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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS

GERAIS
Departamento de Física
Julho de 2005

Física do Meio Interestelar e da Formação e


Evolução Estelares

Prof. Wagner José Corradi Barbosa


Conteúdo
1 Introdução 3

2 O Nosso Lugar No Espaço 4


2.1 O Sistema Solar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2 Estrelas, Aglomerados e o Meio Interestelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.3 A Via Láctea em Grande Escala: estrutura e componentes . . . . . . . . . . . . . . 6

3 Conceitos Básicos 8
3.1 Magnitude Aparente e Cor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
3.2 Magnitude absoluta, Luminosidade e Módulo de Distância . . . . . . . . . . . . . 9
3.3 Extinção Interestelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3.4 Evolução Estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

4 Propriedades Físicas do Meio Interestelar na Via Láctea 13

5 Determinação de Distância e Condições Físicas do Meio Interestelar 15


5.1 Paralaxe Estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
5.2 Paralaxe espectroscópica e Distância Fotométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
5.3 Diagramas de Excesso de Cor por Distância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
5.4 Velocidade Radial e Linhas de Absorção Interestelar . . . . . . . . . . . . . . . . 18

6 Estrutura Geral de um Objeto Pré-Seqüência Principal 20


6.1 Estrelas Pré-Sequência Principal Ae/Be de Herbig . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
6.1.1 Fotometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
6.1.2 Polarização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
6.1.3 Espectroscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

7 Projetos de Pesquisa 26

2
1 Introdução

Quantas vezes, numa noite bem escura e sem nuvens, você já não se pegou contemplando o
céu, meio sem saber o motivo, e pensou: “Puxa, como o céu está estrelado hoje!”. Por acaso, em
alguma destas vezes, você já teve a sorte de observar uma banda brilhante e difusa cortando o céu
de um lado ao outro? Ou mesmo viu uma direção onde as estrelas pareciam formar um pequeno
aglomerado? E quantos (sortudos) já tiveram a oportunidade de notar que algumas regiões do céu
parecem totalmente escuras e desprovidas de estrelas?
Então, a sua curiosidade se aguça e você acaba achando alguém que lhe conta que aquela
“banda brilhante” recebe o nome de Via Láctea (Figura 1). Alguns ainda ficam sabendo que a
estória mais conhecida deste nome vêm da mitologia grega. Para eles a Via Láctea seria o rastro
deixado pelo leite1 derramado dos seios de uma deusa ao amamentar o filho humano de Zeus,
que tentava com isto tornar a criança imortal. Mas outras culturas dizem que a Via Láctea seria a
estrada que as almas seguiriam em sua caminhada para o paraíso, enquanto outras dizem que ela
seria um grande rio que traz água dos oceanos para alimentar os riachos e irrigar as plantações.
Neste momento você se dá por satisfeito, mas logo vem uma vontade quase que incontrolável
de saber mais, de conhecer e entender o que realmente vem a ser a Via Láctea. O que seriam as
tais regiões escuras e desprovidas de estrelas? O que será que elas tem de especial? De onde vêm
as estrelas? Existe alguma relação entre as estrelas e tais regiões escuras?
Por causa desta mistura de curiosidade, descobertas e pensamentos é que as pessoas, como
você, há muito tempo vêm procurando pelas respostas. E é nossa esperança com este mini-
curso, apresentar-lhes um dos tópicos para os quais estamos tentando encontrar as respostas: “A
Física do Meio Interestelar e da Formação e Evolução Estelares”.

Figura 1: “Banda brilhante” vista no céu à noite, que hoje sabemos ser o disco galáctico visto de
lado, com obscurecimentos causados por nuvens de poeira interestelar

1
“Galak”, em grego, significa leite. Daí o nome Galáxia

3
2 O Nosso Lugar No Espaço
2.1 O Sistema Solar

Antes de começarmos nossa exploração da Galáxia, precisamos reconhecer onde estamos. Para
isto vamos embarcar numa rápida viagem pelo espaço. Comece consigo mesmo, uma pessoa
menor que uns 2 metros de altura, que habita o Planeta Terra, uma esfera de cerca de 13 000 km
de diâmetro (uns 7 milhões de vezes a sua altura).
Depois vá para o mais próximo de todos os corpos astronômicos, a Lua, que “circula” aprox-
imadamente a cada 28 dias, junto com a Terra em torno de um ponto comum, presas pela força
da gravidade mútua. O diâmetro da Lua é aproximadamente 1/4 do da Terra, mas sua distância é
384 000 km (uns 30 diâmetros terrestres). Agora caminhe para o Sol, em torno do qual o sistema
Terra-Lua orbita uma vez a cada ano, em torno do baricentro do Sistema Solar.
O Sol, esta enorme bola de gás de 1.4 milhões de km de diâmetro, é a estrela mais próxima de
nós. No entanto ele parece pequeno no céu porque está muito distante, a 150 milhões de km (uns
10 000 diâmetros terrestres). Se a Terra fosse uma bola de futebol a Lua seria do tamanho de uma
bola de tenis e estaria a uns 7 metros de distância. Já o Sol teria uns 30 m de diâmetro e estaria a
uns 3 km de distância. Veja a Figura 2.
A Lua é feita de pedra como a Terra, sendo fria e sólida. O Sol é muito quente (6000 K na sua
superfície e cerca de 107 K no seu interior), e em sua maior parte é composto de gás hidrogênio,
o mais simples de todos os elementos químicos. A Lua e a Terra brilham pela luz refletida de sua
superfície, enquanto que o Sol tem brilho próprio, obtido da energia nuclear gerada internamente.

Figura 2: O Sol, uma estrela típica, tem 1.4 milhões


de km de diâmetro. Para comparação a órbita da Lua
em torno da Terra está projetada em sua superfície. O
diâmetro solar equivale a uns 109 diâmetros terrestres
e quase duas vezes a órbita da Lua. Repare nas man-
chas, que são regiões de intenso magnetismo.

Muitos outros corpos orbitam o Sol, compondo o que chamamos de Sistema Solar. Como
a Terra, existem outros 8 planetas: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e
Plutão. Os três primeiros são bastante semelhantes à Terra, enquanto que os outros são muito
maiores e basicamente compostos de gás hidrogênio e hélio, exceto Plutão, cuja classificação é
ainda motivo de controvérsia. No nosso modelo onde a Terra seria uma bola de futebol, Plutão
estaria a uns 110 km de distância.
Existem ainda outros corpos menores, os Asteróides, pequenos pedaços de pedra que orbitam
o Sol (com a maior parte entre Marte e Júpiter) e os Cometas que são pedaços de poeira congelada,
tipicamente de uns poucos km de diâmetro, que orbitam o Sol em caminhos altamente alongados.
No seu caminho através do sistema solar os cometas vão se desintegrando, devido à ação da luz
solar, e a Terra, à medida que vai caminhando intercepta vários destes restos cometários e pequenos
asteróides. Estes corpos penetram na nossa atmosfera, se aquecem, e deixam um traço brilhante no
céu, que denominamos meteoro. Usualmente a poeira cometária evapora, mas alguns asteróides
sobrevivem e conseguem chegar até o solo, tornando-se o que chamados de meteoritos.

4
2.2 Estrelas, Aglomerados e o Meio Interestelar

Continuando a viagem notamos que apesar de estrelas e planetas parecerem estar à mesma
distância, as estrelas são sóis distantes. Mesmo a mais próxima de nós, Proxima Centauri, está a
271 000 unidades astronômicas. Uma unidade astronômica (UA) corresponde ao raio da órbita
da Terra em torno do Sol, ou seja 150 milhões de km. Se a Terra fosse uma bola de futebol, a
estrela mais próxima estaria quase que duas vezes mais distante do que a Lua está da Terra. Nestas
distâncias tão grandes, independente do tamanho das estrelas, elas vão parecer para nós apenas
como pontos de luz.
Para tratar com distâncias tão grandes precisamos usar uma unidade maior. Duas unidades são
freqüentemente usadas. O ano-luz que é a distância que um raio de luz viajando a 300 000 km/s
consegue percorrer em um ano. O que significa que a luz que vemos de Proxima Centauri hoje,
demorou cerca de 4.3 anos para chegar até nós. Nessa escala o Sol estaria a 8 minutos-luz da Terra,
e a Lua a apenas 1 segundo-luz. Já os astronômos profissionais usam uma unidade ainda maior, o
parsec (pc), que é igual a 206 265 UA ou 3.26 anos-luz. Nesse caso, Proxima Centauri estaria a
1.3 pc de distância.
As estrelas apresentam grande diversidade. Algumas são muito mais quentes que o Sol en-
quanto que outras são consideravelmente mais frias. As menores estrelas conhecidas são do
tamanho de uma cidade, enquanto que as maiores, se colocadas na posição do Sol, se estende-
riam até a órbita de Saturno. Algumas poucas estrelas são brilhantes o suficiente para serem vistas
a milhares de anos-luz, enquanto o Sol seria invisível se estivesse apenas a 70 anos-luz de nós. Esta
variedade se deve às diferenças de massa, idade e composição química. Como o processo de en-
velhecimento é muito lento para os padrões humanos, as estrelas, no entanto, parecem imutáveis.
E o que nos permite conhecer as várias fases de suas vidas é o seu grande número, pois podemos
observar estrelas em muitos estágios diferentes, possibilitando a construção do quadro evolutivo
juntando as observações.
Algumas estrelas são vistas em pares, constituindo um sistema binário, ou em alguns casos
formam um sistema múltiplo, com três ou mais objetos. Dentre outras coisas as binárias são
essenciais na determinação da massa estelar, o fator determinante sobre a luminosidade, a tem-
peratura e o processo evolutivo das estrelas. Já muitas estrelas são encontradas em Aglomerados.
Aglomerados de estrelas são grupos de estrelas nascidas numa mesma época e em uma região pe-
quena do espaço e portanto interagindo gravitacionalmente. Existem dois tipos:

• Os Abertos ou Galácticos que contêm desde umas poucas dezenas a uns poucos milhares
de estrelas confinadas num volume que pode variar entre 1 e 10 pc de raio. Suas idades são
menores do que 109 anos e se distribuem pelo disco da Galáxia, os mais jovens pertencendo
aos braços espirais. Existem mais de 1100 aglomerados deste tipo catalogados na nossa
Galáxia.

• Os Globulares, que contêm tipicamente umas 100 000 estrelas confinadas num volume de 25
pc de raio, e cuja forma é esférica devido à maior gravidade combinada das estrelas. Existem
150 destes objetos na Via Láctea, que se formaram há 1010 anos e se localizam no halo da
Galáxia. Por terem se formado na época do nascimento da própria Galáxia, estes objetos
possuem uma composição química diferente da do Sol e sua vizinhança, com abundância

5
de metais (incluíndo os elementos C, N e O) mais baixa. Os aglomerados são cruciais na
determinação de distâncias e no estudo da evolução estelar.

Estrelas e planetas não são os únicos habitantes da nossa Galáxia. O espaço abriga também a
matéria interestelar, uma mistura de gás e grãos de poeira que ocupa o espaço entre as estrelas.
A densidade do meio interestelar é extremamente baixa, tipicamente em torno de 1 átomo/cm3 ,
o que é cerca de 1019 vezes menor que a densidade da atmosfera no nível do mar. A temperatura
varia desde 10 a 100 K nas regiões mais densas, e pode chegar a 106 K em regiões extremamente
rarefeitas. O tamanho destas regiões é variado, desde frações até dezenas de parsecs e as massas
variam desde aproximadamente 1 até 106 massas solares.
Apesar da densidade ser muito baixa, a poeira interestelar é muito efetiva em bloquear (ab-
sorvendo e espalhando) a luz das estrelas mais distantes, causando um efeito de obscurecimento
geral, que recebe o nome de extinção interestelar. A distribuição espacial da matéria interestelar
é bastante irregular. Além do obscurecimento, a poeira interestelar também provoca um efeito de
avermelhamento na luz estelar, pois a extinção é maior para as radiações de comprimentos de
onda mais curtos.
O meio interestelar é o local onde ocorre a formação estelar. As estrelas se formam quando
uma nuvem interestelar colapsa devido à sua própria gravidade e se separa em pedaços menores.
À medida que os fragmentos pré-estelares vão se tornando mais densos e mais quentes, surge o
que chamamos de proto-estrela – um objeto relativamente luminoso que emite radiação na região
do infravermelho. Neste estágio os objetos de até 2 massas solares são chamados de Estrelas T
Tauri, e o análogo para os objetos de massa 2 a 10 massas solares são conhecidos como Estrelas
Ae/Be de Herbig.
Durante o processo de evolução as estrelas perdem parte de sua massa para o meio intereste-
lar. Algumas mais massivas terminam sua vida num evento explosivo, que gera ondas de choque
potentes o suficiente para varrer e comprimir o material interestelar gerando bolhas interestelares
da ordem de 10 a 100 pc de diâmetro. Tais bolhas modificam a estrutura do meio interestelar,
afetando drasticamente a evolução da Galáxia.

2.3 A Via Láctea em Grande Escala: estrutura e componentes

Em resumo, todas as estrelas que você vê durante a noite, mais cerca de uns 200 bilhões delas
e o material interestelar constituem a nossa Galáxia, a Via Láctea (Figura 3). A grande maioria
das estrelas são encontradas num disco galáctico de cerca de 50 kpc (50 000 pc) de diâmetro e 3
kpc de espessura. Este disco, visto de lado, devido à nossa posição dentro dele, constitui a “banda
brilhante” que vemos durante a noite.
Uma visão mais detalhada do disco mostra que ele é dividido em camadas. Uma porção mais
fina (disco fino) tem 200 pc de espessura e contêm o gás, a poeira e as estrelas mais jovens, e
uma porção mais espessa, (disco grosso), que envolve o disco fino, contendo estrelas mais velhas.
Extendendo-se até cerca de 3 kpc o disco espesso faz uma conexão com o halo.
No ponto médio do disco está o plano galático com seu conjunto de braços espirais cuja
espessura é cerca de 0.5 kpc (1/100 do diâmetro do disco). Nossa Galáxia, como muitas outras
visíveis no céu, é portanto uma galáxia espiral. Os braços espirais são definidos por estrelas
jovens e material interestelar, que seguem órbitas quase circulares em torno do centro galáctico.

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Figura 3: Modelo global da Galáxia. (à esquerda) Visão de cima, mostrando os braços espirais e
a localização do Sol. (à direita) Visão lateral mostrando o bojo nuclear, o halo e a distribuição dos
aglomerados globulares

No entanto eles não podem estar "amarrados"ao material do disco, senão a própria rotação os
faria enrolar em torno de si mesmos e eles teriam desaparecido há muito tempo atrás. Acredita-se
que exista um padrão de densidade espiral que se move através do disco, disparando a formação
estelar à medida que vai passando e comprimindo o material interestelar.
Nosso Sol está localizado a 8.5 kpc do centro galáctico (1/3 do raio da Galáxia), próximo à
borda interna de um dos braços espirais. Apesar de não estar exatamente no plano galáctico (8
pc para o Norte galáctico) o Sol carrega o sistema solar em sua órbita de baixa excentricidade em
torno do centro galáctico a cada 240 milhões de anos, numa velocidade de aproximadamente 240
km/s.
No centro do disco fica o bojo galáctico, de cerca de 1 kpc, que circunda o centro Galáctico.
O bojo é difícil de observar e contêm tanto estrelas velhas, com poucos elementos mais pesados
que o H e o He, quanto estrelas mais jovens nas direções que interceptam o plano galáctico.
Bem no centro da Galáxia está o pequeno (≤ 1 pc de diâmetro) e massivo (cerca de 1 milhão
de massas solares) núcleo. Em outras galáxias o núcleo tem uma aparência "estelar", mas na nossa
ele é escondido pelo obscurecimento causado pela matéria interestelar no plano galáctico. Sua
presença é conhecida pela emissão de radiação na região de rádio, infravermelho, raios-X e raios
gama. Imagina-se que o núcleo galáctico seja ou um aglomerado estelar extremamente massivo e
compacto ou um objeto muito massivo, possivelmente um buraco-negro.
Envolvendo o disco galáctico se encontra o halo, uma região esférica de cerca de 100 kpc,
populada com estrelas mais velhas e aglomerados globulares. A maioria destes objetos seguem
órbitas bastante excêntricas, sem muito sentido de rotação em torno do centro galático. Não há
muita poeira e gás no halo, motivo pelo qual não há formação estelar. O halo não tem um contorno
bem definido, e pode se estender até as “Nuvens de Magalhães” (galáxias satélites da nossa).

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A abundância de elementos mais pesados aumenta do halo para os braços espirais. Lembre-
se que hidrogênio e hélio são transformados em elementos mais pesados no centro das estrelas
e acabam por retornar ao meio interestelar durante a evolução das estrelas. Deste modo nossa
Galáxia deve provavelmente ter começado de uma nuvem de essencialmente H e He, da qual as
primeiras estrelas se formaram. Esta nuvem foi eventualmente enriquecida com elementos mais
pesados que colapsaram na direção do plano galáctico. É nas regiões mais densas dos braços
espirais que a maior parte da formação estelar acontece, produzindo as estrelas mais jovens e mais
ricas em elementos pesados.
Observando o movimento de rotação da matéria no disco em função da distância ao centro
galáctico (curva de rotação), se pode estimar a massa da Galáxia. Os resultados mostram que a
massa continua a aumentar além do raio definido pelos aglomerados globulares e pela estrutura
espiral que conhecemos, formando um halo de matéria escura. A composição desta matéria
escura é ainda motivo de controvérsia, com os candidatos sendo estrelas de massa muito baixa e
partículas sub-atômicas exóticas.
Terminemos então nossa viagem por aqui, pensando não só no quanto aprendemos até o mo-
mento, mas que toda vez que você estiver contemplando o céu estrelado, saberá que existe um
profundo relacionamento com a Terra e consigo mesmo. Tornando-se então, mais do que um
cidadão em sua cidade e do mundo, um verdadeiro residente da nossa Galáxia, a Via Láctea.

3 Conceitos Básicos

Para investigar a estrutura da Galáxia e suas componentes, são utilizadas técnicas observa-
cionais para a detecção da luz de determinado objeto em faixas específicas do espectro eletro-
magnético. A fotometria e a espectroscopia são duas destas técnicas amplamente utilizadas pelo
astrônomo. A espectroscopia se utiliza do princípio de dispersão da luz em suas cores (ou freqüên-
cias) constituintes por um prisma ou rede de difração. A fotometria baseia-se em um conjunto
de filtros que selecionam a luz de determinadas freqüências ao longo do espectro. A distribuição
espectral de energia das estrelas é dada, em primeira aproximação, pela distribuição de corpo ne-
gro: a temperatura superficial da estrela define sua distribuição de energia. Na realidade, uma
estrela gera radiação em seu interior que interage com sua atmosfera, de onde provêm os fótons
que observamos. Assim, a radiação central é absorvida e reemitida formando o espectro estelar
com linhas de absorção e emissão, sobrepostas a um contínuo, que revelam temperatura, gravidade
superficial e composição química do gás na atmosfera estelar. Quando analisadas em detalhe, as
linhas espectrais revelam também propriedades cinemáticas das camadas externas das estrelas.

3.1 Magnitude Aparente e Cor

São conceitos fundamentais em Astronomia. A magnitude aparente m é o fluxo de ra-


diação recebido de uma estrela em escala logarítmica. Uma diferença de 5 magnitudes corre-
sponde a um fator de 100 em fluxo. Em geral, se F1 e F2 são os fluxos [em unidades de ener-
gia/(área.tempo.freqüência)] de duas estrelas, suas magnitudes serão relacionadas conforme:

8
m1 − m2 = −2.5 log (F1 /F2 ). (1)

Os sistemas fotométricos são calibrados de forma que pode-se escrever

m = −2.5 log F + C, (2)

onde C é uma constante característica do sistema. Note que quanto maior o fluxo, menor a
magnitude.
A cor é uma medida do fluxo relativo recebido em regiões espectrais de diferentes compri-
mentos de onda (ou freqüências). Existem sistemas de magnitude (ou fotométricos), como o de
Johnson, que define magnitudes em três bandas na região óptica do espectro eletromagnético: U
(ultravioleta próximo; centrado em 3600Å ), B (azul; centrado em 4400Å ) e V (visual ou amarelo;
centrado em 5500Å ). A diferença de magnitudes B − V para uma estrela é um índice de cor (ou
simplesmente cor) que mede seu fluxo de radiação na banda B com relação ao fluxo na banda
V . Quanto maior o índice B − V , mais luz vermelha, comparativamente à luz azul, deve emitir a
estrela.

3.2 Magnitude absoluta, Luminosidade e Módulo de Distância


A magnitude absoluta M é a magnitude aparente que uma estrela teria se vista a uma distân-
cia de 10pc.
A luminosidade de uma estrela é o fluxo total irradiado pela estrela em todas as direções,

L = 4πr2 F. (3)

É uma propriedade intrínseca da estrela e tem unidades de potência.


O módulo de distância relaciona magnitude aparente e magnitude absoluta de um determinado
objeto da seguinte forma:

m − M = 5 log (r/10), (4)

onde r é a distância em parsecs. Tal relação utiliza o fato de que a radiação emitida pelo objeto
cai com 1/r2 . Conhecida a magnitude absoluta de uma estrela e medida sua magnitude aparente,
determina-se sua distância.

3.3 Extinção Interestelar

Um fator que complica esta análise é a extinção da luz das estrelas causada por gás e poeira
presentes no meio interestelar. Nos primórdios da pesquisa sobre a estrutura Galáctica, foi ob-
servado que distâncias de aglomerados abertos, estimadas da magnitude aparente de suas estrelas
membros, eram sistematicamente maiores que as distâncias estimadas a partir de seus diâmetros
aparentes, assumindo que todos os aglomerados tinham mais ou menos as mesmas dimensões lin-
eares. O diâmetro aparente de um aglomerado diminui inversamente com a distância, enquanto o
brilho aparente de uma estrela diminui inversamente com o quadrado da distância. A observação

9
de que estrelas de aglomerados pareceram mais fracas que o esperado foi um dos pontos que evi-
denciaram a existência de material absorvedor entre nós e as estrelas. O efeito da extinção sobre
a luz estelar é a sua diminuição e avermelhamento: quanto mais poeira existir na linha de visada
entre o observador e o aglomerado menor o brilho aparente das estrelas membros e mais vermelhas
estas parecerão (maior o índice (B − V )).
O módulo de distância deve ser corrigido da extinção interestelar, quando a absorção Av for
significativa, conforme:

V − Mv = 5 log r − 5 + Av , (5)

onde a banda V foi empregada.

3.4 Evolução Estelar

Quando uma nuvem de gás e poeira condensa ela forma fragmentos que contraem sob o efeito
de sua autogravidade até que seu interior se aquece suficientemente para o início de reações nu-
cleares. A partir daí o objeto pode ser considerado uma estrela e sua estrutura é mantida pelo
equilíbrio hidrostático (pressão do gás para fora é equilibrada pela pressão gerada pela força grav-
itacional para dentro). Fragmentos grandes colapsam rapidamente (cerca de 105 anos), enquanto
que fragmentos menores colapsam em menos tempo (107 anos no caso de uma estrela como o Sol).
A energia de uma estrela vem de seu núcleo mais interno contendo cerca de 20% da massa. Nesta
região o H é transformado em He com liberação de energia que é irradiada para a superfície. Esta é
a primeira fase da vida de uma estrela. A teoria prediz, e a observação confirma, que sua luminosi-
dade aumenta com a massa. A luminosidade e a temperatura superficial também são conectadas
de tal forma que quanto maior a temperatura maior a taxa de radiação por unidade de área.

O estudo da evolução estelar é baseado no diagrama Hertzsprung-Russel (H-R), que é um


gráfico da luminosidade de uma estrela versus sua temperatura efetiva. Muitas das propriedades
das estrelas são convenientemente discutidas em termos de sua localização no diagrama H-R. As
estrelas não se distribuem aleatoriamente nesse diagrama, mas ocupam regiões ou seqüências bem
definidas. A maioria delas, quando representadas em tal diagrama são encontradas em uma faixa
diagonal chamada de Seqüência Principal. As estrelas na seqüência principal estão em equilíbrio e
queimam hidrogênio em seus núcleos, transformando-o em hélio. Neste estado, as estrelas podem,
quieta e continuamente, brilhar a maior parte do período de sua vida luminosa. Por isso, a grande
maioria das estrelas que observamos se encontra na seqüência principal.

A Seqüência Principal (SP) Um diagrama H-R para estrelas nesta primeira fase de suas ex-
istências é uma curva suave (Figura 4). Ela é usualmente construída na forma de Mv (magnitude
absoluta na banda V ) contra (B − V ), com as estrelas mais luminosas no topo e a cor aumentando
para as estrelas mais vermelhas e mais frias. A cor (B − V ) é também uma medida da temperatura
superficial. Esta curva, chamada de seqüência principal padrão é obtida a partir de observações
de estrelas em aglomerados próximos cujas distâncias são conhecidas ou mesmo a partir de mod-
elos de atmosferas estelares. O aglomerado das Hyades (a 48 pc) é frequentemente usado como

10
Figura 4: Seqüência Principal

esta referência por estar próximo e ter, por isso, medidas da distância de suas estrelas através da
paralaxe.
Todas as estrelas, da época de seus nascimentos até o estágio em que o H se esgota no núcleo,
ficam nesta curva. As luminosidades das estrelas na SP variam de 106 luminosidades solares (L )
a 0.1L .
A quantidade de H disponível para alimentar uma estrela é proporcional à sua massa. Contudo,
a taxa com que uma estrela consome sua energia por unidade de massa aumenta fortemente com
sua massa. Assim, o tempo que leva para esgotar o combustível H é proporcional à massa dividida
pela luminosidade. Uma estrela no topo da SP passa por esta fase em apenas 106 anos. Uma
estrela como o Sol permanece 1010 anos na SP. As estrelas menos massivas gastam suas energias
tão lentamente que seus tempos de permanência na SP são de 5 × 1010 anos ou mais, maior que a
idade atual da própria Galáxia.

Evolução Pós-SP Quando uma estrela com 1 massa solar (M ) chega ao fim de sua vida na
SP, ou seja, esgota o H no núcleo, ela sofre modificações estruturais: o núcleo de He inerte se
contrai (a pressão diminui em resposta a uma diminuição da temperatura). A atmosfera estelar
expande e esfria mantendo a luminosidade constante inicialmente: é a fase de subgigante. À
medida que o centro contrai a temperatura aumenta para 107 K e o H começa a “queimar” numa
camada em torno do núcleo inerte de He. A energia liberada nesta etapa é tal que faz com que
a luminosidade aumente significativamente: a estrela se torna uma gigante vermelha. O núcleo
então se contrai até uma densidade suficiente (108 kg/cm3 ) para atingir um estado em que o gás de
elétrons é degenerado (os elétrons ocupam os estados quânticos de mais baixa energia possíveis)
e a matéria é fortemente coesa, fornecendo a pressão que reage à contração gravitacional. A
pressão do gás degenerado se mantém constante mesmo com o aumento da temperatura. Quando a
temperatura chega a 108 K, ocorre a fusão do He em C. A energia liberada no processo se difunde
rapidamente através do núcleo: o “flash” de He. O núcleo é aquecido a altas temperaturas fazendo
com que o gás volte a ser não-degenerado, expandindo e esfriando. O “flash” de He produz um
rearranjo do núcleo que resulta na redução da energia liberada. A estrela queima H numa camada
e He no núcleo: está na fase do ramo horizontal. Quando o He no núcleo é todo convertido em

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C, a queima do He continua em uma camada em torno do núcleo e a estrela passa pela fase do
ramo assintótico das gigantes. Neste estágio a estrela perde massa mais eficientemente devido
a pulsações que sofre em conseqüência da extrema sensibilidade das reações de queima do He
à temperatura. No núcleo de C de uma estrela de 1 M a temperatura nunca atinge 6 × 108 K,
necessária para a queima do C. Camadas de He e H queimam em torno do núcleo enquanto a
atmosfera da estrela expande e esfria. Eventualmente as reações cessam e as camadas externas são
ejetadas a velocidades de ≈ 10 km/s: o estágio de nebulosa planetária. Com o tempo, o material
estelar ejetado fica mais difuso e frio, até se dispersar no meio interestelar, enriquecendo-o com
átomos de He e C, trazidos do núcleo para a atmosfera por convecção durante os estágios finais
da estrela. Brilhando somente pelo calor armazenado, e não mais por reações nucleares, o núcleo
remanescente é uma anã branca. Devido à alta densidade, sua matéria é degenerada. Finalmente
esfria e diminui o brilho até se tornar uma anã negra.

Tabela 1: Características evolutivas de uma estrela com 1 M

Fase Duração T central T Superf. ρ central Raio


Evolutiva do Estágio (K) (K) (kg/cm3 ) (R )
(anos)
SP 1010 1.5 × 107 6000 105 1
subgigante 108 5 × 107 4000-5000 107 3
gigante 108 5 × 107 4000 107 10-100
flash He 105 108 4000 108 100
ramo horizontal 5 × 107 2 × 108 5000 107 10
ramo assintótico 104 2.5 × 108 4500 108 50-500
Núcleo de C + 105 3 × 108 105 1010 0.01
Neb. planetária 105 – 3000 10−17 1000
anã branca – 108 50000 1010 0.01
anã negra – ≈0 ≈0 1010 0.01

Estrelas massivas evoluem após a SP mantendo a luminosidade constante enquanto o raio au-
menta e a temperatura superficial cai. O início da queima do He se dá de forma gradual: como o
núcleo é não-degenerado, não ocorrem instabilidades. Se a estrela possui M> 8 M ocorre fusão
de elementos pesados até o Fe. Enquanto cada elemento é queimado até exaurir no centro, este se
contrai, aquece, e inicia a fusão das cinzas produzidas no estágio anterior. A cada estágio, a tem-
peratura central da estrela aumenta, a taxa das reações aumenta e a recém gerada energia sustenta
a estrela por cada vez menores intervalos de tempo. Por exemplo, uma estrela com M= 20 M
queima H durante 20 M anos, He por 1 M anos, C por 1000 anos, O por 1 ano e Si por uma sem-
ana. Quando o núcleo estelar passa a ser transformado em Fe, a seqüência de fusão cessa, porque
núcleos de Fe são tão compactos que energia não pode ser extraída através de sua combinação
para formar núcleos mais pesados. Neste ponto a estrela perde o equilíbrio, a gravidade supera a
pressão do gás quente e a estrela implode, desintegrando o Fe em núcleos mais leves e, posterior-
mente, em prótons e nêutrons. A temperatura é de 1010 K e a densidade 1012 kg/cm3 no centro da
estrela. Neutrinos são liberados no processo enquanto o núcleo de nêutrons que se forma contrai

12
ainda mais chegando a uma densidade de 1018 kg/cm3 , quando se expande violentamente gerando
uma supernova. Desta explosão pode restar o núcleo como uma estrela de nêutrons ou um buraco
negro.

4 Propriedades Físicas do Meio Interestelar na Via Láctea

Como vimos anteriormente a densidade do meio interestelar supera em muitas vezes o melhor
vácuo conseguido nos laboratórios na Terra. Então qual é a razão de estudar esse vazio quase per-
feito? Primeiro porque se você somar toda a quantidade de matéria interestelar verá que a massa
resultante é uma fração consideravel da massa total de estrelas. Depois porque as estrelas estão
continuamente interagindo e trocando matéria com o meio interestelar. Isto é, as estrelas conden-
sam das nuvens interestelares e, à medida que evoluem, iluminam e retornam uma parte substancial
de sua massa para o meio interestelar, enriquecendo-o com átomos mais pesados, processados em
seu próprio interior.
Uma grande proporção destes elementos mais pesados se encontra na superfície de partícu-
las sólidas (os grãos de poeira), cujos diâmetros são da ordem de 1 micron (1 mm dividido em
1000 partes). Estes grãos de poeira equivalem a apenas 1% da massa do meio interestelar. Mas a
eficiência marcante no obscurecimento da luz que vem das estrelas, faz com que eles tenham um
grande impacto sobre nossa visão do universo.
A luz das estrelas não consegue atravessar grandes profundidades das nuvens de poeira mais
densas (nuvens escuras) do meio interestelar. Bem semelhante aos faróis de um carro que não
conseguem iluminar a estrada muito adiante quando há uma forte neblina. E é por esse motivo que
algumas regiões do céu, mesmo na direção da banda brilhante, parecem desprovidas de estrelas.
As menores e mais densas nuvens escuras são chamadas de Glóbulos de Bok, em homenagem
ao astronômo Bart Bok. Eles são tipicamente de uns poucos parsecs de diâmetro e tem massas de
10 a 100 vezes a do Sol. No entanto se uma nuvem é mais transparente e tem uma ou mais estrelas
embebidas dentro dela (ou, como veremos adiante, se uma nuvem densa tem uma estrela brilhante
nas vizinhanças), a poeira pode espalhar a radiação estelar na direção do observador produzindo
uma nebulosa de reflexão.
Em suma, por causa da absorção e espalhamento todas as estrelas um pouco mais distantes
de nossa vizinhança parecerão mais fracas, como se estivessem mais distantes do que realmente
estão. Em particular os grãos de poeira absorvem/espalham preferencialmente mais a luz azul do
que a luz vermelha, provocando um efeito secundário de avermelhamento na luz que atravessa
as nuvens interestelares. Este efeito é bastante semelhante ao avermelhamento que a atmosfera
terrestre provoca na luz do sol próximo do entardecer ou amanhecer.
Em adição aos efeitos de obscurecimento e avermelhamento da luz, os grão de poeira são
responsáveis também pela polarização da luz estelar, isto é, os grõs espalham seletivamente mais
ondas que oscilam em uma direção do que em outras. Assim sendo, para que a luz estelar esteja
polarizada, é preciso que os grãos sejam elongados (tipo um kibe ou um charuto) e que estejam
alinhados, produzindo um "filtro"natural. A explicação mais plausível é que átomos dentro dos
grãos sejam capazes de responder ao fraco campo magnético interestelar.
Uma análise detalhada dos efeitos de obscurecimento, avermelhamento e polarização da luz,
desde o ultravioleta até o infravermelho revela a presença de grão de silicatos, e a forma na

13
qual a absorção e o espalhamento variam com o comprimento de onda da luz revela partículas de
carbono sólido na forma de grafite. Algumas outras características revelam que existem 20% dos
grãos na forma de diamantes, que teriam sido formados durante a compressão do meio interestelar
pelas ondas de choque resultantes da explosão das estrelas mais massivas (supernovas). Outras
características mostram que alguns grãos têm um núcleo de silicatos ou ferro, recobertos com um
manto de gelos – água, amônia, metano, por exemplo.
Já o gás interestelar, composto principalmente de átomos e pequenas moléculas, é essencial-
mente transparente à luz estelar. Um dos representantes mais comuns são as nebulosas gasosas
brilhantes, que são nuvens de gás difuso que brilham devido à iluminação por uma estrela muito
massiva e muito quente nas suas vizinhanças. As temperaturas são da ordem de 10 000 K e a den-
sidade de 103 átomos/cm3 . A maneira de observar tais nebulosas gasosas é através das linhas de
absorção e/ou emissão que elas “introduzem” na luz das estrelas que o atravessa.
Algumas regiões são mais densas, contendo basicamente hidrogênio molecular (H2 ), com-
pondo o que chamamos de nuvens moleculares. Estas nuvens tem um alto conteúdo de poeira
interestelar e gás CO. As massas são enormes, geralmente da ordem de 100 000 massas solares, e
as temperaturas são baixíssimas, entre 10 e 50 K. Estas regiões mais frias são estudadas através da
emissão dos átomos e moléculas na região do espectro eletromagnético correspondente às ondas
de rádio. A mais importante é a radiação de 21 cm, produzida sempre que um elétron em um
átomo de hidrogênio neutro muda o seu estado de spin resultando numa pequena mudança de en-
ergia no processo. Com ela se pode estudar a distribuição do hidrogênio atômico neutro, o átomo
mais abundante do universo, mesmo a grandes distâncias.
O espectro de rádio do meio interestelar contêm também um número incrivelmente rico de
linhas de emissão e absorção de moléculas, incluindo compostos tais como o hidrogênio molecular
(H2 ), o monóxido de carbono (CO), água (H2 O) e amônia (NH3 ). Muitas são orgânicas, baseadas
no carbono, tais como formaldeído e álcool etílico. Outras, como CH9 N e HC11 N não existem na
Terra. Algumas emissões no infravermelho tem sido identificadas como sendo de hidrocarbonetos
aromáticos policíclicos (PAHs), que são estruturas orgânicas construidas de anéis de benzeno. Tais
moléculas podem ser tão grandes que são como minúsculos grãos de poeira.
A maioria das estrelas mais quentes e massivas tende a se agrupar em associações mais es-
paçadas, que recebem o nome de Associações OB. Diferentemente das estrelas de um aglomerado,
os membros destas associações não estão ligados gravitacionalmente entre si, mas parecem estar
se afastando de um centro comum, que se presume ser o local de nascimento do grupo. Como
as nebulosas gasosas brilhantes são sempre associadas com estrelas quentes e massivas (dos tipos
espectrais O e B), supoẽ-se que essas nuvens representem o material que sobrou do nascimento
das estrelas.
Existe ainda o meio internuvem, composto basicamente de hidrogênio neutro, mais cerca de
20% de gás hidrogênio ionizado, incluindo elétrons. Este gás circunda as nuvens interestelares
mais frias e tem temperaturas que variam de 5000 a 10000 K. A maioria das nuvens mais frias
repousam dentro de 100 a 150 pc do plano da Galáxia, mas o gás mais “morno” se extende uns
poucos kpc na direção dos pólos. A composição química destas regiões é bastante variada. Os
elementos mais leves (oxigênio e nitrogênio), tem abundâncias (em relação ao hidrogênio) semel-
hantes á do Sol. Já os mais pesados, como o silício e o ferro são cerca de 10 a 100 vezes menos
abundantes que nas vizinhanças do Sol.
Ocupando grande parte do volume interestelar, talvez 70%, existe uma componente de gás
ionizado extremamente quente (com temperaturas de 106 K) e densidade extremamente baixa (≤

14
10−2 átomos/cm3 ). Este gás coronal é observado por sua emissão em raios-X de baixa energia
e pelas linhas de absorção no ultravioleta de átomos de elementos como o oxigênio e silício al-
tamente ionizados. Como tais temperaturas não podem ser atingidas apenas com a luz produzida
por estrelas comuns, este gás quase que certamente representa os efeitos de ondas de choque de
estrelas massivas que explodiram, comprimindo o meio interestelar e formando várias bolhas in-
terestelares.

5 Determinação de Distância e Condições Físicas do Meio In-


terestelar
No que se segue, serão abordadas técnicas de determinação de distância, grandeza fundamental
na definição da estrutura da Via Láctea. As primeiras medidas corretas de distância das estrelas
foram feitas no século XIX. Desde então, no mínimo uma dúzia de métodos de determinação de
distância foi desenvolvida. Abordaremos apenas os métodos de maior interesse para o curso. Ao
longo do texto são apresentados exercícios em negrito.

5.1 Paralaxe Estelar

Como a Terra gira em torno do Sol, nós esperaríamos ver seu movimento refletido no movi-
mento das estrelas próximas. Consequentemente, todas as estrelas parecem se mover para frente e
para trás, descrevendo um pequeno arco e retornando ao ponto de partida no decorrer de um ano.
Infelizmente, este movimento só é detectável para as estrelas mais próximas. A paralaxe de uma
estrela é a metade do ângulo através do qual ela se move. Quanto mais distante está a estrela,
menor sua paralaxe. Se a paralaxe é 1 segundo de arco (=1”), dizemos que a estrela está a uma
distância de 1 parsec (=1 pc =3.26 anos-luz =206265 UA). Se a paralaxe é 0.1” a distância é 10 pc.
A distância d, em pc, é igual ao inverso do ângulo paraláctico p, em segundos de arco, ou seja,
d = 1/p.
Na prática, paralaxes confiáveis podiam ser medidas para somente 500 estrelas (a uma distância
máxima de cerca de 50 pc) antes do satélite Hipparchos. Este satélite astrométrico possibilitou a
determinação confiável de distâncias de aproximadamente 118000 estrelas. Embora este notável
avanço tenha sido alcançado, para estrelas mais distantes do que cerca de 250 pc do Sol os métodos
indiretos ainda produzem melhores resultados.
O método a seguir exige que se entenda como as estrelas evoluem. Mais especificamente,
necessita-se de uma referência padrão de magnitude absoluta e cor intrínseca para comparação
com observações de objetos para os quais se deseja estimar distâncias. A seqüência principal (SP)
de aglomerados de estrelas relativamente próximos, para os quais é possível determinar distância
a partir da paralaxe estelar de suas estrelas membros, é esta referência. A partir de teorias de
evolução estelar também é possível definir tal referência padrão.

5.2 Paralaxe espectroscópica e Distância Fotométrica


Uma técnica para a determinação de distâncias de estrelas a partir de seus espectros é chamada de
paralaxe espectroscópica (embora ela não tenha nada a ver com paralaxes). Do espectro de uma

15
estrela, pode-se conhecer não somente sua temperatura efetiva (Tef ), mas também se ela pertence à
SP ou ao ramo de gigantes. Devido à maior gravidade superficial das estrelas anãs (aquelas na fase
de SP) com relação às gigantes, suas linhas espectrais são mais largas em conseqüência da pressão
que perturba os níveis atômicos de energia. Sabendo-se que a estrela é anã, é possível encontrar
sua magnitude absoluta a partir de uma seqüência principal padrão da relação entre magnitude
absoluta e cor (determinada a partir da temperatura). Medindo-se a magnitude aparente de uma
estrela de SP, calcula-se a diferença entre as magnitudes aparente e absoluta (módulo de distância),
e daí sua distância.
Use os dados das 3 estrelas da Tabela 2 para calcular suas distâncias de acordo com o
método da paralaxe espectroscópica. Temperatura efetiva e tipo espectral foram obtidos de
seus espectros. Como seqüência principal padrão utilize a isócrona de log [t(anos)] = 6.6 da
Fig. 5.

Tabela 2: Aglomerados abertos

Estrela Tef (K) Tipo Esp. Vo


ν Tau 9540 A1V 3.91
 Eri 4890 K2V 3.73
α For 6170 F8V 3.87

A Fig. 5 mostra 10 isócronas separadas em dois diagramas cor-magnitude. As idades cor-


respondentes variam entre 6.6 < log t(anos) < 10.2 e as isócronas foram construídas usando
composição química solar por um grupo de pesquisadores de Padova, Itália (Bertelli et al. 1994).
Nota: Vo = V − Av é a magnitude V corrigida da extinção. Onde Av = 3.2E(B − V ). A
relação de transformação de temperatura efetiva (Tef ) para (B − V )o (o índice de cor intrínseco) é:

(B − V )o = −0.865 + 8540/Tef (6)

De forma semelhante podemos obter as distâncias fotométricas. Neste caso os val-


ores de (B-V) são obtidos diretamente das magnitudes fotométricas B e V. Utilizando-se uma cal-
ibração prévia dos índices fotométricos em função do tipo espectral e da classe de luminosidade
pode-se obter a magnitude absoluta da estrela. Supondo-se uma lei de extinção interestelar padrão
– Av = 3.2E(B − V ) – pode-se obter o valor da magnitude V corrigida da extinção, obtendo-se
com isso a distância até a estrela.

5.3 Diagramas de Excesso de Cor por Distância

Na região do visível a extinção varia com λ−1 , e portanto, não pode ser devida a partículas
muito menores que o comprimento de onda da luz. Pequenas partículas, como átomos ou molécu-
las, exibiriam espalhamento Rayleigh que segue a lei λ−4 , além do que uma densidade muito alta
ao longo de toda a linha de visada seria necessária para reproduzir as observações. Partículas muito

16
Figura 5: Diagramas cor-magnitude com isocronas entre 6.6 < log[t(anos)] < 10.2

maiores que o comprimento de onda da luz (corpos meteoríticos) são cinzas, isto é, não mostram
extinção seletiva (lei λ0 ).
Como vimos anteriormente, a interação do campo de radiação estelar com os grãos de poeira
produz, além da extinção geral, um avermelhamento da luz estelar. Se medirmos então a magnitude
de uma estrela, mλ , em dois comprimentos de onda diferentes, λ1 e λ2 , haverá portanto uma
diferença entre as absorções A(λ), que é o chamado excesso de cor:

E(λ1 , λ2 ) = A(λ1 ) − A(λ2 ). (7)

Logo, para uma dada estrela, o excesso de cor é proporcional ao número de partículas absorve-
doras ao longo da linha de visada. Conhecendo-se o excesso de cor, a magnitude aparente da
estrela poderá ser corrigida. Isto implica que se tivermos uma estimativa da magnitude absoluta
poderemos calcular a distância até a estrela (veja seção anterior).
Portanto poderemos estudar a distribuição do avermelhamento e, consequentemente da poeira
interestelar, sobre uma dada região se traçarmos um diagrama dos excessos de cor pelas distâncias
às estrelas de um campo cobrindo alguma dessas nuvens. Mais ainda, poderemos (em princípio)
inferir a distância a estas estruturas, pois a luz das estrelas que estiverem atrás da nuvem terá um
valor mais alto de excesso de cor (sofrerá mais extinção) do que a de outras que se encontram
na frente da mesma. Este efeito pode aparecer como um salto em excesso de cor (degrau) a uma
distância que é supostamente a distância à nuvem em questão (veja Figura 6).

17
Saco de Carvao SA203 - Chamaeleon-Musca

0.4 0.4

E(b-y) (mag)

E(b-y) mag
0.2 0.2

0.0 0.0

0 200 400 600 800 1000 0 200 400 600 800 1000
Distancia (pc) Distance (pc)

Figura 6: Exemplo de diagramas de excesso de cor por distância d(pc). Neste caso as estrelas estão
cobrindo a nuvem escura Saco de Carvão e o complexo de nuvens Chamaeleon-Musca. Apesar
destas regiões observadas estarem separadas por mais de 15◦ os diagramas mostram, interessan-
temente, características semelhantes: o “degrau” ocorre quase que à mesma distância de 150 pc,
sugerindo que as nuvens podem estar associadas

5.4 Velocidade Radial e Linhas de Absorção Interestelar

Em condições interestelares típicas a maioria dos átomos de H e He encontram-se no estado


fundamental e não absorvem os fótons na região do visível. Entretanto a existência do gás é
revelada pela presença de linhas de absorção muito estreitas superpostas sobre o espectro das
estrelas cuja luz o tenha atravessado. Dos átomos e íons na forma de gás produzindo linhas de
absorção interestelar na região do visível os mais abundantes são Na I, Ca II, K II, Ti II e Fe I.
Em particular, cada elemento químico, na forma gasosa, produz um padrão característico de
linhas de absorção ou emissão. Se este padrão, medido no laboratório, for reconhecido no espec-
tro pode ser identificada a presença deste elemento ao longo da linha de visada. Se o gás estiver
movendo-se em relação ao observador as linhas deste padrão estarão deslocadas por uma quanti-
dade que é proporcional à velocidade radial vr do material (Efeito Doppler). Convenciona-se que
se o material estiver afastando-se do observador as velocidades radiais são positivas e se estiver
aproximando-se as velocidades são negativas.
Como, na maioria dos casos, uma nuvem de gás interestelar não se move com a mesma ve-
locidade radial da estrela observada, os desvios Doppler das linhas interestelares são diferentes
daqueles das linhas estelares. Desse modo a cinemática do gás interestelar pode ser estudada
identificando-se esses desvios da linha interestelar (∆λ) em relação ao comprimento de onda nom-
inal da transição (λ0 ), medido em laboratório. A velocidade radial pode então ser calculada por

∆λ λc − λ 0
vr = c =c , (8)
λ0 λ0

onde c é a velocidade da luz, e λc o comprimento de onda central da linha em questão.


Como nem todos os átomos absorvem energia exatamente no mesmo comprimento de onda,
existirá, consequentemente, uma certa dispersão em torno do comprimento de onda central da

18
linha, o que implica uma “dispersão” ∆v das velocidades em torno da velocidade radial medida.
Este fato se deve a vários efeitos, tais como a largura finita dos níveis de energia dos àtomos da
nuvem responsável pela linha, ao movimento aleatório e macroscópico do material, a pressão sobre
os átomos e a presença de fortes campos magnéticos.
Isto indica que a intensidade Iν da linha de absorção dependerá, portanto, não só da profun-
didade óptica τλ da nuvem (e por conseqüência do número N de átomos ou íons absorvedores),
mas tambêm da distribuição de velocidades dos mesmos. Contudo, se o perfil verdadeiro da linha
for medido o número de átomos, ou como é usualmente chamado, a coluna de densidade, pode ser
obtida. Em uma linha de absorção a intensidade se relaciona com a profundidade óptica através da
expressão:


= 1 − e−τλ , (9)
I0

e esta última com o perfil da linha de absorção φ(∆λ) e a coluna de densidade por:

τλ = N sφ(∆λ), (10)

onde s é a seção de choque de absorção integrada, e ∆λ = λ − λc, a distância do centro da linha em


unidades de comprimento de onda. Com a análise dos perfis de linha, velocidades radiais, colunas
de densidade, dispersão de velocidades e a distância das estrelas, pode-se investigar a cinemática
das componentes do gás interestelar nas direções estudadas.
A Fig. 7 apresenta um exemplo de um espectro de alta resolução onde se pode ver a existência
de pelo menos três componentes para as linhas do dubleto de sódio neutro. Tais componentes
estão presumivelmente associadas com três estruturas diferentes ao longo da linha de visada. SAO
251998 está a uma distância estimada de 886 pc.

Figura 7: Espectro da estrela SAO 251998 onde se vê a existência de três componentes para as
linhas de Na I D. Os comprimento de onda de repouso das linhas do dubleto de sódio são 5890 e
5896 Å, respectivamente

19
6 Estrutura Geral de um Objeto Pré-Seqüência Principal

O meio interestelar é povoado por nuvens de gás e de poeira, onde pequenas perturbações de
densidade são inevitáveis. Estas flutuações podem ser causadas por frentes de choque de super-
novas, ondas de densidade no braço da galáxia e flutuações do campo magnético galáctico. Sob
a ação da força gravitacional estas perturbações crescem ocorrendo a formação de várias conden-
sações. Estes fragmentos da nuvem passam a se contrair isoladamente, vindo a formar as estrelas.
O tempo de contração de uma nuvem em uma proto-estrela pode ser estimado calculando-
se o tempo que o material da nuvem levaria para cair, que é o tempo de queda livre. Durante o
estágio de queda livre metade da energia gravitacional liberada deixa a nuvem na forma de radiação
infravermelha e a outra metade aquece a nuvem, dissociando o hidrogênio molecular.
Assim que este casulo em contração se tornar opaco à sua própria radiação infravermelha, todo
hidrogênio terá sido dissociado e a temperatura no seu interior irá crescer, parando temporaria-
mente o colapso. Neste estágio ele já pode ser chamada de proto-estrela, e possui uma estrutura
semelhante à mostrada na Figura 8.