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quarta-feira, 8 de outubro de 2008p
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Em minucioso trabalho de pesquisa, Laurentino Gomes conseguiu produzir o livro de não-


ficção mais comentado de 2008. Liderando por diversas semanas a lista dos mais vendidos,
1808 conta a vinda da família real portuguesa para o Brasil, ocorrida no ano que dá título ao
livro.p
Com linguagem simples, procura traçar um perfil de D. João VI, sua esposa Carlota Joaquina,
e demais figuras que transitavam por essa terra brasilis.p
No início do século XIX, Portugal era um país decadente, atrasado e extramente religioso,
sendo avesso à manifestações libertárias e de pequena população. Sua frota marítima já não
chegava aos pés do que fora em tempos passados. O país não buscava a modernização de
seus costumes e idéias, sentindo grandes dificuldades financeiras e demográficas. Como se
percebe, estava na contramão da história, distante da revolução industrial que se iniciou na
Inglaterra em 1770.p
Não bastasse esse atraso com relação aos demais países europeus, tinha Napoleão em seus
calcanhares, cuja invasão ao território português não tardaria. No entanto, matinha antiga e
profícua ligação com a Inglaterra, inimiga dos franceses. Utilizando-se dessa amizade, a família
real trocou a proteção da esquadra marinha inglesa pela abertura de seus portos intramarinos.
Com isso, rumou ao Brasil fugindo das garras do imperador francês.p
A saída foi rápida e atrapalhada. Não houve discurso de despedida, apenas a fixação nas ruas
de um decreto explicando as razões da partida e informando a aproximação das tropas
inimigas. Para D. João VI, sua ida ao Brasil pouparia um derramamento desnecessário de
sangue em caso de resistência. Permaneceria no Rio de Janeiro até que a poeira baixasse e
toda a situação estivesse controlada.p
Esses fatos são contados com riqueza de detalhes por Laurentino Gomes, inclusive a limpeza
dos cofres públicos efetuada por João VI antes da partida e o esquecimento dos livros da
³Biblioteca Real´, entre eles a primeira edição de ³Os Lusíadas´ e antigas cópias manuscritas
da Bíblia.p
São mencionados ainda outras informações pitorescas e que não constam em livros que
relatam a vinda da família real, tal como a determinação do Príncipe Regente para prender
Humboldt por sua expedição pela Amazônia, bem como informações de outras cidades, então
colônias, brasileiras, como o caso de Florianópolis, conhecida pela beleza, organização e
tranqüilidade. A cidade do Rio de Janeiro, por sua vez, era suja e os ratos se proliferavam com
rapidez.p
Quando por aqui aportou, D. João VI deparou com uma colônia sem dinheiro circulante,
predominando o escambo, o que limitava suas oportunidades comerciais, especialmente com a
recente abertura de seus portos. A reduzida elite intelectual sofria a censura da corte que
dificultava a circulação de livros e expressão da idéias, cujas reuniões para tais fins eram
consideradas ilegais. Os escravos, aqui somando negros libertos, mulatos e mestiços,
correspondiam a 2/3 da população, cujos brancos eram a minoria e tinham verdadeiro pavor de
rebeliões.p
O então Príncipe Regente, no entanto, optou por uma ³imagem de rei benigno, que tudo provê
e de todos cuida e protege´, sendo comuns os rituais do ³beija-mão´, onde a população podia
oscular D. João VI, fossem índios, escravos ou pessoas abastadas.p
Fato interessante e que é abordado no livro, se refere a ausência de hospedagem para a
Família Real e sua comitiva ao chegarem no Brasil. Não tardou para que fossem requisitadas
pela nobreza diversas casas, as melhores, que eram marcadas com as letras ³PR´
correspondentes a ³Príncipe Regente´, mas que eram interpretadas pela população como
³ponha-se na rua´. No entanto, as pessoas que se curvavam e bajulavam a monarquia eram
agraciadas com títulos de nobreza, proliferando-se marqueses, condes, viscondes e barões.
Chegou, inclusive, a existir a chamada ³lista de subscrições´, onde poderosos da colônia
assinavam colocando-se à disposição da corte em troca de ³rápidas e generosas vantagens.´
Como se percebe, essa prática não mudou muito de lá para cá, mas hoje são distribuídas
concessões de TV e rádio entre outros privilégios. p
Laurentino Gomes ainda traça um perfil mais detalhado de D. João VI e Carlota Joaquina.p
D. João VI, que se tornou rei somente após a morte de D. Maria, era uma pessoa depressiva,
gorda, suja, que se vestia mal (repetia a mesma roupa em diversas ocasiões, ainda que
rasgadas) e tinha medo de trovões. Era metódico e levava, sim, frangos amassados no bolso.
Porém, estava ladeado por pessoas de respeito e competentes, as quais lhe auxiliaram em
diversos momentos de sua vida, inclusive a ludibriar o temido Napoleão. Foi um rei popular,
combinando ³bondade, inteligência e senso prático.´p
Já Carlota Joaquina era feia, muito feia. Vivia tramando contra seu marido, com quem apenas
mantinha um casamento de aparências (moravam em casas separadas), sendo movida pela
ambição e pelo poder. Maquiavélica, acabou fracassando em todas as suas investidas, o que a
transformou em uma mulher muito infeliz. Sobre os seus relacionamentos extraconjugais,
segundo o autor, existem indícios mas não provas cabais.p
Com o passar do tempo Portugal deixou de ser importante para o Brasil. Tratava-se de um país
atrasado se comparado aos demais países europeus, notadamente Inglaterra e França, e isso
se refletiu na colônia. Segundo relatos de estrangeiros que por aqui passaram durante o
período imperial, tratava-se de ³uma colônia preguiçosa e desocupada, sem vocação para o
trabalho, viciada por mais de três séculos de produção extrativista´, onde prevalecia o
³analfabetismo, da falta de cultura e instrução´. Claro que essa realidade mudou para os dias
atuais, e o brasileiro nem é tão preguiçoso assim, será?p
Em meados de 1820 a população portuguesa cobra o retorno de seu rei. Em abril de 1821 D.
João VI retorna para sua terra natal deixando em seu lugar D. Pedro, então com 22 anos. Não
era seu desejo retornar, mas assim o fez levando consigo o tesouro real e limpando os cofres
do Banco do Brasil. Um de seus maiores legados foi a ³integridade territorial´, conseguindo
manter coeso um território de dimensões continentais. À essa altura a metrópole não
conseguia mais controlar sua colônia sendo que em 1822 foi proclamada a independência do
Brasil e abolida a escravidão em 1888.p
Como o leitor pode perceber, esse texto não se apresenta como uma resenha mas sim um
resumo, porém a história é conhecida e não preciso esconder o final. O livro ainda aborda o
panorama político, geográfico e financeiro da época (merecendo destaque a conversão dos
valores para a moeda atual), sendo recheado de ilustrações, em especial gravuras e telas de
Debret, pintor que fez parte da chamada ³Missão Artística Francesa´. Acompanha ainda índice
onomástico, indicação da numerosa bibliografia consultada por Laurentino Gomes e diversas
notas explicativas ao final do livro.p

pp

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