Prática psicólogos medidas socioeducativas

A prática profissional dos(as) psicólogos(as) em
medidas socioeducativas em unidades de internação
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Organizadores
Conselho Federal de Psicologia
Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
Pesquisadores/as do Centro de Estudos em Administração Pública e

Governo da Fundação Getúlio Vargas responsáveis pelo relatório
Vanda Lúcia Vitoriano do Nascimento
Jacqueline Isaac Machado Brigagão
Tatiana Alves Cordaro Bichara
Sérgio Seiji Aragaki
Peter Kevin Spink
A prática profissional dos(as) psicólogos(as) em medidas

socioeducativas em unidades de internação
1ª Edição
Brasília, DF
2009
2
É permitida a reprodução desta publicação, desde que
sem alterações e citada a fonte.
Disponível também em: www.pol.org.br
1ª edição – 2009
Projeto Gráfico – Wagner Ulisses
Diagramação – Ana Helena Melo | Liberdade de Expressão
Liberdade de Expressão – Agência e Assessoria de Comunicação
atendimento@liberdadedeexpressao.inf.br
Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Coordenação Geral/CFP
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Yvone Duarte

A prática profissional dos(as) psicólogos(as) em medidas socioe-
ducativas em unidades de internação / Conselho Federal de Psicologia.
- Brasília: CFP, 2009.
Direitos para esta edição: Conselho Federal de Psicologia
44 p.
SRTVN 702, Ed. Brasília Rádio Center, conjunto 4024-A
70719-900 Brasília-DF ISBN:
(61) 2109-0107
E-mail: ascom@pol.org.br 1.Medida Socioeducativa em Meio Fechado. 2. Políticas Públicas.3.
www.pol.org.br Psicologia 4. Unidade de Internação
RC114.8
3
Nominativa do Plenário

XIV Plenário
Gestão 2008-2010
Diretoria
Humberto V.erona
Presidente
Ana Maria Pereira Lopes

Vice-Presidente
Clara Goldman Ribemboim

Secretária
André Isnard Leonardi

Tesoureiro
Conselheiros Efetivos Conselheiros Suplentes Psicólogos Convidados

Elisa Zaneratto Rosa – Secretária Região Sudeste Acácia Aparecida Angeli dos Santos Aluízio Lopes de Brito
Maria Christina Barbosa Veras – Secretária Região Nordeste Andréa dos Santos Nascimento Roseli Goffman
Deise Maria do Nascimento – Secretária Região Sul Anice Holanda Nunes Maia Maria Luiza Moura Oliveira
Iolete Ribeiro da Silva – Secretária Região Norte Aparecida Rosângela Silveira
Alexandra Ayach Anache – Secretária Região Centro-Oeste Cynthia R. Corrêa Araújo Ciarallo
Henrique José Leal Ferreira Rodrigues
Jureuda Duarte Guerra
Marcos Ratinecas
Maria da Graça Marchina Gonçalves
4
Coordenação Nacional do CREPOP Integrantes das Unidades Locais do CREPOP
Ana Maria Pereira Lopes Conselheiros: Leovane Gregório (CRP01); Rejane Pinto de Medei-
Maria da Graça M. Gonçalves ros (CRP02); Luciana França Barreto (CRP03); Alexandre Rocha Araú-
Conselheiras responsáveis
jo (CRP04); Lindomar Expedito Silva Darós e Janaína Barros Fernandes
Cláudio H. Pedrosa (CRP05); Marilene Proença R. de Souza (CRP06); Ivarlete Guimarães de
Coordenador técnico CREPOP França (CRP07); Maria Sezineide C. de Melo (CRP08); Sebastião Benício C.
Neto (CRP09); Rodolfo Valentim C. Nascimento (CRP10); Adriana Alencar
Mateus C. Castelluccio Pinheiro (CRP11); Catarina Antunes A. Scaranto (CRP12); Julianna Toscano
Natasha R. R. Fonseca
T. Martins (CRP13); Marisa Helena A. Batista (CRP14); Izolda de Araújo Dias
Assessoria de projetos
(CRP15); Mônica Nogueira S. Vilas Boas (CRP16); Alysson Zenildo Costa
Alves (CRP17). Técnicos: Renata Leporace Farret(CRP01); Thelma Torres
(CRP02); Úrsula Yglesias e Fernanda Vidal (CRP03); Mônica Soares da Fon-
seca Beato (CRP04); Beatriz Adura (CRP05); Marcelo Saber Bitar e Ana Ma-
ria Gonzatto (CRP06); Karla Gomes Nunes e Silvia Giuliani (CRP07); Car-
men Regina Ribeiro (CRP08); Marlene Barbaresco (CRP09); Eriane Almei-
da de Sousa Franco (CRP10); Évio Gianni Batista Carlos (CRP11); Katiúska
Araújo Duarte (CRP13); Mário Rosa da Silva (CRP14); Eduardo Augusto de
Almeida (CRP15); Mariana Passos Costa e Silva (CRP16); Bianca Tavares
Rangel (CRP17).
5
Índice 8. Demandas e comentários �� 24
8.1 Demandas dirigidas CFP e aos Conselhos Regionais�� 24
8.1.1 Agrupar e fortalecer os(as) psicólogos(as) como classe na
Apresentação�� 7 atuação cotidiana�� 24
1. Introdução�� 8 8.1.2 Controle e regulamentação dos(as) psicólogos(as) do cam-
2. Metodologia�� 9 po pelo Estado�� 25
2.1. As ferramentas de pesquisa �� 10 8.2 Demandas dirigidas ao Estado e ao Sistema Judiciário �� 25
2.2. Metodologia de análise�� 10 8.2.1. Apoio/atenção psicológica aos profissionais das institui-
2.3. Participantes �� 12 ções do campo �� 25
3. Perfil dos(as) profissionais�� 13 8.3. Comentários�� 25
4. Caracterização do campo�� 15 8.3.1 Dificuldades na atuação no campo das Medidas Socioedu-
5. Os modos de atuação: sobre a prática desenvolvida no dia a dia16 cativas�� 26
5.1. Atendimento psicológico�� 16 8.3.2 Expectativa com relação à pesquisa�� 26
5.1.1 Com o adolescente/jovem�� 16 9. Análise das reuniões específicas e dos grupos fechados�� 26
5.1.2 Junto às famílias�� 18 9.1. Atividades realizadas�� 27
5.1.3 Com os funcionários �� 19 9.2. Conceitos indicados como sendo utilizados pelos(as)
5.2. Relatórios/avaliações para prontuário e pareceres para o sistema psicólogos(as) �� 27
judiciário�� 19 9.3. A equipe multidisciplinar e os diferentes saberes�� 31
5. 3. Atuação em equipe multidisciplinar �� 19 9.4 Desvio de função�� 33
5. 4. Atuação em rede �� 20 9.5. Dificuldades com que se deparam os(as) psicólogos(as) na práti-
6. Sobre desafios e formas de lidar�� 20 ca do dia a dia�� 35
6.1 Questões Institucionais�� 20 9.6. As formas de lidar�� 36
6.1.1. Aspectos estruturais�� 21 9.7. Políticas públicas�� 38
6.1.2 Relação de poder/hierarquia�� 21 Considerações Finais�� 42
6.2. Questões teórico-práticas�� 21 Referências�� 43
7. Sobre as novas práticas�� 22 Pesquisadores(as) Responsáveis pelo Texto�� 44
7.1. Conheço novas práticas no campo�� 22
7.2. Não conheço novas práticas no campo�� 23
7.3. Conheço e indico novas práticas no campo�� 23
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Lista de siglas Apresentação
Apaf – Assembleia de Políticas, Administração e Finanças
O relatório da pesquisa sobre a atuação de psicólogos no âmbito
CEAPG – Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da Fun-
das medidas socioeducativas em unidades de internação, que o Conselho
dação Getúlio Vargas
Federal de Psicologia apresenta aqui, constitui mais um passo no sentido
Crepop/CFP – Centro de Referência Técnica em Políticas Públicas e Psico-
de ampliar o conhecimento sobre a experiência dos psicólogos no âmbito
logia do Conselho Federal de Psicologia
das políticas públicas, contribuindo para a qualificação e organização da
Creas– Centro de Referência Especializado em Assistência Social
atuação profissional, tarefa para a qual foi concebido o Centro de Referên-
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
cia Técnica em Psicologia e Políticas Públicas – Crepop.
GF – Grupo Focal e Grupos Focais
Fruto do compromisso do Sistema Conselhos de Psicologia com as
RE – Reuniões Específicas questões sociais mais relevantes, o Crepop é uma importante ferramenta
MSEUI – Medidas socioeducativas em unidades de internação para os psicólogos que atuam nas políticas públicas em nosso país. Ins-
Sinase– Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo taurada em 2006, a Rede Crepop vem consolidando sua atuação e cum-
Conanda – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente prindo seus objetivos, fortalecendo o diálogo entre a sociedade, o Estado,
PNDH – Programa Nacional de Direitos Humanos os psicólogos e os Conselhos de Psicologia.
Febem – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor Como é do conhecimento da categoria, a cada três anos, nos Con-
gressos Nacionais de Psicologia (CNP) são elencadas algumas diretrizes
políticas para o Sistema Conselhos de Psicologia contribuir em áreas de
relevância social. A cada ano, representantes de todos os CRPs, reunidos
na Assembleia de Políticas, Administração e Finanças – Apaf, avaliam e de-
finem estratégias de trabalho para essas áreas e escolhem alguns campos
de atuação em políticas públicas para serem investigados pelo Crepop no
ano seguinte.
As discussões que levam à definição desses campos ocorrem, antes
de chegarem à Apaf, nas plenárias dos Conselhos Regionais e do Conselho
Federal, envolvendo os integrantes da Rede Crepop. No ano de 2008, uma
das áreas de atuação indicadas para ser investigadas nesse processo foi
o Serviço Nacional de Atendimento Socioeducativo, o Sinase, no âmbito
particular das medidas socioeducativas em unidades de internação.
7
A partir dessa indicação, a Rede Crepop iniciou um ciclo de pesquisa
que incluiu: levantamento dos marcos e normativos da política; busca por
1. Introdução
psicólogos e gestores nos governos estaduais e municipais; interlocução
com especialistas da área; aplicação de questionário on-line dirigido aos Os(as) profissionais que participaram da pesquisa apresentaram
psicólogos que atuam nessa área e pesquisas locais sobre essas práticas, uma síntese de sua atuação no campo das Medidas Socioeducativas,
por meio de debates diversos (Reuniões Específicas) e grupos de psicólo- apontando as diferentes atividades que desenvolvem; a população aten-
gos (Grupos Fechados). dida; as relações com a equipe multiprofissonal que compõem e com
Desse ciclo resultou uma série de informações que foram disponi- quem realizam trabalhos conjuntos; os principais desafios e demandas; e
bilizadas, inicialmente para um grupo de especialistas incumbidos de re- a forma como lidam com eles em seu cotidiano. Eles(as) se posicionaram
digir um documento de referências para a prática, e em seguida para o
como atuantes no campo e disseram trabalhar em unidades caracteriza-
público, que pôde tomar contato com um conjunto coeso de informações
das como: internação provisória; internação e semiliberdade. Quanto à
sobre a atuação profissional dos psicólogos com medidas socioeducativas
população atendida, estas podem ser mistas ou somente destinadas aos
em unidades de internação.
jovens do sexo masculino ou do sexo feminino.
Parte dessa informação já havia sido disponibilizada no site do
A atuação tem como foco principal o(a) jovem e o universo que o(a)
Crepop, na forma de relatório descritivo, caracterizado pelo tratamento
cerca nesse contexto: familiares e funcionários. Realizam pareceres técni-
quantitativo das perguntas fechadas do questionário on-line; outra par-
cos para encaminhamento ao sistema judiciário e relatórios para serem ar-
te, que segue apresentada neste relatório, foi obtida a partir dos registros
quivados nos prontuários dos socioeducandos. Poucos(as) disseram atuar
dos Grupos Fechados, das reuniões realizadas pelos CRP’s e das perguntas
com a rede de serviços de saúde e educação e realizar encaminhamentos,
abertas do questionário on-line.
O Conselho Federal de Psicologia, juntamente com os Conselhos Re- porém reconhecem que o trabalho “fora dos muros” das instituições seria
gionais, concretiza, assim, mais uma importante etapa no desempenho fundamental para construir novas perspectivas de futuro para os(as) jo-
de sua tarefa como regulador do exercício profissional, contribuindo para vens socioeducandos.
a qualificação técnica dos psicólogos que atuam no âmbito das políticas No que se refere às políticas públicas no campo das medidas socio-
públicas, mais especificamente no campo da garantia de direitos e prote- educativas em unidades de internação, o Estatuto da Criança e do Adoles-
ção integral a crianças e adolescentes. cente (ECA) e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)
foram os documentos de referência mais citados pelos(as) psicólogos(as)
HUMBERTO VERONA neste estudo. O primeiro documento foi mencionado mais comumente
Presidente do CFP ao falarem dos direitos das crianças e dos adolescentes e das incoerências
entre o que diz a “teoria/lei (do ECA)” e o que acontece na prática. Já o
Sinase foi utilizado como apoio para as discussões sobre o trabalho em
8
equipe e para diversos outros aspectos relativos à aplicação das Medidas
Socioeducativas, apontados em tom de denúncia. Assim, por diversas ve-
2. Metodologia
zes os(as) psicólogos(as) se referiram à existência de uma “mentalidade
carcerária” que ainda permeia as práticas e que é contraditória com os
princípios que orientam as ações socioeducativas.
Espera-se que este relatório possa subsidiar as discussões acerca das No sentido científico, campo é constituído por espaços e lugares
diretrizes para a atuação dos(das) psicólogos(as) no campo das medidas de troca de “produtos” de cada ciência e de cada disciplina, com seus
socioeducativas em unidades de internação. recursos e instrumentos teóricos e técnicos, nas diversas ações realiza-
das por seus “produtores” na prática profissional cotidiana. Essa troca e
compartilhamento de saberes se dá em meio a conflitos de interesses
científicos e políticos e a relações de poder entre os pares e entre os
diferentes (BOURDIEU, 2003; CAMPOS, 2000). Campo enquanto agenda
pública (KINGDON, 1984) aparece frequentemente associado a políticas
públicas e é uma maneira que diferentes atores encontram para dar sen-
tido à vida pública.
A noção de campo utilizada nesta pesquisa parte da premissa de
que ele está permanentemente sendo construído nas negociações entre
a sociedade civil e o Estado e no inter-jogo relacional de uma diversida-
de de organizações, pessoas, materialidades e socialidades que consti-
tuem uma matriz (HACKING, 1999). Essa matriz sustenta o campo-tema
(SPINK, 2003) de cada pesquisa e possibilita a produção de conhecimen-
tos, práticas, novas possibilidades de inserção no mercado de trabalho,
acesso a recursos e, no caso da Psicologia, um questionamento dos mo-
dos tradicionais de atuar no campo. Portanto, tal como apontou Lewin
(1952), trata-se de um campo de forças: argumentos e disputas que se
sustentam mutuamente. Vale ressaltar que, de um campo originam-se
outros campos a partir de promessas de separação, devido, principal-
mente, a dois fatores: a separação irreconciliável de pressupostos bási-
cos e/ou o aumento de importância de um determinado tópico ou tema.
9
O processo de análise das informações, apresentadas aqui, está mais específicos à realização do trabalho psicológico. As RE e os GF fo-
ancorado em uma perspectiva qualitativa de pesquisa, a qual preconiza ram coordenados por técnicos dos conselhos regionais que registraram
que a objetividade e o rigor são possíveis através da descrição de todos as informações obtidas em relatórios enviados ao Crepop.
os passos utilizados no processo de pesquisa (SPINK, M.J, 1999). Assim, Foram elaborados roteiros indicativos que buscavam orientar os
a seguir descreveremos as ferramentas de pesquisa, as diferentes etapas técnicos acerca dos aspectos centrais a serem descritos nos relatórios
da pesquisa e da análise e o modo como esta foi sendo construída. dos GF e das RE. Todavia, cada Conselho Regional teve autonomia na re-
alização dos grupos e das reuniões, de forma que: em alguns Conselhos
2.1. As ferramentas de pesquisa foram utilizadas técnicas específicas para coordenar grupos; em alguns
lugares ocorreram duas RE; em algumas regiões foi realizado apenas um
A pesquisa contou com três instrumentos de coleta de dados:
dos eventos: RE ou GF.
questionário, Reuniões Específicas (RE) e Grupos Focais (GF). O primeiro
instrumento foi disponibilizado aos(às) psicólogos(as) para preenchi- 2.2. Metodologia de análise
mento on-line, estruturado com questões acerca da formação, dos re-
cursos teóricos e técnicos, a população atendida, entre outros aspectos A utilização de três ferramentas de pesquisa permitiu-nos obter
que subsidiam a prática desenvolvida no dia a dia. O material quantitati- uma leitura ampla da atuação dos(as) profissionais da Psicologia no
vo do questionário foi objeto de análise da equipe do Crepop. O Centro campo das medidas socioeducativas em unidades de internação. As-
de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio sim, a análise das respostas às questões abertas possibilitou identificar
Vargas (CEAPG/FGV) realizou a análise qualitativa das respostas abertas as diferentes descrições da prática profissional, os desafios e os limites
do questionário, dos relatórios dos Grupos Focais (GF) e das Reuniões enfrentados no cotidiano, bem como possíveis soluções e práticas ino-
Específicas (RE). vadoras desenvolvidas pelos(as) psicólogos(as) que responderam indivi-
O questionário continha quatro questões abertas sobre o dia a dia dualmente às perguntas específicas presentes no questionário on-line.
dos(as) psicólogos(as); o contexto de trabalho; os desafios; as dificulda- As RE e os GF foram presenciais, coordenados pelos técnicos do
des e as práticas inovadoras presentes neste campo de atuação. As Reu- Crepop/CFP, e os relatórios produzidos traduzem o debate e as discus-
niões Específicas buscaram discutir as questões relativas às especificida- sões grupais que possibilitaram a análise dos posicionamentos refle-
des regionais e às práticas desenvolvidas, a fim de atender às demandas xivos, dos dilemas, consensos e conflitos no contexto das medidas so-
locais; contaram com a participação de profissionais de diferentes áreas cioeducativas em unidades de internação. A análise dos GF possibilitou
que estão envolvidos com o trabalho desenvolvido no campo das medi- identificar os principais dilemas ético/políticos que os(as) profissionais
das socioeducativas em unidades de internação. vivenciam no cotidiano, os modos de atuação e as principais necessida-
Os Grupos Fechados (GF) reuniram psicólogos(as) atuantes no des dos(as) profissionais que atuam nesse campo. A análise dos relató-
campo da pesquisa com o objetivo de promover a discussão de temas
10
rios das RE permitiu contextualizar as especificidades e as necessidades e participando das discussões nas reuniões e nos grupos. No primeiro,
locais, bem como os modos como as medidas socioeducativas em uni- o consentimento para uso das informações foi dado ao final do preen-
dades de internação estão organizadas em cada região. Outro aspecto chimento e nos demais foi verbal, tendo sido consensual, uma vez que
que a análise dos relatos dos Grupos Focais (GF) e das Reuniões Espe- todos(as) os(as) participantes foram esclarecidos(as) sobre o uso das in-
cíficas (RE) possibilitou foi identificar a influência do contexto local nas formações dentro do ciclo de pesquisa.
práticas e na maneira de lidar com as dificuldades e desafios no campo Para a apresentação da análise das informações obtidas em todos
das medidas socioeducativas em unidades de internação os instrumentos, foram escolhidos exemplos que ilustrassem as respos-
Assim, será apresentada uma ampla caracterização das formas tas ao questionário e as discussões que ocorreram nas reuniões e nos
de atuação, das experiências inovadoras e dos desafios enfrentados no grupos, a fim de demonstrar o argumento analítico e contribuir para
campo, a partir das informações presentes nos relatórios e respostas à uma melhor apreensão e compreensão do cotidiano dos(as) profissio-
pesquisa, como também uma análise temática transversal dos principais nais nesse campo. Nos exemplos apresentados foi mantida a escrita
temas presentes nas informações fornecidas nos relatórios. original, em itálico e indicada a fonte. As fontes foram identificadas do
A análise foi realizada seguindo as seguintes etapas: seguinte modo: a) as respostas do questionário on-line foram apresenta-
das com o número da questão e com o número da planilha Excel em que
1º) Leitura das quatro questões abertas. foram sistematizadas as respostas abertas, nas quaiscada respondente é
2º) Análise qualitativa das questões abertas, de acordo com os se- identificado por um código numérico representando Coluna e Linha; b)
guintes passos: as Reuniões Específicas e os Grupos Focais com a referência ao CRP onde
a. leitura de todos os relatos de descrição das ações pelos(as) foram realizados e as siglas RE e GF. Com isso buscou-se preservar infor-
psicólogos(as); mações sobre os(as) colaboradores(as), no entanto sem ocultar todos os
b. análise de cada uma das quatro questões, sendo que para cada dados, uma vez que as descrições específicas se constituíram imprescin-
uma foi estruturada uma sequência analítica que nos permitiu identifi- díveis para a contextualização do campo e das realidades locais.
car os principais temas presentes nas respostas. É importante ainda ressaltar que todas as respostas dadas ao ques-
3º) Análise das Reuniões Específicas e dos Grupos Fechados e tionário e todos os relatórios das reuniões e dos grupos foram de grande
identificação dos principais temas presentes nos relatórios. relevância para conhecermos as práticas dos(as) psicólogos(as) no cam-
po analisado. Desse modo, os exemplos apresentados ao longo deste
Nos três instrumentos utilizados os(as) colaboradores(as) fo- texto foram escolhidos, como ressaltado acima, em função do recorte
ram informados(as) da realização da pesquisa pelo CFP/Crepop e analítico, não sendo possível, portanto, utilizarmos todas as informações
convidados(as) a participar respondendo às questões do questionário fornecidas pelos(as) colaboradores(as) como exemplos diretos.
11
2.3. Participantes todos os técnicos responsáveis pela realização das RE e dos GF utilizou
o roteiro indicativo encaminhado pelo Crepop nacional. Dessa forma, as
Neste estudo, além de contarmos com mais de um instrumento de informações que obtivemos com esses instrumentos não foram unifor-
coleta de dados, como referido anteriormente, tivemos diferentes partici- mes quanto à sua estrutura. De modo geral, as informações são relativas
pantes nas etapas da pesquisa e números variados de colaboradores(as) à descrição das atividades, dos recursos técnicos e dos conceitos que
em cada um deles. Vale lembrar que o questionário sobre Medidas So- orientam o trabalho, com base nos objetivos específicos.
cioeducativas foi disponibilizado nos meses de novembro de 2006 e
janeiro de 2007 e os(as) psicólogos(as) não responderam às questões Quadro 1: Número de participantes nas RE e GF por região
abertas, pois estas só foram acrescentadas em abril de 2007, juntamente CRP Número de participantes nos Número de participantes
com o termo de cooperação do Crepop com o CEAPG/FGV. Desse modo, Grupos Fechados nas Reuniões Específicas
essas questões foram respondidas em julho e agosto de 2007, a pedido 01 10 17
do Crepop, por 15 psicólogos(as) que atuam nesse campo, sendo que 9 02 4 03
(nove) já haviam respondido ao questionário on-line. 03 7 19
A maioria dos(as) psicólogos(as) respondeu às quatro questões 04 15 e 5 28
abertas, porém alguns não responderam a uma ou mais questões. Por- 05 * 13
tanto, num total de 15 respostas, obtivemos: 06 6 47
• Questão 1 – sobre a prática desenvolvida no dia a dia: 10 res- 07 4 25
postas. 08 4 *
• Questão 2 – sobre os desafios e formas de lidar: 10 respostas. 09 GO – 4 GO – 30
• Questão 3 – sobre as práticas inovadoras: 10 respostas. TO – 2 TO – 5
• Questão 4 – sugestões e comentários: 11 respostas. 10 8e6 42
Das Reuniões Específicas participaram psicólogos(as) e profissio- 11 7 *
nais de outras disciplinas que trabalham neste campo. Os Grupos Focais 12 9 41
contaram com psicólogos(as) que atuam neste campo. Entretanto, nem 13 4 10
todos os Conselhos conseguiram realizar a RE e/ou o GF. No Quadro a 14 3 6e5
seguir apresentamos o número de colaboradores(as) por CRP/Crepop 15 2 8
que participaram da pesquisa. 16 8 20
Alguns dos conselhos não enviaram os relatórios dos Grupos Fe-
* Não foi enviado o relatório para análise.
chados e/ou das Reuniões Específicas para análise. Vale lembrar que nem
12
3. Perfil dos(as) profissionais dez anos (29), de 11 a 20 anos (35); mais de 20 anos (16). O mesmo ocorreu
com a questão relativa ao “tempo de experiência em atividades ligadas
às Políticas Públicas”, somente 139 responderam, sendo que: até um ano
A partir da leitura do relatório dos dados quantitativos, elaborado (42), de dois a quatro anos (44), de cinco a dez anos (30), de 11 a 20 anos
pelo Crepop, realizamos uma leitura qualitativa transversal do relatório, (16) e mais de 20 anos (5). Contudo, as respostas à questão “tempo de
focalizando apenas o perfil dos(as) profissionais e a caracterização do atuação no campo das Medidas Socioeducativas”, respondida apenas por
campo, com o objetivo de contextualizar este campo de trabalho. 127 participantes (45,4% do total de profissionais), indicam que em geral
Vale lembrar que esta análise não contempla todos(as) os(as) profis- os(as) profissionais têm pouco tempo de atuação neste campo: 63 afirma-
sionais que trabalham neste campo e não temos a intenção de generalizar ram estar trabalhando neste campo há menos de um ano e 36 disseram
as conclusões. Estas se referem apenas àqueles(as) que responderam ao estar neste campo de dois a quatro anos, perfazendo 99 profissionais; os
questionário on-line proposto pelo Crepop. outros 28 afirmam ter mais de quatro anos de experiência neste campo. A
Fica a ressalva de que, sempre que for possível e considerado im- partir desses dados, podemos trabalhar com a hipótese de que a inserção
portante, além de explicitarmos o número de registros, adicionaremos a neste campo está se dando gradativamente e tem sido incrementada nos
frequência percentual da questão em discussão em cada momento es- últimos quatro anos.
pecífico. Caso contrário, apontaremos ora um, ora outro, dependendo do A questão sobre os vínculos contratuais foi respondida por 248
que nos é possível com os dados e com o que queremos ressaltar. dos(as) participantes. E há basicamente três tipos de vínculos: 83 são es-
Duzentas e oitenta pessoas responderam ao questionário disponibi- tatutários, 81 têm contrato temporário, 67 são celetistas. Não fica claro,
lizado on-line pelo Crepop no site do CFP. A grande maioria, 216 (77,1%), no questionário, quais são os motivos para a existência de tantos contra-
é do sexo feminino. Este dado confirma o que já havia sido constatado em tos temporários, mas, em geral, esse tipo de contrato, além do caráter de
outras pesquisas acerca do número notavelmente maior de mulheres atu- instabilidade, indica certa precariedade do campo de trabalho. Entre as
ando em Psicologia, como, por exemplo, no campo das DST/Aids. Quanto respostas, apareceram 17 profissionais que se dizem voluntários, o que,
à idade dos(as) profissionais, é interessante observar que a maioria dos(as) apesar de ser um número pequeno, precisa ser mais bem investigado
participantes da pesquisa tem até 40 anos de idade: 114 participantes com para que possamos compreender o que leva o profissional da Psicologia
até 30 anos e 81 profissionais na faixa de 31 a 40 anos. O que pode vir a a realizar esse trabalho voluntário, que tipo de trabalho é esse e em que
ser um indicador de que neste campo há muitas pessoas recém-inseridas medida está relacionado à ausência de ações efetivas de contratação de
no mercado de trabalho. Porém, este é um dado que precisa ser mais bem profissionais.
estudado, já que na questão relativa ao tempo de trabalho em Psicolo- Quanto aos salários, a maioria recebe entre R$ 1.001,00 e R$ 2.000,00
gia apenas 144 profissionais (51,4% do total) responderam que atuam no (134 participantes) ou até R$ 1.000,00 (74 deles), o que está dentro da mé-
campo: há menos de um ano (23), de dois a quatro anos (41), de cinco a dia do salário estadual , levando-se em conta a faixa salarial do Estado
13
de São Paulo para profissionais da Psicologia que ingressam no Estado além da Psicologia. O que pode ou não estar relacionado com as neces-
por meio de concurso público. Provavelmente, os que estão ganhando sidades específicas do campo de trabalho. Chamou nossa atenção o fato
mais do que isso têm duplo vínculo. Parece-nos que esses salários são um de terem surgido 58 respostas relativas a especializações em Educação,
indicador do baixo investimento dos governos locais (responsáveis pela Políticas Sociais e Saúde Pública.
maioria dos contratos) nas ações desenvolvidas por psicólogos(as), já que
não remunera os(as) profissionais de maneira a garantir uma vida digna e
faz com que muitos tenham que ter mais de um vínculo de trabalho.
Quanto à formação dos(as) profissionais que atuam neste campo,
os dados indicam que há um investimento em cursos de especialização e
em cursos de pós-graduação. Sendo que essa formação suplementar ao
curso de graduação parece ocorrer em uma grande diversidade de áreas
de saber, como indicam os dados: 70% respondeu positivamente à ques-
tão sobre pós-graduação, sendo 81% especialistas, 14,7% mestres e 8%
doutores(as). As áreas de especialização mais citadas foram: Psicologia
Clínica (47), Educação (21), Políticas Sociais (20), Saúde Pública (18), Psico-
logia Social e Saúde Mental (18 cada uma). Com relação aos 29 mestrados,
mais de 50% destes se dividiram em: Educação, Saúde Pública, Psicologia
Social e Psicologia, com quatro ocorrências cada uma. Seis dos oito dou-
torados, por sua vez, foram feitos em áreas diferentes: Psicologia Social,
Psicologia Clínica, Serviço Social, Educação, Neurociência e Ciência da
Informação1. Esses dados nos fazem pensar que, de certo modo, parece
haver por parte dos(as) psicológos(as) que atuam neste campo abertura
e interesse em conhecer e dialogar com outros campos de saberes para
1 Sugerimos o uso do valor do salário do Estado de São Paulo em setembro de 2007 como
parâmetro, já que este teve o maior número de participantes no estudo [segundo consulta
a uma funcionária pública do Estado de São Paulo, o salário-base para os(as) psicólogos(as)
é de R$ 239,89, ao qual são somadas gratificações (de atividades estratégica, executiva e
assistência de suporte), abonos PIS, adicionais por tempo de insalubridade e auxílio-trans-
porte, totalizando o salário bruto de R$ 1.736,00. Vale ressaltar ainda que o salário-base é
menor que o salário mínimo].
14
4. Caracterização do campo de capacitação. Destas, 58 disseram que os cursos foram sobre as medidas
socioeducativas e 90 afirmaram que os cursos eram sobre temas diversos.
Vale ressaltar que, apesar do pequeno número de cursos diretamente rela-
Os dados indicam que o trabalho com Medidas Socioeducativas tem cionados às medidas socioeducativas, a maioria dos(as) participantes afir-
sido desenvolvido tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil, sendo mou conhecer plenamente o ECA (52,1%), 32,9% conhecem parcialmente e
que, dos(as) participantes da pesquisa, 188 pessoas afirmaram trabalhar em 15% afirmaram desconhecer.
órgão governamental; 63 em organizações da sociedade civil (ONG, OSCIP, As outras diretrizes governamentais, porém, como as resoluções do
etc.) e 55 em empresas privadas, totalizando 306 inserções, o que nos permi- Sinase e do Conanda, o Programa Nacional de Direitos Humanos, os Pla-
te afirmar que há profissionais que atuam em mais de um serviço. Vale lem- nos Nacionais de Saúde, de Educação e de Convivência Comunitária e os
brar que na esfera governamental temos 96 registros no nível municipal, 87 Tratados Internacionais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescen-
no estadual e 16 no federal. O que é um indicador de que há psicólogos(as) te não são muito conhecidas e muitos disseram não conhecer nada sobre
com duplo vínculo em instituições públicas de diferentes âmbitos. Como elas. Isso nos faz questionar a relação entre diretrizes e práticas: como as
também de que este campo tem envolvido as três esferas governamentais diretrizes podem orientar e transformar as práticas se elas não são conhe-
com o propósito de desenvolver ações, programas e projetos que visam cidas pelos(as) profissionais que atuam na prática? Provavelmente, esta é
cumprir as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). uma das razões para que as ações que visam transformar as práticas neste
Responderam ao questionário profissionais de todas as unidades campo e a efetiva implantação do ECA venham ocorrendo de maneira tão
federativas do Brasil. Este dado é muito interessante porque indica que as lenta. Como afirmam Cunha, Ropelato e Alves (2006, p. 655): “É importante
ações em Medidas Socioeducativas têm sido desenvolvidas nas diversas re- lembrar que, embora a legislação indique os procedimentos que deveriam
giões do Brasil e que têm contado com a participação dos(as) profissionais ser adotados pelas instituições de atendimento aos adolescentes infratores,
da Psicologia. No entanto, a maioria dos(as) profissionais que responderam são poucas as que atendem essas determinações (Ministério da Justiça e
ao questionário é do Sudeste e Sul, dado que provavelmente está associado IPEA, 2002)”.
ao fato de que há mais psicólogos inscritos nos CRPs dessas regiões. É interessante observar que, de acordo com as respostas, o trabalho
Com relação ao local de trabalho, os dados indicam que há uma di- neste campo é predominantemente realizado por equipes multidisciplina-
versidade de organizações da sociedade civil atuando no campo das Medi- res: 220 pessoas (78,6% em relação ao total de participantes da pesquisa)
das Socioeducativas, tais como: ONGs, OSCIPs e Fundações. Parece que as relataram trabalhar em equipes. Os principais profissionais das equipes
parcerias entre o Poder Público e as organizações da sociedade civil têm se apontados pelos(as) participantes são: assistente social (68,6%), pedagogo
efetivado neste campo. (40%), socioeducador (38,9%), psiquiatra (29,2%), clínico geral (22,5%) e ad-
De acordo com os dados, este campo tem promovido ações de forma- vogado (20,4%). Esse dado parece indicar que, neste campo, os(as) profis-
ção continuada, visto que 161 pessoas afirmaram ter participado de cursos sionais têm feito esforços para ampliar as ações específicas e desenvolver
15
ações conjuntas que busquem articular os sujeitos envolvidos, o meio so-
cial, a educação e as leis. Muito provavelmente as ações são discutidas e pla-
5. Os modos de atuação: sobre a
nejadas em equipes multiprofissionais e na prática algumas são realizadas prática desenvolvida no dia a dia
pelos(as) profissionais de cada área. Isso porque os dados indicam que par-
te do trabalho também é desenvolvido individualmente: 88 participantes
afirmaram trabalhar individualmente e 24 com outros(as) psicólogos(as). Observamos que a maioria das ações/atividades desenvolvidas
pelos(as) profissionais são semelhantes, porém, nas descrições que fi-
zeram, apontam diferenças em suas atribuições. Assim, os relatos fo-
ram organizados em dimensões que descrevem as ações/intervenções/
atividades realizadas pelos(as) psicólogos(as) no campo das Medidas
Socioeducativas que serão descritas abaixo.
5.1. Atendimento psicológico

Agrupamos neste item atividades relacionadas ao atendimento
psicológico de jovens, seus familiares e funcionários das instituições,
apontando as diferentes formas com que os(as) profissionais atuam
neste eixo.
5.1.1 Com o adolescente/jovem
O(a) psicólogo(a) se utiliza de diferentes referenciais teórico-me-

todológicos e atende em grupos e individualmente. Esta é a principal
ação/atividade realizada pelos(as) psicólogos(as) em seu cotidiano de
trabalho.
Os grupos são caracterizados como:
• terapêuticos,
• operativos e
• temáticos.
Alguns grupos usam recursos audiovisuais, taisl como vídeos so-
16
bre filmes específicos/temáticos. na instituição” (1.3).
O atendimento individual é feito por meio de: “O trabalho de um psicólogo no centro de internação provisória para ado-
• psicoterapia focal e breve, lescentes do sexo masculino que trabalho prevê um acompanhamento em
• entrevista inicial, todas as atividades institucionais: há um encontro da manhã, na qual se faz
• atendimento de acompanhamento dos casos e uma avaliação de como cada um amanheceu e o que pretende para o seu
• acolhimento. dia. Acordos, compromissos e estado de ânimo são identificados. Após esse
momento, acontecem intervenções individuais, coletivas (com turmas que
Referem ainda realizar diversas intervenções: têm cerca de 12 adolescentes de diferentes idades). Uma vez por semana
• individuais, faço grupo terapêutico com temas diversificados, faço entrevistas/atendi-
• grupais, mentos com os jovens na intenção de obter informações mais minuciosas
• em crises/conflitos interpessoais, sobre a vida desse adolescente, faço atendimentos quando solicitada pelos
• para troca de informações sobre o jovem, próprios adolescentes que apresentam inúmeras demandas” (1.4).
• acompanhamento e observação do jovem nas atividades internas e
“Atender os adolescentes pelo menos uma vez na semana além dos atendi-
• aplicação de medidas disciplinares.
mentos emergenciais; [...] acompanhar algumas atividades internas; aplicar
medidas disciplinares” (1.5).
Abaixo indicamos trechos das respostas de alguns(mas) profissio-
nais como exemplos da ação que desenvolvem com os jovens: “Atendimentos individuais, acompanhamento do desempenho dos adoles-
“Intervenções cotidianas em grupos de jovens, grupos terapêuticos, inter- centes nas atividades que compõem o Plano Individual de Atendimento”
venções em crise ou conflitos interpessoais, atendimento individual de cará- (1.6).
ter focal e breve (internação provisória)” (1.1) . “Bom, numa semana típica de trabalho desenvolvo as seguintes atividades:
“Basicamente, nossa rotina de trabalho consiste em: 1. atendimentos indi- 1- Atendimentos de acompanhamento (normalmente de 3 a 4 por dia, de
viduais aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de in- segunda a quinta). 2-Grupos temáticos com socioeducandos, onde discuti-
ternação e aos que estão aguardando decisão judicial; [...] 3. Grupo terapêu- mos os temas de interesse dos educandos, da equipe técnica e da rotina da
tico com os adolescentes em cumprimento da medida de internação” (1.2). unidade (quinzenais)” (1.9).
“[...] acolhimento à família e ao adolescente, para se sentirem pessoas com “[...] atendi encaminhamentos de escolas” (1.12).2
sentimentos e não já segregados e julgados novamente, atendimento indivi- As respostas parecem indicar que neste campo as ações dos(as)
dual, entrevista inicial, grupo e vídeo (psicologia e cinema) – Grupo Operati-
vo; [...] troca de informações e observação na vida cotidiana do adolescente 2 Os números indicados ao final de cada fala se referem às questões (1, 2, 3 e 4) e ao número
da resposta de quem respondeu, respectivamente.
17
psicólogos(as) estão muito centradas no indivíduo, ou seja, no(a) ado- “Basicamente nossa rotina de trabalho consiste em: [...] 4. Atendimento fa-
lescente. Ele(a) é o centro da maioria das ações, que vão do atendimen- miliar: anamnese. 5. Grupo familiar com reuniões mensais” (1.2).
to individual até a aplicação de medidas disciplinares. É interessante “[...] acolhimento à família e ao adolescente, para se sentirem pessoas com
observar que as respostas indicam que mesmo as atividades grupais, na sentimentos e não já segregados e julgados novamente. [...] visita domi-
maioria das vezes, têm por objetivo trabalhar a subjetividade. Esse modo ciliar, atendimento familiar, resgate de valores, estreitamento dos laços
de fazer indica que, provavelmente, os(as) adolescentes infratores(as) familiares e cidadania (da família e do adolescente)” (1.3).
são vistos(as) pelos(as) psicólogos(as) como sujeitos que precisam de
“O trabalho de um psicólogo no centro de internação provisória para ado-
tratamento psicológico individualizado. Outro aspecto é a relação com
lescentes do sexo masculino que trabalho prevê um acompanhamento em
a instituição; alguns(mas) psicólogos(as) parecem ter clara noção do
todas as atividades institucionais: [...] Tenho uma comunicação com a fa-
quanto uma unidade de internação, ou de semi-internação, pode ser
mília nos dias de visita quando faço plantão (1 vez por mês) e por telefone”
um lugar opressor e assustador para os(as) adolescentes e suas famílias
(1.4).
e por isso realizam grupos de acolhimento a fim de atender a essa de-
manda. “Bom, numa semana típica de trabalho desenvolvo as seguintes ativida-
des: 1- Atendimentos de acompanhamento (normalmente de 3 a 4 por
5.1.2 Junto às famílias dia, de segunda a quinta). [...] 3-Grupos de apoio aos familiares, nos quais
se discutem os sentimentos, dúvidas, medos, ou seja, um espaço onde se
O atendimento aos familiares se dá de forma: compartilha as vivências de se ter uma pessoa que se ama privada de li-
a) Individual, pessoalmente (em plantões, dias de visita, etc.) ou berdade (semanais)” (1.9).
por contato telefônico. Esse tipo de atendimento visa:
As falas indicam parecer claro para os(as) profissionais da área da
• propiciar acolhimento no ingresso dos(as) jovens na institui-
Psicologia que as famílias dos(as) adolescentes em conflito com a lei
ção;
também estão intimamente envolvidas no cumprimento das Medidas
• realizar anamnese;
Socioeducativas. As ações com as famílias parecem ser de duas ordens
• a compreensão dos valores, o estreitamento dos laços familia-
diferentes: por um lado, realizam ações que buscam amenizar o sofri-
res e a cidadania.
mento das famílias e, por outro, estreitar os laços familiares entre os(as)
b) Em grupo de apoio, que pode ter frequência semanal ou men-
adolescentes e as famílias como estratégia terapêutica, bem como tra-
sal.
balhar com o propósito de promover a cidadania dessa população com
c) Com visitas familiares.
um todo.
Seguem, abaixo, trechos das falas dos(as) profissionais sobre essa
atuação junto às famílias dos(as) jovens que cumprem medidas socio-
educativas:
18
5.1.3 Com os funcionários
“Basicamente, nossa rotina de trabalho consiste em: [...] 2. registro dos aten-
dimentos em prontuário; [...] 7. Relatórios que são enviados ao Juiz para dar
Os(as) profissionais que desenvolvem atividades com os(as)
acompanhamento e andamento no processo e na medida socioeducativa”
funcionários(as) das instituições atuam por meio de grupos de discussão
(1.2).
quinzenais. Estes grupos têm por objetivo estabelecer conversas, proxi-
midade e troca de informação entre a equipe, além de oferecer acolhi- “Elaboração de relatórios para envio ao Judiciário, conforme dispõe a lei (re-
mento diante do sofrimento decorrente do trabalho com os(as) adoles- avaliações)” (1.3).
centes. Parece haver um entendimento de que os(as) funcionários(as) e “O trabalho de um psicólogo no centro de internação provisória para ado-
os(as) educadores(as) são personagens centrais no trabalho realizado lescentes do sexo masculino que trabalho prevê um acompanhamento em
pela instituição, daí a importância de instrumentalizá-los para essa atu- todas as atividades institucionais: [...] faço relatórios para a VIJ sobre cada
ação, conforme destacado nos seguintes exemplos: adolescente, visando oferecer mais subsídios para uma medida socioeduca-
“[...] trabalho bem próximo aos funcionários de pátio para que entendam
tiva mais adequada a ele” (1.4).
que todos somos educadores e para dar acolhimento a eles, pois ficam gran-
“[...] confeccionar relatórios que são encaminhados ao juizado no dia da au-
de parte do tempo com o adolescente (o saber ouvir e ser ouvido)” (1.3).
diência; [...] manter em dia anotações em prontuários” (1.5).
“Bom, numa semana típica de trabalho desenvolvo as seguintes ativida-
“Redação de parte das avaliações individuais, com ênfase no comporta-
des: 1- Atendimentos de acompanhamento (normalmente de 3 a 4 por dia,
mento geral do adolescente, aspectos emocionais e dinâmica familiar” (1.6).
de segunda a quinta). [...] 4-Grupos de discussão com os funcionários, nos
quais se discutem as dificuldades vivenciadas no trabalho diário (quinze-
nais)” (1.9). 5. 3. Atuação em equipe multidisciplinar
Alguns(mas) profissionais disseram participar de equipe interdis-
5.2. Relatórios/avaliações para prontuário e
ciplinar e realizar algumas atividades em equipes, como a discussão e
pareceres para o sistema judiciário
estudos de casos. Seguem as respostas dos(as) profissionais que disse-
É interessante observar que somente metade dos(as) participan- ram realizar essas atividades:
“[...] equipes técnicas interdisciplinares, pareceres psicológicos” (1.1)
tes que responderam a esta questão se referiram à elaboração de lau-
dos e pareceres para o sistema judiciário como fazendo parte do coti- “Basicamente, nossa rotina de trabalho consiste em: [...] 6. Reuniões interdis-
diano de trabalho, como indicam os relatos abaixo: ciplinares para estudo de caso” (1.2).
“[...] pareceres psicológicos” (1.1).
“[...] reunião técnica discussão de casos” (1.3).
19
“[...] participar de estudos de caso” (1.5).
6. Sobre desafios e formas de lidar
É interessante observar que o campo de trabalho em Medidas So-
cioeducativas inclui profissionais de diferentes áreas e, nas respostas
acima, há indicação de tentativa de diálogo entre eles através dos estu- Os(as) profissionais apontaram diversos desafios a serem supera-
dos de caso e das discussões em equipe. dos em seus cotidianos, mas poucos vislumbraram soluções ou formas de
lidar com as dificuldades enfrentadas em suas práticas. A maior parte dos
5. 4. Atuação em rede problemas citados diz respeito às questões institucionais ou tem como
base estas.
Dentro da rede de serviços os(as) profissionais tanto recebem en-
caminhamentos como realizam encaminhamentos e fazem contatos. 6.1 Questões Institucionais
Estas ações foram pouco referidas nas respostas. Como indicam os tre-
chos abaixo: Os(as) psicólogos(as) apontam as questões institucionais como en-
“[...] contato com promotoria e com a rede social de apoio; encaminhamen- traves diretos para sua atuação profissional, que tem como público-alvo
tos necessários (drogadição, psiquiatria, fono, etc.)” (1.3). principal o(a) jovem socioeducando. Estas são explicitadas como um pro-
blema calcado no sistema – que possui, na atualidade, uma “concepção
“[...] atendi encaminhamentos de escolas” (1.12).
carcerária”, a qual limita a atuação desses(as) profissionais na condução de
A leitura das respostas à questão sobre os modos de atuação suas ações e no alcance de seus objetivos com os jovens.
no campo das Medidas Socioeducativas permitiu uma visão geral das Abaixo, alguns relatos ilustram esta questão:
ações nesse campo. A análise dos GF e das RE, que será apresentada “Os maiores dasafios que encontro são institucionais. Falta de investimen-
adiante, permite uma leitura de algumas especificidades deste campo. tos, de capacitação para os funcionários de todas as esferas, falta de apoio
e de diretores com a formação adequada para a condução do trabalho.
Com relação aos socioeducandos, quando a situação fica dificil é por que
não tenho a retarguarda acima descrita” (2.9).
“A maneira como eu e a equipe em que me encontro lidamos com essas

dificuldades é nos mantendo sinceras nas relações que estabelecemos
com todos (isso inclui funcionários e adolescentes) e sempre repensarmos
nossas práticas, para não cairmos na mesmice e inércia do trabalho buro-
crático” (2.2).
20
6.1.1. Aspectos estruturais em equipe multidisciplinar. Também apontam uma inadequação dos(as)
profissionais aos cargos que ocupam, por falta de formação compatível
Os(as) profissionais psicólogos(as) apontaram desafios voltados com as funções estabelecidas nas instituições, como ressaltado nos rela-
para as questões estruturais que dificultam sua atuação, tais como: falta tos abaixo:
de materiais; de sala adequada para atendimento; de financiamento, bem “Impedimentos com entraves da diretoria para realização de atividades,
como o fato de que muitos espaços físicos são semelhantes aos dos presí- ou seja, falta de autonomia, curto prazo de avaliação para realização de
dios, como aparece nos relatos abaixo: parecer psicológico, falta de contato com instituições que se vinculem, ou-
“A estrutura física é de cadeia e oferece uma vivência de angústia por parte tras internações ou realização de redes” (2.1).
dos jovens. O pouco tempo que ficam na instituição (pelo fato de ser provi-
“[...] mudança de paradigma, como, por exemplo, distanciamento e hie-
sório ficam somente 45 dias) impossibilita um trabalho mais aprofundado,
rarquia entre o menino (‘delinquente’) e o funcionário (diversas áreas); não
apesar de haver alguns casos que nesse pouco tempo possibilitam um tra-
existe rotina – cada dia lidamos com novas situações, pois são seres huma-
balho bastante introspectivo” (2.4).
nos e devemos sim compartilhar, ajudar, trabalhar em equipe, fato difícil
“São as ameaças constantes por parte dos internos e o medo que, confes- ainda visto pelas chefias como hierarquia de poder (distanciamento entre
so, existe e não deve ser demonstrado. Ainda, há [...] confusão de papéis os cargos)” (2.3).
entre a equipe, em que psicólogos, assistentes sociais e pedagogos têm
praticamente a mesma função. Lido com isso usando a criatividade, mas 6.2. Questões teórico-práticas
quanto à confusão de papéis pouco podemos fazer...” (2.5).
“Os maiores desafios que encontro são institucionais. Falta de investimen- Neste item, vemos as dificuldades de realização de um trabalho
tos, de capacitação para os funcionários de todas as esferas, falta de apoio de construção de novos programas e planos, como orienta o Sinase, que
e de diretores com a formação adequada para a condução do trabalho. vá além dos muros das instituições; uma atuação que busque os recursos
Com relação aos socioeducandos, quando a situação fica dificil é porque comunitários para promover a inclusão social dos(as) jovens em conflito
não tenho a retarguarda acima descrita” (2.9). com a lei, como cita um(a) profissional:
“O principal desafio é o de implantar um modelo que aglutine diversas
práticas em Psicologia, sobretudo, um modelo prevalentemente comuni-
6.1.2 Relação de poder/hierarquia
tário, que fomente o protagonismo do jovem com o qual se trabalha. Além
As relações entre os(as) profissionais das instituições em que atu- deste, o sistema socioeducativo ainda precisa ser mais bem estruturado,
am os(as) psicólogos(as) foram apontadas como um desafio a ser supe- financiado e organizado para que possa, de fato, surtir efeitos positivos e
rado no que diz respeito ao distanciamento entre os cargos/pessoas e duradouros nos jovens atendidos. O modelo de sociedade vigente, punitivo,
introjetado no próprio jovem e na maioria das pessoas que com eles traba-
a falta de diálogo entre eles, o que dificulta a condução de um trabalho
21
lham não permite prognósticos alentadores quanto às perspectivas de futu-
ro quando se carrega o estigma de infrator. Portanto, é preciso levar a ação
7. Sobre as novas práticas
para fora dos muros das unidades socioeducativas” (2.6).
Além disso, apontam que não há capacitação para todos(as) os(as) Essa questão tinha por objetivo possibilitar espaço aos participan-
profissionais que atuam nas instituições, o que dificulta uma atuação críti- tes da pesquisa para que apontassem as práticas que consideram inova-
ca e pautada em conceitos teórico-práticos, refletida e construída em uma doras neste campo, ou seja, a atribuição da qualificação de inovadora era
equipe multidisciplinar, visando a promoção dos direitos dos(as) jovens so- feita pelos(as) participantes e não pelos(as) pesquisadores, e como o Brasil
cioeducandos e a sua inclusão social. é um país com muitas diferenças regionais, o que é entendido como ino-
Foram apontadas como dificuldades as ameaças que sofrem no con-
vador em uma região pode não ser entendido como inovador em outra.
texto violento de seus cotidianos de trabalho, além de não poderem sequer
As respostas sobre as práticas inovadoras foram organizadas em três di-
expressar essa situação, que priva a liberdade de criação e atuação também
mensões: conheço novas práticas; não conheço novas práticas; conheço e
dos(as) profissionais atuantes junto dos jovens privados de liberdade, como
indica o relato abaixo: indico novas práticas.
“São as ameaças constantes por parte dos internos e o medo que, confesso,
existe e não deve ser demonstrado” (2.5). 7.1. Conheço novas práticas no campo
Outra dificuldade, apontada pelos(as) participantes foi o fato de a socieda-
Os(as) profissionais que apontaram conhecer novas práticas no
de culpabilizar unicamente o jovem por sua condição social, econômica, de
campo das Medidas Socioeducativas, em sua maioria, indicaram mode-
saúde, etc., desconsiderando assim a realidade social desigual, excludente e
los/formas e referenciais teórico-práticos, tais como: a humanizacão na
complexa em que vivemos.
forma de relacionar-se com o outro; a escuta psicológica nos atendimen-
“[...] famílias desfeitas, ensinos básicos complexos, aceitação da sociedade, tos; a capacitação e a integração da equipe técnica com os funcionários
diferença social, sendo um problema muito complexo” (2.12). de pátio; o psicodrama de Moreno e a formação do(a) adolescente com
A questão do estigma associado à privação de liberdade também foi apon- esporte, além do relacionamento com pais.
tada como um desafio a ser superado: Seguem abaixo as respostas:
“O principal desafio é lidar com os vícios da instituição, ou seja, romper com
o estigma de cadeia e as ações decorrentes disso” (2.2). a) Sobre os referenciais teórico- práticos
“[...] praticamente humanização da forma com que se configuram as rela-
Entre os diversos desafios apontados ficam evidentes as questões
ções no trabalho, buscando através da aceitação do outro formas de tra-
relativas aos modos de funcionamento das unidades de internação e a bus-
ca de implementar ações socioeducativas nesse contexto. balharmos as demandas, estimulando um contato sentimental com tais
demandas, possibilitando a elaboração e percepção de posse.” (3.1).
“Trabalhos em grupos, tanto nos debates com profissionais, como na
22
abordagem do psicodrama de Moreno” (3.8). em conflito com a lei, em privação de liberdade, e um trabalho de inclu-
b) Sobre os modelos/formas de atuação são da comunidade e dos familiares nos espaços em que o(a) jovem está
“Integração com equipes de funcionários de pátio (que acompanham o internado, promovendo a convivência entre eles, permitindo a entrada da
dia a dia do adolescente). O ouvir, o falar, o orientar. Fazer com que parti- comunidade nos muros fechados das unidades de internação socioedu-
cipem, troca de experiências e ideias ” (3.2). cativas.
Seguem as respostas com as indicações dos(as) psicólogos(as) so-
“[...]. Incentivo esporte para crianças e adolescentes e relaciono-me com bre as práticas inovadoras no campo das Medidas Socioeducativas, porém
os pais. Noventa por cento vivem com pais separados. Isso se torna um vale ressaltar que em nenhuma das respostas recebemos indicações efeti-
problema muito complexo para a criação de uma criança e adolescente” vas de como poderíamos encontrar as experiências inovadoras (contatos
(3.12). com pessoas, sites, e-mails ou telefones):
“Existem sugestões da psicóloga do Judiciário de como trabalhar, mas ela
7.2. Não conheço novas práticas no campo pede que sejamos criativos para adequar às necessidades da pessoa que
cumpre a medida socioeducativa a função e a cultura organizacional” (3.7).
Neste item, tivemos uma resposta apontando não conhecer ne-
“Há necessidade de um trabalho mais efetivo com as famílias, e fiquei sa-
nhuma prática inovadora no campo. Mas a própria questão levou o(a)
bendo que uma instituição faz. Terapia comunitária favorece um processo
profissional a refletir sobre a possibilidade de existir, em outros lugares,
muito positivo! Há necessidade de preparar essas famílias para o retorno
experiências inovadoras e o(a) mobilizou a buscar essas práticas, confor-
desses jovens ao convívio social, mais do que preparar apenas o jovem,
me explicitado no depoimento abaixo:
que voltará, muitas vezes, para um contexto de violência e miséria, favore-
“Sinceramente, não temos, até o momento, nenhuma prática que possa
cendo sua manutenção nos delitos e envolvimento com drogas” (3.4).
ser considerada como inovadora neste campo. E também não conheço ne-
nhuma prática em outras unidades. Com certeza existe e a partir de agora “Vem sendo realizado um grupo com os internos em parceria com o Caps
vou procurar” (3.9). Girassol, onde é feito um planejamento com estes e alguns membros da
equipe. São perceptíveis os resultados positivos, até porque os conteúdos
do grupo nunca são expostos em estudo de caso ou relatórios. Com isso os
7.3. Conheço e indico novas práticas no campo internos não têm medo de se expor. Está sendo escrito um projeto com essa
parceria para promover uma verdadeira mudança no trabalho que vem
Neste outro item, apareceram respostas com indicações de experi-
sendo realizado, mas ainda está no início e depende do apoio de algumas
ências inovadoras no campo das Medidas Socioeducativas, além de refor-
entidades para viabilizá-lo” (3.5).
çarem alguns desafios e soluções, apontados na questão anterior, como:
um trabalho mais efetivo com as famílias, a utilização da criatividade para “O projeto do Núcleo Estadual de Atendimento Socioeducativo – NEAS, em
ajudar o(a) jovem a lidar com as questões institucionais, a realização de Alagoas, traz definições importantes quanto aos espaços pedagógicos e
parcerias para facilitar a expressão e elaboração de vivências do(a) jovem de convívio social e familiar, e estas foram pensadas interdisciplinarmente,
23
tendo à frente um psicólogo que inseriu aspectos que, embora não coloca-
dos totalmente em prática, trouxeram avanços no atendimento: espaços
8. Demandas e comentários
de convivência entre adolescentes de ambos os sexos (atividades educati-
vas, de profissionalização e de lazer); garantia de visita íntima aos adoles- Observamos, na questão sobre as sugestões e comentários, que
centes que já possuíam um relacionamento estável antes da internação; e grande parte das sugestões eram demandas que, na maioria dos casos,
local para acolhimento familiar para aqueles cuja moradia é muito distan- eram dirigidas ao Conselho Federal de Psicologia, aos Conselhos Regio-
te do local da unidade. Infelizmente, esse material não está disponível em nais e ao Estado. Assim, organizamos a análise das respostas indicando o
nenhum local na internet” (3.6). interlocutor ao qual se dirigiam e o tema central a que estas se referem. In-
“Não sei se é nova a prática, mas tem dado muito certo: manter uma es- dicamos também os principais comentários apresentados nas respostas.
cuta psicológica nos atendimentos e grupo terapêuticos. Sabemos que é
muito difícil fazer um trabalho terapêutico em unidades de internação,
mas essa seria a melhor maneira de inovar o trabalho” (3.2). 8.1 Demandas dirigidas CFP e aos Conselhos
Regionais
Subdividimos as categorias deste item em quatro temas:
1. Agrupar e fortalecer os(as) psicólogos(as) como classe na atua-
ção cotidiana.
2. Controle e regulamentação dos(as) psicólogos(as) do campo
pelo Estado.
3. Apoio/atenção psicológica aos profissionais das instituições do
campo.
4. Espaço de expressão e diálogo.
8.1.1 Agrupar e fortalecer os(as) psicólogos(as) como classe na

atuação cotidiana
Aparece uma demanda no sentido de fortalecimento dos(as) profis-

sionais deste campo para que possam refletir e criar estratégias de atua-
ção cotidiana, para que se sintam pertencentes a um grupo e valorizados
em suas práticas, a partir de espaços de troca entre pares, como explicita-
24
do abaixo: 8.2 Demandas dirigidas ao Estado e ao Sistema
“Formação de uma rede forte e unida da classe e conselhos, a fim de tor- Judiciário
narmos nossas percepções mais concretas dentro da rotina institucional”
(4.1). As demandas que aparecem aqui dizem respeito a um trabalho mais
“[...] mais reuniões efetivas dos psicólogos que trabalham em Medidas So- próximo dos(as) psicólogos(as) com o Judiciário, em forma de fóruns de
cioeducativas, com caráter prático e valorização desses profissionais” (4.3). discussão para uma avaliação e julgamento mais adequados para os jo-
vens; uma demanda por melhores salários e também uma proposta de
“Espero que com essa pesquisa possa ser traçado o que vem sendo reali-
inserção de esportes nas escolas e nos clubes municipais e estaduais, bem
zado nessa área pelos psicólogos, mas também que vá muito além disso.
como a inclusão digital nesses locais, como dito nas falas abaixo:
Precisamos crescer muito ainda nessa área e espero uma ajuda que possa
“[...] procurar incluir o psicólogo como necessidade na educação, a fim de
ser colocada em prática no dia a dia...” (4.5).
a educação poder pagar o psicólogo” (4.8).
“Esporte nas escolas estaduais e da prefeitura, dando uma forma ótima

8.1.2 Controle e regulamentação dos(as) psicólogos(as) do
para queimar sua hiperatividade. Clubes municipais ou estaduais tam-
campo pelo Estado
bém. Ensino ou matéria de computador, pois isto faz parte desta era em
que estamos. Acesso a comptutador, ensino, aulas para levá-los à realida-
Observamos uma demanda por regulamentação das contratações
de desta era, de uma maneira mais simples” (4.12).
de psicólogos(as) em instituições de medidas socioeducativas e controle
desta diretriz para garantir a ética na atuação profissional, como citado
abaixo: 8.2.1. Apoio/atenção psicológica aos profissionais das
“Acho que seria interessante se tivessemos fóruns de discussão permanen- instituições do campo
tes, principalmente junto ao Judiciário, dado que este julga os socioedu-
candos como se fossem regidos pelo CPB. Não há uma investigação prévia Aparece também a demanda por um trabalho de apoio e/ou aten-
da vida do adolescente, para que se tenha uma melhor avaliação, apesar ção psicológica para os profissionais que atuam nas instituições de Medi-
de os tribunais possuírem os instrumentais. Outra sugestão é que o Con- das Socioeducativas, como segue em fala abaixo:
selho, se fosse possível, criasse dispositivos para que as intituições contra- “Ideal seria ter um trabalho psicoterapêutico para os agentes de seguran-
tassem a quantidade adequada de psicólogos para atuar nas unidades, já ça e agentes pedagógicos” (4.2).
que com o quadro reduzido corremos o risco, muitas vezes, de não obede-
cer nosso Código de Ética” (4.9). 8.3. Comentários
Os comentários foram organizados em duas categorias temáticas:
25
dificuldades na atuação no campo das Medidas Socioeducativas e expec-
tativa com relação à pesquisa.
9. Análise das reuniões específicas e
dos grupos fechados
8.3.1 Dificuldades na atuação no campo das Medidas
Socioeducativas
As informações fornecidas nos relatórios sobre as Reuniões Espe-
Os comentários seguintes explicitam a dificuldade do(a) profissional cíficas e os Grupos Focais foram analisados seguindo as seguintes eta-
psicólogo(a) em atingir o objetivo da inclusão social dos(as) jovens em pas: 1°) várias leituras de todos os relatórios das Reuniões Específicas e
privação de liberdade. dos Grupos Focais; 2°) observação das características dos relatórios e
“Sinto, embora com pouca experiência nessa área, que muitas vezes não dos temas centrais; 3°) sistematização e análise das informações a partir
conseguimos a inclusão social, que é o maior objetivo do projeto. Em parte desses temas centrais relacionados ao dia a dia dos(as) psicólogos(as)
por causa do pouco tempo do cumprimento da pena, em parte pela difi- no campo das medidas socioeducativas em unidades de internação.
culdade de adequação à função da pessoa que cumpre a medida” (4.7). A análise dos relatos dos GF e das RE nos permitiu identificar
“[...] ressalto que o perfil do adolescente infrator de hoje é altamente es- que há muitas diferenças regionais nos modos de operacionalização e
truturado criminalmente, pois muitos pertencem a facções criminosas ou aplicação das medidas socioeducativas em unidades de internação e
mesmo obtiveram ganhos com atividades ilícitas, e a internação perde seu também dentro de um mesmo Estado. Há também diferenças entre as
caráter socioeducativo quando são implantadas regras do sistema prisio- unidades no que se refere às suas características, tipo, estrutura física,
nal” (4.13). tempo de existência e recursos, como destacado no trecho abaixo:
"O plano, na maioria das vezes, reflete mais as possibilidades institucionais
(ou a falta delas) e menos as demandas necessárias ao atendimento inte-
8.3.2 Expectativa com relação à pesquisa
gral das necessidades do adolescente" (RE CRP 07)3 .
Abaixo observamos a expectativa de que, por meio de iniciativas As unidades são caracterizadas como: internação provisória, inter-
como a pesquisa do Crepop, o(a) profissional psicólogo(a) tenha cada vez nação e semiliberdade. Estas podem ser mistas ou somente para jovens
mais espaço na sociedade e seja valorizado(a) nos diversos contextos em do sexo masculino ou do sexo feminino.
que atua.
“Parabenizo o trabalho que estão fazendo no Crepop, assim como o seminário
que realizaram. O relatório encaminhado ficou ótimo e espero que continuem
3 Durante a análise das RE e dos GF destacamos vários trechos como exemplos. Quando
realizando este tipo de trabalho para que nossa profissão ganhe cada vez mais estes se encontrarem entre aspas é porque se trata de transcrição da gravação das falas
espaço na sociedade, mostrando sua importância em diferentes contextos” (4.4). dos(as) participantes realizada pelos técnicos; caso contrário, refere-se à fala do técnico
que elaborou o relatório que nos foi encaminhado pelo Crepop nacional.
26
9.1. Atividades realizadas Existem também práticas que são delimitadas em algumas uni-
dades regionais, por exemplo, a utilização de testes psicológicos e as
Existem muitas semelhanças nas atividades realizadas pelos(as) visitas às famílias dos(as) adolescentes:
psicólogos(as) no dia a dia nesse campo, sendo principalmente psico- "Fizemos um treinamento do PMK, mas por questões políticas as unidades de
terapia, atendimento às famílias dos adolescentes, relatórios técnicos internação. Esta técnica é exclusivamente da liberdade assistida. Outros testes
e registro em prontuário. Além dessas atividades, citadas pela grande não são utilizados" (GF CRP 14).
maioria dos(as) participantes dos GF, outros trabalhos desenvolvidos "O psicólogo deveria fazer visita às famílias dos meninos. “Nós fomos barradas”
nas unidades foram referidos: arte terapia, visita domiciliar e promoção (RE CRP 02).
do pensamento crítico reflexivo sobre a cidadania, abrangendo o ECA.
"As avaliações reforçam questões que não dizem respeito ao fazer do técnico, isto
Profissionais da 14ª Região, entretanto, apontam limites para o
é, trabalham na linha de reconhecer a culpa, remeter o adolescente a uma pos-
atendimento em psicoterapia, frequentemente realizado pela maioria
tura de arrependimento e relacionar suas conquistas ao bom comportamento,
dos(as) psicólogos(as):
estabelecendo como parâmetro para cada um dos critérios acima uma lógica a
“Não se faz terapia na unidade de internação, pois é inviável e o tempo é cur-
partir da subjetividade de quem avalia" (RE CRP 07).
to. O atendimento operativo – aconselhamento (individual e familiar) – é o que
está sendo exercido nesse contexto. Como rotinas de trabalho da Psicologia
(intervenção metodológica) nas unidades de internação teremos: a utilização 9.2. Conceitos indicados como sendo utilizados
de dinâmicas, aconselhamento, a sensibilização, o acolhimento, a entrevista, o pelos(as) psicólogos(as)
acompanhamento familiar e individual, a orientação, relatórios, laudos, media-
ção e o repasse da situação processual ao adolescente” (RE CRP 14).
A compreensão dos conceitos indicados pelos(as) psicólogos(as)
como referência para atuação neste campo, bem como dos sentidos
A elaboração de pareceres é uma ação frequente no dia a dia do(a) denotados para eles, não é tarefa simples, entretanto, nessa tentativa,
psicólogo(a) neste campo, pois, como lembra Miranda Jr. (1998, p. 29), podemos classificá-los como sendo de cinco tipos: 1) baseados em al-
na interface da Psicologia com a Justiça “a primeira demanda que se faz guma teoria da Psicologia; 2) baseados em teoria de outro campo disci-
à Psicologia em nome da Justiça ocorreu no campo da psicopatologia”. plinar ou área de conhecimento; 3) específicos do campo das Medidas
Dessa forma, nos grupos foram feitas muitas considerações sobre essa Socioeducativas; 4) sustentados em valores e princípios pessoais; e 5)
ação, como veremos ao longo da análise. que tentam definir e explicar a vivência do(a) psicólogo(a) no dia a dia
Apesar de atividade constante, nem sempre há clareza do que no campo.
seja avaliação psicológica, parecer e laudo: O Grupo Focal do CRP 02 e o 09 (TO) indicaram conceitos que são
"[...] avaliação psicológica (parecer, ou laudo, não há consenso entre a utilização
repertórios de circulação no campo das Medidas Socioeducativas, que
do que é um parecer ou um laudo)". (GF CRP 12).
27
se referem à situação do(a) adolescente atendido; além do Estatuto da tica; Congruência ou autenticidade; Atualização positiva; Autoestima; Medida
Criança e do Adolescente: socioeducativa; Responsabilização; Protagonismo; Homeostase; Conflito com a
lei; Adolescência; Saúde; Representação social; Maturidade infracional; Disposi-
1. Liberdade assistida: como o nome sugere é uma liberdade vi- tivos sociocomunitários; Vínculo; Família; Anamnese; Percepção; Personalidade;
giada, por um prazo determinado, impostos alguns limites, e o adoles- Orientação profissional; Psicoterapia; Psicodiagnóstico; Habilidade social; Con-
cente deverá ser inserido em seu meio social, escola, curso profissiona- ceitos da Psicologia Social (representação social, crenças, papel social, protago-
lizante. nismo); Psicopatologia; Fenomenologia; Teoria Rogeriana; Valores; História de
2. Semiliberdade: medida de internamento fechado em que será vida; Socioeducação; Aconselhamento psicológico; Não diretividade; Conscien-
avaliada a sua autonomia para um nível aberto, e há uma unidade cha- te; Inconsciente; Conscientização; Projeto de vida; Terapia cognitivo-comporta-
mada CASEN, que possui equipe multidisciplinar para atendê-lo. mental; Política; Relações interpessoais". (GF CRP 03).
3. Progressão de medida: encaminhado ao juiz um parecer social
solicitando a medida de semi para liberdade assistida. A tentativa de definir e explicar a vivência no dia a dia no campo é
4. O egresso é quando o adolescente retorna para casa, para o feita no Grupo Fechado do CRP 10:
mesmo local de antes (GF CRP 02).
5. Conceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente – falta com- 1. Apropriação de papéis: nós psicólogos acabamos nos apro-
preensão do Estatuto, há dificuldade de aceitação por parte dos líderes priando de papéis, ou seja, de funções que não são de nossa área espe-
e necessidade de adaptação da teoria à prática, levando em conta a cífica de atendimento. Exercemos papéis de mãe, pai, assistente social,
realidade do local; enfermeiro, pedagogos, entre outros. E isso acaba sobrecarregando-
6. Os conceitos mais utilizados são os do sistema carcerário (GF nos, levando-nos a um processo de adoecimento, estresse, por não
CRP 09 TO). conseguir atender às nossas necessidades e ter que “resolver” funções
Psicólogos(as) do CRP 14 apontaram conceitos que são claramen- que não são nossas, imposta pela instituição.
te baseados no tipo quatro em valores e princípios pessoais: 2. Angústia: por não conseguir desenvolver os trabalhos como
“Um ser em desenvolvimento que ainda tem potencial para mudança”. psicólogo, principalmente por dificuldades na relação com a monitoria;
“Violência só gera violência”. assim como pelo fato de não poder trabalhar os elementos psicológicos
“cognitivos” tal como gostaríamos, gerando uma falta de identificação
“Respeito se conquista, não se impõe” (GF CRP 14).
daquilo que escolhemos como profissão, distanciando-nos daquilo que
Os grupos do CRP 03 e do CRP 12 referiram conceitos que podem é desempenhado de fato.
exemplificar principalmente os três primeiros tipos : 3. Inversão de papéis: o psicólogo se confunde com o assistente
"Pedagogia da presença; Aceitação positiva incondicional; Compreensão empá- social, pois não conseguem delimitar seus espaços, inclusive físico.
28
4. Conscientização no agir: em razão de o profissional não ter tem- 5. Jogos Educativos (Zig Zag);
po para refletir sobre sua prática profissional, executando um papel de 6. Exploração de letras musicais;
“funcionário bombeiro”. 7. Afetividade;
5. Frustração: pois constantemente observamos que nossa clien- 8. Espiritualidade;
tela volta a reincindir, trazendo problemas maiores à sociedade, fazen- 9. Atendimentos psicoterápico com ênfase na ACP (GF CRP 13).
do-nos pensar sobre o nosso papel, surgindo dúvidas, pois não sabe- Dez psicólogos(as) que participaram do GF no Distrito Federal re-
mos se realmente estamos contribuindo de forma efetiva para que os lacionaram uma diversidade de conceitos, listados abaixo. Alguns des-
resultados positivos possam existir (GF CRP 10). ses conceitos parecem ser formas diretas de tentativa de interpretação
Com foco também na prática do(a) psicólogo(a), o grupo do CRP e compreensão das causas dos problemas psicológicos da população
11 não conseguiu apontar conceitos que embasam suas ações no cam- atendida. Muitos deles são oriundos da vertente clínica da Psicologia:
po. Essa dificuldade pode ser entendida como parte da falta de clareza
Quadro 01
acerca do papel e da atuação do(a) psicólogo(a) junto dessa população,
1. Consciência: percepção da realidade, 24. Acting out x simbolização das
tema bastante discutido nas várias regiões. Vejamos o trecho do relató- capacidade de elaboração, percepção questões e conflitos pessoais
rio sobre essa questão: de seus sentimentos e dificuldades
Praticamente não houve debate de ideias, houve sim um grande 2. Contato: principalmente na psicoterapia. 25. Impulsividade; descontrole
incômodo acerca da dificuldade de identificar aspectos teóricos que O adolescente está presente ou não? emocional; alto grau de
E se o faz, realiza um contato saudável dependência de substâncias;
subsidiam suas atividades. O debate foi mais voltado a evidenciar essa
com o psicólogo e membros da equipe? família desestruturada; condições
lacuna e tentar de alguma forma preenchê-la. A maior parte do grupo socioeconômicas de risco; círculo
só conseguiu preencher as fichas depois de discutir com os colegas. social de risco
"Esse aspecto, a nosso ver, demonstra uma imersão dos técnicos nas atividades 3. Ansiedade: nível de ansiedade no qual o 26. Figura materna presente, mas com
adolescente se encontra, se está agitado, dificuldade de passar limites ao
quotidianas e a quase inexistência de articulação teórica, evidenciada de forma
nervoso, etc. filho.
coerente noutros momentos anteriores da atividade" (GF CRP 11).
4. Introjeção: ato de assimilar valores e ideias 28. Figura paterna e sua correlação com
Os dez conceitos listados abaixo foram referidos pelo grupo do CRP 13: geralmente expostas por membros, de o papel da lei
grande significado para o outro
5. Acolhimento: no sentido de acolher 29. Confrontação: mesmo acolhendo
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA; sempre o que o adolescente verbalizou o que foi dito, é necessário
1. Série de Vídeos – “Não é o que parece”; confrontá-los, trazendo os fatos e
2. Drogas; esclarecendo o que dizem
3. Sexualidade; 6. Referência de identidade: todas as pessoas 30. Dificuldade em aceitar e estabelecer
exercem um papel de referência de limites e normas
4. DST/AIDS;
identidade para os adolescentes
29
7. Aspectos cognitivos diversos, como 31. Contratransferência; Transferência; 21. Construtivismo e Construcionismo: 45. Rede social: redes que se formam
atenção, memória, raciocínio lógico e Complexo de Édipo acontecem construções a todo instante ao longo da vida do ser humano,
verbal com dinamismo que dão suporte a ele nos fazeres.
8. Sintomatologia Dissocial: o que concebe os 32. Projeção: ato de visualizar em Redes de apoio
fatores que teriam levado o adolescente outros, geralmente, “defeitos” que 22. Conceitos de família: importância dessa 46. Simbiose: perceptível em muitas
ao ato infracional você não suporta em si; instituição, como primeiro espaço de relações desses adolescentes com
9. Enfrentamento: forma como o adolescente 33. Rejeição: quando o adolescente foi relação humana as mães
reage a determinada situação rejeitado em algum momento de 23. Ausência de limites, autoridade 47. Família mononuclear feminina
sua vida fragilizada dos pais, valores distorcidos,
10. Autoestima: a forma como ele se percebe 34. Carência afetiva: falta de carinho por nos quais prevalece o “ter” em lugar do
parte dos cuidadores “ser”
11. Análise funcional 35. Reforçamento Negativo
12. Comportamento verbal 36. Correspondência Verbal O CRP 07 indicou autores principais de seus referenciais teóricos:
13. Operações estabelecedoras 37. Regras e autorregras “Winnicott, Aberastury e Pichòn Riviere”. Já os profissionais do CRP 15
14.Comportamento supersticioso 38. Paciente Identificado
apontaram conceitos da Psicologia Clínica e da Psicologia Social:
15. Família Nuclear; Família Extensa 39. Aquecimentos Específico e
1. Ressignificação – ter novas maneiras de entender práticas, pessoas
Inespecífico
16. Protagonista; Cenário; Drama; Roteiro 40. Realidade Suplementar e relacionamentos.
17. Grupo de Pares 41. Inversão de papéis 2. Subjetividade – maneira de estar e ser no mundo.
18. Apropriação da conduta infracional: 42. Valorização do Aqui e Agora e 3. Exclusão social – uma das causas dos problemas que levam à in-
visando a tomada de consciência do da responsabilização pelas suas ternação.
papel do jovem na sociedade como um escolhas, além de confrontá-
4. Paradigmas socioeconômicos – a mudança desses paradigmas dá
todo e na específica em que vive lo com o seu processo de
despersonificação do outro, seja outra significação para a existência dos adolescentes das unidades de in-
um familiar, um cidadão ou alguém ternação (GF CRP 07).
em conflito com a lei
No GF do CRP 16 encontramos conceitos da Psicologia Clínica, da
19. Comunicação: comunicação como forma 43. Resiliência: capacidade do ser
Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia Social e da Psicanálise,
de expressão primeira do ser humano, humano de superar toda situação
seja ela verbal ou não verbal estressora ou que impossibilita como também da Educação.
o alcance de algo ou sua 1. Ressignificação: novos sentidos para algumas práticas, relações,
possibilidade, mostrando, sim, que
pessoas, etc. Análise institucional: análise das instituições como família,
é possível
20. Transgeracionalidade: repetição de 44. Visão sistêmica da realidade:
trabalho, criminalidade, entre outros, que constituem todo o contexto en-
uma situação semelhante ao longo das compreensão do ser humano volvido na produção dessas subjetividades.
gerações em suas diversas relações, intra e 2. Subjetividade: modos de ser e estar no mundo construídos a partir
interpessoais
30
dos movimentos e das conexões realizadas. ferentes perspectivas e definem aplicações das medidas consideradas
3. Produção de subjetividade, individualidade, implicação, represen- socioeducativas. Dessa forma, são diversos os atores e vozes presentes
tação social, ética para tratar a questão do sujeito nas suas particularida- na descrição do trabalho desenvolvido.
des como indivíduo. Na composição de equipe de profissionais que desenvolve ativi-
4. Psicologia da Adolescência – momento de crise [...] Dinah Martins dades diretamente com os(as) adolescentes nas unidades estão: psicó-
Aberasturig, Paulo Freire – autonomia, existencialismo. Busca não patolo- logos, assistentes sociais, pedagogos, sociólogos, nutricionistas.
gizar o adolescente porque o juiz não poderá fazer uso adequado da ter- Segundo consta no Sinase (2006), a composição de equipe de re-
minologia. ferência para atendimento ao adolescente depende do tipo de unida-
5. Psicanálise, terapia comportamental e psicodrama; de, dos seus objetivos e do número de adolescentes atendidos, como
6. Atuar valorizando o sujeito, dando a ele visibilidade positiva. destacado nos quadros abaixo:
Acompanhamento aos adolescentes nas oficinas e ter atitude terapêutica.
7. Nome do pai/função paterna: relação do adolescente com a lei, Quadro 02: indicação de equipe mínima para MSE de semiliberdade
com a norma, inclusão. Para atender até vinte adolescentes na Medida Socioeducativa de
Semiliberdade a equipe mínima deve ser composta por:
8. Exclusão social, responsabilidade social, protagonismo social para
explicitar as causas sociais dos problemas anteriores, causas da interna- • 01 coordenador técnico;
ção e de uma mudança de comportamento social.
• 01 assistente social;
9. A histeria de Freud, estruturas psicanalíticas, psicologia do crime.
10. Educação social, escuta ativa pautadas na pedagogia freireana, • 01 psicólogo, 01 pedagogo;
propostas de escuta e trocas personalizadas para cada demanda trazida
• 01 advogado (defesa técnica);
pelos adolescentes. Mudança de paradigma socioeconômico com a ressig-
nificação da existência dos jovens internos (GF CRP 16). • 02 socioeducadores em cada jornada; e
• 01 coordenador administrativo e demais cargos nesta área,

9.3. A equipe multidisciplinar e os diferentes conforme a demanda do atendimento
saberes
(Sinase, 2006, p. 42).
As medidas socioeducativas em unidades de internação de crian-

ças e adolescentes são desenvolvidas por equipes técnicas nas várias
unidades que recebem essa população. As ações têm como base diver-
sos saberes e disciplinas; profissionais que olham e falam de suas di-
31
vo de atender à justiça/sociedade, à instituição e suas regras e ao adolescente, o
Quadro 03: indicação de equipe mínima para MSE de internação
que causa uma certa dificuldade no cumprimento de papéis" (GF CRP 04).
Para atender até quarenta adolescentes na Medida Socioeducativa de
Internação a equipe mínima deve ser composta por: Nessa mesma linha, Miranda Jr. (1998, p. 29) já fez essa reflexão:
“quem é o cliente do psicólogo? A instituição que lhe demanda o trabalho
• 01 diretor
ou o sujeito que por algum motivo foi inserido no discurso institucional?”
• 01 coordenador técnico A questão sobre para quem trabalha e a falta de clareza do seu
papel levam o(a) psicólogo(a) a se posicionar como se estivesse “de
• 02 assistentes sociais fora”: ora de forma crítica e reflexiva, ora como alguém que, ao ter o(a)
• 02 psicólogos adolescente como seu cliente nesse trabalho, “toma partido” (ou pre-
cisa tomar) e fica, consequentemente, contra a instituição e o sistema
• 01 pedagogo que executam as ações dirigidas ao seu cliente. Nesse posicionamento
é como se o(a) psicólogo(a) não fizesse parte da instituição e do sistema
• 01 advogado (defesa técnica)
socieducativo.
Demais profissionais necessários para o desenvolvimento de saúde, Em concordância com Guareschi (2000, p. 20), “Entendemos o ser
escolarização, esporte, cultura, lazer, profissionalização e administração humano como um ser dialógico, relacional, que se vai construindo a partir
Socioeducadores: as atribuições dos socioeducadores deverão das relações que estabelece com os outros seres humanos”. Assim, cabem
considerar o profissional que desenvolva tanto tarefas relativas à algumas reflexões: será possível tomar a criança e o(a) adolescente que
preservação da integridade física e psicológica dos adolescentes e dos se encontram sob intervenções das Medidas Socioeducativas, em siste-
funcionários quanto as atividades pedagógicas. Este enfoque indica a ma de internação, e não refletir sobre quais subjetividades estão sendo
necessidade da presença de profissionais para o desenvolvimento de
constituídas por essa rede de ações, leis, olhares de várias disciplinas e
atividades pedagógicas e profissionalizantes específicas.
políticas públicas? Conceber o(a) psicólogo(a) como alguém que não
(Sinase, 2006, p. 45) faz parte dessa rede de atores que executam tais ações? Dessa perspec-
tiva, o(a) adolescente e o(a) psicólogo(a) compõem essa trama dentro
Apesar da indicação de que várias ações são desenvolvidas pelos desses contextos específicos.
psicólogos nas diferentes unidades, muitas questões foram apontadas Podemos relacionar a essa questão várias dúvidas sobre o papel
ao relatarem a prática. Uma delas foi a propósito de quem é o usuário do(a) psicólogo(a), suas funções, contrato e diferenciação em relação a
direto do trabalho do psicólogo, para quem ele trabalha, ou, dito de outros profissionais, principalmente ao assistente social. A não clareza
outra forma: quem demanda trabalho para o psicólogo nesse campo? sobre o papel para o qual foi contratado, e como desempenhá-lo, diz
Sobre isso podemos ver um trecho do relatório do CRP 04: respeito tanto à falta, ou dificuldade, de diferenciação própria como
"Os psicólogos que atuam nestas unidades têm como demanda um triplo objeti- por outros profissionais da equipe.
"O psicólogo recebeu em 2001 instruções (analista em ações socioeducativas)
32
para que se faça um pouco de tudo (um pouco de psicologia, de assistente social, que o espaço educativo com variedades de atividades, entre elas, oficinas
de enfermeiro, de tutor)" (RE CRP 14). de teatro, oficinas de tear, curso de pizzaiolo, padaria, trabalho na horta, é
Os(as) profissionais de Psicologia dirigiram várias queixas a outros uma ótima oportunidade de contato com o adolescente. Consideram que
membros da equipe, como no seguinte exemplo: nesses espaços há a oportunidade de escutar, observar, participar, pon-
Dificuldade do psicólogo em ser aceito pela equipe (por incom- tuar, conhecer melhor o adolescente, contribuindo para o trabalho nos
preensão do papel do psicólogo por parte dos outros membros, acham grupos e no atendimento individual. No atendimento junto às famílias
que psicólogos passam a mão na cabeça dos meninos). costumam promover reuniões e acompanham as visitas das famílias nas
“Os técnicos e as pessoas que trabalham na instituição vulgarizam o papel do unidades" (RE CRP 16).
psicólogo” – “namorada”, “amiga”, “passam a mão na cabeça”, “mamãe” (RE CRP Mesmo reconhecendo tantas limitações, o trabalho em equi-
09-TO). pe e o diálogo com outros saberes são considerados relevantes por
alguns(mas) psicólogos(as), como destacado no trecho abaixo:
Outras dificuldades estão relacionadas ao Judiciário:
"Foi destacado que o trabalho em equipe é fundamental para o bom
Um item abordado e muito discutido pelos participantes refere-se
desenvolvimento do trabalho. Sempre fazem reunião com a equipe para
à “quebra de sigilo” por parte da defensoria pública, que eles classificam
planejar as atividades, fazer discussão de caso e trocar informações com
como abuso de poder e de autoridade. Os profissionais relataram que
os monitores, educadores e assistentes sociais. Pode-se afirmar que a equi-
muitas vezes, em audiências, os juízes citam falas dos psicólogos e as-
pe é muito integrada e que desenvolvem ações e decisões em conjunto "(RE
sistentes sociais, que constam no processo de avaliação, deixando os
CRP 16).
profissionais em situações delicadas diante dos adolescentes (RE CRP
13).
9.4 Desvio de função4
"O Ministério Público só ouve os adolescentes e não escuta os técnicos" (RE CRP
15). A discussão do que entendem como desvio de função no desem-
"Há também os demais atendimentos em conjunto com a assistência penho de atividades do(a) psicólogo(a) no campo das Medidas Socie-
social e o destacamento do psicólogo multifuncional, ou seja, o psicólogo ducativas está diretamente relacionada ao papel e funções dos(as) pro-
atua na sua profissão, mas quando aparece a necessidade também acaba fissionais na composição de equipe para atendimento ao adolescente
fazendo o papel do assistente social, por exemplo” (RE CRP 14). a partir do que é preconizado no ECA e no Sinase e ao que é entendido
A presença do(a) psicólogo(a) em atividades realizadas por outros como especificidades do fazer do(a) psicólogo(a) com base em sua for-
profissionais da equipe pode propiciar uma ampliação da sua atuação mação com o curso de graduação.
junto dos jovens, como sugeriram no CRP 16: Foram indicadas nos Grupos Fechados as seguintes atividades
"O atendimento do psicólogo nessas unidades de internação não se
limita ao atendimento individual e grupal. Foi muito ressaltado na reunião 4 Apesar de não constar no RI indicação de questões relacionadas a desvio de função do
psicólogo no campo, esse tema foi proposto em quase todos os grupos fechados
33
como desvio de função: Definem, junto com a administração, procedimentos de segurança para melhor
CRP 01: Quanto ao desvio de função, o que mais aparece foi assumirem o papel alojar os adolescentes e garantir a integridade física; A instituição cobra que de-
e a função dos educadores, “cuidar dos pertences dos adolescentes, pegar cigar- mos conta das dificuldades dos adolescentes, das suas carências. Temos que dar
ros, conduzir as turmas para as atividades, etc.”, segundo um psicólogo. Outras respostas aos seus anseios para que não haja um conflito de maior gravidade.
atividades que aparecem como desvio de função são: papel de assistente social, Entretanto, nem todos entendem as mesmas atividades como
que aparece na fala de uma psicóloga; o requerimento de “benefícios” junto aos sendo desvio de função:
juízes da Vara da Infância e Juventude, questão levantada por um psicólogo, "Seleção e treinamento de pessoal (agentes educacionais), não houve consen-
que acredita ser função dos profissionais da área do Direito; e atividades de RH, so sobre esta questão. Alguns não concordam que a mesma pessoa que atende
como seleção de pessoal, foi citado por um psicólogo. aos adolescentes faça grupo com os funcionários (agentes educacionais) que
CRP 02: Organização das pastas, documentação e arquivo, rotina de acompa- cuidam deles. A sugestão é que um psicólogo faça a seleção dos funcionários
nhamento de entrada e saída. e o acompanhamento deles dentro da instituição e outro profissional trate dos
adolescentes; os psicólogos trabalhariam em cooperação, mas atendendo a pú-
CRP 03: Atividades de secretaria; participação em comissões de sindicância (ca-
blicos distintos" (CRP 12).
ráter punitivo).
"Outro dissenso foi acerca das ações burocráticas, que não necessariamente de-
CRP 10: Acompanhar o desempenho escolar dos socioeducandos, além de rea-
veriam ser realizadas pelos psicólogos, e encontram muita diferença entre o gru-
lizar atividades didáticas; Atendimento aos servidores das unidades; Trabalhos
po. Alguns se identificam e imergem de tal forma na unidade que desenvolvem
burocráticos (ex.: digitar documentos que não são específicos da Psicologia);
muito mais atividades que sua função, em parte por necessidade do serviço e em
Elaborar a parte da saúde nos relatórios avaliativos; Demandas na área jurídi-
parte por disposição pessoal" (CRP 11).
ca: acompanhar a situação jurídica do adolescente, consultar o andamento dos
processos dos adolescentes, etc.; Acompanhar os adolescentes em atividades Segundo o dicionário5 , as acepções sobre desvio nos aponta para
externas. “ato ou efeito de desviar(-se)”, “mudança do caminho, da direção ou da
posição normal”, “caminho que, para diminuir espaço, tempo de per-
CRP 13: Trabalhos burocráticos; Preenchimento de fichas cadastrais, que é ativi- curso ou devido a impedimento na passagem, foge à rota comum; ata-
dade dos Assistentes Sociais. lho”, “lugar afastado do caminho principal; recanto, desvão”. Em relação
CRP 16: Demandas na área jurídica, “assessoria jurídica” aos adolescentes; Con- ao “caminho principal”, ou “posição normal”, a ser seguido e ocupado
sultas a processos em juizados para verificar se o adolescente liberado possui pelos(as) profissionais de Psicologia no campo das Medidas Socioedu-
processos em outros juizados; Preparação de listas para os juizados; Trabalhos cativas, esse aspecto parece levar à necessidade de discussão e reflexão
burocráticos, exemplo: arquivar documentos dos adolescentes nas suas pastas,
verificar registro dos adolescentes na Polinter; realizar relatórios que extrapolam 5 DICIONÁRIO HOUAISS on-line. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em:
os atendimentos; demandas da rotina diária – entrada/saída de adolescentes; out. 2007.
34
da interdisciplinaridade no campo (o que é comum e quais relações en- "A formação dos psicólogos não prepara para atuação nesta área". (RE CRP 15).
tre as disciplinas ou saberes?), uma vez que várias dificuldades foram "O trabalho do psicólogo é “fazer de conta” (RE CRP 09-TO)".
descritas quanto ao trabalho em equipe, principalmente falta de clare-
za sobre o trabalho do(a) psicólogo(a) e de outros profissionais. Os participantes afirmam que, considerando o risco no trabalho
Por outro lado, para os(as) psicólogos(as), a reprodução ou aplica- (rebeliões), as condições não favoráveis para o exercício da profissão
ção dos conhecimentos adquiridos na graduação parece não dar conta (sem qualidade de vida no trabalho e diversas limitações), a desvalori-
da complexidade com que se defrontam na inserção na prática. Desse zação profissional e o baixo salário, estar em uma unidade de interna-
modo, quais desvios se fazem necessários? Como ter suas ações amplia- ção durante 8 horas caracteriza-se como estressante, podendo refletir
das? Quais saberes são necessários para dialogar para a construção de em baixa produtividade (RE CRP 14).
uma prática que atenda e corresponda, cada vez mais, de forma ética ao "O maior problema aqui é a superlotação. Ela deixa o nosso trabalho a desejar.
que é suscitado no campo das Medidas Socioeducativas? “Eu me sinto fazendo um trabalho capenga; não dá para planejar as atividades;
sempre há uma situação de emergência; às vezes o adolescente pede para ser
9.5. Dificuldades com que se deparam os(as) atendido e nós atendemos quando temos tempo. Não dá para marcar uma
psicólogos(as) na prática do dia a dia hora certa. Certa vez o menino perguntou quando haveria grupo, pois ele esta-
va sufocado e precisava falar (sic, participante)”. Temos que lutar por uma boa
É recorrente a presença de questionamentos e/ou angústias quan- educação, pensar nas políticas educacionais, recuperar essa educação. Quando
to a trabalhar no campo e aplicar o que aprenderam, o que acreditam chega aqui ele já está fora, excluído do sistema educacional. [...] Por conta da su-
que devem fazer, e lidar com as frustrações e as deficiências acerca da
perlotação, nós perdemos muito tempo fazendo relatórios. A casa comporta 90,
formação em Psicologia. Acrescidas a estas estão ainda a baixa remune-
e hoje temos 295. Temos que fazer os relatórios psicossociais quando o juiz pede"
ração, a sobrecarga de trabalho, a desvalorização profissional e o adoe-
(RE CRP 02).
cimento do trabalhador:
"Sempre gostei dessa área; antes eu fazia estágio assim; fiz estágio nos abrigos "Fazemos grupo operativo com 60 meninos. É muito difícil trabalhar assim" (RE
por dois anos; então, para fazer o concurso foi mais fácil; eu já tinha leitura nesse CRP 02).
sentido; o estatuto da criança eu sabia de cor; mas eu acho que é uma área bem A falta de segurança para que o(a) psicólogo(a) desenvolva ple-
difícil. Às vezes eu repenso a minha escolha" (GF CRP 07). namente o seu trabalho foi um fator recorrente na maioria dos GF: se-
Também foi destacada a falta de preparo e conhecimento dos psi- gurança para o atendimento ao adolescente e para acesso a todas as
cólogos para lidar com a realidade das unidades de internação. Consi- dependências físicas das unidades, mas também o incômodo sobre a
deram que na formação deveriam entrar matérias de direitos humanos presença desse profissional:
e que o debate do adolescente em conflito com a lei precisa ser inserido "Os atendimentos acontecem diariamente, embora ocorram intercorrências
no debate acadêmico(RE CRP 16). que atrapalham ou interrompem o atendimento. Já ficaram meses sem fazer
atendimentos após rebeliões. Os atendimentos são vetados ou cancelados ge-
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ralmente por questão de segurança; essa decisão é tomada, na maioria das ve- dificuldade de pagar sua anuidade junto ao CRP correspondente" (RE CRP 13).
zes, pelo encarregado de segurança. A segurança interfere muito no andamento
O psicólogo atua como técnico e seu parecer não tem validação ou amparo
dos atendimentos" (CRP 16).
legal; muitos deles demonstram preconceitos acerca dos adolescentes, estere-
"Muitas vezes o técnico sente medo de realizar os atendimentos, deixando a por- ótipos como 'delinquente', 'problemáticos', 'aborrecentes”, “agressivos” (RE CRP
ta aberta, entre outras estratégias de proteção" (RE CRP 07). 09-GO).
Curiosamente, as questões sobre segurança parecem incoerentes “E, sobre isso, eu queria falar uma coisa que, pra mim, às vezes, o Código de Ética
e dilemáticas, uma vez que tanto há queixa de que não é possível traba- é meio estranho, porque num outro evento que a gente teve aqui me lembro que
lhar com a presença dos seguranças que protegem os(as) profissionais havia a questão da mediação em paralelo com a questão da medida socioedu-
dos adolescentes, como também não é possível trabalhar diante de sua cativa, aí havia aquele promotor que foi convidado a falar de noite e ele disse:
presença ou dos limites impostos pela necessidade de segurança. ‘vocês são obrigados a denunciar... Quando vocês virem uma coisa vocês têm
Falam também do medo de serem identificados e sofrerem algum
que denunciar...’. No outro dia foi-nos cobrado que a gente não pode falar nada.
tipo de represália, de tal forma que alguns(mas) profissionais preferem
Aí eu penso assim: ‘ah, meu Deus, mas uma hora falam que eu tenho que falar e
não se identificar pelo nome diante do registro de áudio do Grupo Fe-
outra hora falam que...” (GF CRP 07).
chado:
Agente Educacional na 84 Brás (não quis se identificar) (GF CRP 06).
Manifestou, durante a reunião, a preocupação com a gravação 9.6. As formas de lidar
do encontro, por medo de ser perseguida num momento posterior (GF
CRP 09-GO). Como forma de lidar com as várias dificuldades encontradas no
Muitas outras queixas e angústias, expostas neste estudo, são en- desenvolvimento do trabalho são indicadas algumas análises e com-
dereçadas ao CRP; essas se referem à baixa remuneração, péssimas con- preensões do próprio campo, dos limites e das possibilidades de traba-
dições de trabalho, adoecimento e dificuldades em pagar a anuidade lho para o(a) psicólogo(a). Essas apontam o processo de implantação
do Conselho Profissional, conforme destacado a seguir: das políticas públicas e a construção de “identidade” de quem atua nes-
te campo, com base em algumas reflexões críticas acerca das políticas
"Há por parte dos psicólogos um grande desestímulo no que diz respeito a sua
públicas em geral. Destacamos algumas delas:
remuneração, que é em torno de R$ 545,00 (quinhentos e quarenta e cinco re-
As instituições, assim como os profissionais que nela trabalham,
ais) com carga horária de 30 horas semanais, com plantões nos sábados e do-
ainda estão em processo de aprendizado, e estão construindo o papel
mingos, sem direito a periculosidade, teto salarial, férias e insalubridade. Os
de cada profissional nas MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. É uma política
psicólogos das unidades relatam ter contraído doenças transmitidas por fungos
relativamente recente e, além disso, existem atravessamentos, como a
e bactérias, como também furúnculos, por mais que se faça um trabalho de interface da Psicologia com o Direito, a questão da mentalidade “carce-
orientação aos adolescentes com relação à sua higiene pessoal e ambiental. Em rária”, a forma como se pensa o adolescente em conflito com a lei, entre
consequência de sua baixa remuneração, os profissionais relataram ter grande
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outros... Assim, o processo de implementação dessa política tem sido Para o avanço no trabalho do psicólogo deve-se centrar em ob-
lento, devido à construção coletiva dos personagens que executam jetivos paupáveis e observáveis: a modificação de valores e compor-
essa política, assim como da necessidade de mudança de mentalida- tamento. Através do plano de trabalho individual, o direcionamento e
de das autoridades quanto à questão, trazendo uma abordagem mais planejamento das ações focarão o que precisa esse adolescente, sem-
humanizadora e diferenciada no trabalho com esses adolescentes (GF pre em consonância com a forma como esse adolescente chegou até o
CRP 04). profissional, até a unidade de internação.
“Eu identifico o nosso papel que nem [como] um adolescente sabe, em momen- Os profissionais também afirmam existir a inviabilidade de se tra-
tos buscando uma identidade lá dentro” (GF CRP 07).(sic) balhar com adolescentes de outros municípios, o que impede o estabe-
lecimento de vínculo familiar.
Os profissionais avaliaram que se o sistema de rede das medidas
O processo de humanização, reflexão e percepção de si são cha-
funcionasse de forma mais integrada, Liberdade Assistida, Semiliberda-
ves viáveis de se trabalhar com o internado. A intervenção da Psicologia
de, Prestação de Serviços à Comunidade e Centros de Internação pode-
deve ser prática. E, nessa perspectiva, trabalhar com a modificação de
riam cumprir os objetivos a que se propõem integralmente, inclusive
comportamento é dimensionar a ação a partir de contexto atual (RE
respeitando o Sinase, e se conseguiria maior reintegração desses ado-
CRP 14).
lescentes (GF CRP 04).
As falas de alguns(mas) participantes são exemplos de quem vê
Uma psicóloga disse que todas as políticas públicas deveriam es-
possibilidades de atuação no campo:
tar integradas, as políticas educacionais, para a família, para o trabalho,
“[...] o psicólogo tem ali um campo de ação que, se ele souber usar bem, ele con-
para a infância, etc. Ela disse que deveria haver um maior diálogo entre
segue fazer uma porção de coisas mesmo que essas coisas não sejam vistas” (GF
as instituições, como a escola, as instituições que trabalham com famí-
lias, o Conselho Tutelar, o Conselho de Saúde, a rede de saúde mental, CRP 06).
entre outros, poderiam oferecer um ganho para os adolescentes, e se Existem brechas e muitos trabalhos acontecem por força da com-
evitaria a internação, sendo esta mesmo a última medida. Ela disse que petência e do envolvimento do profissional e/ou da equipe, incluindo
atualmente, em alguns casos, a internação ocorre por falta de outras formação profissional/preparo do jovem para a vida “extramuros”. É fun-
medidas (GF CRP 04). damental conseguir a implementação de políticas públicas de fato, in-
Foram levantadas como possibilidades de enfrentamento às difi- dependentemente de quem assume o poder. (RE CRP 06).
culdades: a busca pela elaboração de projetos para a realização de ativi- Houve algumas atitudes que foram tomadas e melhoraram um pouco
dades de cunho socioeducativo, o fortalecimento das relações entre as a questão da rebelião. Foi o atendimento de grupo; os menores puderam
instituições, a realização de intervenções nos processos institucionais, dar informações sobre alguns funcionários, o batalhão de choque está sem-
a continuidade na realização de encontros entre os profissionais para a pre presente na porta da Casa. E o afastamento de algumas lideranças para
construção de um coletivo capaz de intervir em processos políticos, a o pavilhão de segurança máxima. A última reunião foi em fevereiro e de lá
criação de grupos de estudo (RE CRP 03). para cá não houve nenhuma rebelião (RE CRP 02).
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Segundo os psicólogos, mesmo com todas essas dificuldades e Em suma, o campo de trabalho do profissional de Psicologia vai
limitações, as atividades com os adolescentes são desenvolvidas, ha- além do acompanhamento psicológico individualizado do adolescen-
vendo também por parte da direção atual do CEA uma abertura para te; poderia se dar também no planejamento das diretrizes da institui-
diálogos com os psicólogos (RE CRP 13). ção, na gestão do trabalho e no acompanhamento dos profissionais
Na UNIP foram citadas algumas práticas interessantes que os psi- que atuam diretamente com os adolescentes (RE CRP 12).
cólogos estão desenvolvendo em conjunto com a equipe. Destacaram Aparecem também nos relatos as possibilidades de construção
o projeto que apresentaram no Seminário Internacional de Direitos Hu- coletiva a partir das trocas entre pares:
manos – UERJ. A intenção do projeto foi ampliar o olhar sobre o ado- "[...] é que ontem eu estava conversando com uma colega de Minas; a partir
lescente através do registro de várias cenas do seu cotidiano, com o dos grupos, desses encontros, criaram um e-group, começaram a se comunicar
objetivo de demonstrar suas potencialidades. Destacaram também a mais, vieram algumas pessoas do interior; no nosso caso estamos planejando
parceria com a Secretaria de Estado da Cultura, que permitiu a parti- um evento em março". (GF CRP 07)
cipação da Orquestra Sinfônica do ES na Unidade; toda a equipe e as
famílias dos adolescentes estiveram presentes. E o projeto MC da Paz,
que busca promover a autoestima através da composição de músicas.
9.7. Políticas públicas
As letras das músicas também são utilizadas nas aulas de português
A discussão sobre as políticas públicas no campo das medidas so-
para ensinar gramática aos alunos (RE CRP 16).
cioeducativas em unidades de internação é avaliativa e crítica quanto
O campo tem várias potencialidades no que se refere a um maior
às diversas ações, para aplicação do que consta nos documentos de
intercâmbio entre os profissionais que atuam nos Centros. Atuar com
diretrizes elaborados para garantir os direitos das crianças e dos adoles-
medidas socioeducativas permite uma interface da Psicologia com o
centes submetidos a essas medidas. Porém, como em outros campos,
Direito e também com outras áreas. Os profissionais relataram que o
conforme abordado por Souza (2006, p. 26), as
campo é rico em possibilidades de trabalho, embora em alguns centros
“políticas públicas, após desenhadas e formuladas, desdobram-se em planos,
a reinserção social e a reabilitação do adolescente para convívio na so-
programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informação e pesquisas.
ciedade tenha sido prejudicada por medidas excessivas de segurança/
Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetidas a siste-
repressão e uma mentalidade “carcerária” por parte de algumas institui-
ções (GF CRP 04). mas de acompanhamento e avaliação”.(SOUSA, 2006.p.26))
Na UFI – Unidade Feminina de Internação desenvolveram um tra- O ECA e o Sinase foram os documentos de referência para as po-
balho interessante sobre a consciência negra, como recital de poesias líticas públicas no campo das Medidas Socioeducativas mais citados
africanas, jogral e exposição de fotos das adolescentes e dia de princesa pelos(as) psicólogos(as) nos Grupos Fechados e Reuniões Específicas. O
(tratamento de beleza) para trabalhar com a autoestima. Foi ressaltado primeiro foi referido mais frequentemente ao falarem dos direitos das
pelo psicólogo da unidade o trabalho informativo que desenvolve so- crianças e dos adolescentes e das incoerências entre o que diz a teoria/
bre a saúde da mulher (RE CRP 16). lei (do ECA) e o que acontece na prática. Já o Sinase, em síntese, foi cita-
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do para questionar ou argumentar a respeito: liação de ações dos profissionais, das gestões e do sistema judiciário,
a) da composição de equipe; conforme relatórios dos Crepops regionais:
b) dos papéis a serem desempenhados por esses; "[...] espaços inadequados para o desenvolvimento das atividades, falta de ma-
c) da estrutura física das unidades; terial didático, falta de mobiliário (como cadeiras adequadas), ausência de cli-
d) das diretrizes sobre o número de adolescentes por unidade; matização. Estrutura física precária. Não há um espaço adequado para o aten-
e) do tempo de permanência do adolescente no tipo de unidade; dimento da família. Alojamentos superlotados e inadequados. A demanda de
f ) do número de adolescentes a ser atendido por um psicólogo. atendimento é bem maior do que o espaço físico, o número de profissionais e o
Muitos dos relatos e das descrições do dia a dia são feitos com tom
horário das atividades, uma vez que tudo funciona em função do refeitório, que
de denúncia de práticas institucionais que se mostram incoerentes em
é pequeno para caber todos os internos" (GF CRP 02).
relação ao que é preconizado nos documentos de referência, principal-
mente pelos mais citados, conforme exemplificam os trechos abaixo: "O caráter socioeducativo deixa a desejar; falta organização; é preciso maior in-
Infração aos Direitos Humanos. Desrespeito ao adolescente por tegração entre as equipes de trabalho (orientadores, educadores, técnicos, etc.)
parte dos policiais (GF CRP 09-GO). e entre os setores (secretaria, equipe técnica, coordenação, direção, etc.); existem
"[...] registrou-se a dificuldade de situações de maus-tratos por parte de alguns poucas atividades para os adolescentes; a gestão é pouco democrática; é preciso
monitores que não têm o devido preparo para lidar com a garantia de direitos" maior capacitação para os orientadores; a estrutura física é deficiente" (GF CRP
(RE CRP 10). 03).
Existência de um Conselho Disciplinar na Unidade, formado por "A superlotação é hoje a principal dificuldade enfrentada na unidade. O espa-
psicólogo, assistente social e monitor, mas que não vem funcionando, ço tem suporte para atender 48 (quarenta e oito) adolescentes e hoje o número
pois as medidas disciplinares são definidas pelo setor disciplinar, ou total de adolescentes na unidade é de 127. Existem na unidade 04 (quatro) alas
seja, por pessoas que estão lá apenas para “vigiar e punir” (RE CRP 15). de internação e 19 (dezenove) quartos-cela com capacidade para 03 (três) ado-
A dificuldade de conciliar o caráter socioeducativo com a dimen- lescentes, sendo que a realidade atual é de 10 (dez) adolescentes em cada cela"
são da segurança. Visto que nesses espaços ainda permeia a visão da (GF CRP 10).
punição, do cumprimento da privação de liberdade desse adolescente
que cometeu um ato infracional. Essa realidade dificulta o cumprimen- Estrutura física em condições precárias, com dificuldades de atu-
to do Estatuto da Criança e do Adolescente que privilegia medidas so- ação profissional; não há local adequado para atendimento ou para ha-
cioeducativas. Afirmaram que mediar esse conflito é um grande desafio bitação do adolescente. O prédio mantém uma estrutura velha, com
(RE CRP 16). vários problemas quanto a goteiras, rachaduras, má ventilação, falta de
A capacitação não contempla a realidade do Estado (RE CRP 06). higiene, presença de ratos e insetos e não há colchões suficientes para
As incoerências entre o que é preconizado e o que realmente dormir (GF CRP 16).
acontece no dia a dia são apontadas na descrição de fatos e na ava- Os problemas referidos pelos(as) psicólogos(as) em relação à vio-
lação dos direitos dos(as) adolescentes apontam para a distância exis-
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tente entre a concepção dos direitos do homem e sua exequibilidade. "As condições de trabalho não respeitam a dignidade e o direito do adolescente
Nessa linha, Bobbio (2004) ressalta: fixado pelo ECA; péssimas condições para o exercício profissional. Não há sala
“Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, in- para o atendimento psicológico, o espaço é improvisado, inadequado. Os ado-
dependentemente do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento lescentes ficam alojados em blocos; são 80 adolescentes divididos em 4 blocos
absoluto; quando se trata de passar à ação, ainda que o fundamento seja incom capacidade para 20 meninos "(GF CRP 16).
questionável, começam as reservas e as oposições” (BOBBIO, 2004, p. 43).
"É uma área difícil, com muitos problemas, mas se queixam que a imprensa só
Desse modo, por diversas vezes os(as) psicólogos(as) se referiram mostra quando há rebelião e problemas, mas não mostram o trabalho que é
a uma “mentalidade carcerária”, apontando que as mudanças aconte- realizado lá dentro, como atendimentos em grupo de adolescentes, oficinas,
ceram somente no plano das proposições e diretrizes das políticas pú- participação na coordenação psicopedagógica, apoio aos jovens sem amparo
blicas, mas no plano prático do dia a dia nas instituições as concepções familiar, acompanhamento dos egressos do sistema. Sentem a necessidade de
que regem as ações dirigidas aos adolescentes permanecem sem gran- um treinamento introdutório que aborde as políticas públicas para o setor e de
des alterações, como discutido nos grupos:
uma discussão ampla da concepção de delito e relações de causalidade, assim
"Nas audiências não há a observação das necessidades do adolescente, há des-
como a divulgação de trabalhos com o tema “psicologia e medidas socioeduca-
caso com a sua situação. O adolescente não é informado da sua situação ao ser
tivas” e de uma bibliografia básica no site dos CRPs" (RE CRP 01).
preso" (RE CRP 01).
Alguns(mas) profissionais avaliaram as ações de políticas públicas
"É uma unidade de cumprimento de medidas socioeducativas em que se encon- no referido campo:
tram adolescentes dos dois sexos e está subdividida em duas unidades – Inter- "Apesar dos avanços já conquistados nos últimos anos, os psicólogos conside-
nação Provisória e Sentenciados. No setor de sentenciados existem em média ram que a política de execução das medidas de privação de liberdade está ainda
60 adolescentes divididos em alojamentos. A estrutura física é de presídio, com muito aquém do que poderia significar uma oportunidade concreta de o ado-
alguns ambientes insalubres" (GF CRP 03). lescente mudar a sua vida para melhor "(RE CRP 03).
“Olha gente, eu mesma me sinto muitas vezes despreparada para lidar com os ""O projeto pedagógico socioeducativo existe, no entanto nunca saiu do papel.
artigos do ECA. ‘Ah, mas isso aqui é lei, como é que não é feito? Não é feito, e É preciso melhorar o atendimento do Estado enquanto gestor das políticas pú-
daí?’ Com isso a gente se depara muito; eu me vejo muitas vezes identificada blicas – atendimento judiciário. É necessário e urgente reformular, desconstruir
com o adolescente, por isso eu fico brava com a monitoria, embora eu tenha que construindo (RE CRP 09-TO").
entender que eles também estão sofrendo, mas eu acho que a gente tem uma
Os psicólogos consideraram que a Medida Socioeducativa em
tendência, enquanto técnicos, de se identificar com os adolescentes como forma
Unidades de Internação, da forma como ela é proposta (inclusive no do-
até de protegê-los daquela agressividade... Não sei se vocês também... Porque a
cumento do Sinase), é extremamente interessante. No entanto, a forma
gente se identifica assim no momento em que precisa cuidar deles; tu precisas
como ela é efetivada em alguns Centros tem sido uma política pública
que eles tenham um cuidado, eles chegam lá muito descuidados“ (GF CRP 07).
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pouco eficaz. Como relataram, a realidade é bem diferente da teoria rarquia. As discussões de caso, anteriormente realizadas entre técnicos
(GF CRP 04). do Judiciário e das unidades de internação, eram produtivas, mas foram
De forma semelhante, Vicentin (2005), ao analisar as rebeliões interrompidas há 2 anos. A representante da VIJ presente na reunião
ocorridas na antiga Febem, aponta medidas repressoras e violações respondeu, falando das dificuldades dentro da própria Vara. Só existe
dos direitos que são denunciadas nas vozes dos(as) jovens internos(as) uma Vara da Infância no DF, com 15 mil processos, e somente uma psi-
entrevistados(as) pela pesquisadora. Como é também indicado pelos(as) cóloga para lidar com todas as medidas socioeducativas, dificultando
psicólogos(as) neste estudo: a aplicação e execução de medidas e seu efeito pedagógico. Acabam
"Não existe política pública na prática, cada unidade desenvolve determinadas dando ênfase às medidas em meio aberto, porque as de internação es-
ações. As ações de modo geral não se dão na esfera socioeducativa, as ações são tavam passando por uma reformulação (RE CRP 01-DF).
repressoras. Descontinuidade dos planos"(RE CRP 06).
"[...] verificou-se que existem Unidades de Internação que funcionam pratica-

mente de forma semelhante a uma “cadeia” para adolescentes, atuando de for-
ma repressiva (GF CRP 04)".
“[...] porque eu acho que são situações em que muitas vezes tu lês a teoria sobre o
adolescente, tu lês sobre as instituições, tu trabalhas o ECA, mas o teu cotidiano,
tu é que estás formando ele..." (GF CRP 07).
As avaliações do grupo do Pará/Amapá e do Distrito Federal inclu-
íram as ações do(a) psicólogo(a) relacionadas às políticas públicas no
campo das Medidas Socioeducativas:
"Devido à pouca quantidade de adolescentes 14 (quatorze), somado à propos-
ta da instituição, pautada na metodologia do Sinase, observamos que neste
espaço o exercício profissional é valorizado, haja vista que a interação entre o
adolescente e a equipe técnica é favorecida pelo ambiente facilitador do espa-
ço institucional. Devido à boa qualidade da estrutura física, o índice de violência
nesta unidade é baixo, a proposta pedagógica é efetivada de forma satisfatória,
sendo pautada nas diretrizes do Sinase" (GF CRP 10).
Muitos colocaram a dificuldade de comunicação com a Vara da
Infância e Juventude – VIJ, seja pela burocracia, pelas falhas de comuni-
cação, pela falta de um espaço de interlocução, seja pela rigidez da hie-
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Considerações Finais possam efetivamente contribuir para a resolução do problema.
Nos relatos da pesquisa uma das questões que apareceu de di-
ferentes modos foi o movimento dos(as) profissionais de busca por
referenciais identitários que pudessem estabelecer parâmetros para
a atuação tanto com os(as) jovens, como com os outros membros da
Ficou evidente, nas respostas dos(as) participantes da pesquisa, equipe e com eles(as) mesmos. Fica muito evidente o incômodo que
que a maioria deles(as) encontra no cotidiano do trabalho desafios que alguns(mas) profissionais sentem ao realizar tarefas que idealmente es-
as abordagens teóricas e técnicas que eles(as) conhecem não são sufi- tão fora do escopo de suas ações e que eles(as) consideram “desvio de
cientes para orientá-los(las). De modo geral, as práticas que aparece- função”. Parece-nos que a complexidade do campo e a multiplicidade
ram nos discursos estão dirigidas para o indivíduo e parecem pautadas de fatores envolvidos no processo que leva o(a) jovem a cumprir Medi-
em um modelo em que o atendimento individual é o principal recurso da Socioeducativa em Unidades de Internação causam nos(as) profis-
técnico. sionais da Psicologia certa desterritorialização e estes não sabem quais
Porém, em outros momentos da pesquisa, há um claro reconhe- “ferramentas” usar para lidar com essa complexidade
cimento por parte dos(as) profissionais que o sistema criminaliza ape- É interessante observar que os instrumentos da pesquisa – ques-
nas o(a) jovem e não leva em conta as condições históricas, sociais e tionário, Grupos Fechados e Reuniões Específicas – pareceram funcio-
econômicas que transpassam a história de vida desses(as) jovens e que nar como um canal de comunicação entre os(as) profissionais que estão
pautam as identidades provisórias que eles(as) constroem nos diferen- atuando neste campo e os Conselhos Regional e Federal de Psicologia.
tes momentos de sua vida. Assim, os(as) profissionais que participaram Muitos aproveitaram para expressar suas necessidades e ideias sobre
da pesquisa questionaram por que muitas vezes neste campo, apesar como os Conselhos poderiam efetivamente contribuir para a atuação
do avanço das políticas públicas, as práticas continuam atadas às técni- dos(as) profissionais neste campo. As principais demandas que apare-
cas individualizantes e a projetos terapêuticos que não incluem as reais ceram são relativas à criação de espaços de interlocução e fóruns de
possibilidades desses(as) jovens. Alguns se referem à falta de formação discussão, que possibilitariam a reflexão e a troca de experiências com
para atuar neste campo e afirmam que as teorias e técnicas aprendidas outros(as) profissionais que atuam neste campo – seria um espaço ho-
na graduação muitas vezes enquadram e engessam as ações do profis- rizontal de aprendizagem. Há também demandas para que o CFP faça
sional da Psicologia. uma espécie de parceria com o Judiciário, para garantir que as institui-
O trabalho em campos complexos, como o das medidas socioedu- ções tenham o número de profissionais necessário para o seu funcio-
cativas em unidades de internação, exige dos(as) profissionais a com- namento, bem como para que sejam pagos salários justos para os que
preensão das relações presentes neste campo e releituras das teorias atuam neste campo.
e das técnicas, de modo que possibilitem a criação de estratégias que
42
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43
Pesquisadores(as) Responsáveis pelo
Texto
Jacqueline Isaac Machado Brigagão – Doutora em Psicologia pelo

Instituto de Psicologia da USP. Docente da Escola de Artes Ciências e Hu-
manidades da Universidade de São Paulo. Pesquisadora colaboradora do
Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Ge-
túlio Vargas.
Peter Kevin Spink – Doutor em Psicologia Organizacional pelo Birk-
beck College, Inglaterra. Coordenador do Centro de Estudos em Adminis-
tração Pública e Governo da Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getúlio Vargas.
Sérgio Seiji Aragaki – Doutor em Psicologia Social pela PUC/SP. Do-
cente da Universidade Federal de Tocantins.
Tatiana Alves Cordaro Bichara – Mestre em Psicologia Social pela
PUC/SP. Docente da Universidade Estadual de Londrina.
Vanda Lúcia Vitoriano do Nascimento – Doutora em Psicologia So-
cial pela PUC/SP. Docente do Centro Universitário Capital-UNICAPITAL/SP.
Pesquisadora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da
Fundação Getúlio Vargas.
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Prática psicólogos medidas socioeducativas

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