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Princípios do Liberalismo e Atuação Policial.

Na maioria das vezes que vamos deliberar sobre o Liberalismo, o protagonismo dos indivíduos
como agentes econômicos costuma dominar os discursos. As incontestáveis vantagens do livre
mercado frente ao planejamento central da economia pelo governo, a tributação, e a
eliminação de subsídios e de empresas estatais são as pautas favoritas dos liberais.

Nessa pequena reflexão, espero trazer à luz temas que são caros aos liberais e intrínsecos à
atividade policial, com algumas digressões sobre a realidade brasileira.

Comecemos recordando que as principais atividades do policial em sua atuação diária, quase
sempre acabam revisitando os direitos naturais elencados por John Locke: proteção da vida,
da propriedade e da liberdade.

VIDA

A polícia defende a vida quando ingressa nos barracos de madeirite e resto de obras, onde o
odor do esgoto a céu aberto se mistura com cachaça e crack e nos deparamos com uma
mulher indefesa sofrendo pela milésima vez agressões e ofensas de seu companheiro.

Quando o braço da polícia chega para proteger o bem maior daquelas pessoas que não teriam
a quem buscar socorro, fica claro o que Nozick quis dizer que o Estado Mínimo, o mais
moralmente aceitável, não pode dispensar a autoridade policial.

A proteção da vida também se reflete quando a polícia elucida os homicídios e colabora com a
Justiça para responsabilizar os autores desses crimes bárbaros.

E quando a realidade brasileira nos traz índices baixíssimos de elucidação de homicídios, Locke
deve se perguntar: nosso ordenamento jurídico e modelo de segurança pública de fato se
preocupa com a vida?

PROPRIEDADE

Talvez ele esteja ressabiado também com o descaso do brasileiro em relação à defesa da
propriedade privada.

O direito natural se manifesta para proteger o indivíduo das arbitrariedades estatais, mas no
Brasil é constantemente violado pelo Estado, com desapropriações imorais e apreensão de
bens de trabalhadores autônomos.

Nesse caso, onde lamentavelmente a atuação policial é cúmplice, o Governo elabora uma série
de normas complexas e de legitimidade duvidosa em nome do ordenamento urbano, do bem
comum, da proteção dos consumidores e seleciona arbitrariamente quem deve ser ter sua
propriedade vilipendiada, ainda que propriedade obtida de maneira legítima.

Sempre questionei a atuação conjunta de policiais com agentes de outros órgãos para caçar
camelôs, vendedores de frutas e ambulantes.

Por que o fiscal que vai para o serviço com a sanha de apreender mercadorias, não pode levar
consigo, uma ferramenta capaz de emitir uma autorização temporária para comercializar bens
naquele local e horário, desde que não inviabilizasse o trânsito de pessoas e veículos? A partir
daí, se houvesse violação dos termos da autorização, ficaria o comerciante sujeito à sanções.

Entretanto, o policial também é o defensor ferrenho da propriedade dos pagadores de


impostos. Afinal, quem se dispõe a colocar a própria vida, integridade física e propriedade em
risco para recuperar bens de pessoas desconhecidas que foram subtraídos e capturar os seus
algozes, certamente tem apreço considerável pela propriedade alheia.

Ainda que consideremos as realidades de cada Estado, ao ver policiais em viaturas sem seguro,
sem manutenção e sem assistência médica adequada e ainda assim determinados em restituir
o patrimônio alheio, tenho certeza que além da vida, a propriedade importa muito para esses
profissionais.

E nesse momento percebemos que, apesar do esforço hercúleo dos policiais, o desprezo do
Estado Brasileiro com a propriedade privada traz indiferença para com os crimes contra o
patrimônio, pois quase são responsabilizados por quem os praticam e quando isso ocorre os
autores desses crimes usufruem de benefícios ultrajante e cumprem penas ínfimas.

No caso dos crimes contra a propriedade praticados sem violência, existe um cenário ainda
pior, trata-se de um refúgio de todas as teses estapafúrdias que destroçam a responsabilidade
individual, tão preciosa aos liberais.

Converse com qualquer policial brasileiro sobre sua experiência com quem pratica furtos,
estelionatos e outras fraudes, essas pessoas que destroem na maioria das vezes o patrimônio
das pessoas mais vulneráveis. Eles ficam praticamente impunes por seus atos.

Pobre propriedade privada, tão imprescindível, e tão solapada.

LIBERDADE

Esse é conceito fulcral para o Liberalismo e possivelmente o mais relacionado com a atividade
policial. Sua acepção, para nossa abordagem, deve estar imbricada na responsabilidade
individual.

Se as normas existem para resguardar os direitos naturais (vida, propriedade e liberdade), a


Polícia existe para responsabilizar aqueles que violam essas normas.

O indivíduo é livre e responsável pelas suas escolhas; se ele optar por lesar os valores
fundamentais da sociedade, cabe à polícia colaborar para que ele seja responsabilizado.

Em próximas reflexões, poderemos aprofundar a discussão sobre vários direitos relacionados


às liberdades de se reunir pacificamente, de manifestar seus pensamentos, bem como sobre a
intimidade, a livre iniciativa, e outras formas de liberdade.

Como ficaria a liberdade de locomoção, a liberdade de ir, vir e permanecer sem a atuação
ostensiva da Polícia? A contribuição da Polícia consiste em reduzir as ameaças a nossas
liberdades, dissuadir quem tem o intuito de ofender nossos bens mais preciosos.
Além do trabalho contínuo visando a diminuição dos índices criminais, outras demandas que
as polícias procuram atender recaem sobre o aumento do medo do crime e a diminuição da
sensação de segurança, anseios cada vez mais comuns daqueles que vivem em locais
abandonados pelo poder público que deve submeter sua liberdade ao toque de recolher de
criminosos em flagrante violação da liberdade de locomoção.

Por ora, vamos nos ater ao caso da liberdade do indivíduo de portar armas para sua
autodefesa. No plano das ideias, não cabe negar o direito dos indivíduos de possuir armas
desde que atendam a requisitos prévios, como capacidade psicológica e técnica e ausência de
antecedentes criminais.

Mas essa liberdade deve estar acompanhada de uma responsabilização severa para quem
violar as regras do porte de arma. Atualmente, indivíduos com ficha criminal extensa por
crimes violentos quando flagrados portando armas ilegalmente, respondem pelo crime em
liberdade, recebem uma pena ínfima que cumprem em liberdade sem fiscalização alguma.

Isso constitui, em suma, um convite à impunidade e explica a importância da polícia de


restringir a liberdade de possuir armas de pessoas que sequer deveriam ter a liberdade de
locomoção.

Como nos recorda o pensamento de um amigo sobre ensinamentos preciosos do pensamento


liberal a respeito da liberdade em possuir armas: “Armas nada mais são que ferramentas. E
como toda ferramenta, são passíveis de serem empregadas corretamente para seu devido fim,
ou erroneamente, para fins mesquinhos e maldosos. Cabe a cada um responder melo mau uso
de qualquer ferramenta, em especial daquelas cujo único objetivo é a proteção. Que a punição
seja dura, rápida e exemplar, mas que nunca percamos nossa liberdade com a justificativa de
que não sabemos ser livres”1.

1
https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53286/armas-de-fogo-liberdade-do-indivduo-ou-
liberalidade-do-estado
A abordagem policial em indivíduos que utilizam o veículo para fazer transporte autônomo de
passageiros sem autorização consiste em outra atuação curiosa da polícia na fiscalização do
trânsito, que esbarra na restrição da livre iniciativa. Formalmente, essas pessoas são
enquadradas na Contravenção Penal de Exercício Irregular de Profissão e são autuadas com
uma multa caríssima.

Será que a conduta desses indivíduos merece atuação repressora ou, ao contrário, facilidades
para que eles deixem a situação de irregularidade? Afinal, estão prestando um serviço de
transporte para pessoas que demandam e sofrem com as ineficiências do transporte público.
O fato de não estarem vinculados a um aplicativo os tornam merecedores de uma reprimenda
penal?
A defesa dos princípios do Liberalismo deve acompanhar os Policiais em sua atuação em
serviço e também como promotor de mudanças no Estado que tanta desrespeita Vida,
Propriedade e Liberdade.

SOLDADO ATLAS

(Atlas é um policial militar do Distrito Federal que está extremamente cansado de suportar as
consequências da falência moral das nossas Instituições, mas sabe que precisa suportar o peso
da ignorância para a virtude florescer na humanidade e aperfeiçoar paulatinamente seu fardo).

Nosso soldado sabe que se abandonar seu encargo as consequências serão terríveis para
sociedade que jurou defender mesmo com sacrifício da própria vida.
Os Dilemas do Policial
Liberal

Expansao Liberal

Jun 23·6 min read

Ricardo Ziegler Paes Leme e Paulo de Deus

Na maioria das vezes que vamos deliberar sobre o


Liberalismo, o protagonismo dos indivíduos como agentes
econômicos costuma dominar os discursos. As
incontestáveis vantagens do livre mercado frente ao
planejamento central da economia pelo governo, o excesso
da tributação, e a eliminação de subsídios e de empresas
estatais são as pautas favoritas dos liberais.

Mas nem só de economia vive o liberalismo, e entendemos


como essencial trazer enfoque às pautas do liberalismo
político. Nesta pequena reflexão, esperamos trazer à luz
temas que são caros aos liberais e intrínsecos à atividade
policial, com algumas digressões sobre a realidade
brasileira.
Comecemos recordando que as principais atividades do
policial em sua atuação diária quase sempre acabam
revisitando os direitos naturais elencados por John Locke,
considerado o pai do liberalismo político: proteção da vida,
da propriedade e da liberdade.

VIDA

Um dos temas mais caros ao liberalismo é a preservação da


vida. Ela vai além da mera aptidão de existir, mas também
cobrindo a vida como o mais precioso bem a ser protegido,
sem a qual sequer faria sentido debater os demais direitos
naturais.
A polícia defende a vida quando ingressa nos barracos de
madeirite e restos de obras, onde o odor do esgoto a céu
aberto se mistura com cachaça e crack e nos deparamos com
uma mulher indefesa sofrendo pela milésima vez agressões e
ofensas de seu companheiro.

Quando o braço da polícia chega para proteger o bem maior


daquelas pessoas que não teriam a quem buscar socorro,
fica claro o que Nozick quis dizer que o Estado Mínimo, o
mais moralmente aceitável, não pode dispensar a autoridade
policial.

A proteção da vida também se reflete quando a polícia


elucida os homicídios e colabora com a Justiça para
responsabilizar os autores desses crimes bárbaros. E quando
a realidade brasileira nos traz índices baixíssimos de
elucidação de homicídios, Locke se perguntaria: nosso
ordenamento jurídico e modelo de segurança pública de fato
se preocupam com a vida?

Ainda que consideremos as realidades de cada Estado, ao


ver policiais dirigindo em viaturas sem seguro e
manutenção, vivendo sem assistência médica adequada e
ainda assim determinados em proteger a vida, estamos
certos que esse direito possui um enorme valor para esses
profissionais.

Nunca é demais lembrar que o policial atua sempre


colocando em risco sua própria vida, um bem que deveria
ser tão precioso para a sociedade e mesmo para o Estado
quanto o é para ele e seus entes queridos. A resignação é
parte do trabalho policial, que não espera que sua vida tenha
mais valor que as demais, mas com certeza anseia que tenha
o mesmo.

PROPRIEDADE

Talvez Locke ficasse ressabiado também com o descaso do


brasileiro em relação à defesa da propriedade privada. O
direito natural se manifesta para proteger o indivíduo das
arbitrariedades estatais, mas esse direito é constantemente
violado pelo Estado Brasileiro, com desapropriações imorais
e apreensão de bens de trabalhadores.

Nesse caso, onde lamentavelmente a atuação policial é


cúmplice, o Governo elabora uma série de normas
complexas e de legitimidade duvidosa em nome do
ordenamento urbano, do “bem comum”, da “proteção” dos
consumidores e seleciona arbitrariamente quem deve ser ter
sua propriedade vilipendiada, ainda que tenha sido obtida
de maneira legítima.

Acreditamos ser extremamente questionável a atuação


conjunta de policiais com agentes de outros órgãos para
caçar camelôs, vendedores de frutas e ambulantes. Por que o
fiscal que vai para o serviço com a sanha de apreender
mercadorias, não pode levar consigo uma ferramenta capaz
de emitir uma autorização temporária para comercializar
bens naquele local e horário, desde que não inviabilizassem
o trânsito de pessoas e veículos? A partir daí, se houvesse
violação dos termos da autorização, ficaria o comerciante
sujeito a sanções (que jamais deveriam envolver espoliação
de propriedade legítima).

Isso não afeta, por outro lado, o fato de o policial também


ser defensor ferrenho da propriedade dos pagadores de
impostos. É ao policial que é confiada a missão fundamental
de manter as regras necessárias para sustentar a
possibilidade de viver em sociedade e tornar possível as
trocas voluntárias entre indivíduos. A ordem e o respeito às
regras são essenciais para uma sociedade funcional, onde
todos possuem iguais direitos e podem realizar atos
legítimos com segurança.

E nesse momento percebemos que, apesar do esforço


hercúleo dos policiais, o desprezo do Estado Brasileiro com
a propriedade privada traz indiferença para com quem
pratica crimes contra o patrimônio, pois quase não são
responsabilizados. E mesmo quando os autores desses
crimes chegam a ser punidos, usufruem de benefícios
ultrajantes, cumprindo penas irrisórias.

No caso dos crimes contra a propriedade praticados sem


violência, existe um cenário ainda pior, trata-se de um
refúgio de todas as teses estapafúrdias que destroçam a
responsabilidade individual, tão preciosa aos liberais.
Converse com qualquer policial brasileiro sobre sua
experiência com quem pratica furtos, estelionatos e outras
fraudes, essas pessoas que destroem na maioria das vezes o
patrimônio das pessoas mais vulneráveis. Eles ficam
praticamente impunes por seus atos.

Isso cria um ambiente social que praticamente estimula esse


tipo de crime, pois o benefício é superior que a solidez da
punição. Pobre propriedade privada, tão imprescindível, e
tão solapada.

LIBERDADE(S)

Esse é conceito fulcral para o Liberalismo e possivelmente o


mais relacionado com a atividade policial. Por exemplo,
como ficaria a liberdade de locomoção, a liberdade de ir, vir
e permanecer sem a atuação ostensiva da Polícia? A
contribuição da Polícia consiste em reduzir as ameaças a
nossas liberdades, dissuadir quem tem o intuito de ofender
nossos bens mais preciosos.

Sua acepção, para nossa abordagem, deve estar imbricada


na de responsabilidade individual. Se as normas existem
para resguardar os direitos naturais (vida, propriedade e
liberdade), a Polícia existe para indicar aqueles que violam
essas normas. O indivíduo é (ou deveria ser) livre e
responsável pelas suas escolhas; se ele optar por lesar
valores fundamentais da sociedade, cabe à polícia colaborar
para que ele seja responsabilizado.
Em próximas reflexões, poderemos aprofundar a discussão
sobre vários direitos relacionados às liberdades de se reunir
pacificamente, de manifestar seus pensamentos, bem como
sobre a intimidade, a livre iniciativa, e outras formas de
liberdade. Mas nem tudo são flores, e é preciso examinar
algumas formas pelas quais, no Brasil de hoje, a atividade do
policial acaba sendo utilizada pelo Estado com a finalidade
de cercear de liberdades fundamentais.

Tomemos o caso da liberdade do indivíduo de portar ou


possuir armas para sua autodefesa. No plano das ideias, não
cabe ao Estado negar o direito dos indivíduos de possuir
armas, apesar de ser tolerável que se crie restrições ao seu
acesso, como requisitos prévios de capacidade psicológica,
técnica e ausência de antecedentes criminais.

Mas essa liberdade deve estar acompanhada de uma


responsabilização severa para quem violar as referidas
regras. Atualmente, indivíduos com ficha criminal extensa
por crimes violentos quando flagrados portando armas
ilegalmente, respondem pelo crime em liberdade e recebem
penas ínfimas que podem cumprir também em liberdade,
sem qualquer acompanhamento.

Isso constitui, em suma, um convite à impunidade e


demonstra a importância da polícia atuar para restringir a
posse ou porte de armas por pessoas que sequer deveriam
ter a liberdade de locomoção. Como abordado em artigo
específico a respeito da liberdade de acesso a armas pelo
cidadão: “Armas nada mais são que ferramentas. E como
toda ferramenta, são passíveis de serem empregadas
corretamente para seu devido fim, ou erroneamente, para
fins mesquinhos e maldosos. Cabe a cada um responder
pelo mau uso de qualquer ferramenta, em especial
daquelas cujo único objetivo é a proteção. Que a punição
seja dura, rápida e exemplar, mas que nunca percamos
nossa liberdade com a justificativa de que não sabemos ser
livres”[1].

Outra situação: a abordagem policial em indivíduos que


utilizam o veículo para fazer transporte autônomo de
passageiros sem autorização consiste em outra atuação
peculiar da polícia na fiscalização do trânsito, que esbarra na
restrição da livre iniciativa. Formalmente, essas pessoas são
enquadradas na Contravenção Penal de Exercício Irregular
de Profissão e são autuadas com uma multa caríssima.

Será que a conduta desses indivíduos merece atuação


repressora ou, ao contrário, facilidades para que eles deixem
a situação de irregularidade? Afinal, estão prestando um
serviço de transporte para pessoas que demandam e sofrem
com as ineficiências do transporte público. O fato de não
estarem, por exemplo, vinculados a um aplicativo os tornam
merecedores de uma reprimenda penal? Não seria mais
interessante para todos que a legislação fosse simplificada
de forma a regularizar essa atividade?
Além do trabalho contínuo visando à diminuição dos índices
criminais, outras demandas que as polícias procuram
atender recaem sobre o aumento do medo do crime e a
diminuição da sensação de segurança, anseios cada vez mais
comuns daqueles que vivem em locais abandonados pelo
poder público e que precisam submeter sua liberdade ao
toque de recolher de criminosos, em flagrante violação da
liberdade de locomoção.

A defesa dos princípios do Liberalismo deve acompanhar os


Policiais em sua atuação em serviço e também como
promotores de melhorias no Estado que tanto desrespeita
Vida, Propriedade e Liberdade.

[1] https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/
53286/armas-de-fogo-liberdade-do-indivduo-ou-
liberalidade-do-estado

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