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artigo original

Prática de atividades físicas e


custo do tratamento ambulatorial
de diabéticos tipo 2 atendidos
em unidade básica de saúde
Physical activity and healthcare cost of type 2 diabetic
patients seen at basic units of healthcare

Jamile Sanches Codogno1, Rômulo Araújo


Fernandes1,2, Henrique Luiz Monteiro1,3

RESUMO
1
Programa de Pós-Graduação Objetivos: Observar se existem diferenças nos valores monetários destinados aos procedimen-
em Ciências da Motricidade, tos de saúde para o tratamento de pacientes diabéticos tipo 2 quando estratificados em diferen-
Instituto de Biociências,
Universidade Estadual Paulista tes níveis de atividade física habitual. Sujeitos e métodos: Cento e vinte um diabéticos tipo 2
(Unesp), Rio Claro, SP, Brasil foram avaliados em duas unidades básicas de saúde de Bauru, SP. Atividade física foi avaliada
2
Departamento de Educação por meio de entrevista. Retroagindo um ano ao dia da avaliação, por meio de notas fiscais,
Física, Unesp, Presidente
Prudente, SP, Brasil foram computados valores de exames, medicamentos e consultas médicas e de enfermagem.
3
Departamento de Educação Resultados: Quando comparados aos diabéticos ativos, os sedentários apresentaram gastos
Física, Unesp, Bauru, SP, Brasil com consultas em clínico-geral 63% superiores (p = 0,017). Gastos com medicamentos para o
tratamento de outras doenças também foram superiores em diabéticos sedentários (p = 0,001).
Conclusões: Quando comparados de acordo com a prática de atividades físicas, diabéticos tipo
2 com menor prática de atividades físicas apresentam maiores custos com serviços médicos e
consumo de medicamentos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2012;56(1):6-11
Descritores
Diabetes mellitus tipo 2; atividade motora; análise de custo; Brasil

ABSTRACT
Correspondência para: Objectives: To observe differences in healthcare costs according to the level of physical activity
Rômulo Araújo Fernandes
Departamento de Educação Física, in type 2 diabetes mellitus. Subjects and methods: A total of 121 type 2 diabetic patients were
Universidade Estadual Paulista interviewed in two basic units of healthcare in Bauru, Brazil. Physical activity level was assessed
Rua Roberto Simonsen, 305 by a questionnaire carried out during an interview. Costs of exams, medications and doctor and
19060-900 – Presidente
Prudente, SP, Brasil nurse visits were assessed for the previous year using invoices obtained from basic units of
romulo_ef@yahoo.com.br healthcare. Results: Sedentary type 2 diabetic patients presented higher costs for doctor visits
(63%; p = 0.017) and medication to treat diseases other than diabetes (p = 0.001) than active
Recebido em 7/Fev/2011 patients. Conclusions: Sedentary type 2 diabetic patients presented higher healthcare costs
Aceito em 5/Jan/2012
related to doctor visits and medicine purchase. Arq Bras Endocrinol Metab. 2012;56(1):6-11
Keywords
Type 2 diabetes mellitus; motor activity; costs analyzis; Brazil
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Introdução tado de forma alarmante em diferentes grupos popula-

E stima-se que, em todo o mundo, até 2025, 333


milhões de pessoas (8% da população adulta) apre-
sentarão diagnóstico positivo para diabetes melito (DM)
cionais (2,3).
Nesse sentido, a utilização de terapia medicamentosa
representa custo elevado e pode gerar efeitos colaterais,
(1). Confirmando essas previsões, nos últimos 40 anos, situação que se agrava quando observada a conduta te-
os custos destinados ao tratamento do DM têm aumen- rapêutica adotada pela rede pública de saúde (mantida

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Atividade física e custo em diabéticos

pelos municípios com recursos do Sistema Único de destinados aos procedimentos de saúde para o trata-
Saúde – SUS) que não utiliza fármacos de última ge- mento de pacientes diabéticos tipo 2, atendidos por
ração em razão do elevado custo do tratamento. Ou- Unidade Básica de Saúde (UBS), quando estratificados
tro aspecto alarmante é o fato de que pacientes que em diferentes níveis de atividade física habitual.
fazem uso de medicamentos, muitas vezes, o utilizam
em quantidades inadequadas, situação que é confirma-
da por Assunção e cols. (4) ao observarem que 41% SUJEITOS E MÉTODOS
dos usuários de hipoglicemiantes orais não utilizavam a Trata-se de estudo de corte transversal com caracterís-
dose recomendada. ticas retrospectivas, realizado em Bauru, SP. As avalia-
Por ser o tratamento medicamentoso de alto custo ções/entrevistas foram efetuadas em duas UBS: Vila
e apresentar contraindicações e problemas no entendi- Cardia e Otávio Rasi (ambas administradas pela Prefei-
mento quanto à dosagem adequada, a Sociedade Brasi- tura Municipal), e foram avaliados 121 pacientes. Foi
leira de Diabetes (5) apresenta estratégias de interven- solicitada permissão prévia da secretaria de saúde para
ções não medicamentosas que devem ser adotadas em ter acesso aos prontuários clínicos e, também, solicitado
primeira instância, sendo o tratamento medicamentoso local adequado para a instalação da equipe de avalia-
iniciado quando mudanças no estilo de vida (controle ção, no caso, uma sala de consulta médica. Quanto aos
alimentar e práticas de atividades físicas) não são sufi- usuá­rios do serviço de saúde, as avaliações ocorreram
cientes para o controle da doença. após triagem realizada pelas enfermeiras, que analisa-
Nesse contexto, a prática de exercícios físicos, so- vam o prontuário do paciente e sua disponibilidade em
bretudo os aeróbios, exerce influência significativa no participar da pesquisa. O protocolo de investigação foi
combate ao DM tipo 2 (DM2). Sua relação com a aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universi-
doença ocorre devido à ação direta sobre indicadores, dade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro, Protoco-
como colesterol total e lipoproteína de baixa densidade lo n.º 6898-2008, bem como pelo Conselho de Ética
(LDL), na qual indivíduos com escores mais elevados da Secretaria Municipal de Saúde.
de atividade física apresentam menores concentrações Para determinar os custos com o tratamento do
sanguíneas dessas estruturas (6). Esse poder depressor DM2, a despesa total da UBS com cada paciente foi
da atividade física deve-se à maior utilização dos lipí- averiguada pela demanda por serviços que foram re-
deos circulantes como fonte de energia na realização gistrados nos prontuários. Retroagindo um ano à data
das tarefas motoras, bem como após o término do da avaliação, buscou-se obter as seguintes informações:
trabalho muscular, com o intuito de restabelecer os medicamentos fornecidos pelo serviço de saúde, exa-
estoques energéticos. Além disso, durante a ação dos mes laboratoriais realizados e o número de consultas.
mecanismos acima citados, existe subsequente aumento Para transformar os procedimentos em moeda corren-
de sensibilidade da membrana celular à ação insulínica, te, utilizou-se a tabela do SUS para os valores dos exa-
fator que diminui as concentrações de insulina e glicose mes laboratoriais e de médico especialista. Notas fiscais
circulantes (7). disponibilizadas pelas unidades básicas de saúde foram
Essas alterações fisiológicas caracterizam a ativida- utilizadas para computar os valores unitários dos medi-
de física como meio não farmacológico importante no camentos fornecidos aos pacientes. Estudo prévio rea-
combate ao DM2, entretanto, existem poucas evidên- lizado na cidade em questão foi usado como referência
cias na literatura que apontem se os benefícios fisiológi- para valores de consulta médica (clínico-geral), de en-
cos do exercício são suficientes para reduzir a demanda fermagem e de nutricionista, sendo o custo desses pro-
dos procedimentos de saúde e respectivos custos das cedimentos fixados em R$ 7,55 por atendimento (9).
condutas ambulatoriais. A primeira pesquisa nacional a Todos os valores monetários apresentados no presente
analisar a relação da prática de atividades físicas e custos estudo foram calculados com uma base populacional de
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relacionados à saúde foi realizada somente em 2006 (8) 100 diabéticos (valores multiplicados por 100).
e evidenciou menor consumo de medicamentos entre As variáveis sexo, idade, tabagismo, uso regular de
pessoas ativas. Por outro lado, não existe informação insulina e excesso de peso (valores de peso e estatu-
similar em populações diabéticas. ra foram aferidos e o índice de massa corporal [IMC]
Dessa maneira, o objetivo do presente estudo foi foi calculado) foram utilizadas para indicar o perfil da
observar se existem diferenças nos valores monetários população. Esses dados foram obtidos por meio de en-

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Atividade física e custo em diabéticos

trevista estruturada, na qual o coordenador da pesquisa tatístico considerando a casuística das duas UBS como
preencheu formulário com os dados dos pacientes. um único grupo de pacientes.
A prática habitual de atividades físicas foi determina- Da casuísta analisada, 40,5% eram do sexo masculi-
da pelo questionário proposto por Baecke e cols. (10), no (n = 49) e 59,5%, do feminino (n = 72). Na amostra
o qual foi preenchido pelo coordenador da pesquisa por total, 11,6% dos diabéticos declararam ser fumantes e
meio de entrevista individual. O protocolo é composto 36,4% faziam uso regular de insulina. Uso de insulina
por 16 questões fechadas que representam a prática de (p = 0,722) e tabagismo (p = 0,662) não foi associado
atividades distribuída em três domínios de atividades com os grupos de atividade física. A média total de ida-
físicas: i) ocupacionais; ii) esportivas; e, iii) lazer. Por de da casuística foi de 60 ± 9 anos (limite inferior -32,7
meio da aplicação do referido instrumento, foi possível anos; limite superior 74,9 anos) e não diferiu entre os
determinar o escore de cada domínio da atividade física, grupos de atividade física (Sedentários: 61,2 ± 11 anos;
e a soma dos escores de cada seção compõe um valor M. ativos: 59,8 ± 7 anos; Ativos: 59,3 ± 8 anos com p =
total adimensional, ou seja, a atividade física habitual. 0,688). Padrão similar foi observado para os valores de
Para classificação da atividade física habitual, utilizou-se IMC (Sedentários: 31,8 ± 8 kg/m2; M. ativos: 30,2 ± 6
fórmula proposta por Baecke e cols. (10). Os pacientes kg/m2; Ativos: 30,3 ± 5 kg/m2 com p = 0,507).
avaliados foram subdivididos em quartil de acordo com A figura 1 apresenta os valores de procedimentos de
o escore total individual fornecido pelo instrumento, atenção básica a cada 100 pacientes, segundo os respec-
os quais resultaram nos seguintes grupos de atividades tivos níveis de atividade física. Adotando-se o custo do
grupo Ativo como referência, estabeleceu-se comparação
físicas: Sedentários (1º quartil); Moderadamente Ati-
entre os diferentes indicadores de custo. De maneira ge-
vos (M. Ativos [2º e 3º quartis]); e Ativos (4º quartil).
ral, embora em quase todos os procedimentos o grupo
Anteriormente ao início das análises estatísticas, para
sedentário tenha apresentado valores superiores ao grupo
identificar possíveis fatores de confusão, considerou-se a
ativo, observou-se que somente o custo com clínico-ge-
relação de todos os diferentes indicadores de custo envol-
ral foi significativo na comparação entre os grupos Ativos
vidos no estudo com as variáveis (i) idade, (ii) tabagismo
e Sedentários (63% superiores para os sedentários [ANO-
e (iii) IMC. Os resultados indicaram que não houve rela-
VA com p = 0,017 e o teste post hoc de Tukey com p =
ção significativa entre as variáveis envolvidas, sem necessi-
0,012]; economia de R$ 694,20/100 pacientes).
dade, portanto, de ajustar as subsequentes análises. Desse
As despesas médias com exames e medicamentos
modo, para variáveis numéricas, o teste t de Student para por grupo de 100 pacientes, segundo os níveis de ativi-
amostras independentes e a análise de variância (ANO- dade física, são apresentadas na figura 2. No que se refe-
VA) one-way (post-hoc de Tukey) foram empregados. Os re aos exames solicitados (ANOVA com p = 0,414) e os
cálculos foram realizados por meio do software Statistical gastos com medicamentos (ANOVA com p = 0,272),
Package for the Social Sciences (SPSS – versão 13.0), e um não houve diferenças significativas entre os grupos: Ati-
nível de significância de 5% foi utilizado em todos os pro- vo, M. ativo e Sedentário.
cedimentos estatísticos realizados no estudo. Os custos com medicamentos foram divididos em
dois tipos: (i) aqueles destinados ao tratamento do DM
e (ii) o custo com medicamentos destinados ao trata-
Resultados
mento de outras doenças (Figura 3). Quando compara-
Foram analisados os dados de 121 diabéticos do tipo 2, do ao grupo Sedentário (ANOVA com p = 0,001), os
todos pacientes de duas UBS localizadas na cidade de resultados indicaram que os custos com medicamentos
Bauru, SP. As primeiras análises realizadas tiveram o ob- para o tratamento de outras doenças foram inferiores
jetivo de verificar possíveis diferenças entre as UBS dos para os diabéticos do grupo Ativo (teste post hoc de
bairros “Otávio Rasi” e “Vila Cárdia”. Não foram iden- Tukey p = 0,006).
tificadas diferenças significativas para as variáveis sexo, A figura 4 informa os custos totais dos pacientes
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grupo étnico e uso de tabaco. Foi encontrada diferença diabéticos segundo o nível de atividade física e aponta
apenas para idade (UBS-Otávio Rasi 58,6 anos versus que não houve diferenças significativas entre os grupos:
UBS-Vila Cardia 62,2 anos; teste t com p = 0,028), Ativo, M. ativo e Sedentário (ANOVA com p = 0,554).
porém, essa variável não se relacionou com os custos Se considerado o custo total, na comparação entre dia-
totais analisados. Essa similaridade entre os diabéticos béticos sedentários e ativos, a economia em um grupo
de ambas as UBS permitiu conduzir o tratamento es- de 100 pessoas seria de aproximadamente R$ 7.000,00.

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Atividade física e custo em diabéticos

12.000 ANOVA
p = 0,151
ANOVA
Média de gastos a cada

ANOVA
9.000 p = 0,017 ANOVA
50.000
100 pessoas (R$)

p = 0,331
p = 0,554

Média de gastos a cada


Ativo 40.000

100 pessoas (R$)


6.000 Tukey
p = 0,012
M. ativo
Sedentário 30.000
3.000 ANOVA ANOVA Ativo
p = 0,211 p = 0,711 20.000 M. ativo
0 Sedentário
10.000
ral

ta

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ta

s
lta
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es

Nu
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To

Procedimentos de atenção básica à saúde


Procedimentos de atenção básica à saúde

M. ativo: moderadamente ativo; Total de consultas: Soma de clínico geral, médico especialista, M. ativo: moderadamente ativo. Utilizou-se ANOVA one way.
enfermagem e nutricionista. Utilizou-se ANOVA one way.

Figura 1. Média ± erro-padrão dos valores monetários de procedimentos Figura 4. Média ± erro-padrão dos valores monetários de custos totais
de atenção básica a cada 100 pacientes, segundo níveis de atividade física, com procedimentos de atenção básica a cada 100 pacientes, segundo
Bauru, 2009. níveis de atividade, Bauru, 2009.

25.000 ANOVA
p = 0,272 Discussão
Média de gastos a cada

20.000
100 pessoas (R$)

No que se refere à diminuição dos gastos com o trata-


15.000 mento decorrente da prática de atividades físicas, ob-
ANOVA Ativo
10.000 p = 0,414 M. ativo servamos que, mesmo em países em desenvolvimento,
Sedentário poucos estudos abordam esse tema. A esse propósi-
5.000
to, Bertoldi e cols. (8), investigando a população de
0 Pelotas-RS, observaram que indivíduos sedentários
Exames Medicamentos
Procedimentos de atenção básica à saúde usaram mais medicamentos (39%) que os ativos. Essas
diferenças permaneceram mesmo quando incluídos os
M. ativo: moderadamente ativo. Utilizou-se ANOVA one way. pacientes diabéticos e hipertensos. Na mesma direção,
Figura 2. Média ± erro-padrão dos valores monetários de exames e Di Loreto e cols. (11) analisaram o impacto do aumen-
medicamentos a cada 100 pacientes, segundo níveis de atividade física, to do gasto energético de portadores de diabetes tipo
Bauru, 2009. 2 sobre indicadores de custo com a saúde. Após dois
anos de intervenção, esses autores constataram que o
custo por pessoa com medicamentos diminuiu signifi-
cativamente, sendo que o maior gasto energético foi
inversamente proporcional aos custos com tratamento
24.000 ANOVA
p = 0,831 farmacológico.
Média de gastos a cada

ANOVA
Os dados da presente pesquisa concordam com es-
100 pessoas (R$)

18.000 p = 0,001
Ativo ses resultados. Os pacientes ativos apresentaram meno-
12.000 M. ativo
Tukey res gastos com o tratamento farmacológico. Quando
p = 0,006 Sedentário
6.000 analisados separadamente (I) os fármacos utilizados
para o tratamento do diabetes e (II) os fármacos utiliza-
0
Tratamento do DM Outras patologias dos para o tratamento de outras doenças, observou-se
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Procedimentos de atenção básica à saúde que o grupo Sedentário apresentou custo médio 23%
superior ao grupo Ativo, quando considerados apenas
M. ativo: moderadamente ativo. Utilizou-se ANOVA one way.
os medicamentos para o tratamento do diabetes (sem
diferença estatística). Por outro lado, no que se refere
Figura 3. Valores monetários médios ± erro-padrão para custos com
medicamentos para o diabetes e o tratamento de outras doenças, por 100 ao uso de medicamentos para o tratamento de outras
pacientes segundo nível de atividade física, Bauru, 2009. doenças, o grupo Sedentário apresentou custo 128%

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Atividade física e custo em diabéticos

superior ao grupo Ativo, sendo essa diferença significa- ram sua amostra de acordo com o escore para atividades
tiva estatisticamente. esportivas (quartil) comparando os escores observados
Uma provável explicação para não ocorrer diminui- em cada quartil. No quartil mais elevado, os valores en-
ção significativa nos custos com medicamentos para o contrados foram similares aos observados no respectivo
tratamento do diabetes pode ser o fato de que mui- quartil da nossa casuística (8,8 vs. 8,9, respectivamen-
tos dos pacientes avaliados usam insulina, sendo o per- te). No entanto, ao se comparar o escore total médio
centual de insulino-dependentes similar nos grupos de de atividade física alcançado por nossa amostra (escore
atividade física. Em decorrência da disfunção das cé- = 6,5), constatou-se que este foi inferior ao apresentado
lulas-beta, que reduz a produção de insulina de forma no estudo de desenvolvimento do questionário (mascu-
irreversível (5), seu uso injetável é constante e, mesmo lino [n = 139] = 8,2 e feminino [n = 167] = 8,4) com
com maior prática de atividades físicas, a necessidade de adultos holandeses saudáveis (10). Nossos resultados
insulina exógena é necessária, sendo difícil a redução também foram inferiores aos observados em 29 adultos
do medicamento e, consequentemente, do valor desti- brasileiros residentes na cidade de São Paulo, no caso,
nado ao tratamento. Nesse caso, estratégias de preven- sujeitos acometidos por HIV/Aids (escore = 7,3) (14).
ção primária e secundária visando evitar que diabéticos Entretanto, essa comparação é restrita uma vez que
tipo 2 se tornem insulino-dependentes caracterizam-se a população encontrada na literatura difere da casuís-
como políticas públicas que podem acarretar economia tica desse trabalho, que tem como fator de destaque a
aos serviços de saúde e maior sobrevida para esses dia- presença de DM2, dificultando, assim, identificar se os
béticos. pacientes com maiores escores de atividade física são
No presente estudo, os pacientes ativos foram os efetivamente suficientemente ativos. Por outro lado, o
que apresentaram despesas inferiores para clínico-geral uso do questionário permitiu avaliar o nível de ativida-
quando comparados com os sedentários, que, por sua de física habitual total e em seus diferentes domínios,
vez, tiveram custos 63% superiores, ou seja, R$ 694,20 bem como apresentou boa aplicabilidade e aceitação.
a mais, a cada 100 pacientes. Alguns efeitos do exer- A construção de um modelo teórico para projetar a
cício físico são bem estabelecidos na literatura, como abrangência dos resultados aqui amealhados demonstra
aumento da captação de glicose periférica e aumento da que, se considerarmos o fato de que 6,2% da população
sensibilidade à insulina. É fato, também, que a atividade do estado de São Paulo é acometida por DM2 (15),
física influencia de maneira positiva nas funções cogniti- e que, destes, 47% são insuficientemente ativos (16),
vas, transtornos de humor e sono, trazendo sensação de é possível estimar que há 21.551 pessoas acometidas
bem-estar (12). Essas variáveis, associadamente, podem pela doença na cidade de Bauru (347.601 habitantes),
ser responsáveis pela diminuição nas consultas médicas, das quais 10.129 seriam insuficientemente ativas. Des-
uma vez que os pacientes têm uma autopercepção de se modo, considerando os parâmetros populacionais de
melhora com o exercício físico e passam a procurar por Bauru, aplicados os dados da presente pesquisa, quando
serviços médicos apenas quando é realmente necessário. comparados ativos e sedentários, observa-se economia
Quanto aos usuários do serviço de saúde, as ava- a cada 100 pessoas, de aproximadamente R$ 6.500,00
liações ocorreram após triagem realizada pelas enfer- reais/ano para os fisicamente ativos, assim, projeta-se
meiras, que analisavam o prontuário do paciente e sua uma economia de R$ 658.385,00 reais/ano em custos
disponibilidade em participar da pesquisa. Dessa forma, com saúde se os 10.129 diabéticos sedentários se tor-
a casuística foi composta por casos, e os dados não re- nassem fisicamente ativos.
presentam a população de outras UBS de Bauru, sendo De fato, tal modelo constitui um raciocínio rústico
essa uma limitação do estudo. Outra limitação diz res- dos possíveis benefícios financeiros decorrentes de uma
peito ao questionário utilizado. O fato de o questioná- maior prática de atividades físicas por parte de diabéti-
rio de Baecke não possuir ainda um ponto de corte bem cos do tipo 2 atendidos pelo SUS, porém, pode servir
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definido para classificação dos indivíduos em ativos e como ponto de partida para a implementação de dife-
sedentários deve ser considerado como limitação do es- rentes ações municipais/estaduais nesse sentido. Além
tudo, pois há poucos trabalhos publicados que também disso, essas reduções podem estar subestimadas em
utilizaram a divisão em quartil para classificação do ins- decorrência de a tabela de valores do SUS (base para
trumento. Chien e cols. (13), por exemplo, utilizaram o cálculo dos custos) ser inferior aos valores reais de
o mesmo questionário de atividade física e estratifica- mercado.

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Atividade física e custo em diabéticos

Os dados apresentados permitem concluir que, ao 6. Guedes DP, Gonçalves LA. Impact of the habitual physical ac-
tivity on lipid profile in adults. Arq Bras Endocrinol Metabol.
analisar um período de 12 meses anterior ao momento
2007;51(1):72-8.
de coleta das informações, pacientes diabéticos com es- 7. Lima-Silva AE, Adami F, Nakamura FY, de Oliveira FR, Gevaerd
cores superiores de atividade física diária apresentaram MS. Metabolismo de gordura durante o exercício físico: meca-
nismos de regulação. Rev Bras Cineantrop Desempenho Hum.
menores custos com serviços médicos e consumo de
2006;8(4):106-14.
medicamentos. Além disso, mesmo nos casos em que 8. Bertoldi AD, Hallal PC, Barros AJ. Physical activity and medicine
as comparações estatísticas não expressaram diferenças use: evidence from a population-based study. BMC Public Health.
2006;6:224.
estatisticamente significantes, quase todas as despesas
9. Rolim RM, Amaral SL, Monteiro HL. Hipertensão e exercício: cus-
tiveram custos mais elevados no grupo sedentário. tos do tratamento ambulatorial, antes e após a adoção da práti-
ca regular e orientada de condicionamento físico. Hipertensão.
Declaração: os autores declaram não haver conflitos de interesse 2007;10(2):54-61.
científico neste estudo.
10. Baecke JA, Burema J, Frijters JE. A short questionnaire for the
measurement of habitual physical activity in epidemiological stu-
dies. Am J Clin Nutr. 1982;36(5):936-42.
11. Di Loreto C, Fanelli C, Lucidi P, Murdolo G, De Cicco A, Parlanti N,
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