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BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrande Brasil S.A, 1989.

CAPITULO I – Sobre o Poder Simbólico

Pierre Bourdieu mostra a importância de uma postura crítica do intelectual, este como
agente político.
“Se <<a imigração das ideias>>, como diz Marx, raramente se faz sem dano, é porque ela
separa as produções culturais do sistema de referências teóricas em relação às quais as ideias se
definiram, consciente ou inconscientemente, quer dizer do campo de produção balizado por
nomes próprios ou por conceitos em – ismos para cuja definição, elas contribuem menos do que
ele as define. Por isso, as situações de <<imigração>> com uma força especial que se torne
visível o horizonte de referencia o qual, nas situações correntes, pode permanecer em estado
implícito. Embora seja escusado dizer que repatriar este produto de exportação implica riscos
graves de ingenuidade e de simplificação – e também grandes inconvenientes, pois fornece um
instrumento de objetificação” (BOURDIEU, 1989, p. 7).
Dito isso, o autor mostra que deve haver uma ruptura com a dicotomia objetivismo/
subjetivismo, isto é, n se basear apenas em uma linha teórica, mas saber se apropriar de todas na
medida em que contribui para seu trabalho por mais difícil que possa ser trazer ideias de áreas
diferentes.
Bourdieu salienta a necessidade de analisar o poder simbólico e saber como ele se realiza,
legitima e reproduz.
“É necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais
completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder
invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe
estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 1989, p. 7 – 8).

1. Os <<sistemas simbólicos>> (arte, religião e língua) como estruturas estruturantes

“A tradição neo-kantiana [...] trata os diferentes universos simbólicos, mito, língua, arte,
ciência, como instrumento de conhecimento e de construção do mundo dos objetos, como
<<formas simbólicas>>, reconhecendo [...] o <<aspecto activo>> do conhecimento [...]
Panofsky trata a perspectiva como uma forma histórica, sem todavia ir até a reconstrução
sistemática das suas condições sociais de produção” (BOURDIEU, 1989, p. 8).
Segundo Pierre Bourdieu “a teoria durkheiminiana corresponde com a tradição Kantiana,
com o intuito de oferecer respostas empíricas e positivas e não, apenas, alternativas do
apriorismo e empirismo. Dito isso Durkheim lança os fundamentos de uma sociologia das
<<formas simbólicas>> (como equivalente à <<formas de classificação>>. Tais formas
deixam de ser universais e, agora aproximando da teoria de Panofsky, para se tornarem em
<<formas sociais>> (socialmente determinadas por um grupo particular)” (BOURDIEU, 1989).
“Nesta tradição idealista, a objectividade do sentido do mundo define-se pela
concordância das subjectividades estruturantes (senso = consenso)” (BOURDIEU, 1989, p. 8).
“Desse modo, o autor caracteriza como estruturas estruturantes os instrumentos de
construção e conhecimento do mundo objetivo” (BOURDIEU, 1989).

2. Os <<sistemas simbólicos>> como estruturas estruturadas (passíveis de uma análise


estrutural)

A análise estrutural, segundo Bourdieu, permite uma leitura, seguindo a corrente simbolista
de Schelling, propriamente tautegórica e não alegórica, isto é, analisando determinados aspectos
tal como são sem exteriorizar o objeto do conceito.
“A análise estrutural tem em vista isolar a estrutura imanente a cada produção simbólica”
(BOURDIEU, 1989, p. 9).
Entende-se dessa forma como modus operandi as estruturas estruturantes e como opus
operatum as estruturas estruturadas.
“sistema estruturado, a língua é fundamentalmente tratada como condição de inteligibilidade
da palavra, como intermediário estruturado que se deve construir para se explicar a relação
constante entre o som e o sentido” (BOURDIEU, 1989, p. 9).
Com isso, percebe-se que os instrumentos de conhecimento para a conservação do mundo
caracterizam as formas simbólicas. Dito isso, a objetividade do mundo ganha sentido pela
concordância tácita entre subjetividades (processo incorporado no habitus).

Primeira síntese

Os sistemas simbólicos são instrumentos de comunicação que tem o seu poder


estruturado por seres estruturante, dessa maneira o poder simbólico constrói a realidade
proporcionando o sentido imediato do mundo pelo conformismo lógico.
“os símbolos são os instrumentos por excelência da <<integração social>>: enquanto
instrumentos de conhecimento e de comunicação [...], eles tornam possível o consensus acerca
do sentido do mundo social que contribui socialmente para a reprodução da ordem social: a
integração <<lógica>> é a condição da integração <<moral>>” (BOURDIEU, 1989, p. 9 – 10).
Tal característica remete ao homem natural (natural humano, de sociedade e não apenas de
natureza) de Marx, onde este, agora pertencente a uma sociedade com formas simbólicas, já
existentes, que são introjetadas inconscientemente no indivíduo e geradora da conduta.
É através do discurso do dominador apoiado pelo dominado que a violência simbólica
prevalece (mesmo que as condições materiais de existências das fracções de classes sejam
diferentes).

3. As produções simbólicas como instrumento de dominação

“A tradição marxista privilegia as funções políticas dos <<sistemas simbólicos>> em


detrimento da sua estrutura lógica e da sua função gnoseológica [...]; este funcionalismo [...]
explica as produções simbólicas relacionando-as com os interesses da classe dominante”
(BOURDIEU, 1989, p. 10).
As ideologias se diferem dos mitos; esses dizem respeito à coletividade, estas à
arbitrariedade camuflada (fracionada e muitas vezes, demagógica) com interesses – particulares
– aparentemente universais e comuns.
Portanto a cultura dominante colabora para integração real de sua classe e para a integração
fictícia da sociedade, desmobilizando os dominados e legitimando a ordem (hierárquica) em suas
distinções.
Vale salientar que Bourdieu trata as lutas não apenas entre duas classes, como definido por
Marx ( os detentores dos meios de produção e os não detentores dos meios de produção), mas
também de fracções de classes.
“Esse efeito ideológico, produ-lo a cultura dominante dissimulando a função de divisão
na função de comunicação: a cultura que une (intermediário de comunicação) é também a cultura
que separa (instrumento de distinção) e que legitima as distinções compelindo todas as culturas
(designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação à cultura dominante”
(BOURDIEU, 1989, p. 11).

Segunda síntese

“As relações de comunicação são [...] sempre relações de poder, que dependem [...] do
poder material ou simbólico acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas
relações [...] É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de
conhecimento que os <<sistemas simbólicos>> cumprem a sua função política de instrumentos
de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de
uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de
força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a
<<domesticação dos dominados>>” (BOURDIEU, 1989, p. 11).
Logo, conferem a violência simbólica e se auto reforçam. Este processo de racionalização
da dominação caracteriza a violência simbólica.
As classes e suas fracções estão envolvidas em uma luta simbólica para impor a definição
de mundo segundo os seus interesses, tais conflitos podem ocorrer tanto diretamente, na vida
quotidiana; quanto por procuração, por especialistas da produção simbólica, tendo como objetivo
das classes o monopólio da violência simbólica legítima.
“O campo da produção simbólica é um microcosmos da luta simbólica entre as classes: é
ao servirem os seus interesses na luta interna do campo de produção (e só nessa medida) que os
produtores servem os interesses dos grupos exteriores ao campo de produção. A classe
dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização” (BOURDIEU,
1989, p.12).
Na luta pela hierarquização as fracções de poder de capital econômico estão acima
tentando se legitimar, seja por meio de sua produção simbólica ou por meio de ideólogos
conservadores que só servem a seus interesses por acréscimo, já a fracção dominada tende a
colocar o seu capital no topo da hierarquia, tal grupo supõe estar no topo por possuir um capital
diferenciado que na verdade é secundário.

4. Os sistemas ideológicos que os especialistas produzem para a luta pelo monopólio da


produção ideológica legítima – e por meio dessa luta –, sendo instrumentos de
dominação estruturantes pois que estão estruturados, produzem sob forma
irreconhecível, por intermédio da homologia entre o campo de produção ideológica e o
campo das classes sociais, a estrutura do campo das classes sociais

“Os <<sistemas>> simbólicos distinguem-se fundamentalmente conforme sejam produzidos


e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um
campo de produção e circulação relativamente autônomo” (BOURDIEU, 1989, p.12).
Ou seja, a classe dominante legitima a sua dominação por ser detentora do capital econômico
e dos instrumentos de produção simbólica, processo gerado pela divisão social do trabalho e,
consequentemente, da divisão de classes.
“As ideologias devem as suas estruturas e as funções mais específicas às condições sociais de
sua produção e da sua [...] as função que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas
[...] e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não especialistas. Ter presente que as
ideologias são sempre duplamente determinadas , – que elas dever, as suas características ,ais
específicas não só aos interesses das classes ou das fracções de classes que elas exprimem, mas
também aos interesses específicos daqueles que as produzem e à lógica especifica do campo de
produção – é possuir o meio de evitar a redução brutal dos produtos ideológicos aos interesses
das classes que eles servem [...] sem cair na ilusão idealista a qual consiste e, tratar as produções
ideológicas como totalidades autossuficientes e autogeradas, passiveis de uma analise pura e
puramente interna” (BOURDIEU, 1989, p.13).
As semelhanças que existem entre o campo da produção ideológica e o campo da luta de
classes produzem formas eufemizadas de lutas econômicas e políticas entre as classes. O sistema
de classificação e de estruturas mentais é tido como natural por meio de uma imposição
mascarada que se ajusta às estruturas sociais. O monopólio da violência simbólica se legitima,
logo, se legitima também o discurso da dominação simbólica.
“O facto de a correspondência não se efetuar senão de sistema a sistema esconde, tanto aos
olhos dos profanos, que os sistemas de classificação internos produzem em forma irreconhecível
as taxinomias diretamente políticas que a axiomática específica de cada campo especializado é a
forma transformada [...] dos princípios fundamentais da divisão do trabalho [...] o efeito
propriamente ideológico consiste precisamente na imposição de sistemas de classificação
políticos sob a aparência legítima de taxinomias filosóficas, religiosas, jurídicas, etc. Os sistemas
simbólicos devem a sua força ao facto do as relações de força que neles se exprimem só se
manifestarem neles em forma irreconhecível de relações de sentido (deslocação).” (BOURDIEU,
1989, p.14).
“Dito isso, o poder simbólico é aquele que poder quase mágico que permite obter o
equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), só se exerce se for
reconhecido (portanto, ignorado), isso o legitima” (BOURDIEU, 1989)
“O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer,
irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar para
além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de
força e de modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se
descreverem espécies de capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de
transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação
das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e
transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispendido
aparente de energia” (BOURDIEU, 1989, p.15).
Ou seja, esse poder só existe quando é interiorizado e reconhecido pelos sujeitos a partir do
processo de estrutura estruturada estruturante. Ele não se encontra nos sistemas simbólicos, mas
nas relações entre os que exercem o poder e os que estão sujeitos a ele, tais símbolos não passam
de capital simbólico objetivado.

CAPÍTULO II – Introdução a uma sociologia reflexiva

Ensinar um ofício

“Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades” (BOURDIEU, 1989, p.


10). Para Bourdieu as duvidas são compartilhadas e é algo natural/importante para a
aprendizagem.
O autor trás a apreensão da pesquisa como uma atividade racional e não mística, não é algo
intrínseco à determinadas pessoas, mas um “ofício” que pode ser aprendido e ensinado e para tal
demanda tempo e persistência. Por isso mostra a importância da: “maximização do tempo do
rendimento dos investimentos e para o melhor aproveitamento possível dos recursos a começar
pelo tempo que se dispõe” (BOURDIEU, 1989, p.18). Isso será a orientação do pesquisador que
será incorporada, paulatinamente, no habitus.
“Uma exposição de uma pesquisa é, com efeito, o contrário de um show, de uma exibição na
qual se procura ser visto e mostrar o que se vale. É um discurso em que a gente se expõe, no qual
se correm riscos. Quanto mais a gente se expõe, mais possibilidades existem de tirar proveito da
discussão e, estou certo, mais benevolentes serão as criticas ou os conselhos” (BOURDIEU,
1989, p.18).
“o homo academicus gosta do acabado. Como os pintores acadêmicos eles faz
desaparecer dos seus trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os retoques” (BOURDIEU,
1989, p.19). Isto é, o processo pelo qual a pesquisa passa é ocultado pelo homo academicus, já
que para eles a importância está apenas na conclusão de seus resultados.
Pierre Bourdieu mostra que a pratica da construção do objeto se dá ao colocar os objetos
pré-construídos em causa. Tal prática (cientifica) é resultado de práticas ao lado de um “guia”.
Dessa maneira o “fazer pesquisa” implica em trabalhos árduos; preparação; pesquisas;
interpretação, dentre outros fatores.
O autor salienta que, muitas vezes pesquisar assuntos aparentemente insignificantes pode
ser mais pertinente que assuntos globais (e de grande interesse, portanto não vão faltar pesquisas)
a não ser que faça uma releitura desses assuntos.
“Visto que o que se trata de ensinar é, essencialmente, um modus operandi, um modo de
produção cientifico que supõe que um modo de percepção, um conjunto de princípios de visão e
de divisão, a única maneira de o adquirir é a de o ver operar praticamente ou de observar o modo
como este habitus cientifico [...], sem necessariamente se tornar explicito em preceitos formais,
<< reage >> perante opções práticas” (BOURDIEU, 1989, p.21 – 22).
“O habitus cientifico é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi cientifico
que funciona em estado prático segundo as normas da ciência sem ter estas normas na sua
origem: e esta espécie de sentido do jogo cientifico que faz com que se faça o que é preciso
fazer, e menos ainda a regra que permite gerar a conduta adequada” (BOURDIEU, 1989, p.23).

Pensar relacionalmente

O autor mostra a importância de pensa de forma relacional, isto é, não distanciar a teoria
da metodologia. Além disso, a importância da criação de uma hipótese capaz de conduzir o
pesquisador, para que este não fique apenas no campo da abstração. “as opções técnicas mais
<<empíricas>> são inseparáveis das opções mais <<teóricas>> de construção do objeto”
(BOURDIEU, 1989, p.24).
O autor se preocupa em mostrar que rigor não é rigidez. Não é interessante, nem
inteligente, utilizar-se da rigidez para pesquisas, uma vez que seguir determinadas linhas de
pensamentos de forma rígida pode empobrecer a análise, que seria muito mais bem aproveitada
com uma interlocução de vários teóricos.
“A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de
construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa. Ela
funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objeto em
questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas
propriedades” (BOURDIEU, 1989, p.27).
“Se é verdade que o real é relacional, pode acontecer que eu nada saiba de uma
instituição acerca da qual eu julgo saber tudo, porque ela nada é fora das suas relações com o
todo” (BOURDIEU, 1989, p.31).
“trata-se de construir um sistema coerente de relações, que deve ser posto à prova como
tal” (BOURDIEU, 1989, p.33).
Bourdieu trás o método comparativo, visando utilizar um pensamento analógico fazendo
uma abstração do discurso em prol de uma sociologia reflexiva.

Uma dúvida radical

Rompimento com o senso comum é dos principais fatores para se construir um objeto
cientifico. O mundo social muda, logo o objeto também muda.
“Como pode o sociólogo efetuar na prática a dúvida radical a qual é necessária para pôr
em suspenso todos os pressupostos inerentes ao facto de ele ser social, portanto, socializado e
levado assim a sentir-se como peixe na água no sei desse mundo social cujas estruturas
interiorizou? [...]construir [...] o já construído” “A noção de campo é, em certo sentido, uma
estenografia conceptual de um modo de construção do objeto que vai comandar – ou orientar –
todas as opções práticas da pesquisa” (BOURDIEU, 1989, p.35).
“ciência meio-douta retira do mundo social os seus problemas, os seus conceitos e os seus
instrumentos de conhecimento e registra amiúde como um datum, como um dado empírico
independente do ato do conhecimento e da ciência que o realiza, factos, representações ou
instituições os quais são produtos de um estado anterior da ciência, em que ela, em suma, se
registra a si mesma sem se conhecer” “A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia
conceptual de um modo de construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as
opções práticas da pesquisa” (BOURDIEU, 1989, p.35).
Doble blind e conversão

“é toda uma tradição douta da sociologia que é necessário pôr em constantemente em


dúvida, e da qual há que desconfiar incessantemente [...] esta espécie de double bind a que todo o
sociólogo digno desse nome está constantemente exposto: sem os instrumentos de pensamento
oriundos da tradição douta, ele não passa de um amador, de um autodidacta, de um sociólogo
espontâneo [...], mas estes instrumentos fazem que ele corra um perigo permanente de erro, pois
se arrisca a substituir doxa ingénua do senso comum pela doxa do senso comum douto, que
atribui o nome de ciência a uma simples transcrição do discurso de senso comum” (BOURDIEU,
1989, p.44).
Tais discursos desses sociólogos espontâneos reproduzem os mesmos dos meios de
comunicação (Jornal, TV...) imposta de forma inconsciente por meio de sua formação e censura
do establishment sociológico.
“nunca se experimenta tão bem a contradição como no caso da etnologia na qual, em
consequência da diferença das tradições culturais e do étrangement daí resultante se não pode
viver, como no caso da sociologia, na ilusão da compreensão imediata [...] Isso favorece uma
espécie de conservadorismo estrutural, que leva a reproduzir a doxa douta” (BOURDIEU, 1989,
p.45).
Dessa maneira, Bourdieu mostra que a pedagogia deve oferecer uma resistência contra os
processos de representação social defendida pelo discurso socialmente dominante em sociologia.
“Se, como todas as falsas sínteses de uma teoria sem prática e todas as prevenções
esterelizantes e inúteis de uma <<metodologia>> sem conceitos, estas operações de catalogação
são muito úteis para afirmarem a existência do professor, colocando assim acima das divisões
por ele descritas, é sobretudo como sistema de defesa contra os progressos verdadeiros da
ciência, que ameaçam o falso saber dos professores, que elas funcionam” (BOURDIEU, 1989,
p.46).
“a submissão aos hábitos de pensamento, ainda que sejam os que, em outras
circunstâncias, podem exercer um formidável efeito de ruptura, pode conduzir também a formas
inesperadas de ingenuidade” (BOURDIEU, 1989, p.47 – 48).
Segundo o autor, a ideologia marxista, no que diz respeito a usos sociais comuns, é a
forma mais insuspeita do pré-construído douto.
“não basta romper com o senso comum vulgar, nem com o senso comum douto na sua
forma corrente; é preciso romper com os instrumentos de ruptura que anulam a própria
experiência contra a qual eles se construíram” (BOURDIEU, 1989, p.48).
Para o autor a ruptura só é possível com uma espécie de “revolução mental”, uma ruptura
epistemológica, no que diz respeito ao mundo social e que os erros, em sua maioria, se devem à
experiência. Entretanto, tal experiência.

A objetificação participante

“Aquilo que chamei a objetificação participante (e que é preciso não confundir com <<a
observação participante>>, análise de uma – falsa – participação num grupo estranho) é sem
dúvida o exercício mais difícil que existe, porque requer a ruptura das aderências e das adesões
mais profundas e mais inconscientes, justamente aquelas que, muitas vezes, constituem o
<<interesse>> do próprio objecto estudado para aquele que o estuda, tudo aquilo que ele menos
pretende conhecer na sua relação com o objecto que ele procura conhecer. Exercício mais difícil,
mas também o mais necessário porque, como tentei fazer em Homo academicus, o trabalho de
objectivação incide neste caso sobre um objeto muito particular, e que se acham inscritas,
implicitamente, algumas das mais poderosas determinantes sociais dos próprios princípios da
apreensão de qualquer objeto possível” (BOURDIEU, 1989, p.51).
“Objectivar a pretensão à posição realenga que, como a pouco disse, leva a fazer da
sociologia uma arma nas lutas no interior do campo em vez de fazer dela um instrumento de
conhecimento dessas lutas, portanto do próprio sujeito cognoscente o qual, faça o que fizer, não
deixa de estar nelas envolvido, é conferir a si mesmo os meios de reintroduzir na análise a
consciência dos pressupostos e dos preconceitos, associados ao ponto de vista local e localizado
daquele que constrói o espaço dos pontos de visa. A consciência dos limites da objectivação
objectivista levou-me a descobrir que existe no mundo social, em especial no muno universitário,
toda uma série de instituições que produzem o efeito de tornar aceitável a distância entre a
verdade objsctiva e a verdade vivida daquilo que se faz e daquilo que se é.” (BOURDIEU, 1989,
p.52 – 53).
“só se pode sair da série indefinida das interpretações que se refutam umas às outras [...]
se se construir realmente o espaço das relações objectivas (estruturas) de que são manifestação as
permutas comunicacionais diretamente observadas (interação)” (BOURDIEU, 1989, p.54).
Para o autor trata-se de uma luta simbólica pelo melhor discurso empregado. Tal espaço
de interação é um espaço, também de atualização e interseção entre os diversos campos
(hierarquizados).
Dito isso, existe o campo político; o campo jornalístico; o campo da ciência política; o
campo do marketing político e por fim o campo universitário.
“As estratégias discursivas dos diferentes actores, e em especial os efeitos retóricos que
têm em vista produzir uma fachada de objectividade, [...] dependerão dos interesses específicos e
dos trunfos diferenciais que, nesta situação particular de luta simbólica pelo veredicto
<<neutro>>, lhes são garantidos pela sua posição nos sistemas de relações invisíveis que se
estabelecem entre os diferentes campos em que eles participam” (BOURDIEU, 1989, p.56).
“A objectivação participante, sem dúvida, o cume da arte sociológica, por pouco
realizável que seja, só o é se se afirmar numa objectivação tão completa quanto possível do
interesse a objectificar o qual está inscrito no facto da participação, e num pôr-em-suspenso
desse interesse e das representações que ele induz” (BOURDIEU, 1989, p.58).

CAPÍTULO III – A génese dos conceitos de habitus e de campo

“Tratar da teoria como um modus operandi que orienta e organiza praticamente a prática
cientifica é, evidentemente, romper com a complacência um pouco feiticista que os <<teóricos>>
costumam ter para com ela” (BOURDIEU, 1989, p.60).
“a noção de habitus exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais
a ciências social se encerrou, a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e
do mecanicismo, etc.” (BOURDIEU, 1989, p.60).
“eu desejava por em evidência as capacidades <<criadoras>>, activas, inventivas, do
habitus e do agente (que a palavra hábito não diz), embora chamando a atenção para a ideia de
que este poder gerador não é o de um espírito universal, de uma natureza ou de uma razão
humana como em Chomsky – o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e
também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a
hexis, indica a disposição incorporada, quase postural –, mas sim o de um agente em acção”
(BOURDIEU, 1989, p.61).
“A procura da originalidade a todo o custo, frequentemente facilitada pela ignorância e a
fidelidade religiosa a este ou aquele autor canônico que leva à repetição ritual, impedem, uma e
outra, a justa atitude para com a tradição teórica, que consiste em afirmar, ao mesmo tempo, a
continuidade e a ruptura, a conservação e a superação, em se apoiar em todo o pensamento
disponível sem temer a acusação de seguidismo ou de ecletismo, para ir além dos antecessores,
ultrapassados assim por uma utilização nova do dos instrumentos para cuja produção eles
contribuíram” (BOURDIEU, 1989, p. 63).
“Uma das inúmeras razões da particular dificuldade das ciências sócias está no facto de
exigirem união de uma grande ambição com uma extrema igualdade: humildade necessária para
conseguir dominar praticamente todo o conjunto de conhecimentos adquiridos [...] incorporando-
os, como modo de habitus; [...] ambição indispensável para tentar totalizar numa prática
realmente cumulativa o conjunto dos saberes e do saber-fazer acumulados em todos os actos de
conhecimento [...] realizados pelo colégio dos melhores, no passado e no presente”
(BOURDIEU, 1989, p.64).
“Para construir realmente a noção de campo, foi preciso passar para além da primeira
tentativa de analise do <<campo intelectual>> como universo relativamente autônomo de
relações específicas” (BOURDIEU, 1989, p.65 – 66).
“A teoria geral dos campos [...] nada deve [...] à transferência [...] do modo de
pensamento econômico [...] Em vez de ser a transferência que está na origem da construção do
objecto [...] é a construção do objecto que exige a transferência e a fundamenta: assim, tratando-
se de analisar os usos sociais da língua, a ruptura com a noção vaga e vazia de <<situação>> [...]
obriga a que se pensem as relações permuta linguísticas como outros tantos mercados que se
especificam segundo a estrutura das relações entre os capitais linguísticos ou culturais dos
interlocutores ou dos seus grupos” (BOURDIEU, 1989, p.68 – 69).
“Compreender a gênese social de um campo, e apreender aquilo que faz a necessidade
específica da crença que o sustenta, do jogo de linguagem que nele se jogo, das coisas materiais
e simbólicas em jogo que nele se eram, é explicar, tornar necessário, subtrair o absurdo do
arbitrário e do não-motivado os atos dos produtores e as obras por eles produzidas e não [...]
reduzir ou destruir” (BOURDIEU, 1989, p.69).
“Sempre que se institui um destes universos relativamente autônomos, campo artístico,
campo cientifico ou esta ou aquela das sias especificações o processo histórico ai instaurado
desempenha o mesmo papel de abstractor de quinta-essência. Donde a análise da história do
campo ser, em si mesma, a única forma legitima da analise da essência” (BOURDIEU, 1989,
p.71).

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