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Feira de Santana
Universidade Estadual de Feira de Santana
2017

2
www.uefs.br

© 2017 Universidade Estadual de Feira de Santana

Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Todos os direitos desta edição reservados aos autores-organizadores.
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prévia autorização dos autores.

Universidade Estadual de Feira de Santana

Avenida Transnordestina, s. n., Novo Horizonte, CEP.: 44.036-900, Feira de Santana,


Bahia.

Tel.: +55 (75) 3161-8000

Conselho editorial: Corina Teresa Costa Rosa Santos, Diego Ferreira Pimentel e
Rômulo Ruan Santos da Silva.

Capa: Rômulo Ruan Santos da Silva.

Disponível também em: <http://www.uefs.br>. (Periódicos > Livros eletrônicos).

Ficha Catalográfica - Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS

D635
Direito do consumidor aplicado ao direito à saúde : análise de julgados / Corina Teresa
Costa Rosa Santos, Diego Ferreira Pimentel, Rômulo Ruan Santos da Silva,
organizadores. – Feira de Santana : Universidade Estadual de Feira de Santana,
2017.
224 p.

Ebook
ISBN: 978-85-7395-274-2

1. Direito do consumidor. 2. Direito à saúde. 3. Análise de julgados. I. Santos,


Corina Teresa Costa Rosa, org. II. Pimentel, Diego Ferreira, org. III. Silva, Rômulo
Ruan Santos da, org. IV. Titulo.
CDU: 347.451.031:614

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Organizadores

Corina Teresa Costa Rosa Santos


Diego Ferreira Pimentel
Rômulo Ruan Santos da Silva

Autores

Antônio Carlos Lima de Jesus Katiana Silva Sampaio Santos


Bruna Letícia Santos Mercês Laíze Oliveira Costa
Bruna Portugal Silva de Oliveira Lidiane Bitencourt da Silva
Carine Carvalho Figueredo Lucas Viana da Silva
Daniela Trindade Borges Luciete Duarte Araújo
Eliabe Ribeiro Vidal Luiz Sérgio Carneiro Moreira
Evelyn Bahia Lima Marcos Freitas Ribeiro
Fernanda Meirelles Martins Mirna Graziela Carvalho Pereira
Hianca Santos Silva Nílton de Oliveira Almeida Júnior
Ingrid Nascimento Freitas Rômulo Ruan Santos da Silva
Isa Malena Ormond de Miranda Samyr de Oliveira Galindo
Jean Marks Almeida Rios Scheila Santos Borges
Jobervan Rios Evangelista Filho Vanessa de Brito Vaz
Júlia Dória Rodrigues Victória Andrade Vieira

4
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO | 6

1. A REALIZABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE ATRAVÉS DO CÓDIGO DE DEFESA DO


CONSUMIDOR: Uma análise dos planos de saúde ............................................................................. 11
Rômulo Ruan Santos da Silva e Victória Andrade Vieira

2. A HIPERVULNERABILIDADE DA GESTANTE NOS SERVIÇOS PRESTADOS PELOS


OPERADORES DOS PLANOS DE SAÚDE ...................................................................................... 24
Bruna Letícia Santos Mercês e Fernanda Meirelles Martins

3. O DIREITO À SAUDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA ........................................................... 47


Bruna Portugal Silva de Oliveira

4. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: as relações estabelecidas pelos contratos de planos de


saúde à luz do direito do consumidor.................................................................................................... 72
Carine Carvalho Figueredo e Lucas Viana da Silva

5. UMA ANÁLISE DOS PLANOS DE SAÚDE ATRAVÉS DA GARANTIA CONSTITUCIONAL


DO DIREITO À SAÚDE SOB A ÉGIDE DO DIREITO DO CONSUMIDOR .................................. 82
Daniela Trindade Borges, Evelyn Bahia Lima e Marcos Freitas Ribeiro

6. A RELAÇÃO HOSPITAL-PACIENTE SOB A ÓTICA DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA


NAS RELAÇÕES DE CONSUMO...................................................................................................... 95
Eliabe Ribeiro Vidal e Hianca Santos Silva

7. OS PLANOS DE SAÚDE E A MATERIALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO FAMILIAR:


DIALOGANDO A PROTEÇÃO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA................................................... 107
Ingrid Nascimento Freitas e Isa Malena Ormond de Miranda

8. PLANOS DE SAÚDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA: uma breve incursão sobre a


jurisprudência nacional ....................................................................................................................... 122
Jean Marks Almeida Rios, Jobervan Rios Evangelista Filho e Júlia Dória Rodrigues

9. A LEI DO ACOMPANHANTE PARA OS CONSUMIDORES DE PLANO DE SAÚDE .......... 141


Katiana Silva Sampaio Santos e Vanessa de Brito Vaz

10. SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL: A aplicabilidade do Código de Defesa do


Consumidor na proteção do Direito à Saúde ...................................................................................... 151
Laíze Oliveira Costa

11. A ATUAÇÃO DO ESTADO E DE ENTES DE DIREITO PRIVADO COMO FORNECEDORES


NO DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR.................................................................................................................................. 173
Lidiane Bitencourt da Silva e Samyr de Oliveira Galindo

12. ALCOOLISMO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA SOB A PERSPECTIVA


CONSUMERISTA ............................................................................................................................. 188
Luciete Duarte Araújo e Scheila Santos Borges

13. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE – UMA DICOTOMIA ENTRE O MAIOR CONHECIMENTO


DE SEUS DIREITOS E O DESSERVIÇO DAS PRESTADORAS .................................................. 200
Luiz Sérgio Carneiro Moreira e Nílton Oliveira Almeida Júnior

14. APLICABILIDADE DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO DIREITO À SAÚDE .................. 212


Antônio Carlos Lima de Jesus

5
APRESENTAÇÃO

Cidadania é um conceito que vai se transformando, no tempo e espaço, de


acordo a história de cada povo e país, marcado pelas lutas sociais, sempre daqueles que
estão em condições indignas e desumanas, explorados pelas classes mais abastadas,
independentemente do regime econômico, político e jurídico.

No século XVIII foi quando floresceu a ideia de felicidade para a coletividade,


e, com isso, a possibilidade de que todos alcançassem a condição de ter educação, além da
fabricação de bens e alimentos, impulsionada pela revolução industrial, quando o homem
cria instrumentos capazes de produção em massa. Também nesse século surge o conceito
do direito natural: todos nascem em condições iguais. Uma profunda mudança no mundo
de privilégios da aristocracia.

Na revolução industrial e com o avanço do capitalismo começam novas formas


de luta. As relações de trabalho são degradantes, os mais vulneráveis – os trabalhadores –
passam a buscar novos direitos; como o do trabalho com salário digno, moradia, educação
e saúde. É uma luta na própria sociedade, para que tais direitos sejam reverberados para
todo o povo, sem distinção de raça, gênero e classe social. São os direitos sociais.

No século XX, após a segunda guerra mundial, surge Declaração Universal dos
Direitos Humanos, que garante o direito à vida, liberdade, aos direitos civis, à educação, à
saúde, à moradia, ao lazer e ao trabalho.

No Brasil as lutas sociais percorreram mais de três décadas, até que os direitos
humanos em sua completude fossem, finalmente, fazer parte do contrato social.

O direito à saúde que foi consagrado na Constituição Federal é universal e


gratuito, resultado de uma luta reformista pela democratização da saúde. Historicamente
há uma tensão que permeia os sistemas de seguridade social, que confronta duas lógicas:

 uma privada, vinculada à lógica do seguro, individual/ocupacional, que depende de


contribuições prévias;
 outra pública, cuja cobertura é universal e decorre do reconhecimento do estatuto
de cidadania.

6
Na década de 20 começam a ser desenvolvidas ações de proteção social, mas
que não constituíram um sistema de seguridade social. Nos anos 30 e 40, o chamado
sistema de proteção social apresenta elevado nível de fragmentação, fortes traços de
seletividade das demandas sociais e uma atuação cada vez mais focalizada no atendimento
aos mais pobres.

Entre as décadas 1970-1985 – início da luta pela democratização – movimentos


sociais somam-se a experiências no seio de prefeituras oposicionistas. O resgate da dívida
social passa a ser tema central da agenda. Intensifica-se a demanda pela construção de uma
nova ordem institucional democrática – assembleia nacional constituinte –, e em 1988 a
Constituição Federal é promulgada, representando uma profunda transformação no padrão
de proteção social brasileiro – conformação do estado democrático de direito

Portanto, a Constituição de 1988, em seu art. 198, consagrou o direito à saúde,


quando criou o Sistema Único de Saúde (SUS) e instaurou legalmente a obrigatoriedade
da descentralização dos recursos e da gestão. Além desses dispositivos constitucionais, a
Lei 8.142/90 que regulamentou a criação dos Conselhos Estaduais de Saúde e os Conselho
Nacional de Saúde, tendo como gestão a forma colegiada, e a composição paritária entre
os órgãos de governo e representantes da sociedade civil.

O art. 1º da Lei 8.142/90 determina que: “contará, em cada esfera, de governo,


sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I -
a Conferência de saúde; e II - O Conselho de Saúde”. O § 2º do art. 2º, define que o
Conselho de Saúde é “o órgão colegiado composto por representantes do governo,
prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, com caráter permanente e
deliberativo e atua na formulação de estratégia e no controle da política de saúde na
instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros cujas decisões
serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de
governo.”

CONSTITUIÇÃO FEDERAL (art.196) normatiza:

Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas


sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros
agravos e ao acesso universal e igualitário à ação e serviço para sua
promoção, proteção e recuperação.

A história do SUS (Sistema Único da Saúde):


7
1980: 7° Conferência Nacional de Saúde:

Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-Saúde). Pela grave


crise fiscal que o pais vive naquela época, cria-se órgãos para administrar melhor os poucos
recursos. O PREV-Saúde, por falta de apoio político, não é implementado.

1983: Ações Integradas de Saúde (AIS):

AIS - Discussão entre reformistas com os setores do INAMPS tentando


solucionar a crise previdenciária. Executadas pelos MS-INAMPS-Secretarias Estaduais.

1986: 8° Conferência Nacional de Saúde:

[...] saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação,


educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego,
lazer, liberdade, acesso e posse da terra e o acesso a serviços de
saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de
organização social da produção, as quais podem gerar grandes
desigualdades nos níveis.

A “Lei Orgânica da Saúde” é formada pelas Leis 8.080 e 8.142, que regulam:

Lei 8.080: A organização e a gestão; As competências e atribuições das três esferas de


governo; funcionamento e participação complementar do setor privado; Política de
recursos humanos; Recursos financeiros, planejamento e orçamentos e, em seu art. 4º,
define o Sistema Único da Saúde:

O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições


públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público.
Lei 8.142: Define a participação social, transferências intergovernamentais de recursos de
financiamento.

Aos poderes Executivos dos entes federados coube a construção de políticas


pública, gestão e controle do direito à saúde, do Sistema Único de Saúde (SUS), portanto
de atuar na ponta, a prestação dos serviços à sociedade.

Podemos analisar que hoje a saúde está enferma, é incapaz de atender com
eficiência e eficácia à população mais vulnerável. A gestão do SUS em quaisquer dos
Estados e municípios é ineficiente, para não dizer inexistente. Na verdade, não é o sistema

8
SUS, pois é um conceito de prestação saúde pública, avançado inteiramente democrático e
justo, mas, sim a gestão do sistema.

A iniciativa privada passou ser uma alternativa para a faixa econômica que
pode custear um plano de saúde. Cresceu, exponencialmente, em paralelo ao público, um
sistema de saúde privado, com inúmeros planos de saúde, clínicas, hospitais e laboratórios
com preços variados. Mas, isto não significa que o sistema é eficiente e eficaz, ao contrário
na maioria das vezes os usuários não são atendidos nas suas demandas.

Então, no Brasil hoje temos um sistema privado e público complexo e


ineficiente, no cumprimento do Direito à Saúde para o povo, seja na faixa social com
recursos financeiros ou não, são os mais vulneráveis que mais sofrem para terem mínimo
de atendimento para suas necessidades básicas.

Na esteira desta realidade, os cidadãos estão buscando cada vez mais o


Judiciário em busca de justiça, de fazer cumprir o que dispõe a Constituição: a obrigação
do Estado e das Empresas em disponibilizar os instrumentos para a realização da saúde em
sua plenitude.

Portanto, o livro em voga pretende analisar as decisões dos tribunais sobre


reivindicações da sociedade para cumprimento do direito à saúde, especialmente da
iniciativa privada, no Judiciário.

Ao mesmo tempo que apresenta a busca deste direito social – o direito à saúde
–, demonstra que a eficácia nos processos no Judiciário, tiveram como causa serem
baseados no Direito do Consumidor.

O Direito do Consumidor é um ramo do direito relativamente novo no Brasil,


e que foi consagrado, também, na Constituição Federal de 1988. Em 1990 foi promulgado
o Código da Defesa do Consumidor, um ramo que veio recheado de avanços significativos
na interpretação, na proteção e abrangência no direito. É verdade que o direito do
consumidor é um direito que nasce no bojo do capitalismo, sistema econômico que
incentiva o consumo de forma brutal, mas é exatamente por esta questão que é o direito
que protege o consumidor, é um avanço, e mais, a Constituição de 1988 o elevou ao
patamar dos direitos fundamentais.

Finalmente, o livro é o resultado da última avaliação solicitada por mim das


disciplinas Direito à Saúde e Direito do Consumidor as quais eu ministrei (em 2016.1),
9
cujo teor foi a elaboração de artigos sobre decisões dos tribunais em que os processos
judiciais se baseassem no Direito do Consumidor para alcançar e obter Acesso à Saúde.
Gostaria de enfatizar a todos os meus alunos como estou orgulhosa e muito emocionada
em constatar o nível elevado acadêmico dos artigos, uma grande vitória para esta
professora.

Corina Teresa Costa Rosa Santos


Mestra em Políticas Sociais e Cidadania (UCSAL)
Professora da Universidade Estadual de Feira de Santana

10
1. A REALIZABILIDADE DO DIREITO À SAÚDE ATRAVÉS DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR: Uma análise dos planos de saúde

Rômulo Ruan Santos da Silva 1


Victória Andrade Vieira 2

1 INTRODUÇÃO

Como ramo do direito, o Direito do Consumidor visa à proteção do sujeito no


amparo às suas relações jurídicas. Fato é que o consumo é parte indissociável do cotidiano
do ser humano, porém, com efeito, a novel sociedade de consumido apresenta a
característica da unilateralidade3 da produção, na qual uma das partes é responsável única
e exclusivamente pelas regras do fornecimento de produtos e serviços à outra parte, que
não participa efetivamente.

Como consequência, essa exposição se estende também ao direito dos que


dependem de atendimento médico, pois muitas vezes o consumidor se depara com riscos
contra a sua vida ou que não são sanados e cuidados como deveriam ser. Portanto, cabe a
este artigo relacionar a atuação do Direito do Consumidor no tocante à manutenção e

1
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
2
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
3
BOLZAN, LENZA, 2013
11
eficácia daquele que é um dos direitos basilares do nosso ordenamento jurídico pátrio: o
Direito à Saúde.

De início, é fundamental análise da saúde sob a ótica da Constituição Federal


de 1988, mediante tratativa do conceito de saúde trazido pela Constituição Federal, e como
sendo este direito fundamental.

Ambos os ramos jurídicos citados buscam proteger o sujeito de direitos,


todavia, em generalidades diferentes: enquanto o Direito do Consumidor visa, em linhas
gerais, proteger o consumidor, em suas relações jurídicas, frente ao fornecedor, (aqui lê-se
fornecedor de produtos ou serviços), o direito à saúde transfere-se do dever do Estado em
garantir ao cidadão uma qualidade digna de vivência, não se restringindo apenas a um
sistema hospitalar eficiente.

Em especial, analisar-se-á a tratativa dos planos de saúde como alternativas ao


mercado de saúde suplementar e seu consequente descumprimento de obrigações às quais
lhe são devidamente devidas, analisando, assim, o desvio de finalidade que alguns planos
e que dão motivo ao ingresso de ações judiciais pelos usuários diante do constrangimento
e da exposição que sofrem.

É importante destacar e esclarecer, portanto, como funciona a imposição de


cláusulas abusivas por parte de operadoras de planos de saúde, como, por exemplo, da
negativa de procedimentos.

O objetivo deste trabalho, pois, é ultrapassar as generalidades que podem ser


elencadas entre os dois Direitos em destaque, relacionando-os na medida das suas garantias
respaldadas em leis e na apreciação da função estatal em garantir um atendimento eficiente
às necessidades da população, dando destaque à atuação judicial no combate a práticas
abusivas de algumas operadoras de planos de saúde.

2 DIREITO À SAÚDE: UM DIREITO FUNDAMENTAL E SOB RESPALDO DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL

É de saber comunitário ser a saúde um direito de todos e dever do Estado, para


tanto a Carta Magna estabelece ser a saúde um direito social fundamental decorrente do

12
princípio da dignidade da pessoa humana. Tal direito foi introduzido no ornamento jurídico
federal em 1988 estando vinculado à ordem social, ao bem-estar e à justiça social. Desta
forma, estabelece a Constituição Federal, nos dizeres do seu art. 6º que:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o


trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (Grifos nossos).

Assim, o art. 196 ratifica:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação. (Grifos nossos).

De todos os direitos sociais, o direito à saúde possui particular importância,


sendo, inclusive, tratado em capítulo próprio - demostrando o cuidado do constituinte à
tutela jurídica diferenciada desse bem universal e indissociável -, visto que está intimidante
atrelado ao direito à vida e à proteção constitucional à dignidade da pessoa humana.

Essa tratativa dada pelo Estado obriga-o a prestar de forma eficiente e positiva
as diretrizes dadas à formulação de políticas públicas sociais e econômicas destinadas à
promoção, à proteção e à recuperação da saúde. Para tanto, ao Estado caberá não somente
efetivar o acesso da população ao tratamento médico com qualidade, como também prestar
melhoria na qualidade de vida populacional.

Todavia, embora a normas do art. 196 da Constituição Federal não especifique


o conceito de saúde e não delimite o objeto desse direito fundamental, o conceito moderno
de saúde passou por uma evolução significativa ao longo dos anos. Em 1948, a OMS
estabeleceu a definição de saúde como "um estágio de bem-estar físico, mental e social e
não só a ausência de doenças ou enfermidades"4. Portanto, não cabe à Lei restringir a
extensão desse direito fundamental, devendo agir em conformidade com o atual conceito
de saúde, que supera o significado estrito de ausência de doença, e abrange a garantia do
completo bem-estar físico, mental e social do indivíduo, conforme bem elucida Machteld
Huber:

4
BRODY, 2015.
13
A antiga definição minimiza o papel da capacidade humana em lidar com
desafios físicos, emocionais e sociais da vida de maneira autônoma e não
reconhece que as pessoas são capazes de viver com uma sensação de
bem-estar e realização mesmo quando sofrem de uma condição crônica
ou deficiência.

2.1 Código de Defesa do Consumidor

Diante da ineficiência da intervenção estatal sobre as relações de consumo, já


na década de 70 surge a necessidade de criação da uma lei capaz de elevar as manifestações
do Conselho de Defesa do Consumidor capitaneado por uma comissão de juristas da época.

O conjunto sistemático de normas jurídicas que visa a defender um grupo


específico, os consumidores, é considerado uma lei de função social norteada por princípios
e fundamentos edificados na relação jurídica de consumo entre aqueles que são produtores,
fabricantes, intermediários e adquirentes - sendo pessoa física ou jurídica - e que se servem
dos bens ou serviços, de modo a garantir proteção necessária ao mais vulnerável.

Segundo Rizzatto Nunes, em sua obra “O Código de Defesa do Consumidor e


os planos de saúde: o que importa saber”:

A lei 8.078/90 que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor


ingressou no sistema jurídico de forma horizontal, atingindo toda e
qualquer relação jurídica na qual se possa identificar num pólo o
consumidor e em outro o fornecedor transacionando serviços.” (Grifos
nossos).

Assim, tal tratativa significa que o CDC deverá atingir indiscriminadamente


qualquer relação jurídica respalda pela presença de dois polos: o fornecedor e o
consumidor. Além disso, essa cobertura será feita mediante a concretização do CDC como
função social, caracterizando-se pela imposição de noções valorativas, a fim de orientar a
sociedade, positivando uma série de direitos assegurados ao grupo tutelado e impondo
deveres aos restantes.

2.1.1 Direito do consumidor como um direito fundamental

Primeiramente, a par de entender a atividade que o ordenamento constitucional


exerce sobre os demais ramos jurídicos para tutela dos direitos fundamentais, importante
ressaltar a existência de hierarquia no tocante as normas jurídicas brasileiras. As normas
constitucionais são hierarquicamente superiores em relação às demais leis e atos. Desta
forma, nenhuma lei ou ato administrativo poderá contrariar uma norma constitucional.
14
Segundo entendimento de Claudia Lima Marques, no tocante à disciplina
tutelar das relações de consumo, o Direito do Consumidor pode ser introduzido mediante
origem constitucional ou Introdução Sistemática, através do sistema de valores (e direitos
fundamentais) que a Constituição Federal de 1988 impôs no Brasil5.

Isso significa que, assim como o direito à saúde, a promoção da defesa do


vulnerável nas relações de consumo deve ser vista como sendo um direito fundamental,
passando a ser dever do Estado e respaldado no princípio da pessoa dignidade humana.

Ademais, é importante ressaltar a abordagem do direito do consumidor, como


direito fundamental, no tocante à presença da força normativa da Constituição, dando
prioridade e primazia aos critérios que densifiquem suas normas. Nesse sentido, salienta-
se que nenhuma lei ou nenhum decreto será precipuamente capaz de alterar os dizeres
constitucionais acerca da proteção do indivíduo consumidor.

Outro ponto que não pode ser afastado em relação ao direito do consumidor
como direito fundamental é a interpretação do direito privado com base no princípio da
dignidade da pessoa humana, considerando, desde logo, o consumidor como a parte
vulnerável na relação de consumo. O tema passa a ser abordado tendo em vista as
necessidades dos consumidores e o respeito à sua dignidade, saúde, segurança, interesses
econômicos, bem como a melhoria da sua qualidade de vida (GRINOVER, 2009) 6.

Assim, ainda segundo doutrinadora Cláudia Lima Marques:

[...] certos estão aqueles que consideram a Constituição Federal de 1988


como o centro irradiador e o marco de reconstrução de um direito privado
brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis de nossa
sociedade, um direito privado solidário. Em outras palavras, a
Constituição seria a garantia (de existência e de proibição de retrocesso)
e o limite (limite-guia e limite-função) de um direito privado construído
sob seu sistema de valores e incluindo a defesa do consumidor como
princípio geral.

Logo, o amparo constitucional que possui o Direito do Consumidor traz uma


conotação imperativa no mandamento de ser do Estado a responsabilidade de promover a
defesa do vulnerável da relação jurídica de consumo.

2.2 Relações de consumo

5
BOLZAN. LENZA, 2013
6
FILHO, 2015.
15
Em linhas gerais, relação de consumo pode ser definida como o vínculo que o
une o fornecedor e o consumidor. Porém, ao mesmo tempo pode ser entendida sob o âmbito
da complexidade, sendo analisada através das diversas perspectivas da pluralidade de
direitos, deveres, poderes, ônus e faculdades que nela entrelaçam.

Ademais, a relação de consumo será sempre entendida como uma relação


obrigacional complexa, no qual podem incidir três categorias de deveres: primários,
secundários e laterais ou anexos. Os primários caracterizam a obrigação, os secundários
são prestações que estão diretamente ligadas com a obrigação e os anexos, correspondem
a deveres de conduta, obrigações que se traduzem em deveres de cooperação com a
contraparte.7

2.3 Planos de saúde sob submissão legal

Apesar de ser menos tangente ao conhecimento geral, o Código de Defesa do


Consumidor também traz garantias no tocante à proteção da saúde daqueles que estão sob
sua proteção. Importante ressaltar que tais garantias não se limitam aos produtos ou
serviços adquiridos no mercado e ponto. Elas se estendem aos serviços que não foram ainda
prestados, mas que possuem a expectativa de serem, caso surja necessidade, é o caso, por
exemplo, dos Planos de Saúde.

Como titular de direitos previstos no CDC, o usuário de planos de saúde


também se encontra exposto às prerrogativas e aos contratos impostos pela outra parte. A
agregação entre a legislação específica da saúde suplementar e os direitos previstos no
CDC garante tangência entre as normas protetivas do consumidor. Assim, a Lei 9656/98,
específica para os planos de saúde, indica no art. 35-G que se aplicam subsidiariamente aos
contratos entre usuários e operadores de planos privados de saúde as disposições do Código
de Defesa do Consumidor.

Assim, a regulamentação da saúde não fica restrita apenas a um ordenamento


específico, mas encontra-se fortalecida diante da interseção entre diversos ramos. Desta
forma, o mercado de saúde suplementar depende da implementação entre o poder público,
operadores de mercado, médicos, prestadores de serviços e consumidores, conforme assim
indica o art. 197 da CF/88:

7
BIONDI, 2009.
16
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo
ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.

Assim, a Constituição Federal considera a regulamentação, a fiscalização e o


controle das ações e serviços de saúde como de relevância pública. Sendo legítima a oferta
de planos privados de assistência à saúde por parte das operadoras do ramo, esta
comercialização deverá ser podada pela submissão à disciplina do Poder Público.

Em síntese, os planos de saúde são regulados pela Constituição Federal, que


assegura o direito à saúde como um direito fundamental, pela Lei nº 9.656/98, por medidas
provisórias, pelo Conselho de Saúde Suplementar – CONSU, órgão criado pela nova
legislação, e pelo Código de Defesa do Consumidor.

Todo cuidado é útil para evitar que os planos de saúde desviem da sua
finalidade de prestar assistência médica aos seus usuários e faltem com respeito ao
princípio da dignidade da pessoa humana. Importa-se podar a interesse exclusivo de
algumas operadoras em obter somente o lucro proveniente da contração dos serviços, ao
passo em que aumentam o número de cláusulas abusivas aos seus consumidores.

3 DA APLICABILIDADE DO DIREITO DO CONSUMIDOR AOS PLANOS DE


SAÚDE

O ponto principal deste artigo, é discutir a aplicabilidade do direito do


consumidor ao direito à saúde. Logo, é essencial que inauguremos este capítulo com a
citação da súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Súmula 469 STJ.

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de


saúde.8

Tal súmula foi publicada em 6 de dezembro de 2010 pela Segunda Seção do


STJ, com base no Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, e a Lei dos Planos de

8
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&data=&livre=%40d
ocn&opAjuda=SIM&tipo_visualizacao=null&thesaurus=null&p=true&operador=e&processo=469&livreM
inistro=&relator=&data_inicial=&data_final=&tipo_data=DTDE&livreOrgaoJulgador=&orgao=&ementa=
&ref=&siglajud=&numero_leg=&tipo1=&numero_art1=&tipo2=&numero_art2=&tipo3=&numero_art3=
&nota=&b=SUMU>. Acesso em 4 de novembro de 2016.
17
Saúde, Lei 9.656/98, tendo como relator do projeto de Súmula, o Ministro Aldir Passarinho
Júnior9.

A Súmula veio para consolidar o entendimento há muito aplicado pelo próprio


STJ, de que, afinal, os Planos de Saúde devem se sujeitar às normas do CDC, sem reservas,
não importando, inclusive, o nome ou a natureza jurídica que adote.10

A Ministra Fátima Nancy Andrighi, no mesmo sentido, afirma, inclusive, que


a natureza do trato sucessivo dos contratos de saúde, leva o CDC a ser aplicado, inclusive,
a planos de saúde que tenham sido contratados antes de tal Súmula.11

Para apoiar esse entendimento, podemos recorrer ao Recurso Especial 1106789


RJ 2008/0285867-3, no qual a Ministra Andrighi afirma:

III. Da cobertura contratual em face de novos procedimentos


médicos. Alegação de violação aos arts. 6º, VI, 39, IV, 47 e 51, IV, §
1º, II e III do CDC.
De início, não se afigura sustentável a afirmação contida no acórdão
recorrido segundo a qual o CDC não seria aplicável à controvérsia (fls.
262), afirmação essa que serviu de antecedente a uma aplicação
incondicional do princípio da equivalência das prestações como
fundamento para a improcedência do pedido.
O contrato versa sobre nítida relação de consumo e foi assinado em
1992, quando já em vigor a Lei nº 8.078/90, de forma que não há qualquer
óbice à utilização de tal diploma como base legal para a análise da
questão.
A partir dessa correção, verifica-se que a sentença, ao contrário,
reconhecera a obrigação da seguradora com base na aplicação de
princípios consumeristas que informaram o conteúdo de cláusula
contratual genérica relativa à autorização para cirurgias
gastroenterológicas, de forma que esta passou a abarcar,
necessariamente, técnicas inexistentes à época da contratação, mas
relativas a doenças cobertas pelo seguro.

(REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe


18/11/2009.) (Grifos nossos).

9
REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES. A segunda seção do STJ aprovou a súmula 469 que
determina a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde. Disponível em: <
http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2492399/a-segunda-secao-do-stj-aprovou-a-sumula-469-que-determina-
a-aplicacao-do-cdc-aos-contratos-de-plano-de-saude>. Acesso em 4 de novembro de 2016.
10
Resp 267.530/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12/3/2001.
11
REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 18/11/2009.
18
Assim, resta inteiramente demonstrada por tal precedente, dentre os muitos que
apoiaram a Súmula 469 STJ, que não há mais espaço para interpretação que não aplique o
Código de Defesa do Consumidor, e a legislação consumerista como um todo, aos contratos
de saúde, especialmente, a qualquer tempo.

Para exemplificar a factualidade de tal conquista para o cidadão brasileiro,


partindo do pressuposto de que a aplicação do CDC é uma conquista, por ser mais benéfico
ao cidadão, reconhecendo sua vulnerabilidade e protegendo-o contra abusos, convidamos-
vos a analisar conosco os aspectos fundamentadores do voto da Ministra Fátima Nanci
Andrighi no Recurso Especial 1106789 RJ 2008/0285867-3.

3.1 Analisando o julgado

O caso trata de uma cidadã fluminense, a quem abreviaremos para R.12,


portadora de obesidade mórbida. Desde 1992 a autora era assinante de plano de saúde junto
a Unimed Rio Cooperativa de Trabalho Médico do Rio De Janeiro LTDA.

Em 2005, já portadora de obesidade mórbida que colocava em sério risco sua


vida, recebeu determinação médica para se submeter a um procedimento nomeado de
“gastroplastia redutora”.13

O plano, obviamente, recusou-se. Inclusive, o Voto dá a entender que a


gastroplastia redutora, foi negado porque o Plano de Saúde alegou ser a cirurgia calcada
em caráter estético, embora houvesse plena comprovação de que a vida da autora estava
em risco, inclusive, flagrantemente contrária à previsão expressa no contrato de “cirurgia
gastroenterológica”.

Incidiu-se antecipação dos efeitos da tutela, realizando-se com sucesso a


cirurgia antes da prolatação da sentença de primeiro grau.

O Plano de Saúde arguiu que a época da contratação, 1992, do plano pela


autora, a cirurgia em questão sequer existia, além da alegação da necessidade de paridade
econômica das prestações conforme avençado.

12
As informações sobre o caso são públicas, bem como o nome das partes, disponíveis no site: <
http://www.stj.jus.br/>.
13
Popularmente conhecida como cirurgia para redução de estômago.
19
A sentença de primeiro de grau, além de condenar a ré ao pagamento de todas
as despesas com o tratamento, condenou-lhe adicionalmente, em R$ 10.000,00 decorrentes
de danos morais.

O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foi desfavorável


à autora.

Ao subir ao STJ, de início, a Ministra Andrighi classificou o Recurso Especial


em discussão, como irresignação quanto ao mérito, passando a consolidar a aplicabilidade
do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, no caso em comento.

A primeira pontuação que a Ministra Andrighi faz em seu Voto é sobre a


insustentabilidade da alegação de que o CDC não se aplica à controvérsia em comento.

Primeiramente, deixa-se claro que o CDC (Lei 8.078/90) é pretérito à


assinatura do contrato (1992). Em seguida, analisou-se o conteúdo de cláusula contratual
genérica relativaà autorização para cirurgias gastroenterológicas, de forma que esta passou
aabarcar, necessariamente, técnicas inexistentes à época da contratação, mas relativas a
doenças cobertas pelo seguro.

O ponto central da discussão, superado, por sinal, é que a doença era


genericamente coberta, ao tempo da contratação, mas o tratamento não existia. O foco do
Voto, pousa, então, em precedentes que nos lembram que o contrato não pode se basear
nos tratamentos, mas nas patologias. Prescrevendo tratamentos, quaisquer que esses sejam,
ou venham a ser, ressalte-se, no tempo da invocação do contrato.

Qualquer cláusula que pouse sua base nos tratamentos para as patologias, ao
invés das patologias independentemente dos tratamentos é flagrantemente abusiva. Tira a
liberdade do médico, o senhor do tratamento, enquanto especialista.

(...) parece-me que a abusividade da cláusula reside exatamente nesse


preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, consumidor do plano de
saúde, ser impedido de receber tratamento com o método mais moderno
do momento em que instalada a doença coberta em razão da cláusula
limitativa.14

14
REsp1106789 RJ 2008/0285867-3, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 18/11/2009.
20
E, lançando o CDC como desentenebrecendor, chega-se à conclusão maior que
qualquer cláusula duvidosa deve sempre ser interpretada em favor do consumidor.

Como alinhavo final, à fina costura que é o reconhecimento de complexo


paramento de direitos, invoca-se, mais uma vez, a Lei 9.656/9815, que prevê expressamente
a cobertura para a cirurgia de redução de estômago.

Assim, a chave para o restabelecimento da sentença foi o reconhecimento de


uma cláusula genérica, controversa e, se interpretada de modo desfavorável à consumidora,
abusiva.

3 CONCLUSÃO

Não restaram dúvidas, de que no momento jurídico pós-CDC, seria impossível


desconhecer a interpretação mais favorável à consumidora e a abusividade do estabelecido
pela ré em relação aos Planos de Saúde.

O momentum jurídico atual, seguindo um caminho em volta, é o da concessão


de direitos, é o de total proteção aos interesses do consumidor, diríamos, não por
necessidade social, mas econômica, já que o sistema prejudicar-se-ia a se próprio se não
criar um sistema de serviços e fornecimentos que dê segurança ao cidadão comum em
empenhar o seu dinheiro. Se o sistema é confiável, as pessoas adquirirão seus produtos e
serviços sem reservas.

No caso da Saúde, nada mais necessita de tanta segurança no dinheiro


investido, pois, o medo universal da morte, é algo sobre o qual o mercado sabe tirar proveito
em forma de lucro de maneira assustadoramente eficiente. E é função do Estado garantir
que o seu nacional não seja explorado nesse processo, a fim, primordialmente, de evitar
que o sistema colapse sobre si mesmo, garantindo, mais importantemente, o funcionamento
perfeito do sistema econômico.

A situação em enfoque, é comparável ao fim da escravidão no mundo,


encorajada pelo governo britânico16, a fim de que houvesse uma expansão massiva da
clientela recém-liberta, capaz de adquirir seus produtos. Não havia como sustentar um

15
Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.
16
NARLOCH, Leandro.
21
sistema no qual muitos produzem e poucos adquirem. Assim, valeu mais a pena para o
capital, pagar salários que depois retornariam em forma de lucro.

O Direito do Consumidor surge para evitar que, na persecução do lucro, o


sistema abuse do seu poderio, advindo do capital acumulado, em desfavor da população.
Mas não nos enganemos, ele está garantindo a sobrevivência do sistema, de igual forma.

E nos fiando no fato de que a saúde agora é um bem que pode ser adquirido,
ou melhor, segurado, devemos nos prender a defesa ferrenha de que o Estado garanta uma
prestação eficiente, pela lei e pela atividade jurisdicional.

A Constituição desta República soube estabelecer o direito à saúde de forma


genérica, mas suficiente para fundamentar um sem-número de decisões favoráveis ao longo
de suas poucas décadas de existência, mas, ousamos afirmar, o Código de Defesa do
Consumidor, vem-nos auxiliar com as practicalities17, ou mais acuradamente, com a
realizabilidade do Direito à Saúde no dia a dia do cidadão brasileiro.

17
Questões pragmáticas, aspectos práticos, viabilidade.
22
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. Editora Saraiva. São
Paulo, 2003.

BIONDI, Felipe Thomaz. Plano de saúde x Direito do consumidor: desvio de finalidade.


Acesso em 04 de novembro de 2016.

BOLZAN, Fabrício. LENZA, Pedro. Direito do Consumidor Esquematizado. Editora


Saraiva. São Paulo, 2013.

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<http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&d
ata=&livre=%40docn&opAjuda=SIM&tipo_visualizacao=null&thesaurus=null&p=true&
operador=e&processo=469&livreMinistro=&relator=&data_inicial=&data_final=&tipo_
data=DTDE&livreOrgaoJulgador=&orgao=&ementa=&ref=&siglajud=&numero_leg=&t
ipo1=&numero_art1=&tipo2=&numero_art2=&tipo3=&numero_art3=&nota=&b=SUM
U>. Acesso em 4 de novembro de 2016.

BRODY, Jane E. Como o conceito de saúde mudou ao longo dos anos. Acesso em 04 de
novembro de 2016.

FILHO, Eujecio Coutrim Lima. A defesa do consumidor como um direito fundamental.


Disponível em https://jus.com.br/artigos/40894/a-defesa-do-consumidor-como-um-
direito-fundamental. Acesso em 04 de novembro de 2016.

NARLOCH, Leandro. Abolição da escravidão: A luz que veio da Inglaterra. Aventuras na


História. Disponível em: <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/abolicao-
escravidao-luz-veio-inglaterra-435570.shtml>. Acesso em 7 de novembro de 2016.

NETO, Gonçalo Ribeiro de Melo Neto. Práticas abusivas nos contratos de plano de saúde
e atuação do Ministério Público. Acesso em 04 de novembro de 2016.

NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora Saraiva. 8ª


Ed. 2015.

___________REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES. A segunda seção do STJ


aprovou a súmula 469 que determina a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde.
Disponível em: < http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2492399/a-segunda-secao-do-stj-
aprovou-a-sumula-469-que-determina-a-aplicacao-do-cdc-aos-contratos-de-plano-de-
saude>. Acesso em 4 de novembro de 2016.

VANNUCCI, Rodolpho. NETO, Geraldo Fonseca de Barros. O Direito do Consumidor de


plano de saúde à informação adequada. Acesso em 04 de novembro de 2016.

23
2. A HIPERVULNERABILIDADE DA GESTANTE NOS SERVIÇOS PRESTADOS
PELOS OPERADORES DOS PLANOS DE SAÚDE

Bruna Letícia Santos Mercês 18


Fernanda Meirelles Martins 19

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federativa da República Brasileira, em 1988,


diversos direitos fundamentais ganharam espaço no ordenamento jurídico brasileiro. No
seu amplo rol de direitos e garantias, a Carta Maior abordou um tema crucial que concretiza
o princípio da universalização dos Direitos Humanos - o direito de defesa ao consumidor -
, previsto no seu art. 5º, XXXII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Diante disso, o presente artigo pretende traçar um panorama específico da


problemática que diz respeito à responsabilização dos fornecedores dos planos de saúde

18
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
19
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
24
nos possíveis danos causados aos consumidores, analisando a relação recíproca existente
entre o direito do consumidor e o direito à saúde. Verificada a vulnerabilidade do
consumidor, o foco do trabalho é dedicado àquelas que possuem a vulnerabilidade ainda
mais acentuada: as gestantes.

Evidenciando a rotina gestacional da mulher, na busca por seu direito básico à


saúde, somada ao limites e precariedade da saúde pública, que acaba por incitar a
contratação dos planos de saúde por uma parcela da população brasileira, surge a
inquietação do porquê, diante de toda clareza trazida no Código de Defesa do Consumidor
e realçada a importância do Direito à Saúde, o sistema de prestação de serviço, público ou
particular, insiste em caminhar precário.

O artigo tem como objetivo geral explanar a importância da relação entre o


Direito do Consumidor e o Direito à saúde, destacando a imprescindibilidade de um vínculo
recíproco. Além disso, apresenta julgados que comprovam a existência da efetiva reparação
dos danos estéticos e morais, observada a falha na prestação dos serviços dos planos saúde,
e reforçam a importante presença de um Código que garante a defesa do pólo vulnerável
dentro do cenário das relações jurídicas.

De forma subsidiária, mas não menos importante, será apresentada a


aplicabilidade da teoria do diálogo das fontes, harmonizando e solucionando o caso
concreto da forma mais completa possível. Destaca-se, ademais, a morosidade do sistema
judiciário quando se faz necessária a proteção legal dos diversos direitos fundamentais
englobados pelo assunto, prejudicando, inclusive, o acesso à justiça do garantido a todo e
qualquer cidadão.

2 DIREITO À SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR

Garantir a saúde é um dever do Estado que encontra respaldo no texto


constitucional, é um direito social fundamental que possui relação intrínseca com o
princípio da dignidade da pessoa humana. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece
que o modelo de saúde adotado no Brasil é um sistema misto, ou seja, apesar de declarar
que a saúde é um direito de todos e que deve ser assegurada pelo do estado, também define
que a iniciativa privada poderá atuar na área da saúde. Ademais, temos como exemplo os
planos de saúde privados que prestam serviços aos seus usuários.
25
O direito à saúde, ainda, não se limita ao funcionamento regular de um sistema
hospitalar. Essa garantia estende seus efeitos aos direitos protegidos pelo Código de Defesa
do Consumidor, que traz em seu art. 6º:

São direitos básicos do consumidor:

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por


práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos
ou nocivos.

O constante progresso da produção, da distribuição, da prestação de serviços,


do consumo e da contratação acabou por colocar o consumidor em uma conjuntura de clara
desvantagem em suas relações frente aos fornecedores. Dessa forma, a partir da presunção
de vulnerabilidade do consumidor, se estabeleceu o direito do consumidor, que,
reconhecendo essa fragilidade nas relações jurídicas, procura proporcionar uma igualdade
material entre as partes, consubstancializando-se, pois, nesta perspectiva, no enfrentamento
pela proteção à vida e à saúde.

Em 1988, foi promulgada a Lei 9.656, que passou a regulamentar o


funcionamento dos planos e seguros de saúde, vez que o Sistema Único de Saúde (SUS)
ofertado pelo Estado não é capaz de atender toda a demanda populacional, impulsionando
a contratação dos serviços privados por parte da população. Como consequência, o Código
de Defesa do Consumidor passou a atuar de forma subsidiária, mas não menos importante,
visto que protege de forma satisfatória os consumidores dos abusos praticados pelas
empresas de saúde, tanto por meio de ações judiciais quanto pela atuação dos Programas
de Proteção de Defesa do Consumidor (PROCON).

Os planos e seguros de saúde restam regulamentados pelas seguintes Leis: O


Código de Defesa do Consumidor (nº 8.078/90), Lei dos Planos de Saúde (nº 9.656/98), a
Resolução Normativa da ANS nº 226 de 2010 e a Lei de criação da ANS, nº 9961/2000,
todos em consonância com a Constituição e as demais letras normativas do ordenamento
jurídico brasileiro. Destaca-se, nesse aspecto, a importância da teoria do diálogo das fontes,
que merece tópico específico, abordado posteriormente.

26
Partindo dessa premissa, é inegável a correlação que pode ser estabelecida entre
o direito à saúde e o direito do consumidor. Nessa perspectiva, o liame existente entre os
planos de saúde privados, por exemplo, e o contratante é notoriamente uma relação de
consumo, já que preenche todos os requisitos presentes do CDC, tanto em seu artigo 2º
quanto no artigo 3º.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PLANOS DE SAÚDE

A responsabilidade civil diz respeito ao múnus de compensar ou ressarcir o


dano que uma pessoa ocasiona a outra. Tal teoria, dessa forma, busca definir e estabelecer
em quais circunstâncias um indivíduo pode ser considerado responsável pelo dano sofrido
por outro e em que proporção será determinado a repará-lo.

O Código Civil de 2002, apresenta em sua estrutura um capítulo intitulado “Da


responsabilidade civil”, abordando, a priori, a responsabilidade extracontratual (arts. 927
a 954), uma vez que o seu dispositivo inaugural versa acerca do ato ilícito (art. 186) e ao
abuso de direito (art. 187). Destarte, a responsabilidade contratual, consequência do
inadimplemento das obrigações, consta dos arts. 389 a 420 do CC/2002.

Nada obstante a essa categorização, Fernando Noronha20 preleciona que a


divisão da responsabilidade civil em extracontratual e contratual configura “um tempo do
passado”, visto que os princípios e regramentos básicos que orientam as duas categorias de
responsabilidade civil são idênticos.

De acordo com Tartuce,21 “o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor


representa uma superação desse modelo dual anterior, unificando a responsabilidade civil”,
uma vez que pouco importa, para a lei consumerista, se a responsabilidade civil é
consequência de um contrato ou não, já que o tratamento diferenciado se refere apenas aos
produtos e serviços.

20
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 432-433.
21
TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor : direito material e processual / Flávio Tartuce,
Daniel Amorim Assumpção Neves.– 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense: São Paulo:
MÉTODO, 2016, p. 118.
27
O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, acolhe a responsabilidade
objetiva e solidária dos fornecedores de produtos e prestadores de serviços como regra.
Dessa forma, procura-se facilitar a tutela dos direitos do consumidor, tendo em vista a
alegação de vulnerabilidade do consumidor, a insuficiência da responsabilidade subjetiva
e o fato de que o fornecedor tem de responder pelos riscos que seus produtos e serviços
acarretam, já que lucra com a venda.

As empresas de planos de saúde privados supracitadas, prestando o serviço


objeto de contratação de maneira reiterada e por meio de remuneração, é configurada
perfeitamente no conceito de fornecedores estabelecido no Código de Defesa do
Consumidor, conforme dispõe o art. 3º, §2º:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,


mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter
trabalhista.

Ademais, a segunda seção do STJ aprovou a Súmula 469, com a seguinte


redação: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde",
coadunando com o art. 35-G da Lei nº 9.656/98, que versa a respeito dos planos de saúde,
com a seguinte redação “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e
operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições
da Lei no 8.078, de 1990.”

Isto posto, tais empresas podem vir a ser consideradas como responsáveis
diante de algum dano sofrido pelos usuários no atendimento médico-hospitalar, que poderá
ser motivo de uma postulação em juízo de uma indenização.

28
É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça o fato de que o
beneficiário deve ser assegurado de que a rede de serviços conveniados, colocada à sua
disposição, seja capaz e adequada para prestar os serviços médico-hospitalares necessários
e com apropriado atendimento destes, afirmando, ainda, que fatores financeiros, da
remuneração destes serviços pelas operadoras privadas de planos de saúde, não são
limitadores na contratação e utilização destes serviços para atendimento adequado dos seus
pacientes.

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS


MÉDICOS. Quem se compromete a prestar assistência médica por meio
de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes
prestam. Recurso especial não conhecido.

(STJ - REsp: 138059 MG 1997/0044326-4, Relator: Ministro ARI


PARGENDLER, Data de Julgamento: 13/03/2001, T3 - TERCEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJ 11.06.2001 p. 197<BR>JBCC vol. 193
p. 77<BR>LEXSTJ vol. 146 p. 104).

Dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Apreende-se, como consequência da aplicação do CDC, que qualquer defeito


na prestação do serviço determina a responsabilização objetiva e solidária da operadora
devido ao risco-proveito por ela assumido e a responsabilização subjetiva do profissional
liberal (art. 14, § 4º do CDC) que motivou os danos físicos ou morais causados ao paciente.
É fato notório que os planos de saúde constantemente negam a seus clientes
coberturas a alguns procedimentos médico-hospitalares, sejam eles materiais, tratamentos
ou medicamentos. Tal conduta resulta em um número cada vez maior de consumidores que
recorrem ao Poder Judiciário com o escopo de tutelar o que entendem ser de direito e,
constantemente, cumulam-se ações com pedidos de indenização por dano moral.

3.1 Diálogo das fontes

29
Há diferentes tipos de empresas privadas que prestam uma assistência
suplementar aos serviços públicos de saúde, delegados pelo Estado nos termos dos arts.
197 e 199 da Constituição Federal. Estas empresas e as suas atividades vêm definidas na
Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de
assistência à saúde.

No entanto, apesar da existência de legislação específica que rege a sua


atividade, o Código de Defesa do Consumidor também é utilizado para orientar as relações
estabelecidas e, principalmente, para garantir os direitos dos consumidores frente à
possibilidade de abusos praticados por empresas e instituições. Dessa forma, é essencial o
acolhimento da Teoria do Diálogo das Fontes.

A Teoria supracitada surge para afastar a ideia de que as leis devem ser
aplicadas de forma isolada umas das outras, partindo da premissa de que o ordenamento
jurídico deve ser interpretado de forma unitária. Essa teoria, por sua vez, rompe com o
paradigma da exclusão das normas para buscar a sua coexistência ou convivência, a fim de
que haja a predominância de uma norma em relação à outra no caso isolado ou até mesmo
a aplicação concomitante de todas elas.

O Diálogo das Fontes propõe a aplicação simultânea e coerente das leis


existentes no ordenamento, considerando os princípios da ponderação, da
proporcionalidade e da conciliação, em concordância com a Constituição Federal,
objetivando chegar à decisão mais justa e eficiente. Considera-se, então, o preceito de que
as leis não se excluem apenas por fazerem parte de diferentes ramos jurídicos.

É importante salientar que a teoria do Diálogo das Fontes, especificamente em


relações de consumo, encontra previsão expressa para sua aplicação, conforme se infere do
art. 7º, do CDC:

Art. 7º Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes


de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário,
da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas
autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos
princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Este dispositivo legal reafirma a ideia de sistema no ordenamento jurídico, de


unidade.
30
4 A CARACTERIZAÇÃO DOS DANOS MORAIS NA RELAÇÃO DE CONSUMO

A reparabilidade dos danos morais é relativamente hodierna no Brasil, tendo


sido adotada e tornada pacífica através da Constituição Federal de 1988, pela previsão
expressa no seu art. 5º, V e X.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: (...)

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem; (...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação.

Em primeiro plano, vale trazer a discussão acerca do alcance dos danos


morais na jurisdição brasileira. Não existe conceito legal de dano moral na codificação
brasileira, cabendo à jurisprudência estabelecer, a partir de casos concretos, as agressões
que o configuram. A concepção que prevalece na doutrina brasileira é a de que dano moral
compreende a lesão de forma ampla aos direitos da personalidade, afastando-se a ideia de
uma relação de consumo com conteúdo redutível a dinheiro. Segundo Carlos Roberto
Gonçalves22, é aquele

(...) que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É
lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a
dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., (...) e que acarreta ao
lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.” (GONÇALVES,
2009, p.359).

Durante um longo período de tempo, a discussão a respeito da possibilidade


de indenização por um dano exclusivamente moral, apesar de ser doutrina nacional
majoritária, era recusada pela jurisprudência, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal. Até
pouco antes dos anos setenta, o STF não admitia reparação pecuniária aos sofrimentos
morais, se deles não resultassem nenhum dano material. Somente com a vigência da Lei

22
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. v.
IV.
31
Maior, a repercussão do assunto ganhou contornos positivos e concretos. Segundo o
constitucionalista José Afonso da Silva23,

A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais.


Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. A
Constituição empresta muita importância à moral como valor ético-social
da pessoa e da família. (...). Ela, mais que as outras, realçou o valor da
moral individual, tornando-a mesmo um bem indenizável. (...) A moral
individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a
reputação que integram a vida humana como dimensão imaterial. (...).
Daí porque o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de
direito fundamental.” (SILVA, 2000, pág. 201).

Em 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, o


alcance da ressarcibilidade nas relações de consumo firmou-se ainda mais importante,
realçada a vulnerabilidade do consumidor. Em seu artigo 6º, inciso VI, prevê como direito
básico de todo consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos”. Posteriormente, o Código Civil de 2002,
coadunando com a redação constitucional e consumerista, consagrou a autonomia do dano
moral em seu artigo 186, estabelecendo que “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Na análise de um pedido de dano moral, o juiz possui liberdade para


apreciar, valorar e arbitrar a indenização dentro dos parâmetros pretendido pelas partes e à
luz da Constituição, definindo a justa solução das controvérsias. Não há definição de um
critério legal e objetivo para a fixação do valor ressarcido pelo dano causado. Entretanto,
o julgador deve manter-se coerente no que diz respeito à indenização, de forma
compensatória, não podendo ser ínfima - de modo a servir de humilhação à vítima - nem
exorbitante - a fim de evitar o enriquecimento sem causa. O STJ, na ilustre função de criar
e uniformizar a jurisprudência brasileira, definirá os critérios de razoabilidade da
imputação de indenização por danos morais, sem prejuízo das especificidades de cada caso
concreto.

Vale ressaltar que o judiciário não deve aferir a escala do dano apenas em
relação ao valor da indenização, mas inclusive no grau de nocividade na esfera imaterial

23
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2000.
32
da vítima. Nesse viés, afirma o STJ que “mero aborrecimento, dissabor, mágoa, irritação
ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral"24, além do disposto na
Súmula nº 227 que “a pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.

É sabido, portanto, que no direito do consumidor, a respeito do nexo causal


entre o ato lesivo e a devida reparação, não se espera do lesionado que prove o defeito do
produto, exigindo-se somente a prova do acidente de consumo. O fato do produto ou do
serviço, em razão da responsabilidade objetiva imputada ao fornecedor, é fator essencial
para configurá-la.

[...] Por mais louvável que seja a ampliação do dever de reparar,


protegendo-se as vítimas de uma sociedade cada vez mais sujeita a riscos
– decorrentes das novas tecnologias, dos bancos de dados pessoais, dos
aparatos industriais, da engenharia genética, e assim por diante –, não se
pode desnaturar a finalidade e os elementos da responsabilidade civil. O
dever de reparar não há de ser admitido sem a presença do dano e do nexo
de causalidade entre a atividade e evento danoso, tendo por escopo o
ressarcimento da vítima.” (TEPEDINO, 2004, p. 2-3).

É dever do fornecedor, bem como do Estado, prevenir os danos que recaem


sobre o produto ou serviço prestado, seja ele moral, material, individual ou coletivo. O
fornecedor responde objetivamente pelos danos causados, salvo exceção prevista no art.
14, § 4º do CDC. Além disso, cabe fundamentalmente ao Estado, na condição de
responsável pela defesa da vulnerabilidade do consumidor na relação jurídica de consumo,
fiscalizar de forma efetiva o produto ou serviço por meio de seus órgãos competentes.

Caso nenhuma das prevenções acima obtenha êxito, tanto por parte do
fornecedor, como do poder político, imprescindível torna-se a reparação satisfatória dos
prejuízos sofridos pelo consumidor.

Para existir a responsabilidade civil, todavia, é imprescindível que haja o nexo


causal entre o dano e a ação ou omissão do agressor, sendo este fundamental em qualquer
que seja a modalidade (objetiva ou subjetiva). De acordo com Peixoto Netto25, “o dano

24
(STJ - Quarta Turma - RESP 303396/PB - Min. BARROS MONTEIRO - 05/11/2002 - DJ DATA:
24/02/2003 PG:00238).
25
PEIXOTO Felipe. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ - Salvador:
Edições Juspodivm, 2013, p. 196.
33
deve estar vinculado a determinada ação ou omissão, sem o que inexistirá obrigação de
reparar”.

O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, não faz alusão ao nexo causal
em nenhum de seus dispositivos. Segundo a doutrina de Carlos Roberto Gonçalves 26, o
Código Civil adotou a teoria do dano direto e imediato onde, no art. 403, “ainda que a
inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos
e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual”. Embora o artigo mencionado se refira à responsabilidade civil contratual, tal
entendimento foi estendido e a doutrina depreende que o dispositivo consagra a tese
segundo a qual apenas os danos direta e imediatamente conexos com a ação ou omissão é
que são indenizáveis. Ademais, a jurisprudência também adota a teoria da causalidade
direta e imediata.

Verificado o liame de causalidade entre o ato-lesivo e os danos efetivamente


ocasionados, deve-se proceder à prova dos prejuízos ocasionados na relação consumerista.
De antemão, importante ferramenta à mão dos mais vulneráveis e hipossuficientes é o
mecanismo da inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII, CDC), que lhes possibilita estar em
mínimas condições de paridade frente à hegemonia técnica e informacional dos
fornecedores.

Assim, após comprovado o nexo de causalidade entre o dano e o vício do


produto ou serviço fornecido, correlacionando a proteção do direito à indenização devida,
independe da existência de culpa do fornecedor, nos termos do art. 12º, caput, e art. 14º,
caput, do CDC:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e


o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

[...]

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

26
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 524.
34
Desta forma, aduz-se que a prova da culpa pelo dano cometido em razão da má
prestação do serviço ou periculosidade do bem fornecido é extremamente difícil de ser
produzida pelo consumidor, em face da sua vulnerabilidade. O CDC registra, dessa forma,
a aplicação da concepção de responsabilidade objetiva presumida, a fim de evitar maiores
danos em razão de relação de consumo composta por maus fornecedores. Excepcionam a
regra os profissionais liberais, que apenas respondem se lhe for apurada a culpa (art. 14, §
4º do CDC).

5 OS PLANOS DE SAÚDE, A GESTANTE E O CÓDIGO DE DEFESA DO


CONSUMIDOR

Em primeiro plano, importa registrar a natureza do plano de saúde no âmbito


jurídico. Comporta-se como um contrato de consumo, cujo objeto é a prestação de serviços
com predominância de obrigações de fazer. São celebrados, onerosamente, através da
adesão da parte consumidora às cláusulas estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor,
sempre observando o disposto pelo Código de Defesa do Consumidor, interpretando-as de
forma mais benéfica ao pólo vulnerável da relação.

Dispõe o art. 51 do CDC, em diversos incisos, inúmeras situações que geram


nulidade de determinadas cláusulas contratuais, vez que vão de encontro aos princípios
dispostos no Código em questão. Cabe ao Estado intervir nos contratos privados a fim de
restringir a liberdade contratual, equilibrando e harmonizando o interesse das partes. Para
garantir uma maior segurança do consumidor diante do serviço contratado, deve sempre
ser levado em consideração o Princípio da Transparência, previsto no art. 4º, caput, do
CDC e adotado pela Lei nº 9656/98 em seu art. 16, impondo às empresas que operam planos
de saúde o dever de clareza e informação. O STJ decidiu que tais empresas se encontram
obrigadas ao cumprimento de uma boa-fé qualificada, ou seja, uma boa-fé que pressupõe
os deveres de informação adequada, ou seja, aquela completa, gratuita e útil. Além disso,
o mencionado tribunal afirma que

sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, as informações


prestadas por corretor a respeito de contrato de seguro-saúde (ou plano

35
de saúde) integram o contrato que vier a ser celebrado e podem ser
comprovadas por todos os meios probatórios admitidos.27

O dever de informar deriva do princípio da boa-fé objetiva, que deve ser


honrado durante todas as fases da relação contratual. Segundo Nelson Nery Junior28

No sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do


legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4º, III,
do CDC à ‘boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores’, como princípio básico das relações de consumo (...), de
modo a fazer com que haja ‘transparência e harmonia nas relações de
consumo’ (art. 4º, caput, CDC), mantido o equilíbrio entre os
contratantes"

Realçada a importância do dever de informação e transparência nas relações


contratuais em questão, torna-se válido mencionar a sua imprescindibilidade quando o caso
diz respeito à negativa da empresa prestadora dos serviços do plano de saúde. Quando um
usuário pretende alguma consulta ou procedimento, por exemplo, e recebe uma negativa
do fornecedor, resta claro o direito à completa informação, abrangendo especialmente o
exato motivo da negação.

A situação parece específica, mas decorre naturalmente da qualidade de


fornecedor no mercado de consumo, que lhe impõe o dever de informar de forma precisa,
clara e completa o serviço prestado ao consumidor. Prova disso consta na Resolução
08/1998 do Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU, através do art. 4º, quando
impôs às operadoras de planos de saúde o dever de "fornecer ao consumidor laudo
circunstanciado, quando solicitado, bem como cópia de toda a documentação relativa às
questões de impasse que possam surgir no curso do contrato (...)".

Ainda que reste cristalino o direito de o usuário do plano de saúde receber todas
as informações no que diz respeito às negativas de consultas e procedimento, o que se
percebe na prática é exatamente o contrário: as empresas fornecedoras se abstêm de
justificativas, desampara o consumidor, e deixa como a solução mais segura a busca pelo
moroso sistema judiciário. Nesse âmbito, o consumidor se depara com a problemática do

27
(REsp 531.281/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 23-8-2004).
28
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2000, pp. 438-439.
36
acesso à justiça, levando em conta a morosidade e o custo de uma ação. Gabriela Maia
Rebouças29 afirma que, para haja a efetivação da perspectiva normativa do acesso à justiça,
é necessário a superação dos obstáculos que obstruem tal acesso, inclusive no que diz
respeito às desigualdades econômicas, que se refletem nas custas judiciais, ao tratamento
diferenciado aos direitos difusos, como no caso em questão, o direito à saúde, e à busca
pela efetividade do processo. “Ter acesso ao Estado, à justiça é condição sine que non
para acessar qualquer outro direito.”

Como mencionado, a especificidade do artigo estaria na configuração das


gestantes como pólo vulnerável da relação de consumo, trazendo julgados que
comprovariam a ineficácia da prestação de serviço dos planos de saúde no período
gestacional. Comprovando o estado agravado de vulnerabilidade das gestantes, dispõe o
art. 18 da Lei nº 9.656 de 1998:

Art. 18. A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou


profissional de saúde, da condição de contratado, referenciado,
credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam
o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei implica as seguintes obrigações e
direitos:

(...)

II - a marcação de consultas, exames e quaisquer outros procedimentos


deve ser feita de forma a atender às necessidades dos consumidores,
privilegiando os casos de emergência ou urgência, assim como as pessoas
com mais de sessenta e cinco anos de idade, as gestantes, lactantes,
lactentes e crianças até cinco anos.

Diante de um maior estado de fragilidade da mulher gestante, o seu direito


de informação, assim como o da obediência das cláusulas contratuais, advinda da boa-fé
objetiva, já se encontra figurado enquanto cidadão, sendo realçado, a fim de prevenir
transtornos ao longo da gestação. Caso haja recusa do fornecimento do serviço por parte
do plano de saúde, a empresa responderá indubitavelmente de forma objetiva, dispensando
a verificação de culpa, conforme o art. 12 do CDC. Segundo o Ministro do STJ, Luís Felipe
Salomão30, a recusa injustificada, por parte do plano de saúde, de cobrir procedimento
médico, configura abuso de direito, capaz de gerar dano moral indenizável.

29
REBOUÇAS, Gabriela Maia. Tramas entre subjetividades e Direito: a constituição do sujeito em Michel
Foucault e os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. p. 147 e 148
30
STJ, AgRg no REsp 1.253.696, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4a T., DJ 24/08/11
37
Reconhecida a hipervulnerabilidade pela doutrina e jurisprudência das
gestantes, em razão do alto nível de fragilidade em que se encontra no mercado de
consumo, estas são merecedoras de maiores cuidados em relação aos demais consumidores
em geral.

DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE


PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E
INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO
CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO
DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA.
OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO.
DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR,
ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E
SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E
INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE
CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS.

(...)

18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo


os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem
minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a
massificação do consumo e a “pasteurização” das diferenças que
caracterizam e enriquecem a sociedade moderna. 19. Ser diferente ou
minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos
consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda
classe ou proteção apenas retórica do legislador.”31

Destaca-se que algumas despesas não são cobertas pelos planos de saúde.
Porém, após repasse das contas médicas por parte da maternidade para a auditoria da
operadora de saúde, esta pode suprimir a cobertura de determinados itens, e o valor,
consequentemente, será revertido para custeio do consumidor. Caso haja a supressão, a
gestante deve entrar em contato com a operadora e exigir, por escrito, o motivo da negativa
de cobertura, tendo o direito à mais clara informação. Respondido no prazo de até 48h, a
gestante deve analisar se a recusa foi ou não justificada e, sendo injustificada, poderá
ajuizar uma ação judicial para requerer o pagamento ou ressarcimento dos valores pagos,
ou reclamar na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), vez que, segundo o art.
1º, inciso I, §1º da Lei nº 9656 de 1998

Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de


direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo
do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade,

31
(REsp 586.316/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª T., DJe 19-3-2009)
38
adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as
seguintes definições:

I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de


serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós
estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem
limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e
atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente
escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou
referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a
ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada,
mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem
do consumidor;

(...)

1o Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de


Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e
contrato que apresente, além da garantia de cobertura financeira de riscos
de assistência médica, hospitalar e odontológica, outras características
que o diferencie de atividade exclusivamente financeira, tais como:

a) custeio de despesas;

(...)

c) reembolso de despesas;

(...)

e) qualquer restrição contratual, técnica ou operacional para a cobertura


de procedimentos solicitados por prestador escolhido pelo consumidor.

Notável questão diz respeito ao prazo de carência. Este configura-se no lapso


temporal entre a assinatura do contrato e a possibilidade de utilização dos serviços
contratados, tendo respaldo em lei e devendo constar expressamente no contrato.
Entretanto, a fim de assegurar uma maior satisfação do consumidor, a Lei nº 9656 de 1998
prevê que, quando fixado o prazo de carência, o prazo máximo é de 24h para a cobertura
dos casos de urgência e emergência, como consta no art. 12, inciso V, alínea “c”.

Demonstrando um maior respaldo às gestantes, o art. 35-C, inciso II, da


referida lei expõe que

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

(...)

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou


de complicações no processo gestacional.

39
Assim, demonstrados risco ou complicação na gravidez, a empresa que
presta serviços de plano de saúde jamais poderá negar a cobertura de atendimento
emergenciais, o que inclui o parto prematuro, vez que põe em risco a vida da criança.
Entretanto, existem casos em que as operadoras de saúde, apesar de não negarem a
cobertura do parto em situações de carência, limitam o atendimento apenas às primeiras
12h de internação, o que configura abusividade, jamais devendo ser aceito pelo
consumidor. Apesar de possuir respaldo através da Resolução CONSU nº 13, art. 1º,
parágrafo único, esta norma administrativa não pode limitar o alcance de uma Lei
Ordinária. Além disso, vale ressaltar que, coadunando com o Código do Consumidor e
reforçando a importância da teoria do diálogo das fontes, a interpretação das relações
contratuais que envolvem fornecedor-consumidor deve ser sempre feita em prol deste
último.

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado de São


Paulo incorporam o pensamento acima mencionado, na medida de suas súmulas nº 302 e
nº 92, respectivamente.

Súmula 302 do STJ: É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde


que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.

Por isso exposto, vale reiterar a importância do art. 6º, inciso IV do CDC,
vez que traz como direito básico do consumidor a proteção contra “práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”. Assim, no caso em questão,
ainda que contratualmente prevista, não pode prevalecer a cláusula que limita, no tempo, o
período de internação coberto pelo plano de saúde, porquanto tal limitação seria agressiva
à dignidade da pessoa humana32. Configuram-se, portanto, cláusulas nulas de pleno direito,
vez que mitigam contratualmente direitos fundamentais.

Apelação Ação cominatória Plano de Saúde Negativa de cobertura de


internação e cirurgia, sob a alegação de o beneficiário se encontrar em
período de carência por doença preexistente e de limitação de tempo de
internação às 12 primeiras horas Abusividade Paciente que apresentou
quadro de gangrena sendo recomendada internação de urgência, que
culminou na amputação de parte do pé Recusa de cobertura indevida

32
PEIXOTO Felipe. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ - Salvador:
Edições Juspodivm, 2013, p. 380.
40
Resolução nº 13/98 do CONSU que limita o atendimento as primeiras
dozes horas que extrapola o poder regulamentar e invade esfera
inovadora do Direito Inaplicabilidade da pretendida limitação Prazo de
carência que se reputa extremamente oneroso ao consumidor - Carência
não se pode limitar o período de internação para os casos de urgência ou
emergência - Inteligência do art. 12, V, c, da Lei nº 9.656/98 Aplicação
das súmulas 92 do TJSP e 302 do STJ Precedentes jurisprudenciais,
inclusive desta Câmara - Sentença mantida - Apelação improvida.33

Impende enfatizar o período de carência trazido pela Lei nº 9656/98, no seu


art. 12, inciso V, alínea “a”, quando fixa 300 dias para o prazo máximo para partos a termo,
ou seja, aqueles que ocorrem entre a 37ª e 42ª semana, não sendo prematuro. Firmado o
contrato entre a gestante e o plano de saúde, acordado em Lei e mediante contrato, o
período de carência totaliza 300 dias. Porém, caso a gestante entre em trabalho de parto,
ainda que de forma imprevista, antes da 37ª semana, o plano jamais poderá negar ou reduzir
o tempo legal de cobertura, alegando descumprimento do prazo de carência, vez que a
situação se configura como urgência, sendo o parto prematuro.

É sabido que, ao firmar contrato de plano de saúde, o consumidor, e no caso,


a gestante, tem como principal objetivo resguardar a garantia de cobertura das despesas
relativas ao tratamento adequado em necessidades futuras e incertas.

DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores que integram a Nona


Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por
unanimidade de votos, em negar provimento a ambos os recursos, nos
termos do voto do Relator. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL E
RECURSO ADESIVO - PLANO DE SAÚDE - PRAZO DE
CARÊNCIA PARA OBSTETRÍCIA - 300 DIAS - PARTO
PREMATURO - SITUAÇÃO DE URGÊNCIA DECLARADA PELO
MÉDICO - NEGATIVA DE COBERTURA ABUSIVA - INCIDÊNCIA
DO PRAZO DE CARÊNCIA DE 24 HORAS E ATENDIMENTO
OBRIGATÓRIO - INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 12, V, ‘C’, E 35-
C DA LEI 9.656/98 - LIMITAÇÃO QUE AVILTA A LEGALIDADE -
DEVER DE CUSTEAR INTEGRALMENTE O TRATAMENTO -
MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA - IMPOSSIBILIDADE -
QUANTIA ARBITRADA QUE REMUNERA ADEQUADAMENTE O
PATRONO DA CAUSA - APELAÇÃO DA RÉ E RECURSO
ADESIVO DA AUTOSA NÃO PROVIDOS.34

É entendimento do STJ que a prestadora de serviços de plano de saúde é


responsável tanto pela qualidade do atendimento oferecido ao contratante em hospitais

33
(TJ-SP - APL: 00143783520128260003 SP 0014378-35.2012.8.26.0003, Relator: Silvério da Silva, Data
de Julgamento: 02/07/2014, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2014)

34
(TJPR - 9ª C.Cível - AC - 1394849-7 - Curitiba - Rel.: Domingos José Perfetto - Unânime - - J. 20.08.2015)
41
quanto por médicos por ela credenciados. Sendo assim, comprovado o dano causado pelo
fornecedor do plano de saúde pela má prestação de serviço, este responderá objetivamente,
independente de culpa.

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE


OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. PLANO DE
SAÚDE. CANCELAMENTO INJUSTIFICADO. ESTADO
GESTACIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.
PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL.
OCORRÊNCIA.QUANTUM. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA
RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. ADSTRIÇÃO À
NORMATIVA DA EFETIVA EXTENSÃO DO DANO. FUNÇÃO
PREVENTIVO-PEDAGÓGICA-REPARADORA-PUNITIVA.
RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. 1.A
responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se
amolda a operadora do plano de saúde e a empresa intermediária para a
captação de clientes, é objetiva, fundada no risco da atividade por eles
desenvolvida, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de
culpa (Súmula n. 469/STJ; CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187, 389, 475 e
927; Lei n. 9.656/98). Em caso tais, basta a comprovação do liame de
causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado
pelo consumidor, para fins de reparação. 2.O dano moral se relaciona
diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade,
cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui
motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa
natureza. 3. No particular, o cancelamento irregular do plano de saúde é
capaz de ensejar abalo a direitos da personalidade, mormente em face do
estado gestacional bastante avançada na qual encontrava-se a
beneficiária, a qual dificilmente seria aceita, nessa situação, em outra
apólice de seguro saúde por conta das contumazes exigências de carência,
peculiaridades estas que ultrapassam a esfera do mero aborrecimento,
sendo suficientemente capazes de consubstanciar dano moral, por mácula
aos deveres anexos de conduta na relação contratual, notadamente quanto
à boa-fé (CC, art. 422). 4.O valor dos danos morais deve ser arbitrado em
consonância com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Não se pode olvidar, ainda, da incidência da função preventivo-
pedagógica-reparadora-punitiva, para que se previna novas ocorrências,
ensine-se aos sujeitos os cuidados devidos, sob pena de sujeitar-se às
penalidades legais, reparação dos danos ao consumidor e punição pelos
danos causados. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944).35

A simples recusa injustificada de atendimento ou cobertura por parte da


operadora do plano de saúde configura abuso de direito, podendo causar transtornos à
gestante, que se encontra num estado ainda mais delicado por carregar outra vida dentro de
si. Contratado o plano de saúde visando o melhor tratamento e custo-benefício, a frustração
do serviço prestado caracteriza dano moral passível de compensação pecuniária.

35
(TJ-DF - APC: 20140310190997, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 22/07/2015, 3ª
Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 31/07/2015 . Pág.: 112)
42
Vale destacar que o mero inadimplemento contratual nem sempre enseja danos
morais. Porém, é reconhecido o direito à compensação dos danos advindos da injusta
recusa de cobertura de seguro de saúde, vez que tal fato agrava a situação de aflição
psicológica e de angústia no espírito do consumidor, pois, ao procurar a seguradora,
presume-se que já se encontra em condição de dor e abalo psicológico.

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PLANO DE ASSISTÊNCIA


À SAÚDE. ATENDIMENTO DE URGÊNCIA. COMPLICAÇÃO NO
PROCESSO GESTACIONAL. PARTO PREMATURO. NEGATIVA
DE COBERTURA. CARÊNCIA. ABUSIVIDADE. DANO MORAL
CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE. I. As relações jurídicas entre as operadoras de
planos de assistência à saúde e os contratantes dos serviços são regidas
pela Lei 9.656/98 e, subsidiariamente, pelo Código de Defesa do
Consumidor. II. Não se submete a prazo de carência atendimento de
urgência resultante de complicação no processo gestacional, consoante
prescrevem os artigos 12, inciso V, e 35-C, inciso II, da Lei 9.656/98. III.
Dentro do sistema de saúde suplementar, resoluções possuem papel de
mera regulamentação, ainda assim dentro dos termos admitidos na Lei
9.656/98. IV. Não pode prevalecer norma regulamentar que extermina ou
abrevia o direito ao atendimento de urgência, derivado da complicação
no processo gestacional, expressamente contemplado no artigo 35-C,
inciso II, da Lei 9.656/98. V. Traduz dano moral passível de
compensação pecuniária a angústia e a aflição causadas pela recusa
injustificada da operadora do plano de assistência à saúde em autorizar a
realização de parto de caráter emergencial necessário à salvaguarda da
vida da genitora e do neonato.36

6 CONCLUSÃO

Expostos os julgados, conclui-se que as ressalvas estabelecidas


unilateralmente pelos fornecedores dos planos de saúde configuram-se, em sua maioria,
abusivas, vez que limitam direitos fundamentais do consumidor, posto como pólo
vulnerável da relação jurídica. As situações de constrangimento por falta de atendimento
ou cobertura dos serviços contratados carecem de eficácia jurídica, por frustrarem o
objetivado com a celebração do contrato. A gestante, assim como todo e qualquer
consumidor, tem a interpretação das cláusulas a seu favor, possuindo, ademais, algumas
prioridades previstas em lei por figurar-se hipervulnerável.

Resta clara a relação imprescindível estabelecida entre o Direito do


Consumidor e o Direito à Saúde, à luz do diálogo das fontes. Ainda que de forma

36
(TJ-DF - APC: 20130610118945, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de Julgamento:
29/04/2015, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 01/06/2015 . Pág.: 239)
43
subsidiária, o Código de Defesa do Consumidor é de suma importância à aplicação da Lei
nº 9656 de 1998, que versa a respeito dos Planos de Saúde, inclusive no que diz respeito à
análise das cláusulas e aplicabilidade dos princípios que o regem.

A apresentação dos julgados esclarece a posição dos Tribunais, que coadunam


com o exposto nos Códigos e Leis Complementares, sempre interpretando as cláusulas
abertas e ambíguas em favor do consumidor. Ressalta-se a importância da boa-fé objetiva
durante toda a relação jurídica, imputando ao fornecedor, em caso de inobservância, as
devidas providências a fim de ressarcir o dano causado.

Por fim, importa destacar a relevância do bom comportamento das partes


durante a relação jurídica, principalmente no que tange ao fornecedor, devendo sempre
fundamentar e dar satisfação em casos de negativa, tanto do objetivo principal, quanto dos
acessórios que o concretizam, baseado no notável princípio da transparência.

44
REFERÊNCIAS

(REsp 531.281/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 23-8-2004).

(REsp 586.316/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª T., DJe 19-3-2009)

(STJ - Quarta Turma - RESP 303396/PB - Min. BARROS MONTEIRO - 05/11/2002 - DJ


DATA: 24/02/2003 PG:00238).

(TJ-DF - APC: 20130610118945, Relator: JAMES EDUARDO OLIVEIRA, Data de


Julgamento: 29/04/2015, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE:
01/06/2015 . Pág.: 239)

(TJ-DF - APC: 20140310190997, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento:


22/07/2015, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 31/07/2015 . Pág.:
112)

(TJPR - 9ª C. Cível - AC - 1394849-7 - Curitiba - Rel.: Domingos José Perfetto - Unânime


- - J. 20.08.2015)

(TJ-SP - APL: 00143783520128260003 SP 0014378-35.2012.8.26.0003, Relator: Silvério


da Silva, Data de Julgamento: 02/07/2014, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 07/08/2014)

ANS - Legislação. Disponível em:


<http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format
=raw&id=MzAw> Acesso em: 01 de novembro de 2016

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Cláudia Lima. Manual de Direito do Consumidor. 2. Ed. São Paulo: Revista dos
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BRASIL, Lei nº 8078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor


e dá outras providências. Disponível em:
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BRASIL, Lei nº 9656, de 3 de junho de 1998. Disponível em:


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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 01 de
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45
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sujeito em Michel Foucault e os sistemas de resolução de conflitos. Rio de Janeiro:
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Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2016.

46
3. O DIREITO À SAUDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA

Bruna Portugal Silva de Oliveira 37

1 INTRODUCÃO

O direito à vida é o principal direito do ser humano, já que dele derivam os


demais direitos. Mais do que se manter vivo, o direito à vida denota a possibilidade de que
o ser tenha condições de alcançar o desenvolvimento pleno dos recursos físicos, mentais e
sociais que lhe são inerentes.

Dessa maneira, o direito à saúde deve ser compreendido como um conjunto de


deveres do Estado para com todo cidadão, com o escopo não apenas de afastar as
enfermidades, mas também, de garantir o desenvolvimento saudável da população.

Para a Carta Magna a saúde é um direito social fundamental que decorre do


princípio da dignidade da pessoa humana. Tal direito, pensando fora de como o senso
comum costuma apontar, não está limitado a apenas um sistema de saúde eficiente, mas

37
Bacharelanda no curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana.
47
sim, existe uma extensão dos efeitos aos seus protegidos conforme elucida o Código de
Defesa do Consumidor, (CDC).

Nesse contexto, o Direito do Consumidor é um ramo do direito que apresenta


como objetivo proteger os sujeitos de direitos, o consumidor, em suas relações jurídicas
em face ao fornecedor, profissional, comerciante ou empresário. Com o consubstancial
desenvolvimento da sociedade, o consumo é inerente ao ser humano, gerando assim
direitos e deveres às partes dessa relação.

A vida principalmente, seguida da saúde e segurança, são considerados bens


jurídicos de alta relevância e por este motivo têm prioridade de proteção pela lei
consumerista. O consumo desenfreado, a massificação dos sistemas de produção, gerou um
desequilíbrio. Os consumidores foram expostos aos abusos e imposições dos fornecedores,
havendo, portanto, uma expressiva necessidade de instituir direitos.

O presente estudo, então, demonstra, os limites da concretização dos direitos


do consumidor, com vista à prevenção e reparação dos danos materiais, morais, individuais
e coletivos, aos consumidores, que tenham seu direito à saúde aviltada, colocada em risco
ou diminuída, bem como, ilustrar em como proceder ante abusos dos fornecedores.

2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Na década de 70 verificou-se uma intensa massificação da prestação de


serviços e de produção, sendo, portanto, extremamente necessária uma legislação que
contemplasse o consumo. Essa necessidade mostrou-se latente, por conta da deficiência
por parte das intervenções estatais nas relações de consumo.

Conforme elucida Rollo (2004, p.1):

A característica da relação de consumo, é que ela parte de uma


desigualdade existente entre o fornecedor e o consumidor, onde o
fornecedor impõe as regras e o consumidor tem que aceitar sob
pena de não satisfazer sua necessidade.

O Código de Defesa do Consumidor, (CDC), – Lei 8.078/1990 – foi


concretizado em razão de manifestações de um Conselho de Defesa do Consumidor,
apresentando uma comissão de operadores do direito. Esse código se baseia em normas
48
para as relações privadas, o produtor, o fabricante e o intermediário e os adquirentes, sendo
pessoas físicas ou jurídicas, que se servem dos bens ou serviços. Essas relações são
denominadas de relação de consumo, com o escopo de proteger o consumidor, parte
hipossuficiente da relação.

A Constituição Federal evidencia a fragilidade do consumidor frente ao


fornecedor no inciso XXXII do seu artigo 5º, determinando que o Estado deva escudar o
consumidor. Dessa maneira, o Direito do Consumidor regular relações que se constituem
entre fornecedor e consumidor, a partir das necessidades sociais e da distribuição de bens
e serviços.

Assim, a legislação de consumo vem para estabelecer a isonomia na relação


consumerista, quando esta não existe, assim como, protegê-la quando já existente. Além
disso, através de instrumentos de direito material e processual visa preparar o consumidor
para que ele possa ter dignidade nessa relação jurídica.

2.1 Consumidor

O termo consumidor se refere a “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou


utiliza produto ou serviço como destinatário final” conforme o art. 2º do CDC. Temos
então, a figura do consumidor standard ou stricto sensu.

Percebe-se que a legislação brasileira tendo optado por definir a figura do


consumidor, limitou sua configuração àqueles que adquirem ou utilizam produtos ou
serviços como destinatários finais. Não é consumidor, assim, quem adquire o produto como
etapa na cadeia de produção, como a empresa que compra cola para inserir no processo
produtivo dos calçados que fabrica. Não é fácil nem simples definir o que seja o destinatário
final.

Existem duas correntes doutrinárias que se destinam a matéria, sendo estas, a


teoria finalista e a teoria maximalista. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro adota
a teoria finalista.

A teoria finalista é restritiva, apresenta um conceito econômico de consumidor.


Para esta, não é suficiente ser o destinatário final fático ou adquirente do bem ou serviço,
o consumidor, então, deve ser aquele que é o destinatário final econômico do bem ou

49
serviço. A utilização do bem ou serviço deve ser para a recepção da necessidade privada,
não podendo ser reutilizado, de forma direta ou indireta, o bem ou serviço no processo
produtivo. Consumidor é aquele que não é o consumidor profissional. Para essa teoria a
característica das partes é critério para assinalar o consumidor.

2.2 Fornecedor

O artigo 3º do CDC em seu caput apresenta o conceito de fornecedor:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídicas, pública ou privada, nacional


ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços

Fornecedor é não apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente,


em estabelecimentos industriais centralizados ou não, como também quem vende. Nesse
ponto podemos verificar que a definição de fornecedor se distancia da definição de
consumidor, pois enquanto a este há de ser o destinatário final, tal exigência não se verifica
quanto ao fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o
comerciante, bastando que faça disso sua profissão ou atividade principal.

Fornecedor é gênero do qual comporta algumas espécies. Com isso, quando a


lei quer responsabilizar a todos, ela usará o termo “fornecedor”. Todavia, quando quer
designar alguns, especificamente fará o uso da nomenclatura da espécie.

Segundo Zanetti (apud LOURENCETTI, 2009, p.13):

O fornecedor pode ser uma pessoa física ou jurídica, não importando


seu porte. A qualidade de fornecedor não se esgota na qualidade de
empresário. A qualidade de empresário desaparece em proveito daquela
mais ampla que é do fornecedor. O empresário é absorvido pela qualidade
de fornecedor. Da mesma forma o é o banqueiro, o profissional liberal, o
segurador, o importador, o exportador.

Dessa maneira, para efeitos do CDC, são fornecedores todos os membros da


cadeia de fornecimento. Apresentando, claro, suas peculiaridades.

2.3 Produto e serviço


50
Com a conceituação objetiva do que são consumidores e fornecedores, é
extremamente necessária à indicação na relação consumerista do que é produto e serviço.
A Legislação do Consumidor em expressa dicção, conceitua produto como sendo “qualquer
bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”.

Então, o vocábulo “produto”, a partir de uma visão jurídica, assume o sentido


econômico, como resultado derivado de uma produção, isto é, o resultado de algo elaborado
por alguém, com objetivo principal de ser comercializada, satisfazendo, via de
consequência, uma necessidade humana. Como bem anota Carvalho (2008, p. 50):

Ao definir produto de forma bem ampla tem-se, para as finalidades do


Código do Consumidor, que podem ser objeto de relação de consumo
quaisquer bens – corpóreos ou incorpóreos – como também os que
venham a ser integrados a outros produtos ou a um imóvel.

Hodiernamente, os produtos apresentam sua classificação, segundo o


ordenamento consumerista, quanto à segurança, à nocividade, à adequação, à propriedade,
à durabilidade, à natureza e à essencialidade. É avaliado inseguro o produto quando não
oferece a segurança que se espera legitimamente, consoante disposição apresentada no §1º
do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor.

Ainda exemplificando o entendimento do termo produto, concluímos que o


consumidor tem o direito de não ser exposto a produtos e serviços que ocasionem perigo à
sua integridade física. Oportuno, ainda, é salientar que desse direito básico decorrem
normas como aquelas previstas nos artigos 8º, 9º e 10º do Código de Defesa do
Consumidor, que tratam das medidas de proteção à saúde e segurança do consumidor, e
que preveem, por exemplo, a exigência de ostensiva e adequada informação sobre os riscos
que os produtos ou serviços possam apresentar. Ainda nesse mesmo rol de artigos,
encontra-se disposição que veda ao fornecedor colocar no mercado de consumo produto
ou serviço que sabe ou deveria saber que o produto possa apresentar alto grau de nocividade
ou periculosidade à saúde ou segurança, sendo este, o ponto temático deste artigo.

Em relação ao serviço, o CDC, explana que o serviço é qualquer atividade


fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, compreendendo-se, inclusive,

51
as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluindo-se as provenientes
das relações de moldura trabalhista.

O serviço para ser objeto da relação jurídica de consumo, deverá ser prestado
por alguém que se enquadre no conceito de fornecedor e contratado, em contrapartida, pelo
denominado consumidor. Dessa maneira, o CDC entrelaça mais uma vez o conceito de um
elemento subjetivo à configuração dos sujeitos da relação de consumo.

3 O DIREITO À SAÚDE TUTELADO PELA LEI 8.078/1990

O direito à saúde está inserido na esfera dos direitos sociais


constitucionalmente garantidos. Trata-se de um direito público subjetivo, uma prerrogativa
jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas. In verbis:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos
de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações
e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Tal preceito é complementado pela lei 8.080/90, em seu artigo 2º quando


elucida que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Estabelecido o direito à saúde como um direito fundamental, tratamos do


direito à saúde no Código de Defesa do Consumidor. Em linhas gerais, o CDC pode ser
dividido em duas partes. A primeira, que vai do artigo 1º ao artigo 7º, sendo caracterizada
como parte geral, e a partir do 8º artigo, é inaugurada a parte especial do código. Os artigos
8º ao 10º se ocuparam de dispor sobre a proteção à saúde e segurança dos consumidores.
Verificando-se então, que o critério utilizado, decerto, fora o bem jurídico mais importante:
a vida do consumidor.

Ainda na parte geral do CDC, encontra-se tutela ao direito à saúde, no artigo


6º, inciso I,

52
São direitos básicos do consumidor:

I - A proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados


por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos[...]. ” (Grifos não originais).

Conforme elucida Bosch (2012, p. 4):

Este é, sem dúvida, o mais básico e mais importante dos direitos do


consumidor, principalmente considerando que a nossa sociedade é uma
sociedade de riscos, uma vez que muitos produtos, serviços e práticas
comerciais são efetivamente danosos e perigosos. Este “dever de
segurança” é nada mais do que o cuidado que se deve ter – dever imposto
a todos os fornecedores – ao oferecer produtos e serviços no mercado de
consumo.

A informação sobre os riscos à saúde e segurança do consumidor, segundo o


artigo 8º do CDC é um dever específico do fornecedor (fabricante e comerciante) e passou
a integrar o próprio produto e serviço. O artigo 12 § 1º, outrora já mencionado, dispõe que
ao fornecedor cabe o dever de segurança, que implica num fornecimento de produtos e
serviços seguros que não comprometam, inclusive, a saúde do consumidor. Essa segurança
não é incondicional, visto que riscos normais e previsíveis devem ser tolerados pelos
consumidores desde que contenham explicita e claramente essa informação. Conforme
explicitado pelo artigo 8º do Código de Defesa do Consumidor:

Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não


acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto
os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua
natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer
hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu
respeito.

Este dever vem repetido no artigo 9º - dever de informar nos produtos


potencialmente nocivos ou perigosos -, bem como no art. 10º- que trata da proibição de
colocação de produto ou serviço no mercado de consumo com alto grau de nocividade ou
periculosidade-. Esses riscos que a legislação do consumidor prevê se referem aos riscos
que normalmente são esperados pelos usuários, sendo então, inerentes ao produto
53
utilizado/consumido, portanto, tal consequência é indissociável ao consumo. Geralmente
são produtos utilizados no cotidiano como, por exemplo, facas, tesouras, álcool, fósforo,
bem como, algumas prestações de serviço de hotelaria. Assim, essas informações devem
ser oferecidas aos consumidores, para sua plena ciência, conforme demonstra o artigo 12
do CDC, em sua parte final, que deixa o dever de informar do fornecedor
responsabilizando-o em caso de acidente de consumo.

Contudo, o que se percebe são inúmeros casos em que a aplicação da norma


não se mostra efetiva em sua plenitude, observando-se uma enorme cifra de irregularidades,
principalmente com a dignidade da pessoa humana. Levando, portanto, o consumidor, a
requerer intervenção do Poder Judiciário na resolução de problemas e garantias de direitos
fundamentais referentes à saúde. Essa intervenção faz-se necessária por conta da relação
de consumo ser caracterizada por uma parte hipossuficiente, o consumidor, e outra parte,
menos vulnerável, ou seja, o fornecedor. Vejamos, portanto, julgados que corroboram com
toda a proteção dada, à luz do direito do consumidor, aos cidadãos detentores do direito à
saúde.

4 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS: O DIREITO À SAUDE SOB OS


EFEITOS NOCIVOS DO CONSUMO

Percebemos um expressivo crescimento dos recursos judiciais baseados no


exercício do direito à saúde, exercendo um direito à cidadania. Diante da falibilidade do
direito coletivo e da falta de sustentação deste pelo exercício da cidadania, o judiciário é
uma via para que o indivíduo seja ouvido em sua necessidade de saúde, pela afirmação do
seu direito individual contra o Estado, diante dos abusos, negligências ou quaisquer outros
vícios que são causados pelos fornecedores.

Diante disso, vejamos os diversos casos que são matérias para entendimentos
jurisprudenciais.

4.1 Direito a alimento saudável vs. resíduos e contaminação

O direito a uma alimentação saudável e adequada é garantido pela Constituição


Brasileira de 1988 através da Emenda Constitucional nº 64 que incluiu a alimentação entre
os direitos sociais, fixados no artigo 6º dessa mesma legislação.
54
O descuido na fabricação dos alimentos que serão fornecidos aos
consumidores, compromete substancialmente o direito à saúde. Em se tratando, de produtos
industrializados, inúmeros são os casos, em que a desatenção das fábricas/indústrias, causa
danos relevantes aos seus consumidores.

O entendimento jurisprudencial elucida os fatos narrados:

CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL POR FATO DO


PRODUTO. CACOS DE VIDRO NO INTERIOR GARRAFA DE
REFRIGERANTE. INGESTÃO. PRODUTO IMPRÓPRIO PARA
CONSUMO. DOCUMENTOS E PROVA TESTEMUNHAL QUE
CORROBORAM O EXPOSTO NA INICIAL. DANOS MORAIS
CONFIGURADOS. VALOR INDENIZATÓRIO QUE COMPORTA
MAJORAÇÃO PARA R$ 1.500,00, EM CONFORMIDADE COM OS
CRITÉRIOS ADOTADOS PELAS TURMAS. SENTENÇA
REFORMADA NESTE PONTO. A prova testemunhal e a nota de
atendimento, onde consta anotação de próprio punho da pessoa
encarregada de retirar a garrafa, demonstram a presença de cacos de
vidros no produto adquirido, fabricado pela ré. Evidente, assim, a
situação irregular do produto, que foi comercializado em estado
impróprio para consumo, violando a segurança alimentar. Porquanto
evidenciado o prejuízo na qualidade do alimento, resta demonstrado o
dever de indenizar. A simples aquisição de produto impróprio para
consumo caracteriza potencial risco à saúde do consumidor e provoca
sentimentos de insegurança, vulnerabilidade e repugnância,
caracterizando danos morais passíveis de indenização. O valor fixado (R$
500,00) comporta modificação, na medida em que houve a ingestão do
produto. O sentimento de repugnância vivenciado pelos consumidores
autoriza a majoração da indenização para R$ 1.500,00 a cada autor,
adequado aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como
aos parâmetros adotados por estas Turmas Recursais. Sentença
parcialmente por seus próprios fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei
n. 9.099/95. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível
Nº 71004443545, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,
Relator: Alexandre de Souza Costa Pacheco, Julgado em 30/10/2013) -
(Grifos não originais)

(TJ-RS - Recurso Cível: 71004443545 RS, Relator: Alexandre de Souza


Costa Pacheco, Data de Julgamento: 30/10/2013, Segunda Turma
Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/11/2013).

O caso em tela demonstra uma violação ao artigo 10º do CDC, assim como, se
encaixa no artigo 18º do CDC, pois, os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou
não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade que os tornem
impróprios ou inadequados ao consumo.

55
Outros entendimentos demonstram como há uma relação jurídica
desequilibrada em relação ao consumidor e ao fornecedor. Comprovando, ainda mais, a
necessidade da tutela especial conferida aos consumidores em face dos fornecedores e da
proteção ao direito à saúde e segurança:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO MORAL - ALIMENTO


CONTAMINADO IMPRÓPRIO PARA O CONSUMO - CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR - RESPONSABILIDADE
OBJETIVA - DEVER DE INDENIZAR - RECURSO PROVIDO. 1.O
fornecedor responde pelos prejuízos suportados pelo consumidor por
força da má qualidade do produto. 2.O valor da indenização a título de
danos morais deve ser arbitrado dentro dos parâmetros de razoabilidade,
com observação dos critérios necessários para a justa reparação do abalo
moral, sem dar margem a enriquecimento indevido. (Grifos não
originais)

(TJ-PR - AC: 1813663 PR 0181366-3, Relator: Clayton Camargo, Data


de Julgamento: 29/09/2005, 8ª Câmara Cível, Data de Publicação: 6979).

***

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.


RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. CONSUMO
DE ALIMENTO CONTAMINADO COM LARVAS.
CONFIGURAÇÃO DE DANOS MORAIS. - Em regra, são elementos
indispensáveis para configurar a responsabilidade e o consequente dever
de indenizar: o ilícito/culpa, o dano e o nexo de causalidade. Contudo,
nos termos da legislação consumerista, é objetiva a responsabilidade do
fornecedor pelos danos causados pela comercialização de produtos
impróprios para o consumo, portanto, independe da comprovação de
culpa. - São causados danos morais ao consumidor que ingere bombom
contaminado por larvas, em face dos riscos causados a sua saúde,
bem como do abalo psicológico e da repulsa provocados em razão da
ciência do consumo de um produto contaminado. - A fixação do valor
da indenização deve ficar ao prudente arbítrio do magistrado, que deve
evitar aviltar o sofrimento do lesado e onerar excessivamente o agente.
(Grifos não originais)

(TJ-MG - AC: 10145100272072001 MG, Relator: Alexandre Santiago,


Data de Julgamento: 05/06/2014, Câmaras Cíveis / 11ª CÂMARA
CÍVEL, Data de Publicação: 11/06/2014).

4.2 O uso de agrotóxicos e os danos à saúde

No Brasil, os agrotóxicos passaram a ser regulados pela Lei n.º 7.802/89, até
então a matéria era regulada apenas por portarias ministeriais e representou um grande
avanço no controle destas substâncias. Tal lei reconheceu o alto risco à saúde humana que

56
pode ser oferecido por esse produto e regulamentou o seu uso. Em seu art. 2º, I, “a” e “b”,
esta lei traz a definição de agrotóxico:

I - Agrotóxicos e afins:

a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,


destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de
florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de
ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de
seres vivos considerados nocivos;

b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes,


estimuladores e inibidores de crescimento.

Além dos riscos à saúde, em se tratando da questão nutricional, outra


preocupação nos assola, conforme elucida a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(ABRASCO):

Além das questões de segurança alimentar e nutricional, há que se


considerar os problemas de saúde dos trabalhadores existentes nos
processos de produção e de trabalho envolvidos na fabricação e utilização
de micronutrientes. Não é possível estabelecer-se limites máximos
aceitáveis para a exposição humana a esses contaminantes, pois diversos
deles produzem efeitos que não são dose-dependentes, além do que, a
exposição crônica a baixas doses, pode afetar a saúde. Os trabalhadores
da indústria e os rurais serão os primeiros e mais intensamente
penalizados. Posto que ficam expostos cronicamente a esses produtos
perigosos, que são acumulativos e cuja toxicidade, para a maioria, não é
dependente da concentração e do tempo de exposição, podendo trazer
efeitos graves e irreversíveis para a saúde mesmo quando a exposição
crônica for a baixas concentrações.

Conforme entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRODUÇÃO E
COMERCIALIZAÇÃO DE HORTIGRANJEIRO COM PRESENÇA
DE AGROTÓXICOS FORA DOS PADRÕES AUTORIZADOS PELA
AGÊNCIA REGULADORA. O fornecedor não poderá colocar no
mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber
apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou
segurança (art. 10 do CDC). Tratando-se de vício do produto, todos os
fornecedores, inclusive o produtor, respondem solidariamente pelos
prejuízos decorrentes (art. 18 do CDC). A constatação da presença de
agrotóxicos em níveis superiores aos permitidos pela Agência
57
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) ocasiona prejuízo à
saúde dos consumidores e gera o dever de reparar. No caso concreto,
as amostragens dos hortigranjeiros e os demais elementos de convicção
indicam que o demandado produziu e colocou no mercado produtos
impróprios ao consumo, com a utilização de defensivos não autorizados
para o tipo de cultura e em índices superiores ao permitido pelas normas
atinentes. Manutenção da sentença que proibiu ao réu ofertar, produzir,
manter em depósito ou comercializar produtos "in natura" fora das
especificações. DANO MORAL COLETIVO. VALOR
INDENIZATÓRIO. MANUTENÇÃO. O dano moral coletivo deve ser
arbitrado em valor compatível com a eficácia da sentença, a lesividade
da conduta e a dimensão coletiva do prejuízo. O quantum indenizatório,
atendido o princípio da razoabilidade, ... deve ser fixado considerando as
circunstâncias do caso, o bem jurídico lesado, o potencial econômico do
lesante, a ideia de atenuação dos prejuízos do demandante e o
sancionamento do réu a fim de que não volte a praticar atos lesivos
semelhantes contra os consumidores. Manutenção do valor definido na
sentença. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº
70066204447, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Marco Antônio Ângelo, Julgado em 07/07/2016). (Grifos não
originais)

(TJ-RS - AC: 70066204447 RS, Relator: Marco Antônio Ângelo, Data


de Julgamento: 07/07/2016, Décima Nona Câmara Cível, Data de
Publicação: Diário da Justiça do dia 11/07/2016).

No caso em tela, apesar do quantum indenizatório não ter sido provido. O


fundamento jurídico utilizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul demonstra a
clara violação ao CDC, ao elucidar que os agrotóxicos foram utilizados em níveis
desaprovados pela ANVISA, bem como, o risco de causar sérios prejuízos à saúde dos
consumidores. Demonstrando mais uma vez a relação de hipossuficiência entre
consumidores e fornecedores.

4.3 a segurança dos produtos e serviços

O artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor exige que o fornecedor


informe, publique, veicule toda e qualquer informação com relação aos produtos e serviços
oferecidos ou apresentados. Nessa mesma linha de pensamento, o artigo 31º do Código
supracitado, exige do fornecedor que as informações encontradas nos produtos sejam
precisas, claras, corretas, na língua nacional, ou seja, o português brasileiro. Informando
então, as características, qualidade, quantidade, composição, prazo de validade, origem,

58
dentre outras informações que possam assegurar aos consumidores o uso correto, bem
como, dos riscos que possam vir a apresentar quanto à saúde e segurança dos usuários.

Ainda relacionado à segurança dos produtos e serviços, quanto a publicidade


dos mesmos, deve ser observado o princípio da boa-fé, já que as informações anunciadas
devem ser cumpridas. Ao anunciar determinada matéria publicitária, a empresa cria de
certa forma, obrigação para com os consumidores, haja vista a declaração unilateral da
vontade do anunciante, bem como, a expectativa do consumidor com o produto/serviço
anunciado.

Dessa maneira, além da precisão das informações visando proteger o bem-estar


e saúde do consumidor, o produto anunciado deve cumprir com as previsões do anúncio,
assim, os entendimentos jurisprudências demonstram que:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.


AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROPAGANDA
ENGANOSA.BRINQUEDO QUE NÃO DESEMPENHAVA AS
FUNÇÕES DIVULGADAS PELA FABRICANTE E PELA
VENDEDORA. AGIR ILÍCITO. DANOS MORAIS. DEVER DE
INDENIZAR. Os elementos aportados ao processo demonstram, de
forma escorreita, o agir ilícito das requeridas ao veicularem propaganda
enganosa acerca do produto colocado à venda, e que se revelou
decisiva para a escolha do brinquedo pela pequena autora, pois, não
fosse a informação inverídica de que poderia gravar a voz,
provavelmente, teria a escolha recaído sobre um outro brinquedo.
Hipótese em que não pairam dúvidas, pois são circunstâncias que fluem
do fato em si, do abalo experimentado pela autora, a qual, após muito
pesquisar e refletir sobre o brinquedo que pediria aos seus pais para ser
presenteada no "Dia das Crianças", fazer a escolha e aguardar com
ansiedade o dia em que poderia fazer uso do brinquedo, experimentou
grande frustração ao perceber que ele não lhe proporcionaria o
divertimento almejado e prometido. Diante do seu agir ilícito, assente o
dever das rés de indenizar os danos morais deflagrados. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. Valor da indenização arbitrado na sentença em R$
3.000,00 que se revela justo e suficiente para o atendimento do caráter
punitivo/pedagógico/compensatório da sanção pecuniária, não
recomendando elevação, tampouco redução. RECURSOS DE
APELAÇÃO DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70055601173, ...
Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana
Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 23/04/2015). (Grifos
não originais).

(TJ-RS - AC: 70055601173 RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto


Vieira Rebout, Data de Julgamento: 23/04/2015, Décima Segunda
Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 27/04/2015).
59
No entendimento acima, o brinquedo apresentava informações que não
estavam condizentes com a realidade, por não desempenhar determinadas funções
prometidas, tanto em suas especificações técnicas, como veiculadas pelo
fornecedor/vendedor. Causando assim, frustrações ao consumidor, sendo violado então,
tanto o artigo 30 quanto o 31 do CDC.

APELAÇÃO CÍVEL - Multa aplicada pelo PROCON em razão de


violação ao artigo 31 do CDC-Exposição de produtos à venda sem
informações acerca do preço - Pedido de anulação da penalidade -
Inadmissibilidade - Presunção de legalidade e veracidade do ato
administrativo não ilididas pela apelante -Aplicabilidade da Portaria
Normativa nº 06/2000 que se reconhece - Reconhecida a
constitucionalidade do artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor -
Sentença de improcedência mantida - Recurso improvido. (Grifos não
originais)

(TJ-SP - APL: 994061550677 SP, Relator: Rebouças de Carvalho, Data


de Julgamento: 30/06/2010, 9ª Câmara de Direito Público, Data de
Publicação: 07/07/2010).

Segundo o pensamento de Barrionuevo (2009, p. 29):

Para que a proteção seja efetiva, a informação dada pelo fornecedor deve
ser completa e exata acerca do produto ou serviço colocado no mercado,
de forma que possibilite o consumo livre, consciente e esclarecido. O
simples controle da enganosidade e abusividade da informação é
insuficiente. O fornecedor precisa cumprir o dever de informação
positiva.

Em se tratando ainda, da segurança, mais precisamente dos alimentos, o Código


de Defesa do Consumidor, juntamente com algumas Resoluções da ANVISA, criaram
obrigatoriedades de expor informações como lista dos ingredientes que contém ou não,
prazo de validade, forma de preparo e uso, maneira de armazenamento, dentre outras
especificações muito importantes para o consumidor.

A título de exemplo, conforme a Lei n. 10.674 de 16 de maio de 2013 os


fabricantes da indústria alimentícia devem adicionar se contém ou não contém glúten nas
embalagens de todos os alimentos industrializados, a fim de proteger os doentes celíacos.
Percebe-se então, a presença da informação-advertência, que tem por objetivo advertir os
60
doentes celíacos acerca da existência do componente glúten, conferindo eficácia plena à
informação.

Dessa forma, o mais correto é que seja aplicada a Lei n. 10.674/03 em


combinação com o art. 31º do CDC, de maneira que, diante da ineficácia da simples
presença, nos rótulos e embalagens de alimentos industrializados, da expressão “contém
glúten” ou “não contém glúten”, o fornecedor apresente a advertência aos portadores da
doença celíaca.

No julgamento do Recurso Especial n. 586.316, o Ministro Antônio Herman


de Vasconcellos e Benjamin, explana sobre a importância da informação, mais
especificamente sobre a obrigatoriedade de incluir o “contém glúten” ou “não contém
glúten”, sendo utilizada juntamente com a aplicação do CDC como forma de complementar
e aclarar as informações aos seus consumidores:

No caso específico dos autos, qual a relevância de registrar apenas


“contém glúten”? A esmagadora maioria dos consumidores (inclusive o
próprio Relator deste Recurso Especial, que desconhecia a existência da
doença celíaca) certamente responderá: “E daí? ”Ou “O que eu tenho com
isso? ”. A utilidade, mais ainda em um País pouco educado em temas da
saúde pública, só aparece quando a informação é vinculada à doença
celíaca, que os fornecedores-associados da Impetrante pretendem,
intencionalmente, omitir: “Contém glúten: a existência do glúten é
prejudicial à saúde dos doentes celíacos”. Sem o referido complemento,
a expressão “Contém glúten” propicia aos consumidores uma caricatura
de informação, insuficiente para a finalidade que se justifica e legitima.
É a subinformação do consumidor. Nem se diga, a latere, que a tarefa de
educar – pela informação – essa grande massa de consumidores é tarefa
exclusiva do Estado. É, em verdade, de todos, inclusive dos agentes
econômicos.

Assim, por haver uma lacuna na Lei Glúten, é necessária sua aplicação,
preenchida pelo CDC. Mas, o interesse maior é demonstrar a importância da informação
colocada de forma correta nos produtos, para que haja uma maior segurança nos
consumidores no momento da compra.

4.4 Dos planos de saúde e a recusa de atender usuários

61
Tratando-se de um tema bastante específico, mas também de grande incidência
no cotidiano de diversas pessoas que são consumidoras de planos de saúde, diversas dessas
prestadoras de serviços se recusam a atender determinados casos, apresentando, portanto,
uma atitude juridicamente reprovável, bem como, ferindo o Código de Defesa do
Consumidor.

O contrato de assistência à saúde é um contrato de natureza aleatória, por meio


do qual o consumidor paga um valor estipulado pela operadora do plano de saúde,
mensalmente, para que assim, possa ter garantido tratamentos de saúde quando for preciso.

Quando há uma recusa por parte do plano de saúde diante de uma ocorrência
em se tratando do seu usuário, há uma evidente violação não só ao artigo 4º, caput e, III, e,
51º, IV, § 1º, II do Código de Defesa do Consumidor que em suma, explanam sobre a
dignidade do consumidor, bem como do seu direito à saúde, e ainda, sobre as obrigações
que são consideradas abusivas que coloquem o consumidor em posição de desvantagem
(conforme situação discutida), como também, há uma violação ao artigo 422 do Código
Reale: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O CDC reconhece a maneira abusiva e, portanto, a nulidade da cláusula


contratual que prejudica a continuidade do objeto central do contrato de assistência privada
à saúde, qual seja, o tratamento e a recuperação da saúde do consumidor, nos termos do
art. 51, incisos IV e XV, e §1º, incisos I, II e III.

Nessa linha de raciocínio, os arts. 18, §6º, III, e 20, §2º, do CDC, estabelecem
a necessidade da adequação dos produtos e serviços à expectativa legítima do consumidor.
É evidente que o consumidor, ao contratar um plano de assistência à saúde, possui a
legítima expectativa de que, caso fique enfermo/debilitado, a empresa contratada arque
com os custos necessários ao restabelecimento de sua saúde.

Assim, as empresas seguradoras de saúde e as empresas que prestam serviços


de assistência médico-hospitalar estão obrigadas, por necessidade da própria atividade que
exercem, a dispor de organismos capazes de pôr em movimento todo o aparato médico-
assistencial necessário para socorrer o segurado (ou assistido), no tempo oportuno e de
acordo com a mais avançada técnica da medicina.

62
Vejamos então, entendimentos jurisprudenciais do Tribunal de Justiça baiano,
que reconhecem a ilegalidade da exclusão da cobertura de tratamento a pacientes
diagnosticados com obesidade mórbida, conforme esposado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. OBESIDADE


MÓRBIDA. CIRURGIA BARIÁTRICA. PREVISÃO
CONTRATUAL DE COBERTURA. FUMUS BONI JURIS E
PERICULUM IN MORA EVIDENCIADOS. DECISÃO MANTIDA.
RECURSO IMPROVIDO. Conforme o conjunto probatório, a autora
é portadora de obesidade mórbida há muitos anos, sofre de apneia
do sono e apresenta grande risco de lesão degenerativa articular
precoce devido à excesso de peso, não tendo apresentado resposta
satisfatória ao tratamento conservador. Preenchendo, portanto, os
requisitos necessários à realização da pretendida cirurgia bariátrica,
que lhe foi indicada por diversos especialistas. A decisão recorrida,
que determinou a autorização e custeio do tratamento pelo plano de
saúde agravante, fora devidamente respaldada tanto na fumaça do
bom direito, eis que o contrato firmado entre as partes prevê tal
cobertura, quanto no perigo da demora, consubstanciado na
emergencialidade da medida para a agravada, que poderá ter a
saúde ainda mais comprometida caso precise aguardar até a
resolução final do litígio para se submeter ao tratamento. Agravo de
instrumento improvido. TJBA. Agravo de Instrumento. Processo n.
15846-3/2009. 2ª Câmara Cível. Rel. Maria do Socorro Barreto Santiago.
DJ 09/03/10. (Grifos não originais).

***

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. PLANO DE


SAÚDE. OBESIDADE MÓRBIDA. RECUSA NA COBERTURA.
IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA ABUSIVA. VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA.RECURSO NÃO PROVIDO.
Tratando-se de contrato de adesão, é abusiva a cláusula que excluiu
da cobertura o tratamento de obesidade mórbida em clínica de
emagrecimento, visto que, além de não oferecer outra forma de
tratamento, o impedimento a este tipo de internação coloca em risco
a vida e saúde da agravada e viola o princípio da boa-fé objetiva.
Agravo de instrumento não provido. TJBA. Agravo de Instrumento.
Processo n. 41560-5/2007. 5ª Câmara Cível. Rel. José Marques Pedreira.
DJ 23/10/07. (Grifos não originais).

Isto posto, percebemos mais uma vez a importância da proteção conferida aos
consumidores, considerando a incidência de uma norma de ordem pública e interesse social
que é o Código de Defesa do Consumidor.

63
5 O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA DOS CONSUMIDORES

Conforme explanado nos entendimentos jurisprudenciais supramencionados o


direito do consumidor mais especificamente relacionado ao direito à saúde, tema central
do presente artigo, é constantemente vilipendiado, aviltado dos seus usuários. Para tanto,
como forma de buscar a igualdade existem as normas protetivas, assim como, o direito de
acesso à justiça.

O direito de acesso à justiça está protegido pela Constituição Federal,


consagrado em seu artigo 5º, inciso XXXV, que diz:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: XXXV - a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Além da garantia constitucional, no artigo 83º do CDC, aduz que: “Para a


defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. ” (Grifos não
originais).

Ainda, como forma de proteger mais uma vez o consumidor, na relação jurídica
de consumo, o legislador, traz, em seu artigo 6º, inciso VIII, a inversão do ônus da prova,
como forma de facilitar a defesa do consumidor, parte hipossuficiente dessa relação.

Art. 6º [...]

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão


do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo
as regras ordinárias de experiências;

64
O instituto da inversão do ônus da prova está no contexto da facilitação da
defesa dos direitos do consumidor, estando, inclusive, consagrado na jurisprudência:

RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS. ÔNUS DA


PROVA SEGUNDO O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Suficiência da verossimilhança do alegado para transferir ao prestador de
serviços o encargo probatório (Lei n. 8.078/90, arts. 6º, VIII, e 14, §3º).
Sentença Confirmada. (TJRS - Ap. Cív. 593133416-6 6ª Câm. - Rel. Des.
Adroaldo Furtado Fabrício - RJTJRS 163/393).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina apresentou o seguinte entendimento


quanto a apelação de uma prestadora de serviços de saúde em relação a um consumidor
que teve seu direito de ser atendido suprimido, como também, houve entendimento da
inversão do ônus da prova ao plano de saúde, ratificando o direito à saúde do usuário do
plano (consumidor) e do dever mantido do mesmo ser indenizado:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - PLANO DE SAÚDE


- UNIMED - RELAÇÃO DE CONSUMO - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR - TRATAMENTO DE
OXIGENOTERAPIA - NEGATIVA DO PLANO DE SAÚDE -
DESPESA PAGA PELO CONSUMIDOR - EXCLUSÃO
CONTRATUAL NÃO VERIFICADA - CONTRATO ANTERIOR À
LEI 9.656/98 - PLANO DE REFERÊNCIA QUE NÃO EXCLUI O
PROCEDIMENTO - ÔNUS DA PROVA DA OPERADORA DE
PLANO DE SAÚDE - CLÁUSULA GENÉRICA -
INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR -
INTELIGÊNCIA DO ART. 47 DO CDC - REEMBOLSO DEVIDO -
SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.(Grifos não
originais)

(TJ-SC - AC: 25756 SC 2006.002575-6, Relator: Sérgio Izidoro Heil,


Data de Julgamento: 06/02/2007, Terceira Câmara de Direito Civil, Data
de Publicação: Apelação Cível n., de Concórdia.)

O relator Sérgio Izidoro Heil ainda sobre a Apelação Cível AC 25756 SC


2006.002575-6O mencionada anteriormente, reforça:

65
O ônus da prova, in casu, é da apelante, não tendo sido produzida prova
satisfatória sobre as teses que apresentou como defesa e como razão de
seu recurso, não sendo crível que, mesmo ciente na Lei 9.656/98, litigue
de forma a trazer prejuízo ao consumidor/contratante/apelado,
interpretando a seu bel prazer artigos e cláusulas, sempre no intuito de
favorecer-lhe (sic).

Diante do exposto, percebemos que nas ações onde a desigualdade técnica e


jurídica é patente, como na maioria das ações consumeristas, a possibilidade da inversão
do ônus da prova pode afetar de maneira positiva o desenvolvimento da demanda,
auxiliando o magistrado no conhecimento da verdade real para melhor prolatar uma
sentença justa, o que, de uma maneira geral, auxilia na efetividade do poder Judiciário.

Com isso, notamos o quão essencial é o direito de acesso à justiça, tanto para
os cidadãos, quanto mais especificamente para os consumidores em se tratando do direito
à saúde como forma de lutarem por seus direitos com "paridade de armas" em relação aos
abusos dos fornecedores.

6 CONCLUSÃO

Diante dos argumentos expostos no presente artigo, resta demonstrado que o


Código de defesa do Consumidor apresenta grande importância para o ordenamento
jurídico por tratar de forma específica da proteção da relação jurídica consumerista.
Buscando o equilíbrio entre as partes, consumidor e fornecedor, o primeiro apresenta-se
como parte hipossuficiente da relação e o último como menos vulnerável. Isto posto, fica
claro que a legislação busca proteger o juridicamente vulnerável, o consumidor.

Dentro do Direito do Consumidor, percebemos uma proteção específica ao


direito à saúde, direito caracterizado também como direito fundamental pela Carta Magna.
Tal direito, em diversas atividades cotidianas são vilipendiados do consumidor, ou
colocado em risco. Para tal, existem diversos entendimentos jurisprudenciais que protegem
o direito à saúde à luz do direito do consumidor, tornando a relação jurídica para este
isonômica. Como forma de garantir ainda mais o direito à saúde, o consumidor tem pleno
direito de acesso à justiça, com o advento da inversão do ônus da prova, para que não sofra
abusos do fornecedor.
66
A partir da atenção especial conferida à vulnerabilidade do consumidor que se
estabeleceu na legislação consumerista, reconhecendo essa desigualdade, buscando então,
estabelecer uma igualdade material entre as partes nas relações de consumo, seja limitando
ou proibindo certas práticas de mercado, seja reforçando a posição do consumidor, se
materializando assim, na luta pela proteção à vida e à saúde através dessas relações, com o
consequente restabelecimento do equilíbrio entre as partes outrora em injusta desigualdade.

67
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provido. TJBA. Agravo de Instrumento. Processo n. 41560-5/2007. 5ª Câmara Cível. Rel.
José Marques Pedreira. DJ 23/10/07. Disponível em: <<http://tj-
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Câmara de Direito Civil, Data de Publicação: Apelação Cível n., de Concórdia. Disponível

70
em: <http://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/5643102/apelacao-civel-ac-25756-sc-
2006002575-6>. Acesso em: 04 nov. 2016.

SÃO PAULO (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível:
994061550677 SP, Relator: Rebouças de Carvalho. Data de Julgamento: 30/06/2010, 9ª
Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 07/07/2010. Disponível em: <http://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15005911/apelacao-apl-994061550677-sp>. Acesso
em 02 nov. 2016.

71
4. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: as relações estabelecidas
pelos contratos de planos de saúde à luz do direito do consumidor

Carine Carvalho Figueredo 38


Lucas Viana da Silva 39

1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988, pelo fortalecimento do


princípio da dignidade da pessoa humana, tivemos o direito à saúde inserido na categoria
dos direitos fundamentais sociais, eleito pelo constituinte como de peculiar importância,
por estar intimamente atrelado ao direito à vida.
Ao reconhecer a saúde como direito social fundamental, o Estado obrigou-se a
prestações positivas, e, por conseguinte, à formulação de políticas públicas sociais e
econômicas destinadas à promoção, à proteção e à recuperação da saúde, conforme o artigo
196 da CF/88.

Ao lado do Sistema Único de Saúde (SUS), a Constituição Federal, conferiu


liberdade à iniciativa privada para praticara assistência à saúde, de forma complementar,

38
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
39
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
72
segundo as diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convénio, assegurando
preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos.

Antes da publicação da lei 9.656, de 03 de junho de 1998, o setor de Saúde


Suplementar atuava de forma autônoma, privando pelo aumento da lucratividade e
determinando suas próprias normas, as operadoras de planos de saúde se autorregiam
preocupando-se unicamente com a manutenção de um baixo índice de sinistralidade.

Mesmo após regulamentado e fiscalizado pela Agencia Nacional de Saúde


Suplementar (ANS), criada pela lei 9.961 de 38 de janeiro de 2000, é ainda bastante
comum, o uso de cláusulas abusivas, por parte dos planos de saúde, que desvirtuam o
objetivo fundamental do contrato, a prestação de assistência à saúde. O presente artigo visa
discutir as relações estabelecidas pelos contratos de planos de saúde à luz do código de
defesa do consumidor, bem como, busca destacar a essencialidade do bem contratado

2 O DIREITO A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Os Direitos fundamentais são os direitos essenciais a existência digna humana,


protegidos pela Constituição de um Estado.

Não se sabe ao certo quando e como surgiram os direitos fundamentais. O


movimento de codificação dos direitos fundamentais se deu por volta do século XVII,
época do Estado Liberal de Direito.

Os direitos fundamentais passaram por uma longa trajetória mundo a fora, só


vindo a serem positivados no Brasil pela Constituição de 1988. O constituinte além de da
especial importância ao direito à saúde, ao inclui-lo como um direito fundamental, deu
status de cláusula pétrea a essas espécies de direitos, determinando que jamais pudessem
ser alvos de reformas para diminui-los ou suprimi-los, foi conferido ao direito à saúde uma
importância enorme dentro de nossa Magna Carta.

Os direitos fundamentais nasceram para assegurar que os pressupostos


essenciais a uma vida digna fossem assegurados pela lei, o direito a saúde é um deles. O
direito à saúde está intimamente ligado ao direito a vida, pois é a saúde que garante a vida,
a privação do direito à saúde pode causar danos à saúde do indivíduo que põe em risco sua
própria vida, dessa forma, o direito a saúde pode ser considerado verdadeiro direito

73
fundamental. Sendo protegido pelo poder público, deve ser observado pela iniciativa
privada, pois se constitui afronta a norma constitucional, sua violação.

A constituição não protege o cidadão apenas contra o Estado, a proteção


também se dá contra a iniciativa privada. Com o processo chamado de constitucionalização
do Direito, a Constituição passou a figurar no centro do sistema jurídico, ao passo que
ganhou força material, outrora era apenas formal, sendo assim, todo o ordenamento
jurídico, desde leis, decretos, regulamentos à contratos devem estar de acordo com a Carta
Magna para não padecerem de vicio de inconstitucionalidade.

A Constituição Federal garante que o Estado tem o dever de prestar assistência


à saúde de forma integral, no entanto, também admite que a iniciativa privada promova
assistência à saúde. Dessa maneira, o direito à saúde deve ser pleiteado contra quem está
prestando à assistência, se à assistência à saúde estiver provindo do SUS (sistema único de
saúde) o direito deve ser pleiteado contra o Estado, se for uma operadora de plano de saúde,
nesse caso, o direito deve ser pleiteado contra o plano de saúde.

Dessa forma, as empresas de plano de saúde que atuam no mercado de


consumo, não podem se eximir de prestar um serviço que assegure satisfatoriamente a
prestação de um direito fundamental, tão basilar a dignidade e a vida humana, como o
direito à saúde.

3 A SUBMISSÃO DO DIREITO PRIVADO AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Da época quando surgiu e até muito tempo depois, os direitos fundamentais


eram considerados como direitos de defesa do cidadão contra as arbitrariedades do Estado,
os direitos fundamentais valiam contra o Estado, não interferiam na iniciativa privada, para
essa, o que valia era a autonomia da vontade, considerado bem supremo nas relações com
o cidadão.

Todavia, a sociedade foi se transformando, adquirindo novas necessidade e


novos valores, assim foram surgindo as dimensões de direitos fundamentais, primeira,
segunda, terceira e quarta. Há autores que consideram a existência de uma quinta geração
de direitos fundamentais. O direito à saúde é um direito fundamental social, um direito de
segunda geração. O campo de incidência dos direitos fundamentais também foi se
transformando, outrora só incidia na proteção do cidadão na relação com o Estado, com a

74
Constitucionalização do Direito40, o advento do Estado Social de Direito, o campo de
atuação dos direitos fundamentais passou a incidir também sobre as relações privadas.

Assim, os contratos contemporâneos trazem o dever de obediência aos


preceitos constitucionais.

Os direitos fundamentais devem ser interpretados a luz da Constituição


Federal. Assim, os contratos devem respeitar a Constituição e todos os direitos
fundamentais nela previstos, podendo padecer de vicio de inconstitucionalidade as
cláusulas que violem esse mandamento constitucional.

O contrato firmado entre a operadora de plano de saúde (fornecedor) e o cliente


(consumidor) é um típico contrato de consumo (consumo de um serviço incluído como
direito fundamental, saúde). Todavia, esse tipo de contrato tem suas particularidades em
relação aos outros, a Lei 9.657/9841, estabelece que a assistência tem de ser continuada, a
um preço estabelecido entre as partes no contrato, com o intuito de oferecer serviço de
saúde livremente pactuado, por tempo indeterminado, com a finalidade de garantir
assistência à saúde sem limitação financeira.

A referida lei foi assertiva quando concedeu especial atenção aos contratos de
plano de saúde, pois os mesmos são de grande importância social, além de ser essencial ao
consumidor nos momentos de maior vulnerabilidade da vida, uma vez que lhe dá com a
promoção e proteção do direito fundamental da vida e da saúde do consumidor.

4 O CÓGIDO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE PLANO


DE SAÚDE

Embora seja dever do Estado a garantia da saúde dos cidadãos, vemos a cada
dia crescer o número de consumidores que buscam a assistência à saúde por meios
particulares, quer sejam, por coparticipação, seguros ou convênios.

Os contratos de plano de saúde são contratos de consumo, com predominância


de uma obrigação de fazer, estabelecidos entre a pessoa física que adquire e utiliza o serviço

40
A constitucionalização do Direito é um processo em que a constituição passa a ser o centro do sistema
jurídico, tendo força material e não mais meramente formal, onde todo o ordenamento jurídico passa a dever
obediência a ela.
41
BRASIL. Lei n. 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre planos e seguros privados de assistência à
saúde. DOU, Brasília, 04 jun. 1998. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9656.htm>. Acesso em: 30 out. 2016.
75
como destinatário final (consumidor) e prestador do plano de saúde, a pessoa jurídica de
direito privado que desenvolve a atividade de comercialização e prestação do serviço
(fornecedor). Dessa maneira revelando a plena aplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1.990), bem como os princípios que o
norteiam.

Esse tipo de relação jurídica decorre do fenômeno da contratação em massa,


onde os ajustes são pré-determinados pelo prestador de serviços, independentemente da
vontade do consumidor que se vincula sem que haja qualquer discussão sobre as cláusulas
contratuais.

Daí retira-se que o contrato de plano de saúde consiste em um contrato de


adesão (artigo 54 do CDC). Ocorre que tal característica, segundo o diploma legal, impõe
um dever de informar qualificado pelo artigo 54, em seu parágrafo 4º, não o desfigurando
por inserção de cláusulas discutidas individualmente, conforme dispõe o mesmo artigo em
seu parágrafo 1º, e especialmente proibindo a inclusão de cláusulas abusivas.

O desequilíbrio contratual é flagrante em tais relações, e quase sempre em


desfavor do beneficiário do plano de saúde. Daí a necessidade da aplicação do direito do
consumidor em busca do equilíbrio contratual. Por tanto, todas as cláusulas contratuais
deverão ser claras, em especial aquelas que implicarem exclusão de coberturas, pois
deverão ser redigidas com destaque, de forma compreensível. Na dúvida o CDC orienta
que a interpretação se dará da maneira mais favorável ao consumidor.

Conforme dispõe o artigo 6º, inciso III, combinado com o artigo 46, ambos
do CDC, é direito do consumidor ter o conhecimento prévio, claro, adequado e preciso das
cláusulas contratuais referente aos produtos e serviços que contratar:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os
riscos que apresentem;
[...]. Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não
obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar
conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos
forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e
alcance.
76
Ao elaborarem seus contratos, as operadoras de planos de saúde devem
respeitar as disposições contidas na Lei 9.656/89 e nas normas editadas pela Agencia
Nacional de Saúde Suplementar sob pena de cometerem infração, sujeita a multa.

Muito embora o artigo 35-G, da lei 9.656/98, determine que as disposições do


CDC serão aplicadas apenas subsidiariamente aos contratos firmados entre a operadora de
planos de saúde e seus usuários, prevalece na doutrina que essa interpretação não é a mais
correta, tendo em vista que deveria falar em aplicação complementar e não subsidiária,
como afirma o indigitado Bruno Miragem “O CDC não deve ser aplicado apenas quando a
lei 9.656/98 não disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as leis
guardar coerência lógica, orientada pela finalidade de proteção do consumidor [...]”

Sendo a defesa do consumidor elevada à categoria de direito fundamental,


previsto no artigo 5º, inciso XXXII, c/c 170, inciso V, ambos da Constituição Federal de
1988, o Código de Defesa do Consumidor não pode ser preterido na interpretação
convergente de qualquer legislação, mesmo que se trate de lei específica sobre determinado
tema. No mesmo sentido assevera o STJ, na súmula 469: “Aplica-se o Código de Defesa
do consumidor aos contratos de plano de saúde”.

As cláusulas contidas nos contratos de plano de saúde em desacordo com a


legislação consumerista deverão ser consideradas abusivas e declaradas nulas, por meio de
demanda judicial, especialmente aquelas que excluam procedimentos médicos
indispensáveis, quer seja, limitando o tempo de internação, súmula 302 do STJ:”É abusiva
a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do
segurado”, ou que ensejem a possibilidade de agravo ao risco de danos à saúde, a exemplo
das cláusulas que excluem da cobertura contratual os procedimentos não previstos no Rol
de Procedimentos da ANS.

5 ANÁLISE DO JULGADO: RESPOSTA DO PODER JUDICIÁRIO ÁS


NEGATIVAS DOS PLANOS DE SAÚDE

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no


REsp 1172360 RS 2009/0249052-5

77
AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO CIVIL E DO
CONSUMIDOR. INTERNAÇÃO DE URGÊNCIA. PLANO DE
SAÚDE. RECUSA DE COBERTURA. ABUSIVIDADE
CARACTERIZADA. SÚMULA N. 302⁄STJ. CONDENAÇÃO POR
DANO MORAL. POSSIBILIDADE. MOLDURA FÁTICA QUE
REVELA INTENSO SOFRIMENTO DA CONSUMIDORA.

5.1 Considerações iniciais

O processo trata-se de um agrava regimental no recurso especial 1.172.360 –


RS, proposto por GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONA DE SAÚDE
LTDA (agravante) contra decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Em sólida
jurisprudência da casa (STJ), a recusa indevida, por parte de plano de saúde em custear
tratamento de urgência ou internação hospitalar é fato apto a gerar dano moral indenizável,
decidiu o STJ dar provimento ao recurso especial.

O presente agravo regimental foi interposto pelo plano de saúde GOLDEN


CROOS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE LTDA contra decisão da quarta
turma do STJ, em dar provimento ao recurso especial REsp 1172360 RS 2009/0249052-5
que concedeu indenização no valor de 35.000.00 por dano moral à Márcia Christello
Trindade Angelis-sucessão, devido ao plano de saúde acima citado ter limitado o tempo de
tratamento da paciente, determinado a suspensão da internação hospitalar, uma conduta
abusiva que causou sofrimento a vítima.

O ora agravante interpôs o agravo regimental contra o recurso especial ao qual


o STJ deu provimento, argumentando que não limitou o tempo de internação
injustificadamente, alegando que a paciente necessitava apenas fazer exames relativos a
cirurgia bariátrica que iria se submeter, e que a negativa da permanência da internação se
deu por controvérsia em torno de cláusula contratual.

O agravo regimental interposto pelo plano de saúde contra o recurso especial


não logrou êxito, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento. Por unanimidade
decidiu o STJ, baseado na sumula 302 que repudia a prática de limitar tempo de tratamento
dos pacientes, não dando provimento ao agravo regimental do plano de saúde.

5.2 Argumentos do voto

78
Tendo como relator o senhor Ministro Luís Felipe Salomão, o agravo
regimental não logrou êxito, a decisão foi em manter a condenação do plano de saúde a
pagar a indenização de 35.000.00 reais a paciente. A votação foi unânime, os Srs. Ministros
Raul Araújo (Presidente), Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr.
Ministro Relator, tendo ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. O
argumento foi que a razão do recurso não convence, nos termos da sólida jurisprudência
da casa a recusa foi indevida. Negar internamento a paciente alegando controvérsia de
cláusula contratual quanto aos casos de internação, é conduta repudiada pela jurisprudência
da casa, fato apto a gerar dano moral indenizável.

5.3 Conclusão

Diante dos fatos analisados, pode se concluir que, cláusula contratual


controvertida não pode gerar negativa de acesso à direito a saúde. O Superior Tribunal de
Justiça repudia condutas que prejudique o acesso a direito à saúde, o que causa dor e
sofrimento a vítima.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A demanda dos consumidores ao Poder Judiciário pleiteando prevenção ou


reparação de danos em relação à saúde aumenta a cada ano. As questões mais frequentes
com que nos deparamos nos processos é a tentativa das empresas que operam seguro de
saúde isentar-se da responsabilidade pelos serviços prestados.

Como consequência dessa demanda o poder Judiciário vem atuando com o


objetivo de assegurar a concretização dos direitos fundamentais, a exemplo das decisões
desfavoráveis proferidas contra as operadoras de planos de saúde, inclusive fixando danos
morais coletivos.

Apesar do progresso da legislação e da atuação em defesa do direito à saúde


por parte do poder Judiciário ainda será necessário muito esforço para ver efetivado o
direito à saúde no âmbito das relações de saúde suplementar, tendo em vista a falta de
conhecimento por parte dos consumidores de seus direitos, muitos acabam aceitando as
negativas de cobertura que são apresentadas pelos operadores dos planos de saúde e não
acessam à justiça em busca de reparação.

79
REFERÊNCIAS

Autonomia privada, regulação e estratégia. Organização CONPEDI/UFMG/FUMEC/Dom


Helder Câmara; coordenadores: Frederico de Andrade Gabrich, Rogerio Luiz Nery Da
Silva – Florianópolis: CONPEDI, 2015. Disponível
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f>. Acesso em:30 out 2016.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor, LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990.


Disponível em Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>.
Acesso em 02 nov 2016.

BRASIL. Constituição Federal, 1988. Disponível em Disponível em:


<Http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 02
nov 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Notícias. Disponível


em:<http://www.stj.jus.br/sites/STJ/Print/pt_BR/noticias/noticias/%C3%9Altimas/Plano-
desa%C3%BAde-%C3%A9-condenado-a-indenizar-consumidores-por-
pr%C3%B3tesesard%C3%ADacas>. Acesso em: 05 novembro 2016.

BRASIL. Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Resolução Normativa - RN n.


338, de 21 de outubro de 2013. Disponível
em:<http://www.ans.gov.br/index2.php?option=com_legislacao&view=legislacao&task=
TextoLei&format=raw&id=2591>. 05 novembro 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial: AgRg


no REsp 1172360 RS 2009/0249052-5. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Brasília,
DF,03 de junho de 2014. Disponível em:
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25119930/agravo-regimental-no-recurso-
especial-agrg-no-resp-1172360-rs-2009-0249052-5-stj/inteiro-teor-25119931> Acesso
em: 02 nov. 2016.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 302. Disponível em:


http://www.stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=SUMU&livre=@docn=%27000000302%27.
Acesso em: 04 nov 2016.

LIMA, Ana Claudia Medeiros Lins de Albuquerque. A Efetivação do Direito Fundamental


à Saúde através do Controle Social: uma interface com a atuação dos Tribunais de
Contas.2012. Monografia. Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. João Pessoa.
Disponível em: <http://portal.tce.pb.gov.br/wp-
content/uploads/2012/07/Monografia.pdf>. Acesso em: 02 nov 2016

MARQUES, Claudia Lima. Saúde e responsabilidade 2: a nova assistência privada à saúde.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

80
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Revista do Tribunais, 2014.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Constituição da Organização


Mundial da Saúde. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organização-Mundial-da-
Saúde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html>. Acesso em: 30 out.
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SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado.


3 ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010.

SCHMIDT, Ayeza. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E O CONTRATO DE


PLANO DE SAÚDE: a essencialidade do bem contratado. Faculdades integradas do Brasil
– UNIBRASIL, programa de mestrado em Direito. Curitiba, 2014. Disponível em:
<http://www.unibrasil.com.br/sitemestrado/_pdf/dissertacoes_2012/Ayeza%20Schimdt.p
df>. Acesso em: 31 out 2016.

81
5. UMA ANÁLISE DOS PLANOS DE SAÚDE ATRAVÉS DA GARANTIA
CONSTITUCIONAL DO DIREITO À SAÚDE SOB A ÉGIDE DO DIREITO DO
CONSUMIDOR

Daniela Trindade Borges


Evelyn Bahia Lima
Marcos Freitas Ribeiro42

1 INTRODUÇÃO

Consoante prescreve a Lei Maior e a Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 9.080/90,


o direito à saúde é uma garantia erga omnes, cuja prestação satisfatória deve ser preservada
pelo Estado. Dessa sorte, o Sistema Único de Saúde foi implementado no Brasil como
corolário da prestação integral e gratuita do direito à saúde. Sem embargo, às vistas da
deficitária tutela estatal, a iniciativa privada consagrou-se no mercado da assistência
médica, clínica e hospitalar através dos planos de saúde.

Com efeito, a relação consumerista adstrita à garantia à saúde visualizada


nesse incipiente processo de ganho de mercado contemplava, ab initio, o Código de Defesa
do Consumidor, que buscava elidir os abusos praticados pelos fornecedores e proteger os
usuários dos serviços. Contudo, fez-se mister a atividade legiferante que promoveu a
promulgação da Lei n. 9.656 em 1998, compreendendo de forma mais concisa a

42
Acadêmicos de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana.
82
abrangência, especialidade e complexidade dos planos e seguros privados de assistência à
saúde.

Nesse sentido, consoante apresenta a Agência Nacional de Saúde Suplementar


(ANS), vale trazer a lume que o Brasil conta com um dos maiores sistemas de saúde privada
do mundo, haja vista, cerca de 40 milhões de brasileiros utilizarem tais serviços. Por
conseguinte, é conspícua a estima ao direito do consumidor no panorama do direito à saúde,
no que cabe a legislação própria e subsidiariamente o Código de Defesa do Consumidor,
que por se tratarem de normas protetivas, consistem na agregação dos direitos previstos
pelo CDC aos garantidos em legislação específica. Ademais, cumpre trazer a lume a
Súmula n. 469 do Supremo Tribunal de Justiça que consiga, ipsis litteris, que “aplica-se o
Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

Não é despiciendo mencionar que a titularidade de direitos previstos no Código


de Defesa do Consumidor aos quais são prerrogativas dos usuários de planos e seguros
privados de saúde depreende do que dispõe o art. 2º e 3º do diploma. Nesse quadro,
estabelece-se que o usuário é pessoa física que adquire e utiliza serviço como destinatário
final e o plano de saúde é pessoa jurídica de direito privado que desenvolve atividade de
comercialização e de prestação de serviço.

Pari pasu, proceder-se-á à análise de julgado trazendo a lume a


contextualização do estudo proposto neste trabalho, elucidando os principais argumentos
sub judicee ilustrando os nuances da dialética entre a prestação estatal do direito à saúde e
a proteção dos direitos do consumidor.

2 RESUMO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE E DIREITO DO


CONSUMIDOR NO BRASIL

Antes de adentrar o tema propriamente dito, cumpre traçar um breve escorço


histórico acerca do direito do consumidor no Brasil e seus reflexos no direito à saúde, haja
vista, tratar-se de um ramo jurídico que teve seu principal marco com a inclusão no texto
da Constituição Federal de 1988. Porém, é importante apresentar a figura jusconsumerista
em acontecimentos anteriores à Carta Magna de 1988 e a posterior Lei nº 8078/90, que
criou o Código de Defesa do Consumidor – CDC. Neste ponto, faz-se mister salientar a
importância dos reflexos advindos dos aspectos sociais, políticos e econômicos de uma

83
sociedade na esfera consumerista e seu essencial caráter protetivo ao consumidor, que
representa o elo mais fraco da relação de consumo.

Precisamente a partir década de 1970 o Brasil enfrentou um forte processo


inflacionário e, consequentemente, um aumento no custo de vida, o que fez com que
surgissem no país órgãos que buscassem defender o consumidor. Ilustrativamente, pode-
se citar a Associação de Defesa e Orientação do Consumidor de Curitiba (ADOC),
Associação de Proteção ao Consumidor de Porto Alegre (APC) e o Grupo Executivo de
Proteção ao Consumidor, atual Fundação PROCON São Paulo, instituições criadas em
1976 (ALMEIDA, 2013).

Na década de 1980, período em que se concretizava a redemocratização do


país, além de se configurar uma recessão econômica latente, os grupos de movimentos
consumeristas, inspirados, também, nos movimentos internacionais de proteção ao
consumidor, buscaram incluir esse tema nas discussões da Assembleia Nacional
Constituinte.

Notadamente, em 1985, por meio do Decreto nº 91.469, foi criado o Conselho


Nacional de Defesa do Consumidor, do qual fizeram parte institutos como os Procons, a
Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público, os representantes do Ministério da
Justiça, o Ministério da Saúde, a Confederação da Indústria, entre outros representantes de
setores ligados ao mundo consumerista. Ademais, é importante que se diga que o Código
de Defesa do Consumidor, pioneiro no mundo na codificação do tema, teve a exigência de
sua criação disposta no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), quando
em seu artigo 48 determinou que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da
promulgação da Constituição, elaborará o Código de Defesa do Consumido” (BESSA,
2014).

Assim, com a Lei nº 8.078/90, se constituiu o Código de Defesa do


Consumidor, que deu uma maior abrangência e alcance à proteção do elo vulnerável da
relação consumerista, qual seja, o consumidor.

Além do tema atinente ao direito do consumidor, é salutar que se verse sobre a


história dos planos de saúde no Brasil. Sendo evidente a relação entre os dois ramos,
proteção ao consumidor e saúde, como pode ser observado em linhas pretéritas quando

84
expressamente se apresenta que o Ministério da Saúde esteve presente e fazia parte do
Conselho Nacional de Defesa do Consumidor.

O Sistema Único de Saúde (SUS), que nasceu a partir da Constituição Federal


de 1988, veio para legitimar a saúde como um direito da cidadania. Entretanto, o advento
de seu surgimento não pôs fim aos planos de saúde privados já existentes no país, pelo
contrário, o sistema privado foi, de certa forma, ampliado e eles passaram a conviver entre
si: a saúde pública, através do SUS, e a saúde suplementar, por meio dos planos de saúde
comerciais.

É importante que se apresente como marco histórico a Lei Eloy Chaves,


promulgada em 1923. Tal lei criou, em cada estrada de ferro existente no Brasil, uma caixa
de aposentadoria e pensão para seus funcionários. Estas caixas, que eram financiadas e
geridas por patrões e empregados, serviam, também, para que os trabalhadores e seus
dependentes utilizassem os serviços médicos e hospitalares.

Outro ponto importante foi a criação da caixa de aposentadoria e pensão do


Banco do Brasil – Cassi – criada no ano de 1944 e é o plano de saúde mais antigo do Brasil
ainda em operação. Paralelamente a isso, na década de 1940, começam a aparecer os
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que representavam ampla parcela dos
trabalhadores urbanos e compravam serviços de saúde (PIETROBON; PRADO;
CAETANO, 2008).

Já a partir da década de 1950 começam a surgir, no ABC paulista, os planos de


saúde comerciais, abertos ao público, por meio de planos coletivos empresariais como
medicina de grupo. No que concerne aos citados Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs), no ano de 1966, são unificados, formando o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS). Através desse acontecimento, os credenciamentos de prestadores de
serviços no ramo da saúde privada e das multinacionais de medicamentos tiveram um
aumento significativo, isso porque, nesse período, grande parte dos trabalhadores urbanos
já contavam com planos de saúde. Por conseguinte, a década de 1960 foi um marco
histórico da saúde suplementar no Brasil (PIETROBON; PRADO; CAETANO, 2008).

Em 1970, auge da ditadura militar, é criado o Sistema Nacional de Previdência


e Assistência Social (SINPAS), fazendo parte deste o Instituto Nacional de Assistência
Médica e Previdência Social (INAMPS), através dos quais se intensificou ainda mais a

85
contratação de serviços do setor privado da saúde. A década de 80, por seu turno, é marcada
por forte turbulência em torno da política, economia e grupos sociais, além do crescimento
do movimento sanitarista, sendo este um dos fomentadores da criação do SUS, que
manteve e ampliou a saúde suplementar no Brasil.

Por derradeiro, cumpre salientar a importância do Código de Defesa do


Consumidor nas relações entre os planos de saúde privados e seus clientes, principalmente
no período anterior à promulgação da lei nº 9656/98, que regulamentou a saúde
suplementar no país.

Com efeito, os planos de saúde privados desempenham uma atividade


comercial como qualquer outra, de forma que estão sujeitos às diretrizes do Código de
Defesa do Consumidor. Entretanto, os PROCONs se tornaram insuficientes para resolver
as lides entre os consumidores e as operadoras dos planos de saúde. Situação que fez surgir
a necessidade da edição e promulgação da lei nº 9.656/98, que buscou regulamentar a saúde
suplementar no Brasil e a posterior lei nº 9.961/00, que criou a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), sendo esta a instância reguladora desse setor econômico,
consumerista e de saúde (SALAZAR et al., 2005).

3 OS CONTRATOS DOS PLANOS DE SAÚDE E A REGULAMENTAÇÃO DO


CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Como é sabido, a relação entre plano de saúde e contratante é uma típica


relação contratual e de consumo, já que preenche todos os requisitos constantes do Código
de Defesa do Consumidor, tanto nos dispositivos do art. 2º quanto no art. 3º, in verbis:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza


produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que
indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem
atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou
prestação de serviços.

86
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

No sentido de se liquidar qualquer possibilidade dúvida, o STJ editou em 2010


a súmula 469, enunciando que “aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos
de plano de saúde”. Destarte, a súmula corrobora e solidifica o entendimento de que “a
operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população
tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome
ou a natureza jurídica que adota”. (Resp 267.530/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar,
DJe 12/3/2001).

4 AS OBRIGAÇÕES DOS PLANOS DE SAÚDE E AS GARANTIAS DO


CONSUMIDOR

Para além das inúmeras preocupações que mantém o Código de Defesa do


Consumidor, tem-se em seu amparo a proteção à vida e à saúde do cidadão como uma de
suas prerrogativas firmadas. Por oportuno, sabe-se que as empresas prestadoras dos
serviços de plano de saúde, por vezes, tentam dificultar o acesso de pessoas aos
procedimentos sejam urgentes ou não, se utilizando do argumento de que os consumidores
estão em período de carência que não abrangeria aquele procedimento.

Cabe trazer a lume, com o fim de fundamentação, a lei que regulamenta os


planos de saúde e que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, a
Lei 9.656/1998 (alterada pelo decreto-lei de nº 2.177/44/2001), também trata dos direitos
e deveres das empresas que oferecem o serviço:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos


de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações
previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas
amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art.
10, segundo as seguintes exigências mínimas:
[...]
V - quando fixar períodos de carência:
a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo;
87
b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;
c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de
urgência e emergência;
[...]
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato
de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em
declaração do médico assistente; e
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou
de complicações no processo gestacional

Neste sentido, como também demonstra o artigo 14 do CDC, resta configurada


a intenção de se proteger a vida e a saúde dos usuários dos planos de saúde, tendo em vista
sempre a conservação da dignidade da pessoa humana. Como mencionado acima,
demonstra o referido dispositivo:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o


consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas


técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando


provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

88
§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa.

5 O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE E A RESPONSABILIDADE


OBJETIVA DO FORNECEDOR

Em respeito ao princípio da vulnerabilidade do consumidor (HERMAN, 1998,


p. 245), a vulnerabilidade é a peça fundamental do direito do consumidor e o ponto de
partida de toda a sua aplicação, principalmente em matéria de contratos, conforme milita o
artigo 4º, inciso I, do mesmo Código:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o


atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua
dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos,
a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e
harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo (grifo nosso);

Conforme elucidado acima, em menção ao artigo 14º do CDC, responde o


fornecedor objetivamente pela reparação dos danos causados aos consumidores por
defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou
inadequadas sobre sua fruição e riscos, sendo a sua omissão injustificada causa de
responsabilidade civil.

Em diálogo com o texto consumerista, a Carta Magna de 1988 reverbera tais


preceitos quando aborda a ordem econômica e financeira em seu artigo 170, caput, bem
como no seu inciso V, determinando que seja garantida a defesa do consumidor, tratando
a norma do CDC de forma subsidiária ou complementar.

É sabido que o CDC, por ser uma norma principiológica, tem a prevalência de
postulados de valor superior, e não de regras, pretendendo assegurar o respeito aos direitos
e garantias fundamentais do consumidor, com o fito de resolver os abusos sofridos por eles,
dando um amplo e seguro tratamento aos consumidores que constituem a parte mais
vulnerável das relações de consumo.

89
No sentido de ratificar a tutela dos direitos do consumidor e de regulamentar a
prestação dos serviços da seara dos convênios de saúde, a agência reguladora de planos de
saúde no Brasil (ANS), exige que os planos de assistência à saúde, na prestação de seus
serviços, atendam aos seguintes requisitos: a) registro no concelho regional de medicina;
b) discriminação dos serviços a serem prestados; c) instalações adequadas e profissionais
capacitados; d) capacidade econômica e financeira e que demostre a área de abrangência
de assistência; e) que o plano de assistência à saúde tenha em suas instalações uma
infraestrutura adequada, com equipamentos ambulatórias para que seja capaz de oferecer
um amparo aos seus conveniados, quando necessária a internação hospitalar.

Tais prerrogativas constituem-se necessárias para que se assegure ao


consumidor uma prestação adequada e a garantia de um serviço equipado, a fim de evitar
os abusos ou transtornos de determinadas situações que ensejem danos morais.

5 ANÁLISE DE JULGADO: RECURSO ESPECIAL N. 1.055.199/SP

DIREITO DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. PERÍODO DE


CARÊNCIA.SITUAÇÕES EMERGENCIAIS GRAVES. NEGATIVA
DE COBERTURA INDEVIDA. I - Na linha dos precedentes desta Corte,
o período de carênciacontratualmente estipulado pelos planos de saúde,
não prevalece, excepcionalmente, diante de situações emergenciais graves
nas quaisa recusa de cobertura possa frustrar o próprio sentido e razão deser
do negócio jurídico firmado. II - No caso dos autos o seguro de saúde foi
contratado em 27/10/03para começar a viger em 1º/12/03, sendo que, no
dia 28/01/04, menosde dois meses depois do início da sua vigência e antes
do decurso doprazo de 120 dias contratualmente fixado para internações,
osegurado veio a necessitar de atendimento hospitalar
emergencial,porquanto, com histórico de infarto, devidamente informado
àseguradora por ocasião da assinatura do contrato de adesão,experimentou
mal súbito que culminou na sua internação na UTI. III - Diante desse
quadro não poderia a seguradora ter recusadocobertura, mesmo no período
de carência. IV - Recurso Especial provido.43

No caso em tela, o senhor Nelson Vital Garcia interpôs um Recurso Especial


após ter sido negada a procedência de apelação interposta pelo mesmo em ação movida
contra o plano de saúde Sul América Segura Saúde S/A. Tal seguradora se negou a dar
cobertura à internação emergencial do autor alegando estar no período de carência.

43
STJ - REsp: 1.055.199/SP - 2008/0100025-8, Relator: Ministro Sidnei Beneti, Data de Julgamento:
03/05/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/05/2011.
90
Como se pode extrair do voto do relator do recurso em análise o seguro de
saúde foi contratado pelo senhor Nelson na data de 27/10/03 para que este entrasse em
vigor apenas em 1/12/03, porém em 28/01/04 o segurado veio a necessitar de atendimento
de urgência e posterior internação, sendo assim antes do prazo de 120 dias estabelecido no
contrato para internações. É importante que se diga que o autor tem histórico de infarto,
que foi devidamente informado ao plano de saúde no ato da assinatura do contrato de
adesão. Então, por se tratar de suspeita de derrame, o segurado foi internado na UTI do
Hospital São Camilo em 29/01/04.

Dessa forma, mesmo com o caráter emergencial da internação do recorrente,


no dia 30/01/04 a empresa ré se negou a dar cobertura. Reiterando a negação no dia
02/02/04, ignorando o laudo médico emitido pelo Hospital São Camilo e encaminhado à
Sul América.

Mesmo com a recusa de cobertura por parte do plano de saúde o hospital


manteve o paciente internado e realizou todos os procedimentos cabíveis para salvar a sua
vida, dado o risco de morte que este passava. Findo o risco, o paciente foi transferido para
o quarto e recebeu alta médica no dia 09/02/04, quando o hospital emitiu a nota fiscal do
serviço prestado no valor de 17.258,86 (dezessete mil, duzentos e cinquenta e oito reais e
oitenta e seis centavos), conta que o autor não teve condições de quitar.

Expostos os fatos, faz-se mister versar brevemente sobre as relações de direito


à saúde e direito do consumidor neste caso concreto. Além da imbricação desses ramos
atinentes aos planos de saúde privados.

Em seu artigo 199, caput, a Constituição Federal de 1988 estabelece que a


assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Sendo assim, não foge aos princípios gerais
da atividade econômica, como se pode observar no artigo 170 da Carta Magna, quando
estabelece, sobretudo em seu inciso V, que:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
[...]
V - defesa do consumidor.

91
Nesse quadro, pode-se extrair que a assistência à saúde, quando desenvolvida
por iniciativa privada, está sujeita ao Código de Defesa do Consumidor e seus princípios
norteadores. Tais como a hipossuficiência e vulnerabilidade do consumidor.

Consoante salientado alhures, relacionando com o caso em estudo, torna-se


evidente que as cláusulas ou práticas abusivas contidas no contrato de adesão, firmado
entre o recorrente e a empresa ré, devem ser revistas e, se necessário, anuladas, conforme
se pode observar nos arts. 39 e 51 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o
caráter hipossuficiente e vulnerável que o assegurado assume na relação consumerista
existente entre ele e o plano de saúde.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Às vistas do exposto, cumpre asseverar, com fulcro nos ditames


constitucionais, bem como legislação consumerista e complementar, que é inequívoca a
relação de consumo consagrada no bojo da contratação de assistência médica privada.
Outrossim, a prestação de serviços de saúde que decorre da atividade estatal é privatizada
neste limiar do panorama capitalista e, por conseguinte, a tutela constitucional é
terceirizada.

Derradeiramente, é cediço que a aplicação subsidiária do Código de Defesa do


Consumidor, bem como a absorção de seus princípios na legislação complementar, é
inexorável, partindo da premissa que a concepção de um sistema de saúde suplementar
ensejou conflitos entre os diferentes setores envolvidos.

92
REFERÊNCIAS

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Saraiva, 2013.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos. Código Brasileiro de Defesa do


Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor - Ministério Da Justiça,


Secretaria Nacional Do Consumidor, Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor.
4ª ed. Brasília, DF: Revista e Atualizada, 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,


DF: Senado Federal.

BRASIL. Decreto nº 2.177-44 de 24 de agosto de 2001. Altera a Lei no 9.656, de 3 de


junho de 1998, que dispõe sobre os planos privados de assistência à saúde e dá outras
providências. Diário Oficial, Brasília, DF: Senado Federal. Acesso em: 30 out. 2016.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2177-44.htm>.

BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Acesso em: 04 nov. 2016. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br>.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 469. Aplica-se o Código de Defesa do


Consumidor aos contratos de plano de saúde.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível nº 1016607-


14.2013.8.26.0100 SP. Apelante: SUL AMÉRICA CIA. NACIONAL DE SEGURO.
Apelado: BENEDITO VITAL DE FIGUEIREDO JUNIOR. Relatora: Grava Brazil. São
Paulo, 21 de novembro de 2014. 8ª Câmara de Direito Privado.

GONÇALVES, Carlos. Direito Civil, volume VI. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

GUGLINSKI, Vitor. Direito do Consumidor. Juiz de Fora: Brasilcon.

LIMA, Claudia. Contratos no código de defesa do consumidor. 4ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais.

93
MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno.
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 7ª ed. São Paulo:


Saraiva, 2014.

PIETROBON, Louise; PRADO, Martha Lenise do; CAETANO, João Carlos. Saúde
suplementar no Brasil: o papel da Agência Nacional de Saúde Suplementar na regulação
do setor, 2008.

SALAZAR, A.L.; RODRIGUES, K.; NUNES JÚNIOR, V.S. Assistência privada à saúde:
regulamentação, posição do IDEC e reflexos no sistema público. In: BRASIL/MS. Direito
sanitário e saúde pública, v. 1, 2005.

94
6. A RELAÇÃO HOSPITAL-PACIENTE SOB A ÓTICA DA
RESPONSABILIDADE OBJETIVA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.

Eliabe Ribeiro Vidal44


Hianca Santos Silva45
Mirna Graziela Carvalho Pereira46

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo propõe-se a analisar a aplicabilidade do direito do


consumidor nas relações do direito à saúde, realizando um estudo de caso, referente ao
julgamento do Recurso nº 1.322.387/RS, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), tendo como relator o Ministro Luís Felipe Salomão, em 20 de agosto de
2013.

Primeiramente, estabelece-se os conceitos fundamentais sobre as relações de


consumo, seus agentes, critérios de responsabilidade civil, bem como a definição de defeito
e vício do serviço ou produtos, estabelecidos pela lei federal nº 8.078/90 (Código de Defesa
do Consumidor – CDC).

Não há unanimidade doutrinária em relação a quais são os elementos


estruturais da responsabilidade civil ou pressupostos do dever de indenizar. De qualquer

44
Bacharelando em Direito pele Universidade Estadual de Feira de Santana.
45
Bacharelanda em Direito pele Universidade Estadual de Feira de Santana.
46
Bacharelanda em Direito pele Universidade Estadual de Feira de Santana.
95
forma, como o objetivo deste trabalho é a facilitação didática e metodológica da concepção
do fenômeno jurídico, sem perder a técnica, apresentamos o entendimento de alguns
autores brasileiros, a fim de analisarmos o acerto/equívoco do julgado em epígrafe.

A responsabilidade civil nas relações de consumo podem ter natureza objetiva,


ou seja, independente da aferição de culpa do causador do dano, ou ainda, subjetiva, quando
a culpa é elemento imprescindível para o reconhecimento da responsabilidade e do dever
de indenizar, consoante os arts. 12 e ss. do CDC.

Maria Helena Diniz (2004) aponta a existência de três elementos para a


caracterização da responsabilidade civil, a saber: a) existência de uma ação, comissiva ou
omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, pois
ao lado da culpa como fundamento da responsabilidade civil há o risco; b) ocorrência de
um dano moral ou patrimonial causado à vítima; c) nexo de causalidade entre o dano e a
ação, o que constitui o fato gerador da responsabilidade.

O direito fundamental à saúde, não raras vezes, necessita de intervenção


judicial para ser assegurados a todos, de modo que é cada vez mais comum a judicialização
das demandas de saúde (notadamente na rede particular de atendimento), quando as
violações ou ameaças de violações se mostram insuperáveis administrativamente. Os
planos de saúde, os hospitais, os médicos e os demais agentes são personagens da relação
de consumo, nos termos do CDC e em regra, respondem solidariamente (todos juntos) por
eventuais danos causados no exercício da prestação do serviço médico-hospitalar.

O caso em estudo, fundamenta-se na suposta responsabilidade civil de uma


instituição médica responsável pelo serviço médico de transfusão de sangue, que
supostamente teria gerado contaminação viral no paciente submetido ao tratamento,
pairando a discussão jurídica acerca da existência do dever de indenizar e sob qual
perspectiva de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, estando afastada de plano a
impossibilidade da aplicação do código de defesa do consumidor, na medida estarem
presentes os pressupostos e requisitos para o reconhecimento da relação de consumo
(fornecedor – consumidor – serviço), nos exatos termos dos arts. 1º e seguintes do CDC.

Neste contexto, pretendemos perquirir o acerto ou equívoco do julgado do


Tribunal Superior, a partir do caso concreto, estabelecendo os devidos registros técnicos –
jurídicos na fundamentação jurídica realizada por sua Excelência, o Ministro Relator.
96
2 RESPONSABILIDADE OBJETIVA NA DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que “[o]s produtos e


serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança do
consumidor [...]” (art. 8°), cabendo aos fornecedores o dever de prestar informação sobre
os mesmos. Quando produto ou serviço não oferecer ao consumidor a segurança que dele
se espera, este será considerado defeituoso (Art. 12, §1º; Art. 14, §1º). O chamado “defeito
de consumo” (MOURA, 2014) se caracteriza por afetar o consumidor em sua segurança ou
saúde. Ele se diferencia do vício, pois este diz respeito ao produto ou serviço que não atende
às finalidades esperadas em qualidade ou quantidade. O defeito vai além do vício, causando
danos materiais ou morais ao consumidor. Ambos os casos podem ensejar reparação,
porém há uma diferença em relação aos prazos para ajuizamento da ação relativa a cada
um.

Antes da entrada em vigor do CDC, era adotada a perspectiva da


responsabilidade subjetiva do fornecedor para fins de indenização destes defeitos, ou seja,
para fundamentar decisão condenatória do fornecedor-réu, havia de ser comprovada a culpa
do mesmo. Isto significa que, em caso de defeito, o fornecedor não seria obrigado a
indenizar o dano exceto quando agisse comprovadamente com negligência, imperícia ou
imprudência. O CDC, que se inspira no princípio da vulnerabilidade do consumidor, tendo-
o como parte mais fraca da relação de consumo, buscou facilitar a sua defesa adotando a
perspectiva da responsabilidade objetiva, como deixa evidente em seu artigo 12, que vale
a pena ser transcrito abaixo:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e


o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
(BRASIL, 1990)

A partir de então, a defesa do consumidor mudava o seu foco da pessoa do


ofensor para a pessoa do ofendido, a vítima. A responsabilidade objetiva se preocupa mais
97
com o resultado (dano) e sua efetiva reparação do que juízo negativo sobre a conduta do
agente (SILVA, 2006). Sob o CDC, não é mais necessária a comprovação da culpa do
ofensor, bastando ser comprovados: a) a existência do defeito; b) a existência do dano; c)
e a existência de nexo causal entre os dois (MOURA, 2014). A responsabilidade pelo
defeito de consumo é solidária, atingindo o fabricante, o produtor, o construtor, o
importador e, excepcionalmente, o comerciante nos casos previstos no art. 13.

Há, todavia, uma exceção à responsabilidade objetiva em relação aos


profissionais liberais, os quais deverão ter sua culpa devidamente comprovada no processo
(art. 12 § 4°). Há também três ocasiões em que o fornecedor não será responsabilizado:
quando provar a) que não colocou o produto no mercado; b) que o defeito inexiste; c) a
culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, conforme os arts. 12, §3° e 14 §3º.

3 RESP 1.322.387 / RS: UMA DESCRIÇÃO

Para compreender como funciona a aplicação da responsabilidade objetiva nas


relações de consumo no caso concreto, especialmente na área da saúde, escolhemos para
análise o Recurso Especial 1.322.387 / RS, julgado pela Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e relatada pelo Ministro Luis Felipe Salomão em 20 de agosto de
2013.

A recorrente no processo é a Associação Educadora São Carlos (AESC)


mediante o recorrido Evaristo Duarte Araújo, o qual, tendo recebido transfusão de sangue
no hospital da instituição no ano de 1997, se descobriu portador do vírus HCV (hepatite C)
em 2004. O paciente processou o hospital, exigindo indenização de R$ 300.000 (trezentos
mil reais). De acordo com a sentença condenatória, caberia ao hospital demonstrar, por
meio de exames pré-cirúrgicos que o paciente já portava o vírus antes da realização da
transfusão de sangue. Por falhar em apresentar tal prova em contrário, a instituição foi
condenada em primeira instância, mas interpôs recurso de apelação, o qual recebeu
provimento parcial, reduzindo a quantia indenizatória a R$ 150.000 (cento e cinquenta mil
reais), sem efeitos infringentes. O hospital, então, interpôs o recurso especial em questão
alegando violação aos arts. 535 do CPC/1973, 14, § 1.º, incisos I, II, III e § 3.º, inciso I do
CDC, arts. 927 e 944 do CC, bem como aos arts. 286 e 333, inciso I e II do CPC/1973. Foi

98
reconhecida então a improcedência do pedido inicial, saindo vitorioso do processo o
hospital.

4 RESP 1.322.387/RS: ANÁLISE SOB A ÓTICA DA RESPONSABILIDADE


OBJETIVA NA DEFESA DO CONSUMIDOR

Cabe agora analisar o referido recurso especial diante de cada um dos


elementos da responsabilidade objetiva que forem relevantes para o caso em questão. Para
que caiba a responsabilização objetiva do réu no processo, como já foi dito, deve-se
observar se há cumprimento de seus pressupostos (defeito, dano e nexo de causalidade
entre os mesmos) e se a parte-ré não apresenta nenhuma das causas de afastamento da
responsabilização objetiva, como as elencadas nos arts. 14, § 3º (inexistência de defeito ou
culpa exclusiva do consumidor) e § 4º (ser profissional liberal).

4.1 Nexo causal não estabelecido

É necessário que se estabeleça entre o defeito e o dano o necessário nexo de


causalidade, ou seja, é necessário que o dano tenha sido causado pelo defeito. A teoria da
responsabilidade objetiva não exclui esta necessidade, não fazendo sentido responsabilizar
o fornecedor sem que o dano seja decorrente do defeito. No caso em questão, Evaristo
Duarte Araújo afirma haver nexo de causalidade entre a transfusão de sangue que sofreu
na AESC em 1997 e sua contração da hepatite C, descoberta em 2004.

A condenação em primeira instância da AESC foi fundamentada da seguinte


forma:

A ausência de prova em contrário, permite concluir que o contágio a que


foi exposto o autor decorreu de falha de controle do sangue coletado...
Embora haja nos autos documentos preenchidos por funcionário da parte
ré dando conta de que os três doadores não tinham hepatite, tem-se o que
chama de janela imunológica – período entre a contaminação e
possibilidade de constatação via exames laboratoriais. O ônus da prova
de incumbência da parte ré estaria cabalmente demonstrado acaso fossem
juntados exames pré-cirúrgicos feitos no paciente – de posse dos quais

99
poder-se-ia aferir se este tinha ou não hepatite antes da cirurgia.
(BRASIL, 2013, p. 13).

Depreende-se das afirmações acima que, embora não houvesse nexo causal
necessário entre o suposto defeito e o dano, ainda cabe condenação ao réu. O aparente
raciocínio do juiz é de que, havendo a responsabilidade objetiva e, portanto, a necessidade
de o réu provar sua não responsabilidade, deve este ser condenado por supostamente falhar
em não apresentar “prova cabal”, a qual seria, segundo o magistrado, os “exames pré-
cirúrgicos” comprovando que o paciente já portava a doença. Trata-se, portanto, de um
recurso errôneo à teoria da responsabilidade objetiva, pois como já foi dito, a mesma não
exclui a necessidade lógica do nexo causal (CAVALIERI FILHO, 2012). O que é deixado
de lado, na responsabilidade objetiva, é a culpa, não o nexo causal, isto é, não cabe analisar
se o dano ocorreu por negligência, imperícia ou imprudência do fornecedor, mas se o
defeito causou o dano.

Mesmo que a transfusão de sangue ocorrida em 1997 tenha sido a única ao qual
o paciente se sujeitou, há outras formas de se contrair a hepatite C que não por transfusão
sanguínea, como o

uso de drogas injetáveis, hemodiálise, acupuntura, piercings, tatuagem,


droga inalada, manicures, barbearia, instrumentos cirúrgicos utilizados
inclusive em tratamentos odontológicos, relacionamento sexual, tendo
sido encontrado o vírus da hepatite C no sangue menstrual de mulheres
infectadas e nas secreções vaginais, dentre outras formas de
contaminação (BRASIL, 2013, p. 12).

Assim, não é possível estabelecer com precisão que a transfusão de sangue


tenha ocasionado a contração da doença. Além disto, consta no acórdão que a perícia
realizada durante o processo relevou que nenhum dos três doadores do sangue transfundido
tinha hepatite C, o que corrobora para o não estabelecimento do nexo causal.

4.2 Inexistência de defeito

É importante ressaltar a existência do defeito como pressuposto da


responsabilização objetiva (art. 12, caput). Deve-se indagar se há defeito de consumo, sem
o qual a ação não procederá. Como a relação de consumo analisada se dá por meio de

100
fornecimento de serviço médico (transfusão de sangue) e não de um produto, é fundamental
compreender o que o CDC caracteriza como serviço defeituoso. A definição do Código é
a seguinte:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o
consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as
circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido. (BRASIL, 1990 – grifo nosso).

Chamamos a atenção para o inciso II do artigo supracitado, o qual nos adverte


a considerar o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam. A doutrina
reconhece a existência de várias modalidades de risco nas relações de consumo, entre as
quais cabe destacar e diferenciar o risco inerente do risco adquirido. Segundo o jurista
Sérgio Cavalieri Filho (2012), o risco inerente “é o risco intrínseco, atado à sua própria
natureza, qualidade da coisa ou modo de funcionamento” (id. ibid, p. 196). O autor traz
como exemplos de risco inerente os medicamentos com contraindicação, uma faca afiada
ou um carro veloz. Os riscos inerentes são normais, conhecidos e previsíveis, acarretando
no dever do fornecedor de “informar de maneira extensiva e adequada, a respeito de sua
nocividade ou periculosidade, sem prejuízo de outras medidas cabíveis em cada caso
concreto” (CDC, art. 9°). Sobre o risco adquirido, cabe citar novamente Cavalieri Filho
(2012): “Fala-se em risco adquirido quando produtos tornam-se perigosos em decorrência
de um defeito. São bens que sem o defeito não seriam perigosos” (op. cit., p. 197). O
fornecedor não será responsabilizado por risco inerente, exceto quando falhar em informá-
lo ao consumidor. Ao contrário, responderá sempre que houver risco adquirido (id. ibid.).

Feitas estas definições, é necessário saber se houver risco inerente ou risco


adquirido no fato em questão. Citando o julgado da primeira instância, diz o acórdão sob
análise:

Nas fichas de fls. 82/86 constam anotações das tipagens realizadas


[nos doadores], em conformidade com a regulamentação da ANVISA
[Agência Nacional de Vigilância Sanitária], segundo a perícia (laudo de
fls. 252/263)... Constatou o perito o seguinte: “As fichas de doação
101
registram que o sangue coletado e posteriormente transfundido no
autor apresentou resultados negativos em todos os testes sorológicos
exigidos . São registros do próprio banco de sangue do hospital. Não é
possível, pelo só exame da fichas, depreender com absoluta segurança
se todos os testes foram corretamente executados ou se os doadores se
encontravam na 'janela imunológica.” Esclareceu o perito que “a janela
imunológica é o tempo transcorrido entre o dia do contágio e o dia em
que os testes sorológicos sejam, capazes de detectar a presença de
anticorpos ou antígenos referentes ao agente infeccioso específico. No
caso da hepatite C, o teste ELISA de terceira geração, que é
correntemente usado, é capaz de detectar os anticorpos anti-HCV num
período de seis a oito semanas após a exposição. (BRASIL, 2013, p. 6,
grifos do autor).

Ora, levando em consideração que o fornecedor do serviço agiu dentro da


legalidade, em conformidade com a regulamentação da ANVISA, trata-se de risco inerente,
não de risco adquirido, o que fica implícito no acórdão na seguinte fala:

Trata-se, como se vê, de um risco reduzido, porém não eliminável. Parece


correto sustentar, assim, que aquilo que o consumidor pode
legitimamente esperar não é, infelizmente, que sangue contaminado
jamais seja utilizado em transfusões sangüíneas, mas sim que todas as
medidas necessárias à redução desse risco ao menor patamar possível
sejam tomadas pelas pessoas ou entidades responsáveis pelo
processamento do sangue. (FERRAZ apud BRASIL, 2013, p. 9).

Assim, desde que o fornecedor tenha cumprido seu já aludido dever de


informação, não há que se falar em serviço defeituoso, mas em um resultado negativo
decorrente de risco inerente. Portanto, mesmo que houvesse nexo causal entre o serviço e
o dano, não se falaria em defeito, pois o fornecedor seguiu todos os procedimentos
estabelecidos pela ANVISA para a redução dos riscos inerentes à prática de transfusão de
sangue.

4.3 Cabimento de responsabilização objetiva

Como já foi dito, os profissionais liberais são isentos da responsabilização


objetiva conforme estabelece Art. 14, § 4°. Portanto, deverá ser examinado se tais
profissionais agiram com culpa. O acórdão do REsp1.322.387 / RS afirma que a triagem
dos doadores de sangue na AESC era realizada por profissionais de saúde (médicos,
102
enfermeiros ou técnicos de enfermagem). Sendo estes, pelo menos no caso do médico e do
enfermeiro, profissionais liberais, reconhecidos como tal pela Confederação Nacional das
Profissões Liberais (CNPL) (CARVALHO; AZEVEDO, 2004), logo seria fácil supor que
estes responderão se houver culpa. Contudo, alguns fatos devem ser considerados.

Embora os referidos profissionais de saúde sejam profissionais liberais, o CDC


adotou a responsabilização solidária (Art. 18, caput). Portanto, o autor poderá acionar a
prestadora de serviços de assistência médica e de planos de saúde, os hospitais ou os
profissionais de saúde que lhe atenderem diretamente (BOTELHO, 2003). Assim, embora
estes profissionais respondam por culpa, as instituições responderão objetivamente.

Além disso, para fins de aplicação da norma prevista no Art. 14, § 4°, é levado
em consideração o vínculo empregatício, como aponta Botelho (2003):

Questão igualmente complicada diz respeito à responsabilidade do


hospital, havendo uma tendência de responsabilizá-lo quando há vínculo
empregatício entre o estabelecimento hospitalar e o médico, sendo,
porém, exclusivamente deste último a responsabilidade quando utiliza o
estabelecimento apenas para fazer cirurgias e internações de seus
pacientes particulares (BOTELHO, 2003, p. 10)

Portanto, apesar de exercidas por profissionais liberais, a responsabilização


objetiva do estabelecimento hospitalar é cabível, devido à obrigação solidária dos
fornecedores e do vínculo empregatício entre o profissional e a instituição.

5 CONCLUSÃO

De todo o exposto, constata-se que o paciente ajuizou a ação indenizatória


alegando ter sofrido dano em razão da contaminação pelo vírus da Hepatite C, em
decorrência do tratamento de transfusão de sangue o qual submeteu-se no ano de 1997,
aduzindo solidariedade passiva e responsabilidade civil objetiva da acionada, obtendo êxito
em decisão de primeiro grau de jurisdição.

Em sede de apelação houve reforma parcial da sentença recorrida, reduzindo o


quantum indenizatório anteriormente estipulado por sentença judicial. Inconformada com
103
o acordão, a ré interpôs o recurso especial impugnando as razões invocadas para a
manutenção do dever de indenizar, na medida em que demonstrou a ausência de nexo de
causalidade entre o tratamento e o dano experimentado pelo autor, causa excludente da
responsabilidade civil, nos termos do art. 14 do CDC.

O julgamento do especial pautou-se na técnica jurídica, em absoluta


observância aos preceitos normativos e análise de provas, uma vez que, a instituição
médica demonstrou nos autos, a ausência de vínculo lógico indutivo entre a ação
(tratamento médico de transfusão) e o dano (contaminação do vírus), com a consequente
exclusão da responsabilidade civil, ainda que de natureza objetiva.

O nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual


da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa
ou o risco criado e o dano suportado por alguém. O conceito de nexo causal não é jurídico;
decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta
e o resultado.

Portanto, entendemos acertada a decisão de reforma do acórdão recorrido, pelo


provimento do recurso especial, em razão da previsão de exclusão da responsabilidade civil
e consequente dever de indenizar, inserta no art. 14, § 3º, I do CDC, onde não estando
plenamente consolidado a existência do defeito do serviço, resta a exclusão da
responsabilidade, sob pena de injustiça e enriquecimento sem causa.

Ademais, a aplicação do estatuto consumerista não é uma carta branca às


aventuras judiciais, necessitando de mínimas demonstrações de viabilidade fático-jurídicas
do mérito das ações, para em equilíbrio jurídico, os consumidores sempre vulneráveis,
obtenham êxito em suas pretensões.

Desta forma, efetivamente demonstrada que o fornecedor tenha cumprido seu


dever de informação e razoável diligência para mitigar os riscos intrínsecos dos serviços,
não há que se considerar um serviço defeituoso, mas em um resultado negativo decorrente
de risco inerente, próprio da atividade e até certa medida, esperado sob a perspectiva social.
Logo, mesmo que houvesse nexo causal entre o serviço e o dano, não se falaria em defeito,
pois o fornecedor seguiu todos os procedimentos estabelecidos pela ANVISA para a
redução dos riscos inerentes à prática de transfusão de sangue, consoante as perícias e
relatórios mencionados na ementa do julgado.
104
REFERÊNCIA

BOTELHO, Nadja Machado. Responsabilidade Civil por Erro Médico. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2003. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-
pesquisa/publicacoes/estnottec/arquivos-pdf/pdf/310914.pdf> Acesso: 02 nov 2016

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8078/1990. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm> Acesso: 02 nov 2016

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão do Recurso Especial 1.322.387 / RS.


Relator: SALOMÃO, Luis Felipe. Publicado no DJe de 23-09-2013. Disponível em
<http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24226319/recurso-especial-resp-1322387-rs-
2011-0274494-1-stj#> Acesso: 02 nov 2016

CARVALHO, Lejeune Mato Grosso Xavier de; AZEVEDO, Carlos Alberto Schmitt de.
Breve História das Profissões Liberais no Brasil. FENACI, 2004. Disponível em
<http://www.fenaci.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=79&Itemid=7
0> Acesso: 02 nov 2016

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10º ed. São Paulo: Atlas,
2012.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004.

FARENA, Duciran Van Marsen. A responsabilidade civil no novo Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor. Boletim Científico. ESMPU, Brasília, a. II – nº 6, p. 117-134 –
jan./mar. 2003.

MOURA, Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad de. Manual de direito do consumidor.
4. ed. Brasília: Escola Nacional de Defesa do Consumidor, 2014. Disponível em
<http://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/manuais/manual-do-direito-do-
consumidor.pdf> Acesso: 02 nov 2016

SILVA, Vitor Borges. A responsabilidade civil no Direito do Consumidor. Museu da Justiça


- Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, v. 01, p. 01, 2006. Disponível em

105
<http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=4afce350-4aa9-4f2b-8ab4-
f8e0d926499e> Acesso: 02 nov 2016

106
7. OS PLANOS DE SAÚDE E A MATERIALIZAÇÃO DO PLANEJAMENTO
FAMILIAR: DIALOGANDO A PROTEÇÃO À REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Ingrid Nascimento Freitas 47


Isa Malena Ormond de Miranda48

1 INTRODUÇÃO

Em uma análise interdisciplinar, o presente artigo busca por em baila o Direito


do Consumidor e o Direito à Saúde, a partir da proposta de exame do direito ao Planejamento
Familiar sob o enfoque da cobertura contratual dos planos de saúde ao procedimento de
reprodução assistida. Dessa forma, trabalha com contrapontos que distam da dignidade da
pessoa humana à necessidade de seguimento ao disposto em lei.

Por vezes criticada, a força do Judiciário brasileiro é aqui utilizada de forma


positiva e a judicialização da saúde como método de democratização e empoderamento do
consumidor em face dos abusos constantes ao direito à saúde cometidos pelos planos de saúde
através dos contratos de adesão.

A saúde é, de maneira fática, um direito transdimensional. Ela pode ser pensada


como um direito individual no sentido de que existem limites de intervenção estatal a serem

47
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
48
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

107
estabelecidos de modo a respeitar o subjetivismo individual, as escolhas, a liberdade de
disposição quanto aos cuidados ao seu próprio corpo, conquanto que não ameace o bem
fundamental, que é a vida, dentro dos liames da dignidade da pessoa humana e sob a
supervisão do Ministério Público. Também, como já citado, pode ser pensada e
principalmente concebida como um direito social, como a define o artigo 6º da Constituição
Federal. Ou seja, um direito que exige uma prestação positiva do Estado, no sentido de agir
em prol do fornecimento de condições amplas para o seu gozo. E, por fim, em análise às três
dimensões tradicionais, como um direito coletivo, ou seja, que ultrapassa a individualidade e
de que é titular um grupo, uma categoria ou uma classe de pessoas.

Dada a transdimensionalidade e a sua importância, é imprescindível a sua


concretização, seja pelo Estado, seja por seus representantes na esfera privada. Tal
materialização implica inevitavelmente o surgimento relações de consumo e de instrumentos
e disposições normativas que as ampare.

Os planos de saúde atuam, pois, como atores principais no diálogo entre a vida e
o consumo, passando a estarem enquadrados no conceito de fornecedor e abarcados pelas
disposições do Código de Defesa do Consumidor. Dessa maneira, serão analisados seus
posicionamentos ao lidar com tal bem jurídico fundamental, a partir da abordagem à
fertilização in vitro.

2 AS RELAÇÕES JURÍDICAS DE CONSUMO

Para que se possa entender o que é uma relação de consumo, é necessário saber,
primeiramente, que o Código de Defesa do Consumidor não define o que vem a ser tal
relação, mas sim trata dos seus elementos, tanto objetivos, quanto subjetivos, de modo que
os primeiros dizem respeito ao acordo, ao negócio que as partes venham a celebrar,
formando-se um vínculo jurídico, sendo, o bem, objeto mediato da relação jurídica. Já os
elementos subjetivos referem-se às partes – consumidor e fornecedor
– assim como, também, a ideia de consenso entre elas.

Partindo de tal máxima, cabe, ainda, elucidar acerca da diferença entre relação
social e relação jurídica. Nesse contexto, a primeira torna-se a segunda quando repercute no
âmbito do Direito. Da mesma forma, uma relação jurídica parte da atividade do homem que,
vivendo em sociedade, enseja relações sociais. Pode-se, dessa forma, conceituar relação

108
jurídica como toda relação social disciplinada pelo Direito. Nessa perspectiva, a norma
jurídica apresenta um liame mediante àqueles que participam de determinada relação social,
dando a um dos sujeitos o poder e ao outro um dever. Esse liame, esse vínculo de ambas as
partes relacionadas, por sua vez, é um atributo da norma jurídica, é o direito emanado.

Levando-se em consideração ao que foi dito, tem-se por relação jurídica de


consumo, portanto, aquela firmada entre consumidor e fornecedor, a qual possui como objeto
a aquisição de um produto ou a contratação de um serviço. Levando-se em consideração essa
premissa, vale lembrar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXII,
determinou como dever do Estado a proteção do consumidor. Pode-se observar, assim, que
essa proteção aparece como um direito fundamental e, dessa forma, faz-se mister destacar,
como bem observa Fabrício Bolzan, no livro Direito do Consumidor Esquematizado (página
331), que é importante haver a concessão de direitos básicos ao consumidor como meio de
alcançar a perspectiva constitucional. Esses direitos básicos são referentes a direitos que são
universalmente consagrados, como aqueles expressos no artigo 6º do Código de Defesa do
Consumidor, a exemplo do inciso primeiro o qual elucida que “I - a proteção da vida, saúde
e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos e nocivos”, entre outros.

Em se tratando dessas proteções, no que se refere ao direito do consumidor e em


face dos contratos de planos de saúde e o direito de proteção nos casos de reprodução
assistida, é importante esclarecer, a priori, acerca do que são planos de saúde e como eles
podem ser intermediadores da função estatal.

3 OS PLANOS DE SAÚDE E A NATUREZA DE SEUS CONTRATOS

De acordo com a Lei n. 9. 656/98, planos de saúde seria a denominação dada a


todas as atividades que compõem uma prestação continuada de serviços ou cobertura de
custos assistenciais, com um preço pré ou pós estabelecido, com prazo indeterminado, tendo,
também, o escopo de garantir a assistência à saúde mediante a faculdade de acesso e
atendimento tanto por profissionais, como por serviços de saúde, podendo ser integrantes de
uma rede credenciada, contratada ou referenciada, buscando a assistência médica, ou
hospitalar, ou odontológica, podendo ser paga parcialmente ou integralmente às custas da

109
operadora contratada, por meio do reembolso ou pagamento direto àquele que presta o serviço
através da ordem do consumidor. Dessa forma, um plano de saúde é um serviço oferecido
por operadoras, empresas privadas, que têm o objetivo de prestar assistência médica e
hospitalar.

Tendo em vista a égide acima, é importante lembrar que a assistência à saúde é


um direito de todos e um dever do Estado, como é explicitado no artigo 6º, da Constituição
Federal de 1988, que diz: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a paz social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição”. Observa-se, no entanto, que embora o direito à saúde esteja previsto na
Constituição Brasileira, ainda assim não é extremamente eficaz para que possa atender a
todos. Nessa perspectiva, o Estado libera a iniciativa privada de serviços médicos e
hospitalares como forma de um complemento da assistência à saúde. É a partir de então que
são criados os Planos de Saúde Privados, devendo, a pessoa que nele quiser estar inscrita,
assinar um contrato com uma operadora e, pagando mensalmente, terá a cobertura de gastos
médicos, hospitalares, ambulatoriais etc. Vale ressaltar, ainda, que esses contratos com as
operadoras devem estar subordinados à Lei n. 9. 656/98 e ao Código de Defesa do
Consumidor.

Conforme os pressupostos acima, cabe trazer à baila a ideia de que, os contratos


de plano de saúde, seja qual for, será um contrato de consumo, aplicando-se, assim, as normas
do CDC, como mostra a Súmula 469 do STJ que torna inteligível que o já mencionado código
é aplicado aos contratos de plano de saúde. Para além disso, relembrando a máxima do que é
uma relação de consumo, a qual é feita com a existência de um vínculo entre fornecedor e
consumidor, envolvendo a aquisição de um produto ou serviço, vê-se que a operadora é,
portanto, responsável pelo produto ou serviço que oferece.

Dando atenção às premissas já expostas, nota-se, contudo, que há operadoras de


planos de saúde que chegam a respeitar os direitos dos consumidores elencados nas relações
contratuais, abrangendo, dessa forma, cláusulas abusivas que vão de encontro aos princípios
do Direito do Consumidor. É possível constatar que, mesmo com as formas de proteção ao
destinatário final do serviço, os planos de saúde ainda mantêm suas cláusulas abusivas,
deixando esse destinatário final vulnerável, pois, quando realmente precisam usar seus
convênios, os mesmos passam a não cobrir suas necessidades como, por exemplo, em

110
realização de cirurgias para o implante de próteses. Nesse diapasão, com a finalidade de dar
maior segurança aos contratantes dos planos, pode-se relembrar a lei já mencionada – lei 9.
656/98 – que obrigou os planos de saúde a cobrir qualquer necessidade urgente que venha a
ser encontrado o aderente, considerando, destarte, nula e abusiva a cláusula que coloque o
consumidor em situação de desvantagem.

Para além disso, de acordo com a Lei de Planos de Saúde, os contratos existentes
entre estes e o consumidor devem abranger todas as doenças que estão inerentes à
Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados com a Saúde,
da Organização Mundial de Saúde. Em paralelo, na elaboração de contratos de tal natureza
influi base regulamentar devendo ser obedecidas uma série de outras diretrizes, quais sejam
as presentes no Manual de Planos de Saúde, elaborado pela Secretaria Nacional do
Consumidor em parceria com o Ministério da Justiça e a Escola Nacional de Defesa do
Consumidor, além do rol de procedimentos a serem cobertos por planos de saúde
estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS.

O processo de reelaboração do rol de procedimentos definidos pela ANS e


constantes em Lei é realizado a partir da constituição de um grupo técnico composto por
representantes de entidades de defesa do consumidor, de operadoras de planos de saúde, de
profissionais de saúde que atuam nos planos de saúde e de técnicos da ANS. O grupo se reúne
a fim de construir nova proposta que, posteriormente, é submetida à avaliação da sociedade
por meio de consulta pública.

Vê-se, entretanto, que essa premissa se restringe à segmentação da cobertura


contratada, de forma que, se determinado consumidor tem um plano que cobre o tratamento
A e, todavia, precisa de um tratamento B, este tratamento não poderá ser coberto. Dentro
desse rol regulamentado existe uma margem de liberdade para o fornecedor, de modo até a
também garantir a liberdade contratual das relações jurídico-privadas, o que constitui o
ponto-chave de diferenciação entre as propostas de plano oferecidas.

Por outro lado, em se tratando da temática desse artigo, cabe, primeiramente,


explicitar acerca da do que vem a ser a Lei de Planejamento Familiar e quais as suas
implicações no estabelecimento de limites da produção e interpretação contratual em questão.

3.1 A lei de planejamento familiar

111
Um dos Direitos Humanos que é reconhecido pela ONU é o direito ao
planejamento familiar. Nesse contexto, um dos direitos referidos é o direito à família.
Partindo de tal premissa, a Declaração Universal dos Direitos Humanos abrangeu em seu
artigo XXV, nº 2 que a maternidade e a infância têm a direito a cuidados e assistências
especiais.

Além do mais, de acordo com o art. 2º da Lei nº 9.263/96, que é a lei que cuida
da matéria de planejamento familiar é o conjunto de ações que regula a premissa da
fecundidade, para que garanta direitos iguais da constituição, limitação ou aumento dos filhos
ou pela mulher, ou pelo homem ou pelo casal.

Dessa forma, trata-se do direito à reprodução, do direito à saúde reprodutiva e ao


controle da fecundidade. O direito ao planejamento familiar está intimamente ligado também
ao direito à maternidade, à paternidade responsável, à descendência e à filiação.

Outrossim, a Lei nº 9.656/98, alterada pela Lei nº 11.935/09, passou a prever no


artigo 35-C, inciso III, a cobertura obrigatória pelos planos de saúde de atendimento nos casos
de planejamento familiar, até mesmo no acesso a métodos conceptivos, como tratamento
hormonal e reprodução assistida – inseminação artificial e fertilização in vitro. A Agência
Nacional de Saúde atualizou o campo de procedimentos e eventos que constitui a referência
básica para cobertura assistencial mínima nos planos privados de assistência à saúde através
da Resolução Normativa nº 262, principalmente no que tange à cobertura das ações de
planejamento familiar. O que se observa, no entanto, é que nem sempre os planos chegam a
cobrir tais atos, causando transtornos, constrangimentos, danos morais, e isto se dá devido ao
fato de, normalmente, o casal vir há um certo tempo tentando formar uma família e ainda
assim encontrar obstáculos por parte de um plano que esse casal acreditava em poder ajudar
e encontrar meios para isso.

Partindo do pressuposto acima, negar este direito a quem não pode ou não quer
ter filhos de forma convencional, é negar uma vida digna a quem quer conceber, pois se
configura até mesmo como algo que vai de encontro à Constituição, visto que a mesma abarca
o direito de se construir uma família. Além disso, a Lei 11.935 de 2009 que obriga os planos
de saúde a autorizarem e pagar de forma integral a cobertura do planejamento familiar, inclui
todos os modos de tratamentos, sem exceção. Dessa maneira, toda a mulher que não consegue
engravidar pela maneira convencional, mas tenha condições para isso, pode buscar apoio na

112
medicina para fazer, visto que para esta a concepção é, hoje, uma doença que pode ter
inúmeras causas e, também, inúmeros tratamentos.

4 DA SAÚDE AO JUÍZO

O entendimento de parte dos que se esmeram na interdisciplinaridade


preponderante na relação entre o Direito do Consumidor e o Direito à Saúde em tais estudos
é de que a abertura do judiciário também e de forma intensa para a resolução dos conflitos
que envolvem o Direito à Saúde consiste em dar amplitude e democratização do acesso e do
gozo a uma das áreas jurídicas que mais envolvem aspectos essenciais para a existência
humana. Consolida-se, então, a judicialização da saúde.

Em um outro olhar, dizer que a materialização de um sistema de saúde eficaz


depende de intervenções constantes do Poder Judiciário é demonstrar uma intensa fragilidade
em sua base constitutiva, seja por má distribuição de verbas, má aplicação e, além de tudo,
como já fomentado, deslindes intrínsecos a relações consumeristas.

No entanto, em detrimento às divergências de percepções e em rumo ao cerne da


questão, a força da consolidação do entendimento jurisprudencial nesta nova fase de
ascendência do Judiciário e o destaque de suas interpretações e extrações do sentido social e
humano em conflito com a necessidade do respaldo no estritamente legal dos contratos de
planos de saúde abrem espaço, nesse momento, para a demonstração prática da compreensão
acerca do tema supra abordado.

4.1 Contextualização jurisprudencial - Parte 1

Como o sustentáculo do primeiro ponto de vista e aplicação, considerar-se-á a


decisão colegiada do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, cuja ementa sintetiza:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL.


LIMINAR. INDEFERIMENTO. EXCLUSÃO DA COBERTURA (LEI nº
9.656/98, ART. 10, inciso

III). PLANEJAMENTO FAMILIAR. FERTILIZAÇÃO IN VITRO.


OBRIGATORIEDADE DE COBERTURA (Lei nº 11.935/2009).
AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO.

113
1. O indeferimento da liminar deveu-se, essencialmente, a dois fatores:

(I) não constar do rol obrigatório determinado pela Agencia Nacional de


Saúde Suplementar o procedimento requestado pela parte promovente
(Fertilização in Vitro) , e; (II) a legislação reguladora da matéria é expressa
ao afastar o dever das operadoras de planos privados de saúde ao
fornecimento de procedimentos de inseminação artificial (art. 10, III, da Lei
nº 9.656/98).

2. Entretanto, embora a supramencionada lei exclua a obrigatoriedade de os


planos de saúde custearem a inseminação artificial, o mesmo diploma legal,
em seu art. 35-C, inciso III, obriga às operadoras de planos de saúde a dar
cobertura aos segurados nos casos relacionados ao planejamento familiar.

3. A partir da Lei nº 11.935/2009, inteligência do art. 35-C, III, da Lei nº


9.656/98, a fertilização in vitro tornou-se, aparentemente, tratamento de
cobertura obrigatória, diante da urgência incontroversa e decorrente do
risco de falência ovariana precoce.

4. Agravo conhecido e provido. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e


discutidos estes autos, figurando como partes àquelas acima indicadas,
acorda a Turma julgadora da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do Agravo de Instrumento,
dando-lhe provimento, para reformar o ato combatido, nos termos do voto
do Desembargador relator, parte integrante deste. Fortaleza, 18 de agosto
de 2015 FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO Presidente do Órgão
Julgador DESEMBARGADOR FRANCISCO DARIVAL BESERRA
PRIMO Relator Procurador (a) de Justiça

(TJ-CE - AI: 06243669020158060000 CE 0624366-90.2015.8.06.0000,


Relator: FRANCISCO DARIVAL BESERRA PRIMO, 8ª Câmara Cível,
Data de Publicação: 18/08/2015).

O que é posto em pauta aqui é o diálogo entre a legislação reguladora da matéria,


o disposto em contrato e a natureza da fertilização in vitro em comparação ao disposto no
amparo legal específico.

O primeiro embate se dá em relação ao disposto nos artigos 35-C e 10, III, da Lei
9.656/98, que dispõem que:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de


vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração
do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou


de complicações no processo gestacional;

III - de planejamento familiar.

114
Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o
disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art.
35. (Grifos nossos).

***

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com


cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo
partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de
enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a
internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística
Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da
Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas
estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: [...]

III - inseminação artificial. (Grifos nossos).

Tais dispositivos legais presentes na mesma Lei contrapõem severamente


aspectos que se confundem. Por um lado, julga ser de caráter obrigatório os casos concretos
que englobem circunstâncias concernentes ao planejamento familiar. Em contrapartida,
exclui de forma nítida a obrigação de os planos de saúde fornecerem procedimentos de
inseminação artificial.

Ocorre que Inseminação artificial e Fertilização in vitro (ou Reprodução


Assistida), se tratam de procedimentos diferentes e por diversas vezes com objetivos
distintos. Frequentes são os casos em que a Fertilização in vitro é a única saída para amenizar
graves sintomas de uma endometriose, por exemplo, ou até a circunstância de que apenas o
transplante de um órgão de um irmão é capaz de salvar a vida do indivíduo enfermo.
Considerando a não mais fertilidade de seus pais, trata-se de procedimento de suma
importância para sua sobrevivência. E diversos são os casos em que tal procedimento não é
apenas o fim, mas o meio de alcance à cura. Cabe ressaltar que, independente do objetivo a
ser alcançado, o resultado implica em Planejamento Familiar e em assumir os riscos deste
quesito com a responsabilidade que lhe é devida. Por isso se faz tão importante o fato de
existir dentro do próprio rol obrigatório de cobertura o amparo psicológico aos que optam
pela realização de procedimentos dessa seara.

Além disso, cabe diferenciar de maneira bem sucinta ambos os métodos,


destacando que a inseminação artificial é um procedimento mais simples do que a
Fertilização in vitro e consiste em diminuir o caminho percorrido pelo espermatozoide até

115
o óvulo a partir do depósito do sêmen na cavidade uterina. Já a Reprodução Assistida é um
processo mais complexo, realizado totalmente em laboratório, onde há a fecundação
extracorpórea.

Assim, é absolutamente falho o argumento utilizado no Agravo de Instrumento


que originou tal julgado, ao alegarem que o inciso que exclui do rol obrigatório de cobertura
a inseminação artificial também se aplica aos casos de Fertilização. Esse, na verdade, é o
argumento de maior frequência por parte dos planos de saúde em busca de justificar a sua
omissão contratual diante da obrigatoriedade de cobertura dos procedimentos concernentes
ao Planejamento Familiar.

Os planos de saúde, como já disposto em páginas anteriores, possuem condições


técnicas e conhecimento jurídico amplamente superiores para processo de elaboração de um
contrato. Então cabe a eles a exposição de informações claras, que destoem do senso comum
que acompanha a maioria dos cidadãos que firmam tais tipos de contratos. Além disso, diante
da amplitude de conhecimento técnico que lhe pertence, soa utilização de má-fé ao negar a
assistência a um procedimento vital, com base em argumentos absolutamente infundados.

Logrou êxito, portanto, o Relator ao fazer preponderar a circunstância da


obrigatoriedade em cobertura diante da absoluta conexão com o Planejamento Familiar,
visando a boa-fé e o amparo à dignidade da pessoa humana, bem como o gozo de direitos
materiais de cunho fundamental.

4.2 Contextualização jurisprudencial - Parte 2

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Saúde. Pretensão de cobertura de


fertilização "in vitro". Sentença de improcedência, sob o fundamento de
haver exclusão contratual, permitida pela Lei nº 9.656/98. Apela a autora
sustentando haver prescrição médica; recusa ilegal e abusiva; obrigação de
prestar atendimento para o caso de planejamento familiar com assistência à
concepção e contracepção; infertilidade conjugal catalogada como doença.
Descabimento. Inseminação artificial. Lei reguladora da assistência privada
à saúde afasta sua imposição do rol de tratamentos ao instituir o plano-
referência de assistência à saúde. Inteligência do art. 10, III, da Lei nº
9.656/98. Cobertura para planejamento familiar admitida no art. 35-C da
aludida norma aplicável apenas no que não conflitar com a disposição
especialíssima que afasta a obrigatoriedade de cobertura à inseminação
artificial. Presença também de exclusão contratual. Recurso improvido.

116
(TJ-SP - Apelação: APL 10772581220138260100 SP 1077258-
12.2013.8.26.0100, Relator: JAMES SIANO, 5ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 21/03/2016). (Grifos nossos).

Em se tratando da ementa acima, cabe, primeiramente, relembrar o que seria a


Lei n. 9. 656/98, de modo que esta é a lei dos planos de saúde. Nesse caso, a referida lei traz
à baila os planos e seguros privados de assistência à saúde. É também conhecida como Lei
de Planos de Saúde, tendo em vista que foi a responsável pela regulamentação desse setor.
Não obstante, alguns dispositivos da lei aplicavam-na a contratos antigos, como no artigo 35-
E da mesma, e estão suspensos por força de liminar concedida na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1931. Essa decisão é baseada no art. 5º, XXXVI, da Constituição
Federal, e compreende que os contratos anteriores à lei constituem um ato jurídico perfeito.

Não obstante ao que foi dito, cabe destacar que a Constituição Federal, também,
em seu artigo 226, §7º, esclarece que em função dos princípios da dignidade da pessoa
humana e da paternidade responsável, nota-se que o planejamento é uma livre decisão do
casal, devendo o Estado proporcionar recursos tantos educacionais quanto científicos para
que possa atingir esse direito, vedando qualquer que seja a forma coercitiva das instituições
oficiais ou privadas. Partindo dessa égide, vê-se que, a partir do momento que o plano de
saúde não cobriu o tratamento de fertilização in vitro, o mesmo foi, também, de encontro a
esse preceito constitucional, posto que essa relação de consumo entre o plano e o cliente é,
também, fruto da permissão do Estado em deixar que esses convênios atuem até mesmo para
que a saúde possa chegar a todos, visto que só a atuação do próprio Estado não consegue
abranger a toda população.

Além disso, outra lei que pode ser citada é a lei 11. 935/09, que obriga os planos
de saúde a autorizarem e custearem o planejamento familiar. Dessa maneira, os planos ficam
obrigados a custear sem limitações as contracepções e tratamentos para aqueles casais que
querem engravidar, seja por meio de fertilização in vitro, seja por meio de inseminação
artificial. Para além disso, a lei 9. 656/98 torna inteligível, também, no artigo 35-C que é
obrigatória a cobertura em casos que abarca a assistência à concepção e a contracepção. Ao
revés, a mesma lei, no artigo 10, III esclarece que: “é instituído o plano-referência de
assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar,
compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de

117
enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar,
das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências
mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto” em casos de inseminação artificial.

Seguindo a ideia acima, faz mister lembrar acerca da questão contratual, tendo
em vista que um dos princípios específicos do contrato de consumo é o princípio da
interpretação mais favorável ao consumidor, em que, no artigo 47 do diploma Consumerista
dispõe que “as cláusulas interpretadas de maneira mais favorável ao réu”. Além disso, no art.
423 do Código Civil é apresentado que “quando houver no contrato de adesão cláusulas
ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.
Nessa perspectiva pode-se destacar que, embora na ementa a qual foi exposta tenha sido
apregoado que no contrato abarcava apenas as doenças e problemas referentes com a saúde
da OMS, e a doença da autora, nesta, não estava presente, é importante lembrar, destarte que
há casos em que não é preciso estar escrito em contrato, pois são casos que têm grande
relevância no quesito dos Direitos Humanos, assim como, também, da dignidade humana.
Não menos importante, a saúde é um direito previsto na própria Constituição Federal,
devendo ser levada em consideração em todos os âmbitos, seja ele no âmbito oficial, seja no
âmbito privado.

5. CONCLUSÃO

Tendo em vista os pressupostos citados durante a explanação do tema, é preciso


que haja um olhar de maior sensibilidade em direção àqueles que buscam gerar a sua prole
ou possuem a partir desse ato a chance de salvar uma vida. Nesse contexto, cabe lembrar,
como já foi mencionado anteriormente, que o direito à família faz parte do rol dos direitos
humanos, o que mostra que, para aquela pessoa que quer conceber uma criança, esse direito
faz parte da sua dignidade humana. Nesse diapasão, embora haja leis que determinem a não
cobertura pelos planos de saúde da reprodução assistida, faz mister elucidar que a
interpretação contratual é voltada, com maior ênfase, em favor daqueles que aderem ao plano,
ou seja, os consumidores.

118
Para além disso, é preciso denotar, ainda, que quando um convênio não cobre
esse tipo de tratamento, ele barra o direito de alguém gerar seus descendentes. Não só isso,
mas também cabe dizer que não basta a pessoa ser impedida de buscar tratamentos para esse
caso, mas ela tem que, também, passar pelo constrangimento de ir buscar na justiça seus
direitos que, por sua vez, já estão previstos constitucionalmente e, além disso, expor sua
intimidade, mexendo até mesmo com seu psicológico e causando sofrimento a todos aqueles
que estão envolvidos nesse processo. Nota-se, destarte, que a garantia da saúde é um
pressuposto básico para a vida digna de cada ser humano, devendo ser abrangida em todos
os aspectos para que cada um possa viver de forma digna e com a certeza de que seus direitos
serão observados com coerência, tanto pelos planos oficiais, quanto pelos planos privados.

119
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo:


Saraiva, 2013.

TRETTEL, Daniela Batalha. Manual de planos de saúde. 1.ed. Brasília: Secretaria Nacional
do Consumidor, 2014. 142 p.

RAMOS, Fernanda de Oliveira Santana. O direito fundamental ao planejamento familiar


e a Lei nº 9. 263, de janeiro de 1996. Disponível em:< https://jus.com.br/artigos/37759/o-
direito-fundamental-ao-planejamento-familiar-e-a-lei-n-9-263-de-janeiro-de-1996>.
Acessado em 07 de novembro de 2016.

CARVALHO, Tomás Lima de. Responsabilidade civil em métodos de reprodução


assistida. Disponível em:< https://jus.com.br/artigos/19803/responsabilidade-civil-em-
metodos-de-reproducao-assistida>. Acessado em 04 de novembro de 2016.

SIANO, James. Ação de obrigação de fazer. Disponível em:<


http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/TJ-SP/attachments/TJ-
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oCQXms%3D&Expires=1478585485&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCM
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hash=2714dd132c05cabb8b236e1a862d2a10>. Acessado em 04 de novembro de 2016.

ANS, Associação Nacional de Saúde Suplementar. Como é elaborado o Rol de


Procedimentos. Disponível em <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-
operadoras/espaco-do-consumidor/o-que-o-seu-plano-de-saude-deve-cobrir/como-e-
elaborado-o-rol-de-procedimentos>. Acessado em 07 de novembro de 2016.

TEIXEIRA, Igor Veiga Carvalho Pinto. A diferença entre os contratos de adesão e os


contratos tipo. Disponível em <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,as-

120
diferencas-entre-os-contratos-de-adesao-e-os-contratos-tipo,33583.html>. Acessado
em 07 de novembro de 2016

MAGALHÃES, Gladys. Inseminação artificial x Fertilização in vitro: entenda a


diferença entre eles. Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/ Gravidez/
Planejando-a-gravidez/noticia/2015/08/inseminacao-artificial-x-fertilizacao-vitro-
entenda-diferenca-entre-eles.html>. Acesso em 07 de novembro de 2016

121
8. PLANOS DE SAÚDE SOB A ÓTICA CONSUMERISTA: uma breve incursão
sobre a jurisprudência nacional

Jean Marks Almeida Rios 49


Jobervan Rios Evangelista Filho 50
Júlia Dória Rodrigues 51

1 INTRODUÇÃO

Para a Organização Mundial de Saúde, o conceito de saúde é pautado por um


completo bem-estar físico, mental e social, não se exaurindo na mera ausência de doença
ou enfermidade. A entidade internacional entende ainda que o gozo do melhor estado
possível de saúde é um direito fundamental de todo ser humano, sendo prescrito, no seu
documento constitutivo (1946), que o objetivo da Organização Mundial da Saúde será a
obtenção, por todos os povos, sem distinções quanto à raça, fé, situação política,
econômica ou social, do mais elevado nível de saúde possível (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2014).

Em consonância com a caráter adotado pela OMS, a Constituição da


República Federativa do Brasil (1988), compromissada com a justiça social, positiva uma

49
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
50
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
51
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

122
série de direitos fundamentais de dimensão social, inserindo a saúde no mesmo quadro
da educação, o trabalho, a moradia e a segurança. O direito à saúde, porém, goza de
especial relevância, dada interconexão com a defesa de outros bens fundamentais, com
destaque para a proteção da vida. Sarlet (2013b) conclui, então, que, se não positivado
em norma constitucional própria, poderia a proteção da saúde ser reconhecida como
direito fundamental implícito.

O estabelecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da


Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, Cf-88), e dos objetivos fundamentais da
República (art. 3º, CF-88) demandam uma atuação dinâmica do Estado na efetivação do
direito à saúde, por meio de medidas que assegurem o viés curativo (combate doença ou
enfermidade), preventivo e promocional (melhoria da qualidade de vida). Na árdua tarefa
de garantir um sistema de saúde em caráter universal, adota o Brasil uma política de
abertura para a rede privada, seja em caráter complementar, em que a atividade é delegada
à iniciativa privada, mediante contrato de direito público ou convênio; ou suplementar
em que assistência é prestada por operadoras de planos e seguros de saúde, em caráter
direto, sob regime de direito eminentemente privado (SARLET, 2013c).

A atuação das operadoras de planos de saúde será o objeto do presente artigo.


Frente à ineficácia da Administração Estatal em fornecer uma prestação satisfatória
(despontando a cobertura insuficiente, com falta de hospitais, leitos, profissionais
habilitados, materiais de uso comum e medicamentos), apresentam-se tais planos como
solução aos usuários que desejam o mínimo de seguridade quanto à ocorrência de doenças
ou enfermidades futuras.

Verifica-se que operadoras de planos de saúde, intentando aumentar a


lucratividade da atividade econômica, praticam atos de cunho lesivo ao contratante,
inserindo cláusulas de natureza abusiva ou assumindo interpretação desfavorável ao
consumidor. Como relações jurídicas de consumo, porém, as contratações de planos de
saúde, realizadas principalmente por contratos de adesão, são tuteladas pelas normas de
defesa do consumidor.

Temos por objetivo, assim, estudar o tratamento jurisdicional quanto à


negativa de cobertura por parte das operadoras de planos de saúde. Em um primeiro

123
momento, proceder-se-á a uma definição do direito fundamental à saúde dentro dos
parâmetros legais brasileiros, bem como a uma análise da legislação que rege a proteção
deste bem jurídico, sem pretensão de esgotar tal matéria; para tanto, serão privilegiadas
as disposições constitucionais e as leis ordinárias que trazem a tutela do direito à saúde
sob escrutínio extracontratual. Depois, segue-se a caracterização do direito contratual dos
planos de saúde dentro da esfera do direito consumerista, centrando-se nos princípios e
normas que devem ser observados nesta relação de acordo com o Código de Defesa do
Consumidor.

A metodologia aplicada, nas primeiras partes, será a de revisão bibliográfica


e de análise legislativa, de forma a delimitar os marcos teóricos e normativos que regem
as atividades dos Planos de Saúde e sua congruência (ou não) aos postulados elencados
no Estatuto Consumerista. Por fim, será feito levantamento de ideias e críticas frente aos
posicionamentos extraídos dos tribunais brasileiros, no sentido de apontar o
direcionamento dado pelos julgados em apreciação e valorar sua definitiva validade.

Desta forma, estando concluída a análise conceitual que determina o papel da


cobertura por plano de saúde no espectro privado de garantia do direito de proteção da
saúde pelo viés curativo, e da configuração dos contratos de plano de saúde como relações
de consumo, tuteladas pelo Direito do Consumidor, seguiremos ao estudo da posição da
jurisprudência quanto ao assunto, especialmente quanto à incidência do inciso IV, art. 51,
do diploma consumerista vigente.

2 PLANOS DE SAÚDE E DIREITO À SAÚDE

O direito fundamental à saúde consubstancia a proteção do bem jurídico


fundamental sem o qual os demais direitos e garantias perderiam sua razão de ser: o
direito à vida. Resume ainda os postulados essenciais do princípio da dignidade da pessoa
humana, uma vez que sua garantia depende da realização de condições materiais de vida
dignas e da consequente felicidade almejada (CUNHA JÚNIOR, 2012, p.770). Em razão
disso, desde logo se evidencia em qual âmbito delicado se insere a prestação de serviço
dos planos de saúde, os quais devem, antes de tudo, respeitar os desígnios normativos
básicos que protegem a dignidade, integridade e higidez humana, desígnios estes que
devem regular tais atividades, seja direta ou indiretamente.

124
Na sistemática constitucional, no que se refere aos direitos fundamentais,
pode-se afirmar que o direito básico à saúde se insere na categoria dos denominados
direitos sociais (art. 6º, Constituição Federal de 1988), que abarcam ainda os direitos
relativos à educação, assistência social, previdência, entre outros. São direitos que exigem
do Estado prestações positivas que garantam aos cidadãos um mínimo de segurança
coletiva, além de responder pelo anseio de justiça social e prever a garantia do necessário
para uma existência digna. Nestes termos, enquanto direito fundamental de segunda
dimensão, o direito fundamental à saúde deve ser garantia indispensável para qualquer
Estado que se proponha a defender o valor humano máximo consubstanciado no direito
à vida.

Postula doutrina autorizada que o direito à saúde, assim como os demais


direitos sociais, comporta duas vertentes, quais sejam: a negativa, que implica a exigência
de que o Estado ou eventualmente terceiros se abstenham de praticar atos que interfiram
na saúde dos indivíduos; e a positiva, acima mencionada, representando o dever estatal
de prevenir e tratar os prejuízos à saúde dos administrados (SILVA, 2005, p. 309).

Desta forma, prevê a Constituição Federal de 1988 (CF-88), em seu artigo


196, ser a saúde direito de todos e dever do Estado, bem como postula seu acesso
universal e igualitário, sendo realizado mediante políticas sociais e econômicas. Ademais,
prevê o texto constitucional ser as ações e serviços de saúde de relevância pública,
competindo ao Poder Público sua regulamentação, fiscalização e controle, enquanto sua
execução poderá ser realizada direta ou indiretamente, bem como por pessoas de direito
privado (art. 197, CF-88).

Ainda no que tange às disposições constitucionais, faz-se importante ressaltar


que a Carta Magna de 1988 instituiu um Sistema Único de Saúde (SUS), cujas premissas,
previstas em seu artigo 198, regulamentam a prestação de políticas públicas de saúde
respeitando os princípios da regionalização e da hierarquização, assim como uma
organização que cumpre um sistema descentralizado de atendimento integral e com
participação comunitária.

125
No entanto, apesar de ser considerada atividade de relevância pública, de
maior interesse coletivo e social para consecução do bem-estar e de condições materiais
de uma vida digna à população, a prestação de serviços e a assistência à saúde é livre à
iniciativa privada (art. 199, CF-88). Como tema de maior relevância para o presente
trabalho, procede-se à análise das normas essenciais que regem tais atividades, visando a
aprofundar as bases legais que regulamentam o funcionamento dos planos de saúde dentro
da sistemática normativa do direito fundamental à saúde no Brasil.

Nesse sentido, deve-se de antemão salientar que a previsão constitucional


acerca da prestação de serviços de saúde por entidades privadas em caráter complementar
(art. 199, CF-88) diz respeito àqueles concretizados de forma auxiliar ao SUS, ou seja:
tal disposição constitucional se distingue dos serviços privados realizados fora do âmbito
do Sistema Único de Saúde (MENDES, 2015, p. 667). Com relação a tais serviços
complementares ao SUS, prevê a Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080/1990) que serão
formalizados mediante contratos ou convênios, observando-se as normas de direito
público, nos casos de insuficiência da cobertura assistencial do referido Sistema (artigo
24, caput e parágrafo único).

Apesar da ressalva trazida por Gilmar Ferreira Mendes, é salutar compreender


que a prestação de serviços de saúde, mesmo sendo delegada e facultada pelo Estado para
a execução por particulares, conserva sua natureza de serviço público e, portanto, sua
execução privada deverá respeitar às normas de direito público que derroguem princípios
como a autonomia da vontade e os fins exclusivamente lucrativos, em respeito ao
interesse coletivo envolvido. À vista do exposto, não é outra a posição de Marcia Cristina
Cardoso de Barros, para a qual:

[...] a prestação do serviço de saúde, mesmo quando efetuado por


particulares (concessionários, permissionários ou autorizatários),
continua sendo um serviço público, obrigando o prestador a exercer as
suas atividades segundo os ditames da Administração. [...] Isto porque
se tratando de um contrato de direito público, em qualquer de suas
modalidades, o dirigismo contratual da Administração se impõe [..].
(BARROS, 2011, p. 291)

126
No que tange aos serviços de saúde fornecidos pelo ramo privado, prevê a
mesma Lei 8.080/90 (Lei Orgânica de Saúde) que a assistência à saúde é livre à iniciativa
privada (artigo 21), sendo caracterizada pela iniciativa de profissionais liberais,
legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção
e recuperação da saúde (artigo 20), sendo, contudo, observados os princípios éticos e as
normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às
condições para seu funcionamento (artigo 22).

É neste contexto que se inserem os planos de saúde, cujo crescimento e


popularização se devem à precariedade apresentada pelos serviços prestados direta ou
indiretamente pela administração pública, bem como pelos altos custos envolvidos no
setor privado para que se alcancem serviços médico-hospitalares de qualidade. Não alheio
a tal fato social, o legislador nacional dispôs na Lei nº 9.656/98 a regulamentação da
prestação de serviços de saúde por particulares, qualificando para tanto, em seu artigo 1º,
inciso I, os Planos Privados de Assistência à Saúde como a:

[...] prestação continuada de serviços ou cobertura de custos


assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado,
com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à
saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou
serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede
credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica,
hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às
expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento
direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (BRASIL,
1998).

Do conceito legal, portanto, se infere que os contratos de plano de saúde


possuem uma natureza estreitamente ligada aos preceitos do Direito Consumerista e ao
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11/09/1990), abarcando, além da
cobertura financeira de riscos de assistência médica, hospitalar e odontológica,
características como o custeio e o reembolso de despesas (art. 1º, § 1º, alíneas a e c, Lei
nº 9.656/98).

Para além das particularidades e preceitos legais, deve-se dizer, no que toca
aos serviços de plano de saúde, que enquanto atividade de mercado realizadora de
serviços de relevância pública, nela estarão em constante embate os princípios públicos
que regem a preservação da vida e da saúde dos cidadãos frente aos princípios do direito

127
privado que prezam pelo colhimento de lucros advindos da exploração – muitas vezes
imponderada – de atividades econômicas.

Nesse sentido, procede-se a seguir à análise dos fatores que regem a relação
contratual dos serviços de planos de saúde, bem como do tratamento dado pelo direito
consumerista frente aos princípios respeitantes a esta relação econômico-consumerista-
contratual, sem embargo das contradições entre a ampla e garantidora sistemática
constitucional e as regras limitadoras à abrangência da cobertura dos planos de saúde em
flagrante desrespeito à proteção do direito à vida e à saúde daqueles mais vulneráveis.

3 PLANOS DE SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR

Como já disposto em seção anterior, os contratos de planos de saúde vêm


sendo popularizados na sociedade brasileira, diante de uma ineficiência e precariedade
dos serviços de saúde prestados pela Administração Pública. Tais contratos surgem diante
da própria faculdade concedida pelo Estado de delegar a particulares o fornecimento de
serviços de saúde, mesmo que mediante a obediência às normas e controles estatais. Desta
forma, apesar de ser concedida aos particulares, a prestação do serviço de saúde continua
sendo um serviço Público, o que acarreta, em sua prestação feita sob contrato entre
particulares, uma relação de subordinação à administração.

Sendo assim, a parte em que se concebe o contrato de plano de saúde como


uma relação consumerista, parte justamente da ideia de que é uma relação entre
particulares onde uma das partes, qual seja, a seguradora, se obriga a arcar com os custos
dos serviços assistenciais à saúde do contratante, a partir do momento em que esta
segunda parte realiza pagamentos mensais ou anuais referentes ao plano.

O entendimento desta relação como sendo de consumo, faz com que cada
uma das partes obedeça ao que está disposto na Lei de nº 8.078/90, o Código de Defesa
do Consumidor (CDC). Código este que, por sua vez, foi previsto pela Constituição
Federal de 1988, que declara em seu art. 5º, inciso XXXII: “o Estado promoverá, na
forma da lei, a defesa do consumidor”, tendo o código entrado em vigência em 11 de
março de 1991. O reconhecimento de que os contratos de plano de saúde serão regidos

128
pelo Código de Defesa do consumidor é reafirmado pela súmula 469 do STJ, que informa:
“Aplica-se o código de defesa do consumidor aos contratos de plano de saúde”.

O CDC representou um grande marco para a comunidade jurídica brasileira,


sendo considerado um dos códigos mais avançados no mundo, trazendo como garantias
básicas ao consumidor a proteção da saúde, a informação adequada sobre produtos e
serviços, a proteção contra publicidade enganosa e abusiva, bem como contra cláusulas
contratuais abusivas, garantindo a prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais
sofridos, dentre outros.

Desta maneira, é compreendendo este regulamento e todos os princípios que


o norteiam, como o princípio da vulnerabilidade do consumidor, que será possível a sua
aplicação nas relações contratuais dos planos de saúde. Durante algum tempo, e isto ainda
é prática conduzida por alguns juristas, foi entendido que a Lei 9.656/98, que dispõe sobre
os planos e seguros privados de assistência à saúde, limitava a incidência do CDC a estas
relações, concedendo-o apenas um caráter secundário em caso de ausência de norma
específica na Lei de Planos de Saúde. Todavia, posicionamento assentado doutrinária e
jurisprudencialmente vem entendendo e decidindo que é a Lei 8.078/90 que deve
prevalecer durante o referido conflito de normas.

Segundo dados gerais fornecidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS), em


setembro de 2016, existiam 48.301.667 beneficiários em planos privados de assistência
médica com ou sem assistência odontológica no Brasil (AGÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE, 2016). Esse elevado número leva à conclusão da real ineficiência do
cumprimento do dever do Estado, mas ao mesmo tempo sinaliza que o universo de
probabilidade de conflitos entre fornecedores e consumidores é bastante amplo. Sendo
assim, resta avaliar de que forma um contrato de plano de saúde poderá afetar o Código
de Defesa do Consumidor.

Um contrato, portanto, sendo ele de qualquer natureza, deverá sempre


cumprir a sua função social. Na situação contratual em tese, a função social do mesmo é
exaltada, isto porque o interesse individual não é o mais importante, visto que a saúde da
população é também um interesse coletivo. Além disso, incide ainda sobre outros
princípios constitucionais, como assinala a autora Marcia Cristina Cardoso de Barros:

129
O contrato de plano de saúde, mais do que qualquer outro, deve cumprir
sua função social, concretizando princípios constitucionais de grande
envergadura, tais como a dignidade da pessoa humana (inciso III,
art.1º); da solidariedade (inciso I do art.3º) e da justiça social (art.170
caput). A isso se soma a diretriz contida no Código Civil de 2002, em
seu art. 421 (‘A liberdade de contratar será exercida em razão e nos
limites da função social do contrato’). (BARROS, 2011, p. 292).

Além disso, em um contrato de plano de saúde, o princípio da autonomia da


vontade poderá ser mitigado uma vez que a vontade das partes não poderá se sobrepor
diante de razões injustificáveis. É o que ocorre nos casos em que são constatadas
cláusulas abusivas como aquelas em que o fornecedor se exime de realizar determinado
procedimento, gerando um ônus excessivo ao consumidor, além de danos físicos ou
morais diante da demora em seu atendimento.

Sob o uso deste mesmo exemplo, verifica-se ainda que o princípio da


obrigatoriedade (pacta sunt servanda) perde força em relações envolvendo planos de
saúde, pois apesar do contrato gerar lei entre as partes, o fornecedor não poderá impor
obrigações, as quais poderão promover excessivos danos ao consumidor, podendo o juiz,
neste caso, agir de forma a buscar a justiça social. Poderá parecer uma quebra da
autonomia privada das partes, porém, o fim maior da atuação do Judiciário deverá ser a
função social do contrato.

Por fim, há de se considerar o princípio da boa-fé nos contratos de plano de


saúde, visto que este sempre foi princípio norteador de toda produção jurídica nacional,
não podendo ser excluído da proteção e defesa ao consumidor. A Lei 8.078/90 em seu
artigo 51, inciso IV prevê o seguinte:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV -
estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem
o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com
a boa-fé ou a equidade; (BRASIL, 1990).

O Legislador cuidou de proteger, desta forma, o consumidor, que mesmo


agindo de boa-fé, poderá ser lesado com cláusulas contratuais por não possuir capacidade
técnica para entendê-las, ou vir a ser ludibriado por tratativas que omitem o verdadeiro
teor do contrato, fazendo com que seja contratado algo divergente do que foi exposto

130
durante a venda. Como nos casos em que é ofertado um plano de saúde com cobertura
total de serviços, porém perseveram cláusulas que excluem alguns tipos de procedimentos
por motivos diversos.

Nestes casos, assim como em outros nos quais há quebra do princípio da boa-
fé objetiva, os magistrados passam a entender que além do dano material passível de
reparação pecuniária, será cabível também o dano moral, em razão do sofrimento e da
frustração sofrida pelo consumidor, diante de sua expectativa malograda.

Para melhor compreensão destas situações em que a relação contratual do


plano de saúde poderá ser motivo de conflito no que diz respeito ao âmbito consumerista,
será feito na seguinte seção a análise de alguns julgados do STJ que trazem discussões
como a negação por parte do plano de saúde em conferir ao segurado um tratamento
inovador e promissor, em virtude do mesmo não estar inserido no rol de procedimentos
elencados pela ANS.

4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Como visto, apesar de pertencentes à esfera do direito privado, os planos de


saúde se inserem em um contexto de dupla indisponibilidade do direito envolvido: de
forma específica, decorrente da tutela protetiva ao consumidor (art. 5º, XXXII) e, de
forma geral, da proteção ao direito à saúde, individual ou coletiva (SARLET, 2013c). Há
que se lembrar, afinal, que o objetivo dos contratos de plano de saúde é a transferência
dos riscos futuros quanto à saúde do contratante (MARQUES, 1995).

E é no referido risco que se baseia a possibilidade de lucro ou prejuízo pelas


empresas operadoras de planos de saúde. Pode a empresa ganhar sobre a desnecessidade
de prestar o serviço contratado, mas, uma vez assumida a obrigação de assistência, não
deve ocorrer injusto contingenciamento na forma como é realizada, de forma a prejudicar
a manutenção ou recuperação da saúde do consumidor (SARLET, 2013c).

Acordadas as premissas passadas, impende analisar o posicionamento dos


tribunais sobre o tema:

131
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. 1. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II,
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO VERIFICADA. 2.
CONTRATO SUBMETIDO ÀS REGRAS DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO
DE CLÁUSULAS MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR.
ABUSIVIDADE. PROCEDIMENTO ESSENCIAL À
VIDA DO SEGURADO. INDISPENSABILIDADE. 3. AGRAVO
IMPROVIDO. 1. Não há violação ao art. 535 do CPC quando o
Tribunal de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões que
lhe foram submetidas. 2. Conforme entendimento adotado pela
jurisprudência deste Tribunal Superior, em se tratando de contrato
de adesão submetido às regras do CDC, a interpretação das
cláusulas deve ser feita da maneira mais favorável ao consumidor,
bem assim devem ser consideradas abusivas as cláusulas que visam
a restringir procedimentos médicos essenciais para a saúde do
consumidor. 3. "A exclusão de cobertura de determinado
procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a
saúde e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade
básica do contrato" (REsp 183.719/SP, Relator o Ministro Luís Felipe
Salomão, DJe de 13/10/2008). 4. Agravo regimental a que se nega
provimento.

(STJ - AgRg no AREsp: 581293 DF 2014/0234691-8, Relator: Ministro


MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 23/10/2014, T3
- TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/11/2014). (Grifos
nossos).

O presente julgado apresenta demanda de consumidor que pretendia a


cobertura de transplante de pulmão em caráter de urgência, em vista ao perigo de óbito
do mesmo. A negativa da operadora se embasava em cláusula limitativa em caráter
expresso, seguindo o disposto nos §§ 3º e 4º do Código de Defesa do Consumidor, que
excluía a cobertura de procedimentos de transplante, à exceção dos transplantes de
córnea, rim e dos procedimentos previstos no rol da ANS para procedimentos e eventos
em saúde, catálogo que serve como referência para a configuração do setor.

Para o judiciário brasileiro, porém, o rol de procedimentos elencados pela


ANS, enquanto agência reguladora responsável pela determinação da amplitude da
cobertura para transplantes (Lei, 9.656-98, art. 12, § 4º), assume caráter meramente
exemplificativo. Despontava, ainda, no caso concreto, a necessidade do procedimento
para manutenção da vida do usuário. Configurando-se o contrato como uma relação de
consumo, como já pacificado pela Súmula 469 do STJ, deverá ser interpretado segundo
regras que garantem a devida proteção ao ente vulnerável.

132
Sendo assim, incide o disposto no art. 51, IV, do Código de Defesa do
Consumidor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

[...]

V - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que


coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

O conceito de vantagem exagerada é definido, por sua vez, no § 1º do


supracitado artigo:

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que


pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza


do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor,


considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Foi justo, portanto, o afastamento da cláusula inválida, e o provimento da


tutela requerida pelo usuário do plano de saúde. Ainda sobre a negativa de tratamento:

CONSUMIDOR. DUPLO RECURSO. APELAÇÃO


CÍVEL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE
CIVIL. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA.
RECUSA ABUSIVA. DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM
VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONAL. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA
REFORMADA.
1. A simples alegação de que não possui condições de arcar com as
despesas do processo, nos termos da Lei nº 1.060/50, é de presunção
iuris tantum, a qual pode ser afastada em situações em que se visualiza
que a parte possui condições financeiras suficientes para arcar com os
custos do processo sem comprometer seu sustento e o de sua família,
não fazendo prova em contrário de sua hipossuficiência.
2. Consoante entendimento firmado neste Tribunal de Justiça, o rol
de procedimentos médicos da Agência Nacional de Saúde - ANS, é
meramente exemplificativo, representando um indicativo de
cobertura mínima, haja vista que a medicina está em constante

133
descoberta de tratamentos em prol da humanidade, não sendo
possível manter um rol estanque.
3. Não cabe ao plano de saúde, mas sim ao médico que acompanha
o tratamento, a análise do mérito dos tratamentos e dos métodos a
serem aplicados ao paciente.
4.O valor arbitrado a título de danos morais encontra-se dentro dos
parâmetros fixados por este Tribunal, motivo pelo qual não merece
qualquer censura, seja para majorar ou minorar.
5. Art. 20, §4º, CPC: "nas causas de pequeno valor, nas de valor
inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a
Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários
serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as
normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior."
6. Apelação do autor não provida.
7. Apelação do réu parcialmente provida.
8. Sentença reformada.

(Acórdão n.929682, 20150110943545APC, Relator: GILBERTO


PEREIRA DE OLIVEIRA, Revisor: FÁTIMA RAFAEL, 3ª TURMA
CÍVEL, Data de Julgamento: 16/03/2016, Publicado no DJE:
05/04/2016. Pág.: 284/310). (Grifos nossos).

O segundo julgado em análise apresenta ação de obrigação de fazer, originária


da negativa, por parte da operadora de plano de saúde, em custear tratamento de
radioterapia por prótons, de forma a combater tumor cerebral de caráter raro e localização
complexa. O usuário pretendeu a cobertura do procedimento nos Estados Unidos, pelo
valor de US$ 110,000,00. A empresa, ré no processo, alegou que o autor contratou o plano
de saúde para atendimento em rede credenciada nacional. Quanto à terapia pretendia,
afirmou que existem outras modalidades alternativas de radioterapia, não constando o
procedimento pretendido no rol da ANS.

Não prospera, como já visto, o argumento de que a ausência do procedimento


no quadro da ANS desobriga a operadora de planos de saúde. Configuraria, assim, uma
redução da tutela protetiva do direito à saúde, excluindo o próprio movimento natural da
ciência médica na descoberta de novos tratamentos mais eficazes. Nota-se que o inciso I,
do art. 10 da Lei nº 9.656/98 exclui o tratamento em caráter experimental do plano-
referência de assistência à saúde, mas não há menção a qualquer tratamento que se
apresenta de forma desarmônica na opinião da medicina. Em seu favor, além disso,
apresentou o usuário relatório médico subscrito por profissionais da rede da operadora
apelante, recomendando o procedimento de radioterapia por prótons em caráter urgente,
ainda que tal tecnologia não esteja presente no Brasil.

134
É no mínimo contraditória a presença de cláusulas limitadoras abusivas em
contratos de planos de saúde, visto que estes têm por finalidade a conservação da vida e
do bem-estar do usuário. A aplicação do inciso IV, art. 51 do CDC se mostra, mais uma
vez, inexorável, de forma a afastar restrições contratuais desarmônicas em relação à
natureza do contrato. Os contratos de consumo são pautados pela proteção da dignidade
da pessoa humana, algo que se mostra especialmente necessário quando o bem tutelado é
a saúde do indivíduo, ente vulnerável na relação.

5 CONCLUSÃO

Seja do ponto de vista trazido pela OMS, seja daquele extraído das
determinações expressas na Constituição Federal de 1988, fica assentado que o direito
fundamental à saúde incide como postulado básico de um Estado garantidor de condições
materiais dignas para o pleno desenvolvimento humano. Tal assertiva não se restringe,
entretanto, ao âmbito público, haja vista que, como expresso anteriormente, os serviços
de saúde, mesmo que exercidos por pessoas privadas, preservam sua natureza de
relevância pública.

Nesse sentido, os serviços de plano de saúde não se eximem de respeitar os


direitos básicos postulados por normas de cunho público, cujo escopo primordial é o de
sanar o desequilíbrio advindo da ganância lucrativa destas atividades de caráter
econômico-comercial.

Mesmo sendo o “refúgio” encontrado pelos indivíduos frente à decadência da


prestação oferecida pela Administração Pública, bem como pelos altos custos
encontrados no setor privado no geral, os serviços dos Planos Privados de Assistência à
Saúde não possuem liberdade incondicionada para reger suas atividades, especialmente
quando cerceiam direitos e garantias básicas, ultrajando a condição de vulnerabilidade de
seus clientes.

Destarte, os postulados básicos do Código de Defesa do Consumidor se


inserem, como visto, como contraponto inafastável para o devido equilíbrio e proteção
aos usuários dos referidos serviços. Isto porque apenas a aplicação das cláusulas

135
contratuais iria promover ao indivíduo um ônus excessivo, visto que o mesmo nem
sempre possui o completo conhecimento do seu contrato, ou se vale do que foi exposto
verbalmente durante o processo de venda do plano de saúde. Sendo assim, o Judiciário
tem buscado, cada vez mais, a inserção desta relação contratual no âmbito do direito do
consumidor, como consta na Súmula 469 do STJ.

Em tempos de redução da atuação garantidora do Estado na proteção do


direito à saúde de forma preventiva, curativa e promocional, num contexto de
sucateamento global do Estado de Bem-Estar Social, depreende-se que o suprarreferido
movimento de adesão aos planos de assistência de direito privado é uma consequência
natural. Como agravante ao quadro já inquietante, há que se prever os impactos da futura
inversão da pirâmide populacional brasileira. Afinal, como humanos, deseja-se, em
qualquer idade, resguardar-se quanto à possibilidade de riscos à vida e integridade física.

Em busca de tranquilidade, aceita-se realizar contratos que demandam


onerosas prestações contínuas, então não foge ao bom senso considerar descabido o
transtorno provocado por práticas comerciais abusivas. Ao judiciário, guardião do
sistema jurídico, caberá a manutenção do protagonismo da defesa dos direitos
fundamentais e da garantia da observância do princípio da dignidade da pessoa humana
pelos entes sociais, sem descurar do inequívoco papel do Código de Defesa do
Consumidor como salvaguarda de um futuro menos abusivo e desproporcional para os
vulneráveis usuários dos Planos de Saúde.

136
REFERÊNCIAS

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privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 2006-2016) - See more at:
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consumidor e dá outras providências. Brasília, Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 8.080 de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a


promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 25 de outubro de
2016.

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de assistência à saúde. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9656.htm>. Acesso em: 25 de outubro de
2016.

137
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139
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Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.

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informacao-adequada>. Acesso em: 28 out. 2016.

140
9. A LEI DO ACOMPANHANTE PARA OS CONSUMIDORES DE PLANO DE
SAÚDE

Katiana Silva Sampaio Santos


Vanessa de Brito Vaz

1 INTRODUÇÃO

De acordo com a Lei Federal nº 11.108/2005, em seu artigo 19, “Os serviços
de saúde do Sistema Único de Saúde – SUS, da rede própria ou conveniada, ficam
obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo
o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato”.

Além da Lei do Acompanhante, duas resoluções também garantem a presença


de uma pessoa indicada pela parturiente durante o parto: uma, da Agência Nacional de
Saúde, e outra, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, respectivamente a RN 211
e a RDC 36/08, tratando sobre o mesmo tema e permitindo a presença de um
acompanhante para dar á parturiente o conforto necessário.

A lei está em vigor desde 2005 e obriga que os hospitais, maternidades e casas
de parto permitam a presença de um acompanhante indicado pela gestante para

141
acompanhá-la durante o trabalho de parto, durante o parto e pós-parto (período por até 10
dias). Isso vale para todos os hospitais brasileiros, seja particular ou público.

Entretanto, nota-se que essa lei é desconhecida e ignorada por muitos.


Desconhecida, no sentido da parturiente não possuir informações necessárias de força de
Lei e ignorada pelos Hospitais, sejam eles públicos ou privados. Por força de Lei, deve
ser seguida como determina o ordenamento, podendo a parturiente decidir quem a
acompanhará no parto, independente do grau de parentesco ou mesmo se não há um grau
de parentesco. Esse descumprimento se converge em violência obstétrica se
manifestando, geralmente, no trabalho de parto, no parto e no pós-parto imediato. O
conceito de violência obstétrica se refere a qualquer ato ou procedimento direcionado à
mulher que seja realizado sem o consentimento ou com desrespeito a sua autonomia,
integridade física e mental.

2 A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHANTE NO PROCESSO DE


HUMANIZAÇÃO

Na antiguidade, as parturientes eram assistidas no parto por mulheres mais


velhas, e com o decorrer dos anos, adquiriram conhecimento científico e habilidade
prática, passando suas experiências ás mais novas (Rezende 1998). Nesta época, a
medicina tinha pouco conhecimento no que se refere ao parto, sendo a experiência das
parteiras o que havia de melhor em termos de conhecimento.

Por não ter nenhum tipo de conhecimento, no que se refere ao parto, surgiu a
necessidade de hospitalização para o aprendizado e treinamento dos médicos, com essa
nova forma de assistir, a mulher passa, então, de um caráter humanitário com base em
experiências e contato, para um caráter tecnicista com práticas intervencionistas
transformando a mulher de sujeito para objeto do processo.

Nessa transição, de sujeito para objeto, a mulher perde o caráter humanizado


do parto, além de ser separada de seu companheiro e estar mais vulnerável a praticas
intervencionistas, fatores esses, que geram insegurança e medo acerca do processo de
nascimento. Dessa forma, foi imposto para a mulher um alicerce técnico – científico,
sem, no entanto se preocupar com seu direito a humanização.

142
Não há nada é mais acolhedor e humanizado, que poder contar com a
participação de um acompanhante, esse escolhido pela própria parturiente, no momento
mais esperado na vida de uma mulher, a hora de dar à luz seu filho. Essa prática tem
ajudado muito, tanto à parturiente, quanto a toda equipe de saúde nas salas de parto. A
participação do acompanhante, muitas vezes, acelera o parto, evitando o uso de
medicamentos e até mesmo as cesarianas, isso, quando os médicos não agendam a
cesariana, anterior ao trabalho de parto, assunto esse, que embora seja de grande
relevância, não será abordado aqui.
A falta de estabelecimento de vínculo com a família, exatamente no momento
que ela mais necessita colabora para que a experiência departo seja insatisfatória podendo
causar prejuízos a gestante e a bebê.

Atualmente, a insatisfação das usuárias com os serviços de saúde quanto ao


aumento de taxas de cesarianas e ao alto índice de violência obstétrica vem despertando
atenção das políticas públicas de assistência à mulher no ciclo gravídico-puerperal a fim
de se reconstruir o paradigma de uma atenção voltada á humanização, buscando, dessa
forma, estabelecer uma assistência que respeite ao máximo o processo fisiológico e
natural do nascimento e do parto.

Dentre as dez práticas com vistas à humanização do parto recomenda-se a


inclusão de um acompanhante com respeito à escolha da mulher e o encorajamento da
participação do pai como forma de dar segurança às parturientes em um momento
especial, além do incentivo na hora do nascimento, previne a depressão pós-parto e
fortalece a relação conjugal.

O envolvimento do acompanhante durante as fases de parto faz parte do


caráter de humanização, sendo um fator indispensável para modificação de paradigmas,
bem como do cenário vigente.

A humanização do parto, quanto à legitimidade da participação da parturiente


nas decisões, está pautada no diálogo com a mulher, na inclusão do pai no parto e na
presença das doulas, além da busca por melhoria na relação da instituição hospitalar e
seus consumidores, somado á isso há uma legitimidade política que reivindica a

143
humanização como defesa dos direitos humanos, ademais, o parto humanizado não visa
abolir as tecnologias que foram alcançadas para auxiliar no parto, mas, tão somente evitar
o uso rotineiro medicalizando o parto ou tornando-o estritamente cirúrgico.

Comprovadamente, a presença de um acompanhante reflete no bom


andamento do trabalho de parto e parto proporcionando benefícios que estão ligados ao
processo de humanização, diminuindo o uso de fórceps, o uso de analgesia à presença de
dor, bem como a diminuição da taxa de cesarianas e a diminuição no tempo do trabalho
de parto.

Dessa forma, a equipe de saúde e os hospitais devem estar aptos para acolher,
tanto às gestantes quanto seu companheiro e família facilitando um vínculo com a
parturiente. Não se pode considerar o parto como momento exclusivo da mulher, sendo
o pai um sujeito passivo, deve-se considerar o sistema como um todo e isso abarca todos
os sujeitos que dele fazem parte. Não se pode deixar de lado o envolvimento dos
familiares, visto que eles expressam segurança às parturientes traduzido em calor
humano, esse conto não pode ser perdido, em detrimento de profissionais treinados para
lidar com técnicas, deixando de lado a humanização do momento, priorizando condutas
para lidar com a fisiologia do nascimento, bem como intervir em processos patológicos.

3 TAXA DE DISPONIBILIDADE INDEVIDA

Muitos médicos cobram pela exclusividade do acompanhamento dos partos,


em decorrência de entenderem que estão sendo mal remunerados, garantindo que este
fique com a paciente do plano de saúde durante todo o trabalho de parto, seria a chamada
taxa de disponibilidade, cobrada do consumidor do plano de saúde caso o parto ocorra
fora de seu horário de plantão, essa prática tem afeito abusivo, haja vista que o valor deve
ser pago pela operadora e não deve ser repassado ao consumidor, uma vez que a função
da operadora é, justamente, fazer a intermediação financeira entre o consumidor e
prestador credenciado.

Os contratos de Planos de Saúde estão submetidos ao Código de Defesa do


Consumidor, haja vista estar envolvida em uma relação de consumo. Os médicos, embora
sejam incentivados pelos sindicatos e / ou Conselho Federal de Medicina, não confere

144
legalidade à cobrança de tais valores, visto que essa cobrança representa uma afronta à
Lei n. 9.656/98, que prevê a cobertura integral para parto, e à legislação consumerista. A
referida Lei, em seu art. 12, inciso II, alínea c, estabelece que a cobertura de despesas
referentes a honorários médicos deve ser obrigatoriamente coberta pelas operadoras de
planos privados de assistência à saúde para eventos que ocorram durante a internação
hospitalar, incluindo a internação hospitalar em obstetrícia.

Tal conduta entra em conflito princípios do Código de Defesa do


Consumidor, quais sejam, o da vulnerabilidade do consumidor, o da interpretação mais
favorável ao mesmo, e o da presunção da sua boa-fé. Desse modo, beneficiárias de planos
privados de assistência à saúde têm direito a todos os procedimentos da segmentação
obstétrica descritos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, sem nenhum dispêndio
além do previsto em contrato, devendo ser garantidos os contratos em vigor.
Somado a isso, a ANS observa que a cobrança da taxa de disponibilidade fere
os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC), principalmente porque essa
norma prevê a vulnerabilidade do consumidor, o que implica que seja aplicada
interpretação mais favorável ao mesmo e a presunção de sua boa-fé.

4 JURISPRUDÊNCIAS ACERCA DA TAXA DE DISPONIBILIDADE

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2112803-04.2014.8.26.0000.


Plano de saúde - Antecipação de tutela pedido formulado em ação civil
pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo em face de
operadora de plano de saúde visando a coibir cobrança, por médicos
obstetras, da taxa de disponibilidade, tida por ilegal - presença dos
requisitos do art. 273 do CPC - decisão reformada - agravo provido em
parte.

(TJSP Agravo de Instrumento nº 2112803-04.2014.8.26.0000 –


Sorocaba/SP – J. 23/02/2015).

***

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1206389-5. Ação ordinária de


preceito cominatório com pedido de antecipação de tutela - decisão que
indeferiu pedido de liminar - pedido de proibição da agravada de
prosseguir com a instauração de inquéritos disciplinares em face dos
agravantes - improcedência - necessidade de observância do estatuto
social da cooperativa - decisões que consideram indevida a cobrança de
honorários adicionais, por parte dos médicos, além dos valores já
previstos nos planos de saúde- decisão mantida - recurso não provido.

145
(TJPR - AI - 1206389-5 – Maringá/PR - J. 28.05.2014).

Ações Civis Públicas: Práticas abusivas - Parto – Cobrança ‘por fora’


da chamada ‘taxa de disponibilidade’ – exploração da vulnerabilidade
da parturiente - cobrança de relevantes importâncias adicionais sobre
aquelas já pagas regularmente ao plano de saúde pela parturiente. - ACP
com pedido de tutela antecipada, proposta pela Promotoria de Justiça
do Consumidor de Jundiaí - visando a expressa proibição de cobrança,
ao consumidor, pelos procedimentos descritos, notadamente parto, de
"taxa de disponibilidade" ou quaisquer outras quantias, a qualquer
título, fora as mensalidades normais e regulares compromissadas - Proc.
1002240-66.2015.8.26.0309 – 3ª VC

Liminar:

PRÁTICAS ABUSIVAS - PARTO – COBRANÇA ‘POR FORA’ DA


CHAMADA ‘TAXA DE DISPONIBILIDADE` –
DISCRIMINAÇÃO. Consumidor negligenciado, tendo em vista o
status do plano contratado - ACP com pedido de tutela antecipada,
proposta pela Promotoria de Justiça do Consumidor de Sorocaba
visando expressa proibição à requerida, de que permita cobrança do
consumidor, por seus cooperados, pelos procedimentos descritos,
notadamente parto, de “taxa de disponibilidade”, ou quaisquer outras
quantias, a qualquer título, fora as mensalidade normais e regulares
compromissadas e ainda, que consumidores, tenham atendimento
negado, em razão da modalidade de plano que assinem - Proc. 1014345-
06.2014.8.26.0602 - 5ª VC.

5 O PARTO HUMANIZADO

A definição de Parto Humanizado encontra-se vulgarizado, pois é utilizado


indevidamente por profissionais de saúde para se referir a luxos que algumas
maternidades podem oferecer no parto, entretanto, uma de suas premissas básicas é que
as mulheres tenham o direito a serem protagonistas do parto, podendo, inclusive, fazer
decisões conscientes baseada no respeito e que sejam respaldadas pela Organização
Mundial de Saúde.

Sendo assim, cabe ao profissional de saúde, a orientação devida e a


intervenção, quando for necessária já que a mulher é dotada de capacidade de parir,
devendo o profissional, somente intervir quando for necessário.

146
A Organização Mundial elenca algumas intervenções que ainda são
aplicadas, quais sejam:

A proibição da presença de um(a) acompanhante, que hoje é garantida pela


Lei federal 11.108, alegando-se que o acompanhante atrapalha ou que não há espaço
físico para eles. Entretanto, essa proibição deve ser abolida já que estudos comprovam
que o acompanhante dá mais tranquilidade à parturiente e inibe abusos da equipe
hospitalar.

No que se refere à lavagem intestinal, os profissionais que ainda realizam,


diz-se que faz acelerar o trabalho de parto e que as fezes poderiam contaminar o bebê,
enquanto estudos comprovam que é incômodo para a maioria das mulheres e que seu uso
não traz as vantagens alegadas.

A Raspagem dos pelos pubianos é feita porque se acredita que o parto fica
mais “higiênico”, podendo haver inflamação local e o crescimento dos pelos é incômodo,
sendo seu uso comprovadamente desnecessário.

Uso de violência verbal e psicológica, com o intuito de humilhar a parturiente


é feita, pois se acredita que palavras de ordem e broncas possam acalmar mulheres
assustadas e nervosas e assim organizar o serviço médico, no entanto, que faz uma mulher
gritar e perder o controle no trabalho de parto, geralmente pode ser resolvido com carinho,
um afago e um pouco de atenção.

Uso rotineiro de soro com hormônio ocitocina é feita por provocar mais
contrações fazendo com que o parto seja mais rápido e o leito seja liberado, porém, as
dores do parto com ocitocina ficam insuportáveis e podem provocar sofrimento fetal.

Jejum durante o trabalho de parto, diz-se que no caso de uma cesárea, pode
haver problemas de aspiração do alimento, porém, o jejum provoca fraqueza, o que pode
causar sérios problemas no parto e o evento de aspiração é tão raro, que não pode ser
usado como justificativa.

147
Restrição da movimentação, fazendo com que a mulher fique deitada durante
todo o trabalho de parto, alega-se que não há espaço nos centros obstétricos para as
mulheres caminharem e mudarem de posição. Diz-se que é mais “seguro”, porém, estudos
provaram há muito tempo que a mulher deve ter liberdade de posição e movimentação
durante todo o trabalho de parto e parto.

Parto em posição ginecológica, com a mulher deitada de costas com as pernas


para o alto, facilitando a ação e intervenção do médico, deixando o parto ser mais lento,
diminuindo a oxigenação do bebê, e sendo desconfortável para a mulher.

Uso rotineiro de episiotomia corte para aumentar a abertura da vagina, em 70-


80% dos partos normais, quando o recomendado é 15-20%, alega-se que a
episiotomia é necessária. Na verdade, há uma grande desinformação dos médicos e
serviços médicos sobre a necessidade desse procedimento, pois aumenta a chance de
sangramentos, inflamações e infecções, podendo causar problemas na relação sexual e
provocar incontinência urinária.

Separação do bebê logo após o parto, sem que ele e a mãe possam se tocar,
se olhar e ter a primeira chance de amamentação é feito para que o bebê seja examinado
e lavado. No entanto, o pós-parto é o momento mais importante para a mãe e o bebê
estabelecerem o vínculo e a amamentação precoce faz a saída da placenta ser mais rápida,
com menos sangramento.

Nota-se, que o parto, ao longo do tempo, passou por uma mecanização que
torna a mulher um produto dentro da seara médica. Essa mecanização é feita com o intuito
de beneficiar, principalmente, a classe médica, que dotados de autonomia, usam o saber
cientifico para conferir vantagens para classe, em detrimento da mulher e de seu direito à
saúde. Fazendo da violência uma realidade, cada vez mais presente na vida das mulheres,
haja vista uma em cada quatro brasileiras, afirmam ter sofrido maus tratos, físicos ou
psicológicos, durante o parto.
É preciso se prevenir contra esta violência, escolhendo com critério o
profissional e o serviço médico hospitalar. Inclusive em algumas regiões do Brasil é
possível ter um parto realmente humanizado pelo SUS.

148
6 CONCLUSÃO

A assistência à mulher no período gravídico puerperal no Brasil ainda está


focada no modelo biomédico, que fragmenta o ser humano, o que tem contribuído para a
permanência e ou aumento do número de procedimentos invasivos e intervencionistas
durante o trabalho de parto e parto, muitas vezes de forma desnecessária e sem a
participação da mulher, como parte ativa do seu parto e a família como ponto de apoio.
Entretanto, nas últimas décadas, tem emergido vários movimentos governamentais e não
governamentais em prol de uma assistência humanizada em que se considera a mulher,
como principal sujeito do seu corpo e vida e não apenas simples objeto que obedece
passivamente às ordens de quem detém o poder cientifico, sem qualquer questionamento.

Dentro deste contexto, cabe aos gestores, profissionais de saúde e


comunidade reivindicar a implantação de políticas públicas, destinadas ao atendimento
da mulher de forma mais humanizada no momento em que ela se encontra mais
vulnerável e carente de apoio emocional, como durante a maternidade. A luta pela
humanização do parto é importante para haja uma mudança na forma de nascer, onde a
atenção dispensada à mulher torna de fundamental importância para que ela possa
vivenciar a maternidade com saúde e bem-estar. É um direito primordial de toda mulher.
Os profissionais da área devem estar preparados para garantir o acolhimento desta
grávida, do seu companheiro e de seus familiares, de forma que respeitem este momento.

Os profissionais de saúde precisam olhar a mulher como um ser único,


respeitando suas vontades e direitos, reconhecendo a mulher e o seu filho como peças
fundamentais no evento do nascimento e compreendendo que não basta somente
proporcionar à mulher um parto por via natural, se não levar em conta os seus sentimentos
e desejos da parturiente e seus familiares.

149
REFERÊNCIAS

BRASIL. Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Ministérioda


Saúde, 2004.

BOARETTO, MC. Avaliação da Política de Humanização ao Parto e Nascimento no


Município do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro, 2003.

DINIZ, CSG. Humanização da assistência ao parto no Brasil: os muitos sentidos de um


movimento. Ciência & Saúde Coletiva, 10(3): 627-637, 2005.

WEI, CY. Ações Humanizadoras na Assistência ao Parto: experiência e percepção de um


grupo de mulheres em um hospital-escola. Dissertação de Mestrado, Escola de
Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo 2007.

BRASIL. PORTARIA n°2815, de 29 de maio de 1998 - Institui o procedimento parto


normal realizado por enfermeiro obstetra no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 02 de junho de 1998,
seção 1, p.47-8

150
10. SISTEMA DE SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL: A aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor na proteção do Direito à Saúde

Laíze Oliveira Costa52

1 INTRODUÇÃO

O direito à saúde e à justiça social no Brasil configura-se como um dos


direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988, sendo um direito público
fundamental, subjetivo e um impreterível dever do Estado. Sendo assim o sistema de
saúde brasileiro tem como referência a concepção de saúde trazida pela Organização
Mundial da Saúde (OMS, 1946) que “A saúde é um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não apenas a ausência de doenças”, tal concepção é reafirmada de modo
ampliado no art. 196 da Constituição Federal.

Estruturalmente o sistema de saúde do Brasil é dividido em dois subsistemas:


público e privado. O subsistema público é representado pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), que se caracteriza por ser um sistema universal, igualitário, equânime,
hierarquizado, descentralizado e marcado pela participação social. O SUS possuem uma
gestão tripartite onde as três esferas do governo são responsáveis pelas ações e serviços
de saúde, assim como a arrecadação e investimento dos recursos destinados à saúde. São

52
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Feira de Santana.

151
de relevância pública também a regulamentação, fiscalização e controle de ações e
serviços (médicos/hospitalares) de saúde destinados a promoção, proteção, recuperação
ou reabilitação (BRASIL, 1988).

O subsistema privado é dividido em dois setores: o setor Saúde Suplementar


(SS) e o setor liberal clássico. O liberal clássico compõe serviços particulares autônomos,
caracterizados por clientela própria, em que os profissionais da saúde estabelecem
diretamente as condições de tratamento e remuneração. Já a Saúde Suplementar apresenta
ações e serviços de saúde financiados por planos e seguros de saúde, que possui um
financiamento privado, mas com subsídios públicos, a gestão privada deste sistema é
regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) (BRASIL, 2007).

O setor de planos de saúde é definido como suplementar, se caracteriza pelo


pagamento de um seguro privado para ter acesso à assistência médica, a despeito da
manutenção da contribuição compulsória para a seguridade social, que inclui o direito ao
acesso ao serviço público. Podendo ser caracterizada como complementar, pois quando
há uma limitação do sistema de saúde público, o sistema privado complementa a
cobertura de determinados serviços (BRASIL,1988; BAHIA, 2002; PIETROBON; el.al,
2008).

Além de todo respaldo Constitucional para a efetivação do direito à saúde de


qualidade o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também protege esse direito que
não se limita ao funcionamento de um sistema hospitalar eficiente, mas que se estende
para preservação da segurança do consumidor contra possíveis danos iatrogênicos
causados por serviços, procedimentos, produtos de saúde.

A aplicabilidade do CDC, no âmbito da saúde suplementar, visa a proteção


dos consumidores de planos de saúde privados de assistência à saúde. Haja vista que esta
relação é considerada uma típica relação de consumo, a saúde, nesse aspecto, fica sob
incidência das normas previstas no CDC. Porém, os contratos de planos de assistência à
saúde pactuados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor não são regulados
por este dispositivo, assim, o contrato deve ser cumprindo conforme suas disposições
(LEMOS, 2008)

152
Nessa linha, o presente artigo explana, de modo geral, sobre a aplicação do
Código de Defesa do Consumidor, como meio de proteção da qualidade da saúde
oferecida aos cidadãos, dentro do viés da Saúde Suplementar. Neste sentido, constitui-se
problema de investigação: qual a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na
proteção do Sistema Suplementar de Saúde?

Dessa forma, a referida obra objetiva: identificar a aplicação do CDC na


saúde suplementar brasileira; analisar o fenômeno da “judicialização” da saúde
suplementar com demonstração de decisões em que o fundamento jurídico seja embasado
pelas normas do Consumidor; e elencar os limites da aplicação CDC dentro do universo
da saúde suplementar. O método aplicado para a elaboração foi a pesquisa qualitativa.
Para elaboração do estudo foi empregado o método dedutivo, baseado na legislação,
doutrina e jurisprudência.

Espera-se contribuir para o aprofundamento do tema, como também para a


reflexão de alternativas que fortaleçam o direito de proteção à saúde e ao consumidor,
tendo em vista a melhora na qualidade de vida dos cidadãos.

2 DIREITO À SAÚDE E OS ASPECTOS GERAIS DO SISTEMA DE SÁUDE


SUPLEMENTAR

O direito à saúde no Brasil é respaldado legalmente pela Constituição Federal


de 1988, bem como pela Lei Orgânica da Saúde onde, qualquer cidadão brasileiro sem
distinção de religião, cor, sexo tem o direito a saúde, como também as ações e serviços
de saúde, sendo este um dever do Estado. Cabendo ao Estado a regulação, formulação e
execução de políticas econômicas e sociais que visem a redução de riscos e que
estabeleçam a seguridade do acesso universal e igualitário. A lei 8.080/90 aponta os
determinantes e condicionantes sociais que influenciam a saúde do indivíduo,
demonstrando que o direito à saúde vai além dos parâmetros fisiológicos e que a
educação, o meio ambiente, o trabalho, a moradia, o saneamento básico, o transporte, o
lazer, a renda são aspectos que contribuem para a precarização dos níveis de saúde. Assim
a saúde se estabelece como um direito social fundamental que decorre do princípio da
dignidade da pessoa humana.

153
A Constituição Brasileira, em seu art. 196, a reafirma de modo mais ampliado
o conceito de saúde apresentado pela OMS: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença
e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988). Este artigo fortalece o direito à
saúde, pois estabelece um princípio de justiça normativa que de forma aplicada torna-se
um referencial e uma política de direitos.

Além do direito à saúde a Constituição 1988 garante ao cidadão serviços de


saúde médicos ou hospitalares para a promoção, prevenção e recuperação, que podem ser
oferecidos de forma pública através do SUS e de forma privada por meio da saúde
suplementar/complementar.

A lei 8.080/90 respalda a iniciativa privada na saúde. E considera que na


prestação de serviços de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as
normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às
condições para seu funcionamento, aspectos que garantem ao cidadão o direito à saúde
de qualidade seja de forma pública ou privada. Uma vez que a cobertura do SUS é
universal, o beneficiário da saúde privada/suplementar está coberto, também, pelo
sistema público. Ademais, os dois sistemas possuem uma rede de prestadores de serviços
compartilhada, que é formada por clínicas, hospitais e médicos, entre outros, que apesar
de conveniados ao SUS prestam serviços às operadoras de planos e seguros de saúde,
assim como há prestadores de serviços privados que atendem a usuários do SUS.

O sistema de Saúde Suplementar compõe ações e serviços de saúde prestados


pela iniciativa privada e ganhou visibilidade nos anos de 1970, a partir da crise do modelo
médico previdenciário onde houve um expressivo aumento do modelo convênio-empresa,
por meio da utilização dos planos e seguros privados de saúde (MENICUCCI, 2011;
NORONHA; SANTOS; PEREIRA, 2011). A Lei Federal nº 9.656/98, regulamenta os
planos privados de saúde no Brasil.

Conforme elucida o Artigo 1º da supracitada, os planos de assistência à saúde


devem submeter-se ao cumprimento de legislação especifica:

154
Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de
direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo
do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade,
adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as
seguintes definições: I – Plano Privado de Assistência à Saúde:
prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a
preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a
finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela
faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de
saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada,
contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e
odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da
operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao
prestador, por conta e ordem do consumidor; II – Operadora de Plano
de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de
sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão,
que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste
artigo; III – Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos
assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das
modalidades de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo, com todos os
direitos e obrigações nele contidos. § 1º Está subordinada às normas e
à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS
qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente, além
da garantia de cobertura financeira de riscos de assistência médica,
hospitalar e odontológica, outras características que o diferencie de
atividade exclusivamente financeira, tais como: a) custeio de despesas;
b) oferecimento de rede credenciada ou referenciada; c) reembolso de
despesas; d) mecanismos de regulação; e) qualquer restrição contratual,
técnica ou operacional para a cobertura de procedimentos solicitados
por prestador escolhido pelo consumidor; e f) vinculação de cobertura
financeira à aplicação de conceitos ou critérios médico assistenciais. §
2º Incluem-se na abrangência desta Lei as cooperativas que operem os
produtos de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo, bem assim as
entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde, pela
modalidade de autogestão ou de administração. § 3º As pessoas físicas
ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior podem constituir ou
participar do capital, ou do aumento do capital, de pessoas jurídicas de
direito privado constituídas sob as leis brasileiras para operar planos de
assistência à saúde. § 4º É vedada às pessoas físicas a operação dos
produtos de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo.

Em 2000, foi publicada a Lei Federal nº 9.961/00, por meio da qual foi criada
a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que é uma autarquia vinculada ao
Ministério da Saúde, cujo objetivo institucional é o desenvolvimento de estratégias
nacionais para regulação do setor suplementar, através do controle do fluxo financeiro e
de serviços entre operadoras, beneficiários e prestadores.

155
A ANS regula e fiscaliza os prestadores de assistência privada, credenciados
pelos planos e seguros de saúde ou pelas cooperativas médicas, serviços próprios dos
planos e seguros de saúde, serviços conveniados ou contratados pelo subsistema público,
que são contratados pelas empresas de planos e seguros de saúde que fazem parte de sua
rede credenciada (BRASIL, 2007). Para Albuquerque et.al (2008) hoje, o mercado de
saúde suplementar é composto pelos planos privados que são oferecidos por pessoas
jurídicas de direito privado e por planos vinculados à instituição patronal de assistência
ao servidor público civil e militar, onde estes últimos não regulados pela Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A saúde suplementar no Brasil teve como primeira modalidade as empresas
de medicina de grupo que surgiram na década de 60 para atender, em princípio, aos
trabalhadores do ABC paulista. Diante das deficiências da saúde pública na época, as
indústrias multinacionais buscaram meios para proporcionar atendimento médico de
qualidade a seus empregados fato que estimulou médicos a formarem as empresas de
medicina de grupo, com diferentes planos de saúde (PEREIRA FILHO,1999).

Outra modalidade que se apresenta na realidade brasileira é a das


cooperativas médicas, regidas e organizadas sob as leis do cooperativismo. Onde a
assistência é prestada aos beneficiários por meio de contratos coletivos, familiares e
individuais. As cooperativas possuem um sócio majoritário ou controlador, os lucros de
suas operações são divididos entre os cooperativados (médicos e outros profissionais da
área de saúde) segundo suas contribuições ao esforço comum (PEREIRA FILHO,1999).

A modalidade da autogestão apresenta grandes empresas, como os gestores


dos próprios planos de saúde para seus funcionários mediante contratação ou
credenciamento de médicos e serviços, e de convênios com hospitais. Ao implantar a
autogestão a empresa estabelece o formato do plano, define o credenciamento dos
médicos e dos hospitais, estabelece as carências e coberturas (PEREIRA FILHO,1999).

O modelo do seguro de saúde, é inteiramente diverso do conceito dos planos


de saúde, pois nesse caso, são empresas seguradoras que atuam na área da saúde
suplementar, da mesma forma que em outros segmentos. O seguro de saúde tem como
característica os planos de custeios, onde é garantido aos segurados a livre escolha de

156
médicos e hospitais por meio do reembolso de despesas. E atualmente, além do sistema
de reembolso, as seguradoras trabalham com hospitais, médicos e laboratórios
referenciados, fator que diminui os prejuízos causados pela livre escolha (PEREIRA
FILHO,1999).

Segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar - IESS (2013), o


número de beneficiários de planos de saúde tem crescido consideravelmente desde 2003,
esse crescimento foi de 35,3%, chegando a 49,2 milhões de beneficiários, já para os
planos exclusivamente odontológicos, a expansão foi ainda maior, atingindo 19,1 milhões
de vínculos. A taxa de cobertura de planos médico-hospitalares tem como maior número
de beneficiários os idosos (60 anos ou mais), de 28,2%, seguidos pela população de 20 a
59 anos (26,3%). Os investimentos/gastos do setor de saúde suplementar somente com a
assistência devem ultrapassar R$ 80 bilhões em 2030, essa projeção considera o
crescimento do número de beneficiários de planos de saúde e, principalmente, o
envelhecimento destes, ou seja, a mudança do perfil etário dessa população, além do
aumento de frequência de utilização ou incorporação de tecnologias.

Tais dados apontam para um crescimento expressivo da Saúde Suplementar,


causado pela precarização da saúde pública, o que obriga os planos de saúde e as
operadoras de seguros aumentarem o investimento técnico, logístico e de gestão, a fim de
atender as necessidades dos beneficiários com qualidade e cumprir os preceitos
estabelecidos pela constituição, agência reguladora e CDC.

3 O PAPEL DO DIREITO DO CONSUMIDOR NA PROTEÇÃO DOS


BENEFICIÁRIOS DA SAÚDE SUPLEMENTAR

O Código de Defesa do Consumidor, aprovado pelo Congresso Nacional, em


1990, suprimiu lacuna existente na legislação brasileira para proteger o consumidor em
suas relações com fornecedores de produtos ou serviços em qualquer transação
econômica. A proteção ao consumidor visa equilibrar os dois polos da relação existente,
ou seja, tem como objetivo equiparar o consumidor, quanto aos direitos e deveres, ao
fornecedor, de maneira eficiente e concreta (RIBEIRO, 2011).

157
O artigo 6º, do CDC determina que: “São direitos básicos do consumidor: a
proteção da vida, saúde e segurança contra riscos provocados por práticas no
fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. Dessa forma,
caracterizou o direito à saúde como essencial no direito do consumidor.

A Lei 8.078/90 tem sua aplicação de forma subsidiária, conforme disposição


expressa na Súmula 469 do Superior Tribunal de Justiça. O contrato insere-se entre
aqueles de prestação de serviços, tendo como predominância a obrigação de fazer,
podendo ser identificados o fornecedor e o consumidor (art. 3º e seu parágrafo 2º do
CDC), sendo de adesão (art. 54 do CDC), ou seja, as cláusulas do contrato são pré-
estabelecidas pelo fornecedor e o consumidor possui a liberdade de optar ou não por
firmar o contrato (CALIL, 2011)

Na ausência de legislação específica, anterior a Lei nº. 9.656/98 – que


regulamenta a oferta de serviços na relação de mercado entre operadoras e consumidores
– o CDC era a norma mais utilizada para tentar dirimir os conflitos nas relações entre
beneficiários e operadoras. Assim, os contratos antigos são regidos, principalmente, pelo
CDC, enquanto que aos contratos novos é aplicada a legislação específica do sistema, que
prevê a aplicação do CDC de forma subsidiária aos contratos de assistência à saúde
(ALVES, 2009)

DIAS (2014) afirma que:

Anteriormente, o problema repousava sobre a questão da retroatividade


do diploma consumerista sobre contratos celebrados antes da
promulgação do código. Porém, o Superior Tribunal de Justiça
entendeu que esses contratos são firmados em determinado momento
identificável no tempo, mas sua natureza é de trato sucessivo entre as
partes, por prazo indefinido, tornando possível, assim, a aplicação do
CDC a todos os contratos, tivessem sido eles assinados antes ou depois
da vigência da referida lei.

A Lei 9656/98 mantém com o Código de Defesa do Consumidor uma relação


de complementariedade, são aplicados concomitantemente aos planos de assistência à
saúde. As normas da legislação do setor não precisam e não devem estar no código, que
propõe uma lei que trata das perspectivas e diretrizes do consumidor. “Havendo silêncio

158
da lei específica, ou sendo esta inaplicável, aplica-se somente o Código, que trata
indistintamente de todas as relações de consumo” (TRETTEL, 2010).

Assim, é possível dizer que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor


apresenta essencial relevância sobre a regulação dos contratos de planos de saúde antigos
ou não regulamentados.

O contrato de plano de assistência à saúde é considerado como: bilateral, o


consumidor tem o ônus de pagar mensalmente as prestações e a operadora do plano possui
obrigação de prover assistência à saúde nos termos do contrato; oneroso, pois o
consumidor efetua o pagamento pelos serviços prestados; comutativo, quando uma das
partes pode apreciar essa equivalência; consensual, existe uma lei para regulamentados;
trato sucessivo ou de execução continuada, existindo interesse a relação contratual pode
durar por muitos anos; aleatórios, devido à incerteza de quando será prestada a obrigação;
nominado, possui lei para regulamentadora; não solene, não é necessária a formalização
do contrato principal; e de adesão(CALIL, 2011; LEMOS, 2008)

No entendimento da doutrina majoritária, o contrato de planos de assistência


à saúde é um contrato de adesão, visto que possuem cláusulas estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor, a partir do momento em que o beneficiário tem
conhecimento do contrato e de suas condições, poderá optar por àquele que melhor se
enquadre em suas expectativas (LEMOS, 2008).

Determina o artigo 54 e o § 4º e 51, IV do CDC que:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido


aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
§ 4º As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor
deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil
compreensão.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

159
Assim, o contrato de plano privado de saúde por se enquadrar no rol de
contratos de adesão deve-se observar as cláusulas que implicam limitação de direito,
como exemplo a restrição e limitação de coberturas, pois devem estar dispostas com
clareza e de fácil compreensão para o consumidor, caso contrário será considerada como
cláusula abusiva.

Segundo LEMOS (2008),

Os contratos de plano de saúde são considerados também, contrato de


seguro, desta forma, deve-se observar o que dispõe o artigo 757 CC que
“prevê que a operadora de planos de saúde garanta interesse legítimo
do segurado, relativo à pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados
na apólice/ contrato”, e o artigo 760, CC versa que “o contrato de
seguro tem natureza sinalagmática, uma vez que obriga as partes
reciprocamente, não respondendo a operadora por aqueles riscos não
contemplados na cobertura contratada na apólice/ contrato”.

Nesse passo, como todas as relações de consumo são reguladas pelo CDC,
independentemente de haver previsão expressa em lei específica. O papel fundamental da
aplicação das normas consumeristas dentro do viés da saúde suplementar é o de proteger
os direitos do consumidor por sua vulnerabilidade (art. 4º, I, do CDC), o de interpretar as
cláusulas contratuais de forma favorável ao consumidor (art. 47, do CDC) e anular as
cláusulas contratuais abusivas quando apresentem desvantagem ou sejam incompatíveis
com a boa-fé ou a equidade (art. 51, do CDC).

4 A JUDICIALIZAÇÃO NA SAÚDE SUPLEMENTAR E OS LIMITES PARA


APLICABILIDADE DO CDC

A Saúde Suplementar (SS) exercida pela atuação de operadoras de planos


privados de assistência à saúde, conforme evidenciado ao longo do estudo, está
regulamentada na Lei nº 9.656/98. Com o marco regulatório surgem diversos
questionamentos e discussões sobre a disciplina dos planos privados de assistência à
saúde e dos limites das responsabilidades das operadoras com relação aos seus
beneficiários. Assim, diferenciou-se os contratos de planos de saúde em duas categorias:
os firmados antes desta lei chamados de planos não regulamentados ou antigos; e os
celebrados após a lei denominados planos novos ou regulamentados.

160
VIEGAS (2014) elucida acerca da atuação dos planos de saúde antes e depois
da regulamentação, informando que:

Antes da entrada em vigor da referida lei, as operadoras privadas de


planos de saúde atuavam livremente no mercado, pois não havia
nenhuma regulamentação do setor de saúde suplementar. Em relação
aos planos não regulamentados ou antigos pode-se afirmar que as regras
impostas pela Lei 9.656/98 e pelas resoluções emanadas da ANS a eles
não se aplicam, valendo o que consta estritamente no contrato celebrado
entre beneficiário e operadora, sob pena de violação às disposições
contidas no artigo 5°, inciso XXXVI, da Constituição, sobremaneira ao
princípio constitucional do ato jurídico perfeito.

Dessa maneira, com o advento das consideráveis mudanças das leis e


regulamentos citados, que ampliou o rol para a prevenção ou reparação de danos em
relação à saúde suplementar, houve um aumento exponencial da demanda dos
consumidores que recorrem ao Poder Judiciário, em um fenômeno denominado
“judicialização da saúde suplementar”.

A judicialização da saúde suplementar possibilitou cada vez mais encontrar


decisões ativistas que, muitas vezes, sem uma fundamentação constitucional adequada,
ignoram a existência de lei e resoluções normativas específicas na função de regulamentar
as questões não tratadas pelo legislador. Por outro lado, também é possível encontrar
decisões tímidas diante da conduta irregular de operadoras que não respeitam as normas
de regulamentação do sistema, o CDC e os próprios contratos de plano de saúde de seus
beneficiários (VIANNA, 2013)

De acordo com balanço realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)


em 2011, tramitavam à época, no Judiciário brasileiro, 240.980 processos judiciais
relacionados ao setor da saúde. Isso demostra a reivindicação da população pela garantia
do direito à saúde, que inclui o dever da prestação de um serviço de eficaz e efetivo,
firmado através das ordens judiciais.

De acordo com SCHULZE (2016),

161
A progressão é geométrica. Certamente não existe outro país do mundo
com demanda semelhante. A estatística demonstra, infelizmente, que o
Brasil se consolida em primeiro lugar no campeonato mundial de
judicialização (o Relatório Justiça em Números de 2016 indica que no
total são mais de 102 milhões de processos em tramitação [...] Segundo
Relatório, no tema “direito do consumidor”, o assunto contratos de
planos de saúde é o mais demandado nos Tribunais de Justiça (2º grau
de jurisdição), com 1,13% de todos os casos.

No que se refere à saúde suplementar, as insurgências mais frequentes nas


ações judiciais versam sobre planos de saúde antigos, ou seja, aqueles onde há negativas
de coberturas de procedimentos assistenciais por falta de previsão contratual ou
regulamentar, que na grande maioria são deferidos (FELISBINO, 2014), como também
aqueles que visam“ amplitude da cobertura contratual, reajustes das contraprestações
pecuniárias, prazos de carências e de cobertura parcial temporária, dano moral pela recusa
de cobertura, entre outros (VIANNA, 2013).

O Poder Judiciário através de seus tribunais, vem editando súmulas que


demonstram o avanço no entendimento acerca da matéria:

Súmula 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de plano de


saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”

Súmula 469 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor


aos contratos de plano de saúde”

A súmula 469 do STJ consolida o entendimento, há tempos pacificado, de


que “a operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à
população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco
importando o nome ou a natureza jurídica que adota” (Resp 267.530/SP, Rel. Ministro
Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12/3/2001).

São diversos os fundamentos jurídicos utilizados pelo Poder Judiciário ao


decidir de forma favorável ao consumidor. Dentre os quais, o que leva em consideração
não só o fundamento da natureza jurídica do direito à saúde, como sendo um elemento
fundamental à dignidade da pessoa humana, previsão constitucional; mas também
possível encontrar, cada vez mais, a aplicação das normas do CDC em casos de abuso nas

162
relações estabelecidas entre os planos de saúde e seus beneficiários, de forma a favorecer
a parte hipossuficiente (consumidor).

Os julgados a seguir colacionados demonstram essa amplitude nas decisões:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. ART. 535 DO CPC. NÃO VIOLAÇÃO. PLANO DE
SAÚDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA.
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REEXAME
DE PROVAS. SÚMULAS Nsº 5 E 7/STJ. AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTO CAPAZ DE ALTERAR A DECISÃO
AGRAVADA. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional
se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão,
solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende
cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. É
firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de
que a abusividade das cláusulas contratuais de planos de saúde pode
ser aferida à luz do CDC sem que isso signifique ofensa ao ato jurídico
perfeito. 3. É abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de
procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado
essencial para preservar a saúde e a vida do paciente. 4. No caso, o
tribunal de origem interpretou o contrato de forma favorável ao
recorrido, afirmando que a limitação se mostrou abusiva, porquanto o
contrato mais recente não continha previsão de exclusão dos exames.
Incidência das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 5. Agravo regimental não
provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 492007 SP 2014/0054711-0, Relator: Ministro


RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 26/05/2015,
T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe: 02/06/2015).

***

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AUTORIZAÇÃO. NEGATIVA DE
COBERTURA. TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO
DOMICILIAR. CARÁTER ABUSIVO DE CLÁUSULA
CONTRATUAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC.
NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO CDC. SÚMULA 83/STJ.
PRECEDENTES. 1. A col. Corte de origem dirimiu,
fundamentadamente, as matérias que lhe foram submetidas, motivo
pelo qual o acórdão recorrido não padece de omissão, contradição ou
obscuridade. Não se vislumbra, portanto, a afronta ao art. 535 do
Código de Processo Civil. 2. O eg. Tribunal estadual, ao estabelecer a
obrigatoriedade de o plano de saúde proceder a tratamento domiciliar,
decidiu em conformidade com a jurisprudência desta Corte no sentido
de considerar que "a exclusão de cobertura de determinado
procedimento médico/hospitalar, quando essencial para garantir a saúde
e, em algumas vezes, a vida do segurado, vulnera a finalidade básica do
contrato" (REsp 183.719/SP, Relator o Ministro LUIS FELIPE

163
SALOMÃO, DJe de 13.10.2008). 3. O v. aresto atacado está assentado
na afirmação de que, em se tratando de contrato de adesão submetido
às regras do CDC, a interpretação de suas cláusulas deve ser feita da
maneira mais favorável ao consumidor, bem como que devem ser
consideradas abusivas as cláusulas que visam a restringir
procedimentos médicos. 4. Agravo regimental a que se nega
provimento. (STJ - AgRg no AREsp: 292259 SP 2013/0013217-4,
Relator: Ministro RAUL ARAÚJO,13 Data de Julgamento:
25/06/2013, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe
01/08/2013).

***

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.


APLICAÇÃO DO CDC AOS PLANOS DE SAÚDE. CIRURGIA.
ADIAMENTO. NÃO FORNECIMENTO DO MATERIAL PARA
SUA REALIZAÇÃO. OPERADORA DE PLANO DE SÁUDE E
HOSPITAL CONVENIADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
DANOS MORAIS. RAZOABILIDADE DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO. VINCULAÇÃO A SALÁRIO MÍNIMO.
INADMISSIBILIDADE. 1. As normas do Código de Defesa do
Consumidor aplicam-se às relações estabelecidas entre os planos de
saúde e seus beneficiários, uma vez que se caracterizam como serviço
médico-hospitalar, realizado mediante remuneração. 2. Havendo
previsão contratual de atendimento do usuário do plano de saúde por
rede médica e hospitalar, devidamente conveniada e credenciada pela
operadora, torna-se esta responsável pelos serviços prestados aos seus
contratados, aí incluído, dentre outros, o fornecimento do material
necessário à realização de procedimento cirúrgico para paciente
conveniado. 3. Operadora de plano de saúde que autoriza cirurgia de
paciente conveniado e se recusa a entregar ao cirurgião o material
necessário à realização do procedimento médico-hospitalar, está
obrigada a indenizá-lo pelos danos morais sofridos em decorrência da
não realização da cirurgia, máxime se o beneficiário do plano, mesmo
contra sua vontade, permaneceu no centro cirúrgico, em estado de
sedação, por cerca de 4 (quatro) horas. 4. A indenização por danos
morais, à luz da orientação do STJ, não pode ser tão elevada a ponto de
se constituir em enriquecimento sem causa, e nem irrisória a permitir
que o ofensor se sinta estimulado a novos ataques à honra alheia. 5.
Com o advento das Leis nº 6.205, de 29.4.1975 e 7.789, de 3.7.1989,
inadmissível a vinculação do montante indenizatório em salários
mínimos. Precedentes do STJ. 6. Apelação conhecida e parcialmente
provida.

(TJ-MA - AC: 108722007 MA, Relator: CLEONICE SILVA FREIRE,


Data de Julgamento: 17/09/2008, SANTA LUZIA).

***

CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. ESTIPULANTE DE PLANO


DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. BENEFICIÁRIO FINAL
DE PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE ATIVA. APLICAÇÃO
DO CDC A CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO DE
PLANO DE SAÚDE COLETIVO. OFERTA DE PLANO
INDIVIDUAL. DANOS MORAIS À LUZ DO CDC. PARÂMETROS.

164
VERBA INDENIZATÓRIA. CRITÉRIOS. MAJORAÇÃO DO
VALOR. 1.Sociedade empresária, estipulante de plano de saúde
coletivo, encontra-se legítima para ocupar polo passivo de demanda, em
que se discute manutenção de consumidor em plano de saúde
individual, mesmo diante da rescisão de plano de saúde na modalidade
coletiva. A parte requerida figura como fornecedora de serviços,
submetendo-se, portanto, à disciplina do Código Consumerista. Pode,
dessarte, responder pelos efeitos da r. sentença. 2.Ainda que o plano de
saúde seja contratado por intermédio de terceiro, o beneficiário é o
destinatário final do serviço, constatando-se, pois, a legitimidade para
figurar no polo ativo de demanda, cujo objeto se concentra na
manutenção de consumidor em plano de saúde. 3.Segundo a Súmula
469 do Superior Tribunal de Justiça, aplica-se o Código de Defesa do
Consumidor aos contratos de plano de saúde. 4.À luz do Código de
Defesa do Consumidor, bem como da Lei n.9656/98, a rescisão de
plano de saúde coletivo não pode acarretar o desamparo do
consumidor contratante. Segundo a Resolução n.19/99 do Conselho de
Saúde Suplementar, deve ser ofertado ao consumidor a opção de
migração para plano de saúde individual, dispensado o período de
carência. 5.Partindo do pressuposto de que o art. 5.º, V e X, da CF/1988
e o art. 6.º, VI e VII, do CDC contemplaram expressamente o direito à
indenização em questões que se verifique a violação de direitos da
personalidade, o consumidor que teve violado seus direitos da
personalidade deverá ser compensado, monetariamente, a fim de
reparar o dano. 6. A razoabilidade é critério que deve imperar na
fixação da quantia compensatória dos danos morais. Para além do
postulado da razoabilidade, a jurisprudência, tradicionalmente, elegeu
parâmetros (leiam-se regras) para a determinação do valor
indenizatório. Entre esses, encontram-se, por exemplo: (a) a forma
como ocorreu o ato ilícito: com dolo ou com culpa (leve, grave ou
gravíssima); (b) o tipo de bem jurídico lesado: honra, intimidade,
integridade etc.; (c) além do bem que lhe foi afetado a repercussão do
ato ofensivo no contexto pessoal e social; (d) a intensidade da alteração
anímica verificada na vítima; (e) o antecedente do agressor e a
reiteração da conduta; (f) a existência ou não de retratação por parte do
ofensor. 7.Preliminares rejeitadas. Apelo da parte autora parcialmente
provido.

(TJ-DF - APC: 20120111117588 DF 0031153-62.2012.8.07.0001,


Relator: FLAVIO ROSTIROLA, Data de Julgamento: 03/12/2014, 3ª
Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 12/12/2014. Pág.:
181).

***

DIREITO INTERTEMPORAL. RECURSO. REQUISITOS MARCO.

PUBLICAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. POSTERIOR À


VIGÊNCIA DA LEI 13.105/15. REGÊNCIA PELO CPC/15.
CONSUMIDOR. PROCON. FISCALIZAÇÃO. PLANO. SAÚDE.
COLETIVO. EXCLUSÃO. INDEVIDA. CONSUMIDOR. AUTO DE
INFRAÇÃO. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA E
SOLIDÁRIA. ADMINISTRADORA. LEGALIDADE.
PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. PENALIDADE. 1. A
análise do recurso deve considerar, em substância, a lei processual

165
vigente ao tempo em que foi publicada a decisão recorrida. 2. A Lei
13.105/15 - Novo Código de Processo Civil - se aplica às decisões
publicadas posteriormente à data de sua entrada em vigor, ocorrida em
18 de março de 2016. 3. Legítima a fiscalização exercida pelo Instituto
de Defesa do Consumidor do Distrito Federal - PROCON-DF (Lei
Distrital 2.668/2001) na repreensão às violações às normas de defesa do
consumidor (art. 5º, XXXII da Constituição Federal/88 c/c art. 56 e 106
da Lei 8.078/90). 2. Afere-se a legalidade da decisão exarada em
processo administrativo, que declara procedente o auto de infração
lavrado pela prática da vedada conduta de exclusão indevida de
consumidor de plano de saúde coletivo. 4. No exame de aplicação de
penalidade administrativa, a atuação do Poder Judiciário cinge-se à
aferição dos aspectos de legalidade, proporcionalidade e razoabilidade.
5. Nos termos dos artigos 14, 18 e 20 do CDC, o consumidor
prejudicado pode ajuizar aço de reparação de danos contra qualquer
um dos responsáveis pela má prestação do serviço, em razão da
responsabilidade objetiva e solidária prevista na norma consumerista.
6. Confirma-se o valor da multa imposta à administradora de plano de
saúde que exclui indevidamente consumidora de plano de saúde. 7.
Recurso conhecido e desprovido.

(TJ-DF 20150110830006 0020472-74.2015.8.07.0018, Relator:


MARIA DE LOURDES ABREU, Data de Julgamento: 19/10/2016, 3ª
TURMA CÍVEL, Data de Publicação: Publicado no DJE: 03/11/2016.
Pág.: 315/332)

Em análise nos acórdãos, é possível perceber a importância da aplicação das


normas do CDC como um auxiliar no fundamento jurídico para oferecer e garantir
segurança ao consumidor vulnerável. Não obstante, em pesquisa realizada no site do STJ
com os seguintes descritivos “PLANO DE SAÚDE” “CDC” foram encontrados
cinquenta e oito documentos relacionados ao tema proposto, e no STF cinquenta e seis
que tratam da possibilidade ou não de aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas
decisões judiciais, significa dizer que os magistrados dos tribunais superiores não citam
com tanta frequência o CDC, ou seja, utilizam outros recursos para fundamentar seus
julgamentos.

Vale ressaltar que, menos de 50% das decisões dos magistrados de 2ª


Instância há a citação do CDC. Conforme verificado em pesquisa realizada nos períodos:
de janeiro de 2003 a setembro de 2004 e o de setembro de 2004 (acórdãos não analisados
no momento anterior) a agosto de 2005 (Tabela 1).

166
Fonte: ALVES, D. C. et al. O papel da Justiça nos planos e seguros de saúde no
Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2009.

Um dos limites para a aplicabilidade do CDC na proteção dos usuários da


saúde suplementar, pode ser verificado em contratos feitos por planos de saúde de
autogestão, que não têm finalidade lucrativa. Esses, portanto não estão sujeitos às regras
do Código de Defesa do Consumidor. O entendimento foi adotado pela 2ª Seção do
Superior Tribunal de Justiça da Paraíba, pelo ministro relator, Luis Felipe Salomão, que
estabeleceu distinções entre as entidades de previdência privada fechadas, de acesso
restrito a um grupo determinado, e as empresas que oferecem produtos previdenciários
ao mercado geral e buscam o lucro.

Segundo MELLO (2016),

As autogestões são espécie de operadora de plano de saúde


caraterizadas pela ausência de finalidade lucrativa, pelo vínculo
associativista, de pertencimento. São, em essência, associações
mutualistas, por meio das quais os associados organizam-se para ter
acesso a planos de saúde diferenciados e, também, participam dos
órgãos colegiados de administração.

A jurisprudência do TJ-DF entende que:

APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL.


PLANO DE SAÚDE. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DO SETOR
ELÉTRICO E-VIDA. AUTOGESTÃO. NÃO APLICAÇÃO DO CDC.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE CUSTEAR
TRATAMENTO MÉDICO. NÃO PREVISÃO PELA ANS.
LIMITAÇÃO DO TRATAMENTO EXPRESSA NO CONTRATO.
RESSARCIMENTO INDEVIDO. RECUSA DEVIDA. PEDIDO

167
IMPROCEDENTE. 1. Não se aplica o Código de Defesa do
Consumidor às entidades constituídas sob a modalidade de autogestão,
tendo em vista a ausência da finalidade lucrativa da operadora do
plano de saúde. 2. Dada a singularidade dos planos de saúde de
autogestão (planos fechados), não há desequilíbrio contratual ou
abusividade na norma/resolução que limita ou restringe a cobertura do
procedimento não coberto pela ANS. 3. Apelo conhecido e provido.
Sentença reformada.

(TJ-DF - APC 20140110991892, Relator: CARLOS RODRIGUES,


Data do Julgamento:28/01/2016, 6ª Turma Cível, Data da Publicação:
Publicado no DJE : 16/02/2016 . Pág.: 299)

Portanto, as normas do CDC não se aplicam às relações envolvendo entidades


de planos de saúde constituídas sob a modalidade de autogestão (fechadas) que optam por
assumir a responsabilidade pela gestão e pelo fornecimento de serviços de assistência
médico-hospitalar de um determinado grupo, sem finalidades lucrativas, seja por meio de
rede própria, seja por meio de convênios.

5 CONCLUSÃO

Com a realização desse estudo é possível concluir que a saúde suplementar


no Brasil vem apresentando um crescimento expressivo, tendo em vista a carência da
saúde pública. Esse avanço, fez com que os planos de assistência privada de saúde e as
operadoras de seguros aumentasse os investimentos técnico, logístico e de gestão, com o
intuito de contemplar as necessidades dos beneficiários de forma eficiente e de qualidade.
Cumprindo não somente os preceitos estabelecidos pela legislação específica, mas
também pelas normas do Código do Consumidor e pela Constituição (CF/88).

A aplicação do CDC dentro da realidade da saúde suplementar ocorre de


forma subsidiária, utilizada para tentar dirimir os conflitos nas relações entre beneficiários
e operadoras. Os contratos de assistência à saúde são classificados, pela doutrina, como
contratos de adesão, onde as cláusulas são estabelecidas por uma das partes, ficando a
critério do consumidor optar em celebrar o contrato.

Desse modo, com o advento das consideráveis mudanças das leis e


regulamentos de proteção aos usuários da saúde suplementar, que ampliou o rol para a
prevenção ou reparação de danos, portanto houve um aumento exponencial da demanda
dos consumidores que recorrem ao Poder Judiciário, chamados de “judicialização da
saúde suplementar”. É possível afirmar, também, que cada vez mais o CDC é utilizado

168
como fundamento nas decisões dos magistrados, favorecendo a parte mais vulnerável da
relação, o consumidor. Porém, o CDC não se aplica aos contratos de planos de saúde de
autogestão, ou seja, aqueles que não têm finalidade lucrativa, tendo sua proteção limitada
por esse aspecto.

Pode-se concluir que a aplicação do CDC no âmbito Saúde Suplementar


ocorre com mais frequência nos casos onde: há negativas de coberturas de procedimentos
assistenciais por falta de previsão contratual, na amplitude da cobertura contratual, nos
reajustes das contraprestações pecuniárias, sobre prazos de carências e de cobertura
parcial temporária, danos morais pela recusa de cobertura, entre outros.

169
REFERÊNCIAS

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contratos de adesão e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. In: Revista do
CAAP, Belo Horizonte 177 n. 2 p. 177 a p. 195, 2011.

ROCHA, M. M.; SÁ, M. L. S.; MAGALHÃES, R. A.; NUNES, S.L. F. SÁ, W. T. S.


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Governo Eletrônico, Santa Catarina, 2011.

VIANNA, G. L. Judicialização da saúde suplementar: a concepção do “direito como


integridade” contra a discricionariedade judicial. FDSM, Pouso Alegre-MG, 2013.

VIEGAS, B. Judicialização da saúde desorganiza o funcionamento do SUS. In: Revista


Consultor Jurídico, São Paulo, 2014.Disponivel em: < http://www.conjur.com.br/2014-
out-25/beatriz-viegas-judicializacao-saude-desorganiza-funcionamento-sus> Acesso em:
nov 2016.

172
11. A ATUAÇÃO DO ESTADO E DE ENTES DE DIREITO PRIVADO COMO
FORNECEDORES NO DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Lidiane Bitencourt da Silva53


Samyr de Oliveira Galindo54

1 INTRODUÇÃO

A saúde é um direito de todos e um dever do estado, conforme elucida a


Constituição Federal de 1988. Portanto, como direito, essencial se faz, primeiramente,
evocar a transdimensionalidade como sua característica preponderante. É perceptível a
capacidade que lhe é inerente de perpassar pelas ditas dimensões dos direitos
fundamentais, tornando-se, igualmente, importante para todas.

Assim, acaba sendo um direito individual, exigindo uma prestação negativa


do Estado, no momento em que este não deve interferir com mecanismos legais para
coibir a preservação da saúde do cidadão. Em sequência, molda-se como direito social,
visto assim pela Carta Magna, no qual a sociedade tem o poder de cobrar atitudes do
Estado para promover, por meio de políticas públicas, a proteção do mesmo. Finalmente,
é também direito difuso, ao passo que a saúde é um bem precioso para toda a humanidade,
tendo em vista, inclusive, a possibilidade de existência de epidemias e doenças globais.

53
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
54
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

173
Nesse sentido, destaca-se que a prestação desse serviço vital para a
perpetuação da espécie é fornecida precipuamente pelo Estado e secundariamente pela
atividade privada, concebendo, dessa forma, uma relação consumerista, onde o cidadão é
considerado consumidor, possuindo todos os direitos que lhes são imanentes.

O artigo tem como escopo preambular, portanto, explanar a imbricação


existente entre dois ramos do direito, quais sejam: direito do consumidor e direito à saúde.
Na realidade, por meio de julgados específicos, demostrará como os benefícios, princípios
e proteções, pertencentes ao Código de Defesa do Consumidor, servem de supedâneo para
garantir a efetivação desse direito fundamental.

Infelizmente, a precariedade da prestação desse serviço por parte do Estado é


bastante acentuada. São hospitais superlotados, falta de profissionais qualificados e
engajados no trabalho, defasagem em máquinas, aparelhos e materiais básicos, escassez
de medicamentos, não compatibilidade do número de centros de atendimento com a
demanda existente, entre outros. Esse panorama contribui para que os cidadãos recorram
à planos de saúde privados, visando um melhor atendimento de seus anseios, mas que,
muitas vezes, são usurpados ilegal e injustificadamente.

Nesse diapasão, o artigo evocará que a sociedade não está adstrita a aceitar
o mínimo existencial oferecido pelo Estado, muito menos por empresas privadas. De fato,
a desculpa orçamentária, aludida pelo primeiro, e o desrespeito legal, praticado pelo
segundo, para não cumprir com excelência suas obrigações não podem ser acatados.
Precisa-se lutar pelo máximo existencial, na qual, teremos uma saúde nos moldes do
artigo 196 da Constituição Federal, sendo promovida, protegida e garantida por todo
ordenamento jurídico, inclusive pelo Código de Defesa do Consumidor.

2 DIREITO DO CONSUMIDOR: PROTEÇÃO À VIDA E À SAÚDE

O Código de Defesa do Consumidor, como bem explana Felipe Peixoto em


seu livro Manual de Direito do Consumidor, é um microssistema legislativo, pois aborda
diversos ramos forenses com outro viés de prioridade. Assim, é notório o afastamento da
segmentação ou dicotomia existente entre direito público e privado, em favor da

174
preocupação de proteger e salvaguardar, em todos os sentidos, o consumidor, tido com
vulnerável em uma relação consumerista.

Nesse ínterim, vale salientar que a Teoria do Diálogo das Fontes, idealizada
na Alemanha pelo jurista Erik Jayme, professor da Universidade de Helder Berg e trazida
ao Brasil por Cláudia Lima Marques da Universidade Federal do Rio Grande do Sul1, foi
incorporada e serviu de supedâneo para toda construção e aplicação do CDC com essa
nova visão de imbricação com diversas fontes do direito.

Ressalta ainda que seu escopo preambular é desligar-se das teorias clássicas
de solução das antinomias jurídicas, nas quais preponderam critérios como; hierarquia,
especialidade e cronologia55. Essa nova concepção jurídica, defendida, hodiernamente,
por muitos estudiosos do direito, acaba por delinear um panorama igualitário entre as
áreas jurídicas, trazendo à baila, mais uma vez, o tão famoso pluralismo.

Destarte, é fundamental observar as grandes e contínuas metamorfoses que


princípios, ideologias e a própria sociedade sofrem. Sendo assim, a característica da
taxatividade não poderia sobressair-se na atual conjuntura, tendo em vista, a variedade de
situações problemas que surgem no cotidiano de todos. Logo, se continuássemos a aplicar
concepções clássicas, com um teor de especificidade e conservadorismo, certamente,
essas não seriam solucionadas, já que, apenas a peculiaridade de determinado código, sem
a possibilidade de nenhuma analogia ou subsídio, não conseguiria acompanhá-las.

Ademais, a Teoria do Diálogo das Fontes, permite, precipuamente, a


interconexão entre as fontes formais e materiais do Direito. Por isso, sem dúvida, foi
essencial para o desenrolar da prática jurídica, assim como, para a imbricação de
determinados ramos, como por exemplo o direito do consumidor e o direito à saúde, tema
desse artigo.

Em vista disso, percebe-se que o direito do consumidor como um


microssistema legislativo, tratando sobre diversos ramos com o escopo preambular de
defender o vulnerável na relação consumerista, imbrica-se e serve de subsídio para a

55
PRADO, Sergio Malta. Da teoria do diálogo das fontes.

175
solução de conflitos que envolvem a proteção de outros direitos fundamentais, como é o
caso, por exemplo, da saúde.

3 O ESTADO COMO SUJEITO ATIVO DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À


SAÚDE, SUAS ESCUSAS E EXECUÇÃO FORÇOSA DE TAL DIREITO POR
MEIO DA JUDICIALIZAÇÃO

Com natureza transdimensional de direitos fundamentais, no ordenamento


pátrio e de dantesco reconhecimento internacional, o direito à saúde é subjetivo e inerente
ao homem, em sua essência.

Descrito no art. 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988, em


legislação complementar, ordinária; resoluções; decretos; portarias etc. –, é notória a sua
plena existência e os requisitos de sua execução por parte do Estado, cuja minimalista
análise será realizada a seguir.

"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas


sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação".56

“(...) é dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas


que visem a redução do risco de doença e de outros agravos (...)”.

Diante disso, extrai-se que o Estado (União, estados e municípios,


solidariamente) deve assegurar e prover condições materiais, ou de outra natureza – como
a formação de políticas públicas que alcancem a todos, por exemplo, por meio de leis
orçamentárias e em planos plurianuais –, necessárias à plena execução deste direito, pois
este é do rol de categoria fundamental e possui, portanto, aplicabilidade imediata.

“(...) ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção,


proteção e recuperação”. Dentre as condições igualitárias que o Estado deve promover,
está a prestação dos serviços de saúde para os administrados, por meio do Sistema Único

56
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Art. 196. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

176
de Saúde (Lei 8080/90), em suas atribuições e por meio da livre iniciativa do setor
privado.

Dentre as limitações apresentadas, está a reserva do possível, que é uma


norma constitucional em que o Estado se ampara ao alegar suas condições orçamentárias
para por em prática o exercício do dever de fornecer condições para que o direito à saúde
seja prestado. O uso deste princípio tem sido, diante disso, banalizado e utilizado como
escusa à não prestação excelente deste direito.

Entretanto, caso haja moção de processo judicial em favor da prestação desses


serviços – seja por meio de remédios constitucionais ou mesmo de ações individuais civis
– este direito, cerceado da maneira que deveria ser efetivado, é exercido, por força da
judicialização dos casos.

Isso será visto a seguir, especificamente, pelo AGRAVO DE


INSTRUMENTO 537237 PE, julgado por meio do Supremo Tribunal Federal no ano de
2005.

Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE, a, contra acórdão


do TJPE assim do (f. 43): "CONSTITUCIONAL E
ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A
PORTADOR DE HEPATITE C - DILAÇÃO PORBATÓRIA -
DESNECESSIDADE - LEGITIMIDADE PASSIVA EXCLUSIVA
DO SECRETÁRIO ESTADUAL DE SAÚDE - CONTROLE DO
JUDICIÁRIO - PRESERVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE -
SEGURANÇA CONCEDIDA - DECISÃO UNÂNIME. 1. Falar em
dilação probatória quando alguém está entre a vida e a morte soa no
mínimo, desumano, porque o bem da vida tratado no 'mandamus' não
pode esperar que a burocracia estatal fuja à regra e, em tempo hábil,
providencie o tão aguardado medicamento. 2. É plena a competência
deste Tribunal para conhecer e julgar a matéria posta em questão, haja
vista que o Secretário Estadual de Saúde tem legitimidade para figurar
isoladamente no polo passivo de Mandado de Segurança em que se
pleiteia o fornecimento gratuito de medicamento pelo Estado-Membro.
3. É perfeitamente poível o Judiciário, como forma de preservar o
direito à medicação segura e eficaz dos Administrados, que, por sua
vez, é corolário do direito à saúde previsto no art. 196 e ssss. Da CR/FF,
exercer controle dos atos administrativos emanados do Executivo,
inclusive em sua forma omissiva. (...). 5. Sendo, o "Interferon
Peguilado' recomendado na hipótese em que o uso do "Interferon' mais
a 'Ribavirina' não surtem efeito, a alegação de que o remédio não consta
da Portaria nº 639/2000 do Ministério da Saúde, mormente porque o
fármaco em questão foi incluído, através da Portaria nº 1.318/GM, de

177
23 de julho de 2002, do Ministério da Saúde, na relação de
medicamentos de aquisição obrigatória pela Administração. 6.
Segurança concedida, à unanimidade. "Alega-se violação do artigo 196,
da Constituição Federal. É inviável o RE. Não há violação do artigo
196, da Constituição Federal, quando o Tribunal a quo, com base nos
elementos fáticos provados nos autos, determina que o Poder Público
forneça medicamento caracterizado como indispensável para a
manutenção da saúde do agravado, (...). O Poder Público, qualquer que
seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização
federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da
saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável
omissão, em grave comportamento inconstitucional. (...). "Ademais, a
falta de prévia dotação orçamentária não serve como justificativa para
inviabilizar o direito do agravado à intervenção cirúrgica;" o direito à
saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços
impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de
dificultar o acesso a ele.

(RREE 226.835, 14.12.1999, 1a T, Ilmar, DJ 10.03.2000; 207.970,


20.08.2000, 1a T, Moreira, DJ 15.09.2000; e 255.086, 11.09.2001, 1a
T, Ellen, DJ 11.10.2001). Nego provimento ao agravo. Brasília, 12 de
abril de 2005.Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE – Relator”.57
(Grifos nossos).

O julgado em questão apresenta a moção de um processo judicial que chegou


ao Supremo Tribunal Federal, a fim de receber parecer. Seu conteúdo elenca a escusa de
não fornecimento, por parte do Estado de Pernambuco, de um medicamento necessário à
sobrevivência de uma paciente – a autora do processo – portadora de Hepatite C.
A alegação do requerido, portanto, foi que tal medicamento não constava na
lista de determinada portaria do Ministério da Saúde cujo teor é de listar remédios que o
Estado deva fornecer gratuitamente. Por isso, não o fez à paciente.

Outro argumento foi a utilização do fenômeno de Dilação Probatória, que visa


a construção de provas necessárias à comprovação do fato alegado. Tal colocação foi
entendida como inviável, pois tendo em vista o dano iminente à saúde e o risco de morte
da paciente, é necessária a utilização de tutela de urgência ou remédio constitucional, a
fim de evitar maiores complicações.

57
STF - AI: 537237 PE, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 12/04/2005,
Data de Publicação: DJ 26/04/2005<span id="jusCitacao"> PP-00033</span>.

178
Em suma, a decisão sobre o referido agravo de Instrumento foi unânime a
favor da cessão do medicamento à paciente enferma. Os votos, em resumo, elencaram
que o Estado de Pernambuco não pode alegar prévia dotação orçamentária ou se por de
maneira indiferente ao problema de saúde da população. Seu principal argumento,
portanto, foi o exposto no art. 196 e seguintes da Constituição Federal, que tratam da
garantia de efetividade do direito à saúde.

Está-se aqui, diante de uma situação de proteção a direito líquido e certo cujo
“remédio” é o Mandado de Segurança. Assim, entende-se que tal impetração foi
necessária, como tutela de urgência (de cunho Constitucional), contra o Estado de
Pernambuco, visto que por abuso e ato ilegal, cerceou o direito fundamental da
requerente.

Diante deste cenário, apresentando-se o Estado como incapaz de efetivar de


forma excelente e direta o direito à saúde, vê-se que o Poder Judiciário tornou-se órgão
essencial à viabilização, ao cidadão, de acesso de tratamento ou medicamento, não
contemplados pelo SUS (Sistema único de Saúde).

4 O ESTADO E OS PLANOS PRIVADOS COMO FORNECEDORES NO


DIREITO DO CONSUMIDOR, DOS SERVIÇOS DE SAÚDE

Constitucionalmente, o Estado é considerado como ente responsável por fazer


efetivar os direitos fundamentais, inclusive o concernente à saúde. Por isso, a partir do
microssistema constitucional, no Código de Defesa do consumidor, o Estado é definido
como fornecedor, visto que este é pessoa de direito público e que fornece serviços:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços.58

No entanto, ainda que o Estado seja assim considerado, é perceptível que o


sistema de saúde brasileiro e a garantia deste direito não são prestados de maneira

58
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei 8078 de 11 de setembro de 1990. Art. 3º caput.

179
excelente por este. Os grandes problemas estruturais e limitações financeiras representam
um grande obstáculo ao exercício deste direito fundamental.

Por causa disso, o Estado pôs, de forma alternativa e complementar, os


sujeitos de direito privado como agentes do exercício de prestação dos serviços de saúde
à população, junto ao SUS (Sistema Único de Saúde). Assim preveem os seguintes
dispositivos da Constituição federal:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, (...)


devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 199. A
assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar


do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato
de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos.59

Dessa forma, o Estado utilizou dos entes privados para afrouxar o uso de seus
recursos orçamentários e financeiros a fim de fazer efetivar o direito à saúde. Percebe-se,
então, que as pessoas de direito privado cuja atividade é de prestação de serviços à saúde
na forma de planos, não alcança a maioria da população brasileira, visto que sua admissão
é cara e, por vezes, não abarca a todas as necessidades, vinculadas a esta questão, dos
segurados.

Infelizmente, neste sintético trabalho, não há a possibilidade de explanar a


falta de alcance dos planos de saúde aos que verdadeiramente necessitam. Por isso,
partamos à sua conceituação e às suas modalidades, que são de âmbito individual e
coletivo.
De forma sintética, entende-se que os planos de saúde são fornecedores, de
acordo com o Código de Defesa do Consumidor, de categoria securitária cujo intuito é
fornecer serviços hospitalares e médicos. Sua regulamentação é realizada pela Lei
9656/1998 e sua atuação, fiscalizada pelo agente de direito público ANS, Agência
Nacional de Saúde Suplementar.

59
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Arts. 197 e 199, §1º.

180
Tais seguros apresentam-se sob duas formas. A individual ou familiar é
acordada com a operadora pela pessoa física, para assistência pessoal (titular) ou de seu
grupo familiar. Já o contrato de plano coletivo ou empresarial, é o que é assinado entre a
operadora do plano e uma pessoa jurídica, para fornecer assistência a um grupo de pessoas
físicas, por relação empregatícia, estatutária, aposentados, estagiários, sócios, menores
aprendizes etc.

Essencial elucidar, como dito anteriormente, que a relação existente entre


segurado e seguradora em um plano de saúde é protegida pelo código de defesa do
consumidor. Essa asserção é verdadeira, pois o liame entre contratante e contratado é
nitidamente de consumo, vez que preenche todos os requisitos presentes do CDC, tanto
no artigo 2º quanto no artigo 3º.

Notório, portanto, em uma análise atenciosa, que o cidadão ao assumir uma


relação jurídica, tendo como objeto de contrato plano de saúde, adequa-se, perfeitamente,
ao conceito de consumidor, tendo, inclusive, toda proteção e defesa que lhe são cabíveis.
Por outro lado, a contratada, como prestadora de um serviço essencial, vital, o qual, na
verdade, é um direito fundamental, acaba sendo fornecedor e deve responder
objetivamente, conforme CDC, por qualquer ilicitude cometida.

Ademais, para extinguir qualquer dúvida, após inúmeros recursos no Superior


Tribunal de Justiça, este órgão editou em 24/11/2010 a súmula 469: “Aplica-se o Código
de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

Vale salientar, no entanto, o grau de descaso, desrespeito e falta de


compromisso com que muitas seguradoras tratam os segurados, deixando de prestar um
serviço de qualidade, causando, muitas vezes, danos irreversíveis ao consumidor. Para
sustentar tais abusos, estas utilizam argumentos infundados e sem respaldo legal que
acabam por prejudicar o vulnerável nessa relação consumerista

Elenca-se, então, a respeito do tema, o seguinte recurso:

PROCESSUAL CIVIL. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. DIREITO


DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. SOLIDARIEDADE.

181
RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA.
ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA/URGÊNCIA. INJUSTA
RECUSA À AUTORIZAÇÃO PARA INTERNAÇÃO OBSTÉTRICA
EM RAZÃO DE PRAZO DE CARÊNCIA. DANO MORAL
CONFIGURADO. VALOR REDUZIDO. RECURSO CONHECIDO
E PARCIALMENTE PROVIDO. 1.Incidem as regras insertas no
Código de Defesa do Consumidor, na medida em que se trata de relação
de consumo o conflito trazido aos autos, como quer a dicção dos Arts.
2º e 3º do CDC. 2.O Código de Defesa do Consumidor aplica-se às
relações entre o segurado e a operadora/plano de saúde, motivo pelo
qual patente a responsabilidade solidária e objetiva da recorrente para
responder por eventual falha na prestação dos serviços, na forma dos
artigos 7º, parágrafo único, e 14, ambos do CDC. Rejeitada a preliminar
de ilegitimidade passiva arguida pela Amil. 3.O objeto da prestação dos
serviços de seguro de saúde está diretamente ligado aos direitos
fundamentais à saúde e à vida, os quais demandam tratamento
preferencial e interpretação favorável ao consumidor. 4.Ainda que se
esteja sob o prazo de carência contratual, em se tratando de situação de
urgência/emergência, deverá o plano de saúde providenciar o pronto
atendimento do segurado, sob pena de frustrar a própria finalidade do
serviço contratado (Art. 35-C, I, da Lei n. 9.656/98) 5.Os elementos dos
autos demonstram que autora era beneficiária do plano de saúde
demandado e necessitou ser submetida ao procedimento de parto
cesárea em caráter de urgência/emergência, diante das intercorrências
clínicas apresentadas (sangramento vaginal, arritmia fetal e
descolamento de placenta - laudo médico - f. 18/19), as quais geraram
risco de morte a parturiente e ao nascituro. Nota-se que embora haja
cláusula contratual em relação à carência nos procedimentos de parto
(f.30), a situação vivenciada pela autora era de urgência/emergência, e
com a negativa de cobertura da seguradora com fundamento nos prazos
de carência, a autora procedeu ao pagamento das despesas médico-
hospitalares. Desta forma, configurada a urgência/emergência para o
procedimento de parto cesárea não subsiste previsões contratuais
limitativas de carência. (...)7.O dano moral está ínsito na ilicitude do
ato praticado, in casu, a exposição da saúde do consumidor a risco, ante
a negativa de cobertura em razão de carência, capaz de gerar transtorno,
desgaste, constrangimento, sensação de repugnância e abalo emocional,
os quais extrapolam o mero aborrecimento cotidiano. Portanto, na
hipótese vertente, desnecessária se faz a prova de efetivo prejuízo para
configuração do dano extrapatrimonial. (...) 11.Sem custas nem
honorários (Lei n. 9.099/95, Art. 55). CONHECIDO. PRELIMINAR
REJEITADA. PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME”.

(TJ-DF - ACJ: 20151310022415, Relator: CARLOS ALBERTO


MARTINS FILHO, Data de Julgamento: 24/11/2015, 3ª Turma
Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de
Publicação: Publicado no DJE : 27/11/2015 . Pág.: 257).

No julgado em comento, ocorrido em 25/11/2015, a operadora do plano de


saúde negou a liberação do atendimento de urgência/emergência para uma consumidora
gestante, alegando que a situação teria acontecido no período de carência, ou seja, lapso
temporal estabelecido em lei, para casos específicos, em que o segurado ainda não poderá

182
utilizar aquele serviço. Esse é um argumento muito utilizado pelas seguradoras, a fim de
não realizarem as atividades para que foram contratadas, em uma nítida busca
desenfreada de auferir lucros, mitigando o direito à saúde.

Acontece, contudo, que essa alegação infringe a Lei 9.656/1998, a qual em


seu artigo 12, inciso V, estabelece:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos


de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1o desta Lei, nas segmentações
previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas
amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art.
10, segundo as seguintes exigências mínimas:

V - quando fixar períodos de carência:

a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo;

b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de


urgência e emergência;

Percebe-se, na realidade, a tentativa da seguradora em não prestar o serviço


com excelência, ao estabelecer para a segurada o prazo máximo de 300 dias ou de 180
dias, por se tratar de gestante/parto ou mesmo de procedimento cirúrgico/internação.
Esquece, no entanto, da alínea “c” que determina para a cobertura dos casos de urgência
e emergência o prazo máximo de vinte e quatro horas.

Salienta ainda que o artigo 35-C da lei já mencionada define casos de


emergência, como os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis
para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente e de urgência, os
resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional.

Destarte, como demonstra o julgado, a consumidora possuiu uma


intercorrência gestacional com sangramento vaginal, arritmia fetal e descolamento de
placenta, atestada por laudo médico, a qual gerou risco de morte tanto para ela como para
o nascituro. E, por esse motivo, sendo um caso de urgência, deveria ser prontamente

183
atendida para que fossem realizados os procedimentos cabíveis a fim de proteger sua
saúde. Ocorre que, a operadora do plano de saúde negou como dito, com uma justificativa
infundada, prejudicando de várias formas a saúde física e mental da segurada.
Neste sentido, já se manifestou a Desembargadora Marilsen Andrade
Addario, no julgamento do Recurso de Apelação Cível 58111/20109:

Demonstrada nos autos a situação gestacional de emergência ou


urgência na qual se encontra a beneficiária do plano de saúde, resta
afastada a exigência do período de carência de 180 (cento e oitenta) dias
para procedimento cirúrgico e internação em UTI/CTI, porquanto,
nesses casos, deve-se obedecer ao prazo de 24 (vinte e quatro) horas
estabelecido nos artigos 12, inciso V, alínea “c”, e 35-C da Lei Federal
nº 9.656/98”.60

No caso em apreço, conforme destaca o Art. 14 do CDC, o fornecedor de


serviços responderá, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Assim, foi
nítida a obrigação de indenizar por parte da seguradora, já que, a segurada, em situação
de urgência/emergência, passou por diversos transtornos ao ter a recusa no atendimento
de sua saúde e de seu filho.

Vale ressaltar, inclusive, que o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor


(Idec) em divulgação do seu ranking anual de atendimentos ao associado, constatou que
o setor de saúde suplementar lidera o número de reclamações. No total, foram registradas
8.163 demandas em 2015. No topo do levantamento e pelo quarto ano consecutivo estão
os planos de saúde com 32,68% dos registros10, demonstrando o descaso das seguradoras
privadas de realizarem a prestação de serviços de saúde com eficiência.

5 CONCLUSÃO

Ex positis, é perceptível como capitalismo com seu escopo de auferir lucro


adentra sobre todo e qualquer tipo de sistema e, muitas vezes, desvirtua a finalidade
precípua de determinado contrato. O dever de prestar o serviço de saúde é primeiramente
do Estado, conforme Constituição Federal. Todavia, secundariamente a empresa privada
também poderá ser fornecedora desse direito fundamental, desde que obedeça a todas as

60
JUSBRASIL. Relatório TJ-MT - Embargos de Declaração: ED 00930098720108110000 93009/2010.

184
normas regulamentadoras para que o serviço seja de qualidade. No entanto,
hodiernamente, a precarização da saúde pública tem aumentado consideravelmente a
procura por essa atividade privada, o que tem facilitado, inclusive, a inserção de cláusulas
abusivas ao consumidor e de um fornecimento insatisfatório.

Por esse motivo, muitos casos são judicializados para que os direitos do
cidadão não sejam violados e se isso já aconteceu que sejam reparados. Faz-se mister
apontar, então, que o Poder Judiciário deve funcionar como um fórum do princípio de
atuação independente, e no caso das ações envolvendo saúde, deve objetivar garantir a
proteção de direitos fundamentais.

Portanto, a imbricação existente entre direito a saúde e direito do consumidor,


abordado nesse artigo é, sem dúvida, fundamental para salvaguardar o vulnerável na
relação consumerista. Os benefícios e proteções, existentes no CDC, servem para, de fato,
garantir a efetivação, independe da natureza pública ou privada do fornecedor, da
prestação do serviço de saúde.

185
REFERÊNCIAS

ANS. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Dicas de como escolher um Plano de


Saúde. Disponível em: <http://www.ans.gov.br/planos-de-saude-e-
operadoras/contratacao-e-troca-de-plano/dicas-para-escolher-um-plano/467-planos-
coletivos>. Acesso em: 18 out. 2016.

ANS. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Central de atendimento ao consumidor.


Qual é a diferença entre um contrato de plano individual ou familiar e um contrato de plano
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http://www.ans.gov.br/aans/index.php?option=com_centraldeatendimento&view
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BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível


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Acesso em: 17 out. 2016.

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caput. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htmb>. Acesso
em: 18 out. 2016.

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JUSBRASIL. Relatório TJ-MT - Embargos de Declaração: ED


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186
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930098720108110000-93009-2010/relatorio-328591442>. Acesso em: 19 out. 2016.

MALLMANN, Eduard. Direito à saúde e a responsabilidade do Estado. Disponível em:


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MIGALHAS. Em matéria especial, STJ reúne litígios que envolvem planos de saúde.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30596/o-estado-fornecedor-e-a-submissao-
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ROBBA, Rafael. A judicialização na saúde. 23 jul. 2015. Disponível em:


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PRADO, Sergio Malta. Da teoria do diálogo das fontes. Disponível em: <
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SALES. Fernando Augusto. O Estado-fornecedor e a submissão dos serviços públicos ao


CDC. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/30596/o-estado-fornecedor-e-a-
submissao-dos-servicos-publicos-ao-cdc>. Acesso em: 19 out. 2016.

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http://www.infoescola.com/direito/mandado-de-seguranca/>. Acesso em: 24 out. 2016.

STJ. Súmulas do STJ. Disponível em:


<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?processo=469&&b=SUMU&thesa
urus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 19 out. 2016.

187
12. ALCOOLISMO: UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA SOB A
PERSPECTIVA CONSUMERISTA

Luciete Duarte Araújo61


Scheila Santos Borges 62

1 INTRODUÇÃO

Trazendo como marco de seu desenvolvimento a percepção da desigualdade


existente na interação fornecedor-consumidor, o Direito do Consumidor surge como
importante ferramenta na regulação das ralações de consumo.

Nesse ínterim, traz como instrumento o Código de Defesa do Consumidor –


CDC, ao qual podemos classificar como um microssistema normativo elaborado com a
finalidade de resguardar e preservar os direitos do consumidor, buscando, criar formas de
coibir atos que não coadunem com a harmonia social.

Enquanto microssistema normativo - leis que compreendem normas sobre certa


matéria, mas também normas de outras áreas - o Direito do Consumidor se relaciona com
outros ramos do direito a exemplo do Direito a Saúde, criando uma verdadeira corrente em
prol da efetividade e integração das normas. Nesse contexto, o presente trabalho busca

61
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.
62
Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

188
analisar a relação existente entre o Direito do Consumidor e o Direito à Saúde, procurando
evidenciar, que apesar de parecerem temas distantes, uma vez que, soa um tanto quanto
contrassenso colocar a saúde no rol de produto/serviço, esses direitos apresentam uma
tênue ligação.

Assim, dentre as inúmeras possibilidades de galgar tal objetivo elegemos como


estratégia metodológica a análise de um Recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça
– STJ, versando sobre a temática. Entretanto antes de adentramos na análise em si, faz-se
necessário delinear as dimensões dos Direitos aqui colocados em voga.

2 SOBRE O DIREITO DO CONSUMIDOR E O DIREITO A SAÚDE

Tendo-se o intuito de analisar as relações de consumo e o Direito à saúde, faz-


se necessário entender a trajetória histórica do Direito do Consumidor em nosso país. No
Brasil, tal ramo do direito ganhou forma nas décadas de 40 e 60 do século XX, em virtude
do sancionamento de algumas leis e decretos, a exemplo da Lei n. 1221/51, denominada
Lei de Economia Popular; da Lei Delegada n. 4/62; e da Emenda n. 1/69, presente na
Constituição de 1967. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, trouxe em seu texto
o artigo 170, inciso V, o qual versa sobre a defesa do consumidor como princípio da ordem
econômica. Nessa mesma carta os direitos do consumidor ganham maior proteção através
do Artigo 5º inciso XXXII que afirma: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor”. Contudo, foi em 11 de setembro de 1990, com a entrada em vigor da lei 8.078
– Código de Defesa do Consumidor – CDC que o direito do consumidor ganhou uma nova
perspectiva com a normatização das relações de consumo, as quais passaram a ser
orientadas por princípios fundamentais. Assim:

O escopo do Código de Defesa do Consumidor foi, primordialmente, o de


compilar as normas esparsas e “enraizar” referidos princípios, a partir dos quais se busca
propiciar o efetivo exercício da cidadania, definindo e sistematizando muitos aspectos do
direito público e privado, significando muitas conquistas aos consumidores que deixaram
de ser – ao menos sob o aspecto de proteção legal – hipossuficientes e vulneráveis.
(VIEIRA, 2016).

189
Vislumbramos dessa forma, que através do CDC é atribuída ao Estado a função
de promover a defesa do consumidor. Função esta, que exige uma postura Estatal ativa na
tutela desse direito. Em outras palavras, passa o Estado a ter o dever de intervir com algum
dos seus possíveis instrumentos de participação no domínio econômico no âmbito das
relações de consumo.

A necessidade de tal intervenção torna-se perceptível, uma vez que, estamos


no seio de uma sociedade cada vez mais de consumista, e onde o ato de consumir tem
assumido um importante papel na promoção das relações sociais, tornando usual a
expressão “sociedade de consumo”. Assim, nessa sociedade voltada para o consumo, onde
grande parte das pessoas direciona as suas expectativas à aquisição de bens necessários ou
desnecessários, torna-se fulcral ao Estado proteger o consumidor das artimanhas da
sociedade de consumo.

Assim, como o Direito do Consumidor, o Direito a Saúde também passou a


ganhar destaque com a Constituição de 1988, tornando-a um marco para a temática. Tal
Constituição, traz em seu artigo 6º o Direito a Saúde como um direito social fundamental.
Nessa carta, temos também o artigo 196 que trata o Direito a Saúde de forma ampla e
abrangente.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas


sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.

Posteriormente à Carta Magna de 1988, a temática sobre saúde ganha destaque


com a Lei nº 8.080/90, a qual estabelece em seu artigo 2º que: “a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício”. Ante tal dispositivo, nota-se a necessidade de colocar o Direito a Saúde
no cenário dos Direitos Sociais brasileiros e, portanto, fundamentais, buscando também
dispor as condições para a sua promoção, proteção e recuperação, além da organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes.

190
De tal modo, fica evidente que a saúde depende de uma ação estatal
contundente, a qual não deve só atuar por meio de provocação, mas também
voluntariamente, de modo universal e igualitário, comprometendo-se em, constantemente,
tomar as medidas necessárias a garantir a boa prestação da saúde.

Nesse contexto, cabe evidenciar que o conceito de saúde aqui abordada


assemelha-se ao preconizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS que afirmar que
a saúde é “um estado de amplo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência
de doenças e enfermidades”.

Assim, como bem afirma, STIBORSKI (2016) que a saúde pode ser
conceituada como:
Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo
tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a
realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo
indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.

3 CONCRETIZANDO O DIREITO À SAÚDEATRAVÉS DO DIREITO DO


CONSUMIDOR SOB A PERSPECTIVA DO STJ: O RECURSO 772.723

Ante a importância do Direito do Consumidor do Direito à Saúde, emanada no


tópico anterior, trazemos agora, através do Recurso Especial nº 772.723 de 2005, a
concretização da interpelação desses dois ramos do Direito. O referido recurso tem como
relator o Ministro Benedito Gonçalves, como agravante a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE BEBIDAS – ABRABE, representada pelo Advogado Hamilton Dias de Souza e outro
(S), como agravado a ASSOCIAÇÃO DE DEFESA E ORIENTAÇÃO DO CIDADÃO –
ADOC, representada pelo advogado Francisco Juraci Bonatto e outro e como interessado
a União. O Julgado em análise traz em sua Ementa o seguinte texto:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO


REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
OBRIGAÇÃO DE VEICULAR AVISOS DE QUE O CONSUMO DE
BEBIDAS ALCOÓLICAS ACARRETA RISCOS E POTENCIAIS
DANOS À SAÚDE. RECURSO ESPECIAIS INTERPOSTOS PELA
MESMA PARTE. INAPLICABILIDADE DA TESE ACERCA DA
IRRESIGNAÇÃO PREMATURAMENTE INTERPOSTA. PRINCÍPIO
DA UNIRRECORRIBILIDADE DOS PROVIMENTOS JUDICIAIS.

191
Sobre o interior teor do Recurso em análise cabe também destacar outros
pontos de importante relevância para a temática aqui tratada:

Noticiam os autos que a Associação de Defesa e Orientação do Cidadão


- Adoc e Sociedade Humanitária Tucuxi ajuizaram ação civil pública
contra a União, o Ministério da Saúde, o Departamento de Proteção ao
Consumidor e a Abrabe, objetivando obrigar a rés a inserirem, na
publicidade de bebidas alcoólicas, advertência clara e ostensiva, de modo
escrito ou sonoro, do indicativo de que o consumo desse tipo de produto
acarreta riscos e potenciais danos à saúde.
1. É possível e exigível do Judiciário impor determinada conduta ao
fornecedor, sem que esteja expressamente prevista em lei, desde que
afinada com as políticas públicas diretamente decorrentes do texto
constitucional, pois traduz-se em dever do Estado, do qual o Judiciário é
poder, de acordo com o art. 196 da Constituição.

2. O consumo de alcoólicos não interessa só à comunicação social,


propaganda e ao comércio de tais produtos, interessa sob o aspecto da
saúde pública, da proteção ao menor e do adolescente, da segurança
veicular, do direito de informação e de proteção ao consumidor.

3. O comando do art. 9º do Código de Defesa do Consumidor indica os


direitos básicos do consumidor à informação adequada e clara sobre o
produto e sobre os riscos que apresenta, sobretudo tratando-se de produto
potencialmente nocivo à saúde, cuja informação deve ser feita de maneira
ostensiva, a despeito da Lei 9.294/96 ter deixado de classificar como
alcoólicas as bebidas com teor menor que 13 graus Gay Lussac,
desviando-se das políticas públicas respectivas.

4. Assegurado o alerta básico em todos os comerciais de produtos


alcoólicos, sobre o seu teor alcoólico, de que o consumo por gestantes e
de que é proibida a venda para menores de 18 anos.

5. A ABRADE fica condenada a realizar a publicidade institucional às


suas associadas e ao público em geral, em 3 (três) jornais de grande
circulação nacional, com uma inserção semanal durante três meses.

6. A União fica condenada a expedir orientação aos seus órgãos sanitários


e do consumidor no sentido de veicular anúncios alertando sobre os
malefícios do consumo de bebidas alcoólicas.

Desta forma, observamos que, o processo judicial permite que os cidadãos e


grupos sociais submetam questões e deduzam seus pontos de vista no espaço público. Em
alguns casos – sobretudo quando se trate de segmentos não representados ou que sofram
rejeição nos ambientes de decisão majoritária –, a judicialização acaba sendo o canal de
discussão mais acessível, segundo BARROSO (2012, p. 3).

192
Compreendendo esse direito social garantido a quaisquer cidadãos pela
Constituição é que o STJ teve como dever julgar o agravo regimental supracitado. E os
ministros, por sua vez a obrigação de fundamentar suas decisões, inferindo um diálogo com
a sociedade.

Conforme o texto constitucional, garantir a saúde é um dever do Estado . Para


a Carta Magna a saúde é um direito social fundamental que decorre do princípio da
dignidade da pessoa humana. Esse direito, diferente do que muitos costumam pensar, não
se restringe ao mero funcionamento de um sistema hospitalar eficiente, pois, estende seus
efeitos aos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
Assim, frente o que foi exposto no Recurso Especial nº 772.723, podemos
destacar o que versa o CDC sobre tal questão. Em seu art. 6º o Código de Defesa do
Consumidor afirma que: “São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde
e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e
serviços considerados perigosos ou nocivos;”.

Garantindo essa proteção o §1º do art.12 do referido código, dispõe que ao


fornecedor cabe o dever de segurança, que implica num fornecimento de produtos e
serviços seguros que não comprometam, inclusive, a saúde do consumidor:

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele


legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias
relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação.

Contudo tal segurança não é absoluta, uma vez que riscos considerados
“normais e previsíveis” devem ser tolerados pelos consumidores desde que contenham
explícita e claramente essa informação.

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo


não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores,
exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua
natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer
hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu
respeito.

193
Nesse sentido os riscos a que se refere o mencionado artigo do CDC são
aqueles que normalmente são esperados pelo consumidor, ou seja, são inerentes a
determinado produto do qual não se pode separá-los. A exemplo, os produtos de uso
cotidiano como facas, tesouras, álcool, fósforo e, mesmo algumas prestações de serviço
como o de hotelaria desde que sejam oferecidas informações a respeito. A parte final do
caput do art. 12 do CDC deixa claro o dever de informar do fornecedor responsabilizando-
o em caso de acidente de consumo.

Para além dos riscos normais e previsíveis, o CDC traz os potencialmente


nocivos ou perigosos à saúde do consumidor. Os quais são imprevisíveis e só podem ser
evitados se houver informação adequada sobre o grau de nocividade do produto. Como as
bebidas alcoólicas, os fogos de artifício, os agrotóxicos, o fumo, a dedetização de prédios.

Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou


perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e
adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo
da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

A informação “ostensiva” a que se refere o supracitado dispositivo é a


informação inteligível ao homem médio. Deve ser clara e explícita. A informação
“adequada”, por sua vez, é a que traz a maneira correta de uso do produto ou do serviço.
Do descumprimento do dever de prestar tais informações cabe a responsabilidade civil
objetiva do fornecedor.

O artigo 10 do CDC trata dos casos de periculosidade exagerada sendo


proibida a colocação dos produtos com essas características no mercado de consumo. O
potencial ofensivo destes produtos, ainda que contenham as informações ostensivas e
adequadas, não pode ser diminuído.

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo


produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de
nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

194
§ 1° O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua
introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da
periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente
às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios
publicitários.

§ 2° Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão


veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do
produto ou serviço.

§ 3° Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou


serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito.

Nesses moldes, observamos claramente o papel do Código de Defesa do


Consumidor quanto ao estabelecimento de regras específicas que determina a
responsabilidade da informação.

4 ALCOOLISMO E SAÚDE PÚBLICA

A análise do exposto Agravo Regimental, demanda uma sucinta discussão


no que tange ao consumo de bebidas alcoólicas rotineiramente e em excesso no nosso país.

Nota-se que o alcoolismo é hoje um problema de saúde pública no Brasil, o


fato é que toda a responsabilidade sempre foi colocada sobre aquele que chamamos de
dependente do álcool. Aquele indivíduo que aos olhos da sociedade já está doente, que tem
difícil recuperação, que por diversas vezes é mal julgado moralmente. Porém, este conceito
está cada vez mais ultrapassado.

Pesquisas têm demonstrado que para o dependente já existem perspectivas


de tratamento desde que ele e sua família resolvam assumir a doença e seu tratamento.63

Essas mesmas pesquisas indicam que o consumo de álcool está ligado a


incêndios, afogamentos, acidentes de trânsito, acidentes de trabalho (operação de
máquinas, por exemplo), suicídios, quedas, acidentes com barcos, jet-ski, assaltos, brigas,
violência doméstica e contra crianças, estupro, comportamento agressivo, nervosismo,
resfriados, risco elevado de pneumonia, doenças do fígado (cirrose), pancreatite, tremor
nas mãos, dormências, perda de memória, envelhecimento precoce, câncer de boca e

63
Fonte: <www.fmrp.usp.br/paipad>.

195
faringe, insuficiência cardíaca, anemia, câncer de mama, úlcera gástrica, gastrite,
hemorragia digestiva, deficiência de vitaminas, diarreia, má nutrição, disfunção erétil, risco
de má formação do feto em gestantes e nascimento de filhos com retardo mental.64

Logo, o consumo de bebidas alcoólicas de alto risco além de reduzir o tempo


de vida da pessoa, de consumir sua qualidade de vida também pode produzir acidentes ou
incidentes com lesões graves e mesmo morte.

Em contraponto, alguns médicos e nutricionistas apontam que algumas


bebidas alcoólicas fazem bem ao coração, como é o caso do vinho tinto. Diversas pesquisas
já comprovaram isso. Uma delas, realizada pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos
Estados Unidos, mostrou que o polifenol resveratrol, substância encontrada nas cascas e
sementes de uvas, é capaz de frear mudanças no funcionamento do coração que acontecem
com a idade, desde que ingerido em quantidade moderada.65

Todavia, o elevado consumo de bebidas alcoólicas é, ainda, um problema


de saúde pública de grande impacto social no país. O consumo excessivo de álcool, além
de ser responsável por problemas de saúde. Em alguns casos, provoca o rompimento do
indivíduo com os vínculos familiares e no ambiente de trabalho, gerando elevados custos
para a sociedade em decorrência de perda de produtividade e gastos com cuidados em
saúde, principalmente pela ótica consumista.

O cenário descrito acima tem permitido ou mesmo posto em pauta a questão


do consumo de bebidas alcoólicas e o risco à saúde do sujeito nas instâncias superiores
(STJ e STF) de julgamentos de processos relacionados à prescrição nas embalagens de tais
bebidas sobre os possíveis problemas que podem acarretar no corpo da pessoa. E a relação
do Estado com as empresas fornecedoras de bebidas alcoólicas perante a Constituição e o
CDC.

5 CONCLUSÃO

64
Idem.
65
Fonte: <http://www.minhavida.com.br/saude/materias/12025-ingerir-alcool-com-moderacao-faz-bem-a-
saude>.

196
Considerando que o teor do Recurso Especial nº 772.723 de 2005 que, tratou
de discutir sobre a responsabilidade objetiva da Associação Brasileira de Bebidas – Abrabe
em inserir, na publicidade de bebidas alcoólicas, advertência clara e ostensiva, de modo
escrito ou sonoro, do indicativo de que o consumo de bebidas alcoólicas pode acarretar
riscos e potenciais danos à saúde. Em Ação Civil Pública que a Associação de Defesa e
Orientação do Cidadão - Adoc e Sociedade Humanitária Tucuxi ajuizaram contra a União,
o Ministério da Saúde, o Departamento de Proteção ao Consumidor. Haja vista que a União
e respectivos órgãos são responsáveis pela fiscalização da publicidade e qualidade de
produtos ofertados por empresas do segmento em questão.

Logo, o fornecedor de produtos e serviços deve ser responsável pelos


produtos e serviços que são objetos de sua atividade nas relações de consumo. A simples
obrigação atual para que rótulos tragam a advertência "evite o consumo excessivo de
álcool" é ineficiente, frente aos distúrbios que o uso excessivo de bebidas alcoólicas causa
ao indivíduo, à família e à sociedade. O que está em tela não é uma análise, apenas de um
ponto de vista economicista, mas que, também, volta-se para a percepção do bem-estar do
sujeito. Conseguinte pelo aspecto de que o alcoolismo é um problema de saúde pública e,
infelizmente poucas são as ações estatais no sentido de frear o excessivo consumo de
bebidas alcoólicas e, mesmo de cuidar de tal enfermidade, restringindo-se a pequenos
núcleos de pesquisas em universidades.

Assim, toda a sociedade perde, pois grande número das mortes violentas e
dos acidentes que causam danos graves à saúde são provocados por indivíduos
alcoolizados. Além disso, o alcoolismo é responsável, também, por enormes gastos
públicos e privados.

Portanto, responsabilizar o Estado e a Abrabe a publicizar os danos que o


consumo de bebidas alcoólicas causam ao sujeito é, por parte do STJ demonstrar um
diálogo com a sociedade frente a resolução de seus problemas. E que essa (sociedade), por
sua vez tem como instrumento de defesa uma Legislação que contemplam as diversas
demandas dos direitos do consumidor seja a Constituição, o Código de Defesa do
Consumidor ou outras leis.

197
REFERÊNCIAS

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Tribunal Federal - UM ANO PARA NÃO ESQUECER. Disponível em:
<http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2012/01/Retrospectiva-
2011_31dez11.pdf>. Acesso em: 31 out., 2016.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988.


Disponível em: <http:
//www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
14. mai., 2016.

______. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 (Código de Defesa do


Consumidor). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>.
Acesso em: 16 jul., 2016.

FOLETTO, Bibiana Candido; WOLTMANN, Angelita. O DIREITO À SAÚDE


QUALIFICADA SOB A PERCEPÇÃO CONSUMERISTA. Disponível em:
<http://www.unicruz.edu.br/seminario/downloads/anais/ccsa/o%20direito%20a%20saude
%20qualificada%20sob%20a%20percepcao%20consumerista.pdf>. Acesso em: 31 out.,
2016.

OMS. Índice de Desenvolvimento Humano. Programa das Nações Unidas para o


Desenvolvimento. [relatório]. 2006.

SEIXAS, Juliana. A importância do Código de Defesa do Consumidor para o Direito das


Obrigações. Disponível
em:<https://julianaseixas83.jusbrasil.com.br/artigos/178791039/a-importancia-do-codigo-
de-defesa-do-consumidor-para-o-direito-das-obrigacoes>. Acesso em: 28 out., 2016.

STIBORSKI, Bruno Prange. Direito à saúde - Breve análise. Disponível em:


<http://bstiborski.jusbrasil.com.br/artigos/197456394/direito-a-saude-breve-analise>.
Acesso em 28 out., 2016.

198
VIEIRA Fernando Borges. O Direito do Consumidor no Brasil e sua breve história.
Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI163956,21048-
O+Direito+do+Consumidor+no+Brasil+e+sua+breve+historia>. Acesso em: 28 out.,
2016.

199
13. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE – UMA DICOTOMIA ENTRE O MAIOR
CONHECIMENTO DE SEUS DIREITOS E O DESSERVIÇO DAS
PRESTADORAS

Luiz Sérgio Carneiro Moreira66


Nílton De Oliveira Almeida Júnior67

1 INTRODUÇÃO

A sociedade, cada vez mais, tem sido palco de demonstrações de disputas


judiciais de todas as espécies. Por um lado, nota-se um avanço dentro do conhecimento da
população acerca dos seus direitos e dos métodos de concretizá-los via Justiça Estatal. Não
se afasta a tese do consumidor como vulnerável informacional e tecnicamente, mas,
observa-se diante da crescente apresentação de queixas contra os planos de saúde, que o
consumidor já acredita no método como forma de reparação e já o conhece com mais
propriedade. Visualiza-se, desse modo, uma das maiores conquistas das sociedades
modernas, mormente no tocante ao advento do Estado Democrático de Direito, quais sejam
os direitos e garantias fundamentais de todo cidadão, a saber: o direito de acesso à justiça,
de forma gratuita para aqueles que a precisam, o respeito ao princípio da dignidade da
pessoa humana e, sobretudo, a tutela do direito à vida e à saúde englobado de forma

66
Bacharelando em Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana.
67
Bacharelando em Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana.

200
intrínseca neste basilar princípio. Nessa conjuntura evidencia-se a figura da judicialização
da saúde, objeto de estudo desse trabalho.

Por outro lado, nota-se, com o crescimento da judicialização da saúde, um


crescimento do gatilho que ocasiona o mesmo: os desserviços dos planos de saúde. É a
partir desta celeuma que devemos pensar se tais números, de forma geral, apresenta um
avanço ou um retrocesso no que tange à melhoria de vida da população, referente à
prestação dos serviços e ao respeito aos princípios basilares do direito do consumidor. A
perspectiva de análise pode ser comumente vista como um avanço quanto à informação do
consumidor e um maior conhecimento dos seus direitos e do acesso à justiça, mas, também,
como uma certa sensação de impunidade observada pelas prestadoras de saúde que se
amparam numa justiça, por vezes, morosa e injusta.

Diante dessa perspectiva, este estudo buscou demonstrar a institucionalização


deste acesso à justiça na tutela da proteção aos consumidores dos planos de saúde,
baseando-se em julgados sobre o tema, construindo uma correlação entre os mesmos e a
dicotomia supra apresentada, tendo como base o respeito aos direitos básicos dos
consumidores e os seus princípios norteadores.

Como consequência dessa maior judicialização, o Conselho Nacional de


Justiça (CNJ), no ano de 2010, editou a recomendação de número 31, que, ao considerar o
grande volume de processos, centenas de milhares de processos de judicialização da saúde,
objetivou a orientação dos tribunais no intuito de assegurar a eficiência da solução dessas
demandas envolvendo a saúde. Diante dos motivos de sua recomendação, a mesma elenca
as seguintes razões:

O grande número de demandas envolvendo a assistência à saúde em tramitação


no Judiciário e o representativo dispêndio de recursos públicos decorrente desses processos
judiciais;

A carência de informações clínicas prestadas aos magistrados a respeito dos


problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas;

201
Os medicamentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia
aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), na forma do art. 12
da Lei n. 6.360/1976, bem como conforme a Lei n. 9.782/1999, as quais objetivam garantir
a saúde dos usuários contra práticas com resultados ainda não comprovados ou mesmo
contra aquelas que possam ser prejudiciais aos pacientes;

As reiteradas reivindicações dos gestores para que sejam ouvidos antes da


concessão de provimentos judiciais de urgência e a necessidade de prestigiar sua
capacidade gerencial, as políticas públicas existentes e a organização do sistema público
de saúde.

Além do mais, preocupou-se o CNJ com a certa desinformação técnica dos


magistrados sobre o tema. Neste ponto estabelece-se a premissa do direito como uma
ciência multidisciplinar, e, como tal, precisa do apoio técnico das diversas outras ciências,
como no caso, um entendimento maior sobre a saúde e as necessidades dos clientes. Diante
disso, estabeleceu também que os magistrados deveriam:

Procurar instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios médicos, com
descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de medicamentos, com
denominação genérica ou princípio ativo, produtos, órteses, próteses e insumos em geral,
com posologia exata;

Evitar autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela


ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em
lei;

Ouvir, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os gestores,


antes da apreciação de medidas de urgência;

Incluir a legislação relativa ao direito sanitário como matéria no programa de


direito administrativo dos respectivos concursos para ingresso na carreira da magistratura,
além de incorporar o direito sanitário nos programas dos cursos de formação,
vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados;

202
Promover visitas dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de
Saúde, bem como às unidades de saúde pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de
medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia como Unidade de Assistência de
Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) ou Centro de Assistência de Alta
Complexidade em Oncologia (CACON).

Ainda no ano de 2010, o CNJ publicou a Resolução n. 107, que instituiu o


Fórum Nacional do Judiciário (FNJ) para monitoramento e resolução das demandas de
assistência à saúde. Entre as atribuições do Fórum Nacional do Judiciário estaria a
elaboração de estudos e a propositura de medidas para o aperfeiçoamento e reforço da
efetividade dos processos judiciais e a reflexão acerca da prevenção dos novos casos em
matéria de saúde. A Resolução ainda prevê a possibilidade de os tribunais realizarem
termos de cooperação técnica com órgãos ou entidades públicas ou privadas para o
cumprimento de suas atribuições. Outro exemplo é a Declaração oriunda do I Encontro do
Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, realizado em 18 e 19 de novembro de 2010.
Aqui enfatiza-se o papel fundamental e crucial do Judiciário para o resgate efetivo da
cidadania e realização do direito à saúde.

Nesse contexto, esse trabalho tem como problemática analisar como a


insatisfação social com os prestadores de planos de saúde tem refletido no sistema judicial
brasileiro, contextualizado a partir de amostras de dados secundários referentes a casos
colhidos a partir da jurisprudência, numa análise dicotômica pertinente a relação entre o
maior acesso e nível de informação do cidadão com o crescimento exponencial do
desserviço dos planos de saúde no Brasil. A justificativa para realização dessa pesquisa
decorre da constatação da relevância social do tema, avultada pelas demonstrações sociais
de aplicação da judicialização da saúde.

Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma pesquisa descritiva-


exploratória – bibliográfica e virtual –, baseada em dados secundários. Espera-se que esse
trabalho possa contribuir para a sociedade, bem como para os estudiosos e profissionais do
Direito. No âmbito da sociedade, espera-se contribuir para a conscientização das pessoas,
sobretudo no tocante à necessidade de conhecimento das vias judiciais disponíveis para a
consecução do direito à saúde, conforme disposições do ordenamento jurídico pátrio, bem
como, por outro lado, possibilitar uma reflexão acerca da qualidade dos serviços prestados

203
pelas operadoras de saúde. Aos acadêmicos e profissionais do Direito, tem-se o escopo de
ampliar a discussão sobre a judicialização da saúde, sobretudo acerca do questionamento
crítico sobre a qualidade desta prestação.

A fim de possibilitar um melhor entendimento este trabalho está dividido em


quatro partes. Este primeiro tópico busca fazer uma breve introdução da abordagem que
será produzida no corpo desse texto. O segundo capítulo faz uma breve contextualização à
luz de amostra de casos na jurisprudência. Os princípios basilares nas relações
consumeristas que serão relacionados ao tema são elencados e estudados no capítulo três,
através de uma abordagem sintética. Por derradeiro, tem-se as considerações finais.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO

Nesta parte da pesquisa, faz-se a exposição das amostras colhidas na


jurisprudência nacional, de casos diversos que envolvam a judicialização da saúde, apenas
como forma de exposição.
Ainda nessa perspectiva, do exposto por Ricouer (1976) apud Cerqueira e
Noronha (2004), pode-se aduzir que compreender um texto não é apenas a repetição do
fenômeno do discurso num evento semelhante, antes, a compreensão estaria imbricada com
a atribuição de um novo sentido, nova significação, que tem em sua origem o texto em que
o evento inicial se objetivou. Uma vez entendidas tais considerações, expõe-se os fatos.

Caso 1:

RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. SERVIÇO DE HOME


CARE. COBERTURA PELO PLANO DE SAÚDE. DANO MORAL –
1378707 RJ2013/0099511-2 (STJ). Polêmica em torno da cobertura por
plano de saúde do serviço de "home care" para paciente portador de
doença pulmonar obstrutiva crônica.

O serviço de "home care" (tratamento domiciliar) constitui


desdobramento do tratamento hospitalar contratualmente previsto que
não pode ser limitado pela operadora do plano de saúde.

Na dúvida, a interpretação das cláusulas dos contratos de adesão deve ser


feita da forma mais favorável ao consumidor. Inteligência do enunciado
normativo do art. 47 do CDC. Doutrina e jurisprudência do STJ acerca
do tema.

204
Ressalva no sentido de que, nos contratos de plano de saúde sem
contratação específica, o serviço de internação domiciliar (home care)
pode ser utilizado em substituição à internação hospitalar, desde que
observados certos requisitos como a indicação do médico assistente, a
concordância do paciente e a não afetação do equilíbrio contratual nas
hipóteses em que o custo do atendimento domiciliar por dia supera o
custo diário em hospital.

Dano moral reconhecido pelas instâncias de origem. Súmula 07/STJ.


RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.68

Caso 2:

AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. PLANO DE


SAÚDE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ – AGRAVO DE
INSTRUMENTO 825596 SP (STF). Confirmada a ordem de
obstaculização do recurso de revista, na medida em que não demonstrada
a satisfação dos requisitos de admissibilidade, insculpidos no artigo 896
da CLT. Agravo de instrumento não provido. AGRAVO DE
INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. DANOS MORAIS.
SUPRESSÃO DO PLANO DE SAÚDE. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. A divergência jurisprudencial colacionada mostra-se apta
a promover o conhecimento do recurso de revista do autor. Agravo de
instrumento provido para determinar o processamento do recurso de
revista RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. SUPRESSÃO
DO PLANO DE SAÚDE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, assegura-se o direito à
manutenção do plano de saúde do empregado nos casos de suspensão do
contrato de trabalho em razão de auxílio-doença ou aposentadoria por
invalidez, sendo que o cancelamento do referido benefício gera direito ao
pagamento de compensação por danos morais. Recurso de revista
conhecido e provido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O recurso de
revista encontra-se desfundamentado, no particular, na medida em que o
recorrente não apontou violação de lei, ofensa à Constituição Federal,
tampouco colacionou arestos para confronto, afigurando-se inviável o
enquadramento do apelo em uma das hipóteses de cabimento, consoante
prevê o art. 896da CLT. Recurso de revista não conhecido.69

Caso 3:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.


PLANO DE SAÚDE - AI 563180 MG (STF). LEI Nº 9.656/1998.
ALEGAÇÃO DE APLICAÇÃO A CONTRATO FIRMADO

68
Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/198592102/recurso-especial-resp-1378707-rj-
2013-0099511-2>. Acesso em: 26 out. 2016.
69
Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25339166/agreg-no-recurso-extraordinario-re-
825596-sp-stf>. Acesso em: 26 out. 2016.

205
ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. ANULAÇÃO DE
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. FUNDAMENTO AUTÔNOMO E
SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DO JULGADO.
SÚMULA 283/STF. O acórdão recorrido manteve decisão que
anulou cláusula contratual também com base no Código de Defesa
do Consumidor, fundamento autônomo e suficiente para
manutenção do julgado, que não foi objeto de impugnação. Nessas
condições, aplica-se a Súmula 283/STF. Agravo regimental a que
se nega provimento.70

Caso 4:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL : AgRg no AREsp 634273 SP 2014/0322611-5. AGRAVOS
REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL - DEMANDA
POSTULANDO REEMBOLSO INTEGRAL DAS DESPESAS
DECORRENTES DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO, REALIZADO
POR MÉDICO E HOSPITAL NÃO CREDENCIADOS PELO PLANO
DE SAÚDE - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO
PROVIMENTO AO AGRAVO, MANTIDA A INADMISSÃO DO
RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA USUÁRIA DO PLANO
DE SAÚDE.
1. Validade da cláusula contratual que estipula o critério de cálculo do
valor de reembolso das despesas com tratamento médico realizado por
profissional não credenciado pela operadora de plano de saúde
(observância ou não do direito do consumidor à informação adequada e
clara). Acórdão estadual reconhecendo a clareza do limite de cobertura
contratado e a plena ciência da autora. Necessário reexame do contexto
fático-probatório dos autos e interpretação das cláusulas do contrato de
plano de saúde para suplantar a cognição da instância ordinária.
Incidência das Súmulas 5 e 7 desta Corte.
2. Revela-se defesa a oposição simultânea de quatro agravos regimentais
contra o mesmo ato judicial, ante o princípio da unirrecorribilidade e a
ocorrência da preclusão consumativa, o que demanda o não
conhecimento das insurgências excedentes.
3. Primeiro agravo regimental desprovido. Demais reclamos não
conhecidos, por força da preclusão consumativa.
Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as
acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do
Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao
primeiro agravo regimental e não conhecer dos demais, por força da
preclusão consumativa, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo (Presidente), Maria
Isabel Gallotti e Antônio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro
Relator.71

70
Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24794916/agreg-no-agravo-de-instrumento-ai-
563180-mg-stf>. Acesso em: 26 out. 2016.
71
Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/200609204/agravo-regimental-no-agravo-em-
recurso-especial-agrg-no-aresp-634273-sp-2014-0322611-5>. Acesso em: 26 out. 2016.

206
Caso 5:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL : AgRg no AREsp 646359 SP 2014/0337679-8. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO
DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE.
RECOMENDAÇÃO MÉDICA DE TRATAMENTO. LIMITAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. ABUSIVIDADE MANIFESTA DA
CLÁUSULA RESTRITIVA DE DIREITOS. APLICAÇÃO DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO DE
CLÁUSULA MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. SÚMULA
7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência deste Tribunal Superior é uníssona no sentido de que
é abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de saúde
terapia ou tratamento mais apropriado para determinado tipo de patologia
alcançada pelo contrato.
2. O acolhimento da pretensão recursal importaria na alteração das
premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o
revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de
recurso especial, nos termos do enunciado da Súmula 7 do STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da QUARTA Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo
regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Raul Araújo (Presidente), Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira
e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.72

3 ASPECTOS JURÍDICOS

3.1 Direitos básicos do consumidor

Indubitavelmente, necessária se faz uma análise junto ao ordenamento jurídico


e à doutrina pátria para entendermos a concretude das agressões aos direitos dos
consumidores, praticadas pelas prestadoras de planos de saúde. Tais atitudes refletem um
total desrespeito ou desconhecimento de alguns dos princípios norteadores do nosso Estado
de Direito, mormente falando os direitos básicos dos consumidores e o basilar princípio da
dignidade da pessoa humana.

72
Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/188268776/agravo-regimental-no-agravo-em-
recurso-especial-agrg-no-aresp-646359-sp-2014-0337679-8>. Acesso em: 26 out. 2016.

207
Partindo do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc.
III, da CF/88) e o respeito ao direito fundamental que é a vida, preocupou-se o constituinte
em conceber a devida tutela aos supracitados. Dentro deste contexto principiológico,
preocupou-se o legislador na propositura do Código de Defesa do Consumidor em cercar
o mesmo com garantias que viessem a considerar a sua vulnerabilidade. Dentro dos direitos
básicos do consumidor tem-se o direito à vida, saúde e segurança. Dentro deste tópico,
procurou-se inibir práticas comerciais que pudessem expor risco à vida, saúde e a segurança
dos consumidores. Orienta-se com o fundamento do cuidado os fornecedores quanto a
colocar ou praticar bens ou serviços que possam ser danosos à sociedade. Em outras
palavras, o CDC impõe a todos os fornecedores um dever de qualidade dos produtos ou
serviços.

Em continuação, apresenta o CDC os direitos à liberdade de escolha e


informação. Aqui visualiza-se a preocupação com a liberdade e igualdade na contratação,
a premissa de assegurar maior liberdade de escolha e de combate à discriminação, por
idade, etc. No que tange à informação, norteado novamente pelo princípio da
vulnerabilidade do consumidor perante os fornecedores, que conhecem o seu produto ou
serviço de forma técnica, buscando a intervenção do Estado, focando a igualdade material
e não apenas formal entre as partes, busca-se obrigar o fornecedor a dispor de forma clara
e adequada as informações acerca da qualidade do produto ou serviço, seus riscos, bem
como quaisquer pormenores que possam vir a acarretar dano ao consumidor.

Temos ainda a proteção contratual (a revisão por onerosidade excessiva), que


combate a onerosidade excessiva, assegurando direitos de modificação de cláusulas que
porventura estabeleçam prestações desproporcionais. Aqui percebe-se que o legislador se
preocupa com a flexibilização do princípio do pacta sunt servanda ao aceitar que fatores
posteriores à assinatura dos contratos possam ocasionar uma onerosidade que não será
suportada pelo consumidor, o ser vulnerável na relação de consumo. Dentro da realidade
hodierna que os contratos de prestação de serviços de planos de saúde são, em sua maioria,
contratos de adesão e ainda, levando em consideração que o objeto de proteção, a saúde, é
bem que se modifica de forma fluída o tempo inteiro, é louvável a opção do legislador
brasileiro em possibilitar a revisão dos contratos.

208
Dentro dos casos elencados no tópico dois, podemos fazer a correlação direta
com os princípios norteadores supracitados. É clara a forma indevida com que os planos
de saúde agem com os seus clientes. A saúde como um direito constitucional,
correlacionaria com o direito à vida precisando de ser protegido de forma eficaz.
Hodiernamente, novas doenças surgem o tempo inteiro e como as ciências médicas, que
também não são rígidas, a sua aplicação terapêutica muda o tempo inteiro. Isso nos remete
à expressa necessidade de adequação dos serviços ofertados pelos planos de saúde com a
flexibilização das cláusulas contratuais que porventura não estejam servindo ao seu
propósito de proteção à vida e à saúde ou que, por algum motivo, estejam onerosamente
excessivas ao consumidor.

Dentro dos casos estudados, vemos em sua grande maioria a negativa de


prestação de serviços pelas operadoras de saúde. Dentro do contexto elencado no parágrafo
acima, não cabe a aceitação destas práticas. Não se pode negar um direito fundamental a
um cliente sob a premissa de proteção às cláusulas contratuais. Diversas adequações são
feitas o tempo inteiro nos métodos terapêuticos, acompanhando a evolução das
morbidades, decorrentes do estilo de vida da população. Da mesma forma, diversos
questionamentos são feitos acerca dos valores praticados e de reajustes desproporcionais
praticados pelas operadoras, com a justificativa de adequação destes mesmos tratamentos.

A partir da constatação cada vez maior do desrespeito das operadoras para com
os consumidores, o princípio do acesso à justiça fica cada vez mais nítido e necessário.
Percebemos que a demanda por tutelas de saúde está cada vez maior, o que mostra um
aumento do conhecimento da população acerca dos seus direitos. Felizmente, notamos
também uma preocupação do ordenamento jurídico, seja através dos legisladores, ou
mesmo dos magistrados, com a preocupação em elevar os conhecimentos técnicos acerca
do assunto para uma melhor composição da solução das lides. Nota-se isso, também, com
a preocupação do CNJ em editar resoluções na busca pela interdisciplinaridade e na edição
de normas de orientação aos magistrados para que seja possível atender de forma eficiente
esta demanda.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

209
Analisando os exemplos trazidos à baila no tópico dois deste artigo, nota-se
que a judicialização da saúde é um tema recorrente na sociedade brasileira. Outrossim, são
diversos os tipos de demandas que podem avultar de uma relação consumerista na área da
saúde: a não disponibilização do home care como forma de tratamento; a suspensão do
atendimento pelo plano de saúde diante de uma aposentadoria por invalidez; a anulação de
cláusulas contratuais excessivamente onerosas; reembolso integral das despesas
decorrentes de procedimento cirúrgico, realizado por médico e hospital não credenciados
pelo plano de saúde; limitação da recomendação médica, dentre várias outras que se pode
explicitar.

Esse breve trabalho teve como escopo ser objetivo e claro ao trazer informações
sobre a judicialização da saúde, no Brasil, fazendo alusão às perspectivas que podem ser
elencadas diante da problemática de um maior acesso ao judiciário, concomitantemente
substanciado por práticas abusivas e/ou desrespeitosas por parte das operadoras de planos
de saúde, as quais refletem claras afrontas aos princípios norteadores do ordenamento
jurídico pátrio, sobretudo ao fundamental princípio da dignidade da pessoa humana.

Nota-se que é cada vez mais premente a participação ativa do judiciário na


resolução das lides consumeristas pertinentes à prestação de saúde suplementar. Assim,
espera-se que se tenha contribuído para um aumento da busca de uma reflexão sobre a
problemática, afinal, apenas com uma maior capacitação dos consumidores, entenda-se um
maior conhecimento de seus direitos e suas garantias disponíveis através, sobretudo, da
prestação jurisdicional estatal, poder-se-á mitigar os efeitos da vulnerabilidade do
consumidor face aos seus fornecedores.

210
REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio H. et al. Manual de Direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014.

CERQUEIRA, Rafael Torres de; NORONHA, Ceci Vilar. Cenas de linchamento:


reconstruções dramáticas da violência coletiva. Psicologia em estudo. Maringá, vol.9, n.2,
p.163-172, mai/ago. 2004.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocência


Mártires. Curso de direito constitucional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva. 2009.

211
14. APLICABILIDADE DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO DIREITO À SAÚDE

Antônio Carlos Lima de Jesus73

1 INTRODUÇÃO

É inegável que à vida é o bem mais valioso e importante de todo e qualquer ser
humano. E para que todo e qualquer ser humano possa usufruir de uma melhor qualidade
de vida, é sem dúvida indispensável que este tenha acesso irrestrito à saúde.

A Constituição Federal de 1988 trouxe um papel muito importante para o direito


à saúde no Brasil, visto que, de acordo com a Constituição, o Estado tem à responsabilidade
de promover o acesso para todos, sendo um direito universal que pertence aos brasileiros e
estrangeiros, que assim necessitarem, podendo utilizar os serviços de saúde de forma
gratuita, a fim de promover o seu direito.

Deste modo, a saúde foi reconhecida como um direito social fundamental pela
Constituição da República Federativa do Brasil, que inclui como um dos princípios
basilares a dignidade da pessoa humana, e por ser um Estado Democrático de Direito, visa
superar desigualdades sociais com o fim de realizar justiça social.

73
Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana.

212
Com a implementação do Sistema Único de Saúde, a efetivação do direito à saúde
no Brasil, apresentou significativos progressos, garantindo a todos, o direito a um
tratamento de saúde integral e totalmente gratuito, cumprindo de certa forma a ordem
insculpida na Constituição.

Por fim, analisaremos a eficácia da intervenção do Poder Judiciário, na efetivação


desse direito fundamental, assim como as consequências desta intervenção, fazendo
algumas considerações, e apontando possíveis soluções existentes na legislação correlata,
para que o Estado cumpra com seu papel constitucional e para que o direito fundamental à
saúde seja realmente efetivado conforme a ordem constitucional brasileira.

2 DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

Todos precisam de viver dignamente, e o Estado tem papel primordial no


cumprimento desse direito fundamental do cidadão. O direito à saúde integra o direito à
vida, com o propósito de proporcionar aos seus cidadãos a garantia do Estado à dignidade
da pessoa humana.

A Constituição da República Federativa do Brasil, no caput do seu art. 5º, garante


a todos os brasileiros e estrangeiros, sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade
do direito à vida, sendo este direito primário, garantindo-se a essência dos demais direitos
e princípios constitucionais. De outra banda, à Constituição consagra, no seu art. 1º, inc.III,
a dignidade da pessoa humana como principio basilar e, como fundamento do Estado
Democrático de Direito.

De acordo com o jurista Luís Roberto Barroso (2009, p.10):

O Estado constitucional de direito gravita em torno da dignidade da


pessoa humana e da centralidade dos direitos fundamentais. A dignidade
da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais,
sendo frequentemente identificada como o núcleo essencial de tais
direitos.

A saúde é condição indispensável à garantia da vida humana, e a vida terá valor


maior se vivida com decência e dignidade. O embasamento constitucional a garantia do

213
direito à saúde no Brasil, encontra-se no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, cujo
rol, elenca os chamados direitos sociais, da seguinte forma: “São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição.”

De igual forma, a Constituição Federal disciplina o direito à saúde em seus artigos


196, 197, e seguintes; entendendo como direito básico de todos e dever do Estado, assim
estabelecido:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo


ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação,
fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito
privado.

Assim, de acordo com o art. 6º e 196 da Constituição Federal, o direito à saúde é


um direito social. Partindo deste pressuposto, o direito à saúde no Brasil, é um direito que
exige do Estado prestações positivas no sentido de garantia, efetividade da saúde, sob pena
de ineficácia de tal direito fundamental.

3 DIREITO À SAÚDE E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS

Com a Constituição Federal de 1988, várias iniciativas jurídico-institucionais


foram criando as condições de viabilização plena do direito à saúde no Brasil. Ressalta-se,
nesse sentido, a Lei nº 8.080/90, que organiza e estrutura o funcionamento dos serviços de
saúde; a Lei nº 8.142/90 que garante a participação dos usuários do sistema na gestão desses
serviços e a transferência de recursos financeiros intergovernamentais; a Portaria nº 3.916,
que aprova a Política Nacional de Medicamentos; e a Norma Operacional da Assistência à
Saúde, nº 01/2002 (NOAS-SUS 01/02), aprovada por Portaria do Ministério da Saúde e,
vem a suceder a Norma Operacional Básica do SUS, nº 01/96.

214
O Sistema Único de Saúde (SUS) é um sistema que pertence à rede pública de
saúde e tem como finalidade prestar o acesso à saúde de forma gratuita a todos os cidadãos
nacionais ou estrangeiros residentes no país, independente de crença, cor, classe social, já
que, todos têm o mesmo direito. Esse sistema tem como atribuição garantir ao cidadão o
acesso às ações e serviços públicos de saúde, conforme o art. 200 da Carta Magna e leis
específicas.

A Lei nº 8.080/90, como já mencionado, regulamenta o SUS, o responsável por


garantir o acesso pleno da população brasileira à saúde. Entretanto, o SUS foi concebido
como um sistema, isto é, como um conjunto cujas partes encontram-se coordenadas entre
si, funcionando como uma estrutura organizada, submetida a princípios e diretrizes
legalmente estabelecidos. Trata-se de uma rede regionalizada e organizada
hierarquicamente de ações e serviços de saúde, através da qual o Poder Público cumpre seu
dever na prestação do serviço público de atendimento à saúde.

Nesta perspectiva, a Administração Pública está diretamente ligada à promoção


e efetivação do direito à saúde. O Governo Federal, os estados, os municípios e a iniciativa
privada, esta com participação de forma complementar, administram os serviços realizados
pelo Sistema Único de Saúde, com objetivo de garantir a prestação de serviços gratuitos a
todos os brasileiros.

Portanto, o Sistema Único de Saúde representa um direito social garantido


constitucionalmente, pautado pelos princípios de universalidade, igualdade, integralidade,
e participação popular, bem como pela defesa da saúde como um direito humano e
universal.

4 DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA À SAÚDE PELA INICIATIVA


PRIVADA

Como discutido acima, restou demostrado que o direito à saúde é dever do Estado,
assim como a garantia do direito à vida de seus cidadãos, conforme estabelece os artigos
6º, 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988. Entretanto, prevendo que apenas o
Sistema Único de Saúde não seria suficiente para prestar assistência à saúde a todos, de
forma eficiente, de acordo com as necessidades de cada um, é que a Constituição da
República expressamente dispôs (art. 197) que a iniciativa privada seria possível e livre,
tendo responsabilidade subsidiária à do Estado.

215
Assim, aparado por tal dispositivo, foram criadas inúmeras Operadoras de Planos
de Saúde, as quais passaram a comercializar planos de saúde mediante contratos de adesão,
de modo a prestar assistência à saúde para seus beneficiários, dentro do limite contratual.
Entretanto, algumas cláusulas eram consideradas abusivas, principalmente por falta de uma
lei que regulamentasse tais serviços.

Os contratos eram firmados regidos unicamente pelo Código de Defesa do


Consumidor, até 1999, eis que entrou em vigor a Lei 9.656/1998, lei esta que regulamenta
o exercício das Operadoras de Planos de Saúde. Após, houve a criação da Agência Nacional
de Saúde Suplementar - ANS, que é a agência reguladora fiscalizadora das Operadoras de
Planos de Saúde, que impõe índices de reajuste anuais, rol de coberturas, dentre outras
especificações, através da expedição de resoluções normativas.

Todavia, devido às limitações contratuais ou mesmo à ausência de determinado


procedimento no rol expedido pela ANS, certas solicitações médicas são continuamente
negadas pelos planos de saúde, por entenderem não haver cobertura. Por sua vez, os
beneficiários, ao receberem as negativas, não se conformando, procuram o Poder Judiciário
para que intervenha na relação jurídica contratual, onde na grande maioria das vezes lhes
é deferida a antecipação de tutela para a liberação do procedimento, de medicamentos, com
base no fato de o direito à vida prevalecer sobre o contrato.

É este o foco deste trabalho, no qual se tentará demonstrar que, na hipótese de se


alcançar o limite contratual, isto é, no caso de a solicitação não possuir cobertura, ou seja,
negada, quais são as medidas jurídicas que devem ser adotadas pelos beneficiários, à luz
do Código de Defesa do Consumidor para atender seu direito à saúde. Para tanto, se fará
uma breve análise do julgado de nº 59733-8/2008 - TJ BA.

5 O DIREITO À SAÚDE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A relação existente entre planos de saúde e contratante é nitidamente e


inequivocamente de consumo, visto que preenche todos os requisitos presentes no Código
de Defesa do Consumidor (CDC), tanto no artigo 2º quanto no artigo 3º. Assim
estabelecido:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final.

216
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,


nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.

Ademais, para extinguir qualquer dúvida que ainda possa restar, após inúmeros
recursos no Superior Tribunal de Justiça, este órgão editou em 24/11/2010 a súmula 469,
litteris: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”.

A súmula consolidou o entendimento há tempos pacificado no STJ, de que as


operadoras de serviços de assistência à saúde que prestam serviços remunerados à
população têm suas atividades regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco
importando o nome ou a natureza jurídica que adota”. (Resp 267.530/SP, Rel. Ministro
Ruy Rosado de Aguiar, DJe 12/3/2001). Superado o possível ponto de conflito
anteriormente citado, destaca-se que o CDC, em seu bojo, se preocupa com o consumidor
em todos os aspectos, inclusive na proteção à vida e a saúde do cidadão.

As Operadoras de Planos de Saúde são empresas que visam o lucro e o


recrutamento de mais clientes, mas, como é de conhecimento público e notório,
ultimamente tentam dificultar o acesso de pessoas aos procedimentos sejam de urgência ou
não.

A fim de fundamentar todo o exposto, trazemos à baila o artigo 14 do Código de


Defesa do Consumidor (CDC), que assim estabelece:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da


existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

De igual forma trazemos à baila, a lei que regulamenta os planos de saúde, Lei
9.656/1998, que também trata dos direitos e deveres das empresas que oferecem os serviços
de assistência à saúde privada:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos


de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações

217
previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas
amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art.
10, segundo as seguintes exigências mínimas:

(...)

V - quando fixar períodos de carência:

a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo;


b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos;
c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de
urgência e emergência;”

(...)

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato


de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em
declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou


de complicações no processo gestacional.

Assim, a responsabilidade do fornecedor de serviços, empresa que administra o


plano de saúde, é objetiva, ou seja, sua omissão sem justificativa em atender o usuário
enseja responsabilidade civil. Se essa omissão gerar algum dano ao consumidor, seja físico,
seja psicológico, o plano de saúde pode ser condenado ao pagamento de indenização por
dano ao consumidor lesado. Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA NO


ATENDIMENTO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM.
RAZOABILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
MORATÓRIOS. SÚMULAS STF/282 E 356. DECISÃO AGRAVADA.
MANUTENÇÃO. I. Na esteira de diversos precedentes do STJ, verifica-
se que a recusa indevida à cobertura médica pleiteada pelo segurado é
causa de danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de
angústia no espírito daquele. (...)”.
(AgRg no REsp 1229872/AM, Rel. Ministro SIDNEI BENETI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 01/07/2011).

Bem como, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) e para corroborar


com todo o exposto, passaremos a analise do julgado da Apelação Civil nª 59733-8/2008 -
TJ BA, em que o Estado da Bahia na condição de apelante tem seu recurso improvido pelo
Egrégio Tribunal.

218
6 ANÁLISE DO JULGADO 59733-8/2008 - TJ BA

Apelação Civil de número 59733-8/2008 – TJ BA, contra decisão proferida contra


o governo do Estado da Bahia/PLANSERV, em primeiro grau, tendo o Estado da Bahia
como apelante.

A presente Apelação Civil foi interposta contra decisão de primeiro grau em que
reconheceu ser possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública,
sobretudo quando a lide envolver o direito fundamental à saúde e à vida do paciente. O
presente acórdão reconhece a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às pessoas
jurídicas de direito público que prestam serviços remunerados. Considerando ser abusiva a
cláusula contratual que exclui da cobertura procedimentos médico-cirúrgicos, violando,
assim, a boa-fé objetiva que está ínsita nos contratos de relação de consumo.

Ainda, segundo a Segunda Turma da Câmara Cível - TJ BA, não se tratar de


desconsiderar a natureza contributiva e o equilíbrio financeiro do PLANSERV, mas de
sopesar os valores constitucionais em face das provas trazidas ao exame do Tribunal.

Assim, por unanimidade a Segunda Câmara Cível do TJ BA, acordam em negar


provimento ao recurso, integrando a sentença de primeiro grau, nos termos do voto do
relator.

6.1 Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de REMESSA NECESSÁRIA EM


APELAÇÃO CÍVEL 59733-8/2008, de SALVADOR, tendo como Apelante o ESTADO
DA BAHIA e Apelada MARIA LUIZA LIMA DE REZENDE.

O Apelante alega, numa apertada síntese, a inexistência de relação de consumo


entre o Estado e seu servidor, bem como a ausência de justificativa clínica para realização
da cirurgia bariátrica pelo método de videolaparoscopia. Afastando o método laparotômico
e, por fim, roga o provimento do apelo para reformar a sentença a quo, requerendo a
inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, no caso em comento.

219
A Apelada aduz que a sentença vergastada não ampliou o rol de cobertura do plano
em questão, até porque inexiste restrição contratual; quanto ao tipo de cirurgia pleiteada
pela Recorrida, apenas, não pode o Apelado, por questões financeiras, colocar em risco a
vida desta, rogando, por fim pela manutenção da sentença de primeira instância.

Com vista ao Ministério Público, opinou pela desnecessidade de sua intervenção.

Presentes os requisitos para a admissibilidade do recurso.

É o relatório.

6.2 Voto

Aduz o relator, desembargador Gesivaldo Britto, que no caso concreto cuida-se


de uma típica tutela satisfativa, verdadeira antecipação dos efeitos da tutela, cuja finalidade
é evitar danos irreversíveis à saúde ou mesmo a vida da ora Apelada, circunstância que
ainda que estivesse literalmente vedada pelas normas infraconstitucionais, encontraria
amparo no princípio constitucional do amplo acesso a Justiça e no consectário princípio da
tutela adequada.

Inicialmente, analisaremos a questão levantada pelo Apelante quanto à


inexistência de relação de consumo entre o Estado e o Servidor, inclusive com decisão
deste Tribunal, vejamos:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. Plano de saúde. Cobertura


de cirurgia plástica não estética. Recusa. Cabimento de antecipação de
tutela contra a fazenda pública. Aplicação do CDC. Cláusula abusiva
recurso improvido. E cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda
Pública, em casos excepcionais, quando se trata de bem
constitucionalmente assegurado, como a saúde. O CDC é aplicável as
pessoas jurídicas de direito público, que prestam serviços remunerados.
E abusiva a clausula contratual que exclui da cobertura do piano de saúde
determinados tratamentos e procedimentos médicos-cirúrgicos, pois
viola a boa-fé objetiva que está ínsita nos contratos de relação de
consumo.

(Acórdão n°. 85398 - Proc. 25797-3/2007- Rel. Des. Carlos Alberto


Dutra Cintra - Terceira Câmara Cível).

220
Assim, as alegações da a quo permanecem irretocáveis neste ponto. Irresigna-se,
ainda, quanto a ausência de justificativa clínica para a realização da cirurgia bariátrica pelo
método de videolaparoscopia. Em verdade, a despeito da urgência que a situação impõe
não ha sequer como discutir se o procedimento vindicado pode ser realizado por outro
método de cirurgia, uma vez que todos os documentos constantes dos autos indicam que o
Hospital e seus profissionais estão credenciados pelo PLANSERV para realizar a cirurgia
em questão, pelo que fica prejudicada mais esta alegação.

Diante disto, com base na prova documental carreada pela parte autora, fica
demonstrada a verossimilhança de suas alegações. Por conseguinte, quanto ao perigo da
demora, salta aos olhos a circunstâncias do estado clínico da paciente, que envolve
delicados cuidados e um latente risco de dano irreversível, não apenas pelo perigo de vida
que seu quadro clínico lhe impõe, mas sobretudo pelo dano irreparável à Apelada.

Não se trata, desta forma, de desconsiderar a natureza contributiva e o equilíbrio


financeiro do PLANSERV, mas de sopesar os valores constitucionais em face das provas
trazidas ao exame do Tribunal.

Do exposto, não tendo o Apelante trazido qualquer elemento capaz de afastar a


convicção firmada pela juíza a quo no seu decisum. NEGO PROVIMENTO AO
RECURSO VOLUNTÁRIO, e em sede de reexame necessário, mantendo a sentença de
primeiro grau por seus próprios fundamentos. Voto seguido pelo procurador e presidente
da apelação.

7 CONCLUSÃO

Após fazer uma análise sobre o presente trabalho onde foi abordada a Saúde
Pública assegurada pela Constituição brasileira, constata-se que o Estado tem o dever de
assegurar o direito à saúde para todos. No momento em que os cidadãos tiverem acesso
adequado e disponibilidade de todos os serviços, a população apresentará uma melhor
qualidade de vida e com isso obter um maior desenvolvimento social. O Brasil foi pioneiro
em assegurar o direito à saúde ao seu povo.

O Sistema Único de Saúde, como já mencionado anteriormente, constituiu um


marco histórico na saúde pública brasileira. Foi através dele que ocorreram as grandes
transformações na saúde, pois a Constituição Federal de 1988 foi inovadora, possibilitando

221
a participação do povo na sua consolidação. A saúde pública deve ser exercida na
conformidade dos parâmetros de atenção em todos os níveis, desde a atenção básica até os
serviços mais complexos como internações e cirurgias.

Para um país obter desenvolvimento econômico e social é necessário que se


obtenham melhores investimentos na área da saúde. O maior problema são as verbas
insuficientes destinadas à assistência. A proposta é arrecadar investimentos para a saúde e
consolidar o SUS que já foi comprovado que foi o melhor modelo de serviços que o país
já possuiu. O Brasil é o único país que apresenta esse sistema de cobertura assistencial.

No tocante a garantia do direito à saúde pela iniciativa privada, restou demostrado


que as Operadoras de Planos de Saúde prestam um serviço a seus clientes, mediante um
contrato de adesão de trato sucessivo, em que fica clara a relação de consumo. Sendo assim,
essas operadoras estão sujeitas as regras do Código Consumerista, e eventuais violações
poderá ser pleiteada a solução da lide no órgão jurisdicional, bem como, indenização por
tais violações, que, sem dúvida, agridem os direitos da personalidade do consumidor.

O julgado 59733-8/2008, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, só corrobora


o que está previsto no Código de Defesa do Consumidor. De maneira acertada, reconheceu
e confirmou a sentença de primeiro grau, assegurando o direito à saúde de mais um cidadão
que fez jus ao seu direito de ação, para assegurar um direito universal garantido pela Carta
Magna.

222
REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: Direito à


saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial,
Revista de Direito Social, 34/11, abr- jun 2009.

BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. Disponível em: <http:// www.saude.gov.br.


Acessado em 02 de novembro de 2016.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 02 de novembro de
2016.
BRASIL. Ministério da saúde. ABC do SUS: Doutrinas e Princípios. Brasília: Secretária
Nacional de Assistência à Saúde, 1990. Disponível em:
<http://biblioteca.planejamento.gov.br/biblioteca-tematica-1/textos/saude-epidemias
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de novembro de 2016.
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde: História da Regulamentação
EC-29, 2009. Disponível em: http://200.214.130.94/forum
conselho/viewtopic.php?p=4424&sid=273bbe8db18f32b01452eb6933ce4fba Acesso em:
20 jul.2010.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Sistema Único de Saúde (SUS):


princípios e conquistas. Brasília: Ministério da Saúde, 2000.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 25. ed. São Paulo: Saraiva,
2000.

BRASIL. Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências.

223
BRASIL. Lei Federal nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação
da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências.

224

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