.

Olhar para a história do currículo de Física nos faz entender como chegamos
no ponto em que estamos e, a partir daí, tendo esses subsídios, podemos

9
O Ensino de Física e o Cotidiano

transformar nossa prática docente e oferecer um ensino que seja capaz de ajudar
a formar cidadãos críticos, capazes de questionar a realidade em que vivem,
resolver problemas de forma lógica e consciente e ter a capacidade de analisar
situações de forma crítica, respaldada em fatos científicos, afastando-se da
sombra do negacionismo.

Neste capítulo, conheceremos como foi construída a disciplina Física no


Brasil ao longo da história, revisitando os estatutos do Seminário de Olinda,
instituição reconhecida por introduzir as bases da Física experimental no Brasil,
ainda no século XIX, a Lei de Diretrizes e Bases e, por fim, conheceremos o que
mudou com relação ao ensino de Física com a publicação da Base Nacional
Comum Curricular. Também conheceremos alguns fatos históricos que marcaram
a Física brasileira e assim começaremos nossa imersão na Física do cotidiano.

2 A EVOLUÇÃO DO ENSINO DE
FÍSICA NO BRASIL
A escola é um espaço onde as relações sociais, culturais e afetivas são
fortalecidas. Em todos os seus processos, a formação humana é muito presente
e todos os seus integrantes, professores, alunos, funcionários, pais/responsáveis,
comunidade, precisam canalizar esforços para atingir os objetivos educacionais.
Como objetivos das instituições de ensino, podemos destacar o desenvolvimento
das potencialidades dos estudantes por meio do ensino e da aprendizagem dos
conteúdos de todas as áreas do conhecimento, sempre almejando uma formação
cidadã. Dentre as disciplinas que colaboram para a formação do estudante, temos
a Física.

A Física faz parte do grupo das disciplinas que compõem a área de Ciências
da Natureza e suas Tecnologias. Além de estudar os fenômenos da natureza,
a Física auxilia, dentre outras coisas, o aluno a desenvolver um olhar crítico
para o uso do espaço no qual ele vive. O desenvolvimento da Física ao longo
dos anos ajudou a sociedade a aprimorar tecnologias. Ajudar o estudante a
reconhecer a ciência por trás dos diferentes equipamentos tecnológicos que ele
utiliza em tarefas cotidianas fará com que a ciência deixe de ser encarada como
algo distante, por exemplo, o aluno perderá a visão distorcida de que a ciência
somente é aquela produzida por cientistas em laboratórios.

Nesta seção, veremos como a Física vem sendo trabalhada nas escolas
brasileiras ao longo da história. Entender esse caminho é fundamental para
nos reconhecermos como elementos importantes da construção do currículo de
Física. Ao final desta seção você conhecerá um pouco mais da origem da Física

10
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

experimental no Brasil, compreenderá como a Física foi organizada pela Lei de


Diretrizes e Bases da Educação no Brasil e, por fim, perceberá quais mudanças a
BNCC trouxe com relação ao ensino de Física no país.

2.1 SEMINÁRIO DE OLINDA:


MARCO DO ENSINO DE FÍSICA
EXPERIMENTAL NO BRASIL
Segundo Saviani (2019), a educação brasileira inicia no ano de 1549 com
os jesuítas. Com a anuência da coroa portuguesa, os padres jesuítas tinham a
missão de converter os nativos da terra recém-descoberta pelos portugueses.
Os jesuítas ao longo dos anos que atuaram no Brasil construíram escolas,
seminários, ajudaram a fundar cidades e foram responsáveis por grande parte do
conhecimento construído a respeito do Brasil à época.

A educação jesuíta era baseada na enculturação, nas tradições e nos


costumes, na instrução intelectual e na aprendizagem do oficio, seu plano
geral de ensino era inspirado no modus parisienses, no qual os alunos ficavam
dispostos em classes, realizavam exercícios, eram incentivados à competição e
eram avaliados por exames, as aulas tinham caráter expositivo e a repetição dos
conteúdos era uma das estratégias metodológicas (SAVIANI, 2019).

Os jesuítas concebiam a educação como uma forma de moldar o homem a


uma essência universal e ideal. Atualmente, classificamos as ideias pedagógicas
desenvolvidas pelos jesuítas como pedagogia tradicional.

Você acredita que a pedagogia tradicional ficou no passado ou


ainda podemos percebê-la em algumas escolas brasileiras?

11
O Ensino de Física e o Cotidiano

Somente com as reformas promovidas pelo Marquês de Pombal, em meados


do século XVIII, que o ensino jesuítico deixou de ser desenvolvido no Brasil, bem
como em todas as colônias portuguesas, uma vez que os jesuítas foram expulsos
desses territórios. À época, Portugal desejava se inserir no mundo moderno e
estar atrelado a um ensino aristotélico como o promovido pelas escolas jesuíticas,
avesso aos métodos modernos da ciência, dificultava esse processo. Segundo
Saviani (2019), foi nesse período que Portugal desenvolveu um ensino que teria
como finalidade ajudar no crescimento industrial e comercial do país, promover o
progresso das artes e das ciências, além de elevar o nível de riqueza e bem-estar.

Para alcançar esses objetivos, a educação promovida pela reforma


pombalina substituiu o ensino verbalístico ou livresco e disputas retóricas por
estudos históricos e emprego do método experimental.

Podemos perceber o caráter prático dado à escola, ela teria que ser útil aos
interesses do Estado, auxiliando no seu desenvolvimento. Saviani (2019) afirma
que as reformas pombalinas não foram tão bem-aceitas no reinado de D. Maria,
que permitiu o retorno às antigas tradições, como a presença de religiosos ao
magistério.

Nesse contexto histórico, político, social e cultural de crescimento e


desenvolvimento de Portugal, é fundado em Olinda, cidade do estado de
Pernambuco, no ano de 1800, um seminário, que ficou conhecido como uma das
melhores instituições de ensino do Brasil.

Na história da Física, o Seminário de Olinda é reconhecido como elemento


importante para o desenvolvimento da Física experimental no Brasil. O modelo
de ensino básico, ofertado pelo Seminário, dedicava boa parte do tempo à
observação, à catalogação e à escrita sobre os fenômenos naturais, principalmente
da região próxima onde se localiza o prédio do Seminário.

O bispo José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho foi o responsável por


implantar o seminário em Olinda e por adotar métodos de ensino baseados na
investigação da natureza. O documento Estatutos do Seminário Episcopal de
Nossa Senhora da Graça da cidade de Olinda de Pernambuco registra, em três
partes, a forma como os conteúdos seriam trabalhados e a forma de organização
administrativa e pedagógica da instituição.

A primeira parte está dividida em 13 capítulos, nela foi registrada a forma


como o seminário seria gerido, assim como as posses econômicas. Na segunda
parte, dividida em três capítulos, foram registradas observações sobre a moral,
e na terceira parte, dividida em 25 capítulos, foi feito o registro da organização
acadêmica do seminário.

12
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

De forma particular, o Capítulo 5 é dedicado à estrutura da disciplina Filosofia


Natural, atualmente conhecida como Física. O trecho a seguir foi retirado do
documento original do Estatuto do Seminário de Olinda. É curioso notar como a
Língua Portuguesa sofreu transformações nesses séculos. Fique atento também
à forma como foi organizado o ensino de Física, às áreas que foram dadas ênfase
e como a Física estava ligada à Filosofia.

A Filozofia é a ciência, que ensina a indagar as coizas pelas


suas cauzas e feitos; e se divide em três grandes partes, que são
a Racional, Moral e Natural: na Filozofia Racional se compreende a
Lojica, que dirije as operações do entendimento, e a Ontologia, que
prepara os princípios ideaes de todas as ciências: a esta se ajunta a
Pneumatolojia, na qual se compreende a ciência dos espíritos, e se
divide em Teolojia Natural, e Psicolojia, e do concurso de ambas se
forma a Metafizica, que trata dos princípios, e da Natureza Espiritual.
Na Moral se compreende tudo o que pertence a Etica, que trata da
compozisão dos costumes, e da moderasão das paixões, em que
consiste a felicidade da nosa vida. Na Natural finalmente tudo o que
pertence a contemplasão da Natureza, e Nós no noso Seminario, não
pretendemos estabelecer um Colegio de ciencias universais; mas
fim, e tão somente uma Escola de principios elementares, próprios
não só de um bom, e verdadeiro Ministro d Igreja; mas também de
um Cidadão nas suas obras, e as fas servir ao bem dos ómens: na
primeira parte trateremos da Lojica, Metafizica, e Etica, e parte da
Fizica Experimental; e na segunda da Istoria Natural, e Quimica.
O professor de Filozofia explicará tambem um dos ramos
da Filozofia Natural, ou Fizica Experimental pelo que pertence tão
somente á Mecanica, e a Idrostática, e os princípios necesarios para
a inteligência das maauinas, e das suas forsas, cujo conhecimento
é muito necesario para fazer mover, e levantar grandes corpos,
e conduzir as aguas em um pais, cujo fundo principal consiste na
Agricultura, e no trabalho de lavrar as terras, cavar, e extrair os
mineraes.

FONTE: COUTINHO, D. J. J. da C. A. Estatutos do Seminário


Episcopal de N. Senhora da Graça da Cidade de Olinda de
Pernambuco. Lisboa: Tipografia da Academia Real de Ciências,
1798. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/
document/?code=000322967&opt=1. Acesso em: 31 ago. 2021.

13
O Ensino de Física e o Cotidiano

A partir da leitura desse trecho dos Estatutos do Seminário de Olinda podemos


perceber um caráter utilitário dos conteúdos. Podemos pensar que para construir
o plano de ensino oferecido à época uma das perguntas que poderiam ser feitas
seria: esse conteúdo poderá ser utilizado na vida das pessoas?

Quais elementos você, como professor de Física, utiliza para


estruturar o currículo que será trabalhado no ano letivo?

Segundo Almeida et al. (2008), a filosofia natural, definida como o estudo


de tudo o que pertence à ‘contemplação da natureza’, é a parte que manifesta a
orientação radicalmente moderna do projeto de Azeredo Coutinho. Foi exatamente
essa modernidade que apareceu pela primeira vez no Brasil no Seminário de
Olinda.

Podemos inferir que a experimentação, defendida nos Estatutos, era o


diferencial do Seminário de Olinda frente a outras instituições de ensino, que
davam à Física um tratamento aristotélico, baseado num vasto acervo bibliográfico.

Outra palavra que podemos inferir como essencial para a escolha dos
conteúdos ministrados no seminário é utilidade. Muitas vezes em nossas salas de
aula ouvimos indagações do tipo: ‘professor, onde eu vou usar isso que você está
falando na minha vida?’. Por trás dessa fala podemos concluir várias e uma delas
é que o aluno que faz essa pergunta não vê sentido naquilo que o professor está
ensinando.

Podemos identificar no trecho dos Estatutos do Seminário de Olinda que duas


atividades econômicas eram majoritárias na época: a agricultura e a mineralogia.
Logo, o Seminário de Olinda passou a oferecer em suas aulas componentes que
poderiam auxiliar os alunos nas suas atividades, daí a valorização da mecânica,
da hidrostática e de princípios de funcionamento de máquinas.

Com base nesses tópicos, era emergente conceber aulas em que os alunos
pudessem ir a campo explorar os espaços e registrar os fenômenos estudados por
meio de desenhos e dissertações. Vale lembrar que as experiências realizadas
à época eram bem diferentes das que são realizadas nos laboratórios de Física
experimental na contemporaneidade.

14
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

A seguir, enumeramos as principais características da Física experimental


desenvolvida no Seminário:

a) Predomínio de estudos da Filosofia Natural sobre os da Filosofia racional


e moral.
b) Baseada na demonstração.
c) Não preditiva.
d) Não quantitativa.

O ensino de Física experimental, assim como todas as outras disciplinas,


tinha como fonte a Universidade de Coimbra. Segundo Almeida et al. (2008),
mesmo antes da reforma promovida em 1772, Portugal contava com dois grandes
personagens: Teodoro de Almeida (1722-1804) e Inácio Monteiro (1724-1812).
Um dos instrumentos construídos pelo experimentalista Teodoro de Almeida foi
um planetário capaz de reproduzir sessenta movimentos e um mapa em relevo
para cegos.

Nesse momento, chamamos atenção ao caráter lúdico dado à Física.


Teodoro não só se preocupava em fomentar o ensino de Física, mas como
este poderia ser entendido por diferentes pessoas, contrastando com o ensino
homogêneo e livresco dos jesuítas. Para o professor Teodoro, segundo Almeida
et al. (2008), a Física ou Filosofia Natural é uma ciência que trata de todas as
coisas naturais, dando a razão e apontando a causa de todos os efeitos ordinários
e extraordinários que vemos com os nossos olhos.

Com as perseguições do Marquês de Pombal, Teodoro de Almeida exilou-se


na França e coube a Giovanni Antonio Dalla Bella, físico italiano, como professor
titular da cadeira de Física experimental, escrever os estatutos dessa disciplina.

Segundo Almeida et al. (2008), são tópicos desses estatutos: Sutileza


(divisibilidade) das partes da matéria; Impenetrabilidade; Porosidade; Inércia;
Atração; Magnetismo; Gravidade; Centro de gravidade; Máquinas simples e
compostas; Atrito; Movimento simples e composto; Forças que animam os corpos
em movimento; Percussão; Forças centrais; Coesão e resistência dos sólidos;
Hidrostática e Hidráulica; Calor; Luz; Dióptrica; Catóptrica; Ar; Eletricidade;
Material omitido e Utensílios. Esses tópicos eram divididos em duas partes: Física
geral, que compreendia os fundamentos, e Física particular, que compreendia
assuntos considerados de especialidade.

O Quadro 1 mostra quais eram as designações de cada uma das partes da


Física experimental da Universidade de Coimbra.

15
O Ensino de Física e o Cotidiano

QUADRO 1 – DESIGNAÇÕES DA FÍSICA GERAL E DA FÍSICA PARTICULAR DA


CADEIRA DE FÍSICA EXPERIMENTAL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Física geral Física particular


Propriedades gerais e estrutura Propriedades e natureza dos fluidos e
da matéria: extensão, divisi- fenômenos devido à tensão superficial, como
bilidade, forma, porosidade, capilaridade.
compressibilidade, mobilidade,
elasticidade etc.
Leis do equilíbrio e do movi- Propriedades do ar, pressão, densidade,
mento simples e composto. dilatação, difusão, natureza e propagação do
som. Instrumentos acústicos.
Fenômenos da gravidade e Propriedades da água, considerada nos difer-
explicação da aceleração dos entes estados de ‘licor, vapor, neve etc.’. Es-
graves. tudo do fogo, ou fenômenos térmicos, como
hoje diríamos.
Propriedades da luz e fenômenos luminosos.
Instrumentos que são de uso na óptica.
Propriedades magnéticas dos corpos.
Eletricidade. Estudo dos meios de fazer na-
scer a virtude elétrica e dos sinais por onde
ela se manifesta.

FONTE: Adaptado de Nicioli Júnior e Mattos (2020)

A demonstração experimental dessas propriedades revestia-


se da máxima importância, não só porque constituíam os
alicerces sobre os quais iria ser construído todo o edifício
da física experimental, mas também porque algumas delas
(divisibilidade, impenetrabilidade e, até certo ponto, porosidade)
estavam diretamente relacionadas com o controverso tema
da estrutura atômica da matéria, cerne de acesas discussões
filosóficas entre escolásticos e partidários das novas correntes
(ALMEIDA et al., 2008, p. 501).

No período que os Estatutos da cadeira de Física experimental


da Universidade de Coimbra foram escritos, quais teorias físicas
estavam sendo desenvolvidas? Quais físicos teóricos mais se
destacavam?

16
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

A cadeira de Filosofia Natural – Física experimental – do Seminário de Olinda


desenvolveu suas bases de ensino conforme as bases da Física experimental
da Universidade de Coimbra e um dos principais produtos das aulas de Física
experimental do Seminário de Olinda foi a vasta coleção sobre os produtos do
Brasil.

Segundo Nogueira (1985), o estudo de história natural do


Seminário de Olinda se orientava no sentido não somente
de dar aos estudantes o conhecimento teórico e prático das
coisas da natureza pernambucana, mas também no sentido de
promover com os naturalistas de outras terras e regiões (esse
era também o alto propósito da Academia Real de Ciências) útil
intercâmbio científico, porque, sob a orientação do professor, os
alunos deviam para esse fim organizar uma coleção de história
natural dos produtos do Brasil. Portanto, os pressupostos do
ensino de história natural no Seminário de Olinda estavam
orientados por uma visão vandeliana-lineana da natureza, isto
é, descritiva e classificatória, mas com forte viés utilitarista.
Interessava ao ensino o levantamento dos “produtos úteis” da
natureza e não a sua observação curiosa e descomprometida
(ALMEIDA et al., 2008, p. 492).

Quais aspectos das aulas de Física experimental desenvolvidas


no Seminário de Olinda podem ser resgatados, transformados e
utilizados na sua prática pedagógica?

Neste capítulo, estamos fazendo um resgate histórico do ensino de Física,


percebendo diferenças e aproximações com o ensino de Física promovido em sala
de aula atualmente. A história é feita por personagens, pessoas ou instituições
que se destacam pela ousadia, perseverança e engajamento. Um personagem
importante por ter colocado o Seminário de Olinda no rol das instituições de
ensino de destaque e que não poderíamos deixar de citar é Azeredo Coutinho.

O bispo José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (1742-1821) foi o


responsável pela fundação do Seminário de Olinda, em 1800, e pela elaboração
dos seus estatutos. Para Almeida et al. (2008), Azeredo foi um personagem
contraditório na história brasileira, ao mesmo tempo que defendia a escravidão, o
despotismo esclarecido e a coroa portuguesa, desenvolveu um dos mais ousados
planos educacionais para a época.

17
O Ensino de Física e o Cotidiano

Para Azeredo Coutinho, conhecer as riquezas naturais


dos domínios de Portugal implicava, principalmente, o
conhecimento dos recursos naturais do Brasil, a colônia mais
extensa e mais rica. Dificuldades marcaram a execução do
seu projeto, pois a sua realização dependeria da formação de
“filósofos naturalistas” dispostos a interiorizarem-se para que
os recursos brasileiros nos reinos mineral, da flora e da fauna
fossem inventariados. As conjecturas de Azeredo Coutinho
esbarravam num fato: em seu tempo, o filósofo naturalista era
um homem de gabinete, que vivia nos centros urbanos e não
se dispunha a fixar-se nos sertões (ALMEIDA et al., 2008, p.
486).

Para Almeida et al. (2008), uma das grandes contribuições para o ensino de
Física promovido por Azeredo Coutinho foi a criação do gabinete de Física.

“Gabinete de Física” é uma expressão portuguesa e europeia


típica do século XVIII. Seu significado não é exatamente o
mesmo de um laboratório de Física, no sentido moderno de um
ambiente no qual estudantes possam manipular diretamente
os instrumentos, mas sim o de uma sala de demonstrações
experimentais conduzidas por um demonstrador habilidoso.
Isso foi assim em Portugal e em toda a Europa. A Física era
demonstrativa e só se fará preditiva e quantitativa no começo
do século XIX (ALMEIDA et al., 2008, p. 498).

Como dito anteriormente, o ensino de Física no Seminário estava baseado


em Coimbra. Logo, o gabinete de Física do Seminário também sofreu essa
influência acadêmica. Assim:

O gabinete era um espaço para demonstrar na prática os


conceitos apresentados oralmente. Ainda, segundo o autor, no
gabinete eram encontrados instrumentos que se destinavam
essencialmente a três tipos de experiências. Algumas não
passavam de uma simples diversão, outras para explicar temas
da Física experimental, ainda não devidamente esclarecidos,
pois a maior parte dos fenômenos que preocupavam a Física
do século XVIII, o ar, o calor e o fogo, explicavam-se baseados
no modelo dos fluidos sutis, bastante útil neste tempo. Assim,
a visão positivista de que só o suporte experimental permitiria
tornar claros os fenômenos, não se cumpria quase nunca
nessa época (ALMEIDA et al., 2008, p. 500).

O ensino de Física no Seminário de Olinda não teve uma duração muita


longa, uma vez que, com a saída de Azeredo Coutinho, as cadeiras de filosofia
natural e desenho foram extintas e o Seminário direcionou esforços para a
formação eclesiástica.

A própria história do Seminário de Olinda foi curta. Os fatores que


contribuíram para o encerramento das atividades do Seminário foram: a

18
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Revolução Pernambucana, a diminuição do número de matrículas ao longo dos


anos, a criação do Colégio das Artes, em 1824, e a criação do Liceu Provincial de
Pernambuco, em 1827.

2.2 REFORMAS EDUCACIONAIS


BRASILEIRAS E O ENSINO DE FÍSICA
Vamos agora conhecer as principais mudanças educacionais promovidas
pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), com um olhar atento ao ensino de Ciências/
Física. No Brasil, foram promulgadas três LDB: em 1961, que tinha sido prevista
na Constituição Federal de 1931, em 1971 e em 1996, que passou por uma
reforma em 2016. Entretanto, o que é uma Lei de Diretrizes e Bases? Quais os
seus objetivos?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) é a legislação que define e


regulamenta o sistema educacional brasileiro. Ela reafirma o direito à educação,
define as obrigações do Estado, as formas de financiamento do ensino e é válida
para qualquer sistema de ensino, ou seja, escolas públicas e privadas (BRASIL,
1996).

Você pode estar se perguntando: por que foi importante a criação de uma Lei
que regulamentasse o sistema educacional? A escola, ao longo da história, não
era para todos?

Para ajudar a responder essas perguntas, convidamos você a


ler o livro a seguir:

XAVIER, M. do C. (org.). Clássicos da educação brasileira. Belo


Horizonte: Mazza Edições, 2010. 224 p.

19
O Ensino de Física e o Cotidiano

2.2.1 O período pré-LDB


O período anterior à primeira LDB foi marcado por duas reformas
educacionais, a Reforma Francisco Campos e a Reforma Capanema, ambas
pensadas após o governo de Getúlio Vargas (1930-1945).

Segundo Vidal e Paulilo (2010), a Educação nesse período foi marcada


por lutas sociais históricas entre duas correntes de pensamento, de um lado, os
escolanovistas, como o nome sugere, defensores do movimento Escola Nova,
que defendiam uma educação laica, gratuita e para todos, tendo o Estado como
principal, se não o único mantenedor, e, do outro lado, uma ala mais conservadora,
ligada a setores da Igreja.

Ao procurar responder o que se deve entender por Escola


Nova, Lourenço Filho deixava claro tratar-se de um conjunto
de doutrinas e princípios tendentes a rever os fundamentos da
educação. Sobretudo, insistia que o movimento renovador do
ensino era, em sua finalidade, obra social. [...] Para Lourenço
Filho, da mesma forma que a biologia e a pscicologia vinham
mudando as bases de aplicação da ciência na educação, a
crítica sociológica impunha a revisão dos fins da escola (VIDAL;
PAULILO, 2010, p. 26).

Segundo Queiroz (2016), as principais mudanças no ensino de ciências


promovidas pela reforma Francisco Campos foram: o predomínio de disciplinas de
cunho científico sobre as clássicas e a presença do ensino de ciências em todas
as séries do ensino secundário.

Entretanto, a falta de profissionais habilitados para lecionar as disciplinas


da organização curricular das ciências, de forma específica a Física, dificultou
a execução dessa reforma como desejada. Queiroz (2016) afirma que essa
disciplina era ensinada por engenheiros, médicos ou qualquer outro estudante
e até bacharéis em ciências sociais e foi somente com a criação da faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo que o quadro de
professores de Física começou a se formar e a ocupar o espaço que lhe cabia,
mesmo assim, o problema da falta de professores habilitados para o ensino de
Física estava longe de ser resolvido.

20
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

A falta de professores habilitados para ensinar Física trouxe


quais consequências para o ensino dessa ciência no Brasil?
Atualmente, o quadro de professores de Física é suficiente para
atender à necessidade das escolas?

A segunda reforma, antes da promulgação da LDB/1961, levou o nome de


reforma Capanema. À época, a Constituição Federal acabara de ser promulgada,
o Estado Novo, com sua tendência nacionalista, creditava ao Estado o dever com
a educação, porém dava abertura à iniciativa privada para gerir seus próprios
sistemas educacionais, dentre eles, os geridos pela Igreja.

Queiroz (2016) afirma que a reforma Capanema reorganizou todos os níveis


de ensino, as principais mudanças foram: a criação do sistema S de ensino,
isto é, a criação do Sistema Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), o
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), a organização do ensino
industrial, do ensino secundário, do ensino primário, do ensino agrícola e do
ensino comercial, além do retorno de uma postura conservadora.

Dentre as reformas na organização do ensino, daremos destaque ao Ensino


Médio, que na época era chamado de ensino secundário. Essa modalidade de
ensino foi organizada pelo Decreto-Lei nº 4.244/42 em dois ciclos: o ciclo ginasial,
dividido em quatro séries, e o ciclo colegial, dividido em dois cursos, clássico e
científico, cada um com três séries. O Quadro 2 apresenta a estrutura curricular
final desenhada pela reforma Capanema.

QUADRO 2 – ESTRUTURA CURRICULAR PELA REFORMA CAPANEMA


Ginasial Colegial
Clássico Científico
1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 1ª ano 2º ano 3º ano 1º ano 2º ano 3º ano
Por- Portu-guês Por- Por- Por- Por- Portu-guês Por- Por- Portu-guês
tu-guês tu-guês tu-guês tu-guês tu-guês tu-guês tu-guês
Latim Latim Latim Latim Latim Latim Latim Inglês Francês Matemá-ti-
ca
Francês Francês Francês Francês Grego Grego Grego Espa-nhol Inglês Física
Matemáti- Matemáti- Matemáti- Matemáti- Francês Francês Matemáti- Matemáti- Matemáti- Química
ca ca ca ca ou inglês ou inglês ca ca ca
História História História História Espa-nhol Espa-nhol Física Física Física Biologia
geral geral geral geral
Geografia Geografia Geografia Geografia Matemáti- Matemá-ti- Química Química Química História do
geral geral geral geral ca ca Brasil
Traba-lhos Traba-lhos Ciências Ciências História História Biologia História Biologia Geografia
manuais manuais naturais naturais geral geral geral do Brasil
Dese-nho Desenho Desenho Desenho Geografia Geografia História do Geografia História Filosofia
geral geral Brasil geral geral

21
O Ensino de Física e o Cotidiano

Canto Canto or- Canto Canto Física Geografia Desenho Geografia Desenho
orfeôni-co feônico orfeônico orfeônico do Brasil geral
Inglês Inglês Inglês Química Filosofia Desenho

FONTE: Adaptado de Queiroz (2016)

A análise do Quadro 2 mostra que mesmo o curso científico possuía,


quantitativamente, poucas disciplinas nessa área do conhecimento, prevalecendo
no programa disciplinas na área de humanidades.

A Reforma Capanema reforçou o ensino dualista. Essa dualidade era sentida


nos exames de admissão e nos currículos trabalhados nas escolas, uma vez que
essa reforma destacou a separação de classes sociais. Aos filhos das classes
mais baixas da sociedade era destinado o ensino para o trabalho e aos da classe
dominante um ensino voltado para a direção da sociedade.

Olhando para o ensino das Ciências, essa área do conhecimento era


estudada a partir da terceira série do ginasial. A Física estava presente no colegial:
no curso clássico, na segunda e na terceira série, e no científico, nas três séries.

O texto a seguir apresenta a forma como o ensino de Ciências foi pensado


durante a reforma Capanema.

O estudo das ciências – a reforma coloca o problema


do estudo das ciências em termos convenientes

No curso ginasial, a matemática e as ciências naturais serão


estudadas de modo elementar. Seria antipedagógico sobrecarregar
os alunos, nessa primeira fase dos estudos secundários, com
estudos científicos aprofundados.
Ao estudo das ciências, num e noutro caso, orientará sempre
o princípio de que não é papel do ensino secundário formar
extensos conhecimentos, encher os espíritos adolescentes de
problemas e demonstrações, de leis e hipóteses, de nomenclaturas
e classificações, ou ficar na superficialidade, na mera memorização
de regras, teorias e denominações, mas cumpre-lhe essencialmente
formar o espírito científico, isto é, a curiosidade e o desejo da
verdade, a compreensão da utilidade dos conhecimentos científicos
e a capacidade de aquisição desses conhecimentos. [...]
No ensino científico, mais do que em qualquer outro, falhará
sempre irremediavelmente o processo do erudito monologar docente,
a atitude do professor que realiza uma experiência diante dos

22
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

alunos inexpertos como se estivesse fazendo uma representação, o


método de inscrever na memória a ciência dos livros. Nas aulas das
disciplinas científicas, os alunos terão que discutir e verificar, terão
que ver e fazer. Entre eles e o professor é necessário estabelecer
um regime de cooperação no trabalho, trabalho que deverá estar
cheio de vida e que seja sempre, segundo o preceito deweyano, uma
“reconstrução da experiência”.
Se as ciências forem ensinadas assim, sob a influência das
coisas concretas, em contato com a natureza e a vida, de um modo
sempre ativo, formarão, tanto nos alunos do curso científico como
nos do curso clássico, uma conveniente cultura científica, que
concorra para definir-lhes a madureza intelectual e que os habilite
aos estudos universitários de qualquer ramo (BRASIL, 1942,
Exposição de Motivos).

FONTE: QUEIROZ, M. N. A. O ensino de Física no Brasil nas


décadas de 1960 e 1970: legislação, material didático e currículo.
2016. Tese (Doutorado em Ensino de Física) - Programa de Pós-
Graduação Interunidades em Ensino de Ciências, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2016.

Queiroz (2016) afirma que para promover um ensino nesses termos


era preciso oferecer ao professor liberdade para planejar suas aulas, em
contraposição, o que se vivenciava era um programa rigidamente constituído
pelas comissões do Governo Federal. Além disso, o momento político do Brasil na
década de 1940 não contemplava tamanha autonomia necessária para promover
o ensino referido pela reforma Capanema.

Converse com pessoas que estudaram nesse período e


pergunte como era a estrutura dos cursos promovidos nas escolas.
Os programas curriculares, como apresentados no Quadro 2, eram
seguidos pelas escolas? A disciplina de Física tinha um caráter
teórico ou experimental?

23
O Ensino de Física e o Cotidiano

Na década de 1960, o Brasil passou por mais uma mudança no sistema


educacional, dessa vez, foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Assunto que trataremos na subseção a seguir.

2.2.2 Lei nº 4.024, de 20 de dezembro


de 1961 – LDB/1961
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira (Lei nº
4.024/1961) foi sancionada sob forte perturbação política, o presidente eleito
Jânio Quadros renuncia poucos meses após assumir a presidência do país e João
Goulart assume como Presidente do Brasil, enfrentando forte oposição política até
ser deposto pelos militares em 1964.

Você pode estar se perguntando: por que foi importante a criação da LDB?
Vamos nos amparar em Queiroz (2016) para responder essa pergunta. Para o
autor, a LDB/1961 representou um marco na Educação do Brasil, pois foi a primeira
legislação educacional que, sozinha, tratou de todos os ramos e níveis do ensino.

A LDB já havia sido prevista na Constituição Federal de 1937 em seu Artigo


15, inciso IX. Ela foi discutida por um período de 13 anos e, finalmente, no dia 20
de dezembro de 1961, ela foi sancionada pelo Presidente João Goulart. O trecho a
seguir, retirado do texto original, reflete os fins da educação:

Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de


liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: 
a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana,
do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que
compõem a comunidade;
b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do
homem;
c) o fortalecimento da unidade nacional e da solidariedade
internacional;
d) o desenvolvimento integral da personalidade humana e a
sua participação na obra do bem comum;
e) o preparo do indivíduo e da sociedade para o domínio dos
recursos científicos e tecnológicos que lhes permitam utilizar as
possibilidades e vencer as dificuldades do meio;
f) a preservação e expansão do patrimônio cultural;
g) a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de
convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a quaisquer
preconceitos de classe ou de raça (BRASIL, 1961, p. 1).

O Quadro 3 apresenta a forma como o ensino brasileiro foi modelado. É


possível perceber que a estrutura se manteve muito parecida ao que foi desenhado
na Lei anterior.

24
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

QUADRO 3 – ESTRUTURA DO ENSINO BRASILEIRO SEGUNDO A LDB/1961


Modalidade de ensino Características
Ensino pré-primário Destinado a crianças menores de sete anos.

Ministrado em escolas maternais.


Ensino primário Ministrado em quatro séries.

Tem a finalidade de promover o desenvolvi-


mento do raciocínio e das atividades de ex-
pressão da criança.
Ensino Médio Ministrado em dois ciclos: ginasial, com du-
ração de quatro anos, e colegial, com duração
de três anos.

Exigência de exame de admissão para ingres-


sar.

Incentivo ao ensino técnico nas categorias


Industrial, Comercial e Agrícola.

Permanência do ensino normal para a for-


mação de professores.
Ensino Superior Manteve a estrutura anterior à LDB.
FONTE: Adaptado de Brasil (1961)

Se a estrutura se manteve tão apegada a que já era praticada antes da


LDB, em que a Lei foi inovadora? Podemos destacar dois pontos de inovação:
a flexibilização concedida aos sistemas estaduais e aos sistemas de ensino para
organizar seus currículos, mesmo que o Governo Federal mantivesse comissões
para regrar tais ações, e a obrigatoriedade de financiamento da educação pelo
Estado.

Segundo Queiroz (2016), o que se viu na prática foi que o Conselho


Federal de Educação (CFE) se limitou a definir um rol de disciplinas obrigatórias,
complementares e optativas, deixando de se indicar programas curriculares,
como acontecia em sistemas de ensino anteriores a esta Lei. No que se refere ao
ensino de Ciências, observe o trecho a seguir:

25
O Ensino de Física e o Cotidiano

Indicação s/n do Conselho Federal de Educação


sobre organização dos quadros curriculares do
ensino secundário ginasial e colegial – Ciências

As disciplinas “Iniciação a Ciências” e Ciências Físicas e


Biológicas” não devem ser consideradas predominantemente em seu
conteúdo ou quantidade de matéria exigida.
O essencial é a orientação didática do curso, que deverá ter em
vista o desenvolvimento de hábitos e atividades peculiares aos que
se dedicam à pesquisa científica, principalmente à capacidade de
iniciativa e de invenção.
Assim sendo, os métodos usados no ensino não são menos
importantes do que os fatos ou leis ensinadas, com o que não se
pretende subestimar a importância dos conhecimentos, senão evitar
que se continue a insistir na simples memorização de noções.
Muito se conseguirá não só apreciando-se a contribuição
dos cientistas do passado e do presente e lançando-se em relevo
a importância da ciência e do método científico para o progresso
da humanidade, mas também, e principalmente, reduzindo-se as
aulas puramente expositivas, incentivando-se o hábito de consulta
à biblioteca adequada ao nível dos alunos e estimulando-se as
atividades individuais, tais como a observação e a experimentação
próprias, a construção de aparelhos científicos, a organização de
coleções, o preparo de quadros, murais, a realização de excursões
etc.
Para a execução desses objetivos, disporá o professor dos mais
variados temas, que serão escolhidos de acordo com os recursos de
que dispuser.
O ar, a água, o solo, a luz, o calor, o som, a eletricidade e o
magnetismo, entre outros, levarão o aluno a compreender a
importância do meio, a necessidade de explorar os recursos naturais
e as possibilidades de sua utilização.
Como segunda fase, o estudo dos seres vivos, plantas e
animais sem consideração excessiva dos aspectos morfológicos e
sistemáticos, proporcionará rico material para melhor entendimento
das relações entre a vida e o meio, bem como o conjunto de funções
indispensáveis à existência de qualquer organismo, pondo-se em
evidência o modo pelo qual animais e plantas obtêm os alimentos
e os utilizam, principalmente como fonte de energia para todas as
suas necessidades e a maneira pela qual se opera a adaptação do

26
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

organismo como um todo ao seu meio. De tudo isso chega-se ao


homem, para situá-lo entre os demais seres vivos, como uma espécie
na qual as funções atingem o maior grau de desenvolvimento, sem
deixar de mostrar a importância da conservação da saúde e os meios
de consegui-la, segundo os preceitos da higiene pessoal e social.
Cumpre, finalmente, assinalar que deve ser dada ampla
liberdade aos professores, de forma que possam ministrar a disciplina
sem nenhuma preocupação de seguir normas pré-adotadas e
o ensino se torne vivo e dinâmico e se ajuste aos interesses dos
alunos e às variadas condições locais nas escolas das diferentes
regiões do país.
No 2º ciclo, a diversificação da matéria Física, Química e
Biologia, para os currículos que dão maior amplitude aos estudos
científicos, permitirá a sistematização e o aprofundamento
necessários à preparação dos alunos que desejam dedicar-se às
carreiras de maior conteúdo de ciências experimentais.
Embora devam os programas, nestes casos, acentuar a
precisão dos conhecimentos e dos métodos, não se deve abandonar
a mesma orientação pedagógica indicada de contato direto dos
alunos com as experiências e a realidade estudada.

FONTE: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/81/81131/tde-
26012017-104013/publico/Maria_Neuza_Almeida_Queiroz.pdf>.
Acesso em: 19 set. 2021.

O que podemos inferir a partir da leitura do texto anterior:

a) Pretendeu-se dar ao ensino de ciências um caráter mais investigativo e


menos memorístico.
b) Flexibilização do professor para adotar as metodologias necessárias
para a promoção do ensino.
c) Aulas guiadas para a descoberta, contextualização e ativismo do aluno.
d) Estimulação do espírito científico e liberdade do aluno para construir o
conhecimento utilizando espaços não formais de ensino.
e) Visão do homem como parte da natureza.
f) Currículos de Física, Química e Biologia adaptados para os alunos que
desejarem dar prosseguimento em estudos superiores.

27
O Ensino de Física e o Cotidiano

Com base na leitura do texto anterior e nas observações


descritas, como você associa o ensino de Ciências previsto pela
LDB/1961 e a formação discente?

Nascimento (2012) afirma que a falta de professores com formação adequada


para exercer o trabalho docente nas escolas de ensino básico no Brasil era um
dos entraves para a reforma educacional que se desenhava. Uma das soluções
encontradas foi criar os cursos de Licenciatura de curta duração de Ciências.
Esses cursos só deixaram de ser oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior
no Brasil após a promulgação da Lei nº 9.394/96.

2.2.3 Lei nº 5.692, de 11 de agosto de


1971 – LDB/1971
Em 11 de agosto de 1971, o Presidente Emílio Garrastazu Médici sancionou
a Lei nº 5.692, conhecida como LDB/1971. A referida lei substituiu a LDB/1961 e
vigorou até o ano de 1996. As principais características da LDB/1971 são:

a) Simplificação da divisão das séries.


b) Estruturação do currículo pelo Conselho Federal de Educação.
c) Incentivo ao ensino profissionalizante.

A partir da LDB/1971 o ensino básico foi dividido em dois ciclos. O primeiro


ciclo foi denominado de 1º grau e o segundo ciclo de 2º grau. Em seu Artigo 1º, a
lei estabelece que o ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar
ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades
como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o
exercício consciente da cidadania. Destacamos que o ensino básico promovido
pela LDB/1971 não tinha caráter universal e não era obrigatório. Desse fato temos
que muitas crianças, principalmente de classes sociais menos favorecidas, não
estudavam ou frequentavam a escola somente até as séries iniciais.

O Quadro 4 apresenta as principais características da organização do


ensino promovidas pela LDB/1971. Duas inovações podem ser observadas: uma
simplificação na estrutura do ensino e a criação do ensino supletivo para tentar
diminuir o analfabetismo no Brasil.

28
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

QUADRO 4 – ESTRUTURA DO SISTEMA DE ENSINO CONFORME A LDB/1971

1º grau 2º grau Ensino Supletivo


Destina-se à formação da criança Destina-se à for- Suprir a escolarização
e do pré-adolescente, variando mação integral do regular para os adoles-
em conteúdo e métodos segundo adolescente. centes e adultos que não
as fases de desenvolvimento dos a tenham seguido ou con-
alunos. cluído na idade própria.
Duração de oito anos. Duração de três ou Duração e regime escolar
quatro anos. que se ajustem as suas
finalidades próprias.
Idade mínima de sete anos. Pré-requito: ter O Supletivo do 1º grau
concluído o 1º destina-se aos maiores
grau. de 18 anos e o de 2º grau
aos maiores de 21 anos.
FONTE: Adaptado de Brasil (1971)

Enquanto o movimento Escola Nova defendia que recursos públicos fossem


aplicados no sistema de ensino público, a LDB/1971 trouxe a figura do PEBE
(Plano Especial de Bolsas de Estudo), dando abertura para que o Estado pudesse
auxiliar financeiramente instituições de ensino privadas. Observe parte da Lei que
trata do assunto:

Art. 45. As instituições de ensino mantidas pela iniciativa


particular merecerão amparo técnico e financeiro do Poder
Público quando suas condições de funcionamento forem
julgadas satisfatórias pelos órgãos de fiscalização e a
suplementação de seus recursos se revelar mais econômica
para o atendimento do objetivo (BRASIL, 1971).

Recentemente, o debate em torno do financiamento da


educação básica tomou conta do cenário por conta da renovação do
Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). Um dos pontos de
debate foi o repasse de parte dos recursos do fundo a instituições
privadas. Como você percebe o financiamento da educação pelo
Estado?

29
O Ensino de Física e o Cotidiano

Com relação à estrutura curricular, coube ao CFE promover a elaboração


dos currículos que seriam ofertados no 1º e 2º graus. Conforme Queiroz (2016),
o núcleo comum aos dois graus trazia como matérias obrigatórias: Comunicação
e Expressão, Estudos Sociais e Ciências. Na matéria Comunicação e Expressão,
a Lei torna obrigatório o ensino da Língua Portuguesa; em Estudos Sociais:
Geografia, História e Organização Social e Política do Brasil (OSPB); e em
Ciências: Matemática, Ciências Físicas e Biológicas.

Com relação à Física, a principal diferença entre a LDB/1961 e a LDB/1971


diz respeito ao seu caráter obrigatório.

Cabe observar que, na LDB/1961, [...] CFB aparece nas


indicações do CFE como uma das disciplinas obrigatórias que
poderia compor as alternativas admissíveis de organização
curricular. Embora esta pudesse ser escolhida para configurar
no currículo do curso Colegial ao optar por uma das três
alternativas nas quais ela estava presente, havia, no entanto,
outra possibilidade de organização do quadro curricular em
que esta aparecia desmembrada em disciplinas específicas:
Física, Química e Biologia.
Já na Lei 5.692/1971, CFB passa a ser área de estudo ou
disciplina (da matéria Ciências), dependendo do nível de
ensino, e também não se apresenta mais como uma opção
para compor o currículo do segundo ciclo (nessa conjuntura, 2º
grau), mas sim uma inclusão obrigatória. Em síntese, CFB faz
parte do núcleo comum da Educação Geral (QUEIROZ, 2016,
p. 113).

Trazemos também parte do texto da Resolução nº 8/71, um dos suportes


legais à LDB/1971. O documento tem o objetivo de fixar o núcleo comum para os
currículos do 1º e 2º graus.

Resolução nº 8, de 1º de dezembro de 1971 – Fixa o


núcleo comum para os currículos de 1º e 2º graus

Art. 2° - As matérias fixadas, diretamente e por seus conteúdos


obrigatórios, deverão conjugar-se entre si e com outras que lhes
acrescentem para assegurar a unidade do currículo em todas as
fases do seu desenvolvimento.
Art. 3° - Além dos conhecimentos, experiências e habilidades
inerentes às matérias fixadas, observado o disposto no artigo
anterior, o seu ensino visará:
c) nas Ciências, ao desenvolvimento do pensamento lógico e à
vivência do método científico e de suas aplicações.

30
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Art. 4° - As matérias fixadas nesta Resolução serão escalonadas,


nos currículos plenos do ensino de 1º e 2° graus, da maior para a
menor amplitude do campo abrangido, constituindo atividades, áreas
de estudo e disciplinas .
§ 1º - Nas atividades, a aprendizagem far-se-á principalmente
mediante experiências vividas pelo próprio educando no sentido de
que atinja, gradativamente, a sistematização de conhecimentos.
§ 2° - Nas áreas de estudo, formadas pela integração de
conteúdos afins, as situações de experiência tenderão a equilibrar-
se com os conhecimentos sistemáticos para configuração da
aprendizagem.
§ 3° - Nas disciplinas, a aprendizagem se desenvolverá
predominantemente sobre conhecimentos sistemáticos.

FONTE: <https://www.scielo.br/j/reben/a/
HGRfCn9wSk7XZckTQKFDYDg/?lang=pt>. Acesso em: 19 set.
2021.

Podemos extrair do trecho apresentado as seguintes ideias com relação ao


ensino de Física:

a) Ao colocar a importância de se conjugar matérias, percebemos uma


certa interdisciplinaridade entre as disciplinas.
b) Os conteúdos das disciplinas da área de Ciências deveriam ser
trabalhados levando em consideração sua aplicabilidade e incentivo ao
método científico como metodologia de ensino.
c) Em um Brasil que almejava o desenvolvimento industrial e tecnológico,
marca do regime político vigente na época, o currículo de Ciências
deveria levar o aluno a procurar soluções para problemas, levando em
consideração exemplos do cotidiano.

2.2.4 LDB/1996
A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, determina as diretrizes para a
educação brasileira segundo treze princípios, alguns foram incorporados ao longo
da história, são eles:

1. Igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola.


2. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

31
O Ensino de Física e o Cotidiano

pensamento, a arte e o saber.


3. Pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
4. Respeito à liberdade e apreço à tolerância.
5. Coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.
6. Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais.
7. Valorização do profissional da educação escolar.
8. Gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino.
9. Garantia de padrão de qualidade.
10. Valorização da experiência extraescolar.
11. Vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
12. Consideração com a diversidade étnico-racial (Incluído pela Lei nº
12.796, de 2013).
13. Garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da
vida (Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018).

A LDB/1996 é uma demanda desde a promulgação da Constituição Federal


de 1988. Ela amplia os direitos educacionais de todos os brasileiros, afirma
o papel do Estado na promoção da educação pública e valoriza e incentiva a
autonomia docente. Dois documentos são complementares à LDB/1996: as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN).

Qual a função das Diretrizes Curriculares Nacionais e dos


Parâmetros Curriculares Nacionais?

Um conceito que passou a ser bastante difundido após a LDB/1996 é o


ensino por competências, mesmo a Lei não tendo abordado tal conceito. Os PCN
explicitam três conjuntos de competências a serem desenvolvidas: comunicar e
representar; investigar e compreender; contextualizar social ou historicamente.

A formação por competências, antes de ser uma proposta para


a educação, é um modo de organizar-se no todo da sociedade.
As competências estão ligadas, sobretudo, à organização da
sociedade em torno do desenvolvimento tecnológico, ocorrido
em escala determinante desde as revoluções industriais. As
tecnologias não se tornaram apenas formas de qualificar o
trabalho, mas o centro das pesquisas e do desenvolvimento
econômico, bem como o modo de o homem se organizar e
viver.

32
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Expandir os currículos para competências gerais associadas


a saberes específicos busca, na maioria das vezes, minimizar
conflitos entre os defensores dos saberes disciplinares e os
adeptos da cultura generalista. Para evitar falsas abordagens
por competências, um programa estruturado nessa perspectiva
terá que precisar o grau de abrangência das competências que
pretende construir (RICARDO, 2010, p. 618).

A LDB/1996 organizou o currículo escolar em três áreas: Linguagens e


Códigos, Ciências Humanas e Ciências da Natureza e Matemática. As três áreas
interligam todas as disciplinas que as compõem. É importante ressaltarmos que
a implementação de um ensino interdisciplinar passa, dentre outras coisas, por
uma reforma no plano curricular da escola.

A Física é uma das disciplinas que compõem o Ensino Médio, a presença


do conhecimento de Física na escola média ganhou um novo sentido a partir
das diretrizes apresentadas nos PCN. Trata-se de construir uma visão da Física
que esteja voltada para a formação de um cidadão contemporâneo, atuante e
solidário, com instrumentos para compreender, intervir e participar na realidade.

Nesse sentido, a Física se apresenta como uma disciplina que ajuda a


pessoa a perceber e a lidar com os fenômenos naturais, presentes tanto ao seu
redor quanto em partes mais longínquas do universo. Veja, a seguir, a lista de
competências para a Física.

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCN+

Uma das ações para compor o currículo da disciplina é


a escolha dos conteúdos e estes devem estar de acordo com
os objetivos que se deseja alcançar. Assim, competências e
habilidades são desenvolvidas por meio de ações concretas. Os
PCN mantiveram a forma como a Física é apresentada, isto é, nas
áreas tradicionalmente conhecidas: Mecânica, Termologia, Ótica e
Eletromagnetismo, porém é preciso fazer uma releitura dos temas e
suas formas de apresentação.
Podemos enumerar as seguintes características para o ensino
de Física com base nos PCN:

a) Flexibilização do currículo.
b) Valorização da concepção de mundo dos alunos.
c) Contextualizar o ensino.

33
O Ensino de Física e o Cotidiano

d) Apresentar a Física sob diferentes formas de expressão.


e) Substituição de problemas por situações-problema.
f) Tratar a Física como parte da cultura.
g) Formar para a responsabilidade social.

Com os PCN, percebemos uma tentativa de fazer com que os


alunos enxerguem a Física para além de uma disciplina carregada
de equações matemáticas. O documento incentiva professores a
construírem um currículo com base em seus objetivos educacionais,
respeitando as individualidades e as regionalidades. Destacamos o
fato de os conhecimentos prévios dos alunos serem usados como
parâmetro para a escolha dos temas, bem como a profundidade com
que estes serão trabalhados em sala de aula.
Como professores de Física, não podemos perder a articulação
entre objetivos, habilidades e estratégias de ensino a serem
propostos. Discutir, refletir e experimentar novas formas de vivenciar
a Física são algumas das muitas ações a serem desempenhadas
pelos professores na tentativa de contribuir para que o ensino de
Física contribua para a construção de competências sociais, culturais
e científicas.

FONTE: BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).


Ensino Médio. Parte III – Ciências da Natureza, Matemática e suas
Tecnologias. Brasília, DF: MEC, 1998.

1 Quais as principais características do ensino de Física, após


a promulgação da CF/1988, defendidas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN)?

34
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

3 ENSINO DE FÍSICA PARA


O SÉCULO XXI: DESAFIOS E
PERSPECTIVAS
Uma das ciências mais revestidas de estereótipos é a Física. Algumas
pessoas a classificam como uma ciência de difícil aprendizagem, repleta de
operações matemáticas e sem aplicação direta na vida das pessoas. Chega a ser
comum alguns professores ouvirem de seus alunos: ‘professor, onde eu vou usar
isso na minha vida?’.

Moreira (2017) afirma que o ensino de Física passa por uma crise graças à
fraca formação dos professores, às más condições de trabalho e à progressiva
perda de identidade do currículo. Resolver o problema da falha de comunicação
entre professor e aluno e uma consequente desvalorização da Física pode não ser
uma tarefa simples, mas passa por refletir a importância da divulgação científica
na escola, os objetivos da escola do século XXI e quais ferramentas pedagógicas
utilizar no ensino de Física.

3.1 OS DESAFIOS DO ENSINO DE


FÍSICA
Para Cachapuz et al. (2005), num mundo repleto de indagações científicas,
a alfabetização científica é uma necessidade urgente. O conhecimento pode ser
construído em diferentes espaços. A escola foi escolhida pela sociedade para
congregar regras de ensino e aprendizagem e se consolidou ao longo da história
como um espaço formal de educação. Segundo Nascimento e Hetkowski (2009),
a educação se constitui para as pessoas como um processo de aprender o que
lhes ensinam.

Como professor de Física, como você contorna os desafios de


ensinar Física?

35
O Ensino de Física e o Cotidiano

A educação em ciências tem por objetivo fazer com que o aluno


venha a compartilhar significados no contexto das ciências, ou
seja, interpretar o mundo desde o ponto de vista das ciências,
manejar alguns conceitos, leis e teorias científicas, abordar
problemas raciocinando e argumentando cientificamente,
comunicar resultados e identificar aspectos históricos,
epistemológicos, sociais e culturais das ciências (MASSONI;
MOREIRA, 2016, p. 2).

Uma das reflexões que o professor pode realizar é sobre os objetivos do


ensino. Entender o contexto em que o ensino está acontecendo e escolher os
melhores e possíveis meios de se comunicar com o aluno e assim auxiliar na
construção do conhecimento. Para Nascimento e Hetkowski (2009), a educação
se constitui num processo intencional, consciente e que busca a orientação
das pessoas, e a comunicação expressa toda a relação de transmissão e de
potencialização de ideias e valores mediante um acervo de signos.

Moreira (2017) defende a não centralidade no livro didático e uma maior


abordagem a temas atuais. Para Cachapuz et al. (2005), é preciso que sejam
superadas as visões destorcidas da ciência, tanto em alunos quanto em
professores. Esse processo passa por derrubar a concepção individualista e elitista
da ciência, contextualizar historicamente a construção do conhecimento científico
e apresentar um modelo de ciência que se aproxima da realidade das pessoas.
Esses autores convergem para um ponto muito importante na construção do
conhecimento em ciências: os temas atuais precisam ganhar espaço nos projetos
educacionais.

Todos os problemas apresentados demonstram como os alunos encaram


a Física como uma área cujo único objetivo seja resolver problemas que se
mostram repetitivos e que podem ser solucionados empregando métodos rígidos
e predeterminados. A principal consequência dessa falta de sentido é a visão
limitada quanto à aplicabilidade e à utilidade do conhecimento científico.

Os sites da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e do Instituto


de Física da Universidade de São Paulo (PROFIS-USP) oferecem
um vasto material que professores podem utilizar em suas aulas. São
artigos científicos, artigos de revista, vídeos sobre variados assuntos,
materiais que podem ajudar os professores a se atualizarem com
relação aos conceitos físicos e fazer a transposição didática,
fazendo com que o aluno tenha uma visão atualizada sobre a Física.
Disponível em: www.sbf.org.br.
http://fep.if.usp.br/~profis/.

36
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Pensar em mudar esse quadro passa por quebrar a passividade dos alunos,
que muitas vezes esperam respostas prontas, oferecer ao aluno oportunidades
de desenvolver o pensamento crítico e não achar que a observação científica se
reduz a experimentos em um laboratório.

Desse fato surge a necessidade da criação de espaços educativos que


ultrapassem as práticas tradicionais, que convirjam em ambientes que incentivam
o protagonismo do aluno, as práticas sociais e auxiliem na alfabetização científica
e tecnológica.

O insucesso na comunicação no ensino e na aprendizagem em Física


é apontado por Cavalcante, Bonizzia e Gomes (2009) como consequência
de métodos desajustados de ensino e da falta de uso de meios pedagógicos
modernos. As escolas brasileiras possuem diferentes realidades, tanto no aspecto
social quanto estrutural. Oferecer aos alunos a oportunidade de vivenciar a
Física é um dos pontos a serem explorados pelos sistemas de ensino. Para isso,
é preciso investimento não só na compra de equipamentos ou construção de
laboratórios de física ou de informática.

Moreira (2017) apresenta uma série de estratégias que podem fazer parte da
prática docente, por exemplo, ensinar por meio de perguntas no lugar de oferecer
respostas prontas e acabadas, diversificar os materiais utilizados em sala, utilizar
uma linguagem que ajude na percepção da realidade e o professor precisa ter em
mente que o significado está nas pessoas, não nas palavras.

Para Pozo e Crespo (2009), a escola tem o papel de formar pessoas mais
flexíveis quanto à aprendizagem, uma vez que a aprendizagem não se encerra
com o fim da etapa escolar. Percebe-se a importância de oferecer aos alunos um
ambiente onde ele possa construir um pensamento crítico e reflexivo. A mudança
deve ser partilhada em diferentes linhas, que passam, principalmente, pelos
objetivos do ensino. Adotar novas metodologias para o ensino de ciências não
garante, por si só, uma mudança na forma como o aluno ressignifica os conteúdos.
É preciso renovar as metas para as quais esses conteúdos estão dirigidos.

A escola precisa ser um ambiente aberto a novas oportunidades de ensino


e aprendizagem. Inserir tecnologias digitais e favorecer a criação de ciberespaço
pode oferecer diferentes possibilidades, sem com isso ser carregada de desafios.
Ampliar o horizonte para o uso das tecnologias digitais no ensino pode tirar o
computador de uma função de um processador e armazenador de dados e dotá-lo
de potencial para transformar a escolar num espaço criativo.

Cavalcante, Bonizzia e Gomes (2009) afirmam que ensinar Física no


século XXI pode ser uma tarefa extraordinária, já que toda a tecnologia que

37
O Ensino de Física e o Cotidiano

utilizamos em nosso cotidiano foi feita com base no desenvolvimento científico de


conceitos físicos, assim como muitos fenômenos naturais podem ser modelados,
transformados e estudados.

Diante do exposto por Moreira (2017), fica difícil defender um modelo de


ensino que continua utilizando modelos obsoletos. Não estamos aqui defendendo
um total abandono de metodologias tradicionais, por exemplo, o uso do livro
didático. A ideia é ampliar a visão para novas possibilidades, como explorar
campos da História e Filosofia da Física, abordar temas de Ciência, Tecnologia
e Sociedade (CTS), construir sequências didáticas para o ensino de Física
Contemporânea etc., são ações que podem ser executadas na escola desde que
o professor tenha recursos, físicos e cognitivos, suficientes e necessários para
uma abordagem segura.

Um material que pode ampliar a discussão sobre esses temas é:

PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. de (org). Quanta ciência há no ensino


de Ciências? São Carlos: EduFSCar, 2008.

1 Qual é o papel do ensino de Ciências na Contemporaneidade?

3.2 A ESCOLA DO SÉCULO XXI E O


ENSINO DE FÍSICA
No ensino de Física, a observação e a análise de fenômenos são eventos
importantes para a construção do conhecimento. Diante das precárias condições
físicas de algumas escolas brasileiras e da má gestão de recursos financeiros,
em outros casos, oferecer a todos os alunos espaços físicos, como laboratórios
e bibliotecas, para a realização de tais feitos é um desafio. Uma das soluções
para essas situações seria adotar metodologias de ensino que levem o aluno à

38
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

pesquisa, utilizando ferramentas digitais.

Cachapuz et al. (2005) afirmam que o mundo está repleto de produtos da


indagação científica e como futuros cidadãos os alunos precisam ser levados
a pensar sobre os problemas mundiais. Ainda, segundo os autores, um ensino
centrado nos conteúdos dificulta uma aprendizagem de ciências que valoriza a
relação Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente.

Segundo Moreira (2017), o ensino da Física está desatualizado em termos


de conteúdos e tecnologias. Os professores se dedicam ao treinamento para
provas e a Física é abordada como uma ciência acabada, longe do contexto de
vida dos alunos, é apresentada tal como no livro didático.

Carvalho e Sasseron (2018) defendem a ideia de um ensino de Física que


ajude a construir conhecimento sobre o mundo natural. Para Moreira (2018), um
ensino de Física que gere predisposição em aprender precisa, dentre outros pré-
requisitos, relacionar a Física com situações-problema que façam sentido ao aluno
e à integração natural de simulações computacionais, modelagem computacional
e laboratórios virtuais.

Há uma tentativa vã de se ensinar física como se esta fosse


construída de forma linear: primeiramente, tenta-se ensinar a
Física Clássica para, se possível, alcançar o estudo da Física
Moderna (que não se alcança). Tenta-se ensinar os conceitos
para, se possível, fazer experi­mentações (que não são feitas).
É o contrário da Física, enquanto ciência e cultura. Essa é
uma atitude impensada, não reflexiva, que remete ao senso
comum e à manutenção da ordem de classe social. Não se faz
investigação experimental e, portanto, não há erros, apenas as
certezas dos livros didáticos. Não há revolução científica, não
há incertezas, há apenas condicionamento ético. É a produção
explícita da mais valia relativa. Esse trabalho reproduz as
conhecidas e tão criticadas aulas tradicionais (PUGLIESE,
2017, p. 973).

Silveira et al. (2009) afirmam que a escola não pode continuar ignorando o que
acontece ao seu redor, anulando e marginalizando as diferenças nos processos
por meio dos quais forma e instrui os alunos. Nesse movimento existe uma
tentativa de incorporar ao ensino de Física o cotidiano dos alunos, abandonando
práticas tradicionais de ensino, incorporando inovações metodológicas e,
sobretudo, tendo professores ativos à frente de projetos que buscam desenvolver
competências científicas e tecnológicas, que utilizam a argumentação a partir de
evidências, a validação e a comunicação de resultados.

Belançon (2017) coloca uma série de questionamentos acerca do ensino de


Física. Dentre eles está: se a Física é um agente transformador de tantas faces

39
O Ensino de Física e o Cotidiano

da humanidade, por que o ensino de Física deve ficar restrito às leis e à resolução
de exercícios? É inerente uma tomada de decisão pela utilização de instrumentos
de ensino que favoreçam a pesquisa, incentivem o trabalho em grupo, facilitem a
observação de fenômenos e contribuam com a aprendizagem do aluno por meio
de feedback.

Segundo Lucena et al. (2018), a perspectiva do ensino precisa mudar do “uso


de” para “construção” de práticas pedagógicas que valorizem o tempo histórico
e social, isso implica, necessariamente, as tecnologias digitais. Essa mudança
de perspectiva carrega em si a valorização do trabalho docente, uma vez que a
ferramenta não transporta conhecimento e sim a informação.

GARCIA, N. M. D. et al. (org). A pesquisa em ensino de Física e a


sala de aula: articulações necessárias. São Paulo: Livraria da Física,
2012. 352 p.

Em vista disso, conseguimos reconhecer a importância do ensino de Ciências


para a democratização dos conhecimentos científicos e o papel da escola na
disseminação da cultura científica. Por outro lado, temos situações preocupantes.
Viecheneski e Carletto (2013) revelam que pesquisas no campo do ensino de
Ciências têm revelado que muitos professores têm dificuldades em promover um
ambiente desafiador, propício à investigação e à construção de conhecimentos
em Ciências, assim como propiciar um ensino interdisciplinar e contextualizado.

O artigo O ensino de Física interativo: blog, ferramenta de


aprendizagem do século XXI, publicado na revista Experiências em
Ensino de Ciências, no ano de 2018, mostra como utilizar recursos
digitais nas aulas de Física. O texto está disponível em:
https://if.ufmt.br/eenci/artigos/Artigo_ID463/v13_n1_a2018.pdf.

40
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Cada escola tem seus valores, sua estrutura e sua filosofia de trabalho.
Algumas estão mais propensas a mudanças rápidas e radicais, outras aceitam
alterações mais pontuais e lentas. Moran (2016) defende que o primeiro e o mais
importante passo é o da mudança mental, mudança cultural, mostrando que essas
novas formas de aprender fazem mais sentido, que os alunos se engajam mais e
obtêm melhores resultados.

Investir em pessoas é essencial para que os planos de mudança da escola


ocorram e deem certo. Até mesmo em escolas públicas, muitas vezes cercadas
de burocracia pesada, inovar pode ser a saída para sanar problemas crônicos,
como o alto índice de evasão e o desinteresse em certas disciplinas.

4 BASE NACIONAL COMUM


CURRICULAR E O ENSINO DE FÍSICA
Libâneo (2010) afirma que a educação pública possui como responsabilidades:
ser agente de transformações sociais, gerando conhecimento e promovendo o
desenvolvimento de Ciências; preparar as pessoas para o pensamento crítico
com relação a sua realidade e ao mundo; trabalhar os valores nacionais ante a
pressão para uma educação descaracterizada de valores; promover um ensino
público de qualidade; formar pessoas para a cidadania crítica e participativa; e
ter um olhar para o processo produtivo sem perder o viés de uma formação geral,
voltada para a cultura e para a ciência. Além disso, não podemos esquecer que a
escola tem a responsabilidade de promover um ensino baseado na ética.

Preparar para o processo produtivo é mais que ensinar a manipular máquinas


e ferramentas, essa era uma característica de um ensino tecnicista, promovido por
governos militares, como vimos em seções anteriores. É desenvolver habilidades
e saberes para atuar num mundo tecnológico, por meio de uma formação geral e
científica.

O processo de formação para a cidadania precisa estimular o aluno a se ver


como parte de uma sociedade, reconhecer suas carências e ter habilidades para
interferir e transformá-la. Outro pressuposto é a formação ética, em que o aluno
pode se colocar em relação ao outro e desenvolver a capacidade de dialogar,
identificar normas sociais e ter a capacidade de respeitar o próximo.

41
O Ensino de Física e o Cotidiano

4.1 O QUE É BNCC?


A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de
caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo
de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação
Básica, de modo que tenham assegurados seus direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o
que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL,
2018, p. 7).

A BNNC foi homologada em 20 de dezembro de 2017, mas não pense que


esse processo foi fácil e rápido. Ela já tinha sido prevista na Constituição Federal
de 1988 e na LDB/1996. O documento final é fruto de um debate entre diversos
setores da sociedade e está formatado em dez competências gerais, que guiam o
desenvolvimento escolar de crianças e jovens (BRASIL, 2017).

O que é uma competência? O próprio documento da BNCC afirma que é


uma mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver
demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do
mundo do trabalho.

O texto da BNCC afirma que competências gerais são estruturas cognitivas,


ou seja, conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que o aluno precisa
acessar e mobilizar para resolver demandas de sua vida.

Para Rico (2020), o ensino por competências tira da escola o caráter


conteudista, isto é, que se preocupa somente com os conteúdos trabalhados em
sala de aula e dá a oportunidade de a escola desenvolver um trabalho para o
desenvolvimento emocional, social e cultural do aluno. Isso não significa que os
conteúdos serão renegados, deixados em segundo plano ou que teremos um
componente curricular para desenvolver competências. A abordagem do ensino
por competências remete oferecer ao aluno oportunidades de participação ativa.

Competências gerais da educação básica

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente


construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para
entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar
para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.
2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem
própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise

42
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas,


elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar
soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das
diferentes áreas.
3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e
culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas
diversificadas da produção artístico-cultural.
4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visomotora,
como Libras e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como
conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica,
para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem
ao entendimento mútuo.
5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação
e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas
diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva.
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e
apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem
entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas
alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com
liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
7. Argumentar com base em fatos, dados e informações
confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista
e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos,
a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, com posicionamento ético com relação ao
cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física
e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e
reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e
capacidade para lidar com elas.
9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a
cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e
aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade
de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades,
culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

43
O Ensino de Física e o Cotidiano

10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia,


responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando
decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários.

FONTE: BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF:


MEC, 2018.

Como professor de Física, quais das competências anteriores


você já desenvolve junto aos seus alunos? Quais metodologias você
utiliza para promover o ensino baseado em competências?

A leitura do texto das competências da BNCC nos faz refletir os fundamentos


pedagógicos que a permeiam: foco no desenvolvimento de competências e
compromisso com a educação integral.

A BNCC, ao escolher como um de seus fundamentos o foco no


desenvolvimento de competências, faz uma indicação do que os alunos devem
saber, os que eles devem saber fazer (BRASIL, 2018).

Como docente, talvez você já tenha se perguntado: como vou ensinar esse
assunto? Como posso promover a avaliação dos meus alunos? Como fomentar
um ensino que seja significativo para o meu aluno e que ele possa utilizar o que
aprendeu na sua vida?

Ter essas perguntas em mente e tentar respondê-las insere o docente numa


perspectiva de uma educação integral. Oferecer ao estudante uma educação
integral é bem mais que fazê-lo estudar o dia inteiro, algumas vezes disciplinas
desconexas entre si e que não refletem o espírito da contemporaneidade. É,
independentemente da quantidade de horas que o aluno passa na escola,
oferecer a oportunidade de vivências sintonizadas aos interesses do aluno, as
suas necessidades e às da sociedade em que este está inserido.

44
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Chegou a hora de você pensar num ponto que ainda divide


opiniões: a BNCC é currículo? O trecho a seguir te ajudará a pensar
no assunto:

A BNCC seria o instrumento para qualificar a educação


através de uma identidade de conhecimentos que seja
proporcionada a todos os estudantes da educação básica
brasileira. Ela serviria para superar as desigualdades
evidentes em nosso sistema educacional. Ela se envolve
em uma visão de escolarização que, para termos uma
educação de qualidade, seria necessário proporcionar
conteúdos idênticos para possibilitar uma igualdade de
oportunidades entre os educandos. Dessa forma, os
defensores da BNCC entendem que uma das mazelas
da educação brasileira a ser superada é a ausência de
um conteúdo básico e comum em todo o país. Já com
uma BNCC, teríamos a possibilidade de superar as
desigualdades e a qualidade deficiente da educação
(CURY; REIS; ZANARDI, 2018, p. 61). Chegou a hora
de você pensar num ponto que ainda divide opiniões: a
BNCC é currículo? O trecho a seguir te ajudará a pensar
no assunto:

O Quadro 5 apresenta algumas considerações sobre como pensar num


currículo que possa atender ao que a BNCC coloca como requisito mínimo para a
construção de conhecimentos.

QUADRO 5 – POSSIBILIDADES PARA IMPLEMENTAR A BNCC EM SALA DE AULA


Decisões para formatar um cur- Possíveis ações
rículo com base na BNCC
Contextualizar os conteúdos - Inserir o aluno em vivências nas quais é pos-
sível perceber os conteúdos.

- Caracterizar por meio de exemplos


plausíveis os assuntos trabalhados em sala
de aula.

45
O Ensino de Física e o Cotidiano

Fortalecer a competência ped- - Garantir autonomia aos docentes.


agógica
- Planejar os conteúdos de forma coletiva.

Motivar e engajar alunos - Garantir um ambiente onde o pensamento e


a fala sejam respeitados.

- Oferecer feedback ao aluno.

- Trabalhar metodologias que acolham os in-


teresses dos alunos.

Aplicar avaliação formativa - Criar instrumentos de avaliação que


ofereçam mais que uma nota.

- Olhar para o processo de construção e


evolução do aluno com base nas suas dificul-
dades.

Utilizar diferentes recursos - Utilizar ferramentas tecnológicas digitais.

- Contemplar temas transversais.

- Desenvolver projetos.

Formação contínua - Aperfeiçoar a prática docente por meio de


materiais e formações diversificados.

FONTE: Adaptado de Brasil (2018)

A BNCC reforça o que a LDB já preconizara: o ensino por meio de áreas do


conhecimento, em que cada uma possui competências específicas e, atreladas a
cada competência, um conjunto de habilidades que representa as aprendizagens
a serem desenvolvidas no âmbito escolar, para a etapa do desenvolvimento do
aluno. A Figura 1 apresenta a forma como o professor pode fazer a leitura do
código que identifica as habilidades.

46
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

FIGURA 1 – EXEMPLO DE IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS


DE UMA HABILIDADE ESPECÍFICA DA BNCC

FONTE: Adaptada de Brasil (2018)

O Ensino Médio é a última etapa do ensino básico. Como vimos na seção


sobre a LDB/1996, os objetivos do Ensino Médio são: consolidar e aprofundar
os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, preparar para o trabalho,
oferecer uma formação ética, relacionar teoria e prática a fim de que o aluno
possa compreender processos.

Separamos um trecho da BNCC para que você possa perceber como o


texto reflete a construção de uma escola capaz de cumprir seus objetivos como
instituição social.

47
O Ensino de Física e o Cotidiano

Para cumprir essas finalidades, a escola que acolhe as


juventudes tem de garantir o prosseguimento dos estudos a todos
aqueles que assim o desejarem, promovendo a educação integral
dos estudantes no que concerne aos aspectos físicos, cognitivos e
socioemocionais (LDB, Art. 35-A, § 7º), por meio:

• da firme convicção na capacidade que todos os estudantes têm de


aprender e de alcançar objetivos que, à primeira vista, podem parecer
além das suas possibilidades;
• da construção de “aprendizagens sintonizadas com as necessidades,
as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os
desafios da sociedade contemporânea”, como definido na Introdução
desta BNCC (p. 14);
• do favorecimento à atribuição de sentido às aprendizagens, por sua
vinculação aos desafios da realidade e pela explicitação dos contextos
de produção e circulação dos conhecimentos;
• do estímulo ao desenvolvimento de suas capacidades de abstração,
reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à autonomia
pessoal, profissional, intelectual e política e do estímulo ao protagonismo
dos estudantes em sua aprendizagem e na construção de seus projetos
de vida; e
• da promoção de atitudes cooperativas e propositivas para o
enfrentamento dos desafios da comunidade, do mundo do trabalho e da
sociedade em geral.

Com relação à preparação básica para o trabalho, que significa promover o


desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserir-se de
forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez
mais complexo e imprevisível, os projetos pedagógicos e os currículos escolares
precisam se estruturar de maneira a:

• explicitar que o trabalho produz e transforma a cultura e modifica a


natureza;
• relacionar teoria e prática ou conhecimento teórico e resolução de
problemas da realidade social, cultural ou natural;
• revelar os contextos nos quais as diferentes formas de produção e
de trabalho ocorrem, sua constante modificação e atualização nas
sociedades contemporâneas, em especial no Brasil;
• explicitar que a preparação para o mundo do trabalho não está
diretamente ligada à profissionalização precoce dos jovens – uma

48
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

vez que eles viverão em um mundo com profissões e ocupações hoje


desconhecidas, caracterizado pelo uso intensivo de tecnologias –, mas
à abertura de possibilidades de atuação imediata, a médio e a longo
prazos e para a solução de novos problemas.

Tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa, democrática e


inclusiva, condição para a cidadania e para o aprimoramento do educando como
pessoa humana, as escolas devem se constituir em espaços que permitam aos
estudantes valorizar:

• a não violência e o diálogo, possibilitando a manifestação de opiniões e


pontos de vista diferentes, divergentes ou conflitantes;
• o respeito à dignidade do outro, favorecendo o convívio entre diferentes;
• o combate às discriminações e às violações a pessoas ou grupos sociais;
• a participação política e social;
• a construção de projetos pessoais e coletivos, baseados na liberdade,
na justiça social, na solidariedade e na sustentabilidade.

Por fim, mas não menos importante, a escola que acolhe as juventudes
tem de explicitar seu compromisso com os fundamentos científico-tecnológicos
da produção dos saberes, promovendo, por meio da articulação entre diferentes
áreas do conhecimento:

• a compreensão e a utilização dos conceitos e teorias que compõem a


base do conhecimento científico e dos procedimentos metodológicos e
suas lógicas;
• o reconhecimento da necessidade de continuar aprendendo e
aprimorando seus próprios conhecimentos;
• a apropriação das linguagens das tecnologias digitais e a fluência em
sua utilização;
• a apropriação das linguagens científicas e sua utilização na comunicação
e na disseminação desses conhecimentos.

Nesse contexto de diversidade, mostra-se imperativo, como já previsto nas


recomendações definidas pelo Conselho Nacional de Educação, no Parecer CNE/
CP nº 11/2009:

• Estimular a construção de currículos flexíveis, que permitam itinerários


formativos diversificados aos alunos e que melhor respondam à
heterogeneidade e pluralidade de suas condições, interesses e
aspirações, com previsão de espaços e tempos para utilização aberta e
criativa.
• Promover a inclusão dos componentes centrais obrigatórios previstos

49
O Ensino de Física e o Cotidiano

na legislação e nas normas educacionais e componentes flexíveis e


variáveis de enriquecimento curricular que possibilitem, eletivamente,
desenhos e itinerários formativos que atendam aos interesses e
necessidade dos estudantes.

FONTE: BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF:


MEC, 2018.

Após a leitura do texto anterior sobre como a escola pode


formatar um currículo que atenda às diretrizes da BNCC, quais
elementos você, como professor de Física, identifica como de fácil
implementação, quais os que são de difícil implementação e como a
escola pode se adequar ao novo modelo de ensino que vem sendo
construído no Brasil?

4.2 O QUE MUDA NO ENSINO DE


FÍSICA
Agora que temos uma visão geral sobre a BNCC, você pode estar se
perguntando: o que isso muda na minha realidade? Responder a essa pergunta
é algo bem complexo e cada docente dará uma resposta diferente. Afinal, cada
um de nós vive uma realidade distinta e somente o professor sabe o que precisa
mudar ou manter na sua prática pedagógica. Entretanto, algo é comum a todos os
professores em qualquer lugar do Brasil: o trabalho coletivo.

A BNCC não extinguiu as disciplinas, mas reforça o caráter do trabalho


em grupo, prevalecendo o esforço de todos os professores da mesma área do
conhecimento na construção de um plano pedagógico que valoriza os elementos
que as diferentes disciplinas possuem em comum. A seguir, analisaremos quais
as principais mudanças para a área de Ciências da Natureza.

Diante desse cenário, a BNCC propõe que o Ensino Médio amplie o olhar
sobre os conteúdos que foram trabalhados no Ensino Fundamental, focando em
como os fenômenos estão presentes na vida das pessoas, de modo que o aluno
consiga se apropriar do conhecimento.

50
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Em tese, a alfabetização científica passará a estar mais presente na vida


acadêmica do aluno e do professor. O aluno terá a oportunidade de vivenciar
a ciência no seu cotidiano, por exemplo, ao olhar um aparelho de micro-ondas,
poderá enxergar além de um utensílio doméstico e poderá ver um produto
tecnológico que utiliza campos magnéticos para aquecer partículas de água, e
o professor terá a oportunidade de tornar o ensino mais particular, fugindo de
exemplos generalistas e algumas vezes sem sentido para o aluno.

Para que você possa conhecer um exemplo da aplicação de


metodologias ativas no ensino de Física, recomendamos a leitura do
artigo Metodologias ativas para ensino e aprendizagem da Física:
caso de estudo da formulação dos conceitos de calor e temperatura,
de Josias Arnaldo Vilanculo, Inocente Vasco Mutimucuio e Carlos
Santos Silva. Este artigo está disponível no site da Revista Científica
Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento:
https://www.nucleodoconhecimento.com.br/educacao/calor-e-
temperatura.
Neste artigo, publicado em 2020, os autores mostram uma
situação de ensino em que foram identificados os conceitos prévios
de um grupo de alunos sobre temperatura e calor. Posteriormente, os
alunos foram divididos em dois grupos menores, uma parte teve uma
aula teórica sobre os conceitos de calor e temperatura, enquanto
outra parte teve uma aula utilizando recursos da metodologia ativa.
Durante as discussões do artigo, os autores tecem comparações
entre as duas turmas e apontam pontos positivos do ensino por
competências, utilizando metodologias ativas em comparação com o
ensino tradicional.

O processo de implementação da BNCC nas escolas depende de vários


fatores, dentre eles, a adaptação dos livros didáticos e a elaboração dos
Referenciais Curriculares Regionais. Isso pode demandar um certo tempo,
professores precisam passar por formações e estes livros se propõem a isso,
fazer com que o professor perceba e insira elementos da Física no cotidiano e na
sua prática pedagógica, para que o aluno perceba e signifique a Física para além
de uma disciplina recheada de equações matemáticas.

51
O Ensino de Física e o Cotidiano

Nesse ponto já deve ter ficado claro que não existem competências para
a Física, uma vez que esta deixa o caráter de disciplina isolada e passa a fazer
parte de um conjunto de conhecimentos da área de Ciências da Natureza. Vamos
às competências.

Competência 1 – analisa fenômenos naturais e processos


tecnológicos

Objetivo Propor ações individuais e coletivas que aperfeiço-


em processos produtivos, minimizem impactos so-
cioambientais e melhorem as condições de vida em
âmbito local, regional e/ou global.
Estudos mobilizados Estrutura da matéria; transformações químicas; leis
ponderais; cálculo estequiométrico; princípios da
conservação da energia e da quantidade de movi-
mento; ciclo da água; leis da termodinâmica; cinéti-
ca e equilíbrio químicos; fusão e fissão nucleares;
espectro eletromagnético; efeitos biológicos das
radiações ionizantes; mutação; poluição; ciclos bio-
geoquímicos; desmatamento; camada de ozônio e
efeito estufa; entre outros.

52
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

(EM13CNT101) Analisar e representar as transfor-


mações e conservações em sistemas que envolvam
quantidade de matéria, de energia e de movimento
para realizar previsões em situações cotidianas e
processos produtivos que priorizem o uso racional
dos recursos naturais.
(EM13CNT102) Realizar previsões, avaliar inter-
venções e/ou construir protótipos de sistemas
térmicos que visem à sustentabilidade, com base na
análise dos efeitos das variáveis termodinâmicas e
da composição dos sistemas naturais e tecnológi-
cos.
(EM13CNT103) Utilizar o conhecimento sobre as
radiações e suas origens para avaliar as potenciali-
dades e os riscos de sua aplicação em equipamen-
tos de uso cotidiano, na saúde, na indústria e na
geração de energia elétrica.
(EM13CNT104) Avaliar potenciais prejuízos de difer-
entes materiais e produtos à saúde e ao ambiente,
Habilidades a serem considerando sua composição, toxicidade e reativ-
desenvolvidas idade, como também o nível de exposição a eles,
posicionando-se criticamente e propondo soluções
individuais e/ou coletivas para o uso adequado dess-
es materiais e produtos.
(EM13CNT105) Analisar a ciclagem de elementos
químicos no solo, na água, na atmosfera e nos seres
vivos e interpretar os efeitos de fenômenos naturais
e da interferência humana sobre esses ciclos, para
promover ações individuais e/ou coletivas que mini-
mizem consequências nocivas à vida.
(EM13CNT106) Avaliar tecnologias e possíveis
soluções para as demandas que envolvem a ger-
ação, o transporte, a distribuição e o consumo de
energia elétrica, considerando a disponibilidade de
recursos, a eficiência energética, a relação custo/
benefício, as características geográficas e ambien-
tais, a produção de resíduos e os impactos socioam-
bientais.

53
O Ensino de Física e o Cotidiano

Competência 2 – construir e utilizar interpretações sobre a


dinâmica da vida, da Terra e do Cosmos

Objetivo Entender a vida em sua diversidade de formas e


níveis de organização.
Estudos mobilizados Origem da vida; evolução biológica; registro fóssil;
exobiologia; biodiversidade; origem e extinção de
espécies; políticas ambientais; biomoléculas; or-
ganização celular; órgãos e sistemas; organismos;
populações; ecossistemas; cadeias alimentares;
respiração celular; fotossíntese; reprodução e he-
reditariedade; genética mendeliana; processos ep-
idemiológicos; espectro eletromagnético; modelos
cosmológicos; astronomia; gravitação; mecânica
newtoniana; previsão do tempo; entre outros.

54
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Habilidades (EM13CNT201) Analisar e utilizar modelos científi-


cos, propostos em diferentes épocas e culturas para
avaliar distintas explicações sobre o surgimento e a
evolução da Vida, da Terra e do Universo.

(EM13CNT202) Interpretar formas de manifestação


da vida, considerando seus diferentes níveis de
organização (da composição molecular à biosfera),
bem como as condições ambientais favoráveis e os
fatores limitantes a elas, tanto na Terra quanto em
outros planetas.

(EM13CNT203) Avaliar e prever efeitos de inter-


venções nos ecossistemas, nos seres vivos e no
corpo humano, interpretando os mecanismos de ma-
nutenção da vida com base nos ciclos da matéria e
nas transformações e transferências de energia.

(EM13CNT204) Elaborar explicações e previsões


a respeito dos movimentos de objetos na Terra, no
Sistema Solar e no Universo com base na análise
das interações gravitacionais.

(EM13CNT205) Utilizar noções de probabilidade e


incerteza para interpretar previsões sobre atividades
experimentais, fenômenos naturais e processos tec-
nológicos, reconhecendo os limites explicativos das
ciências.

(EM13CNT206) Justificar a importância da preser-


vação e conservação da biodiversidade, consideran-
do parâmetros qualitativos e quantitativos, e avaliar
os efeitos da ação humana e das políticas ambien-
tais para a garantia da sustentabilidade do planeta.

(EM13CNT207) Identificar e analisar vulnerabili-


dades vinculadas aos desafios contemporâneos aos
quais as juventudes estão expostas, considerando
as dimensões física, psicoemocional e social, a fim
de desenvolver e divulgar ações de prevenção e de
promoção da saúde e do bem-estar.

55
O Ensino de Física e o Cotidiano

Competência 3 – Analisar situações-problema e avaliar aplicações


do conhecimento científico e tecnológico e suas implicações no
mundo

Objetivo Propor soluções que considerem demandas locais, regionais


e/ou globais e comunicar suas descobertas e conclusões a
públicos variados, em diversos contextos e por meio de difer-
entes mídias e tecnologias digitais de informação e comuni-
cação (TDIC).
Estudos mobili- Aplicação da tecnologia do DNA recombinante; identificação
zados por DNA; emprego de células-tronco; produção de arma-
mentos nucleares; desenvolvimento e aprimoramento de
tecnologias de obtenção de energia elétrica; estrutura e pro-
priedades de compostos orgânicos; agroquímicos; controle
biológico de pragas; conservantes alimentícios; mineração;
herança biológica; darwinismo social, eugenia e racismo;
mecânica newtoniana; equipamentos de segurança.

56
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

Habilidades (EM13CNT301) Construir questões, elaborar hipóteses, pre-


visões e estimativas, empregar instrumentos de medição e
representar e interpretar modelos explicativos, dados e/ou
resultados experimentais para construir, avaliar e justificar
conclusões no enfrentamento de situações-problema sob
uma perspectiva científica.

(EM13CNT302) Comunicar, para públicos variados, em di-


versos contextos, resultados de análises, pesquisas e/ou
experimentos – interpretando gráficos, tabelas, símbolos,
códigos, sistemas de classificação e equações, elaborando
textos e utilizando diferentes mídias e tecnologias digitais de
informação e comunicação (TDIC) –, de modo a promover
debates em torno de temas científicos e/ou tecnológicos de
relevância sociocultural.

(EM13CNT303) Interpretar textos de divulgação científica que


tratem de temáticas das Ciências da Natureza, disponíveis
em diferentes mídias, considerando a apresentação dos da-
dos, a consistência dos argumentos e a coerência das con-
clusões, visando construir estratégias de seleção de fontes
confiáveis de informações.

(EM13CNT304) Analisar e debater situações controversas


sobre a aplicação de conhecimentos da área de Ciências da
Natureza (tais como tecnologias do DNA, tratamentos com
células-tronco, produção de armamentos, formas de controle
de pragas, entre outros), com base em argumentos consis-
tentes, éticos e responsáveis, distinguindo diferentes pontos
de vista.

(EM13CNT305) Investigar e discutir o uso indevido de con-


hecimentos das Ciências da Natureza na justificativa de pro-
cessos de discriminação, segregação e privação de direitos
individuais e coletivos para promover a equidade e o respeito
à diversidade.

(EM13CNT306) Avaliar os riscos envolvidos em atividades


cotidianas, aplicando conhecimentos das Ciências da Nature-
za, para justificar o uso de equipamentos e comportamentos

57
O Ensino de Física e o Cotidiano

de segurança, visando à integridade física, individual, cole-


tiva e socioambiental.

(EM13CNT307) Analisar as propriedades específicas dos


materiais para avaliar a adequação de seu uso em difer-
entes aplicações (industriais, cotidianas, arquitetônicas ou
tecnológicas) e/ou propor soluções seguras e sustentáveis.

(EM13CNT308) Analisar o funcionamento de equipa-


mentos elétricos e/ou eletrônicos, redes de informática e
sistemas de automação para compreender as tecnologias
contemporâneas e avaliar seus impactos.

(EM13CNT309) Analisar questões socioambientais, políti-


cas e econômicas relativas à dependência do mundo atual
com relação aos recursos fósseis e discutir a necessidade
de introdução de alternativas e novas tecnologias energéti-
cas e de materiais, comparando diferentes tipos de mo-
tores e processos de produção de novos materiais.

(EM13CNT310) Investigar e analisar os efeitos de pro-


gramas de infraestrutura e demais serviços básicos (san-
eamento, energia elétrica, transporte, telecomunicações,
cobertura vacinal, atendimento primário à saúde e pro-
dução de alimentos, entre outros) e identificar necessi-
dades locais e/ou regionais em relação a esses serviços, a
fim de promover ações que contribuam para a melhoria na
qualidade de vida e nas condições de saúde da população.

FONTE: BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF:


MEC, 2018.

58
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

1 Analise as proposições acerca da BNCC e classifique V para


verdadeiro ou F para Falso:

( ) A BNCC é um documento de caráter discricionário, isso implica


que todas as suas diretrizes precisam ser implementadas em
todas as escolas brasileiras sem sofrer nenhuma modificação.
( ) A BNCC valoriza a diversidade de saberes e vivências culturais,
alinhando o fazer docente com o exercício da cidadania.
( ) A educação integral defendida pela BNCC é aquela em que o
aluno passa o maior tempo possível na escola.
( ) A BNCC não extinguiu a disciplina de Física do currículo escolar,
ela pressupõe um trabalho interdisciplinar, em que prevalece
o esforço de todos os professores de uma mesma área na
construção de um plano curricular em comum.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Não basta ensinar ao homem uma especialidade científica,
porque assim poderá se tornar uma máquina útil, mas não uma
personalidade harmoniosamente desenvolvida. É necessário
que o estudante adquira uma compreensão dos valores éticos,
um sentido daquilo que vale a pena ser vivido, daquilo que é
belo, do que é moralmente correto. Sem cultura moral, não
há solução para os grandes problemas humanos (EINSTEIN,
1981, p. 16).

Escolhemos esse trecho de Albert Einstein por acreditar que ele resume bem
o pensamento sobre o ensino de Física. Olhar a Física como elemento importante
na transformação social é um dos passos para que o professor possa levar aos
alunos um novo pensamento sobre essa ciência.

A Física influi em diferentes ramos e setores da ciência. Os conhecimentos


construídos servem de base em diversos projetos e o professor de Física tem
uma missão muito importante: conhecer o passado e projetar o futuro.

Neste capítulo, tivemos a oportunidade de conhecer um pouco da história do


ensino de Física no Brasil. Revisitamos a primeira escola de Física experimental
no Brasil, o Seminário de Olinda. O Seminário permaneceu aberto por um período
relativamente curto, mesmo assim, as contribuições para o estudo das ciências

59
O Ensino de Física e o Cotidiano

naturais são inquestionáveis. Destacamos como contribuições da cadeira de


Física experimental do Seminário de Olinda a construção das bases para a
metodologia de observação da natureza, a aplicabilidade dos estudos na vida das
pessoas e a construção de máquinas para facilitar o entendimento das pessoas
sobre os fenômenos físicos.

Em seguida, percebemos como o ensino brasileiro mudou ao longo do


século XX. Destacamos a Reforma Francisco Campos, que com princípios da
Escola Nova, buscou organizar o ensino secundário no Brasil, criou o Conselho
Federal de Educação, redefiniu os saberes que deveriam ser ensinados na escola
e fortaleceu o ensino das Ciências.

Outra reforma importante foi a Reforma Capanema, marcada pelo


nacionalismo do governo Vargas. Essa reforma reforçou o caráter de divisão de
classes, oferecendo a cada camada da sociedade um tipo de ensino diferente,
por exemplo, existiam os cursos preparatórios para o ingresso na Universidade e
os cursos destinados às camadas mais pobres, que comporiam a grande massa
trabalhadora.

A reforma Capanema vigorou até o ano de 1961, quando o sistema


educacional brasileiro passou a ser organizado pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. O texto final da LDB/1961 representa a tentativa de ajustar o ensino
brasileiro à situação político-econômica da época.

Destacamos como principais características da Lei a flexibilização dada


aos sistemas estaduais e municipais para criarem seus próprios programas
curriculares, o que, na maioria dos casos, não aconteceu, ficando a cargo
do Conselho Federal de Educação promover essa discussão, e a tentativa de
incentivar aulas voltadas à descoberta, ou seja, ensino por investigação, fato que
foi dificultado pela ausência de professores formados em áreas específicas do
conhecimento, como aconteceu no ensino de Física.

Falando em ensino de Física, este seria oferecido aos alunos com o desejo
de continuar os estudos no nível superior. Observamos aí que grande parcela da
população só teve acesso aos conhecimentos básicos dessa ciência.

A popularmente conhecida LDB/1971 alterou a denominação da estrutura


escolar, simplificando-a, deu ao ensino um caráter mais tecnicista, fortaleceu
o caráter dualista da educação e valorizou as disciplinas científicas com vistas
à formação de pessoas capazes de atuarem na crescente economia industrial,
reforçando o ensino profissionalizante.

Com relação ao ensino de Física, este tornou-se obrigatório no 2º grau, o


que, por um lado, pode ser visto como uma oportunidade de desenvolver nas
60
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

escolas uma alfabetização científica e, por outro, revelou a falta de estrutura


para desenvolver o currículo dessa ciência, agravado pela falta de professores
habilitados.

A LDB/1996 trouxe como parâmetro principal o ensino por competências.


Mais que discutir conteúdos os professores precisariam ter um olhar voltado
para o desenvolvimento humano que a construção do conhecimento poderia
proporcionar. Dessa forma, chegamos a um questionamento que permeia nossa
rotina docente: qual o objetivo da escola do século XXI?

É de se esperar, num mundo onde as barreiras da comunicação começam


a ser quebradas e o mundo cabe num smartphone, que a escola possa oferecer
práticas educativas mais próximas da realidade dos alunos, que a figura do
professor/pesquisador seja mais presente na escola, que a formação docente
possa ajudar no desenvolvimento de um profissional capaz de lidar com as rápidas
mudanças provocadas pelas tecnologias digitais e que o professor possa fazer uso
delas não como um mero apetrecho, mas agregá-las a sua prática, oferecendo ao
aluno uma nova realidade de ensino e construção do conhecimento.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é fruto desse debate entre os


objetivos da educação: como formatar uma escola que possa ao mesmo tempo
formar pessoas preparadas para o mercado de trabalho e oferecer uma formação
crítica, autônoma e criativa?

A BNCC traz diferentes oportunidades e desafios. Como professores de


Física temos a oportunidade de desenvolver projetos integradores, olhar para o
cotidiano e utilizá-lo em nossas aulas, favorecendo o entendimento do aluno sobre
os fenômenos naturais e tecnológicos e ajudando a construir uma sociedade
alfabetizada cientificamente. Por outro lado, devemos elaborar um currículo
sintonizado com a BNCC, em que disciplinas deixam de ter um caráter individual
e passam a ter uma construção coletiva, ou seja, os professores decidem em
conjunto quais conteúdos serão trabalhados pelas diferentes disciplinas, para que
cada uma possa contribuir de forma diferente para a construção da aprendizagem.

A escola não é mais o único espaço para a construção do conhecimento,


vivemos em uma época em que não é preciso ir atrás da informação, ela
simplesmente chega até o usuário, muitas vezes desfragmentada e fora do
contexto em que foi produzida. Logo, a escola tem o papel fundamental de
oferecer ao aluno oportunidades para dar sentido ao que é estudado.

61
O Ensino de Física e o Cotidiano

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. V. de et al. Pressupostos do ensino da Filosofia Natural no
Seminário de Olinda (1800-1817). Revista Electrónica de Enseñanza de las
Ciencias, [s. l.], v. 7, n. 2, 2008. Disponível em: http://reec.uvigo.es/volumenes/
volumen7/ART12_Vol7_N2.pdf. Acesso em: 30 ago. 2021.

BELAÇON, M. P. O ensino de Física contextualizado ao século XXI. Revista


Brasileira de Ensino de Física, São Paulo, v. 39, n. 4, p. 1-3, 2017.

BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases


da Educação Nacional. Brasília, DF: Diário Oficial [da] República Federativa do
Brasil, 27 dez. 1961. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
l4024.htm. Acesso em: 30 ago. 2021.

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para


o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, 12 ago. 1971. Disponível em: https://
www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-357752-
publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 30 ago. 2021.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional. Brasília, DF: Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 30 ago. 2021.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Ensino Médio. Parte III –


Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília, DF: MEC, 1998.

BRASIL. Portaria nº 1.570, de 17 de dezembro de 2017. Brasília,


DF: Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 21 dez. 2017.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/
PORTARIA1570DE22DEDEZEMBRODE2017.pdf. Acesso em: 30 mar. 2021.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.

CACHAPUZ, A. et al. A necessária renovação do ensino de Ciências. São


Paulo: Cortez, 2005.

62
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

CARVALHO, A. M. P. de; SASSERON, M. H. Ensino e aprendizagem de Física


no Ensino Médio e a formação de professores. Revista Estudos Avançados, [s.
l.], v. 32, n. 94, p. 43-55, 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/
article/view/152655. Acesso em: 3 set. 2021.

CAVALCANTE, M. A.; BONIZZIA, A.; GOMES, L. C. P. O ensino e aprendizagem


de Física no século XXI: sistemas de aquisição de dados nas escolas brasileiras,
uma possibilidade real. Revista Brasileira de Ensino de Física, [s. l.], v. 31, n.
4, 2009.

COUTINHO, D. J. J. da C. A. Estatutos do Seminário Episcopal de N.


Senhora da Graça da Cidade de Olinda de Pernambuco. Lisboa: Tipografia
da Academia Real de Ciências, 1798. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.
unicamp.br/document/?code=000322967&opt=1. Acesso em: 31 ago. 2021.

CURY, C. R. J.; REIS, M.; ZANARDI, T. A. C. Base Nacional Comum


Curricular: dilemas e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2018. 142 p.

EINSTEIN, A. Como vejo o mundo. Tradução de H. P. de Andrade. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 90 p.

LIBÂNEO, J. C. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. In:


LIBÂNEO, J. C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas,
estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2010.

LUCENA, S. et al. A cidade como espaço de aprendizagem: educação e


mobilidade na formação docente. Revista tempos e espaços em educação, [s.
l.], v. 11, n. 1, p. 11-24, 2018.

MASSONI, N. T; MOREIRA, M. A. Pesquisa qualitativa em educação em


Ciências: projetos, entrevistas, questionários, teoria fundamentada, redação
científica. São Paulo: Livraria da Física, 2016.

MORAN, J. M. Por onde começar a transformar nossas escolas? In: MORAN, J.


M. et al. (org.). A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá.
Campinas: Papirus, 2016.

MOREIRA, M. A. Grandes desafios para o ensino da Física na educação


contemporânea. Revista do Professor de Física, [s. l.], v. 1, n. 1, 2017.

MOREIRA, M. A. Uma análise crítica do ensino de Física. Revista Estudos


Avançados, [s. l.], v. 32, n. 94, p. 73-80, 2018.

63
O Ensino de Física e o Cotidiano

NASCIMENTO, A. D.; HETKOWSKI, T. M. Educação e comunicação: diálogos


contemporâneos e novos espaços de reflexão. In: NASCIMENTO, A. D.;
HETKOWSKI, T. M. (org.). Educação e Contemporaneidade: pesquisas
científicas e tecnológicas. Salvador: UFBA, 2009.

NASCIMENTO, T. R. A criação das licenciaturas curtas no Brasil. Revista


HISTEDBR-On-line, [s. l.], n. 45, p. 340-346, 2012.

NICIOLI JUNIOR, R. B.; MATTOS, C. R. de. A disciplina Física no ensino


secundário entre os anos de 1810 e 1930. São Paulo: FAPESP, 2020.
Disponível em: http://abrapecnet.org.br/atas_enpec/vienpec/CR2/p260.pdf.
Acesso em: 10 fev. 2021.

POZO, J. I.; CRESPO, M. A. G. A aprendizagem e o ensino de Ciências: do


conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. 5. ed. Porto Alegre: Artmed,
2009.

PUGLIESE, R. M. O trabalho do professor de Física no Ensino Médio: um retrato


da realidade, da vontade e da necessidade nos âmbitos socioeconômico e
metodológico. Revista Ciência e Educação, [s. l.], v. 3, n. 4, p. 963-978, 2017.

QUEIROZ, M. N. A. O ensino de Física no Brasil nas décadas de 1960 e 1970:


legislação, material didático e currículo. 2016. Tese (Doutorado em Ensino de
Física) - Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. Disponível em: https://www.teses.
usp.br/teses/disponiveis/81/81131/tde-26012017-104013/publico/Maria_Neuza_
Almeida_Queiroz.pdf. Acesso em: 2 set. 2021.

RICARDO, E. C. Discussão acerca do ensino por competências:


problemas e alternativas. Cadernos de Pesquisa, [s. l.], v. 40, n. 140,
p. 605-628, maio/ago. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/
jhbTLVnkSMxDnWTyjxR37Ch/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 12 fev. 2021.

RICO, R. BNCC na prática: aprenda tudo sobre as competências gerais. São


Paulo: Nova Escola, 2020.

SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. São Paulo: Autores


Associados, 2019. 504 p.

SILVEIRA, A. F. da et al. Atividades lúdicas no ensino de Ciências: uma


adaptação metodológica através do teatro para comunicar a ciência a todos.
Revista Educar, [s. l.], n. 34, p. 251-262, 2009.

64
Capítulo 1 A Evolução do Ensino de Física no Brasil

VIDAL, D. G.; PAULILO, A. L. Introdução ao estudo da Escola Nova. In: XAVIER,


M. do C. (org.). Clássicos da educação brasileira. Belo Horizonte: Mazza
Edições, 2010. p. 17-40.

VIECHENESKI, J. P.; CARLETTO, M. Por que e para que ensinar ciências para
crianças. Revista Brasileira de Ensino de Ciências e Tecnologias, [s. l.], v. 6,
n. 2, p. 213-227, maio/ago. 2013.

65
O Ensino de Física e o Cotidiano

66
C APÍTULO 2
Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS) e o Ensino de Física

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Apresentar as bases teóricas do ensino por investigação.


• Definir diferentes significados da educação CTS.
• Planejar aulas de Física que abordem temas cotidianos.
• Discutir temas contemporâneos para o ensino de Física.
O Ensino de Física e o Cotidiano

68
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Você já pensou em quanta ciência existe no instrumento que está utilizando
para ler esses parágrafos? Não importa se é um equipamento analógico, como
um livro impresso, ou um instrumento digital, por exemplo, um computador, você
poderia explicar toda a cadeia produtiva da ferramenta que está utilizando nesse
momento? Para onde todos esses produtos, produzidos aos milhares, irão após
não servirem mais aos objetivos para os quais foram fabricados?

Questões como essas explicitam uma das urgências do ensino de Ciências


mundial: o ensino de Ciências voltado para questões sociais e ambientais. Foi a
partir de questionamentos como esses que surgiu uma dinâmica mundial a fim de
questionar as finalidades e os usos da ciência e tecnologia, estamos falando do
movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

A população usufrui dos produtos da ciência e da tecnologia, mas, muitas


vezes, sequer compreende o seu desenvolvimento. Nosso interesse neste livro é
discutir ações que podem ser utilizadas em sala de aula para aproximar o ensino
de Física do cotidiano dos alunos. Entretanto, como fazer isso se nossos alunos
podem pôr em xeque os conteúdos baseados em crenças ou influenciados por
notícias falsas?

Como tratar de temas polêmicos em sala de aula, como aquecimento global,


sem levar em consideração toda a bagagem de informação trazida pelo aluno?
Dessa forma, consideramos necessário abordar o tema das fake news para que
você, professor de Física, possa ter instrumentos capazes de identificar e tratar
uma notícia falsa e utilizá-la em sala de aula como elemento motivador para a
promoção de uma alfabetização científica.

A ciência precisa reaver sua respeitabilidade e um dos espaços que podem


ajudar nesse processo é a escola. Como professores, podemos perceber que,
em sala de aula, cada aluno constrói conhecimentos de forma e ritmo diferentes.
Essa particularidade, algumas vezes, dificulta o trabalho docente. Diferentes
fatores podem dificultar o acompanhamento individual das relações cognitivas que
o aluno estabelece com o objeto de estudo, por exemplo, grande quantidade de
alunos em sala de aula, pouca carga horária semanal em cada sala, entre outros.

Um dos desafios que se apresentam ao planejar uma aula de Física, seja


na escola ou em espaços não formais, por exemplo, um museu, é promover nos
alunos o sentimento de pertencimento, favorecendo uma identidade entre os
alunos e os espaços da cidade.

69
O Ensino de Física e o Cotidiano

2 EDUCAÇÃO CTS
Cada escola tem suas características próprias. Assim como um ser vivo,
a escola mostra, para quem a lê, sua identidade. Essas características são
mutáveis, uma vez que as pessoas que fazem parte dessa escola também o são,
respeitando suas idiossincrasias.

O que queremos mostrar com isso é a importância de olhar ao redor.


Enxergar além do que os olhos possam ver. Nesta seção, aprenderemos sobre
um movimento que surgiu a partir desse olhar reflexivo para as demandas sociais,
o movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

2.1 CIÊNCIA, TECNOLOGIA E


SOCIEDADE
Segundo Auler e Bazzo (2001), por volta da metade do século XX, foi
crescendo, dentre os países capitalistas, um sentimento de que o desenvolvimento
produzido pela ciência impactava na criação de aparatos tecnológicos, na
economia e em outros setores da sociedade, mas não estava impactando no bem-
estar social, uma vez que não se observava uma diminuição da desigualdade
social.

O enfoque Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS ou CTSA)


promove estratégias diferenciadas no campo da Educação
Científica com o intuito de melhorar a formação cidadã e
promover uma visão mais adequada de ciência e tecnologia.
Tendo como pilares o desenvolvimento do pensamento crítico
e a tomada de decisão, este movimento pretende favorecer
a construção de uma sociedade mais democrática, onde
os cidadãos possam se posicionar frente aos avanços da
ciência e da tecnologia, especialmente, aqueles que sofrem
as consequências diretas do desenvolvimento tecnocientífico
descontrolado (RODRIGUEZ; PINO, 2017, p. 1).

Para entender mais o processo de construção do movimento CTS,


recomendamos a leitura do livro A estrutura das revoluções científicas, de
Thomas Kuhn. A primeira edição do livro foi publicada em 1962 e tem como um
dos objetivos explorar a forma como a ciência é posta para as pessoas e como
ela realmente foi construída ao longo da história. Ao longo de seus 12 capítulos,

70
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

o autor tece com o leitor uma trama envolvente, que denuncia o modelo de
apresentar a natureza em conceitos fornecidos para a educação. Veja um trecho
do livro a seguir:

Se o historiador segue, desde a origem, a pista do


conhecimento científico de qualquer grupo selecionado de
fenômenos interligados, provavelmente encontrará alguma
variante menor de um padrão ilustrado aqui a partir da História
da Óptica Física. Os manuais atuais de Física ensinam ao
estudante que a luz é composta de fótons, isto é, entidades
quântico-mecânicas que exibem algumas características
de ondas e outras de partículas. A pesquisa é realizada de
acordo com este ensinamento, ou melhor, de acordo com
as caracterizações matemáticas mais elaboradas a partir
das quais é derivada esta verbalização usual. Contudo, esta
caracterização da luz mal tem meio século. Antes de ter sido
desenvolvida por Planck, Einstein e outros no começo deste
século, os textos de Física ensinavam que a luz era um
movimento ondulatório transversal, concepção que em última
análise derivava dos escritos ópticos de Young e Fresnel,
publicados no início do século XIX. Além disso, a teoria
ondulatória não foi a primeira das concepções a ser aceita
pelos praticantes da ciência óptica. Durante o século XVIII, o
paradigma para este campo de estudos foi proporcionado pela
Óptica de Newton, a qual ensinava que a luz era composta de
corpúsculos de matéria. Naquela época, os físicos procuravam
provas da pressão exercida pelas partículas de luz ao colidir
com os corpos sólidos, algo que não foi feito pelos primeiros
teóricos da concepção ondulatória (KUHN, 1998, p. 31).

FONTE: KHUN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São


Paulo: Perspectiva, 1998.

Ao debater a diferença entre a concepção dos conceitos científicos,


construídos historicamente, e a forma como estes são apresentados à sociedade,
de forma asséptica e enformada, inaugura, a princípio, dentro da comunidade
acadêmica e, posteriormente, em diferentes espaços sociais, o movimento CTS.
Auler e Bazzo (2001) destacam como pontos a serem discutidos na perspectiva
CTS:

a) A incompatibilidade entre a formação de professores e a perspectiva


interdisciplinar do movimento CTS.
b) A compreensão dos professores sobre a relação entre ciência, tecnologia
e sociedade.
c) A não contemplação do enfoque CTS em exames de seleção.
d) Foco na produção de material didático.
e) Redefinição de conceitos e conteúdos.

71
O Ensino de Física e o Cotidiano

Segundo Domiciano e Lorenzetti (2020), o termo CTS surgiu no campo da


educação entre as décadas de 1970 e 1980, tendo como principais autores Paul
Hurd e John Ziman. Esses autores empregaram pela primeira vez a expressão
ciência, tecnologia e sociedade para designar uma nova forma de se entender a
educação científica.

Como iniciou esse movimento no Brasil? Auler e Bazzo (2001) discutem


a ideia de que países do terceiro mundo não viveram, historicamente, um
crescimento científico e tecnológico, restando a esses países o papel de importar
de países de primeiro mundo produtos desenvolvidos com embasamento
científico, por exemplo, produtos farmacêuticos e produtos para a indústria de
energia nuclear. Dessa forma, ciência e tecnologia demoraram a fazer parte das
estruturas sociais dos países desfavorecidos, em termos de desenvolvimento
científico, gerando, com isso, uma falta de identidade das pessoas.

Esse cenário também foi visto no Brasil, mesmo nos anos em que os
governos estiveram empenhados em fomentar a indústria nacional e implantar
sistemas de ensino com um caráter científico, como vimos no capítulo anterior
estudando as mudanças no sistema educacional na década de 1970.

Leia o texto a seguir e pense sobre as áreas, sobretudo a


de Física, com forte potencial de desenvolvimento científico e
tecnológico no Brasil e que não recebem investimento para avançar
nas pesquisas. No momento atual, vivenciamos esse processo de
escolha de tecnologias estrangeiras em detrimento de estudos
brasileiros?

Que tipo ou modelo de política científico-tecnológica deve


ser adotado nos países pobres a fim de acelerar seu
desenvolvimento? Conclui-se que uma resposta significativa
somente será dada em função de objetivos prioritários, definidos
mediante processos democráticos, de cada sociedade. [...] A
ausência de uma efetiva vinculação entre ciência e sociedade
é característica da história brasileira. Durante décadas,
predominou o ponto de vista de que o país deveria abrir mão
do desenvolvimento tecnológico autônomo, considerando que
uma análise do custo-benefício indicava como mais “rentável”
a importação de tecnologia. [...] A modernização tecnológica
da indústria da América Latina obedece, muitas vezes, a
pressões do exterior, não sendo necessariamente uma
consequência lógica do nível de desenvolvimento local nem
do ritmo alcançado pelas forças produtivas desses países. Em

72
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

outras palavras, nos países periféricos, o progresso técnico


só atinge determinados setores da população, geralmente,
não penetrando senão onde se faz necessário para produzir
alimentos e matérias-primas de baixo custo com destino aos
grandes centros industriais (AULER; BAZZO, 2001, p. 6-9).

Já está claro para você o que é o movimento CTS? Para Freitas (2008), o
objetivo do enfoque CTS é a promoção da alfabetização científica e tecnológica,
requisito necessário para uma cidadania responsável e a consolidação da
democracia.

CTS não é uma disciplina escolar. Utilizar situações do cotidiano como


exemplos para fenômenos estudados também não é suficiente para caracterizar
o CTS. O docente precisa ir além, oferecer aos alunos uma visão ampliada do
mundo, para assim cumprir um dos objetivos da educação básica: formar para a
cidadania.

Como você, professor de Física, pode implementar ações


pedagógicas que contemplem o CTS?

Para ajudar a pensar nessa resposta, nos apoiaremos em Freitas (2008)


sobre três questões: mudança curricular, características de uma pessoa
alfabetizada cientificamente e materiais didáticos com potencialidade CTS.
Abordaremos cada um desses tópicos a seguir e entenderemos sua importância
para incluir no ensino de Física a abordagem Ciência, Tecnologia e Sociedade.

• Mudança curricular

No capítulo anterior, discutimos as mudanças que o sistema educacional


brasileiro passou durante o século XX e quais as mudanças promovidas pela
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), principalmente no ensino de Física.
Dentre os pontos discutidos, estava o papel da escola na Contemporaneidade,
quais as funções do professor na promoção do ensino e o desenvolvimento de
uma aprendizagem significativa.

73
O Ensino de Física e o Cotidiano

Bem, não conseguimos entender o funcionamento de uma escola sem


pensar na forma como esta se organiza pedagogicamente, ou seja, qual o
currículo desenvolvido. Um currículo é mais que um conjunto de conteúdos que
o aluno estuda ao longo da sua vida acadêmica. O trecho a seguir nos ajudará a
entender as funções do currículo.

Conforme Saviani, “[...] currículo é o conjunto das atividades


nucleares desenvolvidas pela escola” (p. 16). Trata-se
das atividades essenciais que a escola não pode deixar de
desenvolver, sob pena de perder a sua especificidade. O
processo de “seleção do conhecimento” a ser incorporado ao
currículo não deve se dar de maneira aleatória, mas com base
no que é necessário ao ser humano conhecer para enfrentar
os problemas que a realidade apresenta. A problematização
da realidade pelo professor como parte do método da prática
pedagógica é fundamental, pois a seleção do conhecimento
que se vincula à definição dos objetivos de ensino implica
definir “prioridades” (distinguir o que é principal do que é que
secundário), o que é ditado “[...] pelas condições da situação
existencial concreta em que vive o homem” (GAMA; DUARTE,
2017, p. 522).

Para Freitas (2008), a decisão de trabalhar em sala de aula sob o enfoque CTS
passa por substituir os currículos centrados na transmissão dos conhecimentos,
pouco relevantes, centrados única e exclusivamente no livro didático, passando
a valorizar ações que buscam a voz ativa do aluno, preocupado com a formação
para a cidadania, para que assim o aluno possa entender sua corresponsabilidade
em assuntos relacionados à ciência, à tecnologia, à sociedade e ao ambiente.

• Características de pessoas alfabetizadas cientificamente

A mudança de paradigmas é uma constante quando o assunto é CTS. Por


vezes, somos transmissores de conteúdos e esquecemos de olhar para fora do
muro da escola, para trazer à sala de aula eventos científicos importantes e usá-
los como material. A reportagem a seguir pode ser utilizada por você, professor
de Física, como material introdutório na discussão de temas importantes que
algumas vezes não são abordados pelos materiais didáticos tradicionais, por
exemplo, o livro didático.

Como sugestões para o debate, podemos enumerar: discutir a atuação dos


centros de pesquisa e desenvolvimento científico no Brasil; ampliar o debate sobre
as políticas de investimento em ciências no país; incitar a reflexão sobre o papel
da ciência na vida das pessoas e como elas podem fazer parte dessa construção;
como o Sirius possui uma relação muita estreita com a área da saúde, você pode
trabalhar em sala de aula a relação entre as ciências. A ideia, ao apresentar esse
texto, é oferecer subsídios para que a Física possa ser apresentada em aula além
dos conceitos e equações matemáticos, algo já comum em muitas escolas.

74
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Por que tão Sirius?

A arma secreta dos pesquisadores brasileiros: como funciona o


mais brilhante acelerador de partículas do mundo

Gabriel Francisco Ribeiro, de Tilt, em Campinas (SP)

Estamos falando de um laboratório de 4ª geração para a


produção de luz síncrotron, avaliado em R$ 1,8 bilhão, que só pode
ser comparado ao MAX-IV, da Suécia. As pesquisas feitas ali estão
no limite do que a Física permite atualmente e alcançam escalas
mínimas, no nível das partículas elementares (átomos e moléculas).
Imagine que este enorme anel metálico serve para fazer circular
feixes de elétrons de forma tão rápida que formam linhas de luzes
– as tais luzes síncrotron. Essa luminosidade funciona como um
poderosíssimo raio-X, capaz de analisar rapidamente a estrutura
interna de materiais orgânicos e inorgânicos.
O projeto brasileiro tem a luz mais brilhante do mundo, de
qualidade incomparável e um zoom único de até 500 vezes.
“O que temos aqui, você não acha no Hemisfério Sul. Com
relação à luz síncrotron, você não acha em nenhum lugar do mundo.
Essa máquina está no limite da tecnologia mundial” (Fernando
Bacchim, líder do grupo de proteção radiológica do Cnpem).
Isso quer dizer que temos à disposição de nossos pesquisadores
uma ferramenta 4D de alto nível, a forma mais moderna hoje de
estudar em detalhes e de forma menos invasiva, por exemplo,
vírus (como o novo coronavírus), proteínas, plantas etc. Esse tipo
de escrutínio pode apontar rapidamente caminhos para remédios e
vacinas.

FONTE: <https://www.uol.com.br/tilt/reportagens-especiais/sirius-
veja-como-e-o-maior-acelerador-de-particulas-do-brasil/#page1>.
Acesso em: 30 mar. 2021.

75
O Ensino de Física e o Cotidiano

Diferente da alfabetização que recebemos no início da nossa vida escolar,


na qual éramos estimulados a reconhecer e copiar signos, na alfabetização
científica, desejamos que as pessoas possam incorporar conhecimentos capazes
de entender o movimento de desenvolvimento científico e suas consequências
para a sociedade e para o ambiente. Vejamos a seguir algumas características,
conforme Freitas (2008), de uma pessoa considerada alfabetizada cientificamente:

a) Defende decisões e ações usando argumentos racionais baseados em


evidências.
b) Implica-se com curiosidade na apreciação do mundo natural e do mundo
feito pelo homem.
c) Valoriza a investigação científica e a resolução de problemas
tecnológicos.
d) Localiza, colige, analisa e avalia fontes de informação científica e
tecnológica e usa-as na resolução de problemas, na tomada de decisões
e nas ações que levam ao efeito.
e) Distingue entre evidência científica e opinião pessoal e entre informação
segura e não segura.
f) Reconhece que a ciência e a tecnologia são esforços humanos.
g) Reconhece a força e as limitações da ciência e da tecnologia para o
avanço e o bem-estar da humanidade.
h) Liga a ciência e a tecnologia a outros esforços humanos, por exemplo,
história, matemática, artes e humanidades.
i) Considera o aspecto político, econômico, moral e ético da ciência e
tecnologia e relaciona-os às questões pessoais e globais.

Podemos inferir que o enfoque CTS procura evidenciar o contexto social


no qual o conhecimento é desenvolvido, procurando melhorar a forma como
os conceitos são aprendidos, elevando os conteúdos de meros tópicos para se
passar num exame para se tornarem instrumentos para a resolução de problemas,
tomadas de decisões e contra o negacionismo e a circulação de notícias falsas.
O próximo tópico nos trará elementos para a escolha e a construção de materiais
didáticos com potencialidades no desenvolvimento da perspectiva CTS.

• Materiais didáticos com potencialidade CTS

Conhecer as potencialidades e as limitações da escola, dos alunos e as


próprias é um dos passos importantes para desenvolver um ensino transformador.
Trabalhar sob a perspectiva de uma visão CTS envolve, acima de tudo, desafiar
o aluno a pensar questões inerentes ao contexto social local e, por que não dizer,
global. O Quadro 1 aponta algumas das características que o professor precisa
observar no uso de material didático.

76
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS DE UM MATERIAL COM ENFOQUE CTS


Característica Pontos a serem observados
Responsabilidade - O material coloca o aluno como membro da socie-
dade.

- O material responsabiliza o indivíduo em questões


sociais.
Clareza - O material deixa clara a relação entre ciência, tecno-
logia e sociedade.
Diferentes perspectivas - O material apresenta os conceitos sob diferentes ol-
hares.

- O material oferece ao indivíduo a oportunidade de


dialogar com o autor e construir uma visão própria do
tema.
Ação responsável - O material encoraja o aluno a se envolver nas
questões trabalhadas em sala.
FONTE: Adaptado de Freitas (2008)

Como exemplo de materiais que podem ser utilizados em sala de aula,


podemos citar o livro didático. Em algumas escolas, este chega a ser o único
instrumento que o professor tem a sua disposição. Freitas (2008) nos oferece
uma lista de pontos a serem observados na escolha desse material didático:

a) Visão da ciência como produto da atividade humana.


b) Apresentação da história da ciência.
c) Apresentação dos erros e equívocos que foram cometidos ao longo da
evolução do conhecimento da ciência.
d) Contextualização dos conceitos científicos e tecnológicos, tomando
como referência o cotidiano do aluno.
e) Apresentação de argumentações diversificadas.
f) Atividades que envolvam discussão em sala de aula.
g) Envolvimentos em estudos de caso.
h) Formação de comunidades de aprendizagem.
i) Propor estudos que incorporem representações literárias e artísticas das
ciências em diferentes culturas.
j) Trabalho do professor como instrumento de investigação e produção do
conhecimento escolar.

77
O Ensino de Física e o Cotidiano

O livro Temas para o ensino de Física com abordagem CTS,


organizado por Deise Miranda Vianna e José Roberto da Rocha
Bernardo, publicado em 2013 pela editora Bookmakers, traz como
tema o ensino por investigação e o enfoque CTS. O livro aborda, em
seus 11 capítulos, experiências didáticas promovidas por professores
de Física. Disponível em:
http://static1.squarespace.com/static/5120537ce4b0cbd2cf2677c6/t/
53a087c8e4b080549e5e0cd5/1403029448512/Proenfis-e-book.pdf.

Uma das dinâmicas da sala de aula é comunicar os conteúdos. Essa prática


pode ser feita em diferentes perspectivas, de forma estática, lidando com os
temas de forma alheia ao que acontece no mundo, ou de forma integrada com
outras disciplinas, abordando temas comuns a diferentes áreas, levando o aluno
a compreender que a ciência é fruto da atividade humana dentro de um contexto
social e que ele faz parte desse cenário, levando-o, inclusive, a transformar o
meio de forma reflexiva.

Segundo Angotti e Auth (2001), não menos importante é afirmar que a


dinâmica adotada, a estruturação de atividades, estabelecendo-se relações entre
vários conceitos, e a interação entre os professores, apontam para avanços no
ensino-aprendizagem e para mudanças em suas práticas pedagógicas.

Santos (2011) afirma que o movimento CTS no Brasil vem ganhando outras
abordagens, por exemplo, educação científica para a cidadania, ciência para
a vida ou educação científica para todos. Embora mude o slogan, deve ficar
claro para os professores os benefícios que a abordagem CTS no ensino pode
promover, principalmente nos quesitos popularização da ciência e formação
para a ciência. O Quadro 2 mostra algumas dessas vantagens e os desafios da
dinâmica CTS em sala de aula.

QUADRO 2 – VANTAGENS E DESAFIOS DA ABORDAGEM CTS EM SALA DE AULA

Vantagens Desafios
Refletir sobre o modelo desen- Pensar num modelo para formar cidadãos e
volvimentista da sociedade. ao mesmo tempo ensinar para exames.
Desenvolver a capacidade de Planejar as ações em sala de aula.
tomada de decisões.
Inserir em sala de aula temas Promover debates fora do contexto de vida do
sociocientíficos. aluno.

78
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Engajar os alunos em ações Criar materiais com enfoque CTS.


responsáveis.
Discutir questões controversas. Construir projetos interdisciplinares.
FONTE: Adaptado de Santos (2011)

O movimento CTS implica necessariamente um movimento multidisciplinar


na escola. É difícil conceber um projeto CTS sem o envolvimento de diferentes
pontos de vista conceituais e práticos dos temas abordados. Os materiais
trabalhados precisam ter um caráter motivador, o aluno deve se sentir instigado
a descobrir mais sobre o assunto, dessa forma, esperamos que ele possa ser
letrado cientificamente e que construa competências para um movimento de
reconstrução social.

A fim de ilustrar como um tema de Física pode ser trabalhado


em sala de aula, apresentaremos um modelo de projeto desenvolvido
por Leandro Batista Germano, publicado no livro Temas para o
ensino de Física com abordagem CTS, sugerido como material de
leitura anteriormente. O título do projeto é O movimento dos satélites.
O Quadro 3 apresenta uma síntese do material sugerido pelo autor
como base para a execução das ações do projeto.

QUADRO 3 – ESQUEMA DO PROJETO O MOVIMENTO


DOS SATÉLITES COM ENFOQUE CTS

Título do projeto O movimento dos satélites


Objetivo Discutir aspectos sociais relativos ao tema, problematizando
e contextualizando o uso dos satélites em nossa sociedade
para a previsão do tempo. Em seguida, serão discutidos as-
pectos tec­nológicos e conceitos físicos ligados ao tema e rela-
cionados com essa tecnologia, levando em conta os impactos
sobre a sociedade, produtos e benefícios.
Proposta Tornar a aprendizagem mais dinâmica e interessante para o
aluno e o professor ao ser dis­cutido o tema Movimento dos
satélites no contexto da Gravitação Universal.

79
O Ensino de Física e o Cotidiano

Divisão dos te- Unidade 1 – leitura e interpretação de textos sobre o uso de


mas satélites e como essa tecnologia está presente em nosso
cotidiano.

Unidade 2 – apresentar textos de jornais, revistas e outras


fontes sobre a história do desenvolvimento de satélites artifi-
ciais.

Unidade 3 – discussão de conceitos físicos aplicados ao movi-


mento dos satélites artificiais.

Unidade 4 – discutir a influência da tecnologia de satélites na


sociedade.

Unidade 5 – proporcionar ao aluno a oportunidade de ver-


balizar tudo que foi discutido ao longo das aulas.

Atividades Texto 1 – reportagem sobre a previsão do tempo para uma


região.

Atividade 1 – discutir a relação entre previsão do tempo e


satélites artificiais.

Texto 2 – a história do desenvolvimento dos satélites.

Atividade 2 – discutir sobre os setores da sociedade influen-


ciados diretamente pela previsão do tempo e pela operação
de satélites artificiais.

Texto 3 – apresentação de conceitos físicos, por exemplo, Lei


Universal da Gravitação.

Atividade 3 – reprodução de um experimento e discussão so-


bre os conceitos físicos presentes.

Texto 4 – movimento dos satélites.

Texto 5 – investimentos no programa espacial brasileiro.

Atividade 4 – discutir a potencialidade do Brasil no desenvolvi-


mento de tecnologias.

Texto 6 – discutir os aspectos sociais, políticos e econômicos


por trás do lançamento do foguete brasileiro.
FONTE: <http://static1.squarespace.com/static/5120537ce4b0cbd2cf2677c6/t/53a087c
8e4b080549e5e0cd5/1403029448512/Proenfis-e-book.pdf>. Acesso em: 7 set. 2021.

80
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

O exemplo anterior oferece um panorama importante de como estruturar


uma aula ou um conjunto de aulas que busquem essa formação CTS. O professor
escolheu trabalhar aspectos do cotidiano ao questionar os alunos sobre como a
previsão do tempo apresentada em diversos meios de comunicação é feita. Com
isso, o professor desperta o interesse do aluno e o leva a pensar sobre como
a ciência e a tecnologia estão presentes no seu cotidiano. Os conceitos físicos
são apresentados de forma contextualizada. O professor utiliza um exemplo
real: o movimento de um satélite artificial. Por fim, o professor faz uma discussão
sobre a relevância social do investimento público no desenvolvimento de satélites
artificiais.

Bondezan (2019) afirma que os projetos escolares com viés CTS surgem para
preencher lacunas no currículo. O autor cita como pressupostos para trabalhos
com enfoque CTS a crítica ao modelo de produção e distribuição dos produtos da
ciência. Projetos CTS não visam atacar a ciência ou os seus desenvolvedores,
muito menos apontar as mazelas sociais, esses projetos aproximam a ciência das
pessoas.

Domiciano e Lorenzetti (2020) alertam que o professor que escolher a


abordagem CTS para desenvolver atividades de ensino deve ter cuidado para
não cair em aspectos reducionistas, ou seja, não priorizar aspectos científicos
e tecnológicos, deixando de discutir aspectos sociais, políticos, econômicos e
culturais atrelados ao tema debatido.

1 Como o professor pode construir um modelo de ensino que


coloque o aluno em contato com situações em que ele possa
explorar as relações CTS?

81
O Ensino de Física e o Cotidiano

2.3 CTS EM TEMPOS DE PÓS-


VERDADE

Experiência com acelerador de partículas pode destruir o


mundo, afirmam especialistas. Experiência ambiciosa pode gerar
miniburacos negros capazes de destruir a vida na Terra.

Uma ambiciosa experiência usando um acelerador de íons pode


acidentalmente destruir o planeta. As preocupações foram levantadas
por cientistas e juristas.
O RHIC (sigla para Colisor Realista de Íons Pesados, em inglês)
acelera núcleos para a velocidade da luz e esmaga-os na tentativa
de criar uma substância incrivelmente quente, o plasma quark-gluon.
Acredita-se que ele tenha sido formado logo após o Big Bang.
Um dos aceleradores de partículas mais poderosos do mundo,
o RHIC é capaz de gerar partículas a mais de 4 trilhões de graus
Celsius. Um grupo de especialistas tem alertado que a nova
experiência pode gerar microburacos negros e um tipo estranho de
matéria.
O experimento ajudaria a responder várias perguntas sobre
como começou a vida na Terra. Críticos, entretanto, advertem que
partículas subatômicas chamadas de “strangelets” podem ser criadas
acidentalmente.
As “strangelets” têm potencial para iniciar uma reação em
cadeia e mudar tudo para algo que os especialistas classificam como
um tipo estranho de matéria.
O RHIC é o segundo mais poderoso acelerador de partículas do
mundo. Ele é menor apenas que o famoso LHC (sigla para Grande
Colisor de Hadrons, em inglês).
Com uma atualização que deve receber para a realização da
ambiciosa experiência, o RHIC será capaz de gerar colisões 20
vezes mais fortes do que consegue atualmente, o que levou juristas a
questionarem se será preciso realizar uma avaliação mais completa
dos riscos.
Em um artigo, o professor associado de Direito da Universidade
de Dakota do Norte, Eric Johnson, e o professor emérito da
Universidade de Direito de Boston, Michael Baram, disseram que
a instalação deve ser reavaliada pelo seu potencial para criar um
desastre enorme que poderia acabar com a vida na Terra.

82
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Um relatório recente mostrou que os miniburacos negros podem


ser gerados com menos energia do que se pensava inicialmente.
As mesmas preocupações surgiram quando o LHC iniciou a
busca pela “partícula de Deus”, embora seja improvável que buracos
negros estáveis possam ser criados por aceleradores de partículas.
Mesmo que fossem, não poderiam aspirar a matéria de uma forma
que pudesse ameaçar o planeta. O risco de maiores danos para o
planeta, entretanto, ainda é considerado por cientistas e juristas, que
insistem em uma reavaliação rigorosa dos riscos oferecidos pela
experiência.

FONTE: <https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/fotos/
experiencia-com-acelerador-de-particulas-pode-destruir-o-mundo-
afirmam-especialistas-19022014#!/foto/1>. Acesso em: 30 mar.
2021.

Experimento da Física de U$ 8 bilhões não vai destruir o planeta

Apesar de ameaças de morte, temores e raiva de algumas


pessoas pelo mundo, os cientistas do Grande Colisor de Hadrons,
de U$ 8 bilhões, não recuam.
O equipamento, que se chama Large Hadron Collider, em
inglês, ou LHC, entrará em operação na próxima quarta-feira e será
o acelerador de partículas mais poderoso do mundo, prometendo
responder muitas perguntas até hoje elusivas. Entre elas está a
legendária partícula da natureza chamada de bóson de Higgs,
uma partícula teorizada há muito tempo, mas nunca observada,
que se pensa ser responsável por determinar a massa de cada
coisa que existe. O colisor – que consiste em eletromagnetos que
coletam 7 raios de prótons TeV que colidirão no túnel circular de 27
km de comprimento – deverá descobrir muitos mistérios, como as
diferenças entre a matéria a antimatéria.
Apesar de muito potencial, muitas pessoas pelo mundo
protestaram contra a construção do colossal equipamento,
acreditando que ele destruirá o planeta. Muitos têm medo de que
o colisor possa criar buracos negros que devorariam a Terra. Os
criadores do LHC, alguns dos cientistas mais proeminentes do
mundo, dizem que tais preocupações são infundadas e é resultado
da falta de entendimento sobre o projeto.
De acordo com o professor Brian Cox, da Universidade de
Manchester, a animosidade do público é tão severa que o físico Frank
Wilczek, ganhador do Prêmio Novel e pesquisador do Massachusetts

83
O Ensino de Física e o Cotidiano

Institute of Technology, recebeu ameaças de morte. O professor Cox,


que costuma ser calmo, diz irritado que “qualquer um que pensa
que o LHC destruirá o mundo é um ‘idiota’” (o professor usou, na
realidade, um palavrão muito mais pesado).
James Gillies, o gerente de relações públicas do LHC, disse que
recebeu ligações de pessoas que estavam literalmente chorando e
pedindo para parar o projeto. “Eles me ligavam e diziam: ‘Eu estou
preocupadíssimo. Por favor, me diga que meus filhos estão em
segurança’”.
Enquanto alguns simplesmente imploravam para James
convencê-los de que o mundo não acabaria quando o LHC fosse
ligado, outros tomavam uma postura mais raivosa. Ele disse: “Há
uma quantidade de pessoas que disse: ‘você é mau e perigoso e
destruirá o mundo’. Eu acabei ficando um pouco bravo… O que nós
estamos fazendo é enriquecer a humanidade e não a colocar em
risco”.
Tem havido também numerosas tentativas legais de frustrar a
construção, nenhuma delas obteve sucesso. Aqueles que preveem o
fim dos tempos argumentam que há uma pequena, mas séria chance
de que o LHC crie um cataclismo que possa acabar com o mundo.
Desde 1994, quando o projeto foi visionado, lutaram contra ele. Os
opositores inclusive citam livros de outros cientistas que apontam
para o “juízo final”, enquanto os próprios autores afirmam que foram
tirados de contexto.
Os cientistas explicaram pacientemente, muitas vezes, que
as pesquisas mais recentes mostram que os raios cósmicos que
atingem a Terra diariamente criam colisões de partículas muito
mais poderosas do que o LHC poderá realizar. Dessa forma, o
perigo adicional do colisor é insignificante, de acordo com estudos
atualizados em 2003 pelo Grupo de Análises de Risco do LHC. Ele
dispersa preocupações de que o reator possa criar um buraco negro
mortal. O estudo conclui que “a natureza já conduziu o equivalente
a cem mil programas experimentais LHC na Terra e o planeta ainda
existe”.
Enquanto o reator pode ser capaz de criar buracos negros,
de acordo com os físicos, eles seriam minúsculos e não teriam
capacidade de crescer. O estudo afirma que “cada colisão de um par
de prótons no LHC liberará uma quantidade de energia comparável
ao de dois mosquitos colidindo, portanto, qualquer buraco negro
produzido seria muito menor do que aqueles conhecidos pelos
astrofísicos”.
Além disso, o LHC será incapaz de
produzir  strangelets (pequenos fragmentos de material estranho),

84
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

baseados na informação experimental reunida pelo Brookhaven


National Laboratory’s Relativistic Heavy-Ion Collider, em New York,
EUA.
No entanto, apesar de os cientistas mais brilhantes do
mundo estarem confiantes na segurança do sistema, e a mídia
constantemente procurando acalmar as preocupações do público
nesse assunto, muitos ainda são evidentemente opostos ao projeto.

FONTE: <https://hypescience.com/experimento-da-fisica/>. Acesso


em: 30 mar. 2021.

Começamos este tópico com duas notícias publicadas em diferentes veículos


de comunicação sobre o tema aceleradores de partículas. Como você reagiu
à leitura das duas reportagens? Queremos destacar o fato de que a primeira
reportagem, que alerta sobre o fim do mundo pela criação de buracos negros
devido ao funcionamento do acelerador de partículas LHC, foi publicada quatro
anos após o LHC ter sido ligado pela primeira vez e depois de reportagens,
incluindo a que destacamos anteriormente, informando aos leitores que o
acionamento do acelerador não causaria a destruição do planeta.

Você, como professor de Física, pode pensar que a primeira reportagem


é um absurdo, que as pessoas não acreditariam nessa história, porém, por
ter sido publicada num veículo que atinge pessoas em diferentes condições
sociais, ela pode sim ser interpretada como verdadeira e ser propagada pelo
fato que discutimos na seção anterior: muitas pessoas não são alfabetizadas
cientificamente.

Não podemos negar o efeito que mídias digitais causaram na produção e


propagação das notícias. Diferentemente do que acontecia há poucos anos, em
que existiam poucas fontes de informação, atualmente, cada pessoa se tornou
uma produtora de conteúdo, o que fez com que o número de fontes tenha
aumentado. Esse efeito tem um preço, um aumento da quantidade de notícias
falsas que circulam, principalmente na internet.

Segundo Recuero e Gruzd (2019), o conceito de fake news é sinônimo de


desinformação, utilizado por veículos noticiosos para indicar rumores, notícias
falsas ou notícias fabricadas.

Estamos inseridos numa sociedade que escolheu o modelo digital para


se comunicar. Interação e conexão são palavras que fazem parte da rotina de

85
O Ensino de Física e o Cotidiano

muitas pessoas, principalmente entre o público em idade escolar. As redes sociais


tornaram-se um ambiente de encontros, nos quais diferentes personagens se
encontram e podem trocar informações.

Para Lemos (2015), a internet é um espaço de comunicação propriamente


surrealista, do qual ‘nada é excluído’, nem o bem, nem o mal, nem suas múltiplas
definições, nem a discussão que tende a separá-los sem jamais conseguir.

Santaella (2018) alerta que os buscadores que utilizamos para procurar


informações refletem tão somente nossos próprios interesses, uma vez que
algoritmos observam tudo em que clicamos. Alguma vez você pesquisou um
assunto e ao abrir sua rede social havia a propaganda de um produto relacionado
a sua busca? A esse ambiente, que funciona como uma câmara fechada que
reflete nossos interesses, a autora deu o nome de bolha. A Figura 1 representa
alguns dos riscos que as bolhas podem representar para a sociedade.

FIGURA 1 – DEFINIÇÃO DE BOLHA NUMA PERSPECTIVA DE FAKE NEWS

FONTE: O autor

Alguém pode pensar que a culpa está nas redes sociais, terreno fértil para
a criação de bolhas e disseminação de notícias falsas. Entretanto, Santaella
(2018) alerta que as redes sociais somente nos devolvem aquilo que desejamos
e cremos. Outro pode pensar que a culpa é da internet. A mesma autora mostra
que mesmo que a internet fosse extinta, as pessoas ainda criariam bolhas. Esse

86
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

fenômeno não surgiu com o desenvolvimento da rede de computadores, mas sim


na tentativa de encontrar num grupo social um lugar para estar, sentir-se acolhido
dentro de um grupo. O trecho a seguir ajuda a identificar uma notícia falsa.

Parece-nos, assim, que esses três elementos seriam essenciais


para a definição de uma fake news: (1) o componente de uso
da narrativa jornalística e dos componentes noticiosos; (2) o
componente da falsidade total ou parcial da narrativa e; (3)
a intencionalidade de enganar ou criar falsas percepções
através da propagação dessas informações na mídia social
(RECUERO; GRUZD, 2019, p. 33).

O Quadro 4 mostra alguns tipos de notícias falsas, quais suas características


e quais os desafios que, principalmente o professor, pode encarar ao trabalhar
esse tema em sala em aula.

QUADRO 4 – TIPOS DE NOTÍCIAS FALSAS E SUAS CARACTERÍSTICAS

Tipos de notícias Características Desafios


Notícias paródicas Notícias para provocar risos. O Desmascarar um
problema aparece quando se design atraente.
aproximam do preconceito e da
mentira.
Caça cliques Histórias chamativas, algumas Combater o sensa-
com imagens sensacionalistas, cionalismo.
fabricadas para capturar o leitor.
Notícias híbridas Notícias corretas, mas atrapal- Combater o sensa-
hadas pela falsidade da chama- cionalismo.
da.
Jornalismo apressado Quando o jornalismo sofre com Alertar sobre o gan-
a alta competitividade e é preci- ho financeiro por trás
so publicar de forma rápida uma da notícia.
notícia com pouca ou nenhuma
fundamentação teórica.
Rumores Informações não confirmadas. Combater a desinfor-
mação.
Propagandas enga- Promover pontos de vista ten- Entrar na bolha do
nadoras denciosos, induzir o leitor ou indivíduo.
propagar causas próprias.
FONTE: Adaptado de Santaella (2018)

87
O Ensino de Física e o Cotidiano

Antes de prosseguir, convidamos você a ler os textos indicados


nos links a seguir.
Neste link, você encontrará a edição 27 da Revista Uno,
intitulada A era da pós-verdade: realidade versus percepção:
https://www.revista-uno.com.br/wp-content/uploads/2017/03/
UNO_27_BR_baja.pdf.

Neste link, você encontrará a edição 37 do Caderno Brasileiro


de Ensino de Física. Nessa publicação, você terá a oportunidade
de ler diversos artigos que tratam sobre a pós-verdade no ensino
de Ciências e no ensino de Física, com destaque para o artigo
O terraplanismo e o apelo à experiência pessoal como critério
epistemológico:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/issue/view/3108.

D’ANCONA, M. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em


tempos de fake news. Tradução de Carlos Szlak. Barueri: Faro
Editorial, 2018.

Nos dois materiais citados, vamos conhecer e entender o surgimento de


um fenômeno chamado pós-verdade. Existe uma tendência global direcionada
para o desmoronamento do valor da verdade. Há um movimento para difamar
especialistas, fazendo com que as pessoas os considerem um grupo mal-
intencionado, no lugar de serem vistos como uma fonte de informações confiáveis.

Um dos campos atingidos por essa onda de notícias falsas e de pós-verdade


é a Ciência. O terraplanismo é uma crença viva na atualidade, mesmo após todo o
conhecimento desenvolvido e acumulado pelo homem sobre o tema. Vale (1998)
afirma que o conhecimento científico não pode ser confundido com opinião, nem
como uma coletânea de dados e muito menos como algo carregado de verdade
absoluta.

Santaella (2018) cunhou o termo educação para as mídias, que nada mais
é do que a busca por procedimentos adequados para enfrentar os desafios

88
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

que se apresentam nos campos sociais, culturais, tecnológicos e políticos.


Acrescentamos a importância de os professores promoverem uma educação
científica, conforme vimos na primeira parte deste livro.

O Quadro 5 ajuda a visualizar ações que os professores podem implementar


em sala de aula para furar bolhas, diminuir a disseminação das notícias falsas e
promover um reconhecimento da ciência frente a opiniões e crenças.

QUADRO 5 – AÇÕES PARA PROFESSORES ATUAREM EM


SALA DE AULA PARA COMBATER FAKE NEWS
Ponto de atenção Ações
Diversidade de fontes - Levar para a sala de aula diferentes pontos de
vista sobre um tema e iniciar o debate.

- Promover fóruns de discussão.

- Considerar o uso de espaços não formais de edu-


cação, por exemplo, museus de ciência.
Checar as informações - Mostrar a importância de conhecer as pessoas
que fazem parte da sua rede social.

- Manter um cardápio de fontes diversificado.

- Navegar por outras fontes de busca e produção de


conteúdo.
Passividade do aluno - O aluno precisa ser levado a ter controle sobre as
informações que recebe e não o contrário.

- Estimular a fala ativa do aluno.

- Propor atividades de pesquisa e escrita.


Desenvolvimento de com- - Estimular o conhecimento técnico.
petências
- Estimular o conhecimento para a interação.

- Estimular o engajamento social.

- Compreender como as mídias funcionam.


FONTE: Adaptado de Santaella (2018)

Os pontos apresentados no quadro anterior serão melhor implementados


se houver um comprometimento coletivo, com professores empenhados para
combater a disseminação de notícias falsas, fomentando na escola ações
criativas, amparadas na Ciência. Imagens e conteúdos sensacionalistas atraem
cliques, fazendo os algoritmos entenderem que aquele tema é de interesse das

89
O Ensino de Física e o Cotidiano

pessoas, assim, cria-se uma cadeia de disseminação da notícia, porém, não


culpe o robô por espalhar uma fake news, afinal é uma pessoa que clica no ícone
e começa o processo.

Encerramos essa parte do texto com a indicação de um site


criado pela Sociedade Brasileira de Física para combater informações
científicas falsas. Neste site, o usuário tem duas possibilidades:
indicar um tema para análise ou navegar pelos temas já analisados.
O link para acesso é:
http://www1.fisica.org.br/verifisica/.
O usuário, ao se deparar com uma informação que julga ser
falsa, preenche um cadastro no site e envia as informações sobre
o tema. Essas informações serão analisadas por especialistas, que
darão um retorno com suas conclusões. O site começou a funcionar
em janeiro de 2020 e já conta com algumas análises, por exemplo,
um usuário quis saber se as emoções humanas são capazes de
alterar a estrutura de cristais de água. O projeto deseja se tornar
mais uma ferramenta, um antídoto contra a disseminação de notícias
falsas.

1 Conforme Santaella (2018), as redes sociais nos devolvem


somente aquilo que desejamos e cremos, ou seja, a culpa da
criação e disseminação de notícias falsas não é da internet.
Mesmo que a internet fosse extinta, as pessoas ainda criariam
bolhas e esses espaços serviriam para difundir crenças, muitas
vezes sem fundamentação científica. Notícias falsas circulam
todos os dias, principalmente em redes sociais digitais, e podem
causar prejuízos sociais, uma vez que podem disseminar
informações inverídicas, disseminar discursos de ódio e
desacreditar o conhecimento desenvolvido ao longo da história
da humanidade. Com base no que estudamos nesta seção,
identifique, dentre as proposições a seguir, aquelas que podem
ser encaradas como possibilidades de barrar notícias falsas ou
fazer com que elas sejam desacreditadas.

90
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

I - Levar para a sala de aula somente o ponto de vista de uma fonte


sobre um tema e iniciar o debate.
II - Navegar por outras fontes de busca e produção de conteúdo.
III - O aluno precisa ser levado a ter controle sobre as informações
que recebe e não o contrário.
IV - Estimular que os alunos construam conhecimento técnico sobre
o tema discutido.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) V – V – V – V.
b) F – V – V – V.
c) V – F – V – V.
d) V – F – F – V.

3 ENSINO DE FÍSICA: DO
CONHECIMENTO COTIDIANO AO
CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Neste capítulo, já passamos pela importância de desenvolver uma educação


com enfoque CTS e vimos o perigo das notícias falsas para a construção de
uma sociedade reflexiva. Nesta seção, abordaremos dois temas: por que ensinar
Física e como transpor os conhecimentos gerados no meio acadêmico para a
sala de aula.

Nas próximas três subseções, você conhecerá um pouco da obra de Pozo a


respeito do processo de aprendizagem em Ciências/Física, discutiremos a crítica
feita por Marco Antônio Moreira ao ensino de Física, você entenderá como se dá
o processo de transposição e sequência didática e, por último, terá uma série de
exemplos que te ajudarão a pensar estratégias de ensino que levam para a sala
de aula situações do cotidiano.

91
O Ensino de Física e o Cotidiano

3.1 O SENTIDO DE ENSINAR FÍSICA

O que é ensinar?
Paul H. Hirst

Clarificar o conceito de ensino é vital porque o modo como os


professores entendem o que é ensinar afeta o que efetivamente
fazem na sala de aula. Se é verdade que as nossas atividades
dependem do modo como as vemos, das nossas crenças acerca
delas, então, se tivermos ideias estranhas e esquisitas sobre o
que é ensinar, será provável que, sob esse nome, façamos coisas
estranhas e esquisitas.
A questão é saber como caracterizar a atividade de ensino de
forma a distingui-la de todas as outras atividades. Por exemplo, ao
entrar numa sala de aula podemos dizer que o professor está de
fato ensinando? O que exatamente tem que estar acontecendo para
que haja ensino? Para começar a responder o problema, temos que
distinguir com clareza dois sentidos obviamente diferentes no modo
como falamos de ensinar.
No primeiro sentido, falamos de ensinar como um
empreendimento (enterprise) no qual uma pessoa pode estar
comprometida por um longo período. O termo ensinar é aqui usado
num âmbito muito geral, rotulando todo um empreendimento, que
pode ser subdividido em atividades muito mais específicas. Neste
segundo sentido, podemos então falar de atividades específicas
de ensino, cuja lista não se incluem o afiar de lápis, a abertura de
janelas e todas as outras atividades que poderiam legitimamente
estar incluídas no empreendimento de ensino como um todo.
Há um número imenso de atividades específicas que podem
ser consideradas de ensino. Como caracterizar então as atividades
específicas de ensino? A resposta é que elas só podem ser
caracterizadas como se caracterizam todas as outras atividades
humanas, isto é, em função do seu objetivo ou propósito.
A intenção de todas as atividades de ensino é produzir
aprendizagem. Por mais simples e banal que esta resposta possa
parecer, é uma resposta extremamente importante. Ela implica que
o conceito de ensino é totalmente ininteligível sem referência ao
conceito de aprendizagem. Ela afirma que não existe ensino sem a
intenção de produzir aprendizagem e que, assim sendo, não se pode

92
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

caracterizar o ensino sem caracterizar a aprendizagem. Portanto,


sem se saber o que é aprender, é impossível saber-se o que é
ensinar.
A noção de ensino aqui é simplesmente a de tentar que os alunos
aprendam e nada mais, mas há um outro uso para a palavra ensino,
que implica não só a intenção de produzir aprendizagem, mas o fato
de o aluno aprender o que era suposto aprender. É importante frisar
que os resultados finais da aprendizagem são novos estados da
pessoa e que esses estados podem ser muito diversos. É importante
frisar que aprender é uma atividade daquele que aprende.

FONTE: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3232878/mod_
resource/content/1/O%20QUE%20%C3%89%20ENSINAR_%20
1.%20por.%20Paul%20H.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2021.

A pesquisa em ensino de Física no Brasil tem longa tradição e


é reconhecida internacionalmente. Encontros nacionais de pesquisa
em ensino de Física são realizados desde a década de 1980. A pós-
graduação em ensino de Física também existe desde essa época,
assim como revistas de pesquisa em ensino de Física ou em ensino
de Ciências, em que podem ser publicados artigos de pesquisa em
várias áreas.
Além da pesquisa em ensino de Física, outras atividades,
como simpósios, oficinas, projetos, livros e demais materiais foram
desenvolvidos desde o surgimento e a consolidação de uma área de
ensino de Física. Grandes professores pesquisadores e produtores
de recursos instrucionais deixaram sua marca no ensino de Física
no Brasil.
Paradoxalmente, no entanto, esse ensino está em crise. A carga
horária semanal, que chegou a seis horas-aula por semana, hoje é
de duas ou menos. Aulas de laboratório praticamente não existem.
Faltam professores de Física nas escolas e os que existem são
obrigados a treinar os alunos para as provas, para as respostas
corretas, ao invés de ensinar Física. A interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade são confundidas com não disciplinaridade e
tiram a identidade da Física.
Os conteúdos curriculares não vão além da Mecânica Clássica
e são abordados da maneira mais tradicional possível, totalmente
centrada no professor, baseada no modelo de narrativa criticado
por Finkel (1999), na educação bancária de Freire (2007) e no
comportamentalismo de Skinner (1972). O resultado desse ensino
é que os alunos, em vez de desenvolverem uma predisposição
para aprender Física, como seria esperado para uma aprendizagem

93
O Ensino de Física e o Cotidiano

significativa, geram uma indisposição tão forte que chegam a dizer,


metaforicamente, que “odeiam” a Física.

FONTE: MOREIRA, M. A. Uma análise crítica do ensino de Física.


Revista Estudos Avançados, [s. l.], n. 32, p. 73-80, 2018.

O texto do sociólogo Paul Hirst (1971), embora tenha uma abordagem ampla
sobre o assunto, nos ajuda a desenhar o conceito de ensinar. Segundo o autor,
ensinar é uma atividade humana com o objetivo de produzir em outra pessoa o
objetivo de aprender. Entretanto, o que acontece em sala de aula que dificulta
que a mensagem passada pelo professor seja entendida pelo aluno e com isso a
aprendizagem seja dificultada?

O segundo texto, do físico Marco Antônio Moreira, nos dá uma pista sobre
como o ensino de Física é percebido na Contemporaneidade e os desafios que
precisamos enfrentar. Um dos pontos em comum aos dois textos é a associação
do ensino aos objetivos educacionais, isto é, a prática de ensinar se adéqua
tanto a fatores próprios do professor, por exemplo, sua formação inicial, quanto a
fatores externos, como um projeto de escola desenhado em diferentes épocas e
momentos políticos.

Infelizmente, existe em alguns professores da área de Ciências da Natureza


e Matemática um sentimento de desgosto muito grande. A quantidade de alunos
abaixo do rendimento esperado em avaliações, sejam internas ou externas,
é muito alta. Esse dado pode gerar no professor um sentimento de que está
trabalhando em vão, que seus esforços não estão sendo suficientes para
promover a aprendizagem. Alguns alunos até conseguem construir habilidades
com relação aos conceitos que são trabalhados, mas não conseguem ver sentido
no que estão aprendendo. Perceba que mais uma vez a educação científica, a
educação para a Ciência ou a alfabetização científica se fazem presentes como
uma estratégia para combater a falta de significado da ciência, em especial, a
Física, para a vida do aluno.

O Quadro 6 apresenta algumas das dificuldades apontadas por pesquisas


em ensino de Ciências na compreensão dos conteúdos trabalhados em sala de
aula.

94
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

QUADRO 6 – DIFICULDADES NA APRENDIZAGEM DE CONTEÚDOS DE CIÊNCIAS


Dificuldade apresentada Exemplificação
A fraca generalização dos procedi- O aluno tem dificuldade em aplicar o
mentos adquiridos para outros con- mesmo conceito em situações-problema
textos novos. diferentes, por exemplo, ele consegue
multiplicar 3x4, mas sente dificuldade em
calcular a área de um terreno com 3 m
de frente e 4 m de fundo.
O fraco significado do resultado obti- Os alunos limitam-se a utilizar uma ex-
do para os alunos. pressão matemática para chegar num
valor numérico que não faz sentido al-
gum, por exemplo, encontrar o valor de
uma força F = 30 N para fazer movimen-
tar um cubo. O aluno pode pensar: o que
é Newton? 30 N é muito ou pouco? Por
que empurrar um cubo?
O fraco controle metacognitivo al- O aluno segue caminhos já exemplifica-
cançado pelos alunos sobre seus dos, não são oferecidas oportunidades
próprios processos de solução. para explorar novas possibilidades, por
exemplo, pedir que o aluno resolva a
questão conforme o exemplo do livro.
O fraco interesse despertado por Quando são utilizados exemplos fora do
esses problemas nos alunos. contexto de vida dos alunos, que não
os motivam, por exemplo, pedir que um
aluno que mora na região Nordeste do
Brasil calcule a temperatura do ambiente
após uma nevasca.
FONTE: Adaptado de Pozo (2009)

Podemos inferir desse quadro que aprender e ensinar fogem da acumulação


e repetição de conteúdos e se aproximam de construir um ambiente propício para
acolher os conhecimentos prévios dos alunos, mostrar a ciência para além de
conceitos e expressões matemáticas isolados e trazer para a realidade do aluno
os conteúdos discutidos em sala de aula utilizando diferentes fontes de materiais
didáticos.

Se o mundo é repleto de aparatos desenvolvidos a partir da pesquisa em


Física, por que muitos alunos têm dificuldade em aprender Física? O Quadro 7
fornece uma visão e algumas dificuldades enfrentadas pelos alunos para aprender
Física e possíveis formas de reverter essas dificuldades.

95
O Ensino de Física e o Cotidiano

QUADRO 7 – DIFICULDADES E POSSIBILIDADES PARA


O ENSINO E A APRENDIZAGEM EM FÍSICA

Dificuldades Possibilidades
Interação entre as características Os alunos aceitariam somente aquilo que
da disciplina e a forma como os poderiam observar primeiro.
alunos aprendem.

Conhecimentos prévios dos Criar o realismo interpretativo. O aluno am-


alunos competem com o que é plia sua estrutura lógica, aceita a existência
ensinado na escola. de coisas que ele não consegue ver, mas
não os considera conceitos com sentido.

Representações simplificadas e O aluno passa a se conectar com os difer-


afastadas da realidade. entes modelos que a Física utiliza para inter-
pretar a realidade.

Contradições entre o mundo ide- Investigação dos conhecimentos prévios dos


alizado da ciência e o mundo real alunos e adaptação dos conteúdos para a
do aluno. realidade da sala de aula.
Sobreposição de problemas Observar a importância de discutir temas
matemáticos aos problemas físi- que podem ser colocados de forma concei-
cos. tual.
Dificuldades em abstrair os con- Utilizar ferramentas que ajudem na modela-
ceitos. gem dos fenômenos físicos estudados.
FONTE: Adaptado de Pozo (2009)

Uma das formas de ensinar Física é por meio da resolução de


problemas. Que estratégias de ensino você mais utiliza em sala de
aula?

96
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Moreira (2018) afirma que o ensino de Física, embora tenha passado nos
últimos anos por significativas transformações, por exemplo, novas ferramentas
de ensino, ainda carece de importantes análises e discussões. O Quadro 8
exemplifica alguns desses pontos de atenção.

QUADRO 8 – PONTOS DE ANÁLISE COM RELAÇÃO AO ENSINO DE FÍSICA


Categoria Ponto de atenção Possíveis mudanças
Pesquisa básica Baixo impacto da Apropriação dos artigos pelos pro-
pesquisa em ensino fessores.
de Física na sala de
Professores como pesquisadores
aula.
da própria prática.
Pesquisa aplicada Baixa produção de Valorização da pesquisa aplicada
soluções. na universidade.

Valorização dos programas de ex-


tensão.

Aproximação entre universidade e


escola.
Pesquisa transla- Dificuldade em trans- Adequação da linguagem utilizada
cional por a pesquisa para pelos pesquisadores para comuni-
uma linguagem práti- car os resultados da pesquisa.
ca.
Participação dos professores na
pesquisa.
Tecnologias da Aulas de Física base- Uso de ferramentas digitais.
informação e co- adas na exposição de
municação temas e resolução de Maior investimento em recursos
educacionais tecnológicos.
listas de exercício.

Foco no ensino por investigação.


Física e cidadania Ensino de Física atual Entender o ensino de Física como
focado na testagem. um direito.

Combate ao senso comum e inter-


pretações ingênuas da ciência.

Melhoria dos modelos de ensino.


FONTE: Adaptado de Moreira (2018)

No próximo tópico, estudaremos a transposição didática. Um conceito que


pode ajudar os professores a se aproximarem dos seus objetos de estudo e a
levarem para a sala de aula saberes científicos utilizando uma linguagem que
possa ser entendida pelos alunos, aproximando Ciência, Cultura e Sociedade.
97
O Ensino de Física e o Cotidiano

3.2 TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA


Como já vimos nos tópicos anteriores, a relação do indivíduo com as ciências
começa antes de sua escolarização. A construção do conhecimento se dá por
meio da ligação entre as novas ideias e as experiências que o aluno já sabe e
acredita.

Neste tópico, trataremos de um conceito que pode ajudar o professor a


transpor para a sala de aula conceitos científicos e, assim, espera-se que o aluno
não rejeite o ensino proposto e veja a Física como uma disciplina que pode ajudá-
lo a reconhecer problemas e solucioná-los.

Segundo Chevallard (2013), a transposição didática é a transição do


conhecimento considerado como uma ferramenta a ser posta em prática, para o
conhecimento como algo a ser ensinado e aprendido.

Silva et al. (2016, p. 6) afirmam que “a transposição didática é um instrumento


pelo qual analisamos o movimento do saber sábio (ou saber científico), aquele
que os cientistas descobrem para o saber a ensinar, aquele que está nos livros
didáticos e, por este, ao saber ensinado, aquele que é efetivado em sala de aula”.

Em sala de aula, algumas relações são importantes para a promoção do


ensino e da aprendizagem: professor-saber, aluno-saber e professor-aluno.
Socialmente, cada uma dessas relações tem uma expectativa. Espera-se que
o professor conheça todas as particularidades do objeto a ser ensinado, que o
aluno tenha propensão à aprendizagem e que professor e aluno possam interagir
por meio de uma linguagem própria na condução da aprendizagem.

Sobre a teoria da transposição didática:


algumas considerações introdutórias

A relação didática une três e não dois “objetos”, a saber:


o professor, o ensino e, por último, mas não menos importante, o
conhecimento; ou, para ser ainda mais preciso, o conhecimento
ensinado. É a intenção didática, ou seja, a intenção de ensinar. Um
dos dois protagonistas deve ter a intenção de ensinar o outro, de
ensinar-lhe alguma coisa, como a matemática.

98
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

A sociedade como um todo, ou seja, a sociedade que se


expressa através de sua cultura, deve primeiro reconhecer o
suposto corpo de conhecimento como conhecimento ensinável.
Alguns corpos de conhecimento são, em uma dada sociedade, em
um dado momento, tacitamente considerados “não ensináveis”; ou,
para colocar de uma outra forma, em algum lugar na sociedade
há sempre alguém se esforçando para garantir o ensino de alguns
corpos de conhecimento anteriormente não ensináveis, com vista
ao estabelecimento de um contrato didático socialmente legítimo em
relação a eles.
É somente por causa do nosso condicionamento cultural
que normalmente consideramos o ensino algo natural. Ensinar é
certamente um ato tão antigo quanto as mais antigas civilizações: as
palavras de raiz indo-europeia dek, dok, dk e a variante grega dak, da
qual palavras como médico ou didática derivam (assim como muitas
outras, como doutrina, disciplina, discípulo, dócil, dogma, documento
e assim por diante) testemunham de longa data a instituição do
ensino, mas o ensino nunca foi uma atividade fácil e natural.

FONTE: CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposição didática:


algumas considerações introdutórias. Revista de Educação,
Ciências e Matemática, [s. l.], n. 2, v. 3, 2013.

A Figura 2 ajuda a entender como se dá o processo de transposição didática


de um saber, que precisa ter como característica principal a capacidade de ser
recortado, possibilitando sequências didáticas aceitáveis, tanto por critérios
pedagógicos quanto institucionais.

FIGURA 2 – PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

FONTE: O autor

99
O Ensino de Física e o Cotidiano

Não podemos perder de vista que a transposição didática é uma estratégia


de adaptação didática dos saberes que serão ensinados em sala de aula. Sem
esse trabalho de sistematização do conhecimento, o professor corre o risco
de não revisar o processo de ensino, levando para discussão elementos que
dão ênfase apenas a alguns produtos e fatores da ciência, personalizando o
processo de construção do conhecimento e desconectando os saberes dos
elementos culturais, históricos e sociais. Logo, o professor desempenha um papel
fundamental na transposição didática. Feita a transposição didática do saber, o
professor precisa se preocupar na sequência que os conteúdos serão discutidos
em sala.

Neste link, você terá acesso a um texto de Maurício Pietrocola,


intitulado Inovação curricular em Física: transposição didática e a
sobrevivência dos sabres:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/76277/mod_resource/
content/3/Pietrocola_mesaEpef_2008.pdf.

Conforme Gonçalves e Ferraz (2016), a sequência didática é uma organização


sequencial e modular do fazer pedagógico que envolve quatro ações: a definição
do que será ensinado, a construção de um modelo didático, a elaboração de uma
sequência didática e a sua transposição didática. A Figura 3 representa uma das
possibilidades para estruturar uma sequência didática.

100
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

FIGURA 3 – PROPOSTA PARA FAZER UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

FONTE: O autor

Perceba que uma sequência didática precisa ser desenvolvida por meio de
atividades sequenciadas, com objetivos bem definidos e compartilhados com os
alunos e outros professores.

3.3 APLICAÇÕES COTIDIANAS DA


FÍSICA
Queremos que este tópico seja um espaço de inspiração. Agora que você já
reconhece a importância de ensinar e aprender Física, sabe os pressupostos da
transposição didática e a estrutura para ordenar uma sequência didática, chegou
a hora de pensar em como estruturar aulas de Física que tenham como tema
principal a Física em aplicações cotidianas. Colocamos quatro situações para que
você possa identificar o tema e fazer a adaptação com base no que discutimos
neste livro. Comece o exercício de pensar situações didáticas que apresentem a
Física de forma aplicada.

101
O Ensino de Física e o Cotidiano

Montanhas que flutuam

As montanhas flutuam sobre o manto semiliquefeito da Terra


exatamente como os icebergs flutuam na água. Tanto as montanhas
quanto os icebergs são corpos menos densos do que o material
em que flutuam. Exatamente como a maior parte de um iceberg
está abaixo da superfície da água (90%), a maioria das montanhas
(aproximadamente 85% delas) estende-se para dentro de um
denso manto semilíquido. Se pudéssemos cortar e retirar o topo de
um iceberg, ele se tornaria mais leve e seu novo topo subiria até
atingir, aproximadamente, a altura do top original que foi retirado.
Analogamente, quando as montanhas sofrem erosão, tornam-se mais
leves e são empurradas de baixo para cima até flutuarem novamente
com suas alturas originais. Assim, quando uma montanha perde 1 km
de altura por erosão, ela acaba recuperando aproximadamente 85%
dessa altura. É por isso que leva tanto tempo para o clima baixar as
montanhas. Estas, como os icebergs, são maiores do que aparentam
ser. O conceito de montanhas flutuantes é o de isostasia – o princípio
de Arquimedes aplicado às rochas.

Esmagamento por condensação

Ponha uma pequena quantidade de água dentro de uma lata


de refrigerante de alumínio e depois a coloque dentro de um forno
até que comece a sair vapor quente pela abertura da lata. Quando
isso ocorre, o ar está sendo expulso da lata e substituído por vapor
quente. Então, com uma pinça adequada, inverta rapidamente a
lata dentro de uma vasilha com água. ESMAGAMENTO! Quando
as moléculas do vapor dentro da lata colidem com a parede interna,
elas ricocheteiam – o metal certamente não as absorve, mas quando
elas encontram a água da frigideira, grudam à superfície livre da
água. Ocorre a condensação, produzindo dentro da lata uma queda
de pressão, e é por isso que a pressão da atmosfera circundante
esmaga a lata. Aqui vemos, de maneira impactante, como a pressão
pode ser reduzida pela condensação (esta demonstração enfatiza
adequadamente o ciclo de condensação de uma máquina a vapor –
talvez algo para um futuro estudo).

102
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

A história dos 110 volts

No início da iluminação elétrica, as altas voltagens usadas


queimavam os filamentos das lâmpadas elétricas, de modo que se
tornou mais prático usar baixas voltagens. As centenas de usinas
elétricas construídas nos Estados Unidos antes de 1900 adotaram
como padrão a voltagem de 110 volts (ou 115 volts ou 120 volts).
A adoção de 110 volts foi decidida porque este valor de voltagem
fazia a lâmpada incandescente da época brilhar como a lâmpada de
gás. Na época em que a iluminação elétrica se tornou popular na
Europa, os engenheiros haviam descoberto como fabricar lâmpadas
incandescentes que não queimavam tão rápido sob voltagens
mais elevadas. A transmissão de potência elétrica é mais eficiente
sob altas voltagens, de modo que a Europa adotou como padrão a
voltagem de 220 volts. Os Estados Unidos mantiveram o padrão de
110 volts (hoje, ele é oficialmente 120 volts) por causa dos gastos
enormes feitos para a instalação dos equipamentos de 110 volts. É
importante notar que, em circuitos de CA, os 120 volts correspondem
à raiz quadrada do “valor médio quadrático” da voltagem. Em um
circuito de 120 volts CA, a voltagem, na verdade, varia entre +170
volts e -170 volts, fornecendo a mesma potência a um ferro de
passar ou a uma torradeira do que um circuito de 120 volts CC.

Visão colorida

A luz proveniente das coisas ao nosso redor é focada sobre a


retina de nossos olhos, e, assim, enxergamos. A retina é formada por
minúsculas antenas de dois tipos que entram em ressonância com
a luz que entra no olho – os bastonetes e os cones. Como sugerem
os nomes, os bastonetes têm forma de bastões, enquanto os cones
têm forma de cones. Os bastonetes percebem apenas a intensidade
da luz, e os cones, as cores. Enxergamos cores por causa dos três
tipos de cones existentes – aqueles sensíveis ao vermelho, ao verde
e ao azul. Os cones são mais densos em torno da região onde a
visão é mais nítida – a fóvea. Os bastonetes são mais sensíveis à
intensidade do que à frequência e predominam longe da fóvea, na
periferia da retina. Os primatas e uma espécie de esquilo terrestre
são os únicos mamíferos que possuem os três tipos de cones e
que experimentam uma visão colorida completa. As retinas dos
outros mamíferos consistem principalmente de bastonetes, que
são sensíveis apenas ao brilho e à escuridão, de modo que eles
capturam imagens como as de fotos ou de filmes em preto e branco.

103
O Ensino de Física e o Cotidiano

Comparados aos bastonetes, os cones requerem mais energia


para “disparar” um impulso pelo sistema nervoso. Se a intensidade
da luz é muito baixa, as coisas vistas não possuem cor. As baixas
intensidades são vistas através dos bastonetes. Por isso é difícil
identificar a cor de um carro sob a luz da lua. A visão adaptada ao
escuro deve-se quase que inteiramente aos bastonetes, enquanto a
visão sob a luz brilhante deve-se aos cones. As estrelas, por exemplo,
nos parecem brancas, ainda que muitas delas sejam brilhantemente
coloridas. Um tempo de exposição das estrelas com uma câmera
fotográfica revelará vermelhos e vermelhos alaranjados, no caso das
estrelas “mais frias”, e azuis e azuis violáceos, no caso das estrelas
“mais quentes”. A luz das estrelas é muito fraca, entretanto, para
excitar os cones sensores de cores da retina. Dessa maneira, vemos
as estrelas com nossos bastonetes e as percebemos como brancas
ou, no máximo, apenas com uma cor fraca. As mulheres possuem
um limiar de excitação ligeiramente mais baixo para os cones,
entretanto, conseguem enxergar mais as cores das estrelas do que
os homens. Portanto, se ela diz que enxerga estrelas coloridas e ele
afirma que não, ela provavelmente está certa!

FONTE: HEWITT, P. G. Fundamentos de Física conceitual. Porto


Alegre: Bookman, 2009.

1 Analise as proposições acerca do que foi discutido nesta seção e


classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A transposição didática é a transição do conhecimento construído


sob a ótica da metodologia científica como algo a ser ensinado e
aprendido.
( ) Os problemas qualitativos têm como característica principal
levar o aluno a discorrer sobre os conceitos abordados em sala,
tomando como base os princípios da metodologia científica.
( ) O fato de os resultados da pesquisa básica em ensino de Física
não chegarem ao professor dificulta as mudanças no ensino.

104
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

4 DEBATES CONTEMPORÂNEOS NO
ENSINO DE FÍSICA
Nesta seção, debateremos dois tópicos que podem dar subsídios aos
professores de Física que tenham a proposta de transformar a sala de aula em
um laboratório. Não um laboratório cheio de equipamentos, como nos filmes, com
cientistas de jaleco branco, mas um espaço onde a imaginação possa fluir, as
ideias possam ter espaço para surgir e onde o erro não é apontado como algo
negativo, mas sim como algo a ser discutido e trabalhado.

Em Física, procuramos o entendimento dos fenômenos, algumas vezes


precisamos eliminar tantos fatores dos problemas abordados, como o atrito nos
problemas que envolvem o movimento de corpos, que eles perdem o sentido
para o aluno e acabam se tornando fora de contexto. Lembre-se de que o fazer
científico não é algo linear e quanto mais elementos históricos, culturais e sociais
forem incluídos nas aulas, a chance de o aluno se identificar e se dispor a
aprender pode ser maior.

No primeiro tópico, discutiremos a importância de uma aprendizagem


significativa em Física e, no segundo, sobre o ensino de Física em espaços não
formais. Ao final do capítulo, traremos uma lista de espaços científicos, por todo
o Brasil, que os professores podem utilizar para apresentar a ciência em outro
formato que não seja a sala de aula.

4.1 APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA


EM FÍSICA
As orientações do Ministério da Educação (MEC) para o ensino de Física são
que este deve passar longe de um ensino memorístico (BRASIL, 2018). Equações
e teorias fazem parte do currículo, mas de que adianta entender todas as variáveis
de uma equação se ao fim da aula o aluno se pergunta ‘onde vou usar isso?’.
Por esse motivo, faz-se importante que o professor esteja atento a sua prática
pedagógica para evitar que os alunos passem a sentir repulsa pela Física.

Algumas pesquisas no campo da educação mostram que muito se tem


feito para tentar maximizar a aprendizagem do aluno. Diversas teorias foram
elaboradas e testadas ao longo dos anos e cada uma possui seus pontos fortes
e dificuldades de implementação, porém, somente o professor pode determinar a
teoria de aprendizagem que melhor se adéqua à rotina de sala de aula.

105
O Ensino de Física e o Cotidiano

Segundo Queiroz (2021), a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) foi


desenvolvida por David Ausubel e faz parte do grupo de teorias denominadas
teorias cognitivistas, as quais se preocupam em entender como se dá a
organização e a integração de novos conhecimentos na mente do aluno, sendo
amparada em duas premissas: a cognitiva e a aplicabilidade.

Segundo o caráter cognitivo, a aprendizagem significativa só ocorrerá se


houver uma ligação entre o novo conhecimento e o conhecimento que o aluno já
possui, denominado subsunçor. O caráter da aplicabilidade se relaciona ao fato
de que a sala de aula é um centro social de aprendizagem, e é nesse ambiente,
utilizando linguagem própria, por exemplo, fala, escrita ou matemática, que o
aluno irá criar e desenvolver sua rede cognitiva.

Na TAS, o professor orquestra o ensino, ou seja, ele pauta as metas de


aprendizagem, seleciona e organiza conteúdos, aplica exercícios e promove a
avaliação. O aluno participa como agente ativo na construção do conhecimento,
ou seja, há um protagonismo do aluno, procura-se a valorização de suas ideias,
enquanto o professor passa a ter o papel de elevá-las a patamares superiores
para que o aluno, à medida que avança no ciclo escolar, possa construir uma
rede de conhecimentos mais sólida e com significado.

Quando um professor escolhe desenvolver seu trabalho tendo como base


os preceitos da TAS, uma pergunta deve fazer parte de seu planejamento: o que
o meu aluno já sabe? Segundo Ausubel (1968), a aprendizagem é um processo
pelo qual o novo se relaciona com uma estrutura já existente. Fazendo uma
correspondência, o conhecimento seria uma corrente e cada conceito ou nova
informação seria um elo.

“Se eu tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um único


princípio, diria isto: o fator isolado mais importante que influencia a aprendizagem
é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso seus
ensinamentos” (LIMA, 2008, p. 12).

Quais as vantagens de utilizar a TAS? Bem, alunos que desenvolvem


conhecimentos de forma significativa terão essas novas ideias dispostas por mais
tempo na teia cognitiva e de maneira mais estável, enquanto na aprendizagem
memorística as ideias não se relacionam com nenhuma ideia anteriormente
existente, ou seja, as informações são memorizadas e logo perdem espaço para
outras informações.

106
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Pense um pouco e reflita: ensino memorístico e ensino mecânico


podem ser considerados sinônimos?

Segundo Moreira e Masini (2001), quando não há na rede cognitiva do aluno


nenhum conhecimento prévio, ou seja, nenhum subsunçor que possa ancorar
o novo conhecimento é a aprendizagem mecânica que pode auxiliar nesse
processo de formação da rede cognitiva. Ora, se o indivíduo se depara com
uma área totalmente nova, ele construirá elementos de conhecimento a partir de
lições mecânicas, tais como a repetição, até que estas estruturas fiquem mais
elaboradas e possam servir de âncoras para novas estruturas.

Vale lembrar que quando você aprendeu a ler e a escrever, sua professora
do ensino infantil não ofereceu um livro de Machado de Assis como indicação de
primeira leitura. Por que, muitas vezes, queremos que nossos alunos entendam
a teoria da relatividade sem que eles tenham conhecimento suficiente sobre o
movimento dos corpos?

Segundo Ausubel (1968), a partir da formação dessa estrutura primária, a


aprendizagem significativa passa a acontecer, uma vez que o novo conhecimento
se relacione com a estrutura já existente e que o aluno esteja disposto a fazer
essa relação. “Um material, para ser ancorado, deve ser logicamente significativo,
suficientemente não arbitrário e não aleatório” (MOREIRA; MASINI, 2001, p. 23).
Lima (2008) afirma que podem funcionar como elementos de ligação entre os
conceitos materiais que apresentam um grau de abstração e de inclusividade, por
exemplo, um texto introdutório ou um filme. A Figura 4 apresenta um esquema de
como um novo conhecimento ajuda a construir a rede cognitiva do aluno.

FIGURA 4 – ESQUEMA DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CONFORME A TAS

FONTE: O autor

Listamos uma série de processos que podem ajudar no entendimento da


TAS:

107
O Ensino de Física e o Cotidiano

a) O professor precisa reconhecer e utilizar diferentes formas de estímulo


para a aprendizagem.
b) Precisa propor hipóteses a partir de elementos que se relacionam.
c) Testar essas hipóteses em diferentes situações.
d) Fazer a seleção das hipóteses que melhor se enquadram ao conjunto de
atributos.
e) Relacionar esses atributos com a estrutura já existente na rede cognitiva.
f) Diferenciar o novo conceito em relação a conceitos previamente
aprendidos.
g) Representar o novo conteúdo por meio de um símbolo.

Segundo Abib (2008), a Física pode ser ensinada em qualquer etapa de


escolarização de uma pessoa, inclusive no ensino infantil, desde que a Física
não seja encarada como um conjunto de ideias abstratas relacionadas a
expressões matemáticas. Segundo a autora, a construção do conhecimento em
Física se dá através do pensamento hipotético-dedutivo e raciocínio proporcional,
desenvolvimento da autonomia e estímulo à produção escrita.

Logo após a escolha e a organização da metodologia mais adequada,


o professor promove o ensino dos conteúdos selecionados. Nesta etapa é
importante destacar que a promoção da aprendizagem pode ocorrer por recepção
ou por descoberta. Em ambos os casos ela pode ser significativa ou não. Logo em
seguida, o professor avalia o crescimento cognitivo do aluno, utilizando métodos
também significativos.

Nessa etapa é interessante você pesquisar sobre o ensino por


recepção e o ensino por descoberta. Fazer a definição de ambos,
enumerar quais suas características e pensar em exemplos de cada
um deles.

Passado o momento das discussões é hora de avaliar. Fazer testes e provas


faz parte da rotina de muitos estudantes. No ensino memorístico, as aulas servem
para fazer o aluno memorizar o máximo de informação possível para resolver
os problemas propostos. Na TAS, Ausubel (1968) propõe que os alunos sejam
levados a um novo universo de avaliação. Nesse novo campo, o aluno é colocado
diante de questões novas, exigindo que ele busque em suas estruturas cognitivas
a transformação do conhecimento.

108
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Dessa forma, ao se deparar com uma situação nova e desafiadora, o


aluno de Física terá que resgatar elementos relevantes que o ajudem na tarefa
de solucionar problemas envolvendo fenômenos físicos. Tal fato se adéqua
ao pensamento de Ausubel (1968) sobre a importância de desenvolver uma
rede cognitiva não arbitrária, quando o conhecimento se relaciona com ideias
relevantes na rede cognitiva do aluno, e não literal, isto é, o que é incorporado à
estrutura cognitiva do aluno é a ideia e não a palavra que a representa.

Moreira e Masini (2001) apresentam dois exemplos de atividades avaliativas


para uma aprendizagem significativa. O primeiro é a reformulação da escrita de
problemas. Ao elaborar as sentenças dos problemas, o professor pode utilizar
construções gramaticais não habituais e também apresentar os problemas de
forma não direta, ou seja, eliminar de suas avaliações questões do tipo “calcule”,
“resolva” ou “elabore”. A segunda é pedir ao estudante que resolva uma questão
de conhecimentos sequenciados, ou seja, para obter uma resposta, o aluno deve
percorrer um caminho cognitivo, no qual uma tarefa só pode ser executada com o
domínio perfeito da precedente.

Agora que passamos por todas as etapas da construção de um conhecimento


significativo, faremos um resumo da Teoria da Aprendizagem Significativa, de
Ausubel (1968):

a) O ensino e a aprendizagem não podem ser dissociados.


b) Ensinar envolve planejamento, ou seja, escolher situações de ensino e
formas adequadas de avaliar.
c) É preciso ter ciência sobre os conhecimentos prévios dos alunos.
d) O material utilizado nas aulas precisa ser potencialmente significativo.
e) As ideias centrais devem ser selecionadas e ser o ponto de partida para
ideias mais específicas.
f) O professor precisa criar situações em que o aluno se sinta à vontade
para expor suas ideias.
g) A avaliação precisa ocorrer em todo o ensino.
h) O aluno precisa estar ciente das suas funções a fim de agir como
construtor do conhecimento.

109
O Ensino de Física e o Cotidiano

1 Segundo a Teoria da Aprendizagem Significativa, de David


Ausubel, o que são subsunçores e qual a sua importância para a
aprendizagem dos alunos?

4.2 ENSINO DE FÍSICA EM ESPAÇOS


NÃO FORMAIS
A escola é o único espaço onde pode haver o ensino e a promoção da
aprendizagem? Pense bem, somos rodeados de informações, as mídias sociais
inundam nossas telas de notícias, algumas verdadeiras, outras falsas, para onde
nossos olhos apontam, vemos uma informação diferente. Não vamos discutir o
ensino formal e o ensino não formal, mas queremos ampliar seu pensamento para
o uso de espaços não convencionais para o ensino de Física.

A educação em ciências se preocupa com a formação do cidadão crítico e


reflexivo e a alfabetização científica precisa contar com a colaboração de uma
rede de elementos que possam ajudar nesse processo de formação. Dentre os
espaços que podem ser utilizados para ampliar essa rede, podemos incluir os
museus e as salas de exposição científica. O museu não é um espaço onde se
guardam objetos do passado, ele é o retrato da vida.

A transposição didática da Física em espaços não formais de educação


se estrutura de forma a possibilitar que os visitantes elaborem processos de
modelagem essencialmente qualitativos em diferentes níveis. A Física nos museus
é essencialmente qualitativa, ou seja, os aspectos quantitativos dos fenômenos
não são focados nos aparatos, oficinas e exposições.

Dentre os olhares que a Física pode dar durante uma visita ao museu,
podemos citar:

a) Enxergar situações do cotidiano.


b) Vivenciar a estrutura do método científico.
c) Apresentar leis e teorias científicas.
d) Associar Ciência e História.
e) Fazer uma reflexão de temas controversos.
f) Conectar Ciência e Arte, em suas diferentes expressões.

110
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

Quando o professor decide incluir a visita a um museu como estratégia de


ensino, alguns pontos precisam ser observados no planejamento da visita:

a) O tema abordado: este precisa estar de acordo com o tema trabalhado


em sala de aula. A visita ao museu pode acontecer antes do conteúdo ser
discutido em sala, para motivar o aluno, seguindo os princípios da Teoria
da Aprendizagem Significativa, ou depois, para exemplificar, reforçar
conceitos ou até mesmo apresentar diferentes perspectivas sobre o
assunto, seguindo uma perspectiva para a alfabetização científica.
b) O objetivo dos idealizadores: um dos conflitos que podem acontecer é
a dicotomia entre o que o idealizador deseja mostrar e o que o visitante
entende. Recomenda-se que antes da visita o professor possa colher o
máximo de informações.
c) O interesse dos visitantes: antes de planejar uma visita ao museu, o
professor precisa conhecer os conhecimentos prévios dos alunos e suas
vivências culturais.

A mediação numa visita ao museu pode ser feita pelo professor ou por um
guia disponibilizado pelo próprio espaço. Caso seja feita pelo professor, este
precisa conhecer bem a exposição e traçar um roteiro, uma trilha que possa
ser percorrida pelos alunos, para que eles percebam o sentido da visita e não
transformem a aula num passeio. Lembre-se de que a aula num espaço não formal
de aprendizagem não pode ser uma cópia do que acontece em sala de aula. O
aluno precisa sentir que possui certa liberdade para interagir com a exposição,
assim estaremos proporcionando uma experiência pessoal de aprendizagem.

Um dos desafios que se apresentam ao planejar uma visita a um espaço não


formal de educação, como museus, parques, espaços de ciências, entre outros,
é integrar a divulgação científica à inclusão social, isto é, promover nos alunos o
sentimento de pertencimento, favorecendo uma identidade entre os alunos e os
espaços da cidade.

Zimmerman (2012) coloca um ponto de atenção com relação ao ensino de


Física: ele deve ser vivenciado ao longo da vida. Dessa frase e de tudo que já
construímos até agora, podemos tirar diferentes conclusões, dentre elas:

a) A Física é um elemento que movimenta a sociedade.


b) A Física é uma Ciência que colabora para o desenvolvimento tecnológico
e social.
c) A divulgação científica tem o papel de melhorar a vida das pessoas.
d) A Física permite conhecer diferentes aspectos do mundo.

111
O Ensino de Física e o Cotidiano

Terminamos nosso capítulo com uma dica que pode te ajudar a


pensar em aulas fora do espaço escolar. O guia Centros e museus de
ciência do Brasil, publicado em 2015 pela Associação Brasileira de
Centros e Museus de Ciência, traz informações sobre os principais
centros de pesquisa, museus, jardins botânicos, associações
de ciência, entre outros espaços que podem ser utilizados por
professores de Física para construir conhecimento de forma
contextualizada. O guia apresenta espaços em todas as regiões do
Brasil. Disponível em: https://issuu.com/pesquisa-unificada/docs/
centros_e_museus_de_ci__ncia_do_bra.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A ciência entra na vida escolar de muitas pessoas ainda na Educação
Infantil. Observar o desenvolvimento de um grão de feijão pode parecer simples,
mas envolve uma metodologia científica própria, com passos bem determinados
e atenção extrema do cientista (criança). Nessa situação, algo de muito precioso
está sendo formado: a admiração pela área científica.

Entretanto, com o passar do tempo, a disciplinarização e o retalhamento


dos conteúdos vão fazendo parte da vida escolar do aluno e aquela admiração
inicial vai se transformando, em alguns casos, em afastamento, falta de apreço
e até bloqueio. Como mudar isso? Como fazer com que o aluno de Física se
encante pela ciência e olhe para os conteúdos e enxergue além de expressões
matemáticas?

Foi isso que discutimos ao longo deste capítulo, teorias, formas e ideias para
transformar a sala de aula, aproximar o aluno dos conceitos e fazê-lo ver, além
dos conteúdos do livro didático, a ciência que existe no seu cotidiano.

Qual o modelo de ensino ideal? Responder a essa pergunta não é uma tarefa
simples, uma vez que envolve uma série de fatores, por exemplo, fatores políticos,
sociais e econômicos da sociedade, além dos atores envolvidos nesse processo.
Entretanto, o modelo de ensino não é algo estruturado somente por estâncias
superiores, tais como governos? Não, ou pelo menos não deveria ser. Todas as
pessoas que fazem parte da escola, dentro de um modelo democrático, deveriam
ser ouvidas para assim oferecer um ensino que atendesse às expectativas das

112
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

pessoas, oferecendo conteúdos para a construção de uma aprendizagem voltada


para a cidadania.

Ao apresentarmos as bases do enfoque Ciência, Tecnologia e Sociedade,


ampliamos nossa visão sobre a importância de olhar para além dos muros da
escola e voltamos a ver a ciência como uma construção cultural, algo que faz
parte da vida das pessoas e muitas vezes se esconde por trás de estereótipos.

Embora a escola tenha sua importância socialmente reconhecida na


construção do conhecimento, ela não é o único espaço onde os alunos podem
ter acesso à informação. Neste capítulo, levantamos dois pontos: o cuidado na
seleção de conteúdo e o combate a notícias falsas; e a inclusão de espaços não
formais de ensino.

A decisão sobre quais materiais utilizar em sala de aula é inerente ao


professor.

REFERÊNCIAS
ABIB, M. L. V. dos S. Física no Ensino Fundamental? In: PAVÃO, A. C.;
FREITAS, D. de. (org.). Quanta ciência há no ensino de Ciências. São Carlos:
EdUFSCar, 2008.

ALMEIDA, C. et al. Centros e museus de ciência do Brasil. Rio de Janeiro:


Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência, 2015.

ANGOTTI, J. A. P.; AUTH, M. A. Reflexões para implementação do movimento


CTS no contexto educacional brasileiro. Revista Ciência & Educação, [s. l.], v.
7, n. 1, p. 15-27, 2001.

AULER, D.; BAZZO, W. A. Reflexões para implementação do movimento


CTS no contexto educacional brasileiro. Revista Ciência & Educação, [s.
l.], v. 7, n. 1, p. 1-13, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/
wJMcpHfLgzh53wZrByRpmkd/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 3 set. 2021.

AUSUBEL, D. P. Educational Psychology: A Cognitive View. New York: Holt,


Rinehart and Winston, 1968.

BONDEZAN, G. V. Perspectivas de cidadania articuladas com o


conhecimento escolar de Física. 2019. Dissertação (Mestrado em Ensino de
Ciências) - Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

113
O Ensino de Física e o Cotidiano

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018.

CHEVALLARD, Y. Sobre a teoria da transposição didática: algumas


considerações introdutórias. Revista de Educação, Ciências e Matemática, [s.
l.], v. 3, n. 2, 2013.

DOMICIANO, T. D.; LORENZETTI, L. A educação ciência, tecnologia e sociedade


no curso de licenciatura em Ciências da UFPR Litoral. Revista Ensaio, [s. l.],
v. 22, 2020. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/ensaio/article/
view/14848. Acesso em: 10 set. 2021.

FREITAS, D. de. A perspectiva curricular Ciência, Tecnologia e Sociedade –


CTS – no ensino de Ciências. In: PAVÃO, A. C.; FREITAS, D. de. (org.). Quanta
ciência há no ensino de Ciências. São Carlos: EdUFSCar, 2008.

GAMA, C. N.; DUARTE, N. Concepção de currículo em Dermeval Saviani e suas


relações com a categoria marxista de liberdade. Revista Interface, [s. l.], n. 21,
p. 521-530, 2017.

GERMANO, L. B. O movimento dos satélites. In: VIANNA, D. M.; BERNARDO, J.


R. da R. Temas para o ensino de Física com abordagem CTS. Rio de Janeiro:
Bookmakers, 2012. 132 p.

GONÇALVES, A. V.; FERRAZ, M. R. R. Sequências didáticas como instrumento


potencial da formação docente reflexiva. Delta, [s. l.], v. 32, n. 1, jan./abr. 2016.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/delta/a/BdXFNxKcRz4gTCGGYPhmzPq/
abstract/?lang=pt. Acesso em: 9 set. 2021.

HEWITT, P. G. Fundamentos de Física conceitual. Porto Alegre: Bookman,


2009.

HIRST, P. H. O que é ensinar? Journal of Curriculum Studies, [s. l.], v. 3, n. 1,


p. 5-18, 1971. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3232878/
mod_resource/content/1/O%20QUE%20%C3%89%20ENSINAR_%201.%20
por.%20Paul%20H.pdf. Acesso em: 30 mar. 2021.

KHUN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva,


1998.

LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na Contemporaneidade. Porto


Alegre: Sulina, 2015. 296 p.

114
Capítulo 2 Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) e o
Ensino de Física

LIMA, G. F. C. de. Aprendizagem significativa de Física no curso técnico em


agroindústria. 2008. 99 f. Dissertação (Mestrado em Educação Tecnológica) -
Cefet, Belo Horizonte, 2008.

MOREIRA, M. A. Uma análise crítica do ensino de Física. Revista Estudos


Avançados, [s. l.], n. 32, p. 73-80, 2018.

MOREIRA, M. A.; MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de


David Ausubel. São Paulo: Centauro, 2001.

POZO, J. I. A aprendizagem e o ensino de Ciências: do conhecimento


cotidiano ao conhecimento científico. Porto Alegre: Artmed, 2009.

QUEIROZ, E. M. Teorias da aprendizagem. São Paulo: Uninove, 2021.


Disponível em: https://philpapers.org/archive/LOPADQ.pdf. Acesso em: 30 mar.
2021.

RECUERO, R.; GRUZD, A. Cascata de fake news políticas: um estudo de caso


no Twitter. Revista Galáxia, [s. l.], n. 4, p. 31-47, 2019.

RODRIGUEZ, A. S. M.; PINO, J. C. D. Abordagem Ciência, Tecnologia


e Sociedade (CTS): perspectivas teóricas sobre educação científica e
desenvolvimento na América Latina. Tear: Revista de Educação Ciência e
Tecnologia, [s. l.], v. 6, n. 2, 2017.

SANTAELLA, L. A pós-verdade é verdadeira ou falsa? Barueri: Estação das


Letras e das Cores, 2018. 96 p.

SANTOS, W. L. P. dos. Significados da educação científica com enfoque CTS. In:


AULER, D.; SANTOS, W. L. P. dos (org.). CTS e educação científica: desafios,
tendências e resultados de pesquisa. Brasília: UNB, 2011.

SILVA, P. do N. et al. Uma análise da transposição didática da cinética química.


Revista Dynamis, [s. l.], v. 22, n. 2, p. 3-17, 2016.

VALE, J. M. F. do. Educação científica e sociedade. In: NARDI, R. Questões


atuais no ensino de Ciências. São Paulo: Escrituras, 1998.

VIANA, D. M.; BERNARDO, J. R. da R. Temas para o ensino de Física com


abordagem CTS. Rio de Janeiro: Bookmakers, 2013.

115
O Ensino de Física e o Cotidiano

ZIMMERMANN, É. Divulgação e comunicação da Física em espaços não


formais. In: GARCIA, N. M. D. et al. (org.). A pesquisa em ensino de Física e a
sala de aula: articulações necessárias. São Paulo: Livraria da Física, 2012.

116
C APÍTULO 3
Ensino de Física por Meio
de Projetos

A partir da perspectiva do saber-fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

• Aproximar o aluno de questões atuais sobre o ensino de Física.


• Estimular a busca de alternativas para o ensino de Física.
• Planejar e executar atividades utilizando recursos alternativos.
• Validar o uso de materiais não convencionais para o ensino de Física.
O Ensino de Física e o Cotidiano

118
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Ainda que avanços na área da educação tenham sido conquistados nos
últimos anos, é possível verificar uma distorção no ensino entre as escolas
brasileiras. Seja pela falta de materiais suficientes ou adequados ou pela falta
de formação de professores, o problema é que muitos jovens brasileiros ainda
recebem uma educação longe de ser considerada a ideal.

Os defensores da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) veem no


documento uma oportunidade de diminuir a desigualdade, pelo menos a
curricular. Uma vez que todas as escolas precisam cumprir um currículo mínimo,
eles enxergam que as oportunidades de aprendizagem podem ficar melhor
equilibradas. Já as pessoas que são contra a BNCC argumentam uma falta de
participação mais efetiva das classes sociais na construção do documento, além
de verem a BNCC como uma limitação das oportunidades de ensino.

Diante dessa situação, cabe aos professores pensarem em metodologias de


ensino que sejam de acordo com os seus objetivos educacionais. Esses objetivos
dizem respeito à aprendizagem que o professor deseja construir com seus alunos.
Esse processo inicia na reflexão sobre a ação, reflexão na ação e reflexão para a
ação.

Neste capítulo, discutiremos dois aspectos que podem fazer a diferença no


ensino de Física: o ensino por investigação e o uso de projetos educacionais.
Você já se perguntou qual o objetivo da Física como ciência? Qual o objetivo da
Física como disciplina escolar? Quais os seus objetivos como professor de Física?

São questões que possuem um nível de subjetividade, porque envolvem o


processo de escolha. O escopo da Física é muito grande e o professor, como
facilitador da construção do conhecimento, precisa tomar parte, precisa fazer
escolhas.

O ensino por investigação e o ensino por projetos educacionais podem


ajudar o professor a desenvolver uma aprendizagem em Física, uma vez
que mexe com dois pontos inerentes à ciência: a pesquisa e a comunicação.
Oportunizar momentos em que o aluno assume o papel de protagonista ajuda
a melhorar a relação que ele pode ter com os colegas, com o professor e com
o próprio conteúdo. Se apropriar de conceitos em diferentes fontes, de forma
contextualizada e orientada pode favorecer que a Física seja reconhecida como
uma ciência para a vida em sociedade.

119
O Ensino de Física e o Cotidiano

As mudanças na estrutura educacional sempre acontecerão e o professor


reflexivo, o professor pesquisador, o professor que aceita o desafio de criar
estratégias de ensino próximas da vida dos alunos estará melhor preparado para
encarar as mudanças e ajudar a desenvolver o ensino e a aprendizagem em
Física.

2 PEDAGOGIA DE PROJETOS
Que escola desejamos formatar? Como o aluno enxerga a escola? Como as
disciplinas podem colaborar para a formação de um cidadão crítico? Os muitos
desafios colocados pela sociedade Contemporânea fazem com que a escola
se transforme. Não que a escola seja uma peça de um tabuleiro, que se move
conforme a vontade de um jogador, mas a escola, por ser um elemento importante
para o desenvolvimento social, não pode ficar alheia às mudanças sociais.

Nos próximos parágrafos, conheceremos o ensino de Física utilizando


projetos. Trabalhar os conteúdos em sala de aula por meio de projetos pode
favorecer o interesse do aluno pela ciência, ajudar o professor a desenvolver
temas transversais ao currículo, além de dotar o aluno de responsabilidade na
construção do próprio conhecimento, uma vez que uma das bases do ensino por
projetos é a autonomia para a investigação do tema.

2.1 POSSIBILIDADES E DESAFIOS DE


UM CURRÍCULO PARA O SÉCULO XXI
COM BASE NA BNCC
Antes de chegarmos nos preceitos para a construção de projetos de
ensino, precisamos estabelecer algumas relações sobre a importância de adotar
estratégias pedagógicas na escola, além de entender quais as possibilidades e
desafios que os professores enfrentam na construção de um currículo seguindo
os preceitos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

120
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Pedagogia: o espaço da educação na universidade

A pedagogia se desenvolveu em íntima relação com a prática


educativa, constituindo-se como a teoria ou ciência dessa prática
sendo, em determinados contextos, identificada como o próprio
modo intencional de realizar a educação. Ao longo de vários séculos,
a pedagogia construiu uma rica tradição teórica e científica sobre a
prática educativa que deve continuar a ser desenvolvida, a despeito
e até mesmo por causa das inúmeras negativas de que foi alvo na
história do pensamento humano [...].
O papel da pedagogia, como ciência, não é outro senão
oferecer modelos formais sobre o problema da formação do
indivíduo racionalmente justificáveis e logicamente defensáveis,
particularizando as variáveis que os compõem enquanto instrumentos
interpretativos e propositivos de uma classe de eventos educativos.
Podemos considerar que, do ponto de vista da pedagogia,
as diferentes concepções de educação podem ser agrupadas
em duas grandes tendências: a primeira seria composta pelas
concepções pedagógicas que dariam prioridade à teoria sobre a
prática, subordinando esta àquela sendo que, no limite, dissolveriam
a prática na teoria. A segunda tendência, inversamente, compõe-
se das concepções que subordinam a teoria à prática e, no limite,
dissolvem a teoria na prática. No primeiro grupo, estariam as
diversas modalidades de pedagogia tradicional, sejam elas situadas
na vertente religiosa ou na leiga. No segundo grupo, situariam-se as
diferentes modalidades da pedagogia nova. Dizendo de outro modo,
poderíamos considerar que, no primeiro caso, a preocupação se
centra nas “teorias do ensino”, enquanto que, no segundo caso, a
ênfase é posta nas “teorias da aprendizagem”.
Por sua vez, as correntes renovadoras, desde seus precursores,
como Rousseau e também Pestalozzi e Froebel, passando por
Kierkegaard, Stirner, Nietzsche e Bergson (SUCHODOLSKI, 1978),
chegando ao movimento da Escola Nova, às pedagogias não diretivas
(SNYDERS, 1978), à pedagogia institucional (LOBROT, 1967;
OURY; VASQUEZ, 1967) e ao construtivismo, desembocam sempre
na questão de como aprender, isto é, em teorias da aprendizagem.
Pautando-se na centralidade do educando, concebem a escola como
um espaço aberto à iniciativa dos alunos que, interagindo entre si
e com o professor, realizam a própria aprendizagem, construindo
seus conhecimentos. Ao professor cabe o papel de acompanhar os
alunos, auxiliando-os em seu próprio processo de aprendizagem.

121
O Ensino de Física e o Cotidiano

O eixo do trabalho pedagógico desloca-se da compreensão


intelectual para a atividade prática, do aspecto lógico para o
psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos
de aprendizagem.
Tais pedagogias se caracterizam pelo primado da prática sobre
a teoria. Esta deve se subordinar àquela, renunciando a qualquer
tentativa de orientá-la, isto é, de prescrever diretrizes a serem
seguidas pela prática e resumindo-se aos enunciados oriundos da
própria atividade dos alunos com o acompanhamento do professor.
Essa tendência ganha força no início do século XX, torna-se
hegemônica sob a forma do movimento da Escola Nova até o início
da segunda metade desse século e, diante das contestações críticas
que enfrenta, assegura seu predomínio assumindo novas versões,
entre as quais o construtivismo é, provavelmente, a mais difundida
na atualidade.
Em síntese, percebe-se que as duas grandes tendências
pedagógicas nos conduzem a uma verdadeira aporia teórica: ambas
se revelam coerentes e plausíveis, mas, aparentemente, excluem-
se mutuamente. Sua penetração nas escolas colocou os professores
diante de um dilema prático que é preciso analisar.

FONTE: SAVIANI, D. Pedagogia: o espaço da educação na


Universidade. Revista Cadernos de Pesquisa, [s. l.], v. 37, n. 130,
p. 99-134, 2007.

Começar este capítulo com o texto de Dermeval Saviani nos ajuda a entender
um pouco o que é a pedagogia tradicional e o que é a pedagogia renovadora.
Enquanto a primeira coloca a teoria como elemento principal, o professor como
detentor do conhecimento e único responsável por transmiti-lo, a segunda dá
ênfase à prática, o aluno constrói seus conhecimentos com o professor.

Não queremos defender uma outra tendência pedagógica, afinal, essa


dicotomia entre a pedagogia tradicional e renovadora talvez tenha criado uma
rivalidade entre teoria e prática, entre professor e aluno (SAVIANI, 2007). Será
que o melhor caminho é escolher entre a pedagogia tradicional e a pedagogia
renovadora ou podemos entender melhor como as características de cada uma
podem ajudar o professor a construir sua prática docente e assim poder tirar o
melhor de cada uma delas?

122
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Para entender um pouco mais sobre as contribuições da


pedagogia à prática docente, indicamos a leitura do livro Pedagogia e
prática docente, escrito por Maria Amélia do Rosário Santoro Franco,
publicado em 2018 pela Editora Cortez. Neste livro, a autora dialoga
com diferentes teóricos a fim de ajudar os professores na reflexão
sobre sua prática docente.

Pereira et al. (2013) afirmam que a escola é um terreno permanente de


desafios e tensões, mas não podemos esquecer que uma de suas funções sociais
é formar uma sociedade de aprendizagem, onde a formação para todos deve ser
buscada.

Uma das últimas mudanças no ensino brasileiro é o texto da Base Nacional


Comum Curricular. Sua proposta é oferecer a todas as redes de ensino brasileiras
uma referência para a elaboração de currículos e propostas pedagógicas.
Embora a BNCC possa movimentar algumas estruturas da escola, por exemplo,
a reelaboração curricular, a revisão dos projetos pedagógicos e a construção de
materiais didáticos, ela não é a solução de todos os problemas da escola e não
podemos perder de vista o sentido da educação.

Rosa e Rosa (2012) afirmam que a educação, de maneira geral, pode


ser entendida como o processo pelo qual são transmitidos aos indivíduos
conhecimentos e atitudes necessários para que eles tenham condições de se
integrar à sociedade.

O Quadro 1 coloca os cinco fundamentos pedagógicos e algumas ações que


podem ser implementadas pela escola para assegurar, conforme a BNCC, as
aprendizagens essenciais para cada etapa da Educação Básica no Brasil. Vale
lembrar que as ações não estão atreladas a cada fundamento, elas podem se
realizar em qualquer um deles. São as decisões tomadas no ambiente escolar que
ajudarão a adequar as propostas da BNCC à realidade de cada escola, conferindo
a cada sistema de ensino autonomia para tomar as decisões, respeitando o
contexto e as características dos alunos (BRASIL, 2018).

123
O Ensino de Física e o Cotidiano

QUADRO 1 – FUNDAMENTOS E AÇÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO


DE UM CURRÍCULO TENDO COMO BASE A BNCC

Fundamentos Ações
Foco no desenvolvimento de Contextualizar os conteúdos dos componen-
competências tes curriculares.
Compromisso com a educação Fortalecer a competência pedagógica das
integral equipes escolares para adotar estratégias
mais dinâmicas, interativas e colaborativas
com relação à gestão do ensino e da apren-
dizagem.
Igualdade Selecionar e aplicar metodologias e estraté-
gias didático-pedagógicas diversificadas,
recorrendo a ritmos diferenciados e a conteú-
dos complementares.
Diversidade Conceber e pôr em prática situações e pro-
cedimentos para motivar e engajar os alunos
nas aprendizagens.
Equidade Construir e aplicar procedimentos de aval-
iação formativa de processo ou de resulta-
do que levem em conta os contextos e as
condições de aprendizagem.
Selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos
didáticos e tecnológicos para apoiar o proces-
so de ensinar e aprender.
Criar e disponibilizar materiais de orientação
para os professores.
Manter processos contínuos de aprendiza-
gem sobre gestão pedagógica e curricular
para os demais educadores, no âmbito das
escolas e sistemas de ensino.
FONTE: Adaptado de Brasil (2018)

Para conhecer mais sobre os princípios da BNCC, entender


cada um de seus fundamentos, além de conhecer as competências
gerais e específicas de cada uma das áreas do conhecimento,
acesse o link: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.

124
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Perante esse quadro, podemos ficar pensando nas mudanças que serão
implementadas em sala de aula com a aprovação da BNCC. Rocha e Pereira
(2016) fizeram um apanhado em 34 publicações acadêmicas sobre a BNCC, cujo
resumo veremos no Quadro 2, apresentando dois pontos: o ponto de vista de
autores que são a favor da BNCC e o ponto de vista de autores contrários ao
documento.

QUADRO 2 – PONTOS DE VISTA A FAVOR E CONTRÁRIOS À BNCC


Pontos de vista de defesa da BNCC Pontos de vista contrários
à BNCC
Possibilidade de promover justiça social. Prática de controle e ten-
tativa de homogeneidade.
Garantia dos direitos de aprendizagem e desenvolvi- Vincula-se a políticas de
mento. avaliação.
Desvincula o currículo das avaliações e dos livros Instrumento de regulação.
didáticos.
Reproduz experiências
internacionais.
Já existem outros doc-
umentos que tratam do
currículo no Brasil.
FONTE: Adaptado de Rocha e Pereira (2016)

Rocha e Pereira (2016) afirmam que a escola se tornou, com a ascensão do


liberalismo, um lugar que possibilitaria uma promoção social, que a educação era
vista como a equalizadora de todos os males sociais, gerando oportunidade para
todos, assim, a educação ganha um poder transformador para a sociedade.

O grupo que apoia a BNCC afirma que o Brasil, levando em conta suas
dimensões geográficas e diversidade cultural, cria um ambiente de desigualdade
acadêmica, e a BNCC, ao considerar os conteúdos mínimos, estaria criando um
ambiente de regularidade educacional, em que todos os estudantes brasileiros
teriam a mesma oportunidade de desenvolver os mesmos saberes.

A BNCC delimita os conteúdos obrigatórios para todos os estudantes,


independentemente de classe, etnia ou gênero, construindo uma inédita equidade
educacional, porém não podemos esquecer que as implementações desses
conteúdos precisam ter um olhar individualizado, respeitando as finalidades e os
objetivos educacionais de cada escola e de cada professor (ROCHA; PEREIRA,
2016).

O grupo contrário à BNCC possui um viés de pensamento que questiona


a verticalização em que foi construído o documento. Embora tenha havido a

125
O Ensino de Física e o Cotidiano

participação de diferentes setores sociais, Rocha e Pereira (2016) denunciam que


diversas associações e sociedades acadêmicas foram ignoradas ou tiveram seus
pareceres rejeitados pela comissão responsável por redigir o documento final.

Outro ponto de destaque é a constituição do currículo baseado em conteúdos


mínimos, segundo o grupo contrário à BNCC, essa minimização dos conteúdos
pode estar atrelada a interesses de grupos econômicos e políticos que buscam
uma unicidade curricular no Brasil. Um dos artigos analisados por Rocha e
Pereira (2016) coloca a fragilidade da BNCC como ponto de atenção, uma vez
que o documento tenta controlar algo que está em constante movimento e que
não pode ser engessado: o currículo.

Não pretendemos fazer juízo de valor e sim oferecer aos professores


diferentes perspectivas, mostrar os dois lados da moeda. O debate sobre a
BNCC, sua implementação em sala de aula e as mudanças que ela já provoca
nos sistemas de ensino carecem de muitos estudos. Inclusive, convidamos você
a refletir sua prática docente e fazer uma projeção de quais mudanças você julga
serem necessárias e importantes na sua sala de aula.

Como professor de Física, que mudanças sociais você percebe


que influenciam sua prática pedagógica?

Trazendo ao debate o ensino de Física, Rosa e Rosa (2012) afirmam que o


ensino de Física está em vias de colapso, caso o modelo baseado na memorização
de conteúdos continue acontecendo nas escolas. Há uma necessidade de
renovação, a visão de que a simples transmissão de saberes e o acúmulo de
informações são suficientes para promover uma educação em Física não têm
espaço com a implementação da BNCC nas escolas.

Um dos pesquisadores brasileiros de destaque quando o assunto é o ensino


de Física é Marco Antônio Moreira. Em um texto publicado em 2000, ele destaca
que muitas pesquisas acadêmicas foram realizadas no sentido de investigar
iniciativas que poderiam transformar a sala de aula. Como exemplo, citamos
os avanços no uso de equipamentos de baixo custo e a inserção de tópicos de
História e Filosofia das Ciências.

126
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Moreira (2000) destaca que muitas dessas iniciativas ocorrem de


forma isolada, desconexas da prática regular do professor, ou seja, algumas
são enxertadas, fora de contexto curricular. A interdisciplinaridade e a
transdisciplinaridade são confundidas com não disciplinaridade e tiram a
identidade da Física (MOREIRA, 2018). O Quadro 3 apresenta algumas das
características do currículo ao longo da história da educação brasileira e pode
nos ajudar a pensar num currículo atual.

QUADRO 3 – CARACTERÍSTICAS DO CURRÍCULO AO LONGO DA HISTÓRIA


1º momento 2º momento 3º momento 4º momento

(1920-1980) (década de 1980) (década de 1990) (final dos anos 1990 e


início dos anos 2000)
Transferência instru- Abalo da hegemonia Maior enfoque so- Incorporação de enfo-
mental de teorizações funcionalista ameri- ciológico em con- ques pós-modernos e
americanas cana traposição ao pensa- pós-estruturais
mento psicológico
Assimilação de mod- Fortalecimento do Currículo como es- Incorporação dos
elos curriculares pensamento marxista paço de relações de pensamentos de
poder Foucault, Derrida,
Deleuze, Guattari e
Morin
Possuía viés funcio- Disputa entre os Contextualização Multiplicidade de te-
nalista grupos da pedagogia do currículo com a orias
crítico-reflexiva e ped- política, economia e
agogia do oprimido fatores sociais
Viabilizado por acor- Apropriação dos Discussão sobre as Pluralidade dos enfo-
dos bilaterais entre pesquisadores bra- relações entre con- ques
Brasil e Estados sileiros do pensamen- hecimento científico,
Unidos com base no to de Michael Apple e conhecimento escolar,
plano de auxílio aos Henry Giroux saber popular e senso
países da América comum
Latina
FONTE: Adaptado de Lopes e Macedo (2011)

Gomes et al. (2018) mostram que a desmotivação que os jovens brasileiros


sentem para estudar Física está atrelada a aulas excessivamente teóricas,
com pouca prática e desconectadas da realidade do aluno. A construção de um
currículo de Física depende de diversos fatores, por exemplo, influência dos
materiais didáticos, disputas políticas, objetivos de ensino e aprendizagem etc. O
que não podemos deixar de lado é a importância de o professor ocupar o espaço
de construtor do currículo de sua disciplina. O processo de escolha no campo
curricular pode não ser fácil, mas é necessário para que possamos trabalhar uma
Física voltada para a compreensão do mundo.

127
O Ensino de Física e o Cotidiano

Indicamos nesta seção a visita ao site da Base Nacional Comum Curricular.


Em um dos documentos disponibilizados, encontramos as etapas que orientam
a implementação da BNCC. Além desse documento, encontramos o guia para
gestores, o guia de temas transversais e orientações para (re)construir o Projeto
Político-Pedagógico (PPP) da escola. O Quadro 4 mostra um resumo das
dimensões para orientar a efetivação da BNCC na escola.

QUADRO 4 – CAMINHO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC NA ESCOLA

Dimensão Ações
Estruturação da gover- Articular um regime de colaboração, mobilizando
nança da implementação pessoas, criando mecanismos de financiamento e
monitoramento.

Estabelecimento de uma governança que conduza


as diferentes estâncias durante o processo de im-
plementação da BNCC na escola.

Planejamento do processo de implementação.

Compor equipes de trabalho.

Mobilizar e comunicar as pessoas que tenham inter-


esse no processo.

Estudo das referências Estudar conceitos, concepções e metodologias.


curriculares
Fazer o levantamento dos documentos que orien-
tam a educação no Brasil.

Definir as diretrizes para a (re)elaboração curricular.

Sistematizar e apresentar os estudos.


(Re)elaboração curricular Compor grupos de trabalho para aprofundar e
desenvolver o documento curricular.

Construir uma versão preliminar.

Realizar consultas públicas.

Sistematizar as contribuições para a proposta cur-


ricular.

Enviar as propostas aos conselhos de educação.

128
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Formação continuada Definir uma equipe de formação continuada.


para os novos currículos
Fazer o levantamento das ações formativas já real-
izadas e dos recursos necessários e disponibiliza-
dos.

Planejar a formação.

Executar a formação.

Monitorar a formação.

Avaliar e replanejar a formação.


Revisão dos projetos ped- Engajar e informar a comunidade escolar.
agógicos
Fazer a orientação dos gestores para conduzir o
processo de revisão.

Acompanhamento das revisões pelas escolas.

Incorporar os novos projetos pedagógicos à prática


escolar.
Materiais didáticos Definir uma governança para alinhar os novos cur-
rículos aos materiais didáticos disponibilizados.

Mapear e analisar os materiais didáticos.

Identificar os materiais alinhados com a proposta da


BNCC.

Realizar a escolha participativa dos materiais didáti-


cos.

Criar estratégias de apoio pedagógico ao uso dos


materiais.
FONTE: Adaptado de Brasil (2020)

Você já deve ter percebido que a construção de um currículo, com


base na BNCC, que contemple ações formativas voltadas para a sociedade
contemporânea, com todas as suas demandas, na tentativa de criar um ambiente
formativo saudável para a Física não é uma tarefa simples e muito menos trivial.
Queremos com essa discussão despertar no professor o interesse por participar
desse movimento e não se eximir desse processo. Então, pesquise sobre em que
etapa seu estado ou município se encontra na elaboração de uma nova proposta
curricular e ocupe os espaços que lhe são devidos.

129
O Ensino de Física e o Cotidiano

2.2 SIGNIFICADOS E CONCEITOS DA


PEDAGOGIA DE PROJETOS

A (res)significação do ensinar e aprender: a


pedagogia de projetos em contexto

A expressão pedagogia de projetos pertence ao conjunto de


elaborações teóricas difundidas, principalmente, pela francesa
Josette Jolibert e seus colaboradores, engajados ao Instituto Nacional
de Pesquisas Pedagógicas da França (INRP), e por Fernando
Hernández, pesquisador espanhol da Universidade de Barcelona,
ambos referenciados constantemente pelos pesquisadores da área
da prática de ensino do Ensino Fundamental.
Defendemos a tese de que a apropriação dessa perspectiva
dos projetos, nas reformas educacionais dos governos neoliberais,
como também a propagação indevida dessa via metodológica, por
secretários da educação, dirigentes da educação, diretores de escola,
supervisores, coordenadores pedagógicos, professores, estagiários,
enfim, por todos os envolvidos no processo, tem transformado o seu
conceito em um mero termo, “expressão de moda”, à medida que a
despe de sua potencial dimensão político-pedagógica.
O trabalho com projetos traz uma nova perspectiva para
entendermos o processo ensino-aprendizagem. Aprender deixa de
ser um simples ato de memorização, e ensinar não significa mais
repassar conteúdos prontos (HERNÁNDEZ, 1998; 2000). Nessa
postura, todo conhecimento é construído em estreita relação com
o contexto em que é utilizado, sendo, por isso mesmo, impossível
separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse
processo. A formação dos alunos não pode ser pensada apenas
como uma atividade intelectual. É um processo global e complexo,
no qual conhecer e intervir no real não se encontram dissociados.
Um projeto é uma atividade intencional: o envolvimento dos
alunos é uma característica-chave do trabalho de projetos, o que
pressupõe um objetivo que dá unidade e sentido às várias atividades,
bem como um produto final que pode assumir formas muito variadas,
mas procura responder ao objetivo inicial e reflete o trabalho
realizado.

130
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Num projeto, a responsabilidade e a autonomia dos alunos são


essenciais: os alunos são corresponsáveis pelo trabalho e pelas
escolhas ao longo do desenvolvimento do projeto. Em geral, fazem-
no em equipe, motivo pelo qual a cooperação está também quase
sempre associada ao trabalho.
A autenticidade é uma característica fundamental de um projeto:
o problema a resolver é relevante e tem um caráter real para os
alunos. Não se trata de mera reprodução de conteúdos prontos.
Além disso, não é independente do contexto sociocultural, e os
alunos procuram construir respostas pessoais e originais.
Um projeto envolve complexidade e resolução de problemas:
o objetivo central do projeto constitui um problema ou uma fonte
geradora de problemas que exige uma atividade para a sua
resolução.
Um projeto percorre várias fases: escolha do objetivo central,
formulação dos problemas, planejamento, execução, avaliação e
divulgação dos trabalhos.

FONTE: GIROTTO, C. G. G. S. A (re)significação do ensinar e


aprender: a pedagogia de projetos em contexto. Núcleo de Ensino
da UNESP, São Paulo, v. 1, 2005.

Você tem percebido que a sociedade contemporânea vem exigindo da escola


experiências de aprendizagem alinhadas com experiências mais dinâmicas, que
contribuam para o desenvolvimento de competências, um ensino que conecte
o mundo à sala de aula? Uma das formas de abordagem desses temas é o
trabalho com projetos. Conheceremos nesta seção dois autores que desenvolvem
pesquisas e contribuem para a promoção do ensino por meio de projetos:
Fernando Hernández e Nilbo Ribeiro Nogueira.

Segundo Hernández e Ventura (2017), as inovações costumam ser


produzidas, entre outras razões, por uma pressão exterior, por exemplo, uma
reforma educacional, ou pela vontade de mudança de um grupo. A reflexão
desses autores nos coloca a refletir sobre a responsabilização de instituições
de ensino e de professores para fomentar na escola processos educativos que
possam transformar a realidade do ensino e da aprendizagem.

131
O Ensino de Física e o Cotidiano

A editora Penso traduziu e publicou a 5ª edição do livro de


Fernando Hernández e Monserrat Ventura, chamado A organização
do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um
caleidoscópio. Nesse livro, os autores descrevem os princípios e as
práticas da organização do currículo a partir de projetos, através das
reflexões e da experiência de Fernando Hernández.

Nogueira (2013) afirma que os conteúdos acadêmicos não são a única fonte
de conhecimento, embora muitos professores tenham como meta cumprir o rol
de conteúdos dispostos no planejamento curricular da disciplina. Não queremos
tirar o valor do trabalho dos conteúdos em sala de aula, mas queremos abrir a
discussão para diferentes formas de conduzir essa abordagem. Para fazer essa
reflexão, veremos dois quadros. No Quadro 5, abordaremos as concepções
de Fernando Hernández sobre o trabalho com projetos e, no Quadro 6, as
concepções de projetos na perspectiva de Nilbo Ribeiro Nogueira.

QUADRO 5 – CONCEPÇÕES DE FERNANDO HERNÁNDEZ SOBRE PROJETOS

Pontos de definição/discussão Concepção do autor


Perspectiva educativa de proje- Termo que vem sendo utilizado para substituir
tos de trabalho (PEPT) o termo Pedagogia de Projetos, pois repre-
senta as relações pedagógicas e do apren-
dizado por meio do diálogo e da indagação.
Vantagem da PEPT Geram transformações que mudam não só as
relações, mas também o sentido da escola e o
lugar dos sujeitos.

Docentes e estudantes, assim como as


famílias, sentem-se e entendem-se como au-
tores que geram conhecimento e saber ped-
agógico.
Relação entre projetos e inter- A vida do conhecimento flui a partir do mo-
disciplinaridade mento em que se descobre e estabelece
relações entre fenômenos e experiências.
O intercâmbio com diferentes fontes de
experiência possibilita as ancoragens e as
relações.

132
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Relação livro didático e trabalho Cada um tem suas necessidades. Se consid-


por projetos erarmos nossa sala de aula como um lugar
para nos sentirmos autores, estamos abertos
para aprender a partir de múltiplas fontes, não
só de uma.
O trabalho por projetos e sua Aprende-se melhor em grupos heterogêneos
relação com a faixa etária ou e não homogeneizados pela idade ou nível.
desenvolvimento cognitivo do
aluno
Princípio da PEPT Não nos colocamos limites, pois nos guia a
curiosidade e o desejo de continuar aprenden-
do. Por isso, também aprendemos de nossos
colegas, dos estudantes e das famílias que
nos acompanham nesta aventura.
FONTE: Adaptado de Hernández e Ventura (2017)

QUADRO 6 – DEFINIÇÕES E CONCEPÇÕES DE NILBO


RIBEIRO NOGUEIRA SOBRE PROJETOS
Pontos de definição/discussão Concepção do autor
Conteúdo conceitual O professor detém o conhecimento, trans-
mite ao aluno todo o seu repertório de sa-
beres, muitas vezes de forma descontextu-
alizada.

Conteúdos procedimentais Expressa um saber-fazer, que envolve tomar


decisões e realiza uma série de ações, de
forma ordenada e não aleatória para atingir
uma meta. Os conteúdos procedimentais
estão sempre presentes em projetos de
ensino, pois realizar uma pesquisa, desen-
volver um experimento, fazer um resumo e
construir uma maquete são proposições de
ações presentes nas salas de aula.

133
O Ensino de Física e o Cotidiano

Conteúdos atitudinais São conteúdos que surgem a partir do de-


bate, da atitude dos envolvidos. A partir de
uma provocação, os alunos fazem suas
declarações, que posteriormente podem ser
trabalhadas através de elementos procedi-
mentais e cada vez que o professor sentir a
necessidade, trabalha o conteúdo de forma
conceitual. As atitudes formadas a partir dos
conteúdos trabalhados são o ponto alto da
aprendizagem.

Formação do cidadão integral Concepção de um conjunto de áreas, em


que a cognição é apenas parte de um todo.
A formação deve se expandir para as áreas
motora, afetiva, social, suas relações inter e
intrapessoal.
Projeto É a princípio uma irrealidade que vai se
tornando real, conforme começa a ganhar
corpo a partir da realização de ações e, con-
sequentemente, as articulações destas.
Projeto temático Projetos desenhados pela coordenação ped-
agógica em um trabalho solitário, ou seja, a
coordenação decide o tema, traça os objeti-
vos, as estratégias e as ações que deverão
ser desenvolvidas pelos alunos.
Teoria das múltiplas inteligências A inteligência é encarada como um espec-
de Gardner tro de competências, algo multifacetado. A
inteligência é considerada a capacidade de
resolver problemas ou de criar produtos que
sejam valorizados dentro de um ou mais
cenários culturais.
Inteligência lógico-matemática Competência em desenvolver e/ou acom-
panhar cadeias de raciocínios, resolver
problemas lógicos e lidar bem com cálculos
e números. Não é restrita à resolução de
cálculos, mas também à resolução de prob-
lemas.
Inteligência linguística Capacidade de lidar bem com a linguagem,
tanto na expressão verbal como escrita.

134
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Inteligência espacial Capacidade de extrapolar situações espaci-


ais para o concreto e vice-versa, possuindo,
dessa forma, grande percepção e relaciona-
mento com o espaço.
Inteligência corporal-cinestésica Está relacionada à perfeita forma de ex-
pressão corporal, assim como à resolução
de um problema por meio do movimento do
corpo.
Inteligência interpessoal Capacidade de entender outras pessoas,
comunicar-se de forma adequada, motivan-
do-as, incentivando-as e dirigindo-as a um
objetivo em comum.
Inteligência intrapessoal Capacidade de se conhecer, de entrar em
contato com seu próprio ser, de autoavaliar,
reconhecendo seus pontos positivos e neg-
ativos.

FONTE: Adaptado de Nogueira (2013)

O texto apresentado nesta seção e as concepções de Hernández e Nogueira


mostram que precisamos ter um olhar crítico referente aos conteúdos escolhidos
para a composição curricular. Faz parte da prática docente a reflexão sobre a
importância dos tópicos escolhidos, qual a relação entre os conteúdos e como
outras disciplinas podem trabalhar juntas em sala de aula um mesmo conteúdo.
O professor que escolher trabalhar temas com base em projetos educacionais
precisa ter bem claro que a reflexão de todos os momentos pedagógicos é
fundamental para o sucesso do projeto.

Segundo Nogueira (2013), algumas vezes vemos professores pedindo um


resumo, uma pesquisa sobre o tema que acabou de trabalhar de forma conceitual.
O aluno pega o primeiro livro que encontra, faz a cópia do texto, entrega ao
professor, que guarda a folha num armário e dá uma nota ao aluno. Ficam as
perguntas: para que serviu essa atividade? O que o aluno conseguiu extrair?

Queremos deixar essas perguntas como ponto de reflexão e afirmar que se


bem trabalhado, isto é, se o aluno receber uma boa orientação do professor, os
textos forem discutidos, as questões norteadoras forem buscadas em diferentes
fontes, o aluno tiver a oportunidade de relatar o que aprendeu e o professor
oferecer um feedback de todo o processo, um projeto desenvolvido na escola
pode auxiliar a formação de um sujeito com possibilidades de desenvolvimento
em diferentes áreas, não se limitando a uma ou outra competência.

135
O Ensino de Física e o Cotidiano

1 O uso de projetos educacionais é uma das metodologias que


o professor pode adotar em sua prática docente. Segundo a
Perspectiva Educativa de Projetos de Trabalho (PEPT), de
Fernando Hernández, cite a principal vantagem de utilizar
projetos educacionais para construir conhecimentos de forma
interdisciplinar:

2 Qual das opções a seguir diz respeito às ações que precisam ser
desenvolvidas na escola para a implementação da BNCC nas
práticas pedagógicas?

a) Definir as diretrizes para a (re)elaboração curricular.


b) O diretor precisa aprofundar e desenvolver o documento
curricular.
c) Contratar uma equipe especializada para construir uma versão
preliminar do currículo.
d) Realizar consultas somente com os professores.

3 CONSTRUINDO UM PROJETO
INTERDISCIPLINAR
Para Fazenda (2015), se a interdisciplinaridade for definida como junção
de disciplinas, caberia pensar no currículo apenas na formatação de sua grade,
porém se a interdisciplinaridade for definida como atitude de ousadia e busca ao
conhecimento, cabe pensar aspectos que envolvem a cultura do lugar onde se
formam professores, seu aspecto humano.

3.1 INTERDISCIPLINARIDADE NO
ENSINO
Dentre os pesquisadores em educação que tratam do tema
interdisciplinaridade, destacamos a professora Ivani Catarina Arantes Fazenda.
Dentro de um olhar clássico, a interdisciplinaridade passa por criar um ambiente
onde diferentes disciplinas interagem. Essa interação pode acontecer de diferentes
maneiras, por exemplo, pela comunicação das ideias ou na congregação de

136
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

temas que se relacionam epistemológica, filosoficamente ou na sua organização.


Entretanto, à medida que as pesquisas avançaram, percebeu-se que criar um
ambiente escolar interdisciplinar e fomentar uma formação capaz de criar no
professor um pensamento interdisciplinar vai além do que desenvolver um projeto
onde cada um colabora com o que a sua disciplina tem a oferecer.

Um pensamento mais contemporâneo nos convida a sair do estado comum,


sair de dentro das caixas que o ensino tradicional muitas vezes nos coloca,
separando as áreas de conhecimento.

Entendemos o seguinte: cada disciplina precisa ser analisada


não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas,
nos saberes que contempla, nos conceitos enunciados e
no movimento que esses saberes engendram, próprios
de seu lócus de cientificidade. Assim, se tratamos de
interdisciplinaridade na educação, não podemos permanecer
apenas na prática empírica, ou nas pressuposições didáticas
convencionais, mas é imperioso que se proceda uma análise
detalhada dos porquês dessa prática/didática histórica e
culturalmente contextualizada (FAZENDA, 2015, p. 10).

Indicamos a leitura do livro O que é Interdisciplinaridade? Esta


obra foi organizada por Ivani Fazenda e conta com 14 artigos de
diferentes autores que conversam sobre interdisciplinaridade sob
diferentes aspectos, inclusive no ensino de Ciências. O livro foi
publicado em 2008 pela Editora Cortez.

Yared (2008) afirma que a interdisciplinaridade luta contra os efeitos da


divisão, ela acolhe diferentes estruturas, produzindo um diálogo entre diferentes
partes. Com isso, inferimos que a interdisciplinaridade torna o sujeito mais ativo e
protagonista na construção do conhecimento.

137
O Ensino de Física e o Cotidiano

O que é essa tal interdisciplinaridade?

Patrícia Takahashi

Há muito o conceito da interdisciplinaridade vem sido discutido no campo


científico.  Sua definição passa por muitas formas e sua interpretação beira a
subjetividade de cada pesquisador conjugada com a perspectiva adotada para
o seu estudo. Além disso, sua presença faz-se cada vez mais, principalmente,
quando tomamos documentos oficiais da educação, tais como as diretrizes
curriculares nacionais e, mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC).
Como exemplo de noções interdisciplinares, podemos citar o conceito de
energia, o qual fica fácil definir a interdisciplinaridade quando assumimos suas
diferentes formas e manifestações na natureza.
Ademais, a prática na sala de aula não é e, nem nunca foi, uma tarefa fácil,
mesmo quando tínhamos “apenas” como função “transmitir” conhecimento. É
claro que a função do professor não é apenas essa. A empatia, o despertar a
curiosidade, o olhar atento, são atribuições sutis e sensíveis, características de
um professor, ou melhor, de um educador. Aqui temos um primeiro ponto de
convergência entre a pesquisa interdisciplinar desenvolvida na academia com a
práxis pedagógica do ensino básico.
Com o advento de tecnologias digitais, de fácil acesso à informação, de
transposição de barreiras físicas, culturais e sociais provenientes da expansão
da internet, a função do professor passou a sofrer mudanças em sua forma de
atuação decorrentes das novas demandas da contemporaneidade. Esses alunos,
contudo, não se prendem mais a informações desconectadas de um contexto,
de uma utilidade, de objetivos claros e com influência direta em suas vidas. Eles
necessitam não apenas do que se costuma chamar de motivação, mais que isso,
necessitam se envolver com o seu próprio aprendizado.
Desse modo, com tal objetivo – o de fazer os alunos se envolverem e se
responsabilizarem pelo seu próprio aprendizado – que os projetos interdisciplinares
podem ser pensados na prática escolar, isto é, aquilo que nós pesquisadores
obtemos como resultado pode ser transformado em metodologia para o ensino.
Ao longo de muitos anos de acertos como, também, de erros dentro da sala
de aula, entendemos o trabalho interdisciplinar como uma conjunção entre método
e estilo, aplicados em situações reais, desprendidas dos conteúdos disciplinares
isoladamente, para trabalhá-los de maneira integrada.
Dessa forma, entendemos o método como a forma em que os projetos
interdisciplinares são aplicados, dando valor primário e fundamental ao
planejamento. Além disso, devemos considerar a existência de uma sequência

138
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

didática, bem como previsões de possíveis bifurcações ao longo do caminho,


decorrentes das características que são inerentes a cada grupo de alunos, ou
seja, ao contexto da prática realizada.
Não podemos deixar de ressaltar que nenhum trabalho interdisciplinar é
definido com uma receita, como às vezes se pensa da pesquisa científica. Diante
dessa temática, o mesmo número de aulas, o mesmo professor, o mesmo ano
letivo, nada disso garante que os resultados obtidos sejam iguais para turmas
diferentes. Isso significa dizer que, dentro do planejamento pedagógico, um ponto
importante a ser levado em consideração são as especificidades do grupo de
alunos, seus pontos fortes e fracos.
A partir dessas noções e, elaborado o planejamento de como fazer – o que
inclui disposição de tempo didático, definição dos objetivos de aprendizagem
e instrumentos de avaliação –, faz-se importante compreender que o estilo diz
respeito à forma como o professor trabalha e que, assim como ocorre com o grupo
de alunos, essa forma é peculiar a cada professor, a sua experiência, não apenas
em sala de aula, mas derivada de seus aprendizados das interações vividas ao
longo de sua vida, na escola, na família e em seus grupos sociais específicos.
Tais observações são muito discutidas nas pesquisas educacionais
atuais. Assim, o professor está embebido em suas leituras, seus hobbies,  suas
atividades culturais e não pode, de forma alguma, desprezar esse arcabouço de
conhecimento que possui espaço em sua prática enquanto educador.

Interdisciplinaridade na prática

Dito isso, descreveremos brevemente a aplicação de uma metodologia


interdisciplinar chamada de Ilha Interdisciplinar de Racionalidade (FOUREZ,
1997), a qual pode ser aplicada em qualquer disciplina, turma/ano e nível escolar.
Essa metodologia é chamada de ilha na metáfora Ilha de conhecimento
num mar de ignorância. Em outras palavras, o objetivo principal de uma Ilha
Interdisciplinar de Racionalidade (IIR) não é o aprendizado de conteúdos
específicos, mas contribuir para que o aluno parta de um problema real,
desenvolva seus conhecimentos e autonomia perante sua aprendizagem. Tal
procedimento metodológico se divide em oito etapas não fixas, que podem ser
arranjadas de acordo com as necessidades específicas do grupo, do tempo
didático e da disponibilidade de recursos disponíveis para o professor. Seu objetivo
se concentra em utilizar o conhecimento desenvolvido para ter autonomia na
tomada de decisão, boa comunicação (argumentação coerente e fundamentada)
e domínio dos saberes desenvolvidos (vale lembrar que não apenas os
conhecimentos disciplinares, mas também atitudinais e procedimentais).
A seguir, apresentaremos, brevemente, etapas para o desenvolvimento da
metodologia que se aplica à interdisciplinaridade:
Etapa 1 – Sondagem (também chamada de clichê): serve para apresentar e/
ou definir uma temática com os alunos. O importante nesta etapa é deixar claro

139
O Ensino de Física e o Cotidiano

aos alunos o tempo de duração, os objetivos a serem almejados na resolução


de um problema/questão real, tentando, sempre que possível, participar e
responsabilizar os alunos acerca das escolhas e tomadas de decisão na definição
do projeto.
Etapa 2 – Panorama de investigação: refinamento e definição da questão de
pesquisa, seus participantes, previsão das normas e restrições que podem existir/
ocorrer para o desenvolvimento da IIR e definição do produto resultante da IIR (é
importante um produto que sintetiza o trabalho desenvolvido, seja ele material,
intelectual, virtual etc).
Etapa 3 – Consulta a especialistas e especialidades: essa é uma parte
importante para desenvolver conteúdos disciplinares e procedimentais
necessários na resolução do problema da IIR.
Etapa 4 – Saída à prática/campo: etapa importante para buscar informações
em espaços externos à escola, como museus, oficinas, fábricas etc., apresentando
espaços de conhecimentos não formais e interdisciplinares por natureza.
Etapa 5  – Investigação disciplinar: momento de desenvolver conteúdos
disciplinares específicos. Esta etapa pode ser desenvolvida juntamente à etapa 3,
a depender das necessidades específicas do grupo e do tempo disponível para o
desenvolvimento da IIR.
Etapa 6 – Organização dos conhecimentos adquiridos: serve para organizar
a elaboração do produto.
Etapa 7 – Elaboração do produto: finalização do produto da IIR.
Etapa 8 – Síntese da IIR: serve para apresentação e avaliação do produto,
assim como dos resultados obtidos em termos de domínio, comunicação e
autonomia.
Como dito anteriormente, essas etapas apenas norteiam o trabalho da IIR
e não são fixas, podendo ser suprimidas, aglutinadas e/ou adaptadas de modo
a atender às demandas decorrentes do produto a ser desenvolvido e do tempo e
recursos disponíveis.

FONTE: TAKAHASHI, P. Revista Educação, 2020. O que é essa tal


interdisciplinaridade? Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2020/01/24/
interdisciplinaridade-artigo-usp/. Acesso em: 15 abr. 2021.

Para Anjos et al. (2019), o ensino de Ciências é um campo propício para o


desenvolvimento de projetos interdisciplinares, uma vez que objetiva compreender,
dentre outras coisas, os fenômenos da natureza, e tais fenômenos estão longe de
ter uma explicação baseada numa única teoria, numa única disciplina, isto é, a
natureza é interdisciplinar em seu âmago. Logo, objetivando uma formação mais
completa, é preciso lançar mão de conexões próprias do conhecimento.

140
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Utilizar uma metodologia interdisciplinar é reconhecer e valorizar a


pluralidade da construção do conhecimento. Ter um olhar para as diferentes
relações entre os conceitos pode fazer com que as situações trabalhadas em sala
de aula se tornem mais próximas do aluno e ele passe a encarar a ciência como
algo próximo de sua realidade, de seu cotidiano.

Anjos et al. (2019) afirmam que a interdisciplinaridade deve conectar


conceitos teóricos à realidade cotidiana, dando sentido e senso ao que se
aprende. Para tanto, ela inspira conhecimentos mais criativos, dinâmicos, ativos e
participativos, buscando formar sujeitos mais compartes na sociedade

A sala de aula, por si só, conduz a ações de ensino. O professor de Física que
escolher trabalhar temas de forma interdisciplinar tem a seu favor o fato de a sala
de aula ser uma geradora de ações. Cada sala tem suas próprias características e
ensinar de forma interdisciplinar respeita as complexidades e as relações que os
alunos estabelecem entre si e os conteúdos discutidos. Esse fato eleva o ensino
a um patamar em que o aluno se beneficia ao experimentar uma nova forma de
conhecer o mundo e o professor garante, dentro de sua prática pedagógica, a
experimentação de novas formas de organizar suas aulas. O Quadro 7 mostra
algumas definições a respeito do trabalho interdisciplinar.

QUADRO 7 – CONCEITOS SOBRE INTERDISCIPLINARIDADE

Termo Conceito
Interdisciplinaridade het- Este tipo é dedicado à combinação de programas
erogênea diferentemente dosados, em que é necessário ad-
quirir uma visão geral não aprofundada, mas su-
perficial (poderia dizer-se de caráter enciclopédico);
dedicado a pessoas que tomarão decisões bastante
heterogêneas e que precisarão de muito bom senso.
Ex.: professores primários e assistentes sociais.
Pseudointerdisciplinari- Para realizar a interdisciplinaridade, parte-se do
dade princípio de que uma interdisciplinaridade intrínse-
ca poderia estabelecer-se entre as disciplinas que
recorrem aos mesmos instrumentos de análise. Ex.:
uso comum da matemática. Interdisciplinaridade
auxiliar – utilização de métodos de outras disciplinas.
Admite um nível de integração ao menos teórico. Ex.:
a Pedagogia recorre aos testes psicológicos para
fundar suas decisões em matéria de ensino, como
também colocar à prova as teorias da educação, ou
avaliar o interesse de um programa de estudos.

141
O Ensino de Física e o Cotidiano

Interdisciplinaridade Certas disciplinas aparecem sob os mesmos domí-


complementar nios materiais, juntam-se parcialmente, criando,
assim, relações complementares entre seus respec-
tivos domínios de estudo. Exemplo: Psicobiologia,
Psicofisiologia.
Interdisciplinaridade uni- Esse tipo de interdisciplinaridade advém de uma
ficadora coerência muito estreita dos domínios de estudo de
duas disciplinas. Resulta na integração tanto teórica
quanto metodológica. Ex.: biologia + física = biofísi-
ca.
Multidisciplinar Modelo fragmentado em que há justaposição de dis-
ciplinas diversas, sem relação aparente entre si.
Pluridisciplinar Quando se justapõem disciplinas mais ou menos viz-
inhas nos domínios do conhecimento, formando-se
áreas de estudo com conteúdos afins ou coorde-
nação de área, com menor fragmentação.
Transdisciplinar Quando há coordenação de todas as disciplinas num
sistema lógico de conhecimentos, com livre trânsito
de um campo de saber para outro.
FONTE: Adaptado de Oliveira (2016)

Olhando para o ensino de Física, historicamente, as teorias, os conceitos e


as equações são apresentadas, em muitos casos, de forma descontextualizada
e segmentada. Alguns professores trabalham conceitos físicos dentro de suas
“caixas” disciplinares, ou seja, os conteúdos discutidos numa série não se
relacionam com os trabalhados na série anterior. O problema de construir um
conhecimento em Física de forma compartimentada pode acarretar em aulas que
constroem conhecimentos vazios de significado.

Oliveira (2016) mostra que a inovação em trabalhar em sala de aula de


forma interdisciplinar está em provocar mudanças no cotidiano, alterando
rotinas, comportamentos cristalizados e hábitos arraigados, provocando reações
antagônicas entre os que querem continuar na rotina e os que querem exercer a
criatividade e o novo. A interdisciplinaridade pode ser o caminho para solucionar
a dicotomia entre o saber como um todo e o saber como parte deste todo,
substituindo uma concepção fragmentada pela unidade.

Segundo Pereira et al. (2019), um currículo integrado inclui compreender


os conhecimentos de forma global. Trazendo para a Física, significa dizer que
embora tenhamos a Física dividida em áreas (mecânica, termodinâmica, física
moderna etc.), elas precisam ser vistas como parte de uma mesma disciplina que
não foi construída desconexa de influências sociais em seus diferentes campos.

142
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

No livro A interdisciplinaridade no ensino de Física:


possibilidades de ações didáticas para o Ensino Fundamental, os
autores reuniram uma série de projetos de ensino de Física, que
versam sobre diferentes temas, por exemplo, questões ambientais
e ensino de Física e saúde e ensino de Física. Vale a pena ler e
conhecer experiências de professores que repensaram a sala de
aula e desenvolveram um olhar sobre os interesses dos alunos e
suas realidades.

PEREIRA, G. R. et al. (org). A interdisciplinaridade no ensino de


Física: possibilidades de ações didáticas para o Ensino Fundamental.
Rio de Janeiro: Yellow Carbo, 2019.

Outro ponto a ser discutido são as dificuldades para a execução de projetos


interdisciplinares, como a falta de motivação e de tempo para planejar e executar
os projetos na escola. Pereira et al. (2019) defendem o protagonismo do docente
como parte importante para superar essas dificuldades, e que ao invés de
transferir as responsabilidades da ausência de uma prática diferenciada para os
problemas seculares da escola, deve-se buscar dentro de suas possibilidades de
atuação a inovação no ensino.

Oliveira et al. (2019), inspirados em Delizoicov, mostram uma estratégia de


ensino que pode melhorar a relação entre professor e aluno na busca de uma
sala de aula mais interdisciplinar. Essa estratégia está estruturada em momentos
pedagógicos, em que a problematização ganha um foco maior. São características
de cada momento:

a) 1º momento (problematização inicial): é a etapa em que o professor


expõe aos alunos uma situação-problema com o intuito de verificar seus
conhecimentos prévios e os incentiva ao diálogo. Nesse momento, é
importante que o aluno sinta necessidade de um novo conhecimento para
explicar os fenômenos apresentados pelo professor e, portanto, tenha a
motivação necessária para, na etapa seguinte, aprender o conhecimento
científico. Nessa etapa, os primeiros elementos interdisciplinares podem
ser inseridos em uma sequência didática, uma vez que se entende que
um problema geralmente é uma situação complexa e exige a abordagem
de diferentes áreas do conhecimento para a sua resolução.
b) 2º momento (organização do conhecimento): requer auxílio do professor

143
O Ensino de Física e o Cotidiano

para a apresentação de um conhecimento novo e sistematizado, não


se limitando apenas ao conhecimento empírico e de senso comum.
É no segundo momento que os conhecimentos selecionados como
necessários para a compreensão dos temas e da problematização inicial
são sistematicamente estudados. Nesse momento, sob a orientação
do professor, espera-se que os alunos construam o conhecimento
necessário para a solução do problema apresentado, tendo o professor
como um tutor ou guia. Em sala de aula, eles se voltam com o olhar
da Física para o problema, enquanto que nas atividades de pesquisa
e reflexão externas eles buscam elementos de diferentes áreas do
conhecimento para complementarem a visão interdisciplinar dos
trabalhos. A junção final destes conteúdos se dá através do terceiro
momento pedagógico, em que se deve abordar sistematicamente o
conhecimento que vem sendo incorporado pelo aluno para analisar e
interpretar tanto as situações iniciais, que determinaram seu estudo,
como outras situações, que embora não estejam diretamente ligadas ao
motivo inicial, podem ser compreendidas pelo mesmo conhecimento.
c) 3º momento (aplicação do conhecimento): oportunidade de retornar ao
ponto de partida e reanalisar as questões problematizadas, incorporando
de forma significativa na vida dos estudantes o conhecimento científico.
Na aplicação do conhecimento, espera-se que o estudante consiga
interpretar e analisar a problematização inicial, entre outros problemas
de mesma natureza ou mesmo corpo de conhecimento, por meio de
questionamentos e, assim, encontrar o significado científico para o
problema de forma geral. A finalização de uma sequência didática com
a aplicação do conhecimento se torna elemento-chave para a conclusão
da prática interdisciplinar. Nela, espera-se que os alunos demonstrem
que conseguiram compreender os conteúdos propostos e o relacionaram
com elementos de outras áreas do conhecimento para a obtenção das
soluções dos problemas e atividades inicialmente apresentados.

O Quadro 8 nos ajudará a entender como esses momentos podem se dar em


sala de aula trabalhando o tema eletromagnetismo.

QUADRO 8 – SÍNTESE DE ATIVIDADES SOB UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR


UTILIZANDO A ESTRATÉGIA DOS MOMENTOS PEDAGÓGICOS

Número da aula Momento Atividades


1 Primeiro Apresentação de notícias e dis-
cussões sobre a conta de luz.
Separação dos grupos para a real-
ização das atividades.

144
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

2 Segundo Aula expositiva dialogada sobre trans-


formação e conservação de energia
mecânica.
3 Experimento da limalha de ferro e
Oersted.
4 Recuperação trimestral.
5 Apresentação de vídeo sobre a
relação entre variação do fluxo mag-
nético e corrente elétrica.
6 Terceiro Aprofundamento das relações entre
variação do fluxo magnético e cor-
rente elétrica.
7 Redação sobre matriz energética bra-
sileira. Apresentação de maquetes.
8 Apresentação de maquetes.
9 Debate sobre os diferentes tipos de
usinas.
FONTE: Adaptado de Pereira et al. (2019)

Aula de Física dá origem a projeto sobre mobilidade urbana

O ensino de Física no Brasil está escondido em um trincheira que


afasta os alunos de uma das ciências fundamentais para a formação
do cidadão global.  Por problemas históricos e econômicos, ele se
tornou cada vez mais teórico e repleto de exercícios repetitivos.
As aulas se tornaram enfadonhas para a maioria dos alunos que,
paradoxalmente, consomem como nunca a ciência e a tecnologia do
século XXI através de filmes, séries, livros, revistas, aplicativos, entre
outros.
Buscando aproximar a Física do aluno pós-moderno,
desenvolvemos uma atividade sobre mobilidade urbana no estado
do Rio de Janeiro. A proposta foi buscar um momento que juntasse
atividades de avaliar e de aprender no mesmo instrumento. Os
alunos deveriam ser mais do que testados em problemas, teriam que
aprender com a prova e também refletir sobre a aplicação real do
tema.
O tópico que estava sendo trabalhado era a cinemática escalar,
ou seja, o estudo do movimento ou matemática do movimento. Ao
final do bimestre, foi aplicada uma avaliação para os alunos. Essa

145
O Ensino de Física e o Cotidiano

atividade foi realizada em trio e com uso de computadores, celulares


e internet. A prova iniciou com um texto sobre problemas econômicos
gerados pelo trânsito na região metropolitana do estado.
Na reportagem, os alunos leram os depoimentos de pessoas
de baixa renda que precisavam acordar e sair de casa muito cedo
para chegarem ao trabalho no horário. A partir da realidade do
depoimento de um entrevistado, os alunos tiveram que buscar, em
um site de anúncio de imóveis, um local para alugar com o salário de
um empregado doméstico da cidade do Rio de Janeiro.
O primeiro impacto observado foi que os alunos, residentes nas
regiões mais nobres do Rio de Janeiro, não encontravam lugares
para alugar dentro do valor sugerido. Os únicos imóveis encontrados
ficavam localizados muito distantes da escola em que estudam. O
local encontrado, em geral, fora da capital, foi o ponto de partida
para toda a avaliação.
Com o endereço do imóvel, os alunos acessaram o Google
Maps (aplicativo gratuito do Google, que disponibiliza mapas, rotas
e tempos de deslocamento). Eles tiveram que determinar a rota a
ser tomada entre o imóvel encontrado e a escola deles. Para dar
realidade, o horário de partida foi colocado para as 6h da manhã, de
forma que o aplicativo utilizasse os dados do tráfego para o horário.
Com essa informação, os alunos tiveram que detalhar toda a viagem
passo a passo. Eles determinaram a distância do imóvel e o tempo
da viagem e, assim, calcularam a velocidade média da viagem,
analisando, posteriormente, o baixo valor encontrado.
Com o tempo de viagem, eles calcularam anualmente quanto
uma pessoa gasta para ir e vir do trabalho morando na localidade
do imóvel e trabalhando na região mais cara do Rio de Janeiro,
onde está concentrada a maioria dos empregos da cidade. Os
resultados impressionaram os alunos quando encontraram o valor
de aproximadamente 40 dias inteiros por ano dentro do transporte
público.
Ainda com os dados da rota, eles calcularam os valores gastos
com os custos de transporte. Fazendo uma troca no modal de
transporte do site, de transporte público para automóvel privado,
eles puderam calcular a velocidade média desse deslocamento. O
valor foi comparado com o dado do transporte público. A partir deste,
também, os alunos calcularam o consumo de combustível e o custo
mensal da viagem utilizando automóvel privado.
Ao final de uma série de muitas questões, que misturavam a
física tradicional e a relação social da ciência, os alunos tiveram
que apresentar duas propostas de soluções para a melhoria da
mobilidade urbana na região metropolitana do Rio de Janeiro e, se

146
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

possível, apresentar referências de locais em que as soluções foram


aplicadas com sucesso.
O resultado da avaliação foi muito positivo. Aplicando a prova,
notava-se que os alunos não se sentiam pressionados pelo momento
e que estavam aprendendo com o instrumento de checagem. Eles
mesmos escreveram, no final da prova, o que acharam da iniciativa.
Um aluno escreveu a seguinte mensagem: “pela primeira vez sinto
que aprendi num teste, e que os conhecimentos exatos e humanos
se fundiram para propor uma questão pertinente que me afetou, me
sensibilizou e fez com que eu me importasse mais com a questão.
Só posso dizer: OBRIGADO!!!”.
Essa avaliação buscou tornar a Física mais próxima da realidade,
contribuindo para a formação de um cidadão global consciente, que
pensa nas relações e impactos da ciência e tecnologia na sociedade.
Assim como tentou fazer com que o “momento da prova” fosse
também um “momento de aprendizagem”. Os desdobramentos
desse trabalho são muitos. Eles poderiam se estender para um
bimestre inteiro de aprendizado transdisciplinar.

FONTE: TOLEDO, C. E. R. de. Porvir, 2018. Aula de Física dá


origem a projeto de mobilidade urbana. Disponível em: https://
porvir.org/aula-de-fisica-faz-estudantes-pensarem-em-solucoes-de-
mobilidade-urbana/#:~:text=Para%20tornar%20a%20disciplina%20
mais,e%20econ%C3%B4micos%20gerados%20pelo%20
tr%C3%A2nsito&text=O%20t%C3%B3pico%20que%20estava%20
sendo,movimento%20ou%20matem%C3%A1tica%20do%20
movimento. Acesso em: 15 abr. 2021.

Uma proposta interdisciplinar para o ensino de Física,


Química e Biologia através do estudo de biomateriais

Dentre as diversas áreas do conhecimento, o campo da Ciência


dos Materiais se desponta como uma das mais interdisciplinares,
unindo a especialidade de diferentes profissionais em cada um
de seus segmentos. [...] Ciência dos Materiais é um campo do
conhecimento destinado ao estudo da relação entre processamento,
composição e propriedades de materiais, voltado especificamente
para aplicação tecnológica e industrial. [...] As propriedades dos
biomateriais variam de acordo com a região e finalidade de aplicação,
uma vez que cada parte do corpo requer um conjunto de propriedades
únicas. No caso de implantes, por exemplo, é necessário um conjunto
de propriedades mecânicas similares ao osso humano, de forma a

147
O Ensino de Física e o Cotidiano

suportar os constantes esforços biomecânicos (tração, compressão


e torção) sem ocorrência de fratura.

QUADRO 9 – CONCEITOS MULTIDISCIPLINARES ENVOLVENDO BIOMATERIAIS


Física Química Biologia
Limite de escoamento Taxa de degradação Biocompatibilidade

Limite de resistência à tração Potencial de corrosão Osseointegração

Alongamento até a fratura Corrente de corrosão Bioatividade

Módulo de elasticidade Absorção e adsorção Bactericidade

Tenacidade Atividade química Citotoxicidade

Ductilidade Ligação química Genotoxicidade

Dureza Síntese Carcinogenicidade

Dilatação térmica Processamento Mutagenicidade

Ponto de fusão Nanomateriais Biologia celular

Rugosidade Química orgânica Histologia

Ângulo de contato Química inorgânica Sistema esquelético

Energia de superfície Adesão Sistema sanguíneo

Atrito Massa atômica Tecidos e órgãos

Desgaste Eletronegatividade Doenças degenerativas

QUADRO 10 – CONCEITOS INTERDISCIPLINARES ENVOLVENDO BIOMATERIAIS

Física – Química Relação ligações químicas e propriedades físi-


cas

Diagramas de fase e composição química

Tribocorrosão (corrosão + desgaste)

Adsorção e absorção de íons e moléculas pela


superfície

148
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Física – Biologia Análise seletiva de materiais

Stress shielding

Cirurgia de revisão (falha do implante)

Adesão, diferenciação e proliferação celular na


superfície
Química – Biologia Degradação e biocompatibilidade

Liberação de íons na corrente sanguínea

Interação celular com proteínas aderidas na


superfície

Interação celular com nanomateriais

A interdisciplinaridade configura-se como uma poderosa


ferramenta motivadora para os alunos, garantindo melhora do
ensino-aprendizado, uma visão contextualizada, desfragmentada
e fiel aos fenômenos e tecnologias do cotidiano. Portanto, o
constante aperfeiçoamento e adaptação dos professores e da escola
são necessários para a promoção de práticas verdadeiramente
interdisciplinares. É necessário que os professores saiam da zona de
conforto de sua disciplina e dialoguem entre si, para que as práticas
pedagógicas interdisciplinares ocorram de forma natural e dinâmica.
Além disso, cabe à escola criar um ambiente que favoreça estas
conexões e permita a promoção destas práticas com os alunos.

FONTE: CORREIA, D. R. N. Uma proposta interdisciplinar para


o ensino de Física, Química e Biologia através do estudo de
biomateriais. Revista Iluminart, [s. l.], v. 17, p. 81-91, 2019.

149
O Ensino de Física e o Cotidiano

Se quiser conhecer mais um exemplo de projeto interdisciplinar


no ensino de Física, convidamos você a ler o artigo Uma abordagem
interdisciplinar com as disciplinas Física e Matemática, por meio
da Astronomia, escrito por Zenaide Inês Bertol e Marcos Antonio
Florczak. No artigo, os autores descrevem um projeto de intervenção
pedagógica na disciplina de Física por meio da introdução do ensino
de Astronomia. A motivação para o projeto surgiu da constatação da
falta de motivação e das dificuldades dos alunos em entenderem os
conteúdos de Física. Ao longo do texto os autores mostram que é
possível introduzir o ensino de Astronomia no Ensino Médio e que
esse ensino produz um efeito motivacional para o estudo dos demais
conteúdos de Física. Disponível em:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/
pdebusca/producoes_pde/2013/2013_utfpr_fis_artigo_zenaide_
ines_bertol.pdf.

3.2 ETAPAS PARA A CONSTRUÇÃO


DE UM PROJETO
Chegamos na parte do capítulo em que exploraremos a parte prática. Agora,
veremos uma das formas para se estruturar um projeto escolar. Convidamos
você a se inspirar nessas ideias e a desenvolver seu próprio projeto de ensino.
O Quadro 11 apresenta a primeira estrutura, segundo o professor Nilbo Nogueira.

QUADRO 11 – ETAPAS PARA A ELABORAÇÃO DE UM PROJETO


Etapa Ações
Desejos e necessi- Investigação do interesse dos alunos em participar do
dades projeto.

Investigar e instigar o debate sobre os problemas que


podem ser resolvidos partindo das necessidades dos
alunos.

Quebrar o paradigma do fazer e ganhar uma nota.

Colocar que o prazer do conhecimento é superior a


ganhar uma nota.

150
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Planejamento Estruturar o projeto.

Responder aos seguintes questionamentos: o quê?


Por quê? Como? Quando? Quem? Recursos?
Execução e realização Colocar tudo que foi planejado em prática.

Rompimento da passividade dos alunos.

Professor como orientador do projeto.


Depuração Questionar o aluno sobre tudo que foi feito até o mo-
mento.

Mudar percursos e redefinir rotas de trabalho.


Apresentação Oportunizar a comunicação dos resultados do projeto.

Avaliar o processo de construção do conhecimento do


aluno.
Avaliação e críticas Professor e alunos avaliam todas as etapas.

FONTE: Adaptado de Nogueira (2013)

QUADRO 12 – EXEMPLO
Tema Sistema solar
Possíveis atividades a serem Áreas das múltiplas inteligências trabalhadas
desenvolvidas e disciplinas envolvidas
Pesquisa e descrição dos plan- Linguística – Ciências e Português
etas
Localização dos planetas Espacial – Ciências e Geografia
Mapa astronômico Espacial e pictórica – Ciências, Geografia e
Artes
Distância, tamanho, relação Espacial e lógico-matemática – Ciências,
com a Terra Geografia e Matemática
Construção de maquetes Espacial – Ciências e Artes
Elaboração de um folheto infor- Linguística – Português
mativo
Representação do sistema solar Corporal-cinestésico – Educação Física, Artes
por meio de uma coreografia e Ciências
Elaboração de uma música so- Musical e linguística – Artes e Português
bre os planetas
Desenho ou maquete do relevo Espacial e pictórica – Ciências e Artes
de alguns planetas
Entrevista em uma visita ao Inter e intrapessoal – Português
planetário

151
O Ensino de Física e o Cotidiano

Redação sobre observações Linguística – Português


noturna feitas no céu
FONTE: Adaptado de Nogueira (2013)

Quer conhecer mais sobre a teoria das múltiplas inteligências?


Você pode começar com o livro Inteligências Múltiplas: a teoria na
prática, de Howard Gardner, publicado pela Editora Penso.

Algumas observações precisam ser feitas com relação ao desenvolvimento


de um projeto de ensino:

a) O papel do professor é orientar a execução, propor problemas. Deve-


se evitar que o professor execute o projeto, ou até mesmo ofereça um
projeto pronto, sob o risco de tirar um dos pontos altos de executar um
projeto educacional: o protagonismo do aluno.
b) A investigação precisa ser um dos preceitos de um projeto educacional.
c) O professor precisa criar formas de articular os aspectos metodológicos
e os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais.
d) Os objetivos do projeto precisam estar bem claros e definidos.
e) Os resultados precisam ser tornados públicos.

Nogueira (2009) apresenta uma série de pontos que podem ser úteis na
elaboração, desenvolvimento e avaliação de um projeto escolar. Veja no Quadro
13 um resumo dessas considerações.

152
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

QUADRO 13 – PAPEL DO PROFESSOR E DO ALUNO


EM DIFERENTES ETAPAS DE UM PROJETO

Papel do professor Papel do aluno


Cuidado para não Possibilita a au-
definir as ações que tonomia do aluno.
os alunos devem fazer
durante a escrita dos
objetivos.

Deve conter: o perío- Estruturar men-


do de realização, as talmente o que
turmas envolvidas, os será realizado no
professores e as disci- projeto: o quê?
Planejamento
plinas que participarão, Por quê? Como?
Planejamento a previsão de recursos Quando? Quem?
humanos, os materiais e Recursos?
os objetivos.

Acompanham- Auxiliar os alunos com Execução Colocar tudo que


ento os recursos materiais e foi planejado em
pessoais, orientação da prática.
parte procedimental e
com a inclusão dos con-
teúdos conceituais.

Avaliação Verificar se os objetivos Depuração Os alunos anal-


foram alcançados. Aval- isam tudo que foi
iar o processo como produzido e refle-
um todo e não apenas tem sobre suas
avaliar as aquisições descobertas.
dos alunos.

Registro A escrita de todas as Registro Registro da tra-


etapas do projeto: in- jetória, pontos
trodução, justificativa, altos, o que não
objetivos, grupo de gostaram de fazer,
trabalho etc. deve acon- ideias para próxi-
tecer durante toda a mos projetos.
realização do projeto.
FONTE: Adaptado de Nogueira (2009)

153
O Ensino de Física e o Cotidiano

A seguir, apresentaremos um exemplo do planejamento de um projeto


educacional de Física extraído do texto Pequenos projetos de Física no ensino
não formal, publicado no projeto Textos de apoio ao professor de Física, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Considerando alguns tópicos gerais da Física, o objetivo desta


atividade é trabalhar de forma mais focada, independente, autônoma,
envolvente e criativa com pequenos projetos, partindo de assuntos
que venham do interesse dos estudantes e que tenham conexão
com suas realidades ou façam parte de suas curiosidades. Os
assuntos partem dos educandos e o professor auxilia nas dúvidas e
encaminhamentos às respostas.
Separa-se a turma em duplas ou trios para pensarem e
discutirem, entre si, algo que for de interesse comum, focando no
tema geral da Física “Calor”. Os aprendizes devem escolher alguma
pergunta, curiosidade ou algum fenômeno instigante que queiram
desmistificar. Sugere-se que cada grupo formule uma questão que
comece com “por que” ou “como”, a qual servirá de título do pequeno
projeto produzido. Cada pequeno grupo deve informar ao professor,
com a pergunta-foco, o que motivou a sua escolha. Da mesma forma,
deve pensar em um produto final a ser apresentado: um cartaz, uma
maquete, um esquema explicativo. Ademais, que pense em um
assunto que possa ser apresentado em, no máximo, 15 minutos,
interagindo com o educador quanto à viabilidade de sua escolha.
Também que considere que terão que responder às indagações
do grande grupo depois de finalizada a exposição do seu pequeno
projeto, o qual deve ter algum produto final produzido totalmente por
eles.
PRIMEIRO PASSO: depois de escolhidas as questões dos
pequenos projetos, o professor entrega algumas perguntas para cada
grupo sobre conceitos e experiências pertinentes ao que pretendem
desenvolver, como forma de fornecer fundamentos na busca da
resposta a cada pergunta-foco da atividade. Segue um exemplo
executado nesta prática na ONG. O que está sublinhado equivale
aos títulos dos projetos e, o que não está, equivale às perguntas
indicadas pelo professor.

1. Como funciona o forno de micro-ondas?


a. O que são micro-ondas?
b. O que é o magnetron?

154
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

c. Como ele aquece a comida?


d. Quais as diferenças e semelhanças entre os diferentes tipos de fornos
de aquecimento?
2. Como funciona o motor?
a. O que é combustão interna?
b. Como são os quatro tempos do motor?
c. Qual a relação do funcionamento do motor com a segunda lei da
Termodinâmica?
d. Quais as diferenças e semelhanças entre os diferentes tipos de motores
e seus combustíveis?
3. Como funciona o termostato?
a. Por que os corpos se dilatam?
b. O que é a lâmina bimetálica?
c. Para que serve o termostato?
d. Quais os materiais mais utilizados na sua construção e por quê?

SEGUNDO PASSO: pesquisam-se, na internet ou em livros de


Física, as respostas aos questionamentos do professor e aos seus
próprios. O professor medeia o conhecimento, dialogando com os
pequenos grupos. Pede-se que os pequenos grupos interajam e
informem ao professor quais materiais necessitam na confecção de
seus produtos finais dos pequenos projetos e comecem a organizar
suas apresentações.

TERCEIRO PASSO: termina-se de preparar o produto final


e a forma de apresentação, resolvem-se as últimas dúvidas e
apresentam-se os pequenos projetos ao restante do grupo, indicando
a motivação pela escolha do tema, as respostas finais e as relações
envolvidas nelas com os conteúdos de Física. Observe um exemplo
apresentado sobre o termostato. [...]. As perguntas foram feitas
pelos colegas ouvintes. O professor precisa estar atento e ter base
suficiente para conseguir responder a itens não contemplados na
apresentação, mas que tenham correlação com o assunto para tecer
comentários pertinentes e relevantes.
Como funciona o termostato?
Motivação: aprendemos no colégio que muitos aparelhos tinham
isso e que funcionava com dilatação, mas a gente queria saber
melhor como que é.
Material: cartolina ou papel cartaz.
O nosso trabalho [...] é sobre o termostato. Termostato é um
dispositivo utilizado para manter estabilizada a temperatura de
um determinado sistema através da regulação automática. [...] por
exemplo, o ar-condicionado tem um termostato e ele não permite

155
O Ensino de Física e o Cotidiano

que o sistema superaqueça e leve o produto a estragar. Tem de


vários tipos: o mecânico [...], que tem uma peça que quando aquece,
assim, é que depende do coeficiente de dilatação. Essa peça dilata
e é uma chapa com dois metais, com um coeficiente menor que o
outro, então ela irá para o lado e cortará o circuito. Tem o digital, nas
geladeiras que têm cerveja, sempre tem um desse, você já deve ter
visto, que vai regulando a temperatura e não permite que ela passe
do que for selecionado e também não permite que superaqueça o
sistema. Tem o pneumático, que é com pressão. A temperatura vai
aumentando, fazendo diferença de pressão e essa pressão tem a
ver com o ar que se expande e se contrai com a temperatura, e não
permite também que superaqueça por meio do controle da pressão
do ar, quando chega numa pressão determinada, ele para. Em usos
residenciais, então, tem nos condicionadores de ar, aquecedores,
ferros e refrigeradores. No uso industrial, em todas as máquinas que
precisam de um certo cuidado com a sua temperatura. Os carros
também têm, nos sistemas que são hidráulicos e no ar-condicionado.
Na pecuária, também, nas chocadeiras automáticas. [...] é uma
chocadeira que choca milhares de ovos, não a galinha que choca
cada um, então, precisam controlar a temperatura também, até nisso
tem termostato!
Perguntas dos ouvintes:
— Qual material que eles mais usam? Cobre e estanho. O
estanho tem um coeficiente maior do que o cobre.
— O que é esse tal de coeficiente? [...] é tipo uma característica
de cada material, que vai dizer o quanto ele vai se dilatar quando a
temperatura muda. No caso, como o estanho tem mais, ele dilata
mais e empurra o cobre. Quando esfria, ele se contrai mais e puxa o
cobre.
[...]
QUARTO PASSO: terminadas as apresentações, solicita-se
que respondam a pergunta-título de cada projeto em uma folha para
entregar, sem consultas, apenas considerando o que ouviram e
apreenderam. Essa avaliação serve para a verificação do quão foi
eficiente o interesse pelas perguntas feitas e apresentadas e também
a compreensão delas. A seguir, um exemplo das respostas obtidas.
1) Como funciona o micro-ondas?
As ondas eletromagnéticas são refletidas várias vezes dentro do
aparelho, aquecendo o que encosta. O magnetron que faz essas ondas
aparecerem e esquentarem o que tem água e gordura.
2) Como funciona o motor?

156
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Explosão, exaustão, compressão e admissão, através dessas quatro


etapas. É o ciclo de Otto [...].
3) Como funciona o termostato?
Sistema mecânico, digital e pneumático, que impede o superaquecimento
pela dilatação dos metais.

FONTE: REIS, C. L. dos; STEFFANI, M. H. Pequenos projetos de


Física no ensino não formal. Porto Alegre: UFRGS, Instituto de
Física, 2014.

1 Planejar um projeto exige de professores e alunos organização.


Essa organização pode se dar em etapas ou fases, que precisam
ser observadas por todas as pessoas envolvidas. Com relação a
esse assunto, classifique V para as proposições verdadeiras ou F
para as falsas:

( ) Na etapa de Acompanhamento de um projeto é função do


professor auxiliar os alunos com os recursos materiais e pessoais
necessários para executar as tarefas planejadas no projeto.
( ) Na etapa de Depuração, os alunos colocam tudo que foi planejado
em prática.
( ) Na etapa de Avaliação, o professor verifica se os objetivos do
projeto foram cumpridos.

4 ENSINO DE FÍSICA POR


INVESTIGAÇÃO
No ano de 2007, a Sociedade Brasileira de Física fez um estudo a pedido
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
com o objetivo de propor medidas que pudessem tornar a Física mais inclusiva
na vida do país. Essa obra foi intitulada Física para um Brasil competitivo. O
documento analisou diferentes áreas e fez algumas recomendações. Você pode
ler o documento completo no site indicado a seguir.

157
O Ensino de Física e o Cotidiano

Acesse o documento Física para um Brasil competitivo:


http://www.sbfisica.org.br/v1/arquivos_diversos/publicacoes/
FisicaCapes.pdf.

Destacaremos alguns dos pontos descritos no documento para que você


possa refletir sobre cada um deles, identificá-los na sua prática e constatar as
mudanças que já ocorreram desde a publicação do documento até a presente
data. Esse momento é importante para avaliarmos como a área de ensino de
Física era retratada e como nós, professores de Física, podemos intervir. O
documento faz as seguintes constatações:

a) O ensino de Ciências tem o papel de formar cientistas e engenheiros


que promovam o avanço do conhecimento científico e utilizem esse
conhecimento para o desenvolvimento tecnológico, além de preparar as
pessoas para viverem com desenvoltura e discernimento em ambientes
cada vez mais impregnados de tecnologia e de novas descobertas.
b) Nossos estudantes têm grande dificuldade no uso do formalismo
matemático, na leitura de gráficos e na interpretação de diagramas e
tabelas.
c) A maioria dos professores que lecionam Física na educação básica
não é formada em licenciatura nessa disciplina. Esse é um dos fatores
que acarretam enorme carência de conteúdo na matéria, e também a
desinformação sobre o papel da física no mundo Contemporâneo.
d) O ingresso e a permanência no curso também estão intimamente ligados
às perspectivas de carreira.
e) A etapa de formação inicial do professor que ensina Física no Ensino
Médio deve constituir-se na base de seu futuro desenvolvimento
profissional, assegurando-lhe independência intelectual e capacidade de
adequação às tarefas próprias de educador em Ciências (FAZZIO et al.,
2007).

Alguns temas são polêmicos e cabe a reflexão do papel da Física na vida


das pessoas, que nos leva a pensar em como estruturar um currículo que possa
atender aos objetivos educacionais e como a carreira de professores vem sendo
discutida e valorizada no Brasil. O documento ainda faz algumas recomendações
para tentar mudar esse quadro de tantos desafios:

158
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

a) Valorizar a carreira de professor da educação básica.


b) Ação emergencial: treinar profissionais aposentados para ensinar
Ciências na educação básica.
c) Criar bolsas de fixação de estudantes nos cursos de licenciatura.
d) Criar no PROUNI uma cota especial para cursos de licenciatura em
Ciências.
e) Aumentar o número de aulas de Ciências nos ensinos básico e Médio,
com ênfase em práticas de laboratório.
f) Aparelhar as escolas públicas com laboratórios de ciências, elementos
de informática e bibliotecas.
g) Dar aos licenciandos melhor formação experimental (FAZZIO et al.,
2007).

Uma das recomendações diz respeito ao ensino por investigação como


forma de transformar o panorama do ensino e aprendizagem de Física. Então, o
que você acha? Embora o texto tenha restringido as recomendações ao uso do
laboratório em aulas práticas, queremos oferecer uma nova abordagem. Vamos
conceituar o ensino por investigação e, a seguir, conheceremos o ensino de Física
por meio de jogos.

4.1 PRECEITOS E CONCEITOS DO


ENSINO POR INVESTIGAÇÃO
Segundo Vieira (2012), ensinar por investigação significa fazer um movimento
de aproximar os conhecimentos científicos dos conhecimentos escolares,
mobilizando a atividade do aprendiz ao invés de sua passividade.

A partir dessa definição podemos inferir que usar metodologias de ensino por
investigação passa por instigar nos alunos o questionamento sobre o tema que
está sendo trabalhado e o planejamento das ações de ensino e de aprendizagem.
No ensino por investigação, o aluno é convidado a desenvolver uma agenda que
o ajudará a construir e desenvolver o conhecimento de acordo com os objetivos
educacionais. O aluno também será levado a recolher evidências em diferentes
fontes, comparar informações e buscar formas de comunicar o que aprendeu.
Não custa lembrar que todos esses processos precisam estar pautados no
conhecimento científico.

Ensino por investigação não é colocar um tema e deixar que o aluno


pesquise, busque informações e construa, numa atividade solitária. Pelo
contrário, a presença e a participação do professor são essenciais para o sucesso
da metodologia. Uma das ações base do ensino por investigação é o debate.

159
O Ensino de Física e o Cotidiano

O ensino por investigação possui terreno fértil na Física, pois, segundo Vieira
(2012), a ciência é constituída por procedimentos conceituais e procedimentais
que foram revisados ao longo da história. Segundo a autora, o ensino por
investigação ganhou relevância na pesquisa brasileira na década de 1990, numa
tentativa de modificar alguns paradigmas, por exemplo, que o método científico
se baseia exclusivamente na observação, desconsiderando que a observação
depende da teoria ou que o conhecimento científico é definitivo, ou seja, exclui a
evolução do conhecimento científico ao longo da história.

Em linhas gerais, podemos afirmar que a Alfabetização


Científica tem se configurado no objetivo principal do ensino
das ciências na perspectiva de contato do estudante com os
saberes provenientes de estudos da área e as relações e os
condicionantes que afetam a construção de conhecimento
científico em uma larga visão histórica e cultural. O ensino por
investigação e a argumentação, por outro lado, cumprem uma
função dupla em nossas pesquisas: ao mesmo tempo em que
representam modalidades de interação trabalhadas para o
desenvolvimento da alfabetização científica em sala de aula,
constituem-se em formas de estudo dos dados provenientes
de nossas pesquisas (CARVALHO, 2013; MACHADO;
SASSERON, 2012; FERRAZ; SASSERON, 2012; entre outros).
Essa dubiedade, que pode ser encarada como um empecilho
a um estudo cuidadoso e criterioso, tem nos possibilitado
avanços no entendimento que vemos construído acerca do
papel de professores e estudantes no desenvolvimento de um
ensino de Ciências que possa atender às demandas sociais
e oficiais em termos de formação de pessoas, sujeitos na
sociedade atual (SASSERON, 2015, p. 51).

Como começar a planejar uma ação educacional que objetiva a investigação


científica? Sasseron (2015) afirma que a pergunta que deve permear o ensino por
investigação é: o que ensinar em aulas de Ciências? Essa pergunta é carregada
de significado, uma vez que permeia a construção de um currículo, os objetivos
educacionais, as metodologias empregadas, a escolha do processo avaliativo
e a reflexão da prática docente, todos esses pontos foram debatidos ao longo
deste livro. O Quadro 14 mostrará algumas definições a respeito do ensino por
investigação. Cada uma dessas denominações foi construída ao longo das
pesquisas sobre a implementação e resultados do ensino por investigação.

160
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

QUADRO 14 – CONCEITUAÇÃO DO ENSINO POR


INVESTIGAÇÃO SOB DIFERENTES PERSPECTIVAS

Denominação Principal característica


Ensino por descobrimento As atividades desenvolvidas devem considerar
dirigido ou aprendizagem a construção de um fato científico, o trabalho
como investigação em grupos, a emissão de hipóteses e o desenho
experimental. As perguntas, o planejamento e a
realização inerentes à atividade são elaborados
e realizados pelo próprio professor dentro de um
esquema conceitual definido.
Investigação dirigida O professor coloca uma pergunta aberta aos es-
tudantes e, juntos, discutem sobre a questão. O
planejamento, realizado pelo professor, utiliza as
práticas de laboratório, a resolução de problemas
e a aprendizagem de conceitos. A realização
da atividade é conduzida pelo professor, com o
levantamento de hipóteses e a elaboração do
experimento junto aos estudantes, valorizando a
dimensão coletiva do trabalho em sala.
Trabalhos de investigação Nesta proposta, as atividades também devem se
ou processos de investi- aproximar das investigações científicas, porém
gação orientada enfatizando a relação ciência, tecnologia e socie-
dade. A intenção é formar indivíduos que tomem
decisões fundamentadas em conhecimento
científico diante das questões sociais que nos
afetam.
Ensino por pesquisa Faz apelo a conteúdos inter e transdisciplinares,
cultural e educacionalmente relevantes. Nesse
sentido, um dos objetivos essenciais é a com-
preensão das relações C-T-S-A (Ciência-Tecno-
logia- Sociedade-Ambiente), procurando garantir
que as aprendizagens se tornem úteis aos
alunos numa perspectiva de ação. Preconiza mo-
mentos avaliativos ao longo de todo o percurso,
auxiliando o aluno a perceber o que faz e saber
quais estratégias metacognitivas utilizar em cada
tarefa.

161
O Ensino de Física e o Cotidiano

Educar pela pesquisa ou Educar pela pesquisa se sustenta no tripé do


pesquisa na sala de aula questionamento, da construção de argumentos
e na comunicação. Diferencia-se das outras
propostas anteriormente discutidas, pois consid-
era o saber acadêmico como fundamental para
a construção de um cidadão crítico e que as ver-
dades estabelecidas são construídas através de
argumentos e em grupos.
Ensino por investigação O ensino por investigação critica o ensino de
Ciências que se realiza por meio de proposições
científicas, definidas por leis e princípios e que se
estabelecem como verdades de fato, sem nen-
huma problematização e sem a promoção de um
diálogo que aproxime as teorias e as evidências
do mundo real.
FONTE: Adaptado de Vieira (2012)

O texto a seguir nos coloca dentro de uma perspectiva mais próxima do


ensino de Física. Nele, perceberemos que a problematização em sala de aula
é importante para que os alunos se sintam parte do processo educativo, tenham
espaço para colocar seus questionamentos e percebam na turma um ambiente
para o debate e o desenvolvimento de conhecimentos.

O papel da problematização freireana em aulas de


Ciências/Física: articulações entre a abordagem temática
freireana e o ensino de Ciências por investigação

A Abordagem Temática Freireana, proposta por Delizoicov,


Angotti e Pernambuco (2002), é uma perspectiva de reorganização
curricular, na qual os conteúdos das disciplinas escolares são
subordinados a uma temática. Esta abordagem encontra-se
fundamentada nas ideias de educação progressista de Freire
e Snyders, tendo como um dos principais focos o diálogo e a
problematização de situações significativas vivenciadas pelos
estudantes. Sua organização se diferencia da lógica tradicional
de estruturação do currículo, em que os conteúdos são pontos de
partida para direcionar o ato educativo. Na abordagem freireana, os
temas que emergem de contradições sociais/existenciais vivenciadas
pelos estudantes/comunidade são considerados pontos de partida

162
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

para estruturar todo o processo didático-pedagógico (DELIZOICOV;


ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002).
Para selecionar as temáticas organizativas do currículo escolar,
é necessário realizar o processo de Investigação Temática proposto
por Freire (1987) e sistematizado por Delizoicov (1991) em cinco
etapas: (1) Levantamento Preliminar: mapeamento das principais
situações significativas envolvidas na realidade local dos alunos
e comunidade; (2) Codificação: análise e escolha das situações
problemáticas vivenciadas pelos estudantes e comunidade; (3)
Descodificação: diálogos estabelecidos com os sujeitos envolvidos no
processo, a fim de obter os Temas Geradores; (4) Redução Temática:
seleção dos conteúdos/conceitos necessários para a compreensão
do tema e planejamento das atividades seguindo os Momentos
Pedagógicos e os Conceitos Unificadores; (5) Desenvolvimento em
Sala de Aula: implementação da proposta em sala de aula.
Estudos têm investigado essa abordagem de ensino no contexto
da Educação Básica, a exemplo de: Furlan et al. (2011), Lindemann
(2010), Pernambuco (2001), Silva (2004), Souza et al. (2014), Stuani
(2010) e Torres (2010). Nesses trabalhos, é evidente que o critério
de escolha do tema/problema abordado em sala de aula baseia-
se em uma contradição social. Para Freire (1987), a contradição
social está relacionada com as situações-limite, as quais podem
ser entendidas como obstáculos que dificultam aos sujeitos
reconhecerem e superarem as problemáticas locais que vivenciam.
Um dos objetivos da perspectiva freireana é problematizar tais
situações para os estudantes, levando-os a sentirem necessidade de
buscar e apreender novos conhecimentos que podem ajudá-los no
enfrentamento de problemas significativos e reais.
Por outro lado, o Ensino de Ciências por Investigação (ENCI)
também é uma perspectiva que tem privilegiado o uso de problemas
em sala de aula, a qual tem encontrado respaldo nas ideias de Piaget
e Bachelard (CARVALHO, 2011). Historicamente, as atividades
investigativas surgiram por volta do século XX, por influência das
ideias do educador e filósofo Dewey, e, com o decorrer do tempo,
essa perspectiva sofreu diversas mudanças quanto aos seus
objetivos, métodos e fundamentos teóricos. Em decorrência dessas
modificações, diferentes nomenclaturas foram sendo utilizadas para
defini-la, como: ensino por descoberta, resolução de problemas,
projetos de aprendizagem e ensino por investigação.
Nessa proposta, as atividades são organizadas com foco
em problemas e envolvem etapas da investigação científica,
tais como: proposição de um problema em torno de um objeto ou
fenômeno natural; formulação de hipóteses; realização da atividade

163
O Ensino de Física e o Cotidiano

experimental; discussões das observações e conclusões; e o


registro de toda a atividade. De acordo com Sasseron (2008), essas
etapas têm como objetivo proporcionar, ao aluno, o conhecimento da
cultura científica, a fim de que eles possam utilizá-lo para resolver
os problemas do dia a dia e tomar decisões que envolvam ciência,
tecnologia, sociedade e meio ambiente. Cabe ressaltar que as
atividades investigativas não se reduzem àquelas experimentais,
podendo incluir atividades de natureza teórica (CARVALHO, 2013).

FONTE: SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. O papel da problematização


freireana em aulas de Ciências/Física: articulações entre a abordagem
temática freireana e o ensino de ciências por investigação. Revista
Ciência e Educação, [s. l.], v. 21, n. 4, p. 911-930, 2015.

É quase que intuitivo pensar em ensino por investigação e associar a aulas


práticas em laboratórios de ciências. Entretanto, Sasseron (2015) afirma que a
realidade de muitas escolas brasileiras quando o assunto é aparelhagem em
laboratórios escolares de ciências é precária ou inexistente.

O texto de Solino e Gehlen (2015) nos faz refletir a importância do


planejamento e de dotar o aluno de autonomia nos processos de ensino e
aprendizagem. O exemplo a seguir mostra que um projeto de investigação pode
ser simples, em termos de materiais utilizados, mas contribui para a construção
do conhecimento.

A fotografia na escola: projeto interdisciplinar


das áreas de Química, Biologia e Física

A fotografia é uma atividade com cerca de 150 anos que evoluiu


rapidamente nos últimos anos, principalmente com o advento da
fotografia digital. Embora a fotografia esteja muito presente no
cotidiano da sociedade, não é comum entender o seu funcionamento.
Os princípios do processo fotográfico podem ser sintetizados
no funcionamento da câmara escura de orifício, relacionado ao
processo de formação de imagens, e o princípio da fotoquímica, que
nos permite compreender como as imagens podem ser registradas.
No 1º momento, foi realizada uma aula expositiva utilizando os
conceitos a seguir:

164
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

QUADRO 15 – COMPONENTES CURRICULARES DO PROJETO


Componente curricular Física Biologia Química
Conceitos Conceitos clássico e Comparação do olho hu- Composição dos materi-
moderno da luz. mano com as máquinas ais (papel revelador, pa-
fotográficas e os tipos de pel fotográfico e fixador),
Espectro eletromagnéti- lentes. sais, número de oxi-
co.
dação, reações de oxirre-
Radiações visíveis. dução e fotoquímica.

Tópicos de ótica
geométrica.

No 2º momento, os alunos construíram e utilizaram a câmara


escura. No 3º momento, os alunos construíram e utilizaram a
câmera artesanal chamada Pin-hole e fizeram a revelação das
fotos. A avaliação do projeto demonstrou como é possível relacionar
a química, a física e a biologia, sua teoria e prática de maneira
interdisciplinar. Os resultados da investigação antes e pós-realização
do projeto mostram que os alunos ampliaram os conhecimentos
sobre o tema.

FONTE: PESSANHA, P. J. R. et al. A fotografia na escola: projeto


interdisciplinar das áreas de Química, Biologia e Física. In: REUNIÃO
ANUAL DA SBPC, 68., 2016, Porto Seguro. Anais [...]. São Paulo:
SBPC, 2016. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/68ra/
resumos/resumos/2517_1511b8fd8b1e6d1804b70dab833798bad.
pdf. Acesso em: 5 maio 2021.

Agora, convidamos você a lançar o olhar sobre o ensino de Física por


meio de jogos, uma forma de ensinar Física que pode combinar teoria e prática,
engajamento dos alunos, melhor entendimento da Física e proporcionar uma
aprendizagem significativa.

4.2 JOGOS E O ENSINO DE FÍSICA


Segundo Uyeda (2018), jogo é uma palavra que vem do latim jocus, que
significa divertimento. O jogo pode ser uma atividade tanto física quanto
intelectual, em que se pode integrar um conjunto de regras, definindo um indivíduo
ou um grupo como vencedor ou como perdedor. Já o jogo didático é um jogo cujas
finalidades são educativas. Esses jogos ajudam no desenvolvimento psicológico,
físico, intelectual e social do aluno.

165
O Ensino de Física e o Cotidiano

Um dos ensinamentos de Paulo Freire (1987) é que a relação entre professor


e aluno deve se basear na troca de experiências. Diferente de um ensino de mão
única, em que o professor é visto como único detentor do conhecimento e o aluno
tem o papel de receber o conteúdo por meio da transmissão, a educação defendida
pelo patrono da educação brasileira visa, dentre outros, o desenvolvimento da
autonomia e da criatividade.

Araújo e Santos (2018) afirmam que para que os alunos não fiquem sentados
executando tarefas, é necessário despertar o interesse. A teoria piagetiana
declara que a criança se interessa pelo que faz. Os autores falam que ao utilizar
métodos lúdicos, os professores estariam criando um ambiente prazeroso, onde
o aluno pode estabelecer diferentes ligações e desenvolver diversas habilidades.

Dentre as ferramentas que podem criar esse ambiente escolar prazeroso,


podemos citar os jogos. Segundo Santos et al. (2018), o jogo didático não se
restringe apenas a um instrumento facilitador da transmissão do conteúdo, mas
auxilia as interações sociais, promove a cooperação e a troca de informações
mútuas, possibilita o confronto de pontos de vista diferentes e que implicam na
divisão de tarefas, em que cada um tem uma responsabilidade que, somadas,
resultarão no alcance de um objetivo em comum.

Krause et al. (2018) justificam o uso de jogos como uma forma de se


aproximar daquilo que os alunos vivenciam. Esses jogos podem ser digitais ou
analógicos, os conhecidos jogos de tabuleiro.

Vimos anteriormente que uma das dificuldades em aprender Física está


no entendimento e na identificação dos conceitos que estão sendo trabalhados
pelo professor em sala de aula. O uso de jogos na escola pode favorecer um
ambiente dinâmico e inovador, uma vez que o aluno é desafiado a raciocinar,
sendo colocado a resgatar conhecimentos prévios e, junto aos colegas, encontrar
caminhos para percorrer todas as etapas do jogo.

Os jogos contribuem para o ensino das Ciências na medida em


que unem o prazer e a satisfação ao ensino e à aprendizagem,
oferecendo inovação ao ambiente escolar. Segundo Balestra
e Gequelin (2008), os jogos são recursos pedagógicos que
permitem a construção do conhecimento, aumentando a
motivação para aprender, desenvolver a autoconfiança, a
capacidade de organização, a imaginação, a concentração,
a atenção, o raciocínio lógico-dedutivo e a sociabilidade.
Além disso, estimulam a comunicação e o trabalho em
equipe, facilitam a aquisição de novos conhecimentos,
proporcionam experiências, desenvolvem o aspecto físico e
mental e estimulam a procura por alternativas para solucionar
problemas. [...]
Os jogos devem agregar valores experimentais, de estruturação,

166
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

relação e lúdico: o valor experimental: permitir a exploração e a


manipulação; o valor da estruturação: dar suporte à construção
da personalidade infantil; o valor da relação: colocar a criança
com seus pares e adultos, com objetos e com o ambiente em
geral para propiciar o estabelecimento de relações, e o valor
lúdico: avaliar se os objetos possuem qualidades que estimulem
o aparecimento da ação lúdica. Na proposta de uso de games
no ensino da Física, o papel do professor é de mediador que
orienta as interações do aluno, preservando o equilíbrio entre
o ato pedagógico e o lúdico. O objetivo da interação com jogos
é colocar o aprendiz em situação de desafio, proporcionando
um envolvimento com a atividade e fazendo com que ele
busque um entendimento maior do conteúdo. Em um processo
simples, os alunos aprendem conceitos importantes para o
aprendizado da Física (KRAUSE et al., 2018, p. 8-10).

A ciência dos jogos: como pode o uso de jogos enriquecer


o currículo de Ciências do Ensino Fundamental?

O uso de diferentes tipos de jogos proporciona uma rica


variedade de oportunidade de aprendizagem. O jogo é conhecido
como um poderoso mediador para a aprendizagem no decorrer da
vida da pessoa. Os alunos selecionam diferentes tipos de jogos fora
da sala de aula e eles se desenvolvem quando a aprendizagem é
desafiadora.
Você já ouviu uma propaganda de um jogo que diga que ele
é fácil? O pior sobre o currículo escolar é a fragmentação do
conhecimento em pequenas partes. Isso supostamente deveria
tornar a aprendizagem fácil, mas, muitas vezes, acaba privando o
conhecimento do significado pessoal e tornando-o tedioso. Pergunte
às crianças: a razão pela qual a maioria não gosta da escola não é
que o trabalho seja difícil demais, mas que é muito chato (PAPERT,
1998).
Essa visão ecoa a de muitas pessoas que observam crianças
com problemas de comportamento na sala de aula. Isso se dá porque
o “desafio” e o “jogo” não são elementos da aprendizagem, e as
aulas de ciências interessantes não estão em toda parte. “Eles falam
e falam, e quando terminam, não se tem tempo suficiente para fazer
o trabalho” (garoto da 3ª série de uma grande zona rural). Todavia, o
ensino de Ciências pode ser estimulante e memorável com o uso de
estratégias alternativas [...].
Os benefícios de usar jogos como estratégias positivas na sala
de aula podem ser enormes. Todavia, apenas deixar que os alunos

167
O Ensino de Física e o Cotidiano

joguem para tornar a aula interessante não é a resposta. O jogo


deve ser planejado e controlado. Para que o jogo seja usado de
forma produtiva, os alunos devem estar atentos e concentrados na
atividade.
Para aumentar a participação positiva, dependendo dos jogos
escolhidos, deve-se introduzir um elemento de competição. O fato
de ter uma razão ou uma plateia para a atividade pode aumentar
a motivação. Jogos de equipe em Ciências são mais motivadores
para todos os alunos, particularmente quando as equipes são
formadas por alunos de ambos os gêneros e com níveis variados
de capacidade. Se o jogo for planejado de um modo que estimule os
alunos a melhorarem o desempenho anterior, eles se concentrarão
em aprender o vocabulário e os conceitos, e podem nem pensar nele
como “trabalho”. Esse é o tipo de situação em que todos vencem, na
qual os alunos trabalham juntos para melhorar o tempo ou o escore
da classe ao invés de um grupo vencer às custas do resto da classe.
Os jogos também podem ser bons para ajudar os alunos com os
fatos mais difíceis de aprender, como o ciclo de vida das plantas,
e são uma boa maneira de apresentar ideias complexas, como o
cigarro ou as drogas.

FONTE: WARD, H. et al. Ensino de Ciências. 2. ed. Porto Alegre:


Artmed, 2010.

O jogo didático de Física ganha espaço nos diversos tipos


de aprendizagens, podemos destacar: a aprendizagem
receptiva, a do descobrimento, a repetitiva e a significativa. Na
aprendizagem receptiva, o aluno aprende através dos jogos
os conteúdos trabalhados em Física; na aprendizagem do
descobrimento, o aluno adquire novos conhecimentos de Física
através das perguntas e respostas do jogo; na aprendizagem
repetitiva, o aluno aprende, através das repetições das
cartas, perguntas e respostas ao jogar o jogo várias vezes; na
aprendizagem significativa, os alunos adquirem e assimilam
novos conhecimentos de uma maneira crítica, permitindo a
criação de novas ideias, que geram ainda novos conhecimentos
(UYEDA, 2018, p. 32).

168
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

Este link vai direcionar você a um site repleto de materiais


que podem ser utilizados em suas aulas de Física, com destaque
para o botão que te leva para a guia jogos. São dezenas de jogos
de tabuleiro que você pode imprimir e utilizar em suas aulas: http://
recursosdefisica.com.br/jogos-de-fisica.html.
Neste link, você terá à disposição jogos on-line que se
aproximam de simuladores. Ideais para serem usados em aulas no
laboratório de informática da escola ou como sugestão para que os
alunos explorem em casa: https://www.sofisica.com.br/jogos.php.
Neste link, você acessa a revista A Física na Escola. São artigos
científicos, em sua maioria, que mostram aplicações de jogos,
projetos, entre outras metodologias em aulas de Física nos mais
diferentes temas: http://www1.fisica.org.br/fne/edicoes.

1 Analise as proposições a seguir com relação ao ensino de Física


por investigação e depois marque a opção correta.

I – O ensino por investigação critica o ensino de Ciências que se


realiza por meio de proposições científicas, definidas por leis e
princípios e que se estabelecem como verdades de fato, sem
nenhuma problematização.
II – Educar pela pesquisa se sustenta no tripé do questionamento, da
construção de argumentos e na comunicação.
III – Na execução de atividades, dentro de um projeto de ensino por
investigação, deve-se considerar somente a construção de um
fato científico.
IV – Na investigação dirigida, o professor coloca uma pergunta aberta
aos estudantes e, juntos, discutem sobre a questão.

a) V – V – V – V.
b) V – F – V – F.
c) V – V – F – V.
d) V – F – F – V.

169
O Ensino de Física e o Cotidiano

2 Trabalhar temas cotidianos nas aulas de Física pode ser um


desafio, mas também uma estratégia de ensino que pode resultar
numa aprendizagem significativa, uma vez que o aluno tem
a oportunidade de vivenciar a ciência no seu cotidiano. Uma
das formas de trazer elementos lúdicos e assim unir ciência e
cotidiano é pela utilização de jogos. Segundo Krause et al. (2018)
e Balestra e Gequelin (2008), que vantagens o uso de jogos
oferece ao ensino?

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Durante este capítulo buscamos aproximá-lo de questões que são próprias
não só do ensino de Física, mas de todas as áreas do conhecimento, porque
entendemos que precisamos caminhar juntos em busca de atingir um objetivo
em comum. Ao discutir a implementação da BNCC, podemos refletir o papel
do professor nesse processo. Colocar pontos de vista divergentes com
relação ao tema nos ajuda a criar um cenário de discussão da prática docente
e aproximar você, leitor, de questões atuais do ensino de Física, por exemplo,
interdisciplinaridade, objetivos educacionais, momentos sociais que influenciam
no ensino e modelo de educação que está sendo construído no Brasil.

Você já pensou nas expectativas que seus alunos constroem com relação
a sua disciplina? Queremos com essa perguntar instigar a reflexão sobre a
sua prática docente, algo bem recorrente nesse texto. Certamente você possui
expectativas com relação aos seus alunos e a sua disciplina, são elas que te
ajudam a construir o currículo e o seu planejamento.

A busca por alternativas de ensino faz parte do trabalho docente e precisa ser
uma prática recorrente. A sociedade mudou e a escola precisa acompanhar essas
mudanças. Reconhecer o papel social da escola é importante para oferecer uma
aula de Física que seja vista para os alunos como algo importante para as suas
vidas. O desenvolvimento de competências não é novo na estrutura educacional
brasileira, mas precisa ser repensado e reconfigurado.

Agir de forma interdisciplinar requer a participação de todos na construção de


um modelo educacional que se encaixe na vida da escola, um projeto educacional
que olhe para as aspirações de seus alunos e docentes, para as experiências de
vida de cada um e que procure envolver e criar oportunidades de construção de
conhecimentos.

170
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

A inovação em sala de aula pode surgir de diferentes origens, porém,


independentemente de sua fonte, nasce da reflexão e do debate pedagógico.
Conceber um projeto inovador requer, principalmente, planejamento e
organização. O professor precisa assumir um papel de orientar, de fomentar o
ensino, de propor problemas, de incentivar o debate, de dirigir os alunos a agirem
de forma ativa. A investigação, como processo educacional, precisa articular
aspectos metodológicos, conceituais, procedimentais e atitudinais. Por fim, os
resultados de qualquer incursão educacional precisam ser publicados, faz parte
do desenvolvimento do aluno receber a avaliação e o feedback do que está
construindo.

REFERÊNCIAS
ANJOS, M. B. et al. A interdisciplinaridade no ensino de Física: propostas
didáticas para o Ensino Fundamental. In: PEREIRA, G. R. et al. (org). A
interdisciplinaridade no ensino de Física: possibilidades de ações didáticas
para o Ensino Fundamental. Rio de Janeiro: Yellow Carbo, 2019.

ARAÚJO, E. dos S.; SANTOS, B. M. Jogo das grandezas: um recurso para o


ensino de Física. Revista do Professor de Física, [s. l.], v. 2, n. 2, p. 73-83,
2018.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. Guia de implementação da Base Nacional Comum Curricular:


orientações para o processo de implementação da BNCC. Brasília: MEC, 2020.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/implementacao/
guia_BNCC_2018_atualizacao_2020_cap_1_ao_6_interativo_28.pdf. Acesso em:
15 abr. 2021.

CORREIA, D. R. N. Uma proposta interdisciplinar para o ensino de Física,


Química e Biologia através do estudo de biomateriais. Revista Iluminart, [s. l.],
v. 17, p. 81-91, 2019.

FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: didática e prática de ensino. Revista


Interdisciplinaridade, [s. l.], v. 1, n. 6, p. 9-17, 2015.

FAZZIO, A. Física para um Brasil competitivo. Brasília: Capes; SBF, 2007.


Disponível em: http://www.sbfisica.org.br/v1/arquivos_diversos/publicacoes/
FisicaCapes.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

171
O Ensino de Física e o Cotidiano

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GIROTTO, C. G. G. S. A (re)significação do ensinar e aprender: a pedagogia de


projetos em contexto. Núcleo de Ensino da UNESP, São Paulo, v. 1, 2005.

GOMES, É. C. et al. O ensino de Física interativo: blog, ferramenta de


aprendizagem do século XXI. Revista Experiências de Ciências, [s. l.], v. 13, n.
1, 2018.

HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de


trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. Porto Alegre: Penso, 2017.

KRAUSE, J. C. et al. O uso de jogos digitais como ferramenta de auxílio para


o ensino de Física. RIS - Revista Insignare Scientia, [s. l.], v. 1, n. 2, maio/
ago. 2018. Disponível em: https://periodicos.uffs.edu.br/index.php/RIS/article/
view/8152/5645. Acesso em: 31 ago. 2021.

LOPES, A.; MACEDO, E. Teorias do currículo. São Paulo: Cortez, 2011.

MOREIRA, M. A. Ensino de Física no Brasil: retrospectiva e perspectivas.


Revista Brasileira de Ensino de Física, [s. l.], v. 22, n. 1, p. 94-99, 2000.

MOREIRA, M. A. Uma análise crítica do ensino de Física. Revista Estudos


Avançados, [s. l.], n. 32, p. 73-80, 2018.

NOGUEIRA, N. R. Pedagogia dos projetos: etapas, papéis e atores. São Paulo:


Érica, 2009.

NOGUEIRA, N. R. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo


ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2013.

OLIVEIRA, A. F. de et al. Alimentação e energia: uma proposta de atividade


interdisciplinar a partir da metodologia da problematização de Freire e Delizoicov.
In: PEREIRA, G. R. et al. (org.). A interdisciplinaridade no ensino de Física:
possibilidades de ações didáticas para o Ensino Fundamental. Rio de Janeiro:
Yellow Carbo, 2019.

OLIVEIRA, A. M. C. de. O ensino da Física numa perspectiva interdisciplinar:


teoria e prática. 2016. Dissertação (Licenciatura em Ciências da Natureza) -
Universidade Federal da Integração Latina-Americana, Foz do Iguaçu, 2016. p.
39.

172
Capítulo 3 Ensino de Física por Meio de Projetos

PEREIRA, G. R. et al. (org.). A interdisciplinaridade no ensino de Física:


possibilidades de ações didáticas para o Ensino Fundamental. Rio de Janeiro:
Yellow Carbo, 2019.

PEREIRA, M. Z. da C. et al. Educação e escola no século XXI: tensões e


desafios. Revista Espaço do Currículo, [s. l.], v. 6, n. 2, p. 218-222, 2013.

PESSANHA, P. J. R. et al. A fotografia na escola: projeto interdisciplinar


das áreas de Química, Biologia e Física. In: REUNIÃO ANUAL
DA SBPC, 68., 2016, Porto Seguro. Anais [...]. São Paulo: SBPC,
2016. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/68ra/resumos/
resumos/2517_1511b8fd8b1e6d1804b70dab833798bad.pdf. Acesso em: 5 maio
2021.

REIS, C. L. dos; STEFFANI, M. H. Pequenos projetos de Física no ensino não


formal. Porto Alegre: UFRGS, Instituto de Física, 2014.

ROCHA, N. F. E.; PEREIRA, M. Z. da C. O que dizem sobre a BNCC? Produções


sobre a Base Nacional Comum Curricular no período de 2010 a 2015. Revista
Espaço do Currículo, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 215-236, 2016.

ROSA, C. W. da.; ROSA, Á. B. da. O ensino de Ciências (Física) no Brasil:


da história às novas orientações educacionais. Revista Ibero-Americana de
Educação, Araraquara, n. 58, 2012.

SANTOS, M. L. B. dos et al. Interdisciplinaridade e os três momentos


pedagógicos no ensino de Física: uma prática sobre a matriz energética
brasileira. Revista Experiências em ensino de Ciências, v. 13, n. 5, p. 115-125,
2018.

SASSERON, L. H. Alfabetização científica, ensino por investigação e


argumentação: relações entre ciências da natureza e escola. Revista Ensaio, v.
17, n. esp., p. 49-67, 2015.

SAVIANI, D. Pedagogia: o espaço da educação na universidade. Revista


Cadernos de Pesquisa, [s. l.], v. 37, n. 130, p. 99-134, 2007.

SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. O papel da problematização freireana em aulas


de Ciências/Física: articulações entre a abordagem temática freireana e o ensino
de Ciências por investigação. Revista Ciência e Educação, [s. l.], v. 21, n. 4, p.
911-930, 2015.

173
O Ensino de Física e o Cotidiano

TAKAHASHI, P. Revista Educação, 2020. O que é essa tal interdisciplinaridade?


Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2020/01/24/interdisciplinaridade-
artigo-usp/. Acesso em: 15 abr. 2021.

TOLEDO, C. E. R. de. Porvir, 2018. Aula de Física dá origem a projeto


de mobilidade urbana. Disponível em: https://porvir.org/aula-de-fisica-faz-
estudantes-pensarem-em-solucoes-de-mobilidade-urbana/#:~:text=Para%20
tornar%20a%20disciplina%20mais,e%20econ%C3%B4micos%20gerados%20
pelo%20tr%C3%A2nsito&text=O%20t%C3%B3pico%20que%20estava%20
sendo,movimento%20ou%20matem%C3%A1tica%20do%20movimento. Acesso
em: 15 abr. 2021.

UYEDA, F. A. S. Construção e aplicação de uma coleção de jogos didáticos


para ensino de Física no Ensino Médio. 2018. Dissertação (Mestrado em
Ensino de Física) - Universidade Federal de Alfenas, Alfenas, 2018. p. 108.
Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/mnpef/system/files/imce/DEFESA/
Fabiana%20DISS%202018.pdf. Acesso em: 13 set. 2021.

VIEIRA, F. A. da C. Ensino por investigação e aprendizagem significativa


crítica: análise fenomenológica do potencial de uma proposta de ensino. 2012.
Tese (Doutorado em Educação para Ciência) - Programa de Pós-Graduação em
Educação para Ciência, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2012. p. 197.

WARD, H. et al. Ensino de Ciências. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.

YARED, I. O que é interdisciplinaridade? In: FAZENDA, I. C. A. (org). O que é


interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008

174

Você também pode gostar