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Evolução teórico-metodológica dos estudos de

comportamento informacional de usuários

Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque well as on additional works that complement the topic
Doutora em ciência da informação pela Universidade de Brasília, approached showing its theoretical and methodological
professora adjunta da Universidade Federal de Goiás. evolution. analyses. A crucial difference identified is
E-mail: kelleycristinegasque@hotmail.com related to the conceptual change occurred, showing a
wider epistemological view of the studies. This change,
on the other hand, is referred mainly to the terminology
Sely Maria de Souza Costa
used to define the topic, which is changed from “studies of
Doutora em ciência da informação pela Loughborough University,
users” or “needs and use of information” to informational
professora adjunta da Universidade de Brasília.
behavior of users”. The change, however, is not only
E-mail: selmar@unb.br
terminological but also a paradigmatic change, as a
result of transformation in how the topic is defined and
approached, as well as how the research is carried out.
Resumo
Keywords
Este artigo visa a contribuir para o conhecimento
mais aprofundado sobre estudos de comportamento Information behaviour. User studies. Information needs
informacional de usuários com base em como são and use. Paradigmatic evolution.
tratados na literatura da ciência da informação nas últimas
seis décadas. Para tanto, a análise se fundamenta
nas revisões publicadas no periódico Annual Review
of Information Science and Technology (Arist) e em
outros trabalhos que complementam o tema abordado,
mostrando sua evolução teórica e metodológica. INTRODUÇÃO
Uma diferença crucial está relacionada à mudança
conceitual observada, a qual denota a ampliação da Embora se observe no Brasil, nos últimos anos, a
visão epistemológica dos estudos. Tal mudança refere-
se, especialmente, à nova terminologia adotada, que
emergência de pesquisas intituladas Comportamento
passa de “estudos de usuários” ou “necessidades e uso Infor macional de Usuários, em geral tais
de informação” para “comportamento informacional de investigações ainda são conhecidas como “estudos
usuários”. Trata-se, contudo, não somente de alteração
terminológica, mas, sobretudo, de mudança paradigmática,
de necessidades”, contidos no tópico “estudos de
resultado de transformações no modo como o tópico é usuários”1. Tanto Wilson (2000) como Pettigrew,
definido e abordado, e na forma como é investigado. Fidel e Bruce (2001) entendem o comportamento
informacional como campo oriundo das limitações
Palavras-chave
dos estudos de usuários e, portanto, constituindo
Comportamento informacional. Estudos de usuários. uma evolução desses estudos.
Necessidades e usos da informação. Evolução
paradigmática.
1
Para este estudo, foi realizado levantamento quantitativo dos
termos ‘comportamento informacional’, ‘busca e uso da informa-
Theoretical methodological evolution of the ção’, ‘busca da informação’, ‘uso da informação’, ‘necessidades de
studies of information behavior of users informação’ e ‘estudos de usuários’ no catálogo on-line do IBICT
(Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), nas
Abstract bases LISA (Library and Information Science Abstracts), ERIC
(Education Resource Information Center) e no buscador Scirus
The objective of this article is to contribute to a deeper com o objetivo de se ter uma primeira visão do assunto. As bus-
understanding of how user information behaviour cas mostram que o termo ‘necessidades de informação’ é o mais
studies have been dealt with in literature on information utilizado. O motivo pode estar relacionado à tradição, uma vez que
science for the last six decades. The analysis is based os primeiros estudos focavam-se nas necessidades dos usuários.
on the reviews published in the journal Annual Review Observa-se, ainda, que o termo ‘comportamento informacional’,
of Information Science and Technology (Arist), as mesmo tendo sido cunhado recentemente, começa a ser empregado
de forma mais intensa.

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Os estudos de revisão sobre comportamento Figueiredo (1994) entende estudos de usuários


informacional descrevem o cenário das grandes como as investigações realizadas para conhecer
questões tratadas desde as primeiras pesquisas na área as necessidades de informação dos usuários ou
até os dias atuais, em que se delineiam as características para avaliar o atendimento das necessidades de
principais de cada década, consideradas, desse modo, informação pelas bibliotecas e pelos centros de
os paradigmas vigentes para o direcionamento das informação. Wilson (1999), no entanto, após várias
análises. Nessa perspectiva, paradigma refere-se às análises sobre o tópico, amplia significativamente a
crenças e aos valores subjacentes à prática científica, ideia, salientando que o tema pode ser compreendido
entendido como um modelo de ciência que serve de de maneira mais abrangente. Para tanto, deve-se
referência para o fazer científico durante determinado inseri-lo no campo do comportamento humano
período de tempo (KUHN, 1962). e denomina-lo ‘comportamento informacional’.
Esse tipo de ação refere-se às atividades de busca,
Este artigo apresenta os paradigmas em vigor ao uso e transferência de informação nas quais uma
longo do desenvolvimento do tema, de acordo pessoa se engaja quando identifica as próprias
com cada contexto analisado, principalmente o necessidades de informação.
contemporâneo. Para tanto, o método utilizado foi
a pesquisa documental, envolvendo a identificação, Em artigo publicado em 2000, Wilson propõe
análise e sumarização das principais discussões do quatro definições relacionadas ao comportamento
Annual Review of Information Science and Technology (Arist), informacional:
que condensa a literatura de determinados períodos,
fornecendo, assim, os principais tópicos para estudo. • comportamento informacional: a totalidade
do comportamento humano em relação ao uso de
Para complementar as abordagens do Arist, fontes e canais de informação, incluindo a busca da
examinaram-se outros trabalhos relevantes da informação passiva ou ativa;
literatura internacional. O resultado da análise
permitiu identificar a terminologia, a metodologia • comportamento de busca da informação:
e as tendências sobre o tópico investigado. a atividade ou ação de buscar informação em
consequência da necessidade de atingir um objetivo;
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO • comportamento de pesquisa de informação:
o nível micro do comportamento, em que o indivíduo
Ao analisar as revisões da literatura sobre necessidades interage com sistemas de informação de todos os tipos;
e uso de informação, observa-se uma evolução no
enfoque dos estudos, partindo de uma perspectiva • comportamento do uso da informação:
mais restrita para uma mais abrangente tanto no constitui o conjunto dos atos físicos e mentais e
que se refere aos conceitos e metodologias como envolve a incorporação da nova informação aos
também aos grupos de usuários estudados. Em conhecimentos prévios do indivíduo.
1970, Brittain definiu os estudos de usuários como
aqueles que comportam os aspectos de uso, demanda Em consonância à proposta de Wilson (2000),
e necessidades. Na visão do autor, os relativos ao Pettigrew, Fidel e Bruce (2001) compreendem o
uso objetivam conhecer os mecanismos de busca ‘comportamento informacional’ como as atividades
da informação e de uso de fontes de informação. que envolvem as necessidades dos sujeitos e de
Já os de demanda referem-se às solicitações feitas como buscam, usam e transferem a informação
a um sistema. A grande crítica de Brittain residia em diferentes contextos. Na literatura recente da
nas pesquisas sobre necessidades, as quais, muitas ciência da informação, portanto, o conceito de
vezes, eram confundidas com as de demanda devido comportamento informacional reflete as noções
à imprecisão do próprio conceito de necessidade. identificadas nos estudos sobre usuários de

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informação. Mais que isso, identificam-se novas a atenção dos participantes para a importância dos
questões introduzidas no âmbito do tema. estudos das necessidades dos usuários.

A ideia de contexto ressaltada por Courtright (2007) A revisão de Menzel (1966) acerca de necessidades e
norteia pesquisas e suscita preocupações como a uso de informação nas áreas de ciência e tecnologia
definição de limites, os fatores que influenciam inaugurou uma série de revisões sobre o assunto.
a prática informacional e as novas tecnologias. O autor realizou análises quantitativas de 1963 a 1965
A autora identifica quatro sentidos usados para o para estabelecer definições e conceitos do tópico.
termo. Primeiro, a noção de “contêiner’, em que os Menzel argumentava que os estudos de necessidades
elementos existem objetivamente em torno dos atores. e usos são aqueles voltados para o comportamento e
Segundo, o meio de construção de significado, em que as experiências dos cientistas e tecnólogos em face dos
se analisa o ponto de vista do autor. Terceiro, o conceito canais de informação. Baseados em dados empíricos
de construção social, em que os atores elaboram a e observações do comportamento, eram organizados
informação por meio da interação social. Finalmente, em três categorias: estudos de avaliações e preferência,
a questão relacional, em que os conceitos de ator social estudos de uso e estudos de disseminação.
e contexto estão vinculados entre si.
A segunda revisão, realizada em 1967 por Saul
À noção de contexto subentendem-se expressões e Mary Herner, complementou o trabalho de
inter-relacionadas, como situação, complexidade Menzel. A pesquisa cobriu as publicações de 1966
das tarefas, problemas, contornos, normas, cultura, e algumas de 1965 não avaliadas na primeira etapa.
capital social e redes sociais, dentre outras, Foram detectados sete problemas nas publicações
ampliando a estrutura teórica da área. Apesar de analisadas. O primeiro refere-se ao uso de poucas
se observar, na literatura da ciência da informação, técnicas de pesquisa. O segundo, à diversidade
um sistema conceitual básico sobre os estudos de tipos de usuários em que essas técnicas são
de comportamento informacional humano, pode aplicadas. O terceiro, à variabilidade e ambigüidade
haver variações em relação aos conceitos e às da linguagem na discussão das técnicas usadas e nos
proposições, dependendo da abordagem empregada, resultados. O quarto, à carência de inovação.
seja comportamentalista, cognitivista, seja social e O quinto, ao insucesso em fundamentar os
multifacetada. Logo, para analisar as principais questões resultados obtidos. O sexto, ao fracasso em aprender
desses estudos e sem desenvolvimento, é necessário com os erros. Finalmente, o problema da frequente
construir um panorama desde suas origens. ausência de projetos de experimentos rigorosos.

Paisley (1968) fez a terceira revisão dos estudos de


DOS ‘ESTUDOS DE USUÁRIOS’ AOS necessidades e de uso da informação, abrangendo
‘ E S T U D O S D E C O M P O RTA M E N TO alguns trabalhos surgidos em fins de 1966 e durante
INFORMACIONAL’ o ano de 1967. Afirmou que muitos apresentavam
Décadas de 50 e 60 problemas metodológicos, que os tornavam
inconclusivos. Neles, não se consideravam fatores
As primeiras investigações no campo dos estudos como a grande quantidade de fontes de informação
de usuários foram realizadas após a década de 1940, disponíveis; o contexto em que as informações são
impulsionadas por dois eventos. O primeiro, a usadas; a motivação, a orientação profissional e outras
Conferência de Informação Científica da Sociedade características pessoais; os sistemas social, político,
Real, em 1948, no Reino Unido. O segundo, a econômico e outros que afetam intensamente os
Conferência Internacional de Informação Científica, usuários e o trabalho, alem das consequências do
em Washington, Estados Unidos, em 1958. Nessas uso da informação. Ainda assim, Paisley constatou
ocasiões, foram apresentados trabalhos que despertaram o crescimento e o amadurecimento da qualidade

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dos trabalhos que poderiam oferecer diretrizes tentativa de dar suporte à estruturação dos sistemas
para conceber e avaliar sistemas de informação. de informação (MARTYN, 1974).
Sugeriu, porém, que novos ensaios deveriam usar
metodologia eclética para fortalecimento da teoria. Em meados de 1960, os estilos mais generalistas
começaram a rarear. Apesar da extensa produção
Os trabalhos publicados em 1968 foram revisados de levantamentos sobre usuários, segundo Martyn
por Allen (1969), usando a estrutura sistêmica (1974), nem sempre eles eram de boa qualidade.
proposta por Paisley (1968), na qual o usuário se Alguns utilizaram instrumentos mais sofisticados,
localiza em uma série de sistemas concêntricos. como técnicas de observação indireta e análise
Allen identificou a existência de muitos autores de citação. Métodos sociológicos mais refinados
que usaram instrumentos inadequados para a área foram aplicados aos estudos de sistemas informais
das ciências sociais. Em contrapartida, havia um de transmissão de informação, possibilitando a
corpo qualificado de boas pesquisas no campo. descrição de colégios invisíveis e nomeação de
Outro ponto destacado relacionava-se ao fato de gatekeepers, além da compreensão mais profunda
que muitos textos não deixavam claro se o sujeito sobre modos de a informação ser adquirida e usada.
da pesquisa era cientista ou tecnólogo, visto que Todavia, esses estudos tiveram pouco impacto sobre
as duas populações apresentavam diferenças os designers de sistemas de informação.
comportamentais, particularmente em relação à
forma de comunicação. Década de 70

Allen (1969) concluiu a revisão observando que O trabalho de Lipetz (1970) inaugurou as revisões
muitos estudos eram ainda realizados por indivíduos da década de 1970, enfatizando os estudos que
preocupados com problemas locais, sendo usualmente podiam ser transpostos para outras situações. Os
de baixa qualidade e com poucas contribuições para estudos de necessidades e uso da informação foram
a ciência da informação. Entretanto, detectou conceituados como atividades racionais voltadas
um colégio invisível composto por estudiosos do para um fim específico, com o objetivo de explicar
tópico, em várias instituições. Na visão do autor, eles os fenômenos observados, predizer instâncias
poderiam desenvolver uma estrutura social, desde do uso de informação e controlar sua utilização
que atuassem em disciplinas específicas. manipulação de condições essenciais. Os objetivos
seriam alcançados se precedidos de atividades de
As pesquisas realizadas entre os anos de 1950 e descrição, definição dos conceitos e teorização
meados da década de 1960, primeiro período dos das relações causais ou qualitativas entre uso da
estudos de usuários, concentravam-se nos indivíduos informação e os fatores associados. Lipetz (1970)
que utilizavam informação científica e tecnológica. agrupou as pesquisas em três seções – levantamento
Abrangiam um conjunto relativamente limitado de e medidas, metodologia e teoria – subdivididas,
assuntos com membros de disciplinas específicas ou de acordo com a proposta de Paisley (1968), em
da comunidade científica como um todo. A técnica subsistemas nos quais os cientistas e tecnólogos
mais comumente empregada era a dos questionários pudessem ser identificados.
autoadministrados. As investigações tinham
natureza exploratória e os resultados eram descritos Lipetz (1970) concluiu a revisão destacando que
em termos gerais a partir da reunião de dados sobre os estudos de necessidades e usos da informação,
hábitos e necessidades. Essa abordagem generalista como disciplina científica, encontravam-se ainda em
permitiu o desenho de sistemas de informação sua infância. Contudo, grande vigor e capacidade de
de acordo com a maioria das necessidades dos crescimento foram percebidos, mesmo considerando
usuários. Entretanto, como os resultados às vezes a dinamicidade e a relatividade em que divergem as
fossem contraditórios, muitos estudos falharam na necessidades com o tempo, o sujeitos, o objetivo,

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a localização, as alternativas e outras variáveis. designers dos sistemas informacionais. Por fim, o
O autor sugeriu que, antes do esboço da teoria de tópico mais preocupante referia-se à conceituação
um sistema de informação ideal para as complexas do comportamento de cientistas e tecnólogos no
necessidades de qualquer idade, são indispensáveis estudo dos elementos dos sistemas de interação
mais dados quantitativos das necessidades e do entre informações e usuários reais e potenciais.
comportamento humano. Assim, os modelos de comunicação poderiam
auxiliar no mapeamento dessas inter-relações.
Em seguida, Crane (1971) apresentou revisão sobre
o tema cobrindo alguns estudos não incluídos na Martyn (1974) iniciou a oitava revisão do Arist
revisão anterior e outros recentes – o que perfazia assegurando que ‘a era dos dinossauros’ havia
cerca de um ano. O presente artigo não discute terminado para os estudos de usuários. Analisando
o trabalho de Crane por não ter sido possível ter o que fora editado em 1972 e 1973, verificou que
acesso ao seu texto. No entanto, sabe-se que a o número de publicações fora consideravelmente
autora abordou questões relacionadas aos métodos menor do que nos anos anteriores. Sua abordagem
então adotados nos estudos de necessidades e uso dividiu-se em três tópicos. No primeiro, estudos
de informação, corroborando a visão crítica de que direcionados para sistemas, foram analisadas
careciam de mais rigor científico. pesquisas realizadas com o objetivo de orientar
ou mudar serviços específicos. No segundo,
Lin e Garvey (1972) fizeram a revisão sobre foram analisados trabalhos do ponto de vista
necessidades e usos de informação na ciência dos usuários sobre os componentes da rede de
e na tecnologia, referentes ao ano de 1971, comunicação científica e técnica. No último tópico,
verificando que abordagens sistemáticas sobre o intitulado Background Research, foram narradas
assunto tornaram-se um fenômeno internacional. experiências voltadas à ecologia da informação ou
Utilizaram um modelo de comunicação científica, com metodologias inovadoras.
especificando as fases de necessidades, de busca, de
transferência e de uso da informação. As limitações Na conclusão, Martyn ressaltou que se passou
do modelo relacionavam-se ao foco voltado para a a reconhecer a complexidade e a singularidade
informação, apesar do reconhecimento da existência das necessidades de informação dos usuários,
de pontos de convergência entre os padrões de observando que a metodologia dos estudos de
comportamento dos cientistas e tecnólogos e a usuários se mostrava inadequada para esclarecer
estrutura socioeconômica da ciência e da tecnologia; a natureza e as necessidades de quem buscava
à ausência de análises individuais de cientistas e informação. Além disso, seria impossível prover
tecnólogos; e, por fim, à introdução de conceitos todas as informações necessárias em todas as
sem definições precisas. circunstâncias. Nessa perspectiva, demandavam-se
olhares que não estivessem voltados especificamente
Os autores sugeriram, à guisa de conclusão, ampliar para os sistemas de informação, visando a ampliar a
as discussões sobre quatro tópicos considerados compreensão dos usuários e de suas necessidades,
críticos. O primeiro era a definição clara do conceito uma vez que o foco era o inter-relacionamento de
de colégio invisível. O segundo relacionava-se ao pessoas e ideias.
intercâmbio de informações e às pessoas atuantes
como gatekeepers a fim de averiguar as informações A revisão de Crawford (1978) abrangeu 95
fornecidas por elas e as relações com as suas funções, publicações sobre estudos de necessidades e de
com o objetivo de traçar o mapa do fluxo da busca da informação, impressas entre 1975 e 1977,
informação no ambiente externo da organização. identificados no Information Science Abstracts Library
O terceiro item era a lacuna evidenciada pela Literature e em fontes informais. A autora, tal
carência de integração entre os pesquisadores e os como o fizeram Brittain (1970) e Martyn (1974),

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reconheceu a dificuldade em definir, isolar e responsabilidade era torná-lo um núcleo nacional de


mensurar o conceito de necessidade por envolver expertise em estudos de usuários, abrangendo quatro
níveis diferentes de consciência nem sempre claros áreas interligadas: pesquisa, educação, consultoria e
para o indivíduo. Ao contrário, a informação como informação (WILSON-DAVIS, 1977).
demanda expressa para um objetivo específico e para
uso em um ambiente particular podia ser definida O paradigma predominante nas décadas entre 1950
mais facilmente, embora os objetivos não fossem e 1970 – o behaviorista – sustentava-se na crença
logo identificados e a precisão da comunicação nem de que a metodologia empregada para analisar
sempre fosse possível. Quanto às metodologias o comportamento humano deveria dar ênfase
empregadas, a crítica de Crawford recaiu sobre a à objetividade e a neutralidade. Mais que isso,
escolha de somente um método ou a combinação de embora as abordagens metodológicas adotadas
métodos padronizados. As estratégias mais comuns fossem, de fato, pouco consistentes, algumas das
utilizadas nas pesquisas eram os levantamentos críticas encontradas na literatura parecem refletir
(surveys) em oposição às experimentações ou uma preocupação positivista, tendência natural das
simulações, ainda pouco comuns. pesquisas até então.
Sobre o foco comumente adotado, Wilson (2000)
Crawford (op. cit) identificou maior amplitude de acrescenta que muitos autores, antes de meados da
temas abordados, diferentemente dos resultados década de 1970, estavam mais preocupados com o
contidos no primeiro Arist (Menzel, 1966), que uso de sistemas do que com o uso da informação. No
se centravam nas necessidades e na busca de entanto, ainda nessa época, percebia-se a tendência
informação em ciência e tecnologia. Na conclusão, em enfatizar o usuário e não mais o sistema per se. Era
a autora lista cinco pontos resultantes da análise. possível então, distinguir dois grupos de pesquisadores.
O primeiro refere-se à inclusão de pesquisadores de O primeiro, orientado para o uso de unidades de
várias disciplinas nos estudos de uso da informação. informação (bibliotecas, centros de informação, dentre
O segundo vincula-se à ampliação do levantamento outros). O segundo, voltado ao comportamento de
das necessidades de vários grupos, como idosos, comunidades específicas de usuários na busca da
populações urbanas, minorias e cientistas e técnicos. informação necessária às suas atividades.
O terceiro relaciona-se à evidência de maior
refinamento das conceituações e metodologias, em No gênero orientado para os usuários, um item
que os conceitos das ciências sociais combinados com importante desenvolvido pelo CRUS focalizava os
as técnicas quantitativas produziram casos efetivos. não-usuários. Isso porque, de acordo com pesquisas
O quarto, a introdução da variável ‘ambiente de uso da anteriores, 70% da população do Reino Unido nunca
informação’. Finalmente, a distinção entre os aspectos havia usado bibliotecas ou centros de informação e
cognitivos e sociais da informação, acrescentando de 50% a 60% jamais compraram um livro. Havia,
novas perspectivas aos estudos. portanto, a indicação de descobrir as informações
necessárias e os meios usados por esses grupos para
Após a revisão de 1978, houve pausa de oito buscá-las. A hipótese era de que usavam diferentes
anos sobre o assunto nas publicações do Arist. redes de informação, compostas por amigos,
A despeito disso, os estudos continuaram crescendo, vizinhos ou colegas de trabalho além de televisão,
impulsionados por intensas discussões que ocorriam jornais ou outros meios. As unidades de informação
na época. Um marco decisivo que incentivou novos compunham, na verdade, apenas uma parte da
esforços foi a criação, em 1976, do Centre for estrutura utilizada (WILSON-DAVIS, 1977).
Research on User Studies (CRUS) na Universidade de
Sheffield, Inglaterra, com o apoio do British Library As conclusões a que chegou Wilson-Davis (1977)
Research and Development Department (BLRDD). revelam, pelo menos, dois pontos: o de que o foco
O centro era constituído por especialistas cuja adotado nos estudos – os usuários ou os sistemas –

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precisava ser ampliado, levando em conta não subjetividade humana resultante de uma realidade que
somente os sistemas formais constituídos de não transmite significado constante; o construtivismo,
bibliotecas e outros centros de informação, mas em que o conhecimento não é visto como acabado,
também os informais; o segundo é o de que o constituindo-se das interações do indivíduo com o
comportamento informacional de usuários, por ser meio pelo uso da linguagem; a visão dos usuários como
um processo natural do ser humano, envolve todo seres ativos, direcionados por seus próprios objetivos
tipo de meios e canais de acesso requeridos para o e capacidade de escolhas próprias. A situcionalidade,
atendimento das necessidades de informação. que considera o comportamento informacional
variável de acordo com a especificidade da situação; a
Décadas de 80 e 90 visão holística, pela qual os usuários devem ser
compreendidos em um contexto social mais amplo,
Como dito anteriormente, a primeira revisão dessas
e os sistemas, como um dos elementos a que podem
duas décadas ocorreu oito anos após a última
recorrer se querem informação; o cognitivismo,
revisão da década de 1970. Dervin e Nilan (1986)
baseado na crença de que as abordagens fundamentadas
abordaram, portanto, a literatura sobre a busca e o
no comportamento e no desenvolvimento cognitivo
uso da informação a partir de 1978. Observaram
podem contribuir substancialmente com a ciência da
que muitos estudos ainda estavam centrados nos
informação. Finalmente, a individualidade sistêmica,
sistemas e no paradigma tradicional.
em que se reconhece a emergência da inclusão dos
São sete as características identificadas no paradigma valores individuais.
tradicional. A primeira, a objetividade, em que a
O paradigma emergente, descrito anteriormente, foi
informação é entendida como algo com significado
construído pela análise da literatura evidenciada nas
constante, correspondendo, de forma absoluta, à
novas abordagens:
realidade. A segunda, o mecanicismo, cujo foco é
sobre o sistema, não percebendo o usuário como • valor atribuído pelo usuário: centrado na
indivíduo com objetivos, autocontrole e capacidade percepção do usuário sobre a utilidade e o valor do
para tomar decisões. A terceira, a passividade dos sistema de informação;
usuários, sustentada na ideia de que são receptáculos
passivos de informação objetiva, com a tarefa de • sense-making: maneira como as pessoas dão
receber em mãos pacotes de informações. A quarta, significado ao mundo e ao uso da informação nesse
a trans-situacionalidade, em que se tenta predizer processo;
o comportamento dos usuários por meio de
estatísticas e modelos que poderiam ser aplicados • estado anômalo de conhecimento: análise de
em várias situações. A quinta, a visão atomística como as pessoas buscam informações relativas a
da experiência, centrada na interação entre os situações em que seu conhecimento é incompleto.
usuários e os sistemas de informação. A sexta, a
Observa-se, assim, que a principal diferença entre
concepção comportamental em que se privilegia o
as abordagens adotadas no paradigma tradicional
comportamento externo, como contatos com fontes
e no paradigma emergente está vinculada aos
e usos de sistemas. A última, o caos, fundamentado
aspectos psicológicos, em que se identifica a primeira
na crença de que as pesquisas produzem observações
como behaviorista e a segunda como cognitivista.
sistemáticas e padrões de comportamento para os
Adicionalmente, é possível perceber, pela orientação
sistemas de informação.
metodológica, o positivismo permeando as pesquisas
As principais características identificadas no novo fundamentadas no paradigma behaviorista, no sentido
modelo, em oposição à abordagem tradicional, em que se adotava, essencialmente, a abordagem
são as seguintes: aquela em que se reconhece a quantitativa e o método hipotético-dedutivo.

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Os estudos centrados no paradigma cognitivista, Embora muitos dos novos autores estivessem
por sua vez, provavelmente já influenciados fundamentados na abordagem cognitiva, em fins da
pela fenomenologia, começam a se nortear por década de 1980 surge a abordagem social. O eixo
métodos qualitativos e indutivos, evidenciados nas dos trabalhos2 situa-se nos significados e valores que
abordagens descritas. os indivíduos atribuem ao contexto sociocultural,
dentre outros. A abordagem pretendeu estudar os
Ellis, Dervin, Kuhlthau e Wilson são alguns fenômenos que transcendiam a estrutura cognitiva.
pesquisadores associados a essas mudanças. A partir O trabalho de vanguarda foi desenvolvido por
de fins da década de 1980, os estudos orientados Chatman (1999), que propôs três estruturas para
pelo ponto de vista cognitivo reconhecem que entender o comportamento informacional: “teoria
as necessidades de informação ocorrem tanto da pobreza de informações”, “teoria do ciclo da
no âmbito cognitivo quanto no sociológico. As vida” e “teoria do comportamento normativo”.
pesquisas buscavam conhecer as características únicas Outra teoria que cresceu intensamente desde o início
de cada usuário e o processo cognitivo comum à dos anos 90 foi a abordagem multifacetada, que
maioria deles, abordando questões como categorização percebe o comportamento informacional como um
técnica, memórias de curto e longo prazos, estilos de sistema complexo em que é necessária a integração
aprendizagem, motivação, tipos de personalidades de várias teorias para descrevê-lo (PETTIGREW;
e fatores semânticos (HEWINS, 1990). FIDEL; BRUCE, 2001).
Hewins (1990) publicou a 11.ª revisão sobre Ainda em meados da década de 90, o interesse em
necessidades e usos da informação, que cobriu o discutir as pesquisas e o desenvolvimento conceitual
período de 1986 a 1989. Nesse intervalo de tempo que fundamentavam os estudos se intensifica,
houve mudanças significativas no modo como como pode se observar em pelo menos três
a informação era disseminada e na tecnologia iniciativas. A primeira, em 1996, com a conferência
disponível para buscá-la. O objetivo foi verificar intitulada Information Seeking in Context, realizada,
a consolidação do novo paradigma, descrito por a partir de então, bianualmente, em vários
Dervin e Nilan (1986), e a contribuição de outras países da Europa. A segunda, em 1999, com o
disciplinas, além da ciência da informação e estabelecimento do grupo de estudos Information
biblioteconomia, pelo fato de os estudos estarem Needs, Seeking and Use (Siguse) pela American
difundidos por muitas áreas de conhecimento. Society for Information Science (Asis), atual
Condizente com esse processo de mudança, American Society for Information Science and
surgiram metodologias alternativas, como a linha do Technology (Asist). A terceira, a edição especial do
tempo, que retrata “cenas” ao longo de um período, periódico Information Processing & Management sobre
permitindo identificar eventos críticos. É também Information Seeking in Context (PETTIGREW, FIDEL,
o caso do uso de diários, apresentando todas as BRUCE, 2001). Nota-se, portanto, uma espécie de
possíveis soluções para um problema particular e institucionalização do tópico, devido à relevância
a opção escolhida para cada uma. Outra alternativa que tais estudos representam, sem dúvida alguma,
citada foi a técnica do incidente crítico. Hewins para a ciência da informação.
(1990) concluiu que a premissa de Dervin e Nilan
(1986) sobre a mudança de paradigma era validada No final da década de 1990, as publicações de
pelo surgimento de novas abordagens na literatura, Wilson dão início a debates sobre a adequação
mais centradas nos usuários do que nos sistemas e do termo ‘comportamento informacional’ para se
baseadas nos processos cognitivos. Os novos temas referir aos estudos de necessidade, busca e uso da
relacionavam-se às características dos usuários e
como compreendê-los melhor, tendo caráter mais 2
Os tópicos sobre abordagem social e multifacetada foram
interdisciplinar que os anteriores. resumidos na revisão de Pettigrew, Fidel e Bruce (2001).

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Evolução teórico-metodológica dos estudos de comportamento informacional de usuários

informação. Os argumentos a favor observam que compreensão madura do fenômeno informação


o campo de estudos estava se ampliando e precisava em termos de cognição, aspectos sociais e outros
incluir conceitos sobre necessidades e oferta de fatores, permanecendo a necessidade de aprofundar-
informação. Os argumentos contrários sustentavam- se em cada um deles. Pettigrew, Fidel e Bruce (2001)
se na ideia de que o termo ‘comportamento’ poderia sugerem, ainda, que o desafio é prover orientações
ser associado inapropriadamente ao paradigma para os projetos de sistemas verdadeiramente
behaviorista da psicologia. Da ótica semântica, o centrados no usuário e que reflitam a sustentação
termo seria inadequado pelo fato de que informação teórica do comportamento informacional.
não possui comportamento. No entanto, apesar das
críticas, a expressão parece ter aceitação geral pelo Após quatro anos da publicação de Pettigrew,
uso em títulos de artigos e cursos acadêmicos. Fidel e Bruce (2001), Case (2006) propôs outra
revisão, identificando pesquisas que contemplavam
Estudos contemporâneos (2000 em diante) três categorias: profissão (gerentes, cientistas),
papel desempenhado (aluno, pacientes) e aspectos
Na revisão de Pettigrew, Fidel e Bruce (2001), demográficos (idade, gênero, grupos étnicos).
primeira da década de 2000, ratifica-se o uso do Para a análise dos conteúdos, o autor presumiu
termo “comportamento informacional”, que que o componente central do comportamento
substituiu a tradicional expressão “necessidades informacional é a noção de interação com um
e uso da informação” empregada no título de conjunto potencial de fontes que podem indicar
revisões anteriores. Seu objetivo foi verificar os os interesses e as necessidades de informação.
avanços no desenvolvimento da estrutura conceitual Conclui que os estudos estão mais populares e
do tópico a partir do paradigma centrado no contam com a participação de colaboradores de
indivíduo. Como resultado, os autores identificam várias partes do mundo, diferentemente de 30 anos
três abordagens. A primeira, cognitiva, que atrás, quando prevaleciam as pesquisas realizadas no
examina o comportamento do sujeito a partir do Reino Unido. Case (2006) identificou a existência de
conhecimento, convicções e crenças que medeiam quatro pontos relevantes: mais atenção no contexto
as percepções de mundo. A segunda, social, baseada e na influência social; mais esforços em entender
nos significados e valores que as pessoas atribuem a ‘mente’ do indivíduo; mais tempo gasto com os
aos vários contextos. Finalmente, a abordagem sujeitos individualmente, e maior profundidade
multifacetada, que integra múltiplas opiniões para da descrição global. Nesse sentido, as teorias de
a compreensão do comportamento informacional. várias disciplinas têm sido fundamentais para o
crescimento e a consolidação do tópico.
Os autores concluíram que outro ‘salto quântico’
ocorre na área do comportamento informacional, O autor conclui enfatizando a importância da
qualificado pelo núcleo centrado no usuário. precisão do título dos artigos. Para ele, muitos textos
Mais que isso, caracteriza-se, também, pela centrados na busca de informação na Internet são
ênfase na interação entre os contextos cognitivo, denominados ‘comportamento informacional’,
social, cultural, organizacional, afetivo e fatores acarretando uma banalização do conceito. Arguiu
linguísticos, em que o fenômeno do comportamento que coisas diferentes não podem ter o mesmo
informacional é parte do processo de comunicação ‘rótulo’. Comportamento informacional deve ser
do ser humano. Segundo os autores, a base teórica compreendido de modo mais amplo, e as pesquisas
da ciência da informação sustenta-se na ideia de mais estritas devem ser inseridas como subtópicos.
um campo ortogonal, que analisa o fenômeno
da informação em diferentes cenários, usando Discutindo as implicações metodológicas da
perspectivas interdisciplinares como sugeriu Bates influência contextual apenas estreitamente ao tipo
em 1999. Nesse sentido, a literatura reflete uma de abordagem empregada, Courtright (2007) intitula

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Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque / Sely Maria de Souza Costa

sua revisão ‘o desafio do contexto nas pesquisas de Há, no entanto, segundo Courtright (2007), o
comportamento informacional’, na qual o termo desafio de conceitualizar as formas de influência
pode ser compreendido sob quatro perspectivas: no contexto sem retornar à visão centrada nos
sistemas, na qual as ações de informação são vistas
1ª) contexto no sentido de contêiner refere-se à como previsíveis conforme o conjunto de variáveis
noção de que os elementos existem objetivamente ambientais. Muitas pesquisas ainda continuam a
em torno do ator e podem ser enumerados pelo comparar contexto com um conjunto de elementos
pesquisador que o observou. Nessa perspectiva, físicos e a identificar uma ou mais variáveis como
comportamento informacional é descrito em termos causas ou elementos tangencialmente relacionados
das principais características do usuário, que, todavia, à prática de informação do indivíduo. Mas existem
não são analisadas pelo contexto. diversos modelos e tendências teóricas que
englobam a complexidade do contexto e percebem
2ª) em outro aspecto, o do contexto compreendido
os indivíduos incluídos em um sistema complexo,
como construção de significado, as atividades
múltiplo, sobreposto e dinâmico. Elementos como
informacionais são relatadas considerando-se
sociabilidade, cultura, normas organizacionais e
o modo como as influências e as variáveis são
recursos, assim como mudanças tecnológicas e
percebidas e construídas pelos indivíduos que
relação de forças, não podem ser excluídos do
buscam informação. Para a autora, o modelo falha
processo de pesquisa. Essas novas tendências de
por não suportar a complexidade, a variabilidade e as
investigação implicam novas metodologias e uso
interações mútuas, tais como rede social, tecnologias
de múltiplos métodos, por exemplo, etnografia,
da informação e práticas organizacionais.
observação e entrevistas.
3ª) o terceiro sentido relaciona-se à construção social
A última revisão da primeira década do século
dos indivíduos, compreendidos como seres sociais que
XXI foi realizada por Fisher e Julien (2009) com
constroem a informação por meio da interação social,
análise de alguns trabalhos de 2004, e os demais
e não somente pelo que está ‘dentro de sua cabeça’.
entre 2005 e início de 2008. Embora ainda não
4ª) Por fim, a perspectiva do ser social pode ser publicada formalmente e não disponível em
ampliada para incluir o contexto relacional – bibliotecas no Brasil, foi possível ter acesso ao texto
embeddedness –, abrangendo também as variáveis por meio das próprias autoras. Nos trabalhos por
externas que influenciam a ação. Nessa dimensão, elas selecionados, todos escritos em língua inglesa,
o contexto é a construção resultante da interseção foram observados os métodos de pesquisa, o
do ponto de vista do indivíduo com o pesquisador. contexto, o fator humano (acadêmicos, cientistas,
estudantes, grupos profissionais, pessoas e a vida
Courtright (2007) observou os seguintes fatores e cotidiana, bem como as pessoas no contexto de
elementos mais citados que influenciam o contexto: saúde), fontes de informação, conceitos na pesquisa
papel desempenhado; recursos de informação de comportamento informacional e estrutura
(bibliotecas, livrarias, agências de informação); conceitual.
meio cultural; fatores sociais, como rede e capital
social, nor mas e colaboração no trabalho; Ao abordarem o tema, Fisher e Julien (op. cit) provêm
aspectos relacionados a tarefas, problemas, definição bastante completa de comportamento
situações e tecnologias; e, por fim, a função no informacional, a qual mostra, de fato, que o conceito
trabalho e a atividade humana. A autora concluiu, abrange toda a gama de estudos relacionados com o
apresentando a consolidação do paradigma usuário e a informação. Nesse sentido, inclui estudos
centrado no indivíduo e não mais nos sistemas das necessidades de informação, e de como as pessoas
como tendência identificada no estudo. a buscam, gerem, fornecem e usam, tanto propositada
quanto passivamente em sua vida diária. Em citação

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literal a Case (2006), as autoras ratificam a ideia de • compreensão do comportamento informacional


que o campo do comportamento informacional como processo em que os indivíduos estão
vem mostrando maturidade nas investigações pela constantemente buscando e usando informações;
atenção crescente dada às teorias na atualidade.
• ampliação dos estudos qualitativos, assim como
A revisão finaliza corroborando a contínua expansão do uso de múltiplos métodos;
das pesquisas de comportamento informacional em
termos dos números de análises e de pesquisadores, • maior consistência teórica com aumento de
como obser vado também por Case (2006). fundamentação interdisciplinar,
Priorizam-se fatores contextuais, na ênfase em
• crescimento do número de pesquisas, em todas
abordagens construcionista e construtivista, e
as partes do mundo.
também na ampliação e no desenvolvimento de
teorias e métodos. Isso porque estudos de usuários Tais mudanças paradigmáticas começaram a
de informação na ciência da informação como germinar com a percepção das limitações impostas
um todo, considerando os grupos pesquisados, pelo instrumental teórico-metodológico na esteira da
passaram a abranger tanto o contexto organizacional contestação dos principais postulados da concepção
quanto o comunitário e o de negócios, e não científica vigente em meados do século passado.
somente o contexto acadêmico ou industrial, como A evolução conceitual dos ‘estudos de usuários’ para
nos primeiros tempos. Tal ampliação de foco, por ‘estudos de comportamento informacional’ reflete
sua vez, tende a se refletir nas abordagens de outros a necessidade de se compreenderem os processos
temas e tópicos da área. em uma perspectiva multidimensional. Isso porque
ocorre profunda imbricação na tessitura dos
COMPORTAMENTO INFORMACIONAL: fenômenos, em que vários fatores desempenham
POR UMA PERSPECTIVA COMPLEXA papéis decisivos na produção do conhecimento.

O tema ‘comportamento informacional’ tem Essa multidimensionalidade, no entender de Morin


sido bastante explorado no Arist. Substitui a (2000), considera a realidade antropossocial em
nomenclatura utilizada nos trabalhos anteriormente várias dimensões: individual, social e biológica. Mais
denominados ‘necessidades e uso de informação’. que isso, compõe-se de disciplinas especializadas,
Em termos quantitativos, foram 15 revisões até o por exemplo, economia, psicologia e demografia
momento, sendo que a década de 1970 mostra-se como as diferentes faces e mesma realidade. Logo,
a mais profícua (cinco revisões) apesar de a década as disciplinas precisam ser diferenciadas e tratadas
de 2000, ainda não completada, mostrar-se com boa como tais, não isoladas e incomunicáveis.
produtividade (quatro). Considerando-se a evolução
dos estudos de comportamento informacional desde Como observado por Courtright (2007), os
a primeira revisão do Arist (1966), até a última, em indivíduos vivem em um ambiente complexo,
2009, percebem-se mudanças significativas no foco múltiplo, sobreposto e dinâmico, que requer novas
dos trabalhos, culminando nos seguintes pontos: metodologias e uso de múltiplos métodos. Nesse
sentido, é importante destacar que tal contexto
• pesquisas mais centradas no indivíduo; norteia tanto a construção teórica necessária aos
estudos de comportamento informacional quanto
• inclusão de outros grupos estudados, além de o modo de se delinear a investigação.
cientistas e tecnólogos;
É possível, portanto, concluir que o comportamento
• abordagem multifacetada, englobando os aspectos informacional, compreendido como processo natural
sociocognitivo e organizacional; do ser humano no papel de aprendiz da própria

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Kelley Cristine Gonçalves Dias Gasque / Sely Maria de Souza Costa

vida, requer visão ampla do pesquisador. Exige, CRAWFORD, Susan. Information needs and uses. Annual
ainda, o entendimento das relações estabelecidas Review of Information Science and Technology, v. 13, p. 61-81, 1978.
em determinado espaço-tempo em que ocorrem DERVIN, Brenda; NILAN, Michael. Information needs and
ações de busca, uso e transferência de informação. uses. Annual Review of Information Science and Technology, v.21, p.
Os indivíduos se engajam nessas ações quando têm 3-33, 1986.
necessidade de informação. FIGUEIREDO, Nice Menezes de. Estudos de uso e usuários da
informação. Brasília: IBICT, 1994.
Contudo, se o processo é natural, a aprendizagem
humana para gerenciar e usar as informações FISHER, Karen; JULIEN, Heidi. Information Behavior.
Annual Review of Information Science and Technology, v. 43, p.
pode ocorrer de forma mais eficaz se houver 317-358, 2009.
sistematização e ensino desse conhecimento, isto é,
se os sujeitos forem letrados informacionalmente. HERNER, Saul; HERNER, Mary. Information need and use
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Nessa linha de pensamento, um dos desafios dos
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conhecimento que possa ser utilizado em prol da HEWINS, Elizabeth T. Information need and use studies.
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