Você está na página 1de 5

PERSPECTIVAS

(HTTPS://WWW1.FOLHA.UOL.COM.BR/ESPECIAL/2018/PERSPECTIVAS)

Teatro documental exercita a arte de reescrever a


história
Dramaturgos questionam versões oficiais dos fatos e expõem visões ideológicas

3.fev.2019 às 2h00


EDIÇÃO IMPRESSA
(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/02/03/)

Luciana Romagnolli

Por maiores que tenham sido os esforços para criminalizar arte e artistas no
Brasil pós-2016, sob falsas acusações que vão de pedofilia a usurpação de
dinheiro público pela Lei Rouanet (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/sem-dinheiro-nem-
incentivo-grupos-buscam-novos-jeitos-de-dancar.shtml),
manipulando o medo e a ignorância de
grande parte da população em relação à arte contemporânea, o teatro insiste
como espaço crítico (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/01/peca-de-tchekhov-esta-em-um-limbo-
assim-como-nos-diz-tolentino-de-araujo.shtml) do presente e do passado, ao indagar de que

maneira a história nos tem sido contada. 

Existe uma cena teatral com força crescente


(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/01/premiado-e-proibido-teatro-politico-de-vianinha-volta-a-ser-

no Brasil e em outros países que se baseia no uso de arquivos de


publicado.shtml)

imagem, som e documentos, oficiais ou não, para apresentar uma narrativa


revista do passado, que inclua novas perspectivas. Principalmente aquelas
abafadas por opressões de um sistema colonial, patriarcal e escravista.

Esse teatro documental (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/10/pecas-usam-tom-de-palestra-na-


disputa-pela-atencao-do-publico.shtml) de caráter historiográfico

(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/01/o-que-fazer-com-filosofos-do-passado-que-se-revelaram-racistas-e-

chama para si a responsabilidade de indagar as versões oficiais, com


sexistas.shtml)

o desejo de reinscrever vozes e corpos apagados. O gesto é de expor os modos


como a ideologia dominante se constituiu, suas parcialidades e exclusões.
Cito alguns poucos exemplos dentre as várias rotas de contestação traçadas nos
palcos nos últimos anos. Em “A Invenção do Nordeste”, o grupo Carmin, de
Natal (RN), expõe os meandros da constituição de uma região estratégica para
o Brasil, opondo-se à construção de uma identidade folclorizada e, de quebra, à
xenofobia. 

“Há Mais Futuro que Passado”, dirigida pela carioca Daniele Avila Small,
questiona a dominação masculina da narrativa da história da arte, e recompõe,
por meio de cartas, um breve inventário de artistas latino-americanas. 

Clarisse Zarvos, Cris Larin e Tainah Longras na peça “Há Mais Futuro que Passado”, dirigida por
Daniele Avila Small - Nityama Macrini/Divulgação

De Portugal, “Museu Vivo de Histórias Pequenas e Esquecidas”, do Teatro


Vestido, que já esteve em Belo Horizonte e Santos, reconta décadas de história
ditatorial lusitana pelas vivências dos cidadãos comuns.

Não à toa, os exemplos reclamam à história oficial a inclusão das mulheres, dos
nordestinos, dos anônimos e de outros excluídos.

Por consequência, tais peças defrontam as fragilidades de noções como


verdade, autenticidade e realidade. Nada mais propício nestes tempos
estranhos em que uma mentira escrita em letras grandes e justaposta a uma
imagem editada —o meme— consegue se infiltrar em milhares de casas e
interfere nos rumos de uma eleição presidencial
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/11/fenomeno-da-pos-verdade-transforma-os-consensos-ja-

estabelecidos.shtml).

Entre as distorções mais assustadoras que têm emergido na esfera pública,


estão a atenuação ou a negação do terror da ditadura civil-militar e da
escravidão. Discursos que até poucos anos atrás não encontravam condições de
existência na vida pública brasileira agora ressoam em brado retumbante.

Nesse sentido, é de se pensar que sofremos de uma espécie de revisionismo “a-


histórico”.
A negação da história do Brasil (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/10/escritores-lidam-com-
mortos-mal-enterrados-da-historia-brasileira.shtml), como negação de seus episódios definidores e

estruturantes, avoluma um tsunami de desinformação e manipulação das


narrativas. Uma inversão capaz de cravar como fake news a própria verificação
jornalística que desmente fake news.

Isso acirrou a disputa de significados, legitimações e poderes no território das


palavras. Está mais evidente do que nunca que, se não dissermos, por exemplo,
que a invasão de Pedro Álvares Cabral iniciou o genocídio indígena, criam-se
condições de existência para discursos contra os direitos das populações
indígenas às terras que elas ocupam desde muito antes de 1500.

Sejamos artistas, políticos, historiadores ou público, precisamos encarar a


aparente contradição entre, de um lado, uma reescrita da história pautada pelo
ato ético contra o apagamento dos sujeitos subalternizados e, do outro, a
manipulação da ignorância política, do medo e do ódio à diferença que
sustenta ofensivas contra a arte, a educação e, consequentemente, a própria
história.

A crítica norte-americana Carol Martin compara os modos de circulação de


documentos nas mídias sociais e no teatro e encontra semelhança lógica entre
o algoritmo, que circunscreve uma bolha pessoal de (des)informação, e o
teatro, que apresenta uma versão da história a partir da montagem de
documentos selecionados e reordenados segundo afetos e visões de mundo dos
artistas.

Uma referência internacional desse teatro é o encenador libanês Rabih Mroué,


que esteve na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo em 2017. Na peça-
palestra “Revolução em Pixels”, ele coloca a questão de como conhecer
acontecimentos que não testemunhamos diretamente, usando fontes tão
pouco verificáveis quanto os arquivos de vídeo postados no YouTube
mostrando supostos assassinatos de integrantes da resistência síria por
snipers.

Quando as fontes oficiais perdem a credibilidade porque ocultam e deturpam


documentos, em que(m) podemos confiar para obter informações? A prática
com a qual o teatro documental melhor responde a essa pergunta é um modo
de produção baseado na transparência do manejo dos materiais, dos processos
de seleção, edição e montagem das informações.

Daí a importância de o teatro documental afirmar o caráter construído das


verdades, expor sua feitura e problematizar suas escolhas. Eis uma ética da
transparência dos meios e dos modos coerente com uma busca por caminhos
comprometidos com os direitos humanos, a democracia e a justiça social.

Assim o teatro coloca, na arena pública de debate, perspectivas distintas das


consagradas, requerendo dos espectadores-cidadãos um exercício crítico —
justamente o que tem faltado diante de memes e fake news. 

Luciana Romagnolli é jornalista e crítica de teatro.

sua assinatura pode valer ainda mais


Você já conhece as vantagens de ser assinante da Folha?
Além de ter
acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas
(conheça aqui (https://login.folha.com.br/newsletter)).
Também pode baixar nosso
aplicativo gratuito na Apple Store (https://apps.apple.com/br/app/folha-de-s-paulo/id943058711?
utm_source=materia&utm_medium=textofinal&utm_campaign=appletextocurto) ou na Google Play

(https://play.google.com/store/apps/details?

id=br.com.folha.app&hl=pt_BR&utm_source=materia&utm_medium=textofinal&utm_campaign=androidtextocurto)

para receber alertas das principais notícias do dia.


A sua assinatura nos
ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!

notícias da folha no seu email

Recomendadas para você

(https://cat.va.us.criteo.com/m/delivery/ckn.php?

cppv=3&cpp=oxc8DytfmjG8Y5PlAxf9b35kS5_9YpUcsKhomwLL1hW917Wk8xLSVVsz5mqa1fnUuG3GW32tvZCJanqIquHcWGLPZ3WEUEdBpPeA965QBvmBH8nt59IUszL5MW7nPCuvHsbtz51Km7a6UvREPZXG-

i_pWAi6rUMb47O6B0k57Ov9EEOtyd8MlB1Nr_kG_BxNKGKR3fRYXYwtrY7ROdVx2ItUfvAN8QoYARZRSyb3qvNM1IDqHrkjUfRNwZhRso_h9afg4EOQvbTPZR19wrRXamyYgEZFkC3RT9iBIgoUuJ3qzamRkJC07N3c_XA3k18
l0hlJxGzxRtRM1KC0kXs1q6kKiQm7IAJg8ekpuJb_9gkGsDXyTWgrJJ7dFzspPXDcy9vjY1lTyyyFyeh1gvXcUoo-U3Xv37oDMYwGxviGgc70YI6x1Vjb7SX88mHPdZmuE9MH2xg-

WPvPJFuBT0qLVKH9QOuEK173usBq1lxswNeIC3vqk4gge4FIeqb_L0EXiEhXBC5ZMew4PCskjzRRSW7CFBqb8ASTQNNBfLfmKvd7Tpl6T2msS72xO1anZDJyaP5u3kIJD76aASDunuJGncYo2i6_qu1mQ9Pik&maxdest=https%

Retargeting-Lower-Funnel%26af_c_id%3D91805%26is_retargeting%3Dtrue%26af_reengagement_window%3D30d&tblci=GiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-

zvOnLtyDwjE4oidy5rKvo5vrPAQ#tblciGiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-zvOnLtyDwjE4oidy5rKvo5vrPAQ)

R$ 3.899 - AMERICANAS.COM
iPhone 11 Apple (64GB) Preto Tela 6,1" 4G Câmera 12MP iOS

(https://cat.va.us.criteo.com/m/delivery/ckn.php?

cppv=3&cpp=oxc8DytfmjG8Y5PlAxf9b35kS5_9YpUcsKhomwLL1hW917Wk8xLSVVsz5mqa1fnUuG3GW32tvZCJanqIquHcWGLPZ3WEUEdBpPeA965QBvmBH8nt59IUszL5MW7nPCuvHsbtz51Km7a6UvREPZXG-

i_pWAi6rUMb47O6B0k57Ov9EEOtyd8MlB1Nr_kG_BxNKGKR3fRYXYwtrY7ROdVx2ItUfvAN8QoYARZRSyb3qvNM1IDqHrkjUfRNwZhRso_h9afg4EOQvbTPZR19wrRXamyYgEZFkC3RT9iBIgoUuJ3qzamRkJC07N3c_XA3k18

l0hlJxGzxRtRM1KC0kXs1q6kKiQm7IAJg8ekpuJb_9gkGsDXyTWgrJJ7dFzspPXDcy9vjY1lTyyyFyeh1gvXcUoo-U3Xv37oDMYwGxviGgc70YI6x1Vjb7SX88mHPdZmuE9MH2xg-

WPvPJFuBT0qLVKH9QOuEK173usBq1lxswNeIC3vqk4gge4FIeqb_L0EXiEhXBC5ZMew4PCskjzRRSW7CFBqb8ASTQNNBfLfmKvd7Tpl6T2msS72xO1anZDJyaP5u3kIJD76aASDunuJGncYo2i6_qu1mQ9Pik&maxdest=https%

Retargeting-Lower-Funnel%26af_c_id%3D91805%26is_retargeting%3Dtrue%26af_reengagement_window%3D30d&tblci=GiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-

zvOnLtyDwjE4oidy5rKvo5vrPAQ#tblciGiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-zvOnLtyDwjE4oidy5rKvo5vrPAQ) (https://privacy.us.criteo.com/adchoices?cppv=3&cpp=v2Ci-

fho0JkAxpzhpBy3WqyPrMec_JY1z5db4emVNKHH5rKScCpC09Xyq7nlwDnoNvpTlAjWO5g4rkcHVmfkSmll84wY1xRA_ZlYLSfLT0G4vZN571j5E3UxqZqo4EjntK6qTTeXSDsFZzvuNWjNpLyaqVnQ0h5qmBCQZSMldzWaUPz

(https://Silencil.carrinho.app/st?a=2704&utm_source=CARTS13&utm_campaign=CARTS&r=9b92e723&utm_source=taboola&utm_medium=referral&tblci=GiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-

zvOnLtyDvg08o5o6i_Y6X4trzAQ#tblciGiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-zvOnLtyDvg08o5o6i_Y6X4trzAQ)

SILENCIL
Neurônios do cérebro causam zumbido no ouvido, veja como se ajustar para o silêncio

(https://Silencil.carrinho.app/st?a=2704&utm_source=CARTS13&utm_campaign=CARTS&r=9b92e723&utm_source=taboola&utm_medium=referral&tblci=GiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-

zvOnLtyDvg08o5o6i_Y6X4trzAQ#tblciGiBgjBbl8Ys2Bn3EnsnRcJhXszG0OCmLdq5_-u-zvOnLtyDvg08o5o6i_Y6X4trzAQ)

(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/2022/01/serie-sobre-neymar-irritara-fas-do-peter-pan-brasileiro-pelo-que-tem-de-critico.shtml)

Opinião - Juca Kfouri: Série sobre Neymar irritará fãs do Peter


Pan brasileiro pelo que tem de crítico
E irritará os que não gostam dele, por ser benevolente

(https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/2022/01/serie-sobre-neymar-irritara-fas-do-peter-pan-brasileiro-pelo-que-tem-de-critico.shtml)

Você também pode gostar