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INTRODUÇÃO
No presente livro, Bobbio reúne seus principais artigos acerca dos direitos do
homem, escritos ao longo do tempo.
Nesses escritos são discutidos problemas tanto históricos como teóricos. No plano
histórico, Bobbio sustenta que a afirmação dos direitos do homem deriva dessa
"inversão" de perspectiva na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos, relação
que passa a ser cada vez mais encarada do ponto de vista dos cidadãos, não mais
súditos.
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O caminho da concepção individualista da sociedade procede lentamente, desde o
reconhecimento dos direitos do cidadão até a Declaração Universal dos Direitos do
Homem. A Declaração favoreceu a emergência do indivíduo, embora débil e
obstaculizada, no interior de um espaço antes reservado exclusivamente aos Estados
soberanos.
Do ponto de vista teórico, Bobbio afirma que sempre defendeu que os direitos do
homem, e por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja,
nasceram em certas circunstâncias (fruto do contexto sócio-histórico) de modo
gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
Bobbio afirma que ao lado dos direitos sociais, chamados de direitos de Segunda
geração, emergiram hoje os chamados direitos de Terceira geração, reivindicando o
direito de viver num ambiente não poluído (movimentos ecológicos). Já se apresentam
futuros direitos da Quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da
pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada
indivíduo. Tal fato é mais uma prova de que os direitos não nascem todos de uma vez.
Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o progresso técnico, isto
é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros
homens, criando assim novas ameaças à liberdade do indivíduo.
Para exemplificar a historicidade dos direitos do homem, Bobbio destaca que os direitos
de Terceira geração não eram sequer imaginados quando foram propostos os direitos da
Segunda geração, do mesmo modo que estes últimos não eram sequer concebíveis
quando foram promulgadas as primeiras Declarações. Esses direitos, ou seja, essas
exigências nascem somente quando surgem certos carecimentos.
O exemplo de que a obrigação moral de dar esmolas não faz nascer o direito de pedi-las,
demonstra que de uma obrigação moral não nasce uma obrigação jurídica. Mas pode-se
dizer o mesmo do direito moral? Que sentido poder ter a expressão direito moral se não
a de direito que corresponda a uma obrigação moral?
Para responder essa pergunta, Bobbio afirma que ao se introduzir a noção de direito
moral, introduz-se também a noção de obrigação moral, necessariamente. Ter direito
moral em face de alguém significa que há um outro indivíduo que tem obrigação moral
para comigo.
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Bobbio finaliza a introdução do livro afirmando que uma coisa é proclamar os
direitos humanos, outra é desfrutá-lo efetivamente. Contrapõe a "era dos direitos"
com a "massa dos sem direitos", isto é, os direitos de que fala a primeira expressão
são somente os proclamados nas instituições internacionais e nos congressos, enquanto
a segunda expressão corresponde à esmagadora maioria da humanidade, que não
possui de fato os direitos, ainda que sejam repetidamente proclamados.
PRIMEIRA PARTE
"SOBRE OS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DO HOMEM"
Neste ensaio, Bobbio propõe-se a discutir três temas? 1) qual é o sentido do
fundamento absoluto dos direitos humanos; 2) se um fundamento absoluto é
possível; 3) se caso seja possível, é também desejado;
Os direitos humanos são direitos desejados, isto é, fins que merecem ser
perseguidos, e apesar de sua desejabilidade, ainda não foram todos eles
reconhecidos.
Essa ilusão foi comum durante séculos aos jusnaturalistas, que supunham ter
colocado os direitos naturais acima da possibilidade de qualquer refutação,
derivando-os da natureza do homem. Entretanto, Bobbio afirma que a natureza do
homem revelou-se muito frágil como fundamento absoluto. Afirma ainda, que toda
busca do fundamento absoluto é infundada. Os valores últimos (= fundamento
absoluto) não se justificam, o que faz é assumi-los. O que é último, precisamente
por ser último, não tem nenhum fundamento.
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Bobbio afirma que além dos direitos do homem não possuírem uma noção precisa, os
direitos do homem constituem também uma classe variável. Isto que dizer que os
direitos humanos se modificam (Bobbio defende sempre a significação histórica
desses direitos), e continuam a se modificar com a mudança das condições sócio-
históricas. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada
civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas. Sendo assim,
Bobbio afirma que não existem direitos fundamentais por natureza e não se pode
atribuir um fundamento absoluto a direitos historicamente relativos.
O problema do reconhecimento dos direitos humanos não nasceu hoje. Pelo menos
desde o início da era moderna, através da difusão das doutrinas jusnaturalistas e das
Declarações dos Direitos do Homem, o problema do reconhecimento acompanha o
nascimento, desenvolvimento e afirmação do Estado de direito. Mas é também
verdade que somente depois da Segunda Guerra é que esse problema passou da
esfera nacional para a internacional, envolvendo pela primeira vez na história
todos os povos.
Bobbio afirma que é com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem
final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado
despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado
absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, somente direitos
privados. No Estado de direito o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos
privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos
cidadãos.
São várias as perspectivas que podem se assumir para tratar do tema dos direitos do
homem: filosófica, histórica, ética, jurídica, política, etc.
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Para o discurso dos direitos humanos no presente artigo ("A era dos direitos"),
Bobbio afirma que escolheu a perspectiva que ele próprio denomina de "filosofia
da história".
No presente artigo, Bobbio expõe sua tese: afirma que do ponto de vista da filosofia
da história, o atual debate sobre os direitos do homem (hoje em dia tão amplo, que
envolveu todos os povos da Terra) pode ser interpretado como um sinal premonitório
do progresso moral da humanidade.
A única afirmação que posso fazer com segurança, afirma Bobbio, é que a história
humana é ambígua, dando resposta diversas segundo quem a interroga, de acordo com
seu ponto de vista (retrata portanto o relativismo histórico). Apesar desse relativismo,
não podemos deixar de nos interrogar sobre o destino do homem e sobre sua origem, o
que só podemos fazer observando os sinais que os eventos e fatos nos fornecem.
O conceito de moral é problemático, salvo para uma visão religiosa do mundo, que é
habitualmente designada com a expressão "consciência moral". Todavia, Bobbio deixa
claro que busca encontrar uma resposta não do ponto de vista religioso, mas do ponto de
vista de uma ética racional. Bobbio afirma categoricamente que as explicações
teológicas não o convencem e as racionais são parciais.
Bobbio declara que a parte obscura da história do homem é bem mais ampla que a parte
clara. Todavia, há zonas de luz que até o mais pessimista não pode ignorar: a abolição
da escravidão e a supressão da pena de morte em alguns países. É nessa zona de Luz
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que Bobbio coloca, juntamente com os movimentos ecológicos e pacifistas, o interesse
crescente de movimentos e governos pelo reconhecimento e proteção dos direitos do
homem. Todos os esforços para o bem são uma característica essencial do mundo
humano e nascem da consciência, do estado de sofrimento e de infelicidade que o
homem vive. A esse conjunto de esforços que o homem faz para transformar o mundo
que o circunda e torná-lo menos hostil, pertencem as regras de conduta, que se voltam
no sentido de tornar possível uma convivência pacífica.
Locke, que foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos do
homem, começa o capítulo sobre o estado de natureza da seguinte forma:
"considero o estado que se encontram naturalmente todos os homens; e esse é um
estado de perfeita liberdade de regular as próprias ações como se acreditar
melhor, nos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da
vontade de nenhum outro".
A concepção orgânica é tão persistente que, ainda nas vésperas da Revolução Francesa,
que proclama os direitos do indivíduo diante do Estado, Edmund Burke escreve: "Os
indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável". Ressalto o desprezo
de Burke aos filósofos iluministas (em especial Rousseau), que denomina "audaciosos
experimentadores da nova moral".
A concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo, que tem valor
em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo
indivíduo e este não é feito pelo Estado. Nessa inversão de relação entre indivíduo e
Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos
indivíduos, primeiro vêm os direitos e depois os deveres. Em relação ao Estado,
primeiro vêm os deveres, depois os direitos.
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matam o Estado. Para a concepção individualista, a finalidade é o crescimento do
indivíduo, livre de condicionamentos externos.
A mesma inversão também ocorre com a justiça. Para a concepção orgânica a definição
do justo é a platônica, para qual cada uma das partes de que é composto o corpo social
deve desempenhar a função que lhe é própria. Na a concepção individualista, o justo é
que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias necessidades e
atingir os próprios fins, antes de mais nada a felicidade, que é um fim individual
por excelência.
Olhando com caráter crítico para uma frase de Bobbio, percebemos que este demonstra
claramente a questão histórica dos direitos do homem, pois projeta ao futuro, possíveis
direitos de proteção ao homem: "Olhando para o futuro, já podemos entrever a extensão
da esfera do direito à vida das gerações futuras, cuja sobrevivência é ameaçada pelo
crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas".
Bobbio conclui "A era dos direitos", afirmando que uma coisa é falar dos direitos
do homem e justificá-los com argumentos convincentes, outra coisa é garantir-lhes
proteção efetiva.
Bobbio conclui: "disse no início que, assumir o ponto de vista da filosofia da história,
significa levantar o problema do sentido da história. Mas a história em si tem um
sentido? A história tem apenas o sentido que nós, em cada ocasião e de acordo com
nossa visão de mundo, atribuímos a ela. Refletindo sobre o tema dos direitos do homem,
pareceu-me poder dizer que ele indica um sinal do progresso moral da humanidade (isto
é, o progresso histórico dos direitos do homem). Mas esse é o único sentido”?