Você está na página 1de 532

Copyright © 2018.

April Kroes

Capa: Marcus Pallas


Revisão: Morgana Brunner
Revisão final: Bianca Bonoto e Débora Vicente
Diagramação Digital: April Kroes
Ilustração: Vih Singer

Todos os direitos reservados.


A reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada de qualquer parte
deste trabalho protegido por direitos autorais é ilegal. Nenhuma parte desta
obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou
processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia,
gravação, sem a permissão dos detentores dos copyrights.
Os direitos morais do autor foram declarados.
Esta obra literária é ficção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes
são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, eventos ou estabelecimentos é mera coincidência.
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Produzido no Brasil.
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
CapítulO 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Epílogo
Agradecimentos
Eu quero dizer a todos os meninos lá fora que estão muito assustados
para expressar sua paixão pela dança, não importa o que as outras pessoas
pensam. É importante o que você quer, o que sua paixão interior é, e você
deve alcançar isso.

“Não respire para sobreviver. Dance para se sentir vivo.”


― Noah Clark.
“Estamos todos vivendo em um sonho.
Mas a vida não é o que parece ser.”
DREAM – IMAGINE DRAGONS
UM PASSO DE CADA VEZ.
Sempre cair e se levantar. Eu me recuso a cair e aceitar.
A frase que meu avô me fazia repetir ecoava em minha mente e mais
uma vez, repito todos os passos que eu estava ensaiando na última hora.
— Noah, querida, desça aqui! — ouço a voz da minha mãe chamando
por mim.
Atendendo ao seu chamado, eu desligo o rádio velho em cima da
minha cômoda e desço os degraus da escada correndo.
Meus pais estavam parados no final da escada, minha mãe tinha
lágrimas nos olhos e meu pai tinha os braços em torno dela.
— Mamãe, está tudo bem? — pergunto, olhando-a. Mais lágrimas
cortaram o seu rosto, direcionei meu olhar para o meu pai, que diferente da
minha mãe, tinha uma expressão calma. — Papai, o que está acontecendo?
Em resposta a minha pergunta, minha mãe levantou o braço direito,
em sua mão trêmula tinha uma carta. Nós nunca recebemos cartas, sempre
contas para pagar, mas nunca cartas.
Com receio estendi meu braço e a peguei, a carta estava aberta e com
respingos de lágrimas. Seja lá o que tenha aqui dentro fez a minha mãe
chorar, não sei se quero lê-la.
— A-abra Noah. — Minha mãe pede, fungando o nariz.
Assenti e sem dizer uma palavra, abri a carta.
— Meu Deus — murmuro, levando a minha mão até meus lábios para
abafar o soluço que veio logo em seguida.
Há dois meses atrás eu me inscrevi no programa de dança da Juilliard,
um mês depois eu fui convocada para ir até Nova York realizar um teste. Foi
a coisa mais difícil que eu precisei fazer, depois de dar adeus ao meu avô há
um ano atrás.
Eu estava passando por um teste para a melhor escola de música do
país, eu tinha me tornado uma vencedora só de ter estado ali diante a
presença do reitor e dos professores. Mas eu precisava dar o meu melhor, e
eu dei tudo de mim naquela apresentação. Eu sabia que qualquer passo
errado, eu estaria dando adeus aos meus sonhos.
Mas agora, com a carta em mãos e olhando para os meus pais
sorrindo para mim, eu tinha certeza de que nada foi em vão. Cada esforço
valeu a pena, cada noite em claro ensaiando me trouxe até aqui.

“Noah Lea Clark, parabéns, você foi aceita.


Bem-vinda ao programa de dança da The Juilliard School.”

— Eu consegui. Eu consegui! — comemoro, saltando do último


degrau da escada e me jogando no meio dos meus pais.
Eu fui acolhida em um abraço que transmitia toda a felicidade que
eles estavam sentindo por mim.
— Juilliard é só o começo — garantiu o meu pai.
— Você vai mais longe do que pensa, Noah, seus pés alcançam voos
inalcançáveis para muitos. Estamos muito orgulhosos de você. — Mamãe
completou.
E aqui estava eu, encarando o meu sonho bem de perto. Pessoas
entravam e saíam pelas portas duplas giratórias da escola, o letreiro em letras
de forma deixava mais claro que meu sonho era real.
Eu estava a poucos passos da The Juilliard School.
Meu amor pelo ballet começou aos seis anos de idade, quando minha
mãe me matriculou em uma academia perto de nossa casa em Miami. No
começo, eu fui bem relutante e inventava muitas dores só para ficar em casa,
mas com o tempo eu fui me apaixonando por cada passo novo que eu
aprendia, desde então, eu danço ballet.
E por falar na minha mãe, foi bem difícil convencê-la a me deixar vir
para Juilliard. Meu pai até tentou ajudar, mas mamãe estava bastante
relutante em me deixar vir, mas depois de muita insistência ela acabou
cedendo com a condição de que eu a mantivesse sempre informada das
novidades e ligasse todos os dias ou quase todos. Eu sou filha única e embora
entendesse toda a preocupação que eles têm comigo, minha mãe nunca
aceitou o fato de que eu estava crescendo e precisava caminhar com as
minhas próprias pernas.
A situação em nossa casa nunca foi lá das melhores, mas
mantínhamos uma vida confortável para nós quatro. Eu, minha mãe, meu pai
e meu avô materno.
Meu avô era o meu melhor amigo, e perdê-lo foi como perder uma
parte de mim junto, uma vez eu li em um livro que há cinco fases para o luto:
negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
De cinco, duas delas eu vivi, a negação e a aceitação. No começo foi
difícil e eu me recusava a aceitar que eu havia perdido o meu melhor amigo,
mas então eu me lembrava de todas as nossas conversas e das vezes em que
ele me dizia que o dia que se sentiria completo de novo seria quando
reencontrasse a minha avó. Aceitar que ele havia cumprido seu propósito e
agora estava completo novamente me confortou.
Vovô nos deixou uma pequena economia que tinha como herança,
maior parte dela seria para meus estudos, porém, eu preferi fazer bom uso do
dinheiro ajudando meus pais em casa.
Papai trabalha em uma empresa de automóveis em Miami e
ultimamente não tem sido tão satisfatório assim as suas vendas. Minha mãe é
arquiteta, mas no momento está no começo da sua carreira, já que terminou a
faculdade há poucos anos, afinal, minha mãe tem apenas trinta e seis e me
teve aos dezessete anos. Ela diz que não se arrepende, eu fui a melhor coisa
que poderia ter acontecido em sua vida, porém, não se orgulha de ter
abandonado os estudos.
E foi esse motivo que a fez me matricular no ballet. Enquanto eu tinha
aulas, mamãe estudava e dava seu melhor, ela diz que eu sou o seu orgulho,
mas mal sabe ela que meu orgulho é ela.
Estou andando em direção aos prédios ao lado do campus de Juilliard
para procurar pelo meu dormitório. Eu já tinha vindo até Juilliard para fazer o
teste, mas não fazia ideia de onde ficavam os dormitórios.
Arrasto a minha mala com dificuldade e paro para inspirar o ar do
lugar que agora será o meu novo lar e já sinto falta de Miami, deixar a casa
dos meus pais não foi uma tarefa fácil e também uma decisão que levou dias
para eu aceitar tomá-la. Eu pensei muitas vezes antes de aceitar vir para
Juilliard, já que Miami fica há horas daqui e eu neguei por diversas vezes a
oferta que meus pais fizeram de alugar um apartamento aqui para mim, por
mais que eles tenham alegado que não mexeram no dinheiro que vovô deixou
para os meus estudos, eu não aceitei.
Dias depois, papai chegou em casa falando sobre o dormitório. O
valor do aluguel fez com que eu me sentisse com a consciência menos pesada
e o golpe baixo da minha mãe dizendo: Noah, eu te matriculei porque sabia
que você era capaz. Você conseguiu, agora honre essa vaga e nos dê mais
orgulho ainda.
Foi impossível negar, eu aceitei. Mas com uma condição, é claro.
Impus a condição de que assim que eu arrumasse um emprego passaria a
pagar o meu aluguel, foi uma condição justa e aceita por eles.
Vagueio pelos corredores que ligam um bloco de dormitórios ao
outro, eu estou perdida. Literalmente perdida, mesmo com o papel que indica
meu quarto em mãos.
Você é lerda, Noah, minha consciência grita.
Ouço vozes no final do corredor direito e me aproximo, de longe
avisto um homem. Ele estava alterado enquanto falava no telefone, eu sentia
muito pela pessoa que estava do outro lado da linha, ele realmente está muito
bravo.
Olho para os lados na esperança de encontrar outra pessoa que possa
me ajudar, mas sem saída, arrasto a minha mala e devagar me aproximo de
moreno irritado.
Sua voz some ao me ver parar em sua frente, sua cabeça se abaixa e
levanta gradativamente, conforme ele me olha dos pés à cabeça. Ignorando a
minha presença, como se não tivesse satisfeito com o que viu, ele volta a
atenção para o celular.
— Eu já disse que não vou!
Lá estava ele gritando novamente ao telefone.
Reviro meus olhos impaciente e irritada por sua ignorância e
desprezo. Eu deveria recuar, mas eu preciso de ajuda...
Coço a minha garganta, trazendo novamente a sua atenção para mim.
Ele vira o rosto e me encara, com um semblante sério.
— O que foi, garota? Não está vendo que eu estou no celular? — Ele
pergunta em um tom arrogante.
Eu deveria saber que um rosto bonito nem sempre é tão bonito assim.
Por trás do rosto esculpido e coberto de sardas, ele é estúpido e arrogante.
Odeio pessoas assim e odeio mais ainda ser tratada assim a troco de nada.
Meus pais sempre me ensinaram a respeitar os outros, e se as demais pessoas
aqui forem como ele, eu não irei aguentar por muito tempo.
Puxo uma longa respiração, antes de respondê-lo. Quando a solto,
olho no fundo dos seus olhos castanhos.
— Estou vendo e não sou cega! Tenho educação, diferente de você, já
que eu estou esperando você finalizar a ligação para pedir uma informação,
mas deixa... Tenho pernas e sei me virar sozinha — cuspo as palavras.
Um sorriso desafiador aparece em seu rosto. Eu não deveria ter feito
isso, não deveria.
Por que você foi abrir a boca, Noah?
— Ela tem garras. — Ele murmura, mais para si mesmo do que para
mim. — Eu te ligo em outra hora... Eu também, mãe. — Em um tom frio, ele
finaliza a ligação, sem tirar os olhos de mim.
Se era assim que ele agia com a própria mãe, eu não deveria esperar
muito dele. Puxo a minha mala e começo a andar na direção do corredor
oposto. Ouço seus passos apressados atrás de mim.
Eu deveria correr? Ou eu deveria gritar?
— Não tenho todo tempo do mundo, novata. Está perdida, né? Me dê
esse papel aqui. — Ele para do meu lado e sem que eu pudesse lhe dar
alguma resposta, ele puxa o papel da minha mão.
Eu não queria mais a ajuda dele.
— 3B fica na penúltima porta a direita, boa sorte com a sua parceira.
Vai precisar de fones de ouvido. — Ele me alerta, com um meio sorriso
permeando em seus lábios.
Eu não consigo decifrar se o seu tom era de deboche ou era sério, mas
vindo de uma pessoa arrogante como ele, acredito que seja deboche.
— Obrigada — agradeço, puxando o meu papel da sua mão.
— De nada, novata. Sou Saint, Saint Rivers, e minha porta é essa em
frente à sua. Já estive em seu lugar e caso precise de ajuda, dependendo do
meu humor, eu penso em te ajudar ou não.
Agora ele resolveu ser cordial?
E ainda por cima tem um humor oscilante. O famoso bipolar.
— O que você disse? — Ele pergunta.
— Como? — devolvo sua pergunta fingindo que não entendi. Eu e
minha mania de pensar alto.
— Você é sonsa, não vou com a cara de pessoas sonsas.
— Saint, certo? — indago e ele assente. — Sinto muito por ter
pensado em voz alta, mas eu também não fui com a sua cara. Você é um
estúpido e mal-educado. Então, se me der licença, eu tenho que ir para o meu
dormitório.
Passo por ele e propositalmente passo com as rodinhas da minha mala
em seu pé. Ouço-o resmungar algo baixo, mas não me viro para olhá-lo.
— Ei! — Ele me chama, e a culpa de ter passado com a minha mala
em seu pé me faz olhá-lo. — Eu não lembro o seu nome.
— Deve ser porque eu não disse qual era! — retruco.
— Mas eu te falei o meu. — Ele argumenta.
— Noé — respondo-o, segurando a vontade de rir do trocadilho idiota
que meu avô fazia.
— Noé? — Ele indaga, como se tivesse testando o nome. — Você
tem um nome bíblico?
Sua feição me diz que ele está querendo rir, mas não o faz. Eu deveria
imaginar isso também, ele não sabe o trocadilho do nome Noah.
— Noé da sua conta — respondo de uma vez.
E antes de lhe dar as costas e caminhar em direção a porta que ele
havia me indicado. Noto-o seu olhar confuso e me limito a rir.
Eu ainda me cruzaria com Saint Rivers, só espero que não seja tão
cedo.

Pergunto-me se Saint seria capaz de me indicar a porta errada, por via


das dúvidas, bato duas vezes na porta antes de entrar. Espero por mais alguns
segundos alguém vir abri-la e quando isso não acontece, eu tomo a liberdade
de abrir e entrar.
Surpreendo-me com o tamanho do espaço e por ele ser organizado, no
mínimo eu esperava uma companheira de quarto desorganizada. Meu olhar
está alheio observando cada canto do meu dormitório, na sala tem um sofá
vermelho de quatro lugares, uma mesa de centro branca e uma televisão na
parede. A cozinha fica a poucos passos da sala, é americana e tem uma
pequena mesa com quatro cadeiras, nada muito exagerado. Mas o que chama
a minha atenção é a grande janela de vidro transparente atrás do sofá, que nos
dá uma visão privilegiada do Lincoln Center.
Olho para o corredor ao lado direito, há três portas e presumo que
duas dela seja os quartos e o banheiro. Gostaria de saber qual é a porta do
meu quarto, assim não correria o risco de abrir a porta errada e dar de cara
com uma cena indesejada talvez. Puxo a minha mala até o centro da sala e
paro quando ouço passos vindo do corredor.
— Ai, Meu Deus, você chegou! — Uma morena grita dando pulinhos
e batendo palmas. — Eu não aguentava mais ficar sozinha por aqui. Não
acredito que finalmente terei uma colega de quarto — exclama animada e me
abraça.
Minha única reação é ficar imóvel e com meus braços caídos ao lado
do meu corpo, enquanto a estranha me abraça. Eu não sou nenhum pouco
afetiva e alguém que eu mal conheço me tocar assim já acho intimidade
demais, então, me afasto a deixando sem graça pela sua atitude.
Que tipo de pessoa fica feliz por ter uma colega de quarto?
— Perdoe-me pela empolgação, faz muito tempo desde a última vez
que eu tive uma companheira de dormitório. Meu pai é bem rigoroso quando
se trata de me deixar dividir quarto com estranhos. — Não deixo de notar a
careta que ela faz ao se explicar. — Eu sou a Valentina e você é a Noah
Clark. Pode me chamar de Val, se achar melhor assim.
Como?
— Você sabe meu nome. Como isso é possível? Eu sou novata, então,
não há chances alguma de você ter ouvido sobre mim — pergunto confusa.
— Eu sou filha do reitor, Paul. Sei tudo sobre você, porque ele a
escolheu a dedo para ser a minha companheira de dormitório. E eu achando
que vindo morar no campus iria ter mais privacidade do que em casa, engano
meu. — Ela resmunga mais para si mesmo e volta a me olhar.
Forço um sorriso, tentando não demonstrar o quão desconfortável ela
me deixou.
— Então, Noah, irmã de Noé. Seja bem-vinda. — Ela saúda, rindo do
seu próprio trocadilho.
Ao menos alguém aqui conhece o trocadilho idiota que envolve meu
nome.
— Eu vou te mostrar seu quarto. Se você quiser, podemos dar uma
volta pelo campus para você conhecer, te garanto que mesmo que por pouco
tempo eu serei a melhor colega de quarto que você terá. Espero que nesse
tempo curto nós duas nos tornemos grandes amigas. — Valentina diz
empolgada.
Sorrio pela sua empolgação que é contagiante. Eu pensei que seria
difícil minha convivência e me acostumar com a minha nova vida aqui, mas
sei que Valentina com esse seu jeito extrovertido fará com que eu me sinta
confortável por estar longe de casa.
— Claro! Já estou animada para conhecer tudo que você quiser me
mostrar — respondo-a fingindo empolgação.
Não que eu não esteja animada, mas esse jeito espontâneo e alegre
dela é novo para mim e me intimida. Tudo é muito novo.
— Ufa! Pensei que eu estivesse te intimidando com a minha euforia.
— Sua expressão se acalma e ela suspira aliviada.
— É só questão de tempo para eu me acostumar com isso, mas só
uma pergunta. Isso é contagioso? — pergunto e ela nega com a cabeça
segurando o riso.
— Se você me alimentar com chocolate toda sexta, garanto a você
que isso não se tornará contagiante. Mas deixa eu te contar um segredo. —
Ela olha para os lados, volta a me olhar e cochicha. — Depois que se
contagia com meu humor não tem mais volta.
— Chocolates, né? — Ela assente. — Que seja, então. Toda sexta lhe
encherei deles. Por que seremos colegas de quarto por pouco tempo? Seu pai
costuma mudar você de dormitório ou algo assim? — pergunto, já
preocupada com a minha permanência aqui. Valentina me recepcionou muito
bem, talvez outra pessoa não seja assim.
— Meu pai me deu um apartamento de presente, só que está passando
por uma reforma que parece que nunca tem fim. Já era hora de eu ter meu
próprio lugar e minha privacidade. Assim meu pai vai se sentir menos
preocupado com quem dorme comigo, sem ofensas, porque se ele te escolheu
é sinal que ele gostou do seu histórico.
— Meu histórico?
— Ele deve ter conversado com seus pais, visto seu histórico... Essas
coisas.
Por um momento, me sinto com a privacidade invadida, mas me
lembro que estamos falando do reitor e de uma forma ou outra ele teria
acesso ao meu histórico.
— Vem, vamos conhecer seu quarto.
Valentina me arrastou até o pequeno corredor e abriu uma das portas.
— Esse é o seu quarto, espero que você se sinta em casa aqui. — Ela
diz, dando espaço para que eu entre no cômodo.
Meu quarto é pequeno, porém, bem confortável. Tem uma
escrivaninha no canto, uma cômoda que deveria caber exatamente todas as
roupas que eu trouxe e uma cama de solteiro, isso já está de bom tamanho.
Não sei quanto tempo vai levar para que eu me acostume a morar aqui, mas
espero que não demore muito.
— Você quer ir conhecer o campus agora ou quer se familiarizar
primeiro, ligar para os seus pais, você sabe... essas coisas? — Valentina
indaga sem jeito.
— Oh, é mesmo, você me lembrou de ligar para os meus pais — digo,
sorrindo distraída e pego o meu celular no meu bolso. — Só vou avisar a
minha mãe que cheguei e que está tudo bem e podemos ir.
— Eu vou te esperar lá fora.
— Okay, já encontro você.
Valentina sai do meu novo quarto fechando a porta e eu disco o
número de mamãe, chama duas vezes e cai na caixa postal. Ligo para o
telefone de casa e ninguém atende, estranho, mamãe sempre está em casa
esse horário, tento mais uma vez e sem sucesso, opto por mandar uma
mensagem.
Oi mãe, sou eu. Acabei de chegar no dormitório, eu estou bem,
não se preocupe. Dê um beijo no papai e outro para você. Eu amo vocês.
P.s: Por que você não atende o telefone? Me liga quando puder.
N.
Meus pais tinham coisas importantes para resolver hoje em seus
trabalhos e não puderam vir me trazer, mamãe queria faltar o trabalho,
entretanto, eu insisti muito para que ela não fizesse isso.
Saio do meu quarto e encontro Valentina sentada no sofá mexendo no
celular, quando percebe minha presença ela me olha sorrindo.
— Isso foi rápido, conseguiu falar com eles? — Ela pergunta.
— Não, mas deixei uma mensagem avisando que já cheguei, podemos
ir agora, se quiser — sugiro e ela levanta do sofá em um pulo.
— Vamos, baby, que hoje à noite é uma criança. — Valentina me
puxa pela mão me arrastando porta à fora.
— Valentina, desse jeito você vai arrancar meu braço, tem como ir
mais devagar? — peço, enquanto ela continua andando o mais rápido que
pode e eu tento acompanhar seus passos.
— Eu tinha esquecido que estava te puxando, desculpa. — Ela
diminui os passos e solta meu braço se pondo ao meu lado. — Eu sou um
pouquinho avoada, mil desculpas, Noah.
Um pouquinho?
— Não tenho o que desculpar, como eu disse, logo me acostumo —
sorrio a confortando e ela já está sorrindo novamente. — Depois do tour pelo
campus podemos ir ao mercado próximo se tiver? Preciso comprar algumas
coisas que gosto de comer.
— Meu pai fez compras comigo ontem e a geladeira e armários estão
abastecidos. Não precisa se preocupar quanto a compras, meu pai se
encarrega disso todo mês, guarde seu dinheiro para outra coisa. — Ela
explica enquanto saímos do prédio e caminhamos pelo campus.
— Eu gostaria de ajudar nas compras, assim me sentiria menos
desconfortável e há coisas que eu gosto que não deve ter — tento convencê-
la.
Valentina para de andar e me olha.
— Já vi que você é teimosa. Podemos ir e você compra apenas as
coisas que você gosta, o que eu ver que já tem no dormitório você deixa,
combinado assim? Papai realmente gosta de fazer as compras, ele diz que se
sente útil dessa forma para mim e eu não dou conta de comer todas aquelas
coisas sozinha, o que é meu é seu a partir de hoje, menos o Matthew, é claro.
Mas que diabos é Matthew?
— Matthew é meu namorado. — Ela responde sorrindo, ao ver minha
expressão interrogativa. — Ele é incrível, você vai adorar ele, também vai
gostar de conhecer os amigos dele, você pode até conhecer algum deles se
hum... você sabe, gostar de algum deles.
— Nah... Melhor deixar isso aí quieto, estou bem assim, por enquanto
— digo a cortando e ela me olha estranho. — O que foi? — questiono sua
mudança repentina.
— Não vai me dizer que você é virgem?
Reviro meus olhos com a sua pergunta nem um pouco evasiva.
— Eu não sou virgem, ok? Só não estou interessada, eu vim com um
propósito e esse propósito não é deixar um pênis se enfiar no meio das
minhas pernas — tento soar a mais sincera possível, afinal, é a mais pura
verdade.
— Ela disse pênis, uau... por que não diz logo pau? Prático, fácil e
simples, p-a-u. — Val soletra estalando sua língua no céu da boca, me
fazendo rir. — Viu como é fácil?
— Eu sei como se pronuncia pau, Valentina. Só acho meio informal e
um tanto constrangedor — respondo-a, e ela me devolve com uma careta.
— Você só tem essa carinha de santa, mas por trás desse rostinho
angelical e desse mar azul que são os seus olhos se esconde uma diabinha que
eu sei. — Ela retruca, com um sorriso malicioso que logo se perde ao avistar
alguém há alguns metros atrás de mim. — Ei, Saint!
Me viro para olhar e o garoto do corredor está se aproximando em
nossa direção em passos largos.
— Hey, Val! — Saint exclama ao chegar perto dela, mas seu olhar
logo ganha um novo foco quando ele me nota ao lado de Valentina. — E aí,
novata.
— Vocês já se conhecem? — Valentina pergunta, nos olhando.
— Nos encontramos no corredor, ela estava perdida. — Saint começa
a se explicar. — Não preciso me apresentar, você já sabe meu nome, né,
linda? — indaga.
— Você acredita que não? Eu tenho sérios problemas em gravar
nomes de pessoas que não são interessantes — minto, pois me lembro do
nome dele sim e mesmo se eu não lembrasse, Valentina chamou por ele há
segundos atrás.
— Temos uma mentirosa aqui, então, Valentina me chamou pelo meu
nome e certamente você sabe qual é. — Ele diz sorrindo convencido.
Ótimo, fui pega na mentira.
— Ótima amiga você foi arrumar, Val. Uma mentirosa nata. — Saint
desdenha.
Queria responder a altura e dizer que nós não somos amigas,
acabamos de nos conhecer. Somos apenas conhecidas, mas sei que isso
deixaria a Valentina magoada. Então, seguro a minha língua dentro da boca e
continuo encarando Saint.
Eu já havia reparado no quanto ele era bonito, mas agora o
observando sob a luz do sol vejo que ele é mais bonito ainda.
Saint é o tipo de todas as mulheres, estaria mentindo se eu dissesse
que ele não faz meu tipo, eu lhe daria 1,90cm de altura, seus ombros são
largos, ele parece ter um porte atlético malhado, seus olhos castanhos claros
combinam perfeitamente com sua pele clara coberta de sardas.
— Nós vamos, né, Noah? — Valentina me acorda dos meus
devaneios, Saint tem um sorriso torto nos lábios. Certamente me pegou o
observando.
— Vamos onde? — questiono.
Mas não vou a lugar algum se não for do mercado que ela esteja
falando.
— Ao mercado, Noah, Saint disse que passará próximo e pode nos
dar uma carona. — Ela explica.
— Por mim tudo bem, teremos tempo de sobra para você me mostrar
o restante do campus — dou de ombros.
— Então, vamos logo, que Noé hoje vai andar em uma barca
diferente. — Saint diz debochado.
Reviro meus olhos com o seu comentário amigável.
Se eu não fui com a cara de Saint antes, agora menos ainda. Está fora
de questão nos tornarmos amigos, o que adianta ter um rosto bonito e ser um
completo sem noção?
Se ser amiga de Valentina significa ter que ser amiga de Saint ou ter
que aturá-lo constantemente, ela já pode me considerar uma desconhecida,
literalmente.
“Controle o que você puder.
Confronte o que você não pode.”
(UN) LOST – THE MAINE

O AR ÚMIDO DE NOVA YORK NO CALOR É UM TANTO


OPRESSOR, mas gosto que seja úmido. Me lembra Portland, onde os dias
quase sempre são chuvosos, até mesmo no verão o ar é úmido e o céu sempre
carregado de nuvens. Eu sinto falta de Portland, mas antes de tudo vem os
meus sonhos.
Faz um ano e meio que eu estou em Juilliard, e mesmo assim meu pai
acha que vai conseguir me compelir. Ele ainda deve ter aquele pensamento
arrogante de que eu estou brincando de ser superstar quando nem mesmo
sou um, mas é assim que ele se refere a minha banda.
Meu pai nunca aceitou muito bem o fato de eu ter colocado a música
em primeiro lugar na minha vida. Eu nasci para cantar e tocar, embora ele
ache que eu deva seguir seus passos na empresa do meu avô. Juilliard não
estava no meu plano, eu já tinha minha banda de garagem formada,
tocávamos às vezes em casamentos, bares e em festas de caridades, não era
muito dinheiro que conseguíamos com isso e nós nem mesmo precisávamos,
mas era o suficiente para as pessoas saberem que a Metamorphosis existe. De
início somos uma banda de cover, tocamos todos estilos de músicas, temos
algumas músicas de nossas autorias escritas, a maioria das músicas são
escritas por mim e John, o baixista e segundo vocalista da banda, mas não
nos arriscamos a tocá-las no pub onde cantamos por medo de alguém plagiar
nossa letra.
Ninguém disse que seria fácil fundar uma banda independente, mas
também não é difícil quando seus companheiros de banda correm lado a lado
junto com você para tornar a banda reconhecida.
Vim para Juilliard só para pirraçar o meu pai, já faz um ano e hoje eu
não me vejo mais como o adolescente de 18 anos que entrou aqui para não
ceder aos caprichos do pai. Hoje com quase 20, eu tenho certeza do que eu
quero.
Eu quero viver para a música, eu quero tornar minha banda visível
para todo mundo, eu quero ser um sucesso.
— Saint? Acorda cara. — Matthew chama a minha atenção jogando
uma bolinha feita de papel em meu rosto, levanto minhas sobrancelhas em
sinal de questionamento. — Já tem cinco minutos que você está parado sem
tocar no seu café, o que foi dessa vez? — questiona, já sabendo que o motivo
dos meus devaneios é o meu pai.
Matthew é o baterista da banda e meu melhor amigo de infância.
Quando deixei claro para ele e para o restante da banda a minha vontade de ir
embora de Portland e vir para Nova York, eles não só me apoiaram, como me
acompanharam. Entretanto, apenas eu estou em Juilliard, cada um deles faz
uma coisa diferente da vida, Matthew por exemplo, cursa ciência da
computação, o cara é um nerd.
Todos eles têm planos para o futuro e querem ser bem-sucedidos, a
banda era para ser um hobby para mim, assim como é para eles, mas eu não
me vejo fazendo outra coisa senão tocar e colocar no papel todas as minhas
frustrações e transformar em música.
— Dora ligou ontem à noite. Meu pai quer conversar comigo, ele está
vindo para Nova York hoje — respondo-o girando minha xícara de café em
cima da mesa.
— O velho vem para Nova York só para conversar com você?
Alguma coisa tem nisso aí, você não perguntou a sua mãe o que poderia ser?
— Ele questiona intrigado.
— Eu até perguntei, mas fui interrompido e tive que encerrar a
ligação.
Dou um sorriso torto ao me lembrar da nova companheira de quarto
da Valentina. Descobri seu nome depois que a encontrei passeando pelo
campus com a Valentina ontem e algo me diz para tomar distância daqueles
olhos azuis inocentes, e é o que eu farei. Não quero mais problemas, já tenho
demais por causa do meu pai.
— Que merda cara, seja lá o que for... boa sorte?
— É, talvez boa sorte.
Me despedi de Matthew e sem muita pressa vim para a escola, a
cafeteria que costumamos frequentar não é muito longe, hoje é o primeiro dia
de aula para muitos e para mim é só mais um.
Caminho pelo corredor extenso e avisto novamente a loira dos olhos
azuis, que mais uma vez está perdida. Pelo menos é o que parece.
Aproximo-me dela que está de costas para mim e nem nota a minha
presença.
— Está perdida, linda? — sussurro por trás dela, percebo seu corpo se
tencionar ao ouvir a minha voz.
Devagar ela se vira me olhando dos pés à cabeça e aperta a alça da
bolsa nos dedos.
— Gosta do que vê, boneca? — questiono e a ouço bufar.
— Já vi melhores, está me seguindo por acaso?
— Eu estudo aqui, se você não se lembra.
— Ah... é verdade.
— O que faz parada aqui?
— Eu não sei onde é a minha sala e a Valentina disse que não
demoraria.
— Ela deve ter se esbarrado no Matthew por aí, se acostume, boneca,
é sempre assim.
— Noah, meu nome é Noah.
— Então, a boneca resolveu ceder e me dizer o nome formalmente?
— indago e sorrio divertido ao vê-la revirar os olhos.
— Hoje é o seu dia de sorte, estou de bom humor, deixa eu ver o seu
roteiro de aula — peço e ela retira um papel da bolsa e me entrega.
— Nah, vamos ter a primeira aula juntos, introdução a música
clássica, trouxe fones? Porque senão, você vai dormir. É um saco — devolvo
o papel a ela que sorri sem jeito. — O que foi?
— Eu... — Ela me olha envergonhada e eu cruzo os braços arqueando
uma de minhas sobrancelhas.
— Você? — questiono.
— Eu gosto de música clássica. — Ela confessa.
— O que você faz?
— Dança clássica, ballet para ser mais precisa.
— Huh, uma bailarina. Adoraria ver a sua abertura. — Lhe dou o
meu melhor sorriso e logo sinto sua mão pesar em meu braço.
— Você é um nojento, eu me viro sozinha.
Reprimo a minha vontade de rir e a vejo andar pelo corredor varrendo
o mesmo com os olhos.
— Está indo pelo caminho errado, boneca, ala leste — elevo meu tom
e caminho logo atrás dela passando a sua frente. — Eu deixo você me seguir,
se quiser.
— Você é sempre assim?
— Assim?
Paro de andar e espero ela me alcançar para encará-la.
— Assim, arrogante.
— Vou considerar isso como um elogio. Isso porque estou de bom
humor.
— Não quero nem imaginar seu mau humor.
A ouço resmungar, porém, ignoro. Não vou perder a paciência divina
que não tenho com ela, deixa para perdê-la com o meu pai.
Caminhamos em silêncio até a sala e por ironia do destino
sentaríamos próximos, só havia cadeiras vagas perto uma da outra. Todos
estavam sentados em grupo, eu odiava essa dinâmica de sempre da aula de
música clássica.
Noah senta ao meu lado contragosto e eu lhe lanço um sorriso
divertido.
Ótimo que minha presença a incomode, eu não a quero por perto
mesmo. Quanto mais eu irritá-la, mais longe de mim ela ficará.
Noah tem estampado problema escrito em sua testa e de problema, eu
estou correndo fora.
“Eles dizem que antes de começar uma guerra.
É melhor você saber pelo o que você está lutando.”
ANGEL WITH A SHOTGUN – THE CAB

EU TIVE O DESPRAZER DE ATURAR SAINT LOGO PELA


MANHÃ E ainda dividir uma aula com ele. Aula essa que nos levou a formar
já de início uma dupla de trabalho fixa para a aula de música clássica.
Saint tentou contestar alegando que está aqui mais tempo e que eu sou
nova, mas isso só serviu para o professor afirmar que seríamos a dupla
perfeita, exatamente por esse motivo, duas pessoas de estilos diferentes e em
níveis diferentes, segundo ele funcionaríamos melhor assim do que estando
no mesmo semestre e estudando a mesma coisa.
Saint estuda música, eu o ouvi tocar e até que ele toca razoavelmente
bem. Porém, o que ele tem de talento e beleza, tem de arrogante e isso o torna
insuportável.
Minha próxima aula é de dança e eu estou bastante ansiosa e ao
mesmo tempo tensa. Ouvi muitas pessoas comentando sobre as bailarinas
bastante habilidosas que há aqui.
Entro na sala e algumas meninas estão espalhadas e outras
conversando, não tem mais que dez meninas aqui, isso de alguma forma me
conforta, já que eu odeio sala cheia.
Uma senhora baixinha de cabelos grisalhos entra na sala batendo
palmas com o intuito de chamar nossa atenção.
— Muito bom dia, vejo que há muitas alunas novas por aqui. Sejam
bem-vindas, eu sou a professora Louise de dança clássica e eu espero que ao
longo dessa jornada nos tornemos uma equipe e muito além disso, uma
família.
Louise pediu que nos organizássemos em uma fila de frente para ela e
que retirássemos nossas roupas. Como eu não estava preparada e minha
roupa estava na minha bolsa, assim como outras novatas, Louise nos deu
tempo para que trocássemos.
Troquei de roupa o mais rápido que eu consegui, retornei para o
centro da sala apenas de collant, saia, meia calça, sapatilha de ponta e minha
polaina rosa bebê.
— Claire, um passo à frente por favor. — Louise pede e a garota faz,
ela é alta, seus cabelos loiros estão presos em um coque grande e cheio, sua
franja cobre a sua testa, ela parece uma boneca que saiu da prateleira de uma
loja de tão linda que é. — Meninas, essa é a Claire, a aluna mais velha que
temos aqui. Claire está há um ano e meio conosco, embora ela esteja bem
adiantada, ela é uma das minhas melhores e se candidatou a me auxiliar com
as novatas agora no início. Considerem-na como uma supervisora, quaisquer
dúvidas, dificuldades vocês podem se sentir à vontade em procurar a mim e a
Claire, estamos entendidas? — Ela pergunta passando o olhar por cada uma
de nós sorrindo.
Assentimos uníssonas e ela bateu palmas.
— Um, dois e três. — Ela bate palmas e gesticula com o dedo
indicador para a barra em frente ao espelho que está logo atrás de nós. —
Para a barra, meninas.
Fomos para a barra e nos posicionamos, Louise se aproximou de nós.
— Vocês estão aqui porque alguém naquela audição viu talento em
vocês. — Ela caminha passando ao lado das primeiras alunas na barra e
pergunta o nome delas, anda mais alguns passos e volta a falar. — Vocês
estão aqui porque são capazes e tem potencial. — Mais uma vez ela para e
agora caminha em minha direção.
— Qual é o seu nome? — Seu sotaque francês arrastado agora é
nítido, antes não dava para perceber, mas agora ouvindo de perto sei que ela é
francesa.
— Me chamo Noah, senhora — digo e ela sorri graciosamente.
— Noah, seja bem-vinda.
— Obrigada — sorrio agradecida.
Ela passa por mim e pergunta o nome das outras meninas e para em
minha frente, já que eu estou no meio entre todas, há cinco meninas em cada
lado. Como eu havia imaginado, eu estava certa, não há mais que onze alunas
contando comigo.
— Vocês estão aqui para se tornarem as melhores profissionais que
um dia existiu, para serem as melhores e vencedoras do que vocês quiserem
ser na vida, temos uma longa caminhada pela frente e eu estarei muito
orgulhosa de cada uma de vocês no final. Vamos lá, garotas? — Ela pergunta
e todas nós assentimos.
1 2
— Aquecendo! Demi plié , levante! Grand plié agora.
Louise ditava os passos básicos para alongamentos e nós repetíamos
sem contestar, nos aquecemos por longos minutos, agora estávamos sentadas
3
no chão em espacate aberto e com a nossa testa colada no chão.
É uma posição um tanto desconfortável, entretanto, ajuda bastante na
4
flexibilidade, facilita os arabesque e o arco das costas.
— Podem se levantar, vamos ver o que vocês têm de melhor para me
mostrar, eu vi o vídeo da audição de cada uma de vocês, mas agora quero que
me impressionem, sem nervosismo e sem medo. Não estou aqui para eliminar
vocês do programa, estou aqui para ajudá-las, vamos começar por você. —
Ela aponta na minha direção, por um momento sinto minhas pernas bambas,
mas respiro aliviada quando a morena ao meu lado se prontifica a dar um
passo à frente. — Vamos ver se eu gravei os nomes, Jenna, né?
— Sim, senhora. — Jenna responde com um sorriso tímido.
— Vocês podem me chamar de Louise, senhora está no céu, venha,
Jenna. Não precisa ficar nervosa, você tem alguma música de preferência que
queira colocar enquanto performa?
— Eu posso? — Ela pergunta e Louise assente. — Só um momento.
Jenna se afasta e vai até a sua bolsa que está pendurada no suporte e
pega seu celular, ela volta para perto de Louise e a entrega o celular, em
questão de minutos batidas calmas soam pela sala e a voz da Sia ao som de
Helium ecoa pelo cômodo.
Ela foi esplêndida na sua performance solo e arrancou aplausos de
todas nós, assim foi uma por uma até chegar na minha vez.
Um pouco nervosa e tímida, eu falo qual música eu quero para Louise
— que havia decidido usar seu celular para evitar que cada uma vá até as suas
respectivas bolsas e pegue o seu, isso para poupar tempo.
Fechei meus olhos e, então, os acordes de Endlessly começou a tocar.
É um estilo de música diferente para se apresentar diante de uma
profissional que quer avaliar meus passos e conhecimentos, mas de alguma
forma essa música me encoraja, me faz libertar uma Noah que eu
desconheço.
Só senti a sola dos meus pés tocando no chão quando ouvi aplausos,
abri meus olhos para olhar em volta e as meninas estavam sentadas me
aplaudindo.
— Obrigada — sorrio tímida e me sento ao lado de Claire, era o único
lugar com espaço entre as meninas sentados no chão.
Louise se juntou a todas nós se sentando em nossa frente e nos
explicou e tirou todas as dúvidas que tínhamos, ela nos encorajou e disse que
se estamos aqui é porque somos boas de alguma forma, e que cada uma
possui um talento diferente da outra. Além de contar como foi a primeira
experiência dela no palco e se apresentar, ela dividiu com nós relatos de sua
primeira aula na qual ela caiu e de primeira torceu o pé, ela tinha apenas
quinze anos e não desistiu na primeira queda.
— Meninas, a aula de hoje foi apenas um aquecimento, vocês estão
liberadas. Aproveitem para conhecer o campus e a cidade! — Ela exclama
animada.
— Você foi magnífica, dançou de corpo e alma. — Claire comenta.
— Eu sou Claire, mas você e todas já sabem. — Ela ri e me estende a mão.
— Noah, mas você também já sabe — repito o que ela disse e aperto
a sua mão, ela acena com a cabeça concordando. — Você é muito boa, a
quanto tempo dança? — pergunto a olhando, ela não deve ter mais que vinte
anos, é muito nova.
— Desde que meu avô me mostrou uma foto da minha mãe, eu a
achei linda e passei a admirar aquilo, pensei comigo mesma e por que não
arriscar? Arrisquei aos meus dez anos e estou aqui. — Ela responde dando de
ombros e desfazendo o laço da sapatilha.
— Sua mãe também dança? — indago enquanto desfaço o meu
coque, que estava apertado e me dando dor de cabeça.
— Não, ela parou cedo. Meu avô costuma dizer que ela era
preguiçosa demais para abrir um simples espacate.
— Diga a ele que isso não é simples — murmuro sorrindo.
— Eu queria poder dizer isso a ele pela centésima vez, meu avô
morreu há alguns meses. — Ela me dá um sorriso triste e abaixa a cabeça,
desfazendo o outro laço.
— Eu sinto muito, eu também perdi meu avô e sei bem como é isso,
mas nós temos que ser forte e seguir em frente, dar orgulho aos que foram e
insistir em nossos sonhos — digo, colocando a mão no ombro dela tentando
confortá-la de alguma forma.
Como eu queria alguém para me dizer isso quando o meu avô morreu.
— Você parece meu tio falando agora, tio Liam, é você que está nesse
corpo? — Ela brinca sorrindo.
— Eu pareço com o seu tio? — indago e ela ri negando.
— Estou indo encontrar a minha irmã no café, quer ir junto? — Ela
pergunta, mas eu nego com a cabeça.
— Eu pretendo procurar um emprego, conhece algum lugar que está
precisando de alguém? — tiro as minhas sapatilhas e as seguro na minha mão
e me levanto. Claire se levanta junto comigo e estala os dedos como se
tivesse tido uma ideia.
— Tem uma livraria perto da cafeteria, eles sempre estão precisando
de alguém, o nome da dona é Eva e ela é muito simpática.
— Então eu acho que mudei de ideia, irei com você na cafeteria e
você me mostra onde que é essa livraria.
— Perfeito! — Ela exclama animada.
Claire e eu trocamos de roupa no vestiário e fomos andando até a
cafeteria. Nos sentamos na mesa que havia no lado de fora e era mais fácil
para a irmã dela nos achar quando chegasse, o dia estava quente e nada
melhor que um ar fresco.
— Então, Noah, de onde você é? — Ela pergunta.
— Sou de Miami e você? É daqui mesmo? — indago.
— Acho que felizmente sim. — Ela responde sorrindo.
— Cheguei, estou muito atrasada? — Uma voz soa atrás de mim e eu
me viro para olhá-la.
Eu estou vendo coisas, o calor subiu a minha pressão demais ou tem
duas Claire na minha frente? Olho de uma para outra em busca de algo
diferente, além das roupas e não encontro.
— Eu acho que estou vendo coisas — pisco meus olhos e abro
novamente, agora a Claire dois está sentada conosco na mesa e me olha
rindo.
— Eu sou a Chloé, irmã gêmea dessa testuda aqui. — Ela explica
sorrindo. — E você é?
— Noah. Por um segundo eu realmente achei que era coisa da minha
cabeça — digo e as duas riem.
— As pessoas ficam assim, às vezes nós duas nos vestimos iguais,
junto com as gêmeas da nossa tia e nos misturamos entre elas para nossos
pais tentarem saber quem são. — Claire diz nostálgica. — Tirando nossas
mães, só o vovô acertava.
— Quantos gêmeos tem na sua família? — pergunto de olhos
saltados.
— Claire, chega de encher a menina de informações, ela mal chegou e
você já está a assustando. — Chloé resmunga. — Não liga para ela, Noah,
nossos primos são trigêmeos, mas um deles são meninos. Não se assuste, por
favor.
— Deve ser incrível ter uma família grande assim — digo e elas
acenam confirmando.
— O que vocês pediram? — Ela pergunta para a irmã.
— O de sempre. — Claire responde.
— Então, Noah, você dança também? — Chloé me pergunta.
— Sim e já vi que você não, certo? — indago tendo a atenção total
dela. — Pensei que gêmeos tinham tendência a fazer sempre as coisas juntos
ou iguais.
— Algumas pessoas levam muito ao pé da letra que gêmeos são
inseparáveis, inclusive, nossos pais. Eu faço moda. — Ela responde sorrindo.
— Ela é o orgulho da titia. — Claire desdenha. — Só porque os
trigêmeos seguiram a mesma carreira que o pai, minha tia não se conforma,
uma vez que ela detesta médico e mesmo que Amy tenha escolhido ser
veterinária, minha tia ainda acha que cuidar de animais é a mesma coisa que
cuidar de pessoas a partir do momento que envolve agulha. — Ela completa
rindo.
Por um momento, eu senti inveja delas terem algo que eu nunca tive
além dos meus pais, uma família, primos e tios. Sorrio olhando para as duas
que engatam em uma conversa.
— Eu acho melhor eu ir logo na livraria, tenho que voltar para o
dormitório e a minha colega de quarto deve estar surtando pela minha
ausência — digo, imaginando que de fato Valentina deva estar aos prantos
me procurando, bem a cara dela.
— Fica, Noah. — Chloé pede.
— Eu preciso mesmo ir, Chloé, foi um prazer conhecer vocês. — Me
levanto pegando a minha bolsa e a colocando no ombro, mas sou parada por
Claire.
— Desculpe perguntar, mas quem é a sua colega de quarto? — Ela
pergunta.
— Valentina, acho que você deve conhecer — respondo e ela acena
confirmando.
— É uma das melhores pessoas que você vai conhecer aqui, Noah,
muitas pessoas não se aproximam dela por causa do Paul e embora ela não
demonstre, isso a abala. Ela é incrível e tem um coração gigante, faz bem em
ser colega de quarto dela, ela precisava mesmo de companhia. Nunca a perca
de vista. — Claire aconselha.
Nunca a perca de vista. Não perderei.
— Muito obrigada pelo conselho, Clair, vou guardar comigo — digo
e ela abre um sorriso.
— Gostei do apelido, nos vemos amanhã, Noah. — Ela informa.
E eu aceno e me despeço das duas cópias perfeitas sentadas à mesa.
A livraria ficava do outro lado da rua em uma esquina, ao entrar a
porta fez barulho sinalizando que alguém havia entrado e atrás de uma estante
de livros, apareceu uma senhora grisalha que me lembrava bastante a minha
avó.
— Boa tarde, querida, em que posso ajudá-la?
Dou uns passos à frente até estar totalmente frente a frente com a
senhora e dou-lhe o meu melhor sorriso.
— Fiquei sabendo que a senhora está contratando e eu... bom eu
nunca fiz isso, nunca trabalhei, mas eu quero e preciso muito. Eu sei limpar,
entendo de livros porque leio muito e posso aprender seja lá o que for que a
senhora precisar que eu faça.
Eu praticamente estava implorando para que ela me cedesse a vaga e
aceitasse minha pequena abordagem e apresentação.
— Qual é o seu nome, menina? — Ela pergunta me analisando.
— Eu me chamo Noah.
— Noah, eu preciso muito de alguém que possa ficar aqui durante o
período da tarde até o horário de fechamento que é as sete, você pode lidar
com isso? Se puder a vaga é sua e amanhã mesmo começamos um teste para
ver se você se adequada ao cargo.
— É sério? — exclamo animada e sem conter o sorriso em meu rosto.
— Você pode começar às duas, as informações sobre o salário
passarei para você amanhã dependendo de como você for no teste. E pode me
chamar de Eva.
— Meu Deus, isso é perfeito! Muito obrigada, senhora Eva, não irá se
arrepender, prometo dar o meu melhor — informo e ela sorri amistosa.
— Eu sei que dará, menina, então temos um encontro marcado
amanhã. Tudo bem?
— Tudo bem — confirmo.
Eu não conseguia parar de sorrir. Saí da loja sorrindo por todos os
cantos, não via a hora de poder ligar para os meus pais e contar a eles sobre a
novidade, era sorte demais conseguir um emprego que não fosse atrapalhar as
minhas aulas, só espero que o salário seja bom o suficiente para que eu possa
ajudá-los, nada me faria mais feliz do que ajudar os meus pais.

A semana passou correndo e ainda era difícil acreditar que eu estava


em Juilliard. Eu dava o melhor de mim nas aulas e curtia ao máximo cada
momento, até fiquei triste por hoje ser sexta-feira. Ainda tinha o recém
emprego que eu havia conseguido, a senhora Eva me contratou e eu começo
oficialmente na próxima semana.
— Como foi a sua primeira semana de aula, querida, e o trabalho? —
Minha mãe pergunta do outro lado da linha, ouço barulhos de panelas e sorrio
com o pensamento dela estar cozinhando alguma coisa nova como faz toda
sexta-feira.
— Foi ótima, mamãe, as pessoas são bem receptivas. Eu fiz o
treinamento com a dona Eva, ela é muito simpática e acalentadora, ela gostou
de mim e eu começo a trabalhar mesmo na segunda-feira. O que você está
fazendo para o jantar? Posso ouvir daqui o barulho das panelas.
— Isso é perfeito, querida! Estou tentando fazer um uma torta de
nozes que eu vi no programa, eu sei que você ama nozes e quis arriscar.
— Nesse momento, eu estou desejando ser a sua cobaia.
— Oh, querida, eu também queria que você estivesse aqui. — Minha
mãe diz emotiva e suspira. — Bom, nenhum garoto bonito? — Ela questiona
voltando ao assunto inicial, minhas aulas.
— Vários, mãe, mas nenhum que tenha despertado meu interesse, só
despertam meu estresse diário — respondo me referindo ao babaca do Saint.
— Quem anda despertando o estresse da minha garotinha? — Papai
pergunta.
— Mãe! — repreendo sabendo que o celular dela está no viva-voz.
— Desculpe, querida, eu não tinha outra escolha senão colocar no
viva-voz, estou falando com você e fazendo a torta. Ignora o intruso do seu
pai, mas responda à pergunta.
— É um garoto que faz uma aula comigo, que é a de música clássica.
Ele é bem arrogante e outras vezes age normal. É estranho, acho que ele é
bipolar.
— Garotos são que nem ervas daninhas, fique longe deles, querida, ou
eu mesmo irei aí com meu inseticida cuidar desse problema. — Papai brada
fazendo mamãe e eu rirmos.
— Pai, está tudo bem. Guarde seu inseticida, eu sei me defender, mas
se eu precisar recorrer, eu aciono você.
A porta do apartamento se abre e Val entra aos beijos com Matthew,
mas para logo que me vê e acena me chamando, aponto para o celular em
minhas mãos e peço para ela esperar.
— Então está certo, querida.
— Mãe, pai. Eu tenho que desligar, nos falamos por mensagens e,
mãe, por favor para de se agarrar com o papai e não esqueça a torta no forno.
— Meus pais riem e eu balanço a cabeça de um lado para o outro tentando
afastar a imagem dos meus pais aos amassos na cozinha.
— Beijos, filha, boa noite. Nós amamos você.
— Eu também amo vocês, mamãe — digo sorrindo e desligo o
telefone.
Antes de ir até a Val, termino de beber a água que eu havia vindo
buscar na cozinha no momento em que meu celular tocou e eu me distraí
falando com a minha mãe.
Saio da cozinha e ando em passos rápidos até a sala, Val está sentada
no sofá com Matthew conversando baixo.
— Por que vocês estão sussurrando? — questiono entrando no campo
de visão deles.
— Não queríamos atrapalhar a sua ligação. — Matthew me responde.
— Oh, certo. Muito gentil da parte de vocês, você podia ensinar
gentileza para o seu amigo, não?! — digo sem pensar, e Matthew tem um
olhar confuso estampado no rosto.
— Ignora o que ela disse. Noah, presta atenção aqui agora, nós vamos
sair hoje. — Val diz eufórica.
— Legal, divirtam-se!
— Não, estou falando eu e você. Nós vamos ver os meninos tocando.
— Val exclama batendo as mãos animada
— Vamos? — questiono de braços cruzados encarando-a.
— Sim, vamos — afirma.
Rolo os olhos e me jogo no sofá dê braços cruzados.
— Oi, Noah, você quer sair hoje à noite? — digo debochada e olho
para o casal ao meu lado e Matthew tem um olhar divertido em seus belos
olhos azuis, embora meus olhos sejam da mesma cor que os dele, eu os acho
mais bonitos ainda. — O que custa perguntar se eu quero ir?
— Noah, é a sua primeira semana aqui, você tem que conhecer a
galera, se divertir e... você começa a trabalhar oficialmente na livraria
segunda, vai ficar sobrecarregada e quando começar os preparativos para o
festival na segunda, mais ainda. — Valentina tenta argumentar e eu me dou
por vencida.
— Ok — solto meus braços os jogando para cima, me dando por
vencida. — Mas só dessa vez, na próxima pergunte se eu quero ir, e que
festival é esse? — pergunto.
— É o festival de dança e música, as inscrições começam na segunda
e o grande vencedor leva 30 mil dólares e a bolsa de estudos. Não é legal? No
semestre anterior foi o de dramaturgia, eu não participei por ser filha do
reitor, mas a Jenny participou e venceu, não é legal? — Ela explica
empolgada.
— Que chato você não poder participar por isso, entendo que alguns
acham que irão dar preferência a você por ser filha do reitor, mas eu acho que
você é como qualquer uma de nós e está lutando por seu futuro.
— Eu sempre falo isso a ela, é o segundo ano que ela não participa e
ela se envolve em toda organização, fica empolgada como se fosse uma das
concorrentes, é um tanto injusto essa regra. Ela deveria resolver isso com o
conselho. — Matthew diz, entrando no assunto.
— Mas aí irão falar que só abrirão essa exceção por eu ser filha do
Paul e blá, blá, blá. Eu não quero ouvir essas coisas e estou para começar a
fazer peças de teatros por fora, mas por enquanto meu pai não sabe. É
segredo. — Ela diz em um sussurro, nos olhando como se tivesse acabado de
confessar um crime.
— Nós não iremos contar, mas eu quero ir na peça ver você
colocando o seu drama em cena — digo a olhando.
— Vocês, Claire e Saint serão os primeiros a serem chamados, quero
vocês na primeira fila.
— Que horas vamos sair?
— Às oito. — Matthew que responde. — A banda começa a tocar às
nove, eu passo para buscar vocês, espero que estejam prontas às oito em
ponto. Não irei esperar por ninguém, ouviu, Valentina?
— Comigo você pode ficar despreocupado, eu não tenho problemas
com horários. Sou pontual — respondo por mim.
— Você podia ensinar isso para a sua amiga, ela não sabe o sentido da
palavra em ponto. Que tal ajudá-la a descobrir? — Matthew implica olhando
diretamente para a namorada.
Reviro meus olhos e me levanto ignorando a resposta nenhum pouco
inconveniente que Valentina o deu.
— Bom, irei me retirar se vocês quiserem sair às oito em ponto, tenho
planos de dormir por uma horinha.
— Bom sono, Noé. — Matthew acena.
— Até mais, McConaughey — aceno de volta o chamando pelo
apelido que eu recém lhe dei.
— Uh, então eu to bem namorando um ator, não?! — Valentina
murmura beijando-o.
— Me poupem, vão para o quarto! Eu também uso esse sofá —
resmungo e faço o caminho até o meu quarto e fecho a porta.
Minha cama sedutoramente me convida a deitar sobre ela, não nego
que eu preciso dormir mais que uma hora, mas como eu não tive escolha e
vou ter que sair logo mais, uma hora será o suficiente.

O pub está cheio, muito mais do que eu esperava, uma música alta e
barulhenta demais para os meus ouvidos tocava. Eu poderia ter dito não e ter
ficado em casa dormindo, mas não ia fazer desfeita quando o próprio
Matthew me chamou para ver a sua banda.
Não que eu não goste de sair, mas eu estou quebrada. Tenho me
esforçado para mostrar e dar o meu melhor durante as aulas, quero que os
professores vejam bom desempenho em mim, caso contrário, eu posso perder
a minha bolsa se eles acharem que eu não sou capaz e boa.
Eu sou capaz e boa, muito boa. Pelo menos é o que eu acho.
Valentina me puxa pela mão e sai me arrastando pelo meio das
pessoas, Matthew não está mais conosco e eu nem sei para onde ele foi, só
não perdi Valentina de vista por estar grudada nela, caso contrário, perderia.
— O que você quer beber? — Ela pergunta um pouco alto para que eu
possa ouvi-la.
— Por enquanto nada, estou bem — respondo.
Ela me ignora e se enfia no meio de duas garotas que estavam no
balcão do bar.
— Greg, duas tequilas, por favor. — Valentina pede tão alto que eu
consigo ouvir, e como sempre ignorando as minhas vontades.
Olho ao redor do ambiente e vejo que escolhi a roupa certa, graças a
Deus.
Eu vesti uma calça skinny preta, uma blusa de ombro caída azul, nos
pés calço uma bota cano curto de salto plataforma. E meu cabelo? Bom... não
é algo que eu me preocupe, para qualquer lado que eu jogar ou pentear ele
fica bom, então apenas penteei para o lado que uso de costume, o direito.
— Tome, no três a gente vira. — Val diz, e me entrega minha dose de
tequila.
Olho para ela pegando a bebida e dou de ombros.
— Um... dois. — Ela começa a contar.
— Três — termino e viro de uma vez o líquido do copo sentindo-o
queimar na garganta.
— Essa é a minha garota! — Val grita e vira olhando para o barman,
eu faço o mesmo e só agora que o movimento cessou, eu consigo notar o
quanto ele é bonito.
Bonito é um eufemismo, ele é gato.
— Greg, agora que abrimos a rodada, desce gelo! — Ela grita e ele
sorri balançando a cabeça.
— Amiga nova, Val? — Ele pergunta, erguendo a sobrancelha em
minha direção.
— Ah, sim. — Ela se aproxima e me leva junto. — Essa é a Noah,
minha nova colega de quarto. Noah, esse é o Greg, ele faz os melhores drinks
que você já deve ter visto na vida.
— O melhor, é? — pergunto sem esconder o sorriso do rosto e
olhando diretamente para Greg.
— É o que dizem por aí, é um prazer, Noah. — Greg estende a mão e
eu como uma boa garota educada, a toco.
— O prazer é todo meu, Greg — murmuro mordendo meu lábio e ele
pisca seu olho para mim, em seguida afasta a mão.
— Greg, é para fazer as bebidas, e coloca essa na sua conta. — Val
resmunga o fazendo rir.
— Você sempre coloca na minha conta. — Greg retruca e ela dá de
ombros. — Então, Noah, você também é atriz? — Ele pergunta, enquanto
preparava as bebidas.
— Não — faço uma pausa pegando a bebida que ele me estende e
volto a olhá-lo —, eu faço dança.
— Que tipo? Desculpe, mas eu não entendo nada disso. — Ele sorri
sem graça.
Greg tem um sorriso muito bonito, o que me deixou parada por uns
segundos o admirando.
— Noah. — Valentina chama, cutucando minha cintura com seu
braço.
A encaro de cenho franzido e ela aponta discretamente com a cabeça
para Greg, enquanto beberica sua bebida.
Volto a olhar para Greg e sinto minhas bochechas esquentarem, eu fui
pega divagando em seu sorriso e nem havia percebido isso.
— E então? — Greg questiona.
— Então? — devolvo.
— O que você dança? — pergunta curioso.
— Eu danço ballet.
— Uh, interessante. — Greg murmurou sem tirar seus olhos de mim.
Sorrio tímida e viro o resto da minha bebida, que por sinal era
realmente boa.
— O que tinha aqui? — pergunto levantando meu copo.
— Vodka, suco de laranja, cranberry e uma pitada de tequila, baby.
— Ele responde.
Baby.
Nunca gostei tanto de alguém proferindo essas palavras como agora,
eu sempre odiei, mas essa palavra saindo da boca de Greg tomam outras
proporções.
— Como? Eu não entendi — minto, só queria ouvir ele pronunciar
baby novamente.
— Noah, para de flertar com Greg! Cara de pau. — Valentina diz
rindo e eu me viro para encará-la. — O quê? Você estava coagindo ele.
— Você me arrastou de casa sem ao menos se importar se eu queria
vir ou não, então deixe-me curtir e eu estava brincando — resmungo e viro
para olhar Greg. — Desculpe se eu te coagi como a senhora dramática disse.
— Ignora a Valentina. Eu gostei de você! — Ele responde me
arrancando um sorriso e colocando duas garrafas de cerveja em cima do
balcão.
— É Greg, acho que eu também gostei de você — murmuro e pego
uma das garrafas acenando com ela em sua direção.
Valentina havia me arrastado do balcão do bar e me levou até uma
mesa com quatro lugares próximo ao mini palco que havia no local. Estava
tocando música eletrônica, algumas pessoas conversavam, outras até
dançavam, eu não tinha visto sinais de Matthew até agora.
— Está quente aqui — digo alto e ela me olha com um olhar suspeito.
— Por que você está me olhando assim? — indago.
— Seu calor vem de dentro das calças e isso se chama Greg. — Ela
responde com um sorriso malicioso. — Daqui a pouco ele vai estar aqui,
talvez ele te refresque ou quem sabe esquente mais ainda?
— Valentina! — repreendo-a, sem conseguir segurar o riso da sua
frase sem cabimentos.
— O quê? Não falei nada demais. — Ela diz dando de ombros e
dando mais um gole em sua cerveja. — Greg é um gato.
— Nisso eu tenho que concordar, ele é realmente um gato, mas
daqueles que vale uma fortuna.
— Posso saber quem é um gato? — Matthew pergunta, aparecendo de
surpresa e se jogando na cadeira vazia ao lado de Valentina.
— Espero que seja eu, é claro. — Saint diz e ocupa a cadeira vazia ao
meu lado.
— Estava demorando — murmuro.
— Oi, você, bailarina. — Saint sussurra próximo ao meu ouvido, me
causando arrepios.
— Oi — respondo seca, me afastando o máximo que posso dele.
Não gostei da sensação que ele me causou, e quanto mais longe eu me
manter dele, melhor.
— Como tem sido a sua primeira semana? — Ele pergunta.
Sério que ele está falando mesmo comigo? Olho para os lados a
procura de mais alguém ou de que ele esteja falando com Valentina ou
Matthew, mas ambos não estão mais a nossa frente.
— Está procurando alguém?
— Sim — respondo e ele arqueia uma sobrancelha. — A pessoa para
quem você fez essa pergunta.
— Você, é claro. — Ele responde como se fosse óbvio e rola os olhos.
— Você tem sérios problemas, passa por mim e finge que eu nem
existo, e agora quer perguntar como foi a minha semana? — solto uma risada
sarcástica e bebo a minha cerveja.
— Você tem idade para beber isso? — Ele indaga curioso.
— Eu tenho idade para fazer coisas que você nem imagina — retruco
áspera.
— Hum, é? — Ele pergunta sorrindo. — Você ainda não respondeu a
minha pergunta.
— Minha primeira semana foi excelente! Satisfeito?
— Noah, eu não sou bom em lidar com pessoas, o problema não é
você, e sim eu mesmo.
— Sério, Saint? Essa é a sua desculpa? Corta essa, ser educado é
quase uma obrigação, mas olha o lado bom nisso. Eu não quero ser sua
amiga, você é aquele tipo de pessoa arrogante que eu desprezo e não preciso
por perto.
— Que bom que pensa assim, Noah Clark, porque eu não estava
tentando ser o seu amigo e sim educado, como você acabou de falar,
educação é obrigação e isso meus pais me ensinaram muito bem.
Saint arrasta a cadeira e se levanta, ao sair andando ele esbarra em
Matthew que o detém com a mão no ombro.
— Depois não diz que eu não tentei — ouço Saint falar com a voz
grossa para Matthew, que imediatamente me olha e solta o amigo.
Dou de ombros, pouco me importando com o olhar decepcionado de
Matthew em minha direção. Termino de beber a minha cerveja e observo
Matthew se despedindo de Valentina e tomando o mesmo caminho que Saint
fez há poucos minutos.
— Vocês dois sempre vão se engalfinhar assim? — Ela pergunta se
sentando novamente em seu lugar.
— Hoje ele resolveu ser legal comigo e amanhã ele vai resolver me
destratar? Não, obrigada, eu estou bem assim, muito bem.
— Noah... Saint é assim de início, mas ele é uma pessoa legal e
depois que você o conhecê-lo melhor, vai entender porque ele é assim.
— Pouco me importo, Valentina! — digo, sem deixar transparecer
minha pequena pontinha de curiosidade no que há por trás de Saint Rivers.
Quando a banda começou a tocar eu já não estava tão animada assim,
na terceira música Greg se junto a mim e Valentina, que cantava em coro
sempre que Saint ou Matthew assumia o vocal, eles são bons, muito bons
para falar a verdade.
— Você quer beber alguma coisa? — Greg pergunta no pé do meu
ouvido.
— Não, obrigada — respondo e meu olhar vai direto para o palco,
onde Saint me encara enquanto toca maravilhosamente bem a sua guitarra. —
Se você não se importar, eu quero ir para casa — digo alto para que a
Valentina também ouça.
— Tem certeza que quer ir embora? — Ele pergunta e eu assinto.
— Mas já? Eles mal acabaram de começar. — Val diz.
— Eu não estou me sentindo bem, barulho demais. Está me dando dor
de cabeça — respondo e ela me olha preocupada.
— Eu vou com você, então.
— Não, Val, fica e se divirta, eu vou pegar um táxi.
— Noah, eu não quero te deixar sozinha. — Ela insiste e eu balanço a
cabeça negativamente.
— Eu posso levá-la se quiser. — Greg diz.
— Obrigada, mas eu posso ir de táxi — afirmo.
— Mas de jeito nenhum! Se o Greguinho aqui disse que te dá uma
carona até o campus, você vai com ele, eu ficarei menos preocupada, Noah.
— Val argumenta e pisca para mim.
— É só uma carona, não vou sequestrar você. — Greg brinca.
— Ok, tudo bem — levanto meus braços em sinal de rendição.
— Podemos ir, então? — Ele indaga.
— Podemos — afirmo e me despeço de Valentina.
Saí do bar acompanhada de Greg, que me conduziu até uma
caminhonete estacionada em uma área privada para funcionários. Esperei que
ele destravasse o carro para mim, mas em um gesto de cavalheirismo, ele
abriu a porta para que eu pudesse entrar, me deixando totalmente sem graça.
— Obrigada.
— Não há de que. — Ele responde sorrindo e fecha a porta do carro.
Greg deu a volta no carro e entrou, ligando-o em seguida e dando
partida à saída do estacionamento.
— Você não tem sotaque estranho e nem fala diferente, de onde você
é? — Ele pergunta, enquanto mantém os olhos atentos na estrada.
— Miami — respondo e observo batucar os dedos no volante. — Isso
é um tique? — pergunto e ele me olha confuso, aponto para os seus dedos.
— Eu gosto de dirigir ouvindo música, costume por causa do
trabalho, quando estou dirigindo em silêncio, eu canto silenciosamente e
meus dedos acompanham meu ritmo, se é que me entende.
— Entendo e não entendo — confesso, dando-lhe um meio sorriso. —
E por que não está ouvindo música agora?
— Nem todo mundo gosta de barulho e você disse que estava com dor
de cabeça.
— Eu só queria vir embora e precisava de um motivo para a Valentina
me deixar vir. Olhe para mim, eu sou uma bailarina, Greg, e eu amo música.
— Então, se não se importar...
Não demorou muito para que ele ligasse o rádio do carro e
Californication do Red Hot Chilli Peppers ecoasse pelo carro.
O resto do caminho fomos em silêncio, Greg fazia uma pergunta ou
outra e entre minhas respostas eu acabava fazendo a mesma pergunta de volta
para ele. Em pouco tempo descobri que ele é do Texas, tem vinte e dois anos,
filho do dono do bar onde os meninos tocam e durante o dia trabalha em uma
empresa de marketing.
Ao parar em frente ao campus, ele desce do carro e não demora muito
a abrir a porta para que eu descesse do carro.
— Está entregue, sã e salva. Eu disse que não ia te sequestrar. — Ele
fala, sem esconder o sorriso.
— Obrigada pela carona e obrigada por não me sequestrar — brinco,
sorrindo de volta para ele.
— Será que você sairia comigo qualquer dia desses? — Ele pergunta
sem jeito, colocando as mãos no bolso e sem tirar os olhos dos meus.
— Por que não? Eu só preciso saber o dia e a hora, combinamos para
depois que eu sair do trabalho.
— Você está aceitando sair comigo?
— Estou, Greg — afirmo. — Anote meu número, quando você
decidir o dia, me ligue.
Com uma animação contida, Greg anotou o número do meu celular e
me levou até a porta de entrada do prédio.
— Então, temos um encontro marcado? — Ele indaga.
— Sim, nós temos um encontro marcado — afirmo convicta.
E ele sorri, mordendo o lábio em seguida e eu quis tanto sentir o gosto
dos seus lábios, mas me recompus, eu havia acabado de conhecê-lo.
— Agora eu preciso realmente entrar, está frio aqui fora e eu acho que
vou congelar — digo e ele assente concordando.
— Nos vemos em breve, Noah. — Greg aproxima seu rosto do meu,
dando um beijo demorado em minha bochecha e se afasta sorrindo. — Muito
em breve.
E eu não vejo a hora, Greg. Penso comigo mesma.
— Boa noite, Greg, foi um prazer conhecer você — murmuro.
— Eu lhe falo o mesmo, tenha uma boa noite, Noah. — Ele diz antes
de se afastar.
O assisto caminhar até seu carro e entrar no mesmo, antes de dar
partida ouço a sua buzina e aceno com a mão. Observo seu carro sumir da
minha vista e entro no dormitório, eu só quero um banho e minha cama, é
tudo o que eu preciso.

— Noah, acorda, você vai perder a hora. — Valentina grita mais uma
vez ao bater na porta.
— Só mais um pouco — grito alto e escondo meu rosto embaixo do
travesseiro.
— Noah, eu não vou te chamar de novo!
Ouço seus passos se afastando do corredor, afasto o travesseiro do
meu rosto e me levanto, bufando frustrada. Não acredito que meu final de
semana passou em um piscar de olhos.
Olho o relógio em cima do criado-mudo ao lado da cama e corro para
o banheiro, eu estou atrasada e muito, se eu pular o café da manhã, consigo
chegar a tempo de pegar o início da primeira aula ainda.
— Merda, merda, merda, Noah — resmungo para mim mesma e corro
para o banheiro.
Eu cheguei vinte minutos atrasada, todos estavam reunidos e por sorte
não havia professor em sala de aula, eu não gosto de chegar atrasada e não
gosto mais ainda de ser chamada atenção por isso. A minha sorte era que
todos aguardavam o reitor para saber detalhes sobre o festival de outono,
festival esse que me interessei depois que a Valentina comentou sobre isso.
Esse não era meu objetivo quando lutei para conquistar a bolsa de estudos
aqui em Juilliard, meu foco era estudar e me tornar uma bailarina
profissional, entretanto, o vencedor do festival irá ganhar trinta mil dólares e
o segundo colocado ganhará uma ajuda de custo para os estudos. Não posso
negar que isso me chama atenção por dois motivos:
Um, é a minha chance de poder ajudar meus pais financeiramente, as
coisas em casa não estão muito boas e desde que vim para Nova York estudar
foi de mal a pior.
Dois, receber ajuda de custo com os estudos é uma ótima maneira de
conquistar rápido meu objetivo, já que o dinheiro que eu ganho na livraria
não é o suficiente para arcar com outras despesas além de pagar meu
dormitório e ajudar meus pais com o restante do meu salário.
— Bom dia, alunos! — Paul, o reitor diz ao entrar na sala de música.
— Bom dia, senhor reitor. — Todos nós falamos em um coro, e ele
sorri falsamente.
— Minha passagem por aqui será rápida. — Ele se dirige em direção
ao quadro de avisos que tem na sala e pendura um papel. — As regras serão
claras, alguns estão aqui há pouco mais de três meses, tenho visto o
desempenho de cada um de vocês, vocês são bons, mas podem ser os
melhores.
Algumas pessoas começam a cochichar na sala e ele pigarreia
chamando novamente a atenção de todos.
— Regra número um. — Ele fala em um tom mais grave para que
todos prestem atenção. — Sem trapaças, sem boicotar os adversários e sem
plágios. Regra número dois, esse ano haverá um limite de inscrições, serão
apenas dez participantes, duplas e grupos serão permitidos. Terceira e última
regra, aquele que não estiver presente ou se atrasar na hora da performance
será desclassificado. Seja um grupo ou dupla, o membro que faltar ou se
atrasar levará o grupo todo a perder, a tolerância máxima para atrasos será de
quinze minutos. E para finalizar, todos os professores de vocês estarão
disponíveis para ajudá-los e ensaiar, um professor escolherá a dedo cada um
de vocês para representar e ser responsável por vocês. A escolha será feita
por eles em consenso. Alguma dúvida?
— Eu tenho, senhor. — Um aluno no fundo diz, levantando a mão.
— Pode perguntar. — Paul diz, erguendo a sobrancelha enquanto
encara o dono da voz.
— Caso o atraso ou a falta, seja de emergência o grupo será
desclassificado mesmo assim? Não seria justo alguém ser desclassificado por
causa de outra pessoa, o senhor não acha? — O dono da voz questiona.
— Nesse caso, será aberta uma exceção desde que o participante
justifique horas antes a sua falta ou caso aconteça algo grave e ele não possa
participar. Algo mais, Richard? Alguém além do Richard tem mais dúvidas?
— Paul pergunta e todos negam com a cabeça. — Perfeito, desejo boa sorte a
todos vocês. Todos aqui são capazes de ganhar, caso contrário, nem mesmo
estariam aqui. Caso haja alguma dúvida estarei à disposição na minha sala
para tirá-las. Estamos entendidos? Tenham um ótimo dia.
— Sim, senhor reitor. — O mesmo aluno, Richard, que havia feito
perguntas, grita do fundo debochando.
Paul bufa e sem dizer mais nada se retira da sala com um aceno de
mão.
Todos se aglomeram na frente do quadro para escrever o nome na
folha que Paul havia colado nele. Alguns estão se dividindo em grupos e em
duplas, não tem mais do que vinte alunos, porém, decido esperar torcendo
para que sobre uma vaga para mim.
Me aproximo do quadro no mesmo instante que Saint se aproxima,
reviro meus olhos em desgosto e ignoro a sua presença. Não tenho nada
contra ele, foi nítido que nós não nos demos bem logo de cara, mas o que
oficializou isso foi o fato dele ter sido desagradável a troco de nada a maioria
das vezes e a forma que ele me olha, como se a minha presença o
incomodasse. Às vezes quando passa por mim me cumprimenta e outras
finge que eu nem existo, e se for para ser assim, eu prefiro nem ter contato.
Volto a minha atenção para o papel a minha frente, o festival será dia
15 de outubro, daqui há três meses e resta apenas uma vaga. A vaga que pode
mudar minha vida e sem dúvidas ela é minha.
Olho ao redor da sala e só tem nós dois agora. Procuro a minha caneta
em minha bolsa, e quando acho e levanto a cabeça para escrever meu nome
na lista, Saint já havia escrito o nome dele na única linha que restava.
— Eu cheguei primeiro que você, isso não é justo — reclamo o
encarando.
— A vida não é justa, princesa. — Ele me responde com um sorriso
audacioso no rosto.
— Olha, Saint, eu preciso muito participar — e ganhar esse festival, é
claro —, não espero que você se solidarize comigo, só que isso que você está
fazendo é um tanto injusto. Eu cheguei primeiro que você, e você esperou o
momento em que eu me distraí para anotar seu nome, você roubou a minha
vaga, por favor, não faz isso comigo.
— Repito mais uma vez, a vida não é justa — repete debochando e eu
reviro os olhos. — O que te faz pensar que precisa tanto quanto eu? Você não
me conhece, garota, você precisa? Que legal, mas eu também preciso, eu
coloquei meu nome primeiro e você dançou, bailarina.
— Podemos formar uma dupla e dividir o prêmio, eu só preciso
participar, Saint, por favor — suplico mais uma vez tentando fazê-lo ceder,
mas acho que vai ser difícil já que ele explode em uma gargalhada.
— E você espera que eu vá colocar uma saia de tule, um collant e
dançar dando piruetas na frente de todos? Isso é meio tosco e coisa de
mulherzinha, minha resposta é não, tente no próximo ano, isso se você for
mais rápida.
Eu queria dizer que ele estava errado e sendo ignorante, queria
explicar que ele não usaria uma saia e muito menos um collant, queria
explicar tudo que ele precisava saber sobre isso para tentar convencê-lo. Mas
a minha verdadeira vontade era de afundar a cara desse garoto machista no
chão, mas me contive. Sou melhor que isso, eu não preciso ser agressiva —
mesmo que ele esteja merecendo — para participar do festival.
— Você é um egoísta que só pensa em si mesmo, um prepotente, é
por isso que ninguém se aproxima de você com outras intenções senão foder,
ninguém se importa com você ou gosta de fazer trabalho com você, porque
você é um egoísta.
— Escuta aqui, garota. — Seu tom de voz eleva, e ele segura em meu
pulso. — Você não me conhece e não sabe nada de mim para falar isso, eu
que não quero sua amizade e formar dupla com você.
Eu queria conseguir dizer alguma coisa, mas o nó que se formou em
minha garganta só me mostrou que as palavras de Saint me atingiram em
cheio, mas por quê? Por que eu estava me importando logo com o que ele
disse?
— O que está acontecendo aqui? — Paul aparece na porta e Saint
solta meu pulso.
— Nada, eu já estava de saída. — Ele resmunga se afastando e indo
em direção à porta, mas Paul o impede.
— Eu vi o que estava acontecendo e você não vai sair daqui até que
um de vocês me explique tudo isso. — Paul me olha com olhar cauteloso ao
notar minha expressão. — Você está bem?
Não, não estou bem, mas apenas balanço a cabeça afirmando que
estou bem, se eu respondesse minha voz me acusaria.
— Noah, você pode me explicar o que estava havendo entre vocês, há
dois minutos atrás? — Paul pede, olhando de mim para Saint que bufa e se
escora na parede.
— Havia somente uma vaga disponível para o festival e nós dois
chegamos ao mesmo tempo, porém, eu cheguei primeiro, quando fui escrever
meu nome Saint já havia escrito o dele e, então, começamos a discutir sobre
isso — explico o que de fato aconteceu para o Paul.
— Por que vocês dois não formam uma dupla? — Ele pergunta e
Saint ri irônico.
— Até parece que eu vou dançar coisa de mulherzinha. — Saint
resmunga irritado.
— Ballet não é coisa só para mulher, Saint, muitos homens dançam
ou vocês formam uma dupla ou nenhum dos dois participam. — Paul
sentencia e aí mesmo que Saint se irrita ainda mais.
— Ela não deve saber tocar nenhum instrumento além de dançar, se
ao menos souber cantar repenso em fazer dupla com ela.
— Eu não sei tocar instrumento e nem cantar — digo sincera e Saint
olha para Paul com a sobrancelha erguida como se quisesse dizer “Está
vendo? Eu tenho razão e a vaga é apenas minha”.
— Não será necessário saber nenhum dos dois, Noah, vocês irão
formar um par e dançar ballet juntos! Você é boa e só ouço elogios, tenho
certeza que saberá ensinar Saint a dançar, vocês terão três meses até o festival
para lidar com isso. Quem sabe no final a opinião dele sobre essa “coisa de
mulherzinha mude”, não pense nisso como uma advertência Saint e sim
como um aprendizado.
— Por mim tudo bem, não vejo problemas — respondo Paul dando de
ombros e sorrindo satisfeita.
— Eu vejo problemas, já disse que não vou dançar essa coisa, eu
escrevi meu nome primeiro, portanto, a vaga é minha. — Saint o corta
ríspido.
— Eu sou o reitor dessa escola, Saint, ao menos que você queira
participar do festival você irá dançar ballet com a Noah querendo ou não.
Caso contrário, está desclassificado e Noah irá participar sozinha. Vocês têm
três meses para se decidirem, se não aparecerem juntos no festival sei que
você não aceitou essa oferta e ela se apresentará sozinha, é uma escolha de
vocês. Estou me retirando e espero não encontrar vocês dois discutindo por
causa disso mais uma vez. Estamos entendidos? — finaliza e nós dois
assentimos, Paul nos dá um aceno e se retira da sala.
— Está vendo o que você fez? Quem é o egoísta agora, princesa?
— Eu não sou egoísta, Saint, nós dois precisamos dessa vaga e
precisamos ganhar, não sei por que esse show barato. Qual é o problema?
— Você é o problema, Noah! Eu só vou participar porque eu preciso,
mas você vai se arrepender por me fazer passar por essa humilhação. Você
vai se arrepender — exclama irritado e sai da sala me deixando sozinha.

Existem alguns tipos de pessoas que quando não estão bem se isolam
e não se alimentam, eu faço parte do lado oposto.
Eu como e depois choro. Eu como tudo que vejo pela frente ou o que
tenho vontade sem pensar, me alimento para me sentir bem, me sacio para me
tornar melhor.
Que louco, não?
Eu me pergunto quando as coisas irão dar certo, quando eu vou me
sentir bem comigo mesma.
Estou carregando esse dilema comigo desde a adolescência e até hoje
eu não encontrei o sentido real disso.
Eu sou filha única, amada e adorada pelos pais que sacrificaram tudo
para me dar o melhor e para nunca me faltar nada, mas eu sempre senti falta
de algo ou alguém na minha vida.
Alguém que pudesse estar ali para mim, uma amiga ou amigo, que no
final dos meus dias me dissesse que iria ficar tudo bem — mesmo quando
nós sabemos que não vai ficar nada bem — que me dissesse: eu estou aqui e
não vou te deixar, alguém para sorrir, chorar, compartilhar momentos e que
fosse legal. Alguém que só ficasse e nunca se fosse.
Mas eu nunca tive esse alguém.
Até aparecer Valentina na minha vida.
Ela me anima, me coloca para cima e me faz sorrir por hora, mas
quando ela está longe a realidade cai sobre mim e eu me isolo novamente, e
me sinto sozinha como sempre.
Hoje em dia se você conversar sobre isso com alguém as palavras
serão: Eu te entendo, sei como você se sente.
A verdade é simples. Você não sabe nada até que esteja no meu lugar
e sinta o que eu sinto.
Enquanto isso, são só palavras para tentar te confortar que acaba
tendo efeito nenhum.
Mas logo eu fico bem.
— Eu sempre fico bem — murmuro para mim mesma, enquanto enfio
um pedaço de chocolate na boca.
E é assim que eu me encontro nesse momento ou melhor, em minhas
fases.
Lembra que eu falei que como para me sentir bem?
Na saída do trabalho eu passei no mercado e me senti uma criança,
enchi a cestinha de doces de todos os tipos e alguns snacks. Estou comendo
tanto que sinto que vou explodir e agradeço mentalmente pela Valentina ter
saído com o Matthew, pois tudo que está dentro dessa enorme barriga à
minha frente será descartado daqui a pouco, assim que eu me sentir melhor,
só espero que não demore para isso acontecer.
Estou assim desde a minidiscussão com Saint hoje.
Após as palavras do reitor decretando que teríamos que competir
juntos, ele se transformou.
Eu não vejo problemas em competir com alguém e dividir o prêmio,
mas Saint vê. Parece mais preconceito e vergonha de dançar, do que egoísmo
e capricho.
Sei quando homens tem preconceitos com dança e acham coisa de
mulherzinha. Muitos recriminam homens que dançam e julgam alguns como
homossexuais.
Se você pensa dessa forma, é só mais um preconceituoso que segue
padrões da sociedade pelo mundo.
Há tanto homossexuais quanto heterossexuais no mundo da dança
clássica.
Você não precisa ser afeminado para gostar de dançar ballet, a música
abraça as pessoas de todas as idades, cores e raças. Erro seu apontar um dedo
diante a isso.
Mas o que realmente me deixou mal foram as palavras que Saint se
dirigiu a mim. Ele me chamou de egoísta e mesquinha. Acrescentou que
dessa forma eu nunca vou ter amigos de verdade e ninguém ao meu lado.
Eu não sou egoísta por querer ajudar meus pais, poder afrouxar o
aperto que eles estão passando no momento.
Talvez eu seja egoísta por outros motivos, mas não por esse.
E Saint, você não me conhece.
Jogo a embalagem de chocolate no chão e me levanto da cama, meu
quarto está parecendo um chiqueiro.
Saio do meu quarto e vou direto para o banheiro, olho meu estado
deplorável pelo espelho e desvio meu olhar para a privada ao meu lado.
Instantaneamente, enfio dois dedos na minha boca forçando em minha
garganta, a ânsia vem e eu a deixo me abraçar.
Estou agachada ou melhor dizendo, abraçada ao vaso sanitário
vomitando tudo que eu comi nas últimas horas, não sei onde eu estava com a
cabeça de me entupir de tanta besteira de uma vez.
Eu amo comer, não tenho problemas com comida e nenhuma doença,
como eu disse, como para me sentir bem, para tentar me confortar de alguma
forma, entretanto, eu exagero muito e me sinto mal comigo mesma por ter
exagerado.
Eu poderia me considerar doente, caso fizesse isso constantemente,
mas classifico isso como crise, já que faço isso só quando me sinto mal. O
que são poucas e rara as vezes que isso acontece.
— Noah, cadê você?
Ouço a voz de Valentina de longe, antes que eu possa responder já
estou vomitando novamente. A porta do banheiro se abre e encontro
Valentina parada na porta com os olhos saltados me olhando.
— Meu Deus, Noah, o que você tem?
Faço sinal com a mão para que ela saia, mas ela não o faz, ela se
ajoelha ao meu lado e segura meus cabelos para trás.
— Porque não me disse que estava passando mal? Eu teria ficado em
casa com você, jamais deixaria você sozinha, eu sou uma péssima amiga.
Ela lamenta, dou descarga e pego o papel higiênico ao lado para
limpar a minha boca, me levanto com a ajuda de Valentina.
Paro de frente para a pia do banheiro e lavo meu rosto, em seguida
pego a escova no suporte para escovar meus dentes.
Enquanto escovo meus dentes, Valentina ainda me olha transmitindo
a sua preocupação.
— Eu estou bem, não se preocupe, foi só um mal-estar repentino —
digo, quando termino de escovar meus dentes.
— Você está pálida, Noah, como diz que está bem? Eu vou fazer um
chá para você, ou melhor, vou ligar para o meu pai para nos levar no hospital
e mandar Matthew e Saint embora, tínhamos combinado de pedir pizza, mas
você não está muito bem, acho melhor...
— Não, Val, não há necessidade de ligar para o seu pai e eles são seus
amigos, não precisa mandar eles irem embora por minha causa e eu estou
bem, acredite em mim. — interrompo-a e lhe dou um falso sorriso, rezando
para que ela desista da ideia de chamar seu pai.
— Tudo bem, mas ainda vou fazer o seu chá, vem, vou te levar até o
seu quarto que não sei como você ainda se mantém em pé depois de quase ter
dissecado seu estômago.
Fomos para o meu quarto e eu havia me esquecido de catar as
porcarias que eu comi e deixei jogada pelo quarto, Valentina olha para o
chão, para a sacola que tem mais porcarias em cima da minha cama e depois
me olha.
Acho que ela juntou os pontos, pois o olhar que ela me dá transmite
mais preocupação ainda que antes.
— Não é o que você está pensando. — Me precipito em falar.
— Como não, Noah? Tudo bem você estar grávida e sentir desejos,
mas como você conseguiu deixar isso passar no exame de admissão? — Ela
questiona com uma ruga na testa.
Caio na gargalhada com o que acabo de ouvir e ouço passos vindo do
corredor, ótimo, temos plateia agora.
— Quem está grávida? — Matthew pergunta colocando a cara na
porta e Saint ao seu lado.
Meu humor morre ao ver Saint.
— A Noah está grávida. — Valentina o responde e os olhos de Saint e
Matthew se arregalam me olhando.
— Eu não estou grávida! — grito irritada por ter uma plateia em
nossa frente, ou talvez pela presença de Saint.
— Então, explique o porquê estava passando mal depois de comer
essa quantidade de coisas, você não é assim, Noah. — Valentina diz e se
abaixa catando as embalagens vazias no chão.
— Não é nada, mas não estou grávida — digo entredentes.
— Agora está explicado a necessidade de querer participar do festival,
precisa de dinheiro para alimentar a criança, ele não tem pai? — A voz de
Saint exala sarcasmo.
Raiva é como me encontro nesse momento, após ele dizer isso.
— Mesmo se eu estivesse grávida não é da sua conta, e muito menos
do seu interesse se ele tivesse pai ou não, Saint, e pela última vez, eu não
estou grávida — olho de Saint para Valentina que estremece ao meu lado,
volto a olhar para Saint com meu olhar faiscando. — Eu tenho pais, sabe,
Saint? Eu posso não ter nascido em berço de ouro, não ter condições nem de
me manter, mas se eu estivesse grávida faria o que fosse preciso para ganhar
esse festival por ele, mas eu tenho pais, Saint. Pais que precisam de mim, que
não tem uma vida farta como a sua, você anda todo arrumadinho, carro
descolado, não é bolsista e não trabalha, o dinheiro da banda mal bancaria seu
carro, provavelmente, é filho de alguém muito bem-sucedido na vida. E eu?
Sou filha de um vendedor de automóveis e de uma arquiteta que teve uma
filha na adolescência e precisou largar tudo para cuidar dela. Meus pais me
deram tudo, inclusive amor, carinho e respeito ao próximo, coisa que você
não conhece, é claro. Mas deixa eu te falar uma coisa, Saint Rivers, você
disse que eu sou egoísta, mas quer saber de uma coisa? Egoísta é você que
não olha a quem. Tudo que eu faço é por eles, se eu estou aqui é por eles, se
vou participar e dar o meu melhor é por eles, eu devo a minha vida aos meus
pais e eu não devo nada a você.
Cuspo as palavras e os três ficam calados me olhando, Matthew e
Valentina sem reação, e Saint tentando balbuciar alguma coisa e eu o corto.
— Faça bom proveito desse festival, Saint, não vou ficar rica e nem
pobre por causa disso, agora saiam do meu quarto, por favor, eu quero ficar
sozinha.
Peço e Matthew é o primeiro a sair, Saint ainda está estático na porta
me encarando e Valentina permanece ao meu lado.
— Eu vou te deixar sozinha, mas não porque pediu, mas sim porque
precisa. Mas você é minha amiga, Noah, e eu estou aqui e quando você quiser
conversar ou a minha presença só para ter companhia, eu estou aqui. —
Valentina sorri carinhosamente, assinto com um meio sorriso e ela se afasta
indo em direção a porta. — Vamos, Saint, não há nada para você fazer aqui.
Ele resmunga algo baixo e ela sai do quarto deixando-nos a sós.
Me aproximo da porta e seguro na maçaneta, olho para Saint que
ainda está imóvel me olhando.
— Eu não tenho nada para falar com você, Saint, não te conheço e
você não me conhece, não somos amigos, colegas e nem conhecidos, você é
um estranho e eu agradeço por isso. Tem algo que deseja falar? — pergunto e
ele permanece calado. — Como eu pensei.
Sua boca se abre e eu fecho a porta, sem lhe dar a chance de dizer
algo.
Chega de você por hoje, Saint.
“Vivendo como em um sonho.
Quebrados, mas livres.”
LIVE LIKE A DREAM – THIRTY SECONDS TO MARS

EU SOU UM IDIOTA, PALAVRAS MAL-USADAS LEVAM AO


QUE acabei de escutar vindo de Noah. Eu não quis ofendê-la, se ela estivesse
grávida qual problema havia nisso? Nenhum. É claro que eu não quero dar o
braço a torcer pelo festival, não por causa do prêmio e sim por ter que dançar.
Ballet é coisa de mulher, e dançar não é algo que eu domine muito
bem.
“Mas Noah é uma das melhores dançarinas, você mesmo ouviu
Paul”. Minha consciência faz questão de me lembrar isso.
Suspiro e bato na porta do quarto dela, mas sem sucesso. Ela fechou a
porta na minha cara sem ao menos me dar a chance de respondê-la.
— Droga — resmungo baixo.
— O que você ainda quer aqui, Saint?
Valentina está me encarando de braços cruzados no início do
corredor.
— Eu só queria pedir desculpas, talvez...
— Talvez? Você tem que pedir desculpas, mas não agora. Saia da
frente do quarto dela já.
Não há como medir forças com a Valentina, se você não fizer o que
ela está pedindo por bem, ela fará você fazer por mal. Querendo ou não.
Vou para a sala e me sento ao lado de Matthew, e Valentina se senta
ao lado do namorado.
— Pegou pesado, cara, por que essa implicância? Pensei que você
tinha parado com isso, todas não são iguais a... — Matthew fala.
— Já chega, Matthew — chamo a sua atenção, impedindo que ele
continue esse assunto indesejado.
— Math, não adianta, eu já cansei de falar com ele sobre esse assunto.
O que importa agora é a Noah, eu quero saber o que você fez para ela dessa
vez. — Valentina diz intrigada.
— Por que vocês perguntam as coisas como se eu tivesse feito algo
para ela? Ela que não foi nem um pouco educada na primeira vez que nos
vimos e ela não me pegou em um momento bom — tento me defender.
— Vocês implicam um com o outro que nem gato e rato. O que o
festival tem a ver com isso agora? — Val questiona.
— Noah e eu fomos forçados a competir juntos, pois só havia uma
vaga disponível e nós dois os únicos naquela sala brigando por uma vaga, seu
pai interveio e decretou esse circo — bufo jogando minhas costas no sofá.
Ocultei a parte em que coloquei meu nome na lista, enquanto Noah se
distraía, se eu falar isso Valentina vai soltar a fera que mora dentro dela em
cima de mim.
— Não vi o problema ainda. — Matthew pontua.
— E nem eu. — Valentina concorda.
— Vamos ter que dançar juntos e eu me recuso a colocar uma roupa
colada e dançar ballet na frente de todos.
— Saint, você está brigando por um festival do qual você nem
precisa, você tem que parar de ser orgulhoso e aceitar a oferta do seu pai. O
coroa saiu do outro lado do país só para vir tentar apaziguar as coisas entre
vocês. Ele não veio te intimando e ordenando, ele conversou como há muito
tempo não fazia e lhe fez uma proposta, por que não? Por que você insiste em
medir forças com o seu pai?
Matthew tem razão, mas estou há um ano acostumado com as coisas
serem dessa forma que é mais fácil recusar do que aceitar.
— Eu não quero o dinheiro do meu pai para investir na banda, em
algum momento ele vai se aproveitar disso e jogar na minha cara. Matthew,
você melhor do que ninguém sabe há quanto tempo eu aguardava esse
festival, já que ano passado cheguei depois que as inscrições haviam se
encerrado.
E era verdade, eu espero por esse festival há um ano, embora seja
hobby para os outros, eles amam a banda tanto quanto eu amo. Tem suas
respectivas profissões e trabalhos para se manter, uma vez que se tivéssemos
contrato com alguma gravadora ou ganhássemos bem tocando nos pubs da
cidade, nenhum deles estariam trabalhando para outras pessoas ou na
faculdade, ambos já deixaram claro isso.
O motivo real pelo qual eu quero esse prêmio do festival é a banda.
Tudo que eu faço é a favor dela, entretanto, não é fácil hoje em dia ser
reconhecido no meio de tantas outras bandas ou até mesmo cantores que
cantam em pubs apenas alguns finais de semanas, assim como nós.
Nova Iorque tem milhares de pubs e bandas amadoras, e eu quero que
a minha banda seja conhecida, quero ter o prazer de ligar o som do carro e
ouvir uma de nossas músicas tocar na rádio.
Então foi aí que uma luz se acendeu em minha cabeça devido a um
comentário do Tyrone, outro guitarrista. Ele havia mencionado que se nós
tivéssemos o nosso próprio bar, poderíamos trabalhar por conta própria e
além de ganhar um dinheiro extra tocando todos os dias.
Isso nos tornaria conhecidos, uma vez que tocaríamos sempre e não
uma vez só na semana. Iríamos deixar de ser uma banda meia boca dessa
forma.
Nós tocamos algumas quintas-feiras — apenas quando é possível por
causa das aulas, Joe é bem rigoroso conosco em questão de estudos — e o
resto do final de semana no Joe's. O lugar fica superlotado, muito mais do
que em qualquer dia da semana. De acordo com os cálculos do Tyrone, o
valor que eles lucram nos dias que tocamos é três ou quatro vezes maior que
o valor que eles lucram durante a semana. Só que nós ganhamos apenas 5%
do valor e ainda temos que dividir para quatro, o que é pouco.
Esse é um dos maiores motivos pelo qual cada um de nós, Tyrone,
Matthew, eu e John fazemos faculdade, tirando eu, todos os outros trabalham
para ter algo sólido na vida. Meu único sustento é a banda.
— Ei, cara. — Matthew balança meu braço, me trazendo de volta a
realidade. — Eu estou falando com você.
— Onde estávamos? — pergunto e ele bufa.
— Eu ainda acho que você deveria pensar direito na proposta do seu
pai e aceitar ficar à frente da filial que ele irá abrir aqui, que mal tem em você
administrar a empresa da família? Saint, vamos lá, cara, pensa só, você não
suporta seu colega de quarto e o seu apartamento está vago. Você não
trabalha e está que nem um louco querendo esse dinheiro do festival para
banda e até agora eu não sei para quê ainda, você e Tyrone insistem em
esconder isso. Somos uma banda e acima de tudo uma família, seja lá o que
for que você está aprontando, todos nós podemos ajudar com o dinheiro que
ganhamos. Você tem que reconhecer que precisa de ajuda. — Ele diz
paciente.
— Eu não quero o dinheiro de vocês, Matthew, e nem preciso de
ajuda, eu só... preciso pensar — digo cansado desse assunto.
— Vamos pedir a pizza ou vamos ficar se alimentando de vento? —
Valentina se pronuncia colocando um fim em nossa conversa.
— Por mim, tanto faz — dou de ombros e Valentina se levanta indo
até o telefone.
Quando Valentina finaliza a ligação, ela volta a se sentar em seu
lugar.
— Prazo de meia hora para entrega, vou chamar a Noah.
— Afinal, por que disse que ela estava grávida? — Matthew
questiona.
— Eu entrei no banheiro a procura dela e ela estava debruçada no
vaso vomitando, o chão do quarto dela estava cheio de embalagens de doces
e snacks, pensei que ela estava com desejo e depois de ter comido aquilo tudo
colocou para fora, ela não é assim, por isso eu tirei conclusões precipitadas.
— Valentina explica.
— Se ela não está grávida e vomitou tudo o que comeu, já pensou que
ela pode ter anorexia ou bulimia? Ela é magra — gostosa também, penso —,
não que isso queira dizer algo, mas ela não precisa ser modelo para fazer
essas coisas, hoje em dia isso pode acontecer com qualquer pessoa que seja
fissurada pela magreza. — Matthew diz, chamando tanto a atenção de
Valentina quanto a minha com essa suposição.
— Não, isso é meio impossível. Noah não é obcecada pela magreza,
ela nem liga para isso, e eu nunca a vi vomitando como hoje, pode ter sido
um mal-estar ou alguma infecção estomacal. — Valentina responde negando
com a cabeça.
Noah realmente não tem cara de quem faz essas coisas, pessoas assim
tendem a ter uma autoestima lá embaixo e encontram defeitos em si mesma o
tempo todo. Pelo o que eu ouço Valentina falar e às vezes quando presto
atenção na conversa delas, Noah é totalmente oposto disso tudo. Mas as
pessoas se camuflam, né? Nós não sabemos o que há dentro das pessoas.
— Pensando bem, eu vou para o meu dormitório, estou cansado e
amanhã o dia vai ser longo. Ensaio amanhã? — pergunto para Matthew ao
me levantar do sofá.
— Mesmo horário de sempre, não vá se atrasar. — Matthew
responde.
— Eu nunca me atraso.
— Imagina se atrasasse, então. — Ele ironiza e eu o ignoro revirando
meus olhos.
— Nos vemos por aí, boa noite, Val.
— Boa noite, Saint, não vá fazer nada de cabeça quente, viu?
Assinto para ela e faço o meu caminho até a saída do dormitório das
meninas. Encaro a porta logo à frente e solto um suspiro cansado, Matthew
tem razão sobre eu odiar meu colega de dormitório, ele é um pé no saco e
fede a nachos.
Entro no meu dormitório e estranho o silêncio, se bem que hoje é
quinta-feira, véspera de final de semana e o cara deve ter saído. Me direciono
para o meu quarto e tranco a porta logo depois que entro.
Deito na cama e fito o teto do meu quarto pensativo, penso no que
Matthew me falou e nas palavras de Noah, ela precisa muito mais do que eu
desse prêmio. Eu ainda tenho a quem recorrer, embora eu tenha
desentendimentos com meu pai, sei que se eu precisar de algo ele não
hesitaria em me ajudar. Já Noah, ficou bem claro que ela só tem os pais.
Pego meu celular no bolso da minha calça jeans e disco o número do
meu pai, no terceiro toque ele atende.
— Devo ficar preocupado com a sua ligação repentina ou posso
desejar boa noite sem que você me insulte? — Meu pai pergunta na
defensiva.
— Uh, boa noite, pai. Eu quero conversar sobre a sua proposta —
digo de uma vez.
Ouço barulho de porta fechando e presumo que meu pai esteja saindo
do quarto para que minha mãe não ouça a nossa conversa, ou ele está
entrando em seu escritório.
— O que te fez mudar de ideia? Saint, eu me arrependo muito de tê-lo
coagido no início e julgado você por suas escolhas, filho, mas hoje eu tenho
orgulho de você e não quero que você aceite ficar à frente da companhia se
não é o que deseja. Foi uma oferta para poder te ajudar com as despesas e não
uma obrigação. Eu não vou deixar de ajudá-lo por isso, você é o meu filho, e
eu nunca vou virar as costas para você, eu não aguento mais esse mal-estar
em nós e tê-lo longe de casa em todas as datas comemorativas.
Fico em silêncio após ouvi-lo atentamente, parece que hoje foi o dia
de me fazerem ficar sem respostas, primeiro Noah e agora meu pai. Me sento
na cama e bato os pés no chão como se tivesse batendo meus pés no pedal de
uma bateria.
Reaja Saint, fala alguma coisa! — Meu consciente grita.
— Saint? — Meu pai me chama.
— Estou ouvindo, pai, eu quero aceitar não só pela banda, por mim
também. Mas tenho umas condições e umas coisas que gostaria de deixar
claro e acertar com o senhor.
— Venha para casa esse final de semana, podemos conversar sobre
isso pessoalmente.
— A banda toca amanhã e sábado, não posso esse final de semana.
— No próximo, então? Melhor, venha no feriado no início do mês! —
Ele exclama animado.
— Combinado então, estarei em casa no feriado.
— Loren vai ficar radiante com essa notícia, mal posso esperar para
contá-la.
Sorrio ao lembrar-me da minha irmãzinha, tenho certeza que amanhã
mesmo ela fará minha mãe ligar só para ter certeza de que eu realmente vou e
pedir presentes.
— Tenho que desligar, pai, manda um beijo para ela e outro para a
mamãe, diga à elas que estarei aí em breve. Farei uma surpresa.
— Irei dar a notícia a elas, boa noite, filho.
— Boa noite, pai.
— Saint?
— Uh?
— Eu estou feliz por você ter pensado nisso e por estarmos bem.
— Eu também estou, pai.
— Cuide-se, filho.
Finalizo a ligação com um meio sorriso no rosto, meu pai apesar dos
pesares que tivemos ele é um grande homem e um excelente pai.

Pela primeira vez, eu havia perdido a hora e faltado as aulas, John se


estivesse aqui agora certamente me zoaria. Aproveitei isso para fazer uma
visita ao meu apartamento, que estava fechado desde a minha última briga
com o meu pai, estava tudo limpo por aqui e acredito que meu pai ou Dora,
continuaram mandando virem limpar.
Eu queria provar a ele que eu poderia me virar muito bem sem a sua
ajuda e é o que eu tenho feito desde então, fui morar no dormitório e pago
com o dinheiro que ganho com a banda. Só não me desfiz do meu carro por
ser herança do meu avô, mas Matthew tinha razão, estava na hora de eu
deixar meu orgulho de lado e fazer as pazes com o meu pai. Ele e a Loren são
a minha família e tudo que eu tenho.
Saio do meu apartamento e ao me virar após fechar a porta, dou de
cara com Paul saindo do apartamento vizinho.
— Faltando aula, Saint? — Ele indaga surpreso.
— Eu perdi a hora, quando fui ver já não dava mais tempo de ir —
respondo e ele cruza os braços.
— Vejo que acabou deixando o orgulho de lado e se acertou com o
seu pai. — Ele fala, apontando com o queixo em direção a porta do meu
apartamento.
— Quase isso — informo e passo a mão no meu cabelo. — O que
você faz aqui?
— Eu vim ver como anda a reforma do apartamento da Valentina,
agora ela pode se mudar. — Ele responde, caio em si e meu olhar se estreita
em sua direção.
— Eu não acredito que você mentiu esse tempo todo que o
apartamento estava em reforma! — exclamo indignado.
— Saint, eu não confio em ninguém além de você para cuidar da sua
prima. — Ele tenta se defender.
— Tio, você e a tia Natasha tem que aceitar que ela está virando uma
adulta e criando as próprias asas. E ela tem o Matthew — digo e ele torce o
nariz contragosto.
— Me recuso a aceitar que a minha garotinha está crescendo rápido e
até namora! Ela namora, Saint. — Ele exclama apavorado, me fazendo rir. —
Um dia você será pai e vai ser a minha vez de rir.
— Vou poupar a sua dentadura, tio, esse dia por enquanto ainda está
longe.
— Sobre a Noah, dê uma chance a ela filho. — Ele fala e se
aproxima.
— Por que fez isso? Você podia muito bem ceder uma vaga para cada
um, mas não fez. Por quê? — questiono.
— Porque está na hora de você parar de ver todas como se fossem
iguais, está na hora de você crescer, Saint. Noah é uma boa menina, é
estudiosa, dedicada e devota aos pais, eu não colocaria Valentina com uma
colega de quarto se não achasse que fosse boa pessoa, não depois da última...
Balanço a cabeça assentindo, nem eu conseguiria imaginar Valentina
com outra colega de quarto que não fosse Noah. A última a usou de todas as
formas para se beneficiar, só por ela ser filha de quem é.
— E precisava impor que teríamos que dançar? Sem preconceitos,
mas eu não sou capaz de acertar nem mesmo um passo. Ela vai perder por
minha causa.
— Eu já disse antes e vou repetir novamente, Noah é ótima, tão ótima
quanto a Claire. Se ela der o melhor dela para te ajudar, vocês têm tudo para
vencer.
— Eu não estou tão confiante assim.
— Saint, apenas pense melhor nisso e pare de tratar a Noah da forma
que vem tratando, a Valentina me contou sobre isso... — Paul coloca a mão
em meu ombro e me olha nos olhos. — Apenas pare filho, e lembre-se que
todas não são iguais.
Balanço a cabeça assentindo e ele se afasta.
— Tenho que voltar para o campus e dar a notícia a Valentina de que
o apartamento está pronto. — Ele pisca e sai andando pelo corredor, em
direção ao elevador.
Pegamos juntos o elevador sem trocar mais nenhuma palavra, estava
refletindo sobre todas as coisas me ditas em menos de vinte e quatro horas.
As portas do elevador se abrem no térreo e eu saio logo depois dele, e
caminho em direção ao meu carro que está estacionado na calçada.
— Saint? — Paul me chama e eu levanto a cabeça para olhá-lo. —
Coloca essa porcaria de telefone para despertar! — Ele exclama rindo. Reviro
meus olhos, sem conter um riso e me despeço dele.
Agora eu só preciso conversar com Noah e resolver de uma vez por
todas nossas pendências, mesmo que isso custe a minha desistência no
festival.
“Toda noite tento ao máximo sonhar.
Que o amanhã tornará tudo melhor.”
LAST HOPE – PARAMORE
AS SEMANAS FORAM SE PASSANDO E EU FUI ME
CONFORMANDO com o fim que o festival havia levado em minha vida. O
que me consolava era ouvir a voz dos meus pais todos os dias e ter a certeza
de que eles estavam bem e se restabelecendo. Papai voltou a vender bem na
loja e está prestes a ganhar uma promoção, isso foi uma das melhores notícias
que eu recebi nos últimos dias.
Eu não cruzava com Saint há dias, fizemos um trabalho para a aula de
música clássica sem trocar uma palavra e o vi pela última vez na segunda-
feira, durante a mudança da Valentina. O apartamento dela finalmente havia
ficado pronto e agora era apenas eu no dormitório, ela ainda aparecia todos os
dias por lá e ficava até o mais tardar comigo, mas ainda assim eu sentia a sua
falta. Eu já estava acostumada com as suas loucuras e manias.
Era uma quinta-feira normal como qualquer outra, eu estava ajudando
a senhora Eva a guardar os livros novos nas prateleiras.
— Sabe, Noah, na minha época se os meninos dançassem qualquer
tipo de dança era algo inadmissível, hoje as coisas são diferentes, mais
modernas. — Ela fala, trazendo a última caixa em seus braços.
— Ele é preconceituoso, Eva, mas eu conversei com o Paul e abri
mão da vaga.
Eu havia esperado o fim das aulas para ir conversar com o Paul,
apenas lhe informei que não tinha mais interesse em participar do festival.
Ele tentou me fazer não desistir, mas eu estava relutante e não há nada que
me faça voltar atrás.
— Eu no seu lugar não teria feito isso. Menina, você está abrindo mão
de uma oportunidade e das grandes.
— Eu concordo com ela. — A voz grave e grossa soa atrás de mim e
eu me viro para encará-lo.
— O que você faz aqui, Saint? — pergunto, cruzando meus braços.
— Eu vim conversar com você. Podemos? — Ele pergunta e olha
para a senhora Eva.
— Noah, tire o resto da sua tarde de folga. — Ela diz, colocando mais
livros na prateleira e eu pego mais alguns na caixa.
— Saint, e eu não temos nada para conversar, senhora Eva — digo,
me virando de costas para ele e seguindo para o outro corredor.
— Noah... — Saint aparece na minha frente impedindo a minha
passagem, e eu o ignoro. — Eu fui um babaca e eu queria a chance de poder
consertar isso, nós precisamos conversar. — Ele murmura.
— Se você não percebeu, eu tenho livros para guardar e nada para
conversar com você. Agora me dá licença — digo entredentes.
— Querida, vá conversar com o rapaz. — Senhora Eva nos
interrompe, pegando os livros da minha mão. — Só volte aqui amanhã e se
tiverem resolvido isso. Estamos entendidas?
— Sim, senhora — respondo contragosto e passo por Saint,
esbarrando propositalmente em seu braço.
Caminho em direção a sala dos funcionários que fica no interior da
loja, tento demorar o máximo que eu posso aqui dentro, mas em vão. Não há
nada aqui além de uma copa e um sofá para descanso.
Sem saída, pego a minha bolsa que estava pendurada no suporte e saio
da sala, dando de cara com Saint escorado na parede.
— Você tem o caminho até o campus, nada além disso — atiro e saio
andando na sua frente.
Eu não sabia o que falar, a ideia de vir conversar com Noah partiu não
só de mim, mas da Valentina também, após eu descobrir que Noah havia
desistido do festival.
— Não precisa correr também — digo, tentando alcançá-la. Noah está
há alguns passos de distância de mim.
— Fale logo o que você quer, Saint. — Ela responde ríspida.
— Me desculpa, tá certo? — Ela para de andar e me encara de braços
cruzados.
— Desculpas pelo quê? Por você me tratar mal desde sempre ou por
ter quase te obrigado a dançar? Se for isso, está desculpado. — Ela diz, se
virando para voltar a andar, mas eu a seguro no braço impedindo que siga em
frente.
— Por isso tudo, eu sei que eu fui um babaca com você desde o
início, Noah. Esse festival é importante para nós dois e acho que somos
adultos o suficiente para resolvermos isso. Nós podemos fazer isso e juntos.
Espero pela sua resposta, enquanto ela me encara em silêncio por
alguns segundos.
— Isso é algum tipo de brincadeira? Porque se for, Saint, você é...
— Eu estou falando sério! — afirmo a interrompendo. — Noah, eu
não estou pedindo para sermos amigos e sim para sermos adultos, e fazermos
isso dar certo.
— Tudo bem, eu topo. — Ela diz sem hesitar.
— Assim? Fácil demais? — indago desconfiado.
— Isso é importante para mim, Saint, meus pais precisam de mim. Eu
só tenho uma condição — levanto a minha sobrancelha, em sinal para que ela
continue. — Na primeira oportunidade que você me irritar ou me destratar, eu
largo tudo. Eu não sou paciente com essas suas mudanças Saint, então você
coopera ou terminamos por aqui. — Ela finaliza.
— Eu vou me esforçar para que isso não aconteça.
— Certo, outra coisa... Nós estamos atrasados. — Ela diz voltando a
andar e eu a acompanho. — Eu já vi algumas pessoas ensaiando e são
pessoas que sabem o que estão fazendo. Já você... você sabe o que eu quero
dizer e nós precisamos de um lugar para ensaiar.
— Eu posso dar um jeito no lugar e você pode trabalhar no resto junto
comigo.
— Precisamos ajustar nossos horários disponíveis para os ensaios,
você tem alguma oposição quanto a isso? — balanço a cabeça negando. —
Eu saio as cinco, estou livre a partir desse horário. Se você quer mesmo fazer
isso vai ter que se dedicar e muito, e vou ser sincera com você, Saint, não
será fácil no início, terá dias em que você vai querer desistir. Eu preciso ter
certeza de que você realmente quer isso. Você tem certeza? — Ela pergunta,
olhando fixamente em meus olhos.
Por um segundo, só por um segundo. Eu me perdi naquelas íris azuis.
— Eu tenho certeza, Noah, mas tenho que conciliar com os ensaios da
banda. Podemos ensaiar mais tarde nos dias em que os ensaios baterem.
— Desde que não atrapalhe meu trabalho. — Ela dá de ombros.
— Quando iremos começar? — pergunto, ela me olha dos pés à
cabeça e balança a cabeça negativamente.
— O que você vai fazer hoje à noite? — Ela pergunta.
— Hoje eu tocaria com a banda, mas o Joe ligou dizendo que teve um
vazamento de gás no bar e precisou interditá-lo por hoje. Por quê? —
pergunto desconfiado a vê-la sorrindo como nunca para mim.
— Vamos trabalhar nos seus movimentos, Saint. — Ela sai andando
na minha frente em direção ao campus. — Te vejo as oito! — Ela grita se
virando para me olhar.
Às oito em ponto eu estava em frente a porta do dormitório dela,
pontualmente ela abriu a porta e lá estava ela. Linda em seu vestido
vermelho, nada justo ao corpo, era solto e deixava suas pernas a mostra.
— Pare de olhar para as minhas pernas. — Ela bate em meu braço,
me acordando do meu devaneio.
— Eu não... Que seja, para onde vamos? — pergunto.
— Você tem identidade falsa? — Ela pergunta de volta e me olha
com expectativa.
Mas que tipo de pergunta era essa?
— É claro... — começo e um meio sorriso aparece em seu rosto. —
Que não! — completo, vendo seu sorriso morrer.
— Você é tão certinho, o que me deixa surpresa. — Ela resmunga
andando.
— E você é fora da lei, não imaginava que você anda com identidade
falsa.
— Acorda, Saint, moramos em um país onde menores de 21 anos não
entram em boates.
— Para que precisamos ir a uma boate? — indago curioso.
— Sorte que eu já esperava isso de você e tenho um plano B. — Ela
continua a falar, ignorando a minha pergunta. — Vamos logo, seu carro nos
espera. — Ela segura em minha mão e sem escolha deixo que ela me leve
para fora do campus.
Eu já havia frequentado diversos tipos de boates desde que cheguei a
Nova York, mas isso antes de começar a tocar no pubs do Joe, hoje isso não é
mais possível por dois motivos: um, a banda se tornou prioridade e dois, sou
menor de idade e entrava nas boates graças a Matthew que fazia amizade com
todos os seguranças, mas desde que ele começou a namorar com a Valentina,
nunca mais colocou os pés em algum lugar sem ela.

— Esse lugar é demais, muito melhor do que eu pensei. — Noah diz


animada, enquanto caminhamos em direção a Pacha.
— O que isso tem a ver com os ensaios do festival? — pergunto.
— Você já vai ver. — Ela responde, me arrastando para a bilheteria
da boate.
O som alto dava para se ouvir de fora e quando entramos, parecia que
a música estava dentro da minha cabeça. Noah segurou firme em minha mão
e saiu me puxando em meio à multidão, jamais imaginaria que ela gostava de
lugares assim, a Pacha é conhecida pelo seu som eletrônico ser mais pesado e
por ser uma boate que não requer sofisticação.
— Primeiro, você precisa entrar no clima. — Noah grita em meu
ouvido para que eu ouça e aponta na direção do bar. — Eu não funciono sem
bebidas e você também não vai se animar nesse lugar sem, precisamos de
bebidas.
— Então vamos beber, bailarina — sussurro em seu ouvido, e a
conduzo até o bar.
Fizemos os pedidos pela terceira vez, Noah já estava animada e a
minha preocupação era em como iríamos embora se nós dois ficássemos
levemente alterados.
— Vamos, Saint, está na hora do show começar. — Ela diz,
segurando em uma de minhas mãos.
Antes de me deixar ser levado por ela, viro o meu último copo de
bebida de uma vez e a sigo para a pista de dança.
Se você me perguntasse quem é Noah, eu diria apenas o que eu vi nos
primeiros dias que a conheci e o que eu vi hoje à tarde. Eu a descreveria
apenas com duas palavras, doce e inocente.
Mas agora vendo-a dançar e se roçar em mim, eu diria que ela é muito
mais que um rosto inocente e incluiria sexy na lista também.
— Eu não estou vendo você dançar. — Ela resmunga alto, com seu
rosto bem próximo ao meu.
Posso sentir daqui o hálito quente da sua boca e tenho vontade de
beijá-la, mas não posso.
— Eu não sei dançar — admito, ela sorri e vira de costas para mim,
colando seu corpo ao meu.
Noah segura em minhas mãos e as coloca em sua cintura, o balanço
do seu quadril de um lado para o outro me faz acompanhá-la devagar ao som
da música agitada que tocava.
— Agora agita, Saint. — Ela fala um pouco mais alto para que eu
ouça e começa a dançar sem tirar as minhas mãos da minha cintura, e eu é
claro, a acompanho em todos os seus movimentos. — Isso!
Sua animação me contagia e quando dou por mim, já estávamos
ensandecidos no meio da pista de dança.

Já se passava das três da manhã quando resolvemos ir embora. Tive


que pedir um táxi, eu não tinha condições de ir embora dirigindo e Noah
menos ainda, e muito menos sabia se ela tinha carteira de motorista.
Durante o caminho, ela pronunciava palavras desconexas, repetia que
estava enjoada e com fome diversas vezes, achei melhor levá-la para o meu
apartamento, invés de deixá-la no dormitório. Vai que ela passa mal? Ao
menos no meu apartamento eu estarei por perto e a Valentina também.
Foi uma tarefa árdua carregar Noah até meu apartamento, ela
adormeceu no meu ombro e tirá-la do táxi sem acordá-la foi só um mero
detalhe, difícil mesmo foi conseguir entrar no elevador com ela apagada em
meus braços.
Pela segunda vez, eu estaria faltando aula e pela primeira vez eu me
sentia feliz por isso, só não sabia porquê.
“E eu respirei isso, desastre, para sempre.
Não se afaste de mim agora.”
EVER AFTER – MARINAS TRENCH

TENTEI ABRIR MEUS OLHOS, NÃO CONSEGUI.


Pisquei duas vezes seguidas antes de tentar forçar a minha vista a
identificar onde eu estava. O quarto era escuro, tinha um tom forte de azul,
quase marinho, era estranho e não era familiar.
Me sentei na cama com dificuldade, meu corpo todo doía. Nunca mais
eu bebo, disse para mim mesma.
Meus olhos analisavam cada parte daquele quarto que caberia o meu
dormitório todinho dentro, era enorme e seja lá a quem pertencesse esse
quarto, ele era bem de vida.
— Ai, meu Deus! — dei um grito, quando meus olhos pausaram no
relógio em cima da mesa de cabeceira da cama. Eu perdi a aula, merda.
Nunca mais eu bebo. Mais uma vez eu estava repetindo isso para mim
mesma.
Saltei da cama e mais um grito escapou da minha boca. Eu estava
vestindo apenas uma camisa preta masculina.
Ai, meu Deus, Noah.
Bati na minha testa várias vezes tentando me lembrar de algo que eu
possa ter feito na noite anterior, nada.
Eu simplesmente não me lembrava de nada.
Saí do quarto às pressas e pela terceira vez no dia gritei, gritei ao ver
o monumento escultural parado de costas para mim, completamente nu,
olhando para baixo como se estivesse procurando por algo no chão da sala.
Ele se virou. E mais uma vez eu gritei.
— Por que você está gritando, sua louca? — Saint indagou.
Minha boca estava aberta, meus olhos estavam arregalados
observando a nudez de Saint a poucos passos de mim.
— Merda — grunhiu ele, olhando para baixo e se dando conta do
motivo de eu estar paralisada. Imediatamente, ele pegou o travesseiro e
cobriu sua frente, trazendo-me de volta a si e perdendo a melhor visão que eu
vi hoje. — Desculpa, Noah, eu... só desculpa.
Ele não sabia o que falar. E nem eu.
— Onde eu estou? — perguntei, sem mover meus pés do lugar.
— No meu apartamento, eu achei melhor trazê-la para cá já que você
estava alta demais. — Ele se explicou.
— Huh, obrigada. Mas por que eu estou com a sua camisa? Nós, uh...
você sabe.
— Não! — Ele exclamou alto, se antecipando em explicar. — Você
vomitou em cima do seu vestido, achei melhor trocar sua roupa já que você
estava incapaz de tomar banho. Mas se te conforta, eu coloquei a blusa por
cima do seu vestido primeiro e depois o tirei.
Abro a boca surpresa com a sua gentileza e lhe dou um sorriso tímido.
— Obrigada mais uma vez, Saint, foi gentil da sua parte.
— Se você não se importa, eu uh... — Ele esfregou a mão livre na
nuca e me olhou envergonhado. — Preciso vestir algo.
— Oh, sim — concordei, sentindo minhas bochechas corarem.
Saint se aproximava devagar com o travesseiro ainda no mesmo lugar
de antes e quando passou por mim, virou de frente e começou a andar de
costas até estar em seu quarto. Mas do que adiantava isso? Eu já tinha visto
tudo e uau... Só uau.
Meia hora depois, Saint havia saído do quarto de banho tomado,
bermuda e sem camisa.
Eu ainda vestia a sua blusa e segurava em minha mão o meu vestido
que cheirava a azedo, estava nojento.
— Se você quiser tomar um banho, tem toalha limpa no banheiro e eu
posso pegar alguma roupa da Valentina para você. — Ele fala, e eu respiro
aliviada. Eu estava mesmo cogitando vestir meu vestido imundo.
Por que ele tinha roupas da Valentina aqui? Quis perguntar, mas iria
parecer rude da minha parte. Ele estava sendo legal comigo.
— Isso soa bem — respondo, sorrindo.
— Bom... Eu volto logo, o banheiro fica no quarto. — Ele diz,
apontando para a porta na qual ele havia acabado de sair. — E enquanto você
toma banho, eu vou fazer algo para comermos, você ainda deve estar faminta
de ontem. — Um riso ameaçou escapar da sua boca, mas não saiu
Assenti, eu realmente estava com fome.

— Eu não sabia que você havia se mudado do campus — digo, depois


que termino de mastigar um pedaço da minha panqueca.
— No mesmo dia que a Valentina saiu, eu saí. Inclusive, ela é a
minha vizinha, por isso as roupas. — Ele fala gesticulando com a mão, para a
roupa que eu estava vestindo.
— Ela está em casa? — pergunto e ele nega com a cabeça. — Como
que você...
— Eu tenho uma cópia da chave, em caso do Matthew precisar ou
dela mesma perder, você sabe...
— Val sendo Val — interrompo-o.
— Isso!
Ele sorri, e não foi qualquer sorriso. Foi um dos sorrisos mais lindos
que eu já pude presenciar vindo de Saint.
Não foram muitas vezes em que eu o vi sorrindo, todas as vezes em
que seus olhos encontravam os meus no campus ou em qualquer lugar, lá
estava ele com uma carranca.
— Sobre o lugar para ensaiar, já que perdemos a aula podemos ver
isso hoje? — pergunto.
— Claro. Eu só preciso confirmar com o Joe se o bar continua
interditado.
E a resposta era sim, o bar ainda estava interditado. Saint e sua banda
não tocariam esse final de semana.
— Vamos, Saint, você tem que repetir, para a escada — ordeno e ele
continua sentado no chão e com a língua de fora como um cão e tentando
controlar a respiração. Huh, nojento.
Era sábado de manhã e aqui estávamos nós, ensaiando para o festival.
Saint havia conseguido o prédio para ensaiarmos. Ele pertence ao seu pai e
que daqui a algumas semanas será sede de uma empresa. O lugar era tudo que
nós precisávamos, é espaçoso, temos privacidade e podemos vir a qualquer
hora. Quer dizer, exceto quando está em obra, é impossível se concentrar
dessa forma.
— Noah, nós já fizemos isso três vezes hoje. — Saint reclama,
secando a testa na tolha em seu ombro.
— Eu juro que será a última vez. Levanta essa bunda do chão e para
escada.
Sem reclamar ele faz o que eu mando, sobe seis degraus da escada e
mantém a postura ereta.
Saint ao todo não era ruim, apenas tinha o corpo duro demais, falta de
coordenação motora demais, músculos demais, lindo demais...
— Noah. — Ele chama a minha atenção.
— Me desculpe — digo, sentindo minhas bochechas corarem após ser
pega no flagra o observando.
— Eu deixo você tirar uma casquinha depois — diz convencido e eu o
ignoro.
— Primeira posição, segunda posição, terceira posição, quarta posição
e descansa na quinta! — exclamo alto e observo Saint refazendo os passos
básicos que eu havia lhe ensinado. — De novo, primeira posição, segunda
posição e agora salta.
Repetimos isso por minutos até ele subir a escada fazendo as posições
corretamente, não pude evitar o sorriso ao saber que ele havia conseguido.
Ele finalmente havia conseguido decorar as posições depois de uma semana
treinando somente elas, já era um bom começo.
— Por que nós temos que ficar repetindo isso toda hora? — Ele
pergunta descendo do topo da escada.
— Posições são a base de tudo — respondo-o e calço a minha
sapatilha de ponta. — Quer escolher uma música?
— Vai me dar a honra? — indaga com um sorriso presunçoso.
— Não mais — retruco e antes mesmo que eu possa emparelhar o
meu iPod na caixa de som, Saint emparelha o celular dele.
A batida da música começa a tocar e Saint se aproxima e segura em
minhas mãos, puxando-me para perto e grudando nossos corpos.
— O que você vai me ensinar agora, professora? — brinca sem tirar o
sorriso do rosto.
— Piruetas — murmuro sem tirar meus olhos do dele.
— Você disse que iria começar pelo fácil.
— Nós já passamos do fácil, preste atenção e veja. — Me afasto dele,
ficando a uma certa distância e fico de pé na ponta da sapatilha. — Piruetas é
fácil. Foque em algo e em hipótese alguma o perca de vista, é simples.
Giro meu corpo para o lado direito e foco em Saint que está há alguns
passos de distância de mim, começo a girar e parando para dar um salto baixo
sem perder meu foco, Saint Rivers se tornou meu foco e eu nunca quis chegar
tão rápido até ele.
— Você vai ficar tonta — ouço ele falar, e finalizo a pirueta com um
salto.
— São anos e anos de prática, Saint, logo você chega lá — digo,
dando um tapinha em seu ombro. — Agora segura a minha mão e vamos
repetir tudo que você aprendeu, mas agora juntos.
Sozinho, Saint era horrível, mas quando dançávamos juntos, era
diferente. Era como se ele tivesse aprendido todos os passos em questão de
segundos, era como se ele tivesse sido moldado exatamente para fazer o que
está fazendo agora, ser o meu par.
Eu estava um pouco atrasado, pela segunda vez. Ou seria terceira vez?
— Está atrasado. — Matthew grita, sentado no banco da bateria.
— Eu sei — grito de volta e mandando-lhe um dedo do meio.
Jogo minha mochila em cima da mesa mais próxima do palco e subo
em cima dele, encontrando todos em suas posições, só esperando por mim.
— Esses ensaios estão acabando com você. — Tyrone murmura.
— Mas terá um bom retorno e resultado, podem ter certeza — digo, e
pego a minha guitarra no suporte. Passo os dedos nas cordas, dedilhando-as.
— Sabe, Saint, eu não sei porque você ainda está ensaiando se você já
tem um emprego, se acertou com seu pai e não precisa mais desse dinheiro.
— Matthew começa e levanta a mão, impedindo que eu o interrompa. — E
nem vem falar que é pela banda.
— Olhos azuis. — Tyrone fala debochado.
— Cabelos dourados. — John prossegue.
— Entrando na porta nesse exato momento. — Matthew completa.
Imediatamente me viro na direção da porta de entrada do pub e vejo
Noah e Valentina entrando.
— Ei, vocês. — Valentina exclama animada.
— Vieram para assistir ao ensaio? — pergunto e antes que Valentina
pudesse responder, Greg aparece ao lado de Noah.
— Valentina, eu não sei, mas a bailarina aqui sairá comigo. Pronta?
— Ele pergunta para ela, que assente sorrindo.
Não gostei de ver Greg chamando Noah pelo apelido que eu lhe dei,
até então só eu a chamava assim.
— Eu não fiz a pergunta diretamente para você, Gregório, mas sim
para a Valentina e Noah. E acho que elas possuem bocas, não? — retruco
ríspido.
— Saint... — Noah me repreende e eu a ignoro.
Ah, dane-se. Dou de ombros e passo a alça da guitarra no pescoço.
— Te vejo mais tarde! — Val exclama, se despedindo de Noah.
Iniciamos o ensaio da banda tocando Whatever It Takes do Imagine
Dragons e finalizamos com Angel do Aerosmith.
— Fazia tempo que eu não o via tocar com raiva assim. — John fala,
me analisando.
— Eu não toquei com raiva.
— Acreditamos. — Val desdenha, abraçada a Matthew.
— É cara, admite que você está caidinho por ela. — Math desdenha.
— Eu vou provar que vocês todos estão errados — cuspo entredentes.

À noite, após tocarmos e guardamos nossos instrumentos, observei a


mesa em que Noah estava sentada com algumas amigas. Por algum milagre,
dessa vez Greg não estava em seu encalço.
Eu não confiava em Greg e ele não era o tipo de homem que servia
para Noah, ela é boa demais para caras como ele.
— Vamos lá, cara, a sua garota está na nossa mesa. — Tyrone fala,
batendo a mão em minhas costas.
— Ela não é a minha garota, seu idiota — retruco e ele dá de ombros.
— Verdade... Agora ela é a garota do Greg. — Ele atira e sai.
Meus pulsos se fecham em um momento de raiva, puxo uma
respiração pesada e conto mentalmente até dez, antes de marchar até a mesa
onde os traíras dos meus amigos estavam sentados.
Me sentei na ponta, facilitava meu acesso para ir até o bar pegar
alguma bebida sem precisar pedir licença para levantar toda hora. Noah
estava sentada no lado esquerdo ao lado de uma bela morena. Nós não nos
falamos, mas mantivemos o olhar um no outro. Eu percebia quando ela me
olhava, sempre eu que virava meu rosto para observá-la e eu a pegava no
flagra.
— Pelo menos disfarça, depois diz que não está na dela. Aceita que
você dançou direitinho a dança dela. — Matthew sussurra em meu ouvido.
Reviro meus olhos, ignorando seu comentário sórdido.
— Ei, Claire — digo cumprimentando-a, já que ela está do meu lado.
— Oi, estranho. Você fala? — Ela pergunta, sorrindo.
— Nah, sempre que te vejo — brinco e ela rola os olhos.
— Você está quieto hoje, talvez precise de uma boa bebida.
— Acho que hoje você errou, espertinha — aceno a cerveja em minha
mão para ela, que estreita os olhos na minha direção.
— Já sei! Tenho uma amiga que é um pouco alucinada por você desde
que o viu pela primeira vez. Acho que ela pode ajudar a melhorar seu astral.
Uma amiga? Não era o que eu tinha em mente, mas era o que eu
precisava para tirar a ideia absurda sobre eu e Noah, que rondava a cabeça
dos meus amigos.
— Eu a conheço?
— Acho que não, mas ela está bem aqui — disse, apontando o dedo.
Meu olhar seguiu a direção do seu dedo apontado exatamente na
direção da morena, que estava ao lado de Noah. A atenção das duas se virou
para Claire com seu dedo apontado e para mim que as olhava.
Uma coisa sobre Claire: ela não sabe ser discreta. Nem mesmo
quando se trata do relacionamento dela às escuras com Tyrone.
— Claire, abaixe esse dedo — murmuro, cutucando discretamente a
lateral do corpo dela.
— Ai, meu Deus, eu fiz de novo — murmura envergonhada,
recolhendo a mão.
— Bebidas? — Greg pergunta se aproximando da mesa.
— Não lembro de termos pedido serviço de mesa — provoco,
arqueando uma de minhas sobrancelhas, enquanto o encaro.
— Acho que eu preciso lembrá-lo quem é que segue as ordens aqui,
Saint.
— E eu acho que não é você que as dita — retruco, sem esconder meu
sorriso sarcástico.
Sua boca transformou-se numa linha dura, os olhares de todos na
mesa foram atraídos por nós. Ótimo, o espetáculo estava formado.
— Eu acho que vou querer aquela bebida que você preparou na
primeira vez que vim aqui. — Noah intervém. Me conhecendo bem, ela sabe
que eu não deixaria isso inacabado, caso Greg falasse mais alguma merda.
— Podemos ir lá buscar? — Ela fala, ao se levantar e andar até ele.
— Claro, bailarina.
Ouvir isso, me fez ranger os dentes. Eu queria saber porque a
aproximação deles me incomodava tanto.
— Saint, aproveita que a Noah saiu e senta ao lado dela. — Claire
fala, em menção a morena.
— Acho melhor em outra hora — digo, dando um último gole na
garrafa de cerveja que eu ainda mantinha em mão e me levanto. — Nos
vemos por aí, Claire.
— Não vai se despedir de nós? — John pergunta e em resposta
mando-lhe um dedo. — Eu acho que isso significa não — zomba.
Saio pelos fundos do bar, não queria sair pela frente e dar de cara com
Greg. Se eu o visse mais uma vez essa noite, certamente seu rosto conheceria
o peso dos meus punhos e a banda conheceria o olho da rua. E essa não é
uma opção no momento.
Encosto-me no capô do meu carro e observo o pub do Joe’s.
Eu preciso fazer as coisas darem certo logo. Matthew está certo, eu
não preciso continuar ensaiando como se o meu futuro dependesse do
festival.
Atualmente, eu recebo um salário da empresa do meu pai, mesmo que
ela ainda não esteja pronta.
Eu tenho um trabalho e futuramente serei dono de um bar. Minha
banda passará a ser mais conhecida e isso abrirá portas. Então, por que eu
continuo nisso?
— Merda, Saint — resmungo, passando a mão no meu cabelo.
— Agora entendo porque a Claire te chama de estranho, você
realmente é um. — Uma voz murmura atrás de mim e eu me viro para olhá-
la. É a amiga das meninas.
— Eu não sou estranho... — digo e noto o vinco em sua testa. —
Tudo bem, só às vezes.
— Não há nada de errado em ser estranho. Eu sou a Caroline, mas
pode me chamar de Care — diz, se colocando ao meu lado no capô do meu
carro.
— Então, Care... Quer conhecer a cidade? — pergunto, oferecendo-
lhe a minha mão.
E para a minha surpresa, ela a pegou sem hesitar, revelando seu mais
belo sorriso cheio de covinhas. Caroline tinha uma ingenuidade no sorriso
que me chamou atenção.
Lição número alguma coisa da minha vida, não se corrompa por
beleza.
Caroline tem um rosto bonito, um corpo espetacular, mas quando
começa a falar...
— E você o que gosta de fazer além de tocar? Eu já percebi que é o
que você mais faz, mas tem outra coisa? Como por exemplo...
Não prestei mais atenção no que ela falava. Estava começando a me
arrepender de tê-la chamado para sair. Estávamos sentados na areia da praia
Rockaway Beach no Queens e desde que chegamos, ela não parava de falar.
— Caroline, eu só toco e música é a minha vida.
Era a terceira vez que eu dizia isso para ela. Diferente de Noah, ela
não entendia o que música significava na minha vida, ela não entendia nada
sobre o assunto e eu me perguntava porque ela fazia parte do círculo de
amizade das meninas.
— Atuar é a minha vida também, gosto de quando estou no palco.
Agora sim faz sentido, temos aqui uma Valentina 2.0 numa versão
mais chata e faladeira.
— Isso é legal — murmuro desanimado.
— Eu te entediei, né?
— Não — minto descaradamente. — Pode continuar se quiser —
digo, torcendo para que ela não continue de onde parou.
— Então, eu estava falando...
Disposto a fazê-la parar de falar, eu avancei meu rosto em sua
direção, como se adivinhasse o que eu estava prestes a fazer, ela encostou
seus lábios nos meus. Caroline, jogou seu corpo para cima do meu de uma
forma atrapalhada que me fez rir, coloquei-a sentada no meu colo e mais uma
vez, nossos lábios se colidiram e deixei o sabor de menta em sua boca
mesclar com o gosto da cerveja que a minha tinha.
Eu só precisava esquecer de Noah. Eu só precisava não me
arrepender, não por hoje.
“Você sabe que eu preciso de alguém.
Alguém como você.”
USE SOMEBODY – KINGS OF LEON
EU SEMPRE ODIEI MUDANÇAS, MAS ESSA EM ESPECIAL EU
ESTAVA adorando fazer. Depois de muita insistência da Valentina, eu estava
de mudanças para o seu apartamento, mas com a condição de que eu a
ajudaria nas contas e compras.
Sair do dormitório me deixou aliviada, meus pais não iriam mais
precisar pagar por ele e isso para mim já era um peso a menos para eles terem
que lidar.
Carreguei a última caixa até o meu quarto, ele era tão grande que
acredito que o dormitório inteiro caberia aqui dentro.
— Eu estou exausto, queria saber onde que você enfiava todas essas
coisas naquele quarto minúsculo — resmungou Greg atrás de mim.
— São livros e discos, todos estavam em prateleira. Não são tantos
assim — explico e volto a olhar admirada pelo quarto.
Valentina disse que eu poderia decorar à vontade, ela queria que eu
me sentisse em casa, mas eu não tenho dom para decoração. Minha mãe que
adoraria decorar isso aqui, ela faria uma festa.
— Ainda bem que eu me ofereci para te ajudar, não sei como você
iria trazer tudo isso sozinha. — Greg volta a falar.
— Nem eu — confesso.
Eu esperava que Saint me ajudasse como ele disse que faria, mas
bem... Ele não fala comigo há dois dias.
— Você tem visto o Saint?
— Todos os finais de semana quando a banda dele toca, por quê?
Problemas no paraíso? — Ele indaga curioso.
— Não, apenas andei ocupada demais com a mudança e acabei
deixando-o de lado — digo, tentando despistá-lo.
De uma forma estranha, Greg se mostrou interessado e isso me deixou
com uma pulga atrás da orelha.
— Se ele não estivesse saindo com a Caroline, eu diria que rola um
clima entre vocês.
O quê? Não seguro o riso nervoso que escapa da minha boca, com
essa suposição dele.
— Não há chance alguma de Saint e eu sermos mais que amigos. Às
vezes nem amigos nós somos, somos dois desconhecidos.
— Noah, só foi nós dois começarmos a sair que ele mudou
completamente comigo. — Ele informa e caminha em minha direção. Suas
mãos gélidas seguram as minhas. — Então se tem algo aqui, acontecendo
entre vocês me avise que eu não vou insistir em alguém que tem interesse por
outro.
Abro e fecho a minha boca surpresa.
— Não há nada entre mim e Saint, mas eu não estou à procura de me
relacionar com alguém, Greg — murmuro, tentando soar a mais sincera
possível de uma forma que não o magoe. — Você é um cara legal.
— Mas? — Ele indaga, levantando uma de suas sobrancelhas.
— Eu gosto de quem eu sou sozinha, sem ninguém e se você quiser
continuar saindo comigo vai ter que aceitar que nós nunca seremos algo a
mais um dia. Eu não posso fazer isso com você e nem comigo.
— Eu entendi, Noah, nós ainda seremos amigos — diz ele, apertando
as minhas mãos.
Ficamos em silêncio um encarando o outro e quando ele inclinou a
cabeça para me beijar, o grito de Valentina ecoou pelo quarto inteiro.
— Eu não acredito que você está mesmo aqui!
Me afastei de Greg e corri para a minha melhor amiga, que me
aguardava de braços abertos.
— Disse para o Matthew que só acreditaria que você viria mesmo
morar comigo, quando eu visse as suas coisas pela casa. Quando o porteiro
me disse que você subiu, eu vim de escadas porque não aguentei esperar o
elevador de ansiedade. — Val murmura, e me abraça apertado.
Solto uma risada, não esperava menos vindo dela.
— Agora que eu estou aqui... Já pode fazer aquela pipoca caramelada
que só você sabe fazer.
— Humm, acho que posso fazer isso por você. Noite das meninas? —
Ela pergunta, ao se afastar e já pegando o celular no bolso de seu jeans.
— Sim, noite das meninas — concordo, sabendo que isso irá animar
não só a mim, mas a ela também.
— Greg, a parte noite das meninas não inclui você, então...
— Eu já entendi, Val — diz ele, levantando as mãos. — Você está
tirando de mim a minha melhor companhia.
— Você vai superar isso, Gregzinho. — Ela retruca, dando tapinhas
no ombro dele. — Preciso ir ao mercado, vou comprar algumas coisas para
nossa noite e chamar a Claire, se prepara que hoje têm.
Com a empolgação de sempre, Valentina se despede de nós e sai do
quarto nos deixando a sós.
— Então, noite das garotas, huh? — Greg, se aproxima e enlaça seus
braços em volta da minha cintura, juntando os nossos corpos.
— Sim, noite das garotas.
— Há algo que eu possa fazer, para convencê-la a ficar comigo?
Seus lábios molhados descem pelo meu pescoço traçando beijos e
leves mordidas, me arrancando um gemido abafado. Sua respiração
entrecortada me causava arrepios e eu sabia que se continuássemos assim,
nada acabaria bem por aqui.
— Greg, eu acho melhor nós pararmos por aqui — respirei
profundamente, seus lábios abandonaram meu pescoço e seu olhar foi atraído
para o meu.
Seus dedos giraram ao redor dos meus lábios, sem dizer mais
nenhuma palavra, eu o beijei. Não era a primeira e nem a segunda vez que eu
beijava o Greg, mas havia algo a mais no beijo.
Percebi isso no momento em que suas mãos me puxavam mais para
si, era como se ele quisesse que nossos corpos se moldassem em um só. Seus
lábios beijavam os meus com urgência, a língua ficou mais gananciosa.
Greg havia acabado de assumir o controle do beijo e da minha
sanidade.
Minhas costas bateram com força contra a parede, minhas pernas
envolviam a sua cintura. As mãos quentes de Greg acariciavam a minha
barriga por baixo da blusa, apenas esperando o momento certo para avançar o
sinal. Meu corpo estava em êxtase e, então eu soube nesse exato momento,
que se eu não parasse, ele não ia parar. E nós tínhamos que parar.
— Greg — murmuro, ainda com seus lábios grudados nos meus. —
Você tem que ir.
Ele não me ouviu. Apenas continuou suas carícias em minha barriga,
prendeu meu lábio inferior entre seus dentes e o puxou.
— Eu sei... — Ele murmurou, desanimado.
— Noite das garotas, você sabe...
Seu rosto assumiu uma careta engraçada e antes de me colocar no
chão, mais uma vez ele colou seus lábios nos meus.
— O que você vai fazer no feriado? — Ele pergunta, se recompondo.
— Feriado? Que feriado? — pergunto de volta.
— O da semana que vem, 4 de Julho. Esqueceu?
Franzi meu rosto e mordi meus lábios, afastando o pensamento de não
poder ir ver meus pais nesse feriado. Eu não tinha dinheiro suficiente para
isso.
— Não tenho planos para o feriado — confesso.
— Agora você tem, podemos passar o feriado juntos. Se você quiser,
é claro.
Eu não achava uma boa ideia passar um final de semana inteiro com o
Greg, eu preferia ficar sozinha.
— Greg, eu não acho uma boa ideia. Eu acabei de me mudar e há
muitas coisas que eu gostaria de colocar em ordem.
— Eu posso te ajudar.
— Posso pensar e te dar a resposta depois? — pergunto e ele assente.
— Então, eu acho melhor eu ir.
— Antes que a Valentina o expulse daqui — completo.
Ele assente rindo.
— Vamos, eu te levo até a porta.
Eu não só o levei até a porta, como fiquei esperando o elevador ao seu
lado no corredor. Quando as portas do elevador se abriram, Saint
acompanhado de Matthew, Tyrone e John saíram de dentro dele rindo.
— Está explicado porque o bar estava as moscas hoje. — Tyrone diz,
direcionado a Greg.
— Eu estava indo para lá nesse exato momento, já que a Noah me
expulsou. — Ele retruca.
— Eu não te expulsei. — Me defendo.
— Você não estava de saída? O elevador não é privativo e nem está a
sua disposição. — Saint atira, com uma careta no rosto.
Sem graça, Greg se vira para mim.
— Nos vemos por aí? — Ele pergunta.
Confirmo acenando positivamente com a cabeça.
— Boa noite, bailarina — sorrindo, ele deu um beijo casto em meus
lábios e se afastou.
Observei Saint soltar a porta do elevador que segurava e dar espaço
para Greg passar.
Dei um último aceno para ele, antes das portas se fecharem e me virei
para encarar Saint, eu não entendi o motivo dele ter sido tão grosso e mal-
educado com Greg.
— Hoje não, Noah. — Ele diz, me dando as costas e caminhando até
a porta do seu apartamento.
Me viro para segui-lo, nós precisávamos conversar, mas a mão de
Matthew me segura impedindo que eu o siga.
— Ignore ele, Noah, ele só está estressado.
— Mas eu não fiz nada, Matthew, nada — resmungo.
— Eu sei, Noah, só curta a sua noite das meninas com a Valentina, ela
sentiu a sua falta. Ele está bem e vai ficar bem. Só o deixe só por um tempo,
ok?
Assinto, mordendo forte meus lábios e sentindo o nó se formar em
minha garganta.
Me despedi de Matthew e dos outros meninos que ainda estavam ali
com um abraço, e voltei para o apartamento.
Eu não tinha mais a companhia de Saint, eu só queria saber por
quanto tempo eu deveria deixá-lo.

Saint estava me ignorando por duas semanas, desde aquele episódio


com o Greg. Tentei falar com ele a todo custo, mas não aconteceu. Nós
tínhamos coisas pendentes a ser ensaiadas e cada dia que passava, mais o
festival se aproximava.
Hoje é quinta, véspera do feriado de 4 de julho. Val, Claire, Chloé e
eu estávamos no shopping fazendo compras. Dona Eva fechou a loja e só
reabrirá novamente na segunda-feira, já que ela receberia visitas em sua casa.
Ela também me deu uma boa quantia de dinheiro para que eu não passasse o
feriado sem nada e eu só tinha a agradecê-la por tamanha generosidade.
— Claire, você tem certeza disso? — Eu pergunto, sem acreditar que
estávamos mesmo entrando em um sex shop.
— Vocês vieram para me ajudar ou vieram me fazer desistir? —
Claire indaga, olhando para mim, Chloé e Valentina.
— Claire, um conselho, se você quer mesmo sentir a coisa vai com
tudo. — Val fala, de todas ela era a única animada em estar em um sex shop.
— Meu Deus, eu não quero nem ver a cara do papai ao descobrir isso.
Ele vai surtar! — Chloé fala.
— Fala sério, Chloé, eu já sou adulta e estou na idade de ter relações
sexuais, li na internet que a dor é psicológica, e quando é com a pessoa que
amamos a dor é um mero detalhe. — Claire, pontua.
— Isso é mentira, em minha sincera opinião. — Eu falo, levantando a
mão. — Independente de ser com alguém que gostamos ou não, dói e pra
caramba. Eu perdi a minha virgindade com um garoto que tinha um sorriso
que fazia qualquer garota molhar a calcinha e isso só foi uma mera ilusão, ele
era horrível.
— E por falar em ilusão, você e Greg, huh? — Valentina indaga, com
um sorriso provocativo no rosto.
— Só estamos saindo, nada demais. Não quero algo sério —
respondo, dando de ombros.
— Ele é um pedaço de mau caminho. — Claire fala. — Não se deixe
levar pelo rosto bonitinho que ele tem.
— Eu estou saindo com ele e não casando com ele.
— Gosto de saber que você pensa assim, Noah, não se engane com
ele. — Val diz e volta a atenção para as lingeries na mão de Chloé.
Me pergunto o que Greg deve ter feito de tão ruim assim, para as
meninas dizerem isso, mas isso pouco me importa. Eu não penso em ter algo
sério tão cedo e ele de longe, seria o escolhido para isso.
Ando distraída pelo espaço da loja e pela vitrine, vejo Saint passar na
companhia da Caroline. Eu sabia que eles tinham saído juntos naquela noite
do bar, mas não sabia o quão junto eles estavam.
— Val, eu vou dar uma respirada e já volto — digo, fazendo menção
em direção a saída.
— Só não nos perca de vista!
— Sim, senhora.
Saio da loja procurando Saint por todos os lados e o encontro sentado
sozinho, próximo a uma loja de sapatos, cheio de sacolas em mãos.
— Saint! — O chamo, fazendo-o virar a cabeça a minha procura.
— O que você faz aqui? — Ele pergunta.
— Oi, é bom te ver também — ironizo, revirando meus olhos e ele
bufa.
— Está aqui com o Greg?
Sua carranca me faz ter vontade de rir.
— Estou com as meninas — respondo e seu rosto se alivia.
— E cadê as meninas? — Ele pergunta olhando para os lados e eu me
sento ao seu lado.
— Elas estão... bem, no sex shop.
— No sex shop? — Ele indaga, com um sorriso pervertido no rosto.
— Estão se preparando para o feriado mesmo.
— Eu não estou, nem mesmo estou animada — digo, dando de
ombros. — O que você faz aqui sozinho? Não estava com a...
— Quieta. — Ele fala, colocando a mão na minha boca. — Não fale
esse nome, que só de falar eu ouço a voz dela na minha cabeça.
Seguro minha risada e Saint olha para os lados antes de se levantar, e
segurar em minha mão. Me levantando logo em seguida.
— Vem comigo. — Ele fala, me puxando em direção a saída.
— Saint, as meninas vão ficar preocupadas comigo. E essas coisas?
— pergunto, apontando com a cabeça para as sacolas em sua mão.
— Você manda mensagem avisando que está comigo. São presentes
para a minha irmã, agora vamos antes que ela note a minha ausência.

Paramos em uma sorveteria que ficava em um bairro calmo e distante


da movimentação que estávamos acostumados. Saint e eu escolhemos o
mesmo sabor do sorvete, morango, e após ele pagar, caminhamos até um
parquinho que havia próximo da sorveteria.
O lugar estava vazio, aproveitei para me sentar no balanço.
— Quanto tempo que eu não sei o que é sentar em um balanço. — Ele
fala, com um sorriso torto no rosto e se senta no balanço que tinha ao meu
lado.
— Por que me afastou? — vou direto ao ponto, sem rodeios.
— Eu não te afastei. — Ele diz, sem me olhar.
— Saint, eu não sei mais o que fazer com essas suas mudanças. Uma
hora você me quer por perto e outra hora me quer longe, você é confuso e
pelo o que eu acabei de perceber minutos atrás no shopping, essa sua recusa
com mulheres não é só comigo. Qual é o seu problema?
— Nenhum, Noah. — Ele responde ríspido.
— Tudo bem você não falar, mas isso prejudica nós mesmos nos
ensaios.
Seu suspiro longo chama a minha atenção e eu me viro para encará-lo.
— Você e o Greg juntos me incomoda.
Ele solta, me deixando desnorteada com a sua revelação repentina.
“Talvez eu esteja muito ocupado sendo seu.
para me apaixonar por outra pessoa.”
DO I WANNA KNOW? – ARCTIC MONKEYS

SOUBE QUE EU HAVIA PERDIDO A CABEÇA NO MOMENTO


QUE confessei a Noah, que vê-la junto com Greg me incomodava. E agora
estou aqui, sendo motivo de piada para a sua risada.
— Você e o Greg juntos me incomoda — digo sem pensar.
— O quê? — Ela exclama e começa a rir. — Você está brincando,
né? Sim, você está.
— Continue rindo e veremos quem achará graça no final.
— Qual é o seu problema? Nós somos só amigos e ele se ofereceu
para passar o feriado comigo.
— Mas você não vai.
— Eu ainda não aceitei, Saint, mas agora acho que vou aceitar.
Ninguém me dá ordens, nem você.
— Vamos comigo para casa.
Ela ri mais uma vez, achando graça da situação. Continuo encarando-
a e seu rosto se fecha, diante da minha reação.
— Está falando sério? — indaga.
— Sim, venha comigo — digo, sério.
— Saint, eu não vou me sentir à vontade em um lugar que eu não
conheço ninguém.
— Noah, eu não vou me sentir tranquilo sabendo que você vai ficar
aqui sozinha e com o Greg. Eu não confio nele.
— Por que eu deveria confiar em você?
— Eu não sei, eu só... que seja, Noah. Você quer ficar, fique —
resmungo, impaciente.
Ela respira fundo ao me encarar e soltar um suspiro. Soube que eu
tinha vencido essa luta no momento em que ela suspirou.
— Eu vou, mas com uma condição. — Ela fala, sem tirar os olhos dos
meus.
— Você e suas condições — resmungo.
— Precisamos tirar tempo para ensaiar. Você nos fez perder dias de
ensaios.
— Sério isso?
— Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida, Saint.
Torço os lábios em desaprovação e sinto uma leve fisgada em meu
braço.
— E não faça essa cara para mim. — Ela resmunga. — Quando
partiremos?
— Daqui há três horas — digo, olhando meu relógio no pulso.
— Você está brincando, né?
Ela levanta rápido do balanço, deixando seu sorvete cair na areia.
Balanço a minha cabeça negativamente, eu não estava brincando. O voo
estava marcado para daqui há três horas, mas não tínhamos com o que se
preocupar.
— Saint, então temos que correr. Meu quarto ainda está uma bagunça,
tem roupa para tudo que é canto.
— Eu duvido disso.
Noah era a pessoa mais organizada que eu conhecia, duvidava que o
quarto dela tenha se tornado uma bagunça agora que se mudou.

— Retiro o que eu disse — digo, horas depois ao colocar os pés


dentro do quarto dela.
Não só estava uma bagunça, como tinha pacotes de snacks pelo chão.
— Isso aqui está parecendo um chiqueiro.
— Ei, não fala assim do meu quarto. — Ela me repreende, fingindo
ofensa.
Me abaixo para catar as embalagens vazias das besteiras que ela havia
comido. Eram muitas embalagens, tinha até mesmo uma sacola cheia de
guloseimas escondida embaixo da cama. Olhei para Noah, que sorriu
timidamente se declarando culpada.
— Você comeu isso tudo sozinha? — pergunto, seu olhar desvia do
meu.
Ela começa a pegar as roupas espalhadas pelo quarto, dobrar e
guardar uma por uma.
— Noah, eu te fiz uma pergunta. Aquela vez que você estava
vomitando no dormitório, foi após comer essas coisas, você...
Eu nem sei como formular o que eu quero perguntar para ela. Não sei
se por medo de ouvir a resposta e for positiva.
— Aquela vez em que você achou que eu estava grávida? Não. Saint,
não estou grávida “de novo”. — Ela faz aspas com as mãos e bufa irritada.
— Eu não ia falar isso. Eu só estou preocupado com você, mas pelo
visto nem direito de me preocupar eu tenho.
— Foi uma péssima ideia trazer você aqui. — Ela resmunga.
Fiquei em silêncio observando-a guardar as coisas e organizar o
quarto. Quando acabou, ela se sentou na cama ao meu lado, pegou uma barra
de chocolate dentro da sacola que eu havia deixado ali, e soltou um suspiro
cansado.
Não sei se era uma oferta de paz, mas aceitei o pedaço do chocolate
que ela havia me oferecido.
— Noah? — chamo-a e ela levanta a cabeça para me olhar.
— Sim?
— Qual é o seu lance com as comidas? — pergunto sem rodeios.
— A verdade?
Sua pergunta era um murmuro tão baixo, que me fez ter certeza de
que eu queria a verdade, não importava o quão ruim ela fosse.
— Sim, por favor — peço e ela solta um suspiro em derrota.
— Eu sou compulsiva, só quando estou ansiosa e mal comigo mesma.
Como para aliviar e tentar me sentir melhor, mas quando passa eu volto a me
sentir pior pela quantidade de coisas que comi em momentos de desespero.
— Ela confessa, abaixando a cabeça para fugir do meu olhar.
Ergo minha mão na direção do seu rosto e seguro carinhosamente em
seu queixo, levantando novamente seu rosto e sustentando seu olhar no meu.
— Você não precisa disso, certo? Quando foi a última vez que se fez
isso?
— Quando você me ignorou depois do episódio do elevador, eu fiquei
preocupada com os ensaios e com você voltar a me odiar novamente.
— Eu não odeio você, Noah — murmuro e um meio sorriso se forma
em seu rosto. — Você é a minha melhor amiga, acho que agora eu gosto um
pouco de você.
— Acha? — Ela indaga humorada.
— É, acho — sorrio a observando. — Vamos trabalhar nesse seu
comportamento.
— É espertão? De qual forma?
— Você vai passar por isso tudo comigo. Quer comer? Comeremos
juntos. Quer se esbaldar de doces? Nós compraremos a doceria inteira. Nós
só vamos passar por isso juntos.
Ela sorri, e afastando minha mão do seu queixo, ela deita a cabeça em
meu ombro.
— Você não existe, Saint Rivers.
— Você é insuportável, Bailarina.
Estávamos atrasados e Noah repetia isso o tempo todo, a culpa do
atraso foi completamente minha, confesso. Eu queria deixar o quarto dela em
ordem, estava me dando nos nervos ver aquela bagunça, embora ela tenha me
impedido de ajudá-la a arrumar.
— Nós teríamos demorado muito mais se eu não te ajudasse —
argumento mais uma vez.
— Obrigada. — Ela murmura, arrastando a mala com dificuldade
pelo aeroporto.
Paro de andar e pego a mala de sua mão, agora entendo o motivo da
dificuldade dela.
— Eu queria entender porque mulheres têm essa mania de fazer uma
mala de um ano, para três dias de viagem.
— A culpa é sua, você disse que lá não deve estar muito quente, mas
também não deve estar muito frio. Eu trouxe um pouco de tudo que eu tenho.
— Ela se defende. — E além do mais, você não é cavalheiro.
Me viro para ela, com a boca entreaberta e um olhar fingindo ofensa.
— Sinto muito se meu cavalheirismo é pouco para você.
— Saint, você não sabe fingir. Pelo menos não para mim.
— Não é? Por quê? — pergunto, curioso.
— Porque eu te conheço. — Ela fala, confiante.
— Não o bastante, você corre o risco de conhecer todos meus lados
feios nessa viagem, Noah.
— Como se eu não o tivesse conhecido antes — desdenha.
— Não conheceu — afirmo.
Sua boca se abre prestes a responder, mas eu a interrompo.
— Estamos atrasados — concluo encerrando o assunto e volto a
andar.
Ainda é cedo para Noah saber demais.
— Você não me disse que íamos de jatinho, você falou que tinha
passagem para daqui há três horas.
Seu olhar admirado enquanto entrava no jatinho particular do meu
pai, me fez rir.
— Eu não disse que tinha passagem, disse que o voo saía há três horas
atrás — digo, corrigindo ela.
— Saint, isso aqui é demais — exclama, animada.
Observo ela abrindo e fechando as portas do jatinho com curiosidade.
— Noah, só sente-se para decolarmos, depois você pode descobrir
tudo que há por trás dessas portas.
— Eu tenho pavor de altura, ser curiosa nessa hora me distrai. — Ela
confessa e continua abrindo as portas.
— Vem aqui — chamo, indo até ela e segurando em sua mão.
Como ela tem medo de altura, sentei na janela e ainda seguro em sua
mão, a puxei para sentar do meu lado.
— O que você fazia nos feriados em Miami? — pergunto tentando
distraí-la, enquanto ajusto o cinto de segurança nela e depois faço o mesmo
em mim.
— Minha mãe costumava alugar muitos filmes e nós fazíamos a sala
de cinema, quando o filme acabava, nós debatíamos o que achávamos do
filme e pulávamos para outro. — Ela diz, sorrindo nostálgica.
— E o seu pai?
— Meu pai quase nunca estava conosco nos feriados, ele sempre
trabalhou bastante. Nos feriados as vendas aumentam e com isso o salário
dele também. E você?
— O que tem eu? — indago, franzindo a minha testa.
— O que você faz nos feriados?
— Desde que comecei a responder pelos meus atos, eu passo com os
meninos da banda e tocando.
— Isso parece ser legal. — Ela murmura.
— Já podem tirar o cinto. — A comissária de bordo nos informa,
parando em nossa frente. — Gostariam de algo para comer e beber?
— Nós já estamos voando? — Noah pergunta, se desfazendo do cinto.
— Sim, senhora. — A comissária responde, sorrindo.
— Por enquanto iremos querer apenas suco, por favor — digo, ela
assente e se afasta.
— Você fez isso! — Noah exclama, com seus olhos iluminados.
Levanto minha sobrancelha sem entender ao que ela se refere. — Você me
manteve dispersa.
— E consegui — afirmo.
— Obrigada mais uma vez.
— Disponha, bailarina.
Noah passou o resto do voo dormindo, quando aterrissamos eu não
tive coragem de acordá-la e como meu pai havia mandado Will, seu motorista
particular nos buscar. Eu a carreguei no colo até o carro, enquanto Will se
encarregou das nossas malas.
Durante o trajeto para casa, Noah se mexeu no banco. Sua cabeça
estava deitada em meu colo e seu corpo espichado na poltrona do carro.
— Acorda, preguiçosa — murmuro, acariciando seu cabelo.
— Só mais um pouquinho. — Ela resmunga, ainda de olhos fechados.
— Nós já chegamos, mas entenderei se você quiser passar a viagem
toda dentro do carro dormindo, Portland não é lá essas coisas.
Em um pulo, ela se sentou e olhou para os lados assustada.
— Por que você não me acordou? — Ela pergunta.
— Você parecia cansada — confesso, dando de ombros.
— Estamos quase chegando, senhor Rivers. — Will fala, me fazendo
revirar os olhos.
— Não seja malcriado, velho Will, você já me pegou no colo e agora
vem me chamar de senhor — resmungo, o fazendo sorrir.
— Como quiser, senhor Rivers.
Seu tom irônico faz Noah rir e ficar repetindo as mesmas palavras o
resto do caminho. Quando o carro parou, Will abriu a porta para que
saíssemos.
— Uau! — Ela exclama, chamando a minha atenção. — Isso parece
uma mansão de filme, o que vocês são? Magnatas?
Ela estava com o mesmo olhar que tinha mais cedo quando entrou no
jatinho, encantada com tudo que via. A casa além de ficar no alto de uma
colina, que para quem gosta de verde e ar puro era uma coisa divina, é
praticamente toda de vidro. Haviam poucas estruturas de parede que eram na
cor creme, e como estava anoitecendo as luzes estavam acesas tornando a
casa mais bela ainda.
— Quase isso, somos assassinos de aluguel e você é a nossa próxima
vítima — brinco, recebendo sua careta em troca.
Apesar de ensaiarmos no prédio do meu pai, Noah nunca perguntou o
que seria a empresa e nem mesmo o que meu pai era. Ela só sabia que
tínhamos um alto padrão de vida.
Oregon apesar de ser um estado pequeno, atrai bastante turistas pela
sua beleza natural e graças à sua grande abundância de florestas, montanhas,
rios e lagos, eu cresci conhecendo todas as espécies de madeiras. Quando eu
era criança, meu avô passeava comigo pela fábrica de madeiras da família
explicando a origem e para que fins servia cada tipo delas. A fábrica Oregon
Saw Chain foi o seu maior legado, que meu pai herdou com maior orgulho.
— Saaaaint! — A pequena criatura com menos de um metro de altura
corre em minha direção. Me abaixo e abro meus braços preparado para
recebê-la. — Você veio mesmo. — Loren diz, se jogando em meus braços e
me enchendo de beijos no rosto.
— Eu vim, linda, e trouxe presentes — digo, beijando a sua bochecha
gorda.
— Eba, presentes! — Ela grita animada em meu ouvido.
Loren tem apenas seis anos e apesar da pouca idade, ela tem uma
inteligência que surpreende a todos nós. Levanto com ela no meu colo e viro
para olhar Noah, que nos olha sorrindo.
— Você me trouxe a Barbie de verdade? — Loren pergunta, se
referindo a Noah.
Rindo, eu pisco para Noah, que abre um sorriso ameno.
— Loren, essa é a Barbie Noah, minha amiga. E Barbie, essa é a
minha irmãzinha — apresento as duas uma para outra.
— Oi, Loren, você me acha parecida com a Barbie? — Noah
pergunta, sorrindo.
— Você é igual a minha Barbie nova que papai me deu.
— Adivinha o que essa aqui é? — pergunto e ela me olha pensativa.
— Não sei, que Barbie é você?
— Ela é bailarina — respondo por Noah, que estreita seu olhar em
minha direção.
— Bailarina? Que máximo, eu queria tanto uma bailarina para
completar a minha coleção. — Ela sussurra tristonha.
— Acho que o seu irmão pode resolver esse problema, não é mesmo,
Saint? — Noah, fala cínica.
— Posso? — indago.
— Sim, pode. — Ela afirma.
No fundo, ela sabia que eu jamais negaria algo para Loren.
— Certo, eu vou te dar a sua bailarina — digo e Loren pula em meu
colo. — Nada de pular, espertinha, você não acha que já está grandinha para
ficar no colo, não?
— Foi você que me pegou.
— Agora eu não vou pegar mais. — Me abaixo colocando ela
novamente no chão.
— Como você é insuportável com a sua própria irmã. — Noah
resmunga e inclina o corpo para frente para falar com Loren. — Quantos
anos você tem?
— Eu tenho seis. — Ela diz, mostrando com a mão. — Você é a
namorada do meu irmão?
— Seu irmão é chato demais para ser meu namorado, você não acha
que a Barbie merece alguém legal e bonito?
— Mas meu irmão é legal e bonito, ele é o Ken e o Ken é namorado
da Barbie.
— Ele é o Ken, certo? — Ela pergunta e Loren assente. — Seu irmão
é o Ken que não faz meu tipo.
Como eu não faço o tipo dela? Eu faço o tipo de qualquer garota.
— E qual é o seu tipo? — Loren quis saber, me fazendo bufar irritado
com o rumo que essa conversa das duas está tomando.
— Loren, o que você faz... — Dora aparece na porta deixando a frase
morrer na metade.
— Mamãe, ele veio, eu disse que ele viria. — Minha irmã exclama
animada.
Pelo visto só ela acreditou que eu realmente viria.
Devagar, Dora se aproximou. Seus olhos lacrimejavam quando seus
braços me envolveram em um abraço terno. Seu abraço me deixa
desconfortável, Noah me olha sem entender o motivo de eu não estar a
abraçando de volta.
Sem graça, Dora se afasta e olha rapidamente para Noah, antes de
voltar seu olhar para mim.
— Eu estou feliz por você ter vindo, filho, e vejo que trouxe
companhia. — Ela diz, sorrindo.
Percebendo meu desconforto, Noah dá um passo à frente e se
apresenta.
— Deixa que eu me apresento, eu sou a Noah, amiga do Saint. — Sua
mão estava estendida e Dora cordialmente a apertou. — E a senhora deve ser
a mãe desse chato aqui.
Dora me olha antes de responder, com um sorriso forçado no rosto e
solta a mão de Noah.
— Me chame de Dora, querida. Vamos entrar, logo esfria aqui fora.
— Ela diz sem jeito.
— Nós já vamos indo, só iremos pegar as malas. Por que não vão na
frente? — digo e ela assente.
— Levem o tempo que for preciso, tem bolo na cozinha, caso estejam
com fome. Enquanto isso, eu vou dar banho nessa mocinha sujinha. — Dora
fala, apertando o nariz de Loren.
— Obrigado, Dora — agradeço, sorrindo para ela, que assente em
silêncio.
— Vamos, porquinha. — Ela diz, segurando na mão de Loren.
As duas saem me deixando a sós com Noah, que não perdeu a
oportunidade de me confrontar.
— Por que você a trata assim? E por que você não chama a sua mãe,
de mãe? — Ela questiona.
— Porque ela não é a minha mãe! — exclamo baixo, para que só ela
possa ouvir.
Como assim Dora não era a mãe dele? Eu lembro que na primeira vez
que nos vimos e ele estava no telefone, ele falou a palavra mãe. Eu não estou
louca.
— Como não, Saint? É ela que está nas fotos dos quadros na estante
do seu apartamento com você quando era pequeno.
— Mas ela não é a minha mãe verdadeira, Noah, ela só é a mulher do
meu pai e a mãe da Loren.
— Eu não entendo...
— Noah, você não tem que entender nada. — Ele me corta ríspido.
Engulo em seco e o observo pegar nossas malas no carro com a ajuda
do motorista. O assunto era delicado e eu entendia, soube que alguma coisa
estava fora do lugar no momento em que ele não fez o mínimo esforço para
abraçá-la.
Aguardo ele terminar de falar com o motorista e vir até a mim,
puxando as nossas malas pela alça. Entramos dentro da casa que é tão linda
por dentro quanto era por fora, tudo era sofisticado, desde ao assoalho até o
teto. Minha mãe sem dúvidas se apaixonaria tanto quanto eu estou
apaixonada e encantada por essa casa.
— Você quer comer alguma coisa antes de subirmos? — Ele
pergunta, quebrando o silêncio.
— Eu não estou com fome — minto, eu estava com muita fome.
Entretanto, a vergonha falava mais alto.
— Mentirosa. — Ele acusa.
— Tudo bem, eu confesso. Estou com fome, mas gostaria de tomar
um banho antes.
— Eu vou mostrar o quarto que você vai ficar, só não se assuste.
— Por que eu me assustaria? — pergunto.
Ele se aproxima de mim, ficando com seu rosto a poucos centímetros
do meu. Seu pescoço se inclina para frente, meu corpo todo reagiu ao sentir a
sua respiração quente em meu pescoço.
O que você está fazendo comigo, Saint?
— Porque há corpos espalhados por todos os lugares. — Ele sussurra
em meu ouvido e se afasta.
— Eu não me assusto facilmente assim — digo, o afastando com a
mão.
Perto demais, Saint. Perto demais.
— Veremos, não vou abrir a minha porta para você durante a
madrugada. — Ele zomba.
— Você já abriu sua porta para mim há muito tempo.
O que não era mentira. Saint havia derrubado todas as barreiras que
havia entre nós no início.
Ignorando o que eu disse, ele subiu as escadas em silêncio e eu o
segui arrastando a minha mala com dificuldade. Eu realmente havia
exagerado na quantidade de roupa.
Havia dois corredores, um de cada lado. Saint parou no meio e me
apontou uma porta à esquerda entre tantas outras portas.
— Acho que você vai gostar mais desse quarto e da vista. Estarei no
meu quarto, caso precise de mim. — Ele aponta para outra porta do corredor
oposto.
Assinto em silêncio, me corroendo por dentro para não voltar ao
assunto da mãe dele.
— Tente não demorar, você precisa comer alguma coisa. — Ele diz e
caminha em direção à sua porta.
— Saint. — O chamo e ele se vira para me olhar.
Seus olhos curiosos me examinam.
— Nós vamos conversar sobre isso? — pergunto.
— Sim, nós vamos. — Ele responde com o lábio torcido. — Mas não
hoje.
Ele sabia exatamente ao que eu me referia e eu esperaria o tempo que
fosse preciso para que ele se abrisse comigo.
— Obrigada. — Um vinco se forma no meio da sua testa, confuso
com o meu agradecimento. — Por me trazer e por me deixar entrar aos
poucos, você sabe que eu sempre estarei aqui para ouvi-lo.
— É isso que melhores amigos fazem, não? — assinto e ele sorri. —
Então, acho que estou perto de ser um melhor amigo.
— Você já é — informo e seu sorriso se alarga.
— Vá conhecer seu quarto, bailarina, eu te vejo no jantar.
— Você corta qualquer clima, insuportável — reclamo e sorrimos
cúmplices um para o outro. — Até logo, senhor Rivers.
— Até, Barbie. — Ele retruca.

Apesar do quarto ser grande, espaçoso e a minha vontade de morar


nele seja imensa por conta da vista para as montanhas. Eu já estava entediada
de ficar no quarto esperando por Saint, mandei uma mensagem avisando que
já havia saído do banho e que não queria ficar sozinha, mas ele estava
ocupado conversando com o pai.
Ele disse que eu podia me sentir à vontade e em casa, mas eu não
estava na minha casa.
Peguei o meu celular e arrisquei em sair do quarto e devagar, desci as
escadas.
— Eu já ia chamá-la para comer alguma coisa!
Dou um pulo do último degrau da escada, assustada, ao ouvir a voz de
Dora.
— Desculpe se eu te assustei. — Ela fala, envergonhada
— Eu que estava distraída, não tem porque pedir desculpas.
— Está com fome?
— Estou, mas acho melhor esperar pelo Saint — digo, e ela sorri
triste quando menciono o nome dele.
— O jantar está quase pronto, gostaria de me fazer companhia na
cozinha? — Sua pergunta estava cheia de expectativas.
— Claro, vai ser bom para me distrair. Estava ficando entediada no
quarto sozinha — confesso.
— Por que não desceu antes? Loren estava inquieta querendo chamar
você, mas achei melhor deixá-la descansar um pouco.
— Eu não queria incomodar.
— Nah, besteira. Me acompanhe.
A acompanhei até a cozinha, que me deixou de queixo caído ao
colocar os pés nela. A cozinha da casa dos pais de Saint era uma das mais
belas que já vi e maiores também. Dora ri ao observar minha reação e faz
sinal com a mão para que eu me sente.
Não me sentei, passei tempo demais sentada enquanto estive no
quarto e agora estava ocupada demais namorando a cozinha.
— Eu também tive a mesma reação que você, quando coloquei os pés
nessa casa pela primeira vez. Saint corria por toda casa e se escondida em
cada canto, eu era a sua babá e confesso que tive muita vontade de pedir
demissão na primeira semana — fala, enquanto corta alguns legumes.
Eu estava surpresa com essa revelação, jamais teria pensado que ela
havia sido babá de Saint. Com um sorriso nostálgico no rosto, ela se virou
para mim.
— Então, você e o Saint são muitos amigos?
Nós éramos muito amigos?
— Apesar dos pesares, sim.
Nós éramos amigos, Saint era um bom amigo. Talvez o meu melhor
amigo
— O que você faz? — pergunta, curiosa.
— Eu sou bailarina.
— Então, você é o par dele na competição? O Paul havia nos contado,
mas não passou pela minha cabeça que seria você. Pelo o que eu entendi,
vocês não eram amigos.
Por que o Paul contou essas coisas?
— O Paul? — indago curiosa e surpresa ao mesmo tempo.
— Você não sabe sobre o Paul? — Ela morde o lábio apreensiva. —
Saint vai me odiar mais ainda por isso.
— Ele não odeia você — afirmo, mesmo sem saber quais eram os
sentimentos de Saint em relação a ela.
Duvido que ele seria capaz de odiá-la.
— Eu não acredito tanto nisso. — Ela murmura em um suspiro.
— O que tem o Paul? — indago, mudando de assunto.
Eu não queria invadir a privacidade dela e nem a do Saint, no
momento certo ele me contaria. Eu sabia disso.
— Ele é tio do Saint, irmão do George. — Ela sussurra, com medo de
que alguém possa ouvi-la.
Minha boca se abre e fecha em choque, caí sentada no banco próximo
à bancada.
Como assim Paul era tio do Saint? Então, Valentina era sua prima?
Agora faz sentindo todo seu carinho e atenção com ela, sua proteção. Eu não
acredito que eles não me contaram isso.
— Então, Saint é primo da Valentina? — indago e ela assente. — Por
que eles não me contaram? Pensei que confiassem em mim.
— Há coisas que envolvem isso, querida, acredito que eles te
contariam. Isso não quer dizer que ele não confie em você, é só olhar para as
atitudes dele com você que saberá disso. — Ela fala, me deixando confusa.
— Como assim minhas atitudes? — indago, estreitando meu olhar em
sua direção.
Ela solta um suspiro longo e para de cortar os legumes, focando seu
olhar totalmente em mim.
— Ele nunca trouxe alguém que não fosse os meninos da banda aqui
em casa, e não me leve a mal, Noah, mas Saint não é do tipo que dançaria, ele
nem mesmo sabe dançar! — Ela fala rindo, como se estivesse se lembrando
de algo internamente.
— O que a senhora quer dizer com isso?
Eu ainda estava sem entender aonde ela queria chegar.
— Estou dizendo que ele não tem mais motivos para continuar nesse
festival, mas ele continua. Eu conheço meu... — Dora engole as palavras e
um sorriso triste toma conta do seu rosto. — Eu conheço o Saint e sei que ele
está fazendo isso por você.
Balanço a cabeça negativamente, ela está blefando. Saint não tem
motivos e nem porque estar fazendo isso por mim.
— Você conhece seu filho, Dora. Ele é o seu filho! Você criou,
cuidou e você o ama — digo, olhando-a diretamente nos olhos. — Você é a
mãe dele e sempre será — reafirmo minhas palavras e afago a sua mão em
cima da bancada.
— Eu queria que ele pensasse assim. — Ela murmura.
— Que quem pensasse o quê? — pergunta, uma voz masculina
entrando na cozinha.
Viro meu rosto para encarar uma versão mais velha de Saint. Se ele
puxar o pai quando mais velho, Jesus... Sortuda será a esposa.
— Nunca te informaram que é feio ouvir a conversa dos outros? —
Dora indaga, sorrindo.
Ele se aproxima dela, dando-lhe um beijo na testa e olha para mim.
— Você deve ser a Noah. — Ele fala, e eu balanço a cabeça
assentindo contida. — É um prazer tê-la em nossa casa.
— Eu agradeço pela hospitalidade, senhor. É muito gentil da parte de
vocês me acolherem.
— Me chame de George, amigos do meu filho são meus amigos
também.
— Tudo bem, George — digo, concordando e ele sorri amistoso.
— Assim soa bem melhor, sobre o que estavam falando? — Ele
pergunta curioso e volta a sua atenção para Dora, que agora estava
preparando algo no fogão.
— Vocês se importam se eu for procurar o Saint? — pergunto, os
atrapalhando.
Eu já vi meus pais várias vezes na cozinha juntos e a maioria das
conversas acabava em flerte e risadas, eu não estava preparada para
presenciar isso vindo da parte dos pais de Saint. Seria constrangedor invadir a
privacidade deles.
— Claro que não, avisaremos quando o jantar estiver pronto. — Dora
responde.
Saio da cozinha de fininho e subo as escadas, bato na porta que ele
havia me indicado que seria do quarto dele, mas não obtenho respostas. Me
arrisco a abri-la e torço para que ele esteja devidamente vestido, apesar de ter
tirado casquinha quando o vi nu, isso não era algo que eu gostaria que se
repetisse.
Me surpreendo com a decoração do seu quarto, a parede era em um
tom azul escuro. Umas notas de músicas desenhadas a mão na parede e uma
guitarra vermelha pendurada na parede de frente para a gigante cama.
Aproximo um pouco mais para observá-la, ela era autografada por ninguém
mais e ninguém menos que...
— Slash, ganhei da Dora quando eu fiz quinze anos. — Saint
murmura, me observando da porta do seu quarto.
— Isso é incrível! — passo a ponta dos meus dedos pela guitarra. —
É tão linda...
Ouço seus passos se aproximarem e ele para ao meu lado.
— É uma B.C. Rich Warlock de 6 cordas, ele usou está guitarra entre
1984 e 1987. Ela foi a leilão e não sei como a Dora conseguiu para mim.
— Ela é uma pessoa maravilhosa — digo, me virando para encará-lo.
— Sim, ela é uma pessoa maravilhosa e incrível.
O sorriso dele deixava nítido que ele gostava de Dora, só não
demonstrava. Mas o carinho estava presente, não só no sorriso que estava em
seu rosto, mas no brilho dos seus olhos.
— Você demorou.
— Estávamos tratando de negócios e você onde estava que não a
encontrei no seu quarto? — Suas sobrancelhas se ergueram ao fazer essa
pergunta.
— Estava na cozinha com a Dora. Ela acabou deixando escapar uma
coisa, que huh... não sei como falar, porque não tenho direito de me sentir
chateada com isso.
— O que ela disse? — indaga.
— Por que você e a Valentina não me contaram que são primos? Eu
pensei que fôssemos amigos.
Sua expressão se endureceu, provando-me um ponto que eu não
queria descobrir. Saint, tão cedo estaria pronto para compartilhar seus
segredos comigo. Meus ombros caem e eu me afasto dele, sentando em sua
cama.
— Mas nós somos amigos. — Ele afirma.
— Amigos confiam uns nos outros e vocês não confiam em mim —
murmuro angustiada.
— Noah, você é a pessoa que eu mais confio. — Ele diz, sentando-se
ao meu lado e segurando em minha mão. — Eu não sei nem porque não te
contei isso, no começo eu jamais pensaria em te contar por causa do festival.
Você poderia usar isso para me prejudicar, mas hoje eu não vejo isso como
uma arma que você possa usar contra mim.
— Eu não faria uma coisa dessas com você — digo e ele me olha
como quem não acreditou. Reviro meus olhos e completo. — Talvez eu faria,
o festival é importante.
— Por isso ninguém sabe, apenas nossos amigos mais íntimos. Meu
tio sempre gostou de música, enquanto meu pai seguia todos os passos do
meu avô na fábrica de madeiras. Meu avô costumava dizer que eu as vezes
parecia mais filho do tio Paul do que do meu próprio pai.
— Por que isso?
Eu estava curiosa, eu não sabia quase nada sobre Saint e agora que ele
estava se abrindo comigo, não perderia a chance de perguntar nada.
— Meu primeiro instrumento foi o tio Paul que me deu, eu adorava
ouvi-lo tocar sax. Ele me deu um violão, eu me apaixonei pela música, mas
também gostava de ir à fábrica. Gostava dos negócios da família tanto quanto
gostava da música, mas meu pai passou a ver a música como caso perdido,
assim que o tio Paul abriu mão de tudo por ter conseguido um cargo de
professor em Juilliard. Acho que em algum momento, ele achou que eu faria
o mesmo algum dia.
— E deixe-me adivinhar, ele passou a implicar com isso? — pergunto
o interrompendo, ele assente sorrindo torto. — Mas você provou o contrário,
certo?
— Pelo contrário, eu me inscrevi no programa da Juilliard ano
passado e meu pai pirou, desde então nós ficamos sem nos falar direito e eu
não vinha muito para casa. É a primeira vez que estou em casa depois disso
— confessa, me deixando boquiaberta. — Não fica com essa cara.
— Eu só não entendo como você conseguiu ficar tanto tempo longe
da sua família.
— Eu não tinha a intenção de ficar longe, mas ele que me afastava.
Agora isso são águas passadas, hoje deixei claro o quanto eu gosto da fábrica.
Eu cresci nela e aprendendo sobre madeiras, é tudo que me lembra meu avô e
eu jamais abriria mão disso, meu avô me dizia que se eu quisesse, eu poderia
ter os dois, a música e a fábrica. Eu quero isso, o tio Paul não quis porque não
tem vocação para negócios.
— O seu avô está certo, você pode ter os dois. Nós não podemos nos
limitar de fazer o que gostamos, quando podemos tornar as coisas mais fáceis
ainda, mas por que eu não poderia saber que vocês e o Paul são parentes?
— Porque pelas normas da escola, eu não poderia participar de nada
interno e nem mesmo externo, é como se ele estivesse me beneficiando. Você
sabe que não é assim, se fosse eu não estaria nessa competição justo com
você.
Aceno concordando, se tem uma coisa que eu percebi no Paul é que
ele é justo. E não fico surpresa ao saber que ele tiraria o próprio sobrinho do
festival.
Nós dois ficamos em silêncio, eu encarava nossas mãos juntas uma na
outra. Era estranho tê-lo assim tão perto e ao mesmo tempo era bom. Bom de
uma forma mais estranha ainda.
— Então, é só isso? — pergunto, na expectativa dele falar mais.
— É só isso — confirma. — O que mais você quer saber? —
pergunta, me estudando com o olhar.
— No momento mais nada, eu vou esperar pacientemente quando
você estiver pronto para falar sobre a sua mãe. Eu vou estar aqui, eu sempre
vou estar aqui.
Seu sorriso iluminou o seu rosto, me fazendo sorrir por receber um
dos sorrisos mais bonitos dele.
— Amanhã nós iremos a um lugar. — Ele fala, quebrando o silêncio.
— Onde? — pergunto animada.
— Vou te levar para um passeio, vamos conhecer a minha mãe.
Ele não estava animado, minha animação morreu junto com a dele e
não sei porquê, mas eu não gostei do seu tom de voz e sabia que eu iria gostar
menos ainda da sua mãe.

Era muito cedo quando Saint me acordou.


Eu não conseguia abrir meus olhos direito para enxergá-lo, mas
aquele olhar esperançoso dele me fez saltar da cama imediatamente e tomar
um banho para me recompor.
Nós fomos dormir muito tarde, após o jantar Dora mencionou a sala
de jogos e eu fiquei animada para me juntar a eles em uma partida de xadrez.
Ganhei duas vezes seguidas do pai de Saint e uma do próprio, durante o jogo
percebi que Saint estava se comunicando bem mais com Dora. Acredito que a
animação dela não era por causa do jogo e sim por tê-lo por perto. Fico
tentando imaginar como ela se sentiria agora ao saber que ele vai até a mãe
verdadeira dele, talvez o que eu esteja fazendo é errado. Eu não deveria
acompanhá-lo. Eu gostei da Dora e para mim ela era a mãe dele, ninguém
além dela.
Tomei um banho corrido e antes de me vestir, chequei o tempo pela
janela do meu quarto. Hoje o dia estava ensolarado, não seria necessário o
uso de casacos.
Após perder uma luta para uma calça jeans e um short, vesti a calça
jeans por não saber o local para onde iríamos. Completei o look, com uma
blusa de alça fina preta e meu amado tênis vans preto.
Quando saí do quarto, Saint me esperava em pé na porta. Ele estava
ansioso e isso dava para perceber de longe.
— Bom dia, Bailarina.
O sorriso amistoso no seu rosto me fez sorrir também, eu gostava de
vê-lo sorrindo. Eram poucas as vezes que ele fazia e se ele soubesse o quanto
ficava bonito sorrindo, deveria fazer isso sempre.
— Bom dia, Ken. — Não perdi a oportunidade de tirar com a cara
dele logo pela manhã. — Você está bem? — pergunto, analisando-o melhor
agora de perto.
— Por que não estaria? — retruca.
— Está com cara de quem acordou antes mesmo do dia clarear.
— Eu estou bem. — Ele afirma, relaxando os ombros.
Dou de ombros e desço as escadas com ele ao meu lado. Fomos direto
para a sala de jantar, para tomarmos café.
— Barbieee. — Loren grita, se levantando da mesa ao me ver.
— Oi, bonitinha, como você está? — pergunto, me abaixando para
beijar a sua bochecha.
— Eu estou feliz, meu irmão disse que vocês vão sair para ir comprar
a minha Barbie bailarina que nem você.
Olho para Saint, que relaxa os ombros, não se importando em mentir
para uma garotinha.
— Sim, nós vamos. Você não quer pedir mais nada para o seu irmão?
Talvez um Ken? Ele disse que compraria tudo que você pedisse — murmuro
a última parte baixinho, para que só ela ouvisse.
— Verdade? — balanço a cabeça assentindo. — Isso é demais. — Ela
exclama animada e corre para os braços do irmão.
— O que você fez? — Ele sibila.
— Nada — minto e lhe dou as costas. — Bom dia, Dora — digo, me
sentando na mesa.
— Bom dia, Noah, dormiu bem?
— Formidavelmente bem, impossível não dormir bem naquela cama
— digo, a fazendo sorrir.
Sua atenção se vai para Saint que negava alguma coisa para Loren,
que tentava argumentar com ele.
— O que você falou para ela? — Dora indaga curiosa.
— Saint hoje vai aprender que nunca se pode alimentar a esperança
de uma criança.
Ela ri, chamando a atenção dos dois para nós.
— Ela não vai deixá-lo em paz.
— Essa é a intenção.
Ninguém mandou ele mentir para ela.
Ignorando todos a minha volta, pego um waffle na mesa e jogo a
calda de morango por cima.
Saint se juntou a nós na mesa, não contive o riso ao vê-lo com uma
lista em mãos.
— Um castelo?! — Ele exclama, olhando para mim e para Dora. —
Pra que ela quer outro castelo?
— Você sabe que não precisa dar isso à ela, filho. — Dora fala.
— Eu sei, mãe, mas eu não consigo dizer não. — Ele confessa, sem
perceber que a chamou de mãe.
Dora e eu o olhamos sorrindo, tentando não deixá-lo desconfortável
ao perceber o que havia dito, eu lhe peço para me passar o suco.
Terminamos de tomar o café e saímos garantindo a Dora que
chegaríamos a tempo do almoço.
— Eu sei o que você fez. — Saint grunhe, ao fechar a porta de casa.
— Eu não sei do que você está falando — digo cínica.
— Você vai ficar responsável por isso. — Ele coloca em minha mão a
lista de brinquedos que Loren havia lhe dado.
— Barbie heroína. Sério que existe isso?
— Você não viu nada ainda. — Ele diz e sai me deixando em frente à
casa com o papel em mãos.
Cada vez que eu lia um item novo da lista, eu me arrependia pelo o
que eu disse.
Uma buzina tira a minha atenção do papel, levanto meu rosto e olho
para frente. Um porsche branco estava parado diante dos meus olhos.
— Nossa, isso sim é um carro — assovio, abrindo a porta e entrando
no carro.
— Gostou, bailarina?
O sorriso no seu rosto era divertido e eu balanço a cabeça assentindo.
— Gosto dos modelos dos Porsches, acho delicados. Meu sonho
antigamente era dirigir um.
— E por que não é mais? — indaga.
— Eu não sei dirigir — confesso.
— Isso não é um problema. — Ele diz, ligando o carro dando partida.
— Para mim é.
— Você verá que não é. — Ele afirma convicto.
Liguei o som do carro e deixei a música nos acompanhar para onde
quer que fosse que estivéssemos indo.

Paramos em frente a uma casa em um bairro que se localizava quase


na saída de Portland, soube disso quando passamos por uma placa que nos
indicava que a saída estava próxima.
— O que estamos fazendo aqui?
Eu estava confusa, já tinha alguns minutos que estávamos parados
dentro do carro em silêncio.
— Eu tinha apenas meses de vida quando ela me vendeu para o meu
pai, ela simplesmente me vendeu. Que mãe vende o próprio filho? Ela não
me quis, porque não me amava. Eu não era digno do amor dela, mas eles
eram.
— Eles? — indago mais confusa ainda.
Saint aponta na direção de uma enorme casa branca e sofisticada do
outro lado da rua, onde duas crianças brincavam no jardim com um cachorro.
Tinha um homem que sorria, enquanto os observava.
— Aquele é o Mason, ele tem vinte e dois anos. — Ele disse
apontando para o homem. — E aqueles são Blair e Kevin, meus irmãos.
Minha boca se abriu em choque, meu olhar pairava sobre eles e
voltava para Saint, em busca de semelhanças.
— Como você descobriu disso? — perguntei, segurando em sua mão.
Ele precisava saber que eu estava ao lado dele e que podia confiar em mim.
— Eu tinha vontade de saber quem era a minha mãe, eu queria
confrontá-la, eu merecia respostas e saber o porquê ela tinha me deixado. E
então, eu tive as respostas que estavam debaixo do meu nariz, ela nunca saiu
da cidade, Noah! Meu pai sempre soube que ela tinha um amante. Ele não
escondeu de mim quando eu perguntei sobre a minha mãe, ele me contou a
verdade, acho que ele nunca soube que ela permaneceu aqui e que antes
mesmo de me ter, ela já tinha um filho. Ela só queria dinheiro, tudo por
dinheiro.
Meus olhos não se desprenderam do rosto de Saint, enquanto ele se
abria para mim.
Eu não conseguia imaginar como uma mãe poderia vender o filho para o
próprio pai. Era demais para mim imaginar um ser humano tão baixo a esse
ponto.
Seu aperto na minha mão se intensificou, seu olhar endureceu e virei
meu rosto na direção da casa.
— Quem são eles? — pergunto me referindo a um casal que saía de
dentro da casa.
— Rosie Downley, minha mãe e seu marido. — Ele responde,
cerrando seu maxilar e apertando ainda mais a minha mão. — Por que ela
simplesmente não pode aparecer nos natais, meu aniversário ou dividir a
guarda com o meu pai? Ela não poderia ter me amado também?
— Eu estou aqui, Saint — murmuro, acariciando sua mão por cima da
minha. — Você tem a Dora e ela te ama muito.
— Você não entende, eu sou o problema. Sou ruim até mesmo para a
Dora, ela era a minha babá e casou-se com o meu pai quando eu tinha quatro
anos, desde então, ela cuida de mim. Depois eu passei a vê-la apenas como a
mãe da minha irmã, acreditava que nem ela me amava. Mas quando eu
briguei com o meu pai, ela ficou do meu lado, quando eu saí de casa e fui
para casa do tio Paul, ela pediu um tempo ao meu pai porque a minha
ausência era demais para ela. Ela sempre foi a minha mãe, Noah, e a maior
parte do tempo eu não quis ser filho dela, eu desejei ser apenas o filho da
minha mãe.
Estava claro que Saint guardava mágoas e remorso. Ele era apenas um
menino perdido que queria ser amado pela mãe.
E agora eu entendia porque ele chamou Dora de mãe, de alguma
forma ele sentia que estava a traindo vindo até aqui.
— Se é de respostas que você precisa, você deve confrontá-la — digo,
me arrependendo no mesmo segundo pela péssima ideia.
— Você acha que devo? — pergunta.
Não. Eu não acho.
— Acho — afirmo, apertando forte a sua mão na minha.
— Então, eu vou lá e...
— Não agora, Saint, não hoje. Você precisa estar preparado para isso
— digo, cortando a sua empolgação.
— Você está certa, vamos para casa.
Assinto, olhando pela última vez para a família feliz em frente à casa.
No fundo, eu temia por esse encontro, eu não queria que o coração de
Saint se partisse mais uma vez. Eu não queria ser a pessoa que o encorajou a
se jogar na frente do fogo.
E infelizmente, eu fui essa pessoa.
“Segundas chances não importam
as pessoas nunca mudam.”
MISERY BUSINESS – PARAMORE

EU NÃO PREGUEI O OLHO À NOITE INTEIRA, IMAGINANDO


COMO seria estar cara a cara com a minha verdadeira mãe após dezenove
anos.
Ela gostaria de saber que todos os anos eu fiquei à espera dela?
Ela ainda seria a minha mãe? Ela me amaria a partir de hoje?
Minhas mãos soavam, eu hesitava toda vez que esticava meu braço
para tocar a campainha. Eu simplesmente não conseguia apertar a maldita
campainha.
Dei as costas decidido a ir embora, mas o clique da porta se abrindo
me fez recuar e me virar para olhar.
— Posso ajudar? — Mason, o filho mais velho pergunta.
— Eu-eu... — Minha voz não saía.
— Você? — Ele indaga, me olhando dos pés à cabeça.
— Gostaria de falar com Rosie.
— Mãe, tem um rapaz na porta querendo falar com você. — Ele grita
da porta e alguém o responde de volta.
Eu contava os segundos mentalmente, até que ela apareceu na porta e
parou ao lado do filho que ainda estava ali me encarando.
— Jesus! — Ela exclamou, colocando a mão na boca em espanto.
— Você o conhece? — Ele perguntou.
— Ele é filho de um amigo.
Mentindo ou não, ela sabia quem eu era.
— Então, tudo bem se eu for? — Ele pergunta e ela assente, sem tirar
os olhos de mim.
— Sim, querido, só me avise se for chegar tarde. — Ela virou o rosto
para olhá-lo e sorriu, com um olhar maternal no rosto. — Não se preocupe
comigo e tome cuidado, Mason.
Assisti ela se despedindo do filho como se ele fosse a coisa mais
preciosa. Ela tinha aquele olhar que Dora sempre tinha quando falava
comigo. E isso me quebrou por dentro.
Me perdoa, Dora.
— Como isso é possível? — Ela pergunta incrédula, logo após seu
filho dar partida no carro.
— Como eu descobri quem é você? Onde você mora? Foi fácil, mãe.
— Não me chame de mãe, alguém pode ouvir. — Ela diz, olhando
para os dois lados vendo se alguém nos observava. — E você não é o meu
filho.
Por que tão fria, mãe?
— Podemos conversar? — pergunto e ela assente, dando passagem
para que eu possa entrar na casa.
Espero ela fechar a porta e a sigo até um escritório.
— O que você faz aqui, Saint?
— Então, você ainda sabe meu nome? — desdenho, observando as
fotos da família feliz em cima da mesa.
Pego uma das fotos, observando todos os filhos que ela teve com
outro homem e volto a olhar para ela.
— Como você pode? Você me abandonou quando eu nem se quer
falava. Como você consegue dormir todas as noites sabendo que deixou um
filho para trás? Um filho pequeno e recém-nascido!
— Do que você tanto reclama, Saint? O que espera vindo até a minha
casa, aparecendo para o meu filho e colocando em risco o meu casamento?
Você nasceu em um berço de ouro, cresceu tendo tudo e o que mais você
queria?
— Eu queria uma mãe! Uma mãe que existisse e que estivesse ao meu
lado em todos os meus aniversários, uma mãe que me amasse, eu só queria a
sua presença. O dinheiro nunca comprou e substituiu isso.
— Mas eu nunca quis você. — Ela grita, me fazendo recuar.
— O que você disse? — pergunto incrédulo.
— Eu nunca quis ter você, Saint. — Ela murmura baixo e abraça o
próprio corpo. — Seu pai sempre quis ter um filho, eu precisava de dinheiro e
o salário que ele me pagava como secretária não era o suficiente. Mason
estava doente e eu gastava muito com medicamentos, eu fiz isso por ele.
Você só nasceu para que eu pudesse salvar a vida dele.
Sua confissão é como um soco no estômago. Bato com força a foto na
mesa, pouco me importando se quebrei ou não o porta-retrato.
— Meu pai sabia? — pergunto.
— Seu pai nunca soube da existência do Mason, ele sempre foi um
homem ocupado e viajava muito. Isso cooperou para que ele não soubesse.
Eu poderia ter me apaixonado pelo seu pai, Saint, mas os negócios sempre
vinham em primeiro lugar, não culpe a mim por você não ter uma família.
Culpe a ele.
— E o seu amante?
— Eu não estava mais com o pai do Mason quando você nasceu, ele
se recusou a aceitar que eu engravidei de outro para nos sustentar e foi
embora. Ele me deixou grávida de outro e com um filho doente.
— Você nunca pensou em me procurar?
Eu precisava saber se algum dia ela pensou em voltar atrás e me
reconhecer como seu filho. Mas seu rosto retorcido em desgosto me mostrou
a verdade.
— Não — respondeu, secamente e sem hesitar.
— Seu marido sabe?
Era evidente que ele também não sabia dessa merda toda. Segundo o
detetive que contratei para encontrá-la, ela casou com o Stuart anos após me
deixar e teve dois filhos.
— Você está errada, eu tenho uma família e pelo visto muito melhor
que a sua. Entre nós não há mentiras e eu tenho uma mãe. A Dora, eu tinha
quatro anos quando ela se tornou a minha mãe e hoje eu vejo que ela sempre
foi uma mãe melhor do que você seria. É uma pena que o dinheiro não lhe
compre um caráter novo. Você seria uma péssima mãe para mim. Rosie, e eu
fico feliz por isso.
Não espero por respostas, não há nada mais a se dizer e nada mais a
ser ouvido. Abro a porta da casa e saio, batendo-a em seguida.
Antes de caminhar até o meu carro, dou a última olhada para a casa
que passei anos observando.
Adeus, Rosie.
“E eu prometo que não é sua culpa.
Nunca foi sua culpa.”
BROKEN ANGEL – BOYCE AVENUE

EU TIVE CERTEZA DE UMA COISA QUANDO ACORDEI PELA


MANHÃ, Saint voltaria ainda mais machucado para casa.
Ontem eu não vi o Saint que eu conheci, eu vi um garotinho que só
queria o amor da sua própria mãe.
Era difícil acreditar que a primeira mulher a partir o coração dele foi a
própria mãe. Eu poderia ter imaginado todos os tipos de coisas que levasse
Saint a ser fechado para si, mas jamais imaginaria que a sua repulsa de
aproximação com as mulheres era por causa dela.
— Noah, você pode brincar comigo? — Loren chama, me tirando dos
meus pensamentos.
Ela não parou de brincar com seus brinquedos novos desde que eu e
Saint chegamos com eles ontem.
É claro que eu faria ele passar na loja de brinquedos mais próxima
para comprar os presentes dela, isso o distraiu por algum tempo e o afastou
do seu próprio mundo privado.
— Do que você quer brincar agora? — indago, olhando para todos os
brinquedos espalhados no chão da sua brinquedoteca.
— Eu não sei tia Noah, eu acho que estou cansada.
Ela coça seus olhos e faz uma cara tão fofa, que me faz lembrar de
Saint toda vez que ele quer algo. É claro que ela estaria cansada, segundo
Dora, ela foi dormir tarde da noite abrindo cada brinquedo e brincando com
todos eles. E agora pela tarde, ela conseguiu me roubar de Dora para brincar.
— Que tal você descansar um pouquinho e depois nós voltamos a
brincar? — pergunto e ela acena concordando.
Estendo a minha mão para ela, que sem hesitar segura. Saímos da
brinquedoteca e fomos direto para o quarto dela, que ficava logo ao lado. Ao
se deitar na cama, ela me fez uma pergunta que eu não sabia como responder
e não queria ter que mentir para uma criança.
— Tia Noah, você acha que meu irmão vai voltar mais vezes? Ele não
gosta da minha mamãe, mas eu gosto dele e ele gosta de mim. Por que ele
não vem me ver mais?
Respirei fundo antes de caminhar até a sua cama e me sentar na ponta
dela. Seus olhos tristes me encaravam em busca de respostas.
— Eu não sei quando ele vai voltar, pequena — digo e ela sorri. — A
única pessoa que pode te responder isso é ele. Ele não gosta mesmo da sua
mãe, ele a ama! Eu não vejo muito esses filmes de princesas, mas sabe
quando o príncipe demora para perceber que ama a sua princesa? —
pergunto.
— Acontece muitas coisas más antes deles ficarem juntos.
— Às vezes precisa acontecer coisas más para as boas chegarem, e o
seu irmão é o príncipe mais chatão de todos. Ele ama a sua mãe, porque ela é
a mãe dele, assim como é a sua. Ele a ama, por quem ela é para ele, ele só
não entendeu isso ainda.
— Você pode ensinar ele a entender, igual nos filmes e aí você fica
com meu irmão igual as princesas ficam com os príncipes. E ele vai entender
que ama a mamãe. — Ela sugere com os olhos cheios de expectativas.
Péssima ideia ter usado os desenhos como referência.
— Eu acho que você já brincou demais por hoje e agora precisa
descansar — digo, desconversando e puxando a sua coberta para cobri-la.
— Você faz isso que os adultos fazem. — Ela resmunga, virando para
o lado.
— O que os adultos fazem? — pergunto curiosa.
— Brincam de fingir que são surdos. — Ela fala, me fazendo rir.
— Apenas durma, pequena.
Esperei até que ela caísse no sono profundo para sair do quarto, ao
sair fui até o quarto de Saint para ver se ele havia chegado. O quarto estava
vazio e do jeito que ele havia deixado.
Desci as escadas e fui à procura de Dora, a última vez que a vi, ela
estava no jardim podando as roseiras.
Antes de ir procurá-la no jardim, aproveitei para ligar para os meus
pais. Minha mãe fez um breve resumo de como estavam as coisas e cada dia
mais a nossa vida melhorava, eu estava orgulhosa de como meus pais
estavam se saindo bem e felizes. Mamãe havia pego uma obra grande e papai
foi transferido para a filial principal da loja de carros, ele venderia muito mais
do que já vende e ele já estava fazendo mil e um planos de vir me ver.
Após desligar o celular, eu aproveitei para conhecer todo andar
debaixo da casa, que eu ainda não conhecia. A casa era tão grande e eu não
entendia porque não tinha nenhum empregado, não que eu tenha visto.
— Pensei que vocês estivessem dormindo. — Dora fala atrás de mim,
me fazendo pular de susto. — Desculpa, Noah, você estava distraída e eu
cheguei de surpresa.
— Não precisa se desculpar, Dora, eu que estava bisbilhotando a casa
— digo, com a mão no peito.
— Eu estou indo à biblioteca, gostaria de me acompanhar? — Ela
pergunta.
— Adoraria, estava procurando você mesmo — informo e ela sorri.
A biblioteca ficava na última porta no final do corredor que eu estava.
Fiquei encantada com a quantidade de livros sobre música e dança que havia
ali.
Eu estava sentada em uma poltrona reclinável confortável na última
página de um livro sobre músicas soul.
— Isso aqui é fascinante — digo, ao terminar de ler o livro e fechá-lo.
— Eu adoro esse lugar, foi uma das únicas coisas que eu mudei na
casa. Eu precisava de um canto meu e com coisas que eu gostava, Saint
devorava esses livros. — Ela aponta para a pilha de livros que eu fiz ao pegar
cada um que envolvia música ou dança.
— Eu trabalho em uma livraria e pensei que de tanto ver livros eu
enjoaria de ler, mas vi que é impossível se enjoar de livros.
— Não tem como enjoar de algo que compõe aquilo que mais
amamos.
O raciocínio de Dora faz todo sentido, a dança vem da música, que
vem das notas e composições feitas no papel.
Um baque do livro se fechando, me assusta. Percebo que passei tempo
demais observando Dora.
— Ele foi atrás dela, não foi? — Dora pergunta em um sussurro.
— Dela? — indago, fingindo surpresa.
— Noah, você não sabe fingir muito bem.
— Eu só não quero que você se sinta mal por isso.
Mordo meu lábio inferior a observando. Eu realmente não queria que
ela ficasse mal por Saint ter dado ouvidos ao meu péssimo conselho sobre a
mãe.
Seja lá o que acontecesse, a culpa era minha.
— Eu sinto muito, Dora, eu não tive a intenção de motivar ele a ir
falar com ela. Eu sinto muito...
— Eu me apaixonei no momento que eu coloquei os olhos naquele
garotinho moreno de olhos cor de mel, ele tinha umas bochechas gordinhas e
sardas espalhadas por todo o rosto. Quando ele sorria as sobrancelhas
formavam umas covinhas tão lindas, mas ele tinha uma coisa no olhar. Ele
era triste e solitário, eu amei aquele garotinho no momento que ele sorriu para
mim e me estendeu a mão. Ele me olhou cheio de expectativas e perguntou:
Você é a minha mamãe? O que responder para uma criança de quatro anos?
— Ela indaga olhando para o nada a sua frente.
Coloquei o livro que estava em meu colo em cima da mesa ao meu
lado. Minha atenção está toda em Dora.
— O que você respondeu? — pergunto receosa.
— Eu lhe disse a verdade, que era a sua nova babá. Ele não soltou a
mão da minha como eu esperava, soltar a sua mão da minha seria melhor do
que ver novamente aqueles olhos tristes. Saint não era uma criança fácil,
Noah, mas era a mais amável que eu cuidei. Ele foi crescendo rápido demais
e o tempo todo o medo dele era que seu pai encontrasse alguém e o deixasse
também. Eu não me apaixonei por Richard facilmente ou por quem ele era,
eu me apaixonei pelo pai que ele era para Saint. Apesar dos conflitos que eles
tinham quando Saint decidiu ser músico, ele é o melhor pai e, é tão amável e
bom quanto Saint.
Observo o rosto dela marcar por lágrimas, seu rosto se vira para mim
e seus olhos tristes se prendem aos meus.
— Como ela pôde deixá-lo? Ele é o filho que toda mãe adoraria ter.
Eu o amei como se ele fosse meu próprio meu filho e sempre vou amar.
Eu não sabia o que falar, o que eu sabia sobre não ter uma mãe? Nada.
Eu tenho os melhores pais do mundo, que mesmo em meio a
dificuldades pensam em mim em primeiro lugar. Eles me motivam,
incentivam e são meu espelho. Nós temos amor, união e uns aos outros.
— Eu só espero que ela o aceite e o ame da forma que ele merece e
deve ser amado.
— Eu também, Dora, eu também — murmuro, rezando para que
nossas palavras tenham poder.
Eu não sei de todos os medos de Saint, eu não sei como ele se sente e
nem como está nesse momento.
Mas sei que ele tem a mim e eu nunca vou deixá-lo.

Saint chegou pouco depois que eu subi para o meu quarto, após me
despedir de Dora.
Bati na porta do quarto dele duas vezes e ele não respondeu. Tentei
abri-la e estava trancada.
Ele havia se fechado em seu próprio mundo e eu sabia que ele não me
deixaria entrar. Eu era a culpada, eu o motivei a isso.
— Eu sinto muito, Saint — murmuro baixo, com a testa encostada na
porta.
Como eu queria que ele se abrisse para mim, falasse sobre isso. Era
demais para ele e não era o momento certo também.
Voltei para o meu quarto, pego meu celular em cima da cama e ligo
para a minha mãe. No segundo toque ela atende.
— Filha, algum problema? — pergunta com a voz sonolenta.
— Desculpa, mãe, eu me esqueci que vivemos em fusos horários
diferentes. Eu vou desligar, nos falamos amanhã.
Me senti culpada por acordá-la, ela tem trabalhado demais na nova
obra que pegou.
— Não se atreva, mocinha, o que está acontecendo?
Solto um suspiro e resumidamente conto tudo sobre Saint para ela.
— Oh, querida, isso é triste. Mas fico feliz por ele ter a Dora e por ela
amá-lo. Se ele se trancou alguma coisa aconteceu, ele precisa de alguém que
não faça perguntas, que apenas fique sem esperar que ele fale. A Dora não
pode fazer isso, ele a afastará mais ainda, mas você pode, Noah, faça isso por
ele.
— Como eu vou fazer isso se ele não abre a porta para mim, mamãe?
— Seja invisível, querida, é disso que ele precisa. De alguém que não
veja a sua dor, ele precisa de um tempo sentindo, só não o deixe só. A solidão
é a amiga mais traiçoeira que existe, ele precisa de você, só não sabe disso
ainda.
Ando de um lado para o outro no quarto, absorvendo palavra por
palavra dita por ela.
— Você é a melhor mãe, obrigada.
Ela deixa escapar um bocejo alto em resposta, me fazendo rir.
— Vai dormir mãe, eu amo você.
— Eu também amo você, querida. E não se esqueça, esteja lá.
Espero ela finalizar a ligação e jogo o celular em cima da cama.
Abro a porta do quarto e em segundos, estou novamente em frente a
porta do quarto de Saint. Penso em bater mais uma vez, mas lembro do que a
minha mãe me disse.
Ele precisa de um tempo sentindo, só não o deixe só.
Sentindo-me derrotada, solto um suspiro longo.
— Saint — murmuro, sentando-me no chão e encostando as minhas
costas na porta do quarto dele. — Eu sei que você está aí, eu só quero que
saiba que eu vou estar aqui. Eu sempre vou estar aqui, Saint.
No momento em que encostei a minha cabeça em sua porta, pude
sentir uma leve batida sobre ela também.
Mesmo em silêncio, ele estava ali, e sabia que eu estava ali para ele
também.

Eu já estava a tempo demais sentada na porta do seu quarto, eu estava


com fome e cansada.
Passar a manhã inteira brincando com Loren me sobrecarregou, Dora
disse que hoje eles sairiam para um jantar na casa dos pais dela. E como se
ela adivinhasse que o filho não chegaria bem, apenas pediu que eu cuidasse
dele.
Como cuidar de alguém, quando eu não cuido nem de mim mesma? A
não ser que...
Sorrio com a minha ideia e levanto do chão prontamente decidida ir
até a cozinha. Antes de sair totalmente do corredor dos quartos e ir em
direção a escada, olho para a porta na expectativa de Saint abri-la.
Eu estou ficando preocupada e impaciente por esperar, não vou deixá-
lo mais sozinho por mais nenhum minuto.
Desço as escadas e devagar, dando-lhe mais tempo ainda, vou até a
cozinha. Dora disse que eu deveria me sentir em casa, me mostrou onde
ficava tudo e tinha comida pronta na geladeira, mas não era isso que eu
queria. Abro os armários da cozinha em busca de tudo o que eu precisava.
Após pegar tudo que eu precisava, achar uma cesta de piquenique na
despensa e organizar as coisas tudo dentro dela. Subo as escadas e caminho
diretamente em direção a porta do quarto de Saint.
Bato várias vezes sem desistir, ele vai abrir por bem ou vou precisar
arrombar essa porta.
— Abre logo, Saint! — exclamo alto e bato mais uma vez.
Nada, nem mesmo uma resposta. Mais uma vez insisto em bater.
— Eu estou passando mal e seus pais saíram, eu acho que eu...
Não tive tempo de completar a frase, no mesmo segundo uma fecha
da porta se abriu. Provando que ele estava realmente perto dela.
— O que você... — Ele abre totalmente a porta. — tem? — completa
e dou-lhe o meu melhor sorriso.
Entro no quarto antes que ele feche a porta na minha cara por fingir
estar passando mal.
— Mas que droga, Noah. — Ele resmunga, olhando para a cesta em
minhas mãos.
— Foi uma mentira por uma boa causa. — Me defendo.
— O que significa isso? — Ele aponta para a cesta em minhas mãos.
Caminho até a beirada da sua cama e abro a cesta, retirando com
cuidado apenas o pão e jogo as demais coisas em cima da cama.
— Vamos comer! — digo, animada apontando para os biscoitos,
doces e refrigerantes.
— Você só pode estar ficando louca. — Ele exclama, e cruza os
braços. — Nem pensar.
— Por favor — peço, juntando as mãos e o encarando.
— Não, Noah!
Meus olhos observam atentamente o rosto de Saint, seus olhos não
estão vermelhos, mas o inchaço deles denunciam que ele chorou. Ele tenta
não demonstrar, mas é nítido o quão arrasado ele está.
— Sim, Saint, nós vamos comer doces, vamos nos entupir até dar
vermes em nossas barrigas. Nós vamos fazer isso porque eu não aguento mais
esperar você me querer por perto, eu não preciso que me queira aqui, mas eu
quero ficar. Você não precisa se abrir para mim e falar comigo, eu só quero
estar e você querendo ou não, eu vou estar aqui com e para você, senhor Saint
Rivers. Então felizmente ou infelizmente, você vai ter que me aturar e nós
vamos passar por isso — aponto para ele e em seguida para as besteiras em
cima da cama. — E por isso juntos. A menos que você tenha outra pessoa na
qual você queira nesse momento, sua única opção sou eu, porque nós só
temos nós mesmos aqui e agora.
Continuo encarando-o após terminar de falar, seus olhos não
abandonam os meus e eu não faço nenhum esforço para abandonar os dele.
— Nós podemos ir para outro lugar?
Ele finalmente fala, e eu aceno concordando.
— Para onde vamos? — pergunto, e começo a guardar as coisas na
cesta de piquenique.
— Nós vamos para o meu lugar.
“Não estava procurando por.
amor até te encontrar.”
FOR YOU – RITA ORA FEAT. LIAM PAYNE
EVITAR A TODOS NÃO DEU MUITO CERTO, eu não queria
receber olhares de pena de ninguém. Principalmente de Dora, quando eu
contasse a verdade para ela e certamente eu receberia do meu pai seguido de
um sermão por ter ido procurar aquela mulher.
Enquanto eu trocava de roupa e em seguida pegava cobertores, Noah
me observava em silêncio. Em momento algum ela fez perguntas e nem
mesmo falava.
Saímos do casarão e caminhamos lado a lado. A casa dos meus pais
era uma das poucas que ficava no pico de uma colina, eu sempre gostei de
morar aqui. O cheiro do verde era vivo e o ar era puro, a vista sem dúvidas
era a melhor coisa de todas. Passamos pela piscina que ficava na ponta da
colina, e beirava ao redor da parte de trás da casa. A vista da colina não era lá
uma das maravilhas do mundo, mas a calmaria que só lá tem, supre toda a
falta de beleza.
Caminhamos por mais alguns minutos em silêncio, já estávamos há
uma certa distância da casa. Estávamos no pico mais alto da montanha, aqui
era o meu refúgio.
— Chegamos — murmuro, olhando para o pequeno chalé que a Dora
morava, antes de se casar com meu pai.
Quando eu digo que o chalé é pequeno, de fato ele é. Tem apenas um
quarto com banheiro no segundo andar, uma cozinha pequena acoplada na
mini sala com uma lareira no andar de baixo. O revestimento do chalé é todo
amadeirado, foi feito com as madeiras da fábrica e pelo meu avô. De uma
forma estranha, eu me sentia conectado ao meu avô quando vinha aqui após
sua partida, o chalé se tornou o refúgio para os meus problemas, ou talvez de
mim mesmo. E o som dos ventos uivantes eram músicas para os meus
ouvidos.
— Aqui tem um chalé e você não disse isso antes? — Ela exclama
animada, e abre a porta do chalé. — Eu amo chalés, isso me lembra meus
avós.
Os meus também.
Enquanto ela entra, seguro um dos cobertores embaixo do braço e
espicho o outro na grama, para nos sentarmos. Entro no pequeno chalé e
encontro Noah mexendo em uns brinquedos esculpidos de madeira.
— Meu avô que os fez — digo, e ela se vira para mim. — Eu tinha
seis anos quando ele fez esses carrinhos e cavalos para mim.
— São lindos, tem traços delicados que nem parecem que foram
feitos à mão. — Ela diz, com um carrinho em mãos e passando o dedo na
rodinha.
— Ele era ótimo nisso — digo, sorrindo ao olhar para o brinquedo em
sua mão.
— O que foi isso? — Ela indaga.
Dou um passo à frente, me aproximando dela e a olho curioso.
— Isso o quê? — questiono.
— Eu vi um sorriso. — Ela murmura, sorrindo e aponta um dedo em
meu peito, pressionando-o no mesmo. — Sim, foi um sorriso.
— Talvez.
Ela se vira de costas para mim e coloca o carrinho de volta na
prateleira. Suas costas encostam em meu peito e sua cabeça está bem próxima
do meu queixo, abaixo a cabeça e inspiro o aroma dos seus cabelos.
Noah não tem um cheiro doce e enjoativo, por mais que ela cheire a
doce.
— Então... — Ela se vira e me olha. — Vamos comer!
Assentindo, me afasto dela e vou até à cozinha. Eu sempre deixei
lanternas e lampiões aqui, quando anoitece lá fora fica bastante escuro. Abro
o armário a procura, assim que os encontro faço um sinal para Noah guardar
de volta todas as coisas dentro da cesta. Ela já tinha jogado tudo em cima da
cama de novo.
Nos sentamos em cima dos cobertores, mais uma vez o silêncio nos
abraçou. Abri a cesta e fico horrorizado com as coisas que haviam nela.
— Doces? — resmungo, quebrando o silêncio.
Eu sempre gostei do silêncio, mas sempre que estou na companhia de
Noah, passo a odiá-lo.
— Doces. — Ela afirma, dando de ombros.
Ela pega um pacote de tubetes de Fini e o abre, ela me oferece o
pacote e eu prontamente pego um.
— Olhe para mim, enquanto come. — Ela pede.
Antes de enfiar o tubete na boca, eu a olho e no momento que mordo
e masco o doce, um gosto azedo toma conta da minha boca e ela começa a
rir.
— Além de ser açucarado demais é horrível — resmungo, cuspindo
longe o doce.
— Não é horrível, é bom.
A olho incrédulo e balanço a cabeça negativamente.
— Tudo bem, é um horrível bom. Ele só é azedo. — Ela assume. —
Experimenta esse.
Ela remexe na cesta e pega mais um pacote de doce açucarado e abre.
— Você não trouxe nada que seja comestível?
Sua cabeça balança de um lado para o outro negando.
— Eu trouxe pão para fazer sanduíches.
— Então, eu acho que vou preferir sanduíches — digo, e ela sorri
animada.
Me arrependo nos minutos seguintes de ter preferido o sanduíche.
Meu estômago se embrulha ao observar Noah quebrar o doritos em
pedaços, colocar no pão com pasta de avelã e dobrá-lo ao meio.
— Coma. — Ela fala, estendendo o pão na minha direção.
Afasto meu corpo para trás e balanço a cabeça negativamente.
— Eu não vou comer isso.
— Experimenta, você vai gostar. — Ela diz, convicta disso.
— Noah, eu estou querendo vomitar só de ver isso.
Meu julgamento não valeu muito, ela continuou com o pão estendido
na minha direção e vencido pelo cansaço, eu o peguei.
Mordi e mastiguei, pensei em cuspir, mas um gosto maleavelmente
bom saiu daquilo. Não era um sanduíche mil maravilhas e nem um fast-food,
era diferente. Um diferente bom.
— Eu sabia que você ia gostar — digo, o observando comer mais um
dos meus sanduíches crocantes.
— Eu só estou com fome. — Ele atira.
— Acredito — retruco, ironicamente.
Fiz um sanduíche para mim. Comíamos em silêncio, aos poucos eu
percebi que Saint estava relaxando e voltando ao normal.
— Ela nunca me quis. — Ele murmura, chamando a minha atenção
para olhá-lo.
Seu olhar estava distante e direcionado para o nada a nossa frente.
— Como? — pergunto, sem entender.
— Minha mãe, ela olhou dentro dos meus olhos e disse que nunca me
quis. Ela simplesmente disse isso sem se sentir culpada por te me deixado e
sem demonstrar remorso algum, ela apenas não sentia. Nada, Noah.
Ele virou o rosto, e por um segundo, alívio tomou conta de mim
quando seus olhos se prenderam nos meus. Eu esperava que ele estivesse com
raiva e mal por tudo que a mãe disse, mas a última coisa que esperava ver em
seu olhar era alívio e uma tranquilidade que eu não sei se eu teria.
— Por que você parece estar bem com isso? — pergunto, curiosa.
— Eu não vou continuar sofrendo por alguém que nunca me quis. E
eu tenho a Dora, eu sei que eu sempre a tive, eu só achava que não era a
mesma coisa, sabe? — Um sorriso torto aparece em seu rosto e eu assinto,
querendo ouvir tudo que ele estiver disposto a me contar. — Eu achava que
por ela não ser a minha mãe, me amava menos. Hoje eu vi, que ela me amava
muito mais do que podia, eu tive uma mãe de verdade todos esses anos e a
tratava como se ela não fosse, quantas vezes eu a chamei de mãe? Cinco?
Seis? Não sei. Sabe por que eu não sei?
Balanço a cabeça negando, mas sei que foram tão poucas quanto os
números que ele acabou de citar.
— Eu não sei porque eu nunca me importei em chamá-la assim. A
primeira vez que a chamei assim, saiu do nada e seus olhos encheram-se de
lágrimas, ontem ela teve o mesmo olhar quando eu a chamei assim e isso me
quebrou. Eu estava traindo a minha mãe, é dessa forma que eu me sinto.
Como se eu estivesse traindo alguém que sempre foi boa demais para mim.
Afasto a cesta do nosso meio e me aproximo mais dele, nossos braços
estavam colados e o contato da sua pele na minha me fez estremecer.
— Ela sabe — digo, e ele me olha surpreso. — Eu não contei, mas de
alguma forma ela sabia, devia ser essa coisa de mães. Minha mãe costuma
dizer que mãe sempre sente quando tem algo errado com o filho, e ela sabia
com quem você estava. Sabia como você chegaria e pediu para que eu
cuidasse de você e bom...
Olho em nossa volta e aponto para a cesta, seu olhar acompanha o
meu e eu volto a encará-lo.
— Eu não sou boa em cuidar de alguém, não quando não sei cuidar
nem de mim mesma — confesso, ganhando o seu mais lindo sorriso.
— Você foi bem, mesmo com os doces e o seu sanduíche horrível. —
Ele brinca. — Acha que ela vai me perdoar?
— Ela sabe que você precisava disso, você não precisa se culpar.
Apenas... — solto um suspiro e mordo meu lábio inferior, tentada a falar.
Não sei se devo falar, a última vez que opinei em algo sobre ele e a
mãe biológica, ele saiu machucado.
— Apenas? Continue. — Ele diz, segurando em meu queixo e
repuxando meu lábio com o polegar.
— Apenas deixe a Dora se aproximar, não a afaste.
— Eu não vou afastá-la, nunca mais.
Ele ainda segurava em meu queixo e seus olhos estavam fixos em
meus lábios, alguma coisa na minha barriga estava se remexendo com a sua
aproximação.
— Eu ouvi o que você disse — torço meu lábio sem entender ao que
ele se refere. — Na porta, eu estava lá.
Eu sabia que ele estava lá, não estava errada quanto a isso.
— Eu espero que você continue aqui quando esse festival acabar.
Porque eu sempre vou estar — afirma.
— Eu também quero estar, eu sempre vou estar se você não me
afastar.
Ele se aproximou ainda mais, seu rosto estava separado por um fio do
meu. Aquela coisa na minha barriga voltou a se remexer e em meio ao meu
nervosismo, eu comecei a ter uma crise de riso.
— Do que você está rindo? — Ele pergunta.
— Você está agindo como se fosse me beijar — digo
descontroladamente, em meio a risos nervosos.
— E se eu fosse? — indaga.
Minha boca se fecha, nenhum som saía mais dela. Eu estava parada
no tempo, encarando o rosto de Saint.
— Eu acho que você não vê problemas se...
— Se? — Eu indago, o interrompendo.
— Se eu te beijar. — Ele responde.
Eu não tive tempo de falar qualquer coisa que seja. Quando dei por
mim, seus lábios estavam grudados nos meus, minha língua buscava
desesperadamente pela sua e estava sentada em seu colo, com uma perna de
cada lado do seu corpo.
Era errado, mas eu não queria parar.
Ele afastou nossos lábios e eu aproveitei a deixa para passar a minha
língua em seus lábios. Ele sorriu, era um sorriso genuíno. E foi a coisa mais
linda que eu vi no que parecia uma eternidade.
— Pensei que eu não fosse o seu tipo. — Ele provoca.
— Você continua não fazendo o meu tipo — retruco, sorrindo.
— Acredito.
Ouvimos um estrondo que me fez estremecer e abraçar o corpo de
Saint, escondi meu rosto em seu pescoço quando mais uma vez o estrondo
ecoou.
Trovoadas, como eu as odiava.
— Acho que alguém aqui tem medo. — Ele cantarola em meu
ouvido.
— Cale a boca — digo, rangendo meus dentes.
O tempo fechou e pingos grossos de chuva começaram a cair sobre
nós. Levantei do colo de Saint às pressas, ele se levantou em seguida e nós
ficamos parados, olhando um para o outro sem se importar com os pingos
gelados da chuva.
Uma trovoada seguida de um relâmpago que clareou o céu me faz
gritar e pular para os seus braços. Ele gargalha alto, mas não me solta dos
seus braços que me seguravam com força.
— Medrosa. — Ele sussurra em meu ouvido, e beija a minha
bochecha em seguida.
— Acho que devemos entrar — murmuro, com meus olhos presos ao
dele.
— Vá na frente, eu vou recolher as coisas. — Ele diz, me colocando
no chão.
Corri até a cesta e a resgatei da chuva, eu a abraçava como se alguém
fosse roubá-la de mim. Ele segura o riso e se abaixa para pegar o cobertor
ensopado no chão.
— O doce não vai fugir do lugar, bailarina.
— Mas não custa nada salvá-lo da chuva.
Aos risos corremos para dentro do chalé, eu estava ensopada e
morrendo de frio. Deixei a cesta ao lado da porta para que eu não me
esquecesse dela quando fôssemos embora, Saint apenas jogou o lençol branco
que agora estava preto e molhado no chão.
Enquanto andava em direção a lareira, ele ergueu os braços e tirou a
camisa. Respirei fundo observando seus músculos e sua pele branca desnuda,
eu sei que eu já vi Saint sem camisa diversas vezes e até mesmo nu na manhã
seguinte em que dormi em seu apartamento. Mas vê-lo sem blusa agora e
diante essa nossa aproximação e o beijo, foi diferente.
— Acho que ainda tenho roupas secas na cômoda, isso se a Dora não
tiver levado todas elas para o meu quarto. — Ele diz, jogando a blusa
embolada e molhada no ombro. — Eu vou tentar acender isso aqui para nos
aquecer.
— Eu vou verificar se há roupas na cômoda — digo, tentando ficar o
mais longe possível da minha vontade de tocar seu peitoral nu.
Subo as escadas dispersa em pensamentos. Eu ainda sentia o toque
dos seus lábios nos meus, era assustadoramente bom beijar Saint e o mais
assustador ainda era que eu queria de novo.
No segundo andar tinha apenas um quarto e a única porta que havia
aqui era a do banheiro, o chalé era tão perfeito que eu não me importaria de
morar aqui.
Após achar na cômoda roupas limpas e secas, aproveitei para tomar
um banho quente e me trocar no banheiro. A minha roupa estava
completamente molhada, nem mesmo a minha calcinha salvava, eu iria ter
que usar uma das cuecas de Saint que havia na gaveta.

Vestindo uma de suas cuecas e uma camisa de manga — que parecia


ter sido moldada para mim —, sem dúvidas era uma camisa de Saint quando
mais novo. Desci a escada, com uma muda de roupa limpa em uma mão e a
minha molhada na outra. Para meu espanto, Saint estava apenas de cueca
boxer sentado em frente a lareira, agora acesa.
— Eu não acho que isso aqui vá servir em você — digo, ao me
aproximar dele.
Tentei não olhá-lo quando ele se levantou, mas foi impossível. Seu
corpo tinha a minha atenção.
Ele pega as peças da minha mão e as analisa, me afasto e vou para
perto da lareira. Estendo a minha roupa no assoalho de madeira assim como
Saint havia feito com as dele.
— Realmente isso não vai me servir, a calça menos ainda.
Era nítido até mesmo para mim que aquela calça de moletom não
serviria nele.
— Eu imaginei, só trouxe para ter certeza — murmuro.
— Você se importa se eu ficar assim? — Ele pergunta, fazendo
menção com a mão para a cueca em seu corpo.
Meu olhar acompanha o movimento que a sua mão fez segundos
atrás. Oh, Deus.
Sim. Eu me importo.
— Não.
É o que respondo.
— Eu espero que você sobreviva apenas aos seus doces e enlatados,
há alguns nos armários, porque a chuva não vai passar tão cedo. — Ele diz,
sentando-se na poltrona.
— Eu nem estava com fome mesmo — dou de ombros.
Eu não sabia se comemorava ou não, pelo clima não ter ficado
estranho após o beijo. Não queria que isso colocasse uma barreira em nossa
amizade.
— Bom, nós nem ensaiamos. — Ele diz, pensativo.
— Teremos tempo para isso quando voltarmos. Ainda nos resta dois
meses e meio para o festival.
— O quanto você precisa?
— Como assim? — pergunto sem entender ao que ele se refere.
— Do dinheiro, Noah, o quanto você precisa dele? — Ele quis saber.
Me pego pensativa por alguns minutos.
O quanto eu ainda preciso do dinheiro? Meu pai foi promovido,
minha mãe tem um novo contrato com uma empresa, as coisas lá em casa
estão ótimas segundo a minha mãe.
— Bem menos do que eu precisava antes — respondo, e ele me fita
curioso. — E você? — pergunto.
— Eu não preciso do dinheiro. Nunca precisei.
— Nunca? — indago, surpresa com a sua resposta.
— Nunca. — Ele afirma, e me dá um sorriso torto. — Eu não queria
dar o braço a torcer e eu não estava falando com meu pai. Mas agora nos
falamos, eu tenho um emprego e o dinheiro do festival é o que menos me
importa.
— E para que você queria o dinheiro?
— Eu vou abrir um bar.
Minha boca se abre em surpresa e ele me dá um sorriso presunçoso.
— Eu estive conversando sobre isso com o meu pai, a banda é um
hobby para os meninos e um dinheiro extra que eles ganham, mas para mim...
A banda é muito mais que um hobby. O dinheiro que ganhamos no Joe's não
é o suficiente, pensei que se nós tivéssemos nosso próprio bar, teríamos mais
visibilidade e eles ganhariam mais.
— Poxa... isso é legal — digo sorrindo e ele me olha desconfiado. —
É sério! Isso é muito, muito legal, Saint. Você não está pensando somente em
si, está pensando no bem dos seus amigos.
— Você acha mesmo? Estou pensando em procurar um local assim
que voltarmos de viagem.
— Posso te ajudar? — pergunto cheia de expectativas.
— Não. — Ele responde, cortando a minha animação.
— Nem queria ir mesmo — retruco, dando de ombros e deixando de
olhá-lo.
Me senti uma criança fazendo isso. Quando voltei a olhá-lo, pude vê-
lo segurando o riso.
— Pensei que a Loren estava no seu corpo. — Ele provoca.
Ignoro sua provocação e resolvo questionar algo que Dora plantou na
minha cabeça.
— Por que ainda está participando do festival se não precisa mais do
dinheiro?
Seus olhos se estreitaram em minha direção, senti meu coração bater
mais rápido a cada segundo e, por um segundo, apenas um segundo. Ele
parou ao ouvir suas palavras.
— Por você. Estou fazendo isso por você, bailarina.
Eu não me mexi. Ele não se mexeu.
Nós apenas nos olhávamos, mantendo a frágil ligação que nos unia.
— Por quê? — pergunto em um sussurro, depois de alguns segundos
tentando assimilar o que ele havia dito.
— Porque você é importante — responde, ao se aproximar.
Não havia mais distância e espaço que nos separasse. Espalmo a
minha mão em seu peito nu, meu toque o fez estremecer, mas ele não recuou.
— Porque nós somos bons juntos.
Somos? Sim, nós somos.
Saint desliza a mão por trás do meu pescoço e enrola seus dedos nos
fios dos meus cabelos da nuca. Sua boca avança em meu pescoço e sobe um
pouco acima da mandíbula, pressionando os lábios suavemente na minha
pele. Seus lábios passeiam pelo meu pescoço e sobem para a minha
bochecha, viro meu rosto com o propósito de encostar meus lábios nos seus.
Um sorriso toma conta do seu rosto quando nossos lábios se tocam,
afago seu rosto com a minha mão e o beijo. Sem medo, com vontade e sem
arrependimentos. Nosso beijo era tão bom, quanto nós dois somos juntos.
Nossas respirações entrecortadas viraram música para os meus ouvidos.
Saint Rivers estava me aquecendo por dentro e nem mesmo sabia
disso.
Seus braços seguram firmes em minha cintura e ele me coloca em seu
colo, me erguendo em seguida pelos quadris. Envolvo a cintura dele com as
minhas pernas, meus seios estavam amassados em seu peito. Meu coração
estava disparado, duvidava que ele não pudesse sentir, mas eu não estava me
importando nem um pouco com isso. Apertei minha boca contra a dele,
desfrutando do êxtase de ter sua boca na minha mais uma vez, não demorou
muito para que eu sentisse as minhas costas baterem em um colchão macio.
Ele me observa em pé na ponta da cama, sua respiração ficou rápida,
seu peito sobe e desce, enquanto ele observa meu corpo coberto apenas por
sua blusa e sua cueca boxer velha.
Eu queria sentir suas mãos em mim. Eu queria o calor do seu toque.
E como se adivinhasse que eu queria isso, ele veio até a mim. Sua
mão esquerda repousou em minha coxa, enquanto a direita se espalmava em
minha barriga, acariciando minha pele como se fosse algo delicado. Uma
onda de arrepios tomou conta do meu corpo e eu gemi baixo, com seus
toques.
Devagar, ele sobe a mão pela minha coxa até a barra da minha blusa,
aos poucos a blusa ia subindo. Puxei o ar que me faltava, nós dois
congelamos olhando um nos olhos do outro e senti o formigamento no meio
das minhas pernas se ascender novamente. Ergui meus braços, a blusa caiu e
a temperatura do quarto parecia ter caído também.
— Perfeita. — Ele sussurrou.
Uma de suas mãos tocou em meu seio nu, seu polegar esfregou meu
mamilo enrijecido e eu gemi em satisfação, isso era bom, mas eu queria
muito mais.
Seu corpo se moveu na cama e ele se sentou, a sua mão livre moveu
até a minha nuca e ele me puxou contra si, minhas pernas estavam ao redor
dos seus quadris. Meus seios espremeram em seu peitoral e minha boceta
estava pressionada contra a sua ereção, eu relaxei em seu colo e movi meu
quadril para frente e para trás.
Saint segurou em minha cintura, movimentando meu quadril e
pressionando ainda mais sua dureza em meu ponto sensível, seus lábios
encontraram o caminho para os meus, ele me beijou novamente e eu não me
importaria de ficar a noite toda apenas o beijando. Seu beijo era calmo, como
se ele estivesse degustando e aproveitando o momento.
Sua boca abandonou a minha, gemi frustrada e um riso baixo soou da
sua boca se cessando em seguida quando ele grudou os lábios em meu
pescoço. Automaticamente minha cabeça se inclinou para trás, dando a ele
toda a liberdade que ele precisava. Seus lábios salpicavam beijos e mordidas
em meu pescoço, enquanto a sua mão explorava cada parte do meu corpo,
sem parar de impulsionar sua ereção em mim. Eu gemi e apertei a minha mão
em seus cabelos, sua boca desceu mais e mais, sua língua passeou em volta
de cada seio, e em seguida, ele sugou para dentro da boca um dos meus
mamilos enrijecidos, sua língua quente se enroscava nele e eu tremi,
rebolando em seu colo.
— Oh, céus, S-Saint — gemi ofegante, quando seus dentes rasparam
meu mamilo o abandonando.
Não demorou muito para sua boca estar em mim novamente, mas
dessa vez dando total atenção ao outro mamilo.
Afastei meu seio da sua boca, seu olhar confuso logo foi substituído
por surpresa quando eu ataquei seus lábios. Coloco todo meu desejo e
vontade no beijo, chupo a sua língua como quem chupava um doce preferido.
Eu precisava dele por completo. E eu queria ter isso.
Saint solta um rosnado e me deita na cama tomando o controle e
ficando por cima do meu corpo, que agora parece minúsculo embaixo dele.
Impulsionei meu quadril para cima, me esfregando ainda mais sobre ele. Sua
mão deslizou sutilmente para dentro da cueca e um dedo escorregou para
dentro de mim, fechei meus olhos perdendo todos meus sentidos.
— Tem certeza disso? — Ele pergunta em um sussurro, quase como
quem não quisesse perguntar com medo da resposta ser não.
Ainda de olhos fechados, assenti sentindo mais um dedo me
preencher. Ele movimentou seus dedos e meu corpo se contraiu em resposta.
— Eu quero isso, oh, como quero — gemi alto sem me conter.
Seus dedos deslizavam com volúpia, entrando e saindo diversas
vezes, não me contive em gemer, eu estava completamente aberta para ele,
nossas respirações estavam pesadas e descontroladas. Apertei as minhas
pernas uma na outra, prendendo sua mão entre elas. Isso era tortura e eu não
aguentava mais.
— Eu vou dar o que você quer, eu vou foder você de uma forma que
você nunca fez antes, Noah, mas antes... eu quero provar tudo de você. — Ele
sussurra, descendo os lábios pelo meu pescoço até chegar ao meu ponto
sensível. — Você não sabe quantas vezes eu me imaginei fazendo isso,
bailarina.
Sem pestanejar, sua língua toca meu clitóris e movimentos circulares
começou a ser feito sobre ele. Mordo meus lábios tentando conter os gemidos
que insistem em escapar da minha boca. Não tínhamos chances de sermos
ouvidos, mas ainda assim eu tentava me conter, mas isso se tornou
impossível quando a sua língua parou de brincar com meu clitóris sensível e
começou a me chupar vagarosamente, tirando de mim um grito baixo.
Minha cabeça cai para trás e meus dedos agarram-se aos fios do seu
cabelo, eu os puxava com tamanha força que duvidava que ele não estivesse
sentindo dor. Seus dedos ágeis circulam em meu clitóris, enquanto sua língua
desliza dentro de mim.
— S-Saint, eu preciso de você — murmurei em meio ao torpor que
encontrava, ele me ignorou e mais uma vez o chamei. — Eu preciso de você
dentro de mim, agora! — choraminguei.
Ouvindo meus protestos, ele levantou a cabeça para me olhar, não
sem antes passar a língua em meu clitóris e o apertar entre os dedos. Ele sobe
e seus olhos pairam sobre os meus, minha intimidade latejante estava
pressionada em sua ereção, o tecido fino da sua boxer ainda estava entre nós,
eu o queria livre e liberto para mim.
— Com pressa, bailarina? — Ele pergunta, mordendo os lábios e se
levanta de cima de mim.
Observo Saint se afastar e descer a escada. Quando ele subiu
novamente, sua boxer branca foi retirada em um segundo e um pacote
laminado estava preso em seus dentes. Ele rasgou o pacote e com cuidado,
vestiu a camisinha.
— Nós temos a noite inteira. — Ele completa sua pergunta sem
resposta de minutos atrás, voltando para mim e sem ao menos me dar a
chance de responder, ele me preenche por completo.
Um grito escapa da minha boca e Saint não se move, apenas fica
parado me observando.
— É a última vez que eu vou te perguntar isso. Você tem certeza?
— Eu ainda estou aqui depois da primeira pergunta, ainda quer
certeza maior que essa?
Isso foi o suficiente para ele começar a se mover dentro de mim. E me
levar aos céus.
Existe muitas coisas sobre mim que Saint sabe, assim como há muitas
outras coisas sobre ele que eu só soube agora. E o melhor era que nenhum de
nós dois estávamos em busca de um outro alguém que nos conhecesse e que
tivesse disposto a conhecer. Nós apenas tínhamos nós mesmos.
Ele era apenas um músico e eu uma bailarina.
Dançando juntos por obrigação e com um objetivo.
Somos dois estranhos trocando carícias por prazer. Nada além disso,
nada além de dois desconhecidos.
Tanto Saint quanto eu sabemos, nós somos muito ruins juntos. E nada
parecia tão certo como agora.
“Você está pensando em mim?
Só venha comigo essa noite.”
I MUST BE DREAMING – THE MAINE

NOAH E EU TÍNHAMOS MAIS COISAS EM COMUNS QUE


IMAGINÁVAMOS. Tínhamos mesmos sonhos, ou melhor, quase os
mesmos.
Ela queria viver da dança. Eu queria viver da música.
Isso e outras coisas, nós conversamos depois que tomamos banho e
nos deitamos novamente. Percebi que ela não queria tocar no assunto sobre o
que havia acabado de acontecer e em partes nem eu queria. Eu temia afastá-la
de mim com isso, havia sido apenas sexo para ambos e só. Talvez o melhor
sexo da minha vida.
Noah estava despertando em mim coisas que eu não achava que seria
capaz de sentir por mulher alguma que não fosse Dora, Loren e Valentina.
— Os seus avós, como eles eram? — Ela pergunta, com a cabeça
deitada em meu peito.
— A minha avó, ela era engraçada. Não ficava quieta e de boca
fechada nem um minuto, Valentina é a cópia perfeita dela, então, você já
pode imaginar como a minha vó era — digo, enquanto acaricio seus cabelos.
— Eu lembro de uma vez que resolvi confidenciar um segredo à ela, no dia
seguinte todos sabiam. Minha vó era única e por onde passava ela
contaminava tudo e todos com a sua alegria e espontaneidade.
— Isso é tão Val. — Ela fala rindo. — E o seu avô?
— Ele era o meu melhor amigo, tinha dias que ele me levava para
pescar no rio. Eu detestava isso, mas ele sempre me fazia ir prometendo que
iríamos pegar o maior peixe, mas sempre voltávamos de mãos abanando. Eu
perguntava qual era a graça nisso e ele dizia que a graça consistia na
companhia que fazíamos um para o outro e nas nossas conversas, depois nós
vínhamos para cá. Eu dormia no meio dele e da minha vó.
— Eu sinto falta do meu avô, não tenho muitas lembranças da minha
vó, mas ele também era o meu melhor amigo e às vezes eu sinto que eu estou
substituindo ele por você, porque ele sempre foi o meu melhor amigo,
nenhum homem ficou tão próximo assim de mim como você. No sentido de
amizade, é claro.
Sorri, eu a afastei do meu peito e virei meu corpo para o lado ficando
de frente para ela.
— Acho que isso é uma coisa boa, então. Ninguém nunca chegou tão
perto como você, nem mesmo os caras da banda.
— O que nós estamos fazendo, Saint? — Ela pergunta baixinho.
— Estamos sendo nós mesmos quando estamos juntos, estamos
descobrindo o que nós podemos fazer, além de dançar — brinco e ela sorri.
— Estamos sendo melhores amigos, talvez muito mais do que melhores, só
estamos sendo nós, Noah, e não há nada que vá atrapalhar a nossa amizade,
nem mesmo o que está acontecendo aqui agora. Repito, você é importante.
Ela suspira aliviada, seus olhos tinham um brilho diferente. De uma
forma envergonhada e até mesmo acanhada demais para ser ela, ela dá um
beijo casto em meus lábios.
Puxo seu corpo para mais perto do meu, meu braço possessivamente
envolve a sua cintura a mantendo colada em mim.
— Saint? — Ela chama, levando o silêncio embora.
— Huh?
— Onde você arrumou o preservativo? — Ela indaga curiosa.
— Eu tenho muitos escondidos dentro de um jarro na cozinha —
confesso.
Não tinha tantas assim, mas ainda tinha uma quantidade significante.
— Que tipo de pessoa esconde preservativo em um jarro?
— Eu.
Sorrio culpado.
— Então, você me trouxe para o seu abatedouro?
Não. Ninguém nunca veio aqui, além dos meninos da banda.
— Sim — minto, com propósito de provocá-la.
— Nessa cama? Desde quando você transa?
Coço a garganta confirmando. Seu espanto me faz questionar o que a
fez pensar o contrário.
— Mas não aqui, Noah, você é a primeira a vir aqui, mas isso não
quer dizer que eu não transe. Eu tenho uma vida em Nova York.
— Legal, pensei que só eu e Greg fazíamos isso. — Ela atira.
— Greg? — indago, com os dentes cerrados.
— Sim, Greg. Nu, sabe? Sexo, suor, fricções de dois corpos se
unindo...
— Eu já entendi, Noah, acho melhor você dormir — digo, a afastando
dos meus braços.
Ela deu uma risada gostosa e espalmou meu peito com as suas mãos
pequenas e quentes.
— Eu não estou com sono e acho que você tem um jarro bem legal lá
embaixo, não? — Ela provoca, passando a língua sedutoramente em meus
lábios.
— Continuo achando melhor você ir dormir, Noah — digo, tentando
me manter firme.
Era bem tentadora a sua proposta, mas o nome de Greg ainda estava
na minha cabeça e ela que havia plantado ele lá.
— Você está com ciúmes, senhor Saint? — Ela indaga, em tom de
deboche.
— Não, Noah, só acho que você mereça muito mais do que o Greg —
afirmo, convicto disso.
— Por quê?
— Porque você é a pessoa mais pura que eu já conheci, tem um
coração bom e é a melhor pessoa que eu conheço. Gregório não merece isso,
não só de você como de ninguém, não enquanto ele usar as pessoas.
— Como assim usar as pessoas?
— Ele é homem, Noah, você é nova na área. Primeiro ele conquista
sua confiança, depois ele entra no meio das suas pernas e por último te
descarta, não acho isso legal.
— Ah, claro, e você é um tipo raro de homem por acaso?
— Não, mas sou diferente. Não conquisto as mulheres para depois
jogar fora, eu tento ser o mais sincero possível sobre o que eu quero para não
magoá-las. Eu nem mesmo tento conquistá-las — digo, seus olhos me
encaram surpresos. — Eu não sou bom para você, eu não sou bom para
ninguém. Assim como ele também não é bom para você — completo.
Talvez ele nunca seja bom demais para ela.
— Eu não tenho interesse amoroso no Greg e em ninguém. E deixe-
me contar um segredo, Saint, eu também não sou boa para você.
Sim, você é.
— Então, nós podemos ser ruins juntos — murmuro, encostando
meus lábios nos dela.
— Nós já somos ruins juntos. — Ela desliza seus lábios de um lado
para o outro sobre os meus, lentamente. — Mas podemos ser ainda
piores, juntos.
Eu gosto de como isso soa, mas odeio o que esse gostar me causa.

Não fazia ideia de que horas eram quando eu acordei, Noah ainda
estava adormecida em meus braços e sua respiração pesada denunciava que
ela não acordaria tão cedo. Fomos dormir um pouco tarde e se não
tivéssemos sido vencidos pelo cansaço, não teríamos dormido.
Ainda chovia, mas não tão forte quanto antes e isso não me impediu
de sair do chalé e vir em casa. Eu precisava de roupas limpas e que
coubessem em mim, havia aproveitado também para pegar alguma roupa para
Noah vestir, estava frio e por mais tentador que seja vê-la em minhas
camisas, ela não iria suportar o frio que estava fazendo lá fora.
Estou na cozinha, procurando alguma coisa de verdade para comer. A
única coisa comestível que tinha em meu estômago era aquele sanduíche que
Noah inventou, ele só tinha um gosto agradável e enganava o estômago, mas
ainda assim não era tão bom.
— Achei que não fosse vê-lo hoje. — Dora murmura, ao entrar na
cozinha.
Eu havia me esquecido desse pequeno detalhe, era domingo e
deveríamos ir embora hoje.
— Acho que iremos ficar por mais um dia, o tempo não está ajudando
muito. Espero que não se importem.
— É claro que eu não me importo. Cadê a Noah? — Ela pergunta.
— Está dormindo — respondo.
Dora me olha desconfiada e com um sorriso no rosto, enquanto eu
pego duas garrafas de suco, frutas e coloco na cesta.
— O que foi? — indago.
— A primeira coisa que Loren fez desde que ela chegou nessa casa é
ir chamá-la para brincar, mas hoje pela manhã ela teve a audácia de entrar no
quarto e imagina a minha surpresa ao ver que a pequena intrometida havia
aberto a porta? Fiquei mais surpresa ainda ao ver que não tinha ninguém nos
quartos, quando digo quartos, isso inclui o seu.
Não preciso ser um mestre para saber que Dora suspeita de alguma
coisa. Está bem claro isso agora.
— Eu a levei para conhecer o chalé, começou a chover e resolvemos
passar a noite por lá — dou de ombros e a encaro.
— Você gosta dela.
Não foi uma pergunta, ela estava afirmando por mim.
— Eu não gosto dela, mãe! — afirmo, negando com a cabeça. — Nós
somos amigos, apenas isso.
— Mas você gosta dela. — Ela insiste. — Ficou até nervoso que está
me chamando de mãe.
Eu não tinha percebido até então que estava a chamando de mãe.
— Porque é isso que você é, minha mãe, Dora.
Seus olhos brilham em emoção contida, dou a volta na bancada da
cozinha e me aproximo dela.
— Vocês sabe, eu sei.
Ela fica em silêncio me observando e eu seguro em suas mãos, que
estão trêmulas, esfrego suas mãos nas minhas e a olho nos olhos.
— Eu estou com vergonha de mim mesmo por todos esses anos não
ter dado o valor que você merecia, Dora, e sinto mais vergonha ainda agora
por ter perdido meu tempo indo vê-la. Eu errei e peço perdão por não ter sido
o filho que você merecia ter, a minha mãe é e sempre foi você, não sei porque
eu insistia em não aceitar isso quando quem sempre estava comigo era você.
Você sempre cuidou de mim melhor do que ninguém, enxerga até a minha
alma e me conhece de olhos fechados, você me amou quando nem mesmo era
casada com o meu pai e ainda me ama mesmo que eu não seja merecedor
disso.
Engulo o nó que se formou em minha garganta e levo suas mãos em
meus lábios.
— Me perdoa, mãe — sussurro, beijando as suas mãos.
Ela solta a sua mãos das minhas, e por um momento achei que ela
fosse recuar, mas ao invés disso, ela me abraçou, me transmitindo todo o
amor que sempre me deu.
— Você é o meu filho querendo ou não, Saint, desde que coloquei
meus olhos em você, você se tornou meu filho.
Percebo que ela está chorando quando sinto suas lágrimas molharem a
minha camisa, acaricio seus longos cabelos negros e a abraço mais forte
ainda, deixando-a colocar toda as suas frustrações por minha causa para fora.
— Bom... — Ela murmura, desfazendo do nosso abraço e se
recompondo. — Deixe que eu termino de arrumar a cesta com café para a sua
garota, enquanto isso pegue um guarda-chuva para você não se molhar, não
quero vocês gripados.
— Tem certeza? — pergunto, me certificando de que não estou lhe
dando trabalho.
— Anda logo. — Ela retruca.
Saio da cozinha e dou de cara com o meu pai espionando escondido
atrás da parede.
— Que feio, pai — murmuro e ele sorri culpado.
— Eu estou orgulhoso de você, filho. — Ele diz, pouco se importando
de ter sido pego. — Ela precisava disso.
— Eu sei, eu só não mereço. Era pra ser um final de semana em
família e eu... — paro de falar quando lembro que eu iria falar mais uma vez
da Rosie. Ela não merece nem mesmo ser lembrada. — Só fiz tudo errado —
confesso.
— Mas agora você fez a coisa certa, só continue fazendo isso. — Ele
diz, colocando a mão em meu ombro. — Você sempre merece, nunca se
esqueça disso, filho.
— Obrigado, pai.
Sorrindo, me despeço do meu pai e faço o meu caminho até a porta de
entrada da casa, onde ficava o porta guarda-chuva. Depois que o peguei,
voltei para a cozinha e encontrei meus pais conversando com Loren, que
ajudava Dora a fazer um bolo.
— Santinho. — Loren grita, me fazendo revirar os olhos pelo apelido.
— Oi, lindinha.
Me aproximo dela, beijando em sua testa e recebo de volta um beijo
na ponta do nariz.
— Você vai fazer piquenique? — Ela pergunta, olhando para a cesta,
que estava em cima da mesa.
— Acho que o tempo não está favorável para um piquenique, huh?
Mas na próxima nós faremos um piquenique, o que acha?
Seus olhos brilham em satisfação e ela balança a cabeça concordando.
— Com a Noah também? Eu gosto dela.
— Sim, com a Noah também — confirmo.
Loren comemora, pulando na cadeira. Pelo canto do olho, vejo um
sorriso se formar no rosto de Dora, eu não sei o que ela pensa sobre Noah e
eu, mas seja lá o que for, espero que essa coisa de mãe saber tudo esteja
errada.
— Eu vou indo, antes que ela acorde — digo, e me afasto, pegando a
cesta em cima da mesa.
— Saint? — Meu pai me chama, antes que eu saísse da cozinha.
— Sim? — indago, levantando uma de minhas sobrancelhas.
Ele olha para Dora que morde os lábios segurando o riso e volta a me
olhar, algo tem por trás disso.
— Eu gosto dela. — Ele diz simplesmente, com um sorriso no rosto.
Reviro meus olhos lhe dando as costas, sei que ele está provocando.
De longe consigo ouvir as risadas dele e de Dora.

Noah ainda dormia serenamente, seus cabelos estavam esparramados


no travesseiro e o seu corpo estava encolhido enrolado à coberta.
Subo devagar em cima da cama, espalmo minhas mãos deixando uma
de cada lado do seu corpo e inclino minha cabeça para baixo, deixando meu
rosto próximo demais do seu. Afasto com uma das mãos seu cabelo para
longe do pescoço e encosto meus lábios nele e traço um caminho até a sua
clavícula. Sua pele estava arrepiada e ela se remexe na cama, quando
pressiono sua bochecha com meus lábios, dando-lhe um beijo estalado.
Ela abre os olhos e o canto da sua boca se inclina em um sorriso
preguiçoso.
— Bom dia, bailarina — sussurro, ainda com meus lábios
pressionados em sua bochecha.
— Bom dia, Santinho. — Ela murmura de volta.
— Santinho? Agora sei de onde veio esse apelido.
Ela ri e vira seu rosto, escovando seus lábios nos meus.
— Mas você sabe... de santo você não tem nem mesmo a cara. — Ela
provoca.
— Vou levar isso como um elogio.
Dou um beijo casto em seus lábios e me levanto da cama.
— Como quiser, Santinho. — Ela brinca, e segura a coberta no corpo
antes de se sentar na cama.
— Que horas são? — Ela pergunta.
— Pouco mais das dez da manhã. Ainda está chovendo, achei melhor
adiar nosso voo para amanhã de manhã, se você não se importar
— Para ser sincera, eu não queria nem ir embora.
— Estarei mentindo se eu falar que eu quero ir.
Percebi que eu estava a tempo demais olhando para ela, e isso a
estava deixando constrangida. Noah ainda estava nua e a única coisa que a
cobria é a coberta.
— Trouxe roupas limpas e comida — informo, apontando para a pilha
de roupa em cima da cama. — Vou estar te aguardando lá embaixo
— Obrigada, Santinho. — Ela agradece, com um sorriso provocativo
no rosto.
A chuva já não era mais um problema, havia passado e decidimos nos
juntar aos meus pais durante o almoço e depois fomos para a sala de jogos.
Era costume eles ficarem jogando os jogos de lógica, Noah se juntou a eles,
enquanto eu me sentei no chão ao lado de Loren que brincava com as suas
bonecas.
— Você vai brincar comigo? — Ela pergunta, me estendendo uma
boneca.
Faço uma careta e balanço a cabeça.
— Não acho que eu saiba brincar de bonecas, mas acho que sei onde
vende um sorvete muito bom — digo baixinho, para que Dora não nos ouça.
Loren olha para os lados checando se alguém nos observava, mas eles
estavam tão focados jogando xadrez que nem mesmo perceberam.
— Nós podemos ir agora?
Seus olhos brilhavam em expectativas, assenti em resposta e quando
ela ousou a gritar em comemoração, eu levei a minha mão em sua boca.
— Shhh, é segredo — murmuro, afastando minha mão da sua boca.
— Você sabe que a mamãe não gosta de sorvete quando o tempo está ruim.
— O papai disse que também iria me dar sorvete, podemos fingir para
ele também?
— Podemos, mas antes, junte os seus brinquedos e saia de fininho
para que eles não nos vejam. Eu vou logo atrás de você.
Sem pensar duas vezes, ela faz o que eu disse e sai devagar da sala,
dando um passo de cada vez, mal sabendo que a cada passo que ela dá, faz
um barulho baixo no assoalho. Seguro o riso e me levanto do chão.
— Saint, não exagera no sorvete. — Dora diz, sem ao menos me
olhar, sua atenção estava totalmente nas peças do tabuleiro.
Eu me pergunto como ela sabe sobre isso, se nem ao menos ouviu a
nossa conversa.
— Como...
— Você não sabe disfarçar quando vai fazer isso, sempre a aborda da
mesma forma. Tente mudar a tática, filho, a minha é infalível, depois eu te
ensino. — Meu pai fala, e é chutado na canela por Dora. — Eu estava
brincando, querida.
Ele sorri falso e faz sinal com a mão por baixo da mesa, indicando
que depois conversaríamos sobre isso.
— Noah, vamos?
Seu olhar se divide entre o tabuleiro de xadrez e entre mim, ela estava
em dúvida entre vir ou não.
— Querida, vá com eles. É bom ter alguém para controlar a
quantidade de sorvete que ele irá dar a ela, jogaremos mais quando voltarem.
— Dora diz, calmamente.
Solto uma risada sarcástica, Noah controlar doce? Estamos falando da
pessoa que mais ama comer e doces nessa vida.
— Tudo bem, mas ainda é a minha vez! — Ela exclama empolgada.
A observo se concentrar nas peças do jogo e trocar seu cavalo por um
bispo, ela move seu peão uma casa a frente. Ela havia deixado meu pai sem
saída o forçando a ir para uma posição onde a única saída dele é pedir xeque.
— De novo não. — Meu pai resmunga.
— De novo sim. — Noah, comemora. — Diga, eu sei que você quer
dizer. — Ela o desafia.
— Xeque. — Ele diz contragosto.
— Mate! — Ela exclama, avançando com a rainha na diagonal onde o
seu rei está preso.
— Eu não gosto mais dela. — Ele brinca, se virando para mim de
braços cruzados.
— Amei conhecer o senhor também, George. — Ela retruca, sorrindo.
— Peço licença a vocês, mas acho que sou merecedora de um sorvete depois
de ganhar seis vezes seguidas.
— Seis? — indago, incrédulo.
— Agora entende por que eu não gosto mais dela?
— Você vai superar isso, pai — dou um tapinha em suas costas
tentando confortá-lo.
Meu pai perdeu seis vezes para Noah e isso me deixava
impressionado. Ela devia ser muito boa de fato, isso era mais do que ele já
havia perdido para mim.
Nós tínhamos acabado de chegar de um playground. Após irmos à
sorveteria, Saint resolveu levar Loren para brincar. Ela brincou tanto que
dormiu no carro, enquanto voltávamos para casa.
— O que nós vamos fazer agora? — pergunto, sendo seguida por ele
ao entrar em meu quarto.
Sento na ponta da minha cama e fico o observando. Ele estava parado
na minha frente e eu não conseguia tirar meus olhos dele, era estranho agora
olhá-lo sem ter malícia depois da noite que passamos juntos. E eu não
gostava de ter esses pensamentos em relação a Saint, porque acima de tudo
ele era o meu amigo, meu melhor amigo e eu me importava com isso.
— Vamos dar uma volta. — Ele diz, girando a chave do carro na
ponta do dedo.
— Tanto faz, nós não temos o que fazer mesmo.
Dou de ombros e seguro em sua mão que estava erguida em minha
direção, seguro-a e ele me levanta da cama.
Descemos a escada correndo e fomos direto para a entrada da casa,
onde o seu carro ainda estava estacionado da forma que ele havia deixado
minutos atrás. Estranho quando ele abre a porta carona e entra no carro.
— Você não está no lugar errado? — indago, olhando-o através da
janela do carro, que agora está aberta.
— Estou exatamente onde deveria estar, você vai dirigir. — Ele
informa.
— Está brincando? — indago, sem esconder meu entusiasmo e
torcendo para que ele diga que não é uma de suas brincadeiras.
— Venha! — Ele acena com a cabeça para o lugar vago ao lado e dá
um tapinha no assento. — Te garanto que serei o melhor instrutor.
Eu queria lhe dizer que eu sabia dirigir um carro, apenas nunca tinha
dirigido um conversível antes, ainda mais um Porsche.
— Mal posso esperar para colocar as mãos nessa belezinha.
Em êxtase, dou a volta no carro e abro a porta, me acomodando no
banco do mesmo e fecho a porta em seguida. Coloco o cinto e ajusto o
retrovisor, viro meu rosto para olhar Saint, que mantém seus olhos atentos em
cada movimento que faço.
— Me dê a chave — peço, estendendo a mão.
Ele coloca a chave na minha mão e eu a coloco na ignição. Giro a
chave e colocando o pé no freio, espero pelos comandos de Saint.
— Não precisa ficar nervosa, eu não sei se você já tentou dirigir um
carro comum antes — reviro meus olhos diante ao seu comentário. — Preste
atenção as letras que aparecem junto à marcha são P, R, N e D, que
significam "Parking" (Estacionar), "Reversing" (marcha ré), "Neutral"
(neutro, ou ponto morto) e "Drive" (Dirigir). — Ele explica, pausadamente.
Assinto, prestando atenção em tudo que ele fala. Eu estava fascinada
só de ouvi-lo.
— Passe a marcha e devagar solte o freio. Suavemente ele vai acelerar
automaticamente à medida que a velocidade do carro varia, mas tenta manter
a aceleração baixa.
Eu já sabia tudo que deveria ser feito, mas mais uma vez segui o seu
passo a passo e saí com o carro do lugar. Saint me orientava durante todo o
trajeto as ruas nas quais eu teria que entrar. Não era tão diferente dirigir um
conversível, a única coisa que o tornava diferente era ele ser todo automático.
Estava anoitecendo quando estacionei o carro na garagem.
— Espero que seus pontos na carteira sejam tão bons, quanto a sua
mentira. — Saint me surpreende, me prensando na parede da garagem.
— O quê? — pergunto, e vejo de relance um sorrio em seus lábios.
— Você sabia o que estava fazendo. — Ele afirma.
Dou de ombros, não me sentia culpada por ter mentido. Mesmo que
isso significasse que ele me deixaria dirigir se soubesse, mas então, eu teria
perdido a sua atenção e calmaria ao me explicar tudo que eu deveria fazer.
— Meu pai é vendedor de carros, conheço todas as marcas e cada
modelo. Acha mesmo que eu não saberia dirigir um carro? — indago,
arqueando minha sobrancelha. — Eu só nunca dirigi um conversível.
— Eu deveria ter me lembrado desse detalhe sobre o seu pai. — Ele
murmura.
— Você é um ótimo instrutor — admito, o fazendo sorrir.
— Você acha?
Assinto, seu rosto se inclina na direção do meu, coloco a palma da
minha mão contra seu estômago. Ele me beija no queixo e em seguida beija
brevemente meus lábios. Saint não aprofundou o beijo, ao invés disso, ele se
afastou.
— Nós temos algumas malas para arrumar. — Ele informa.
Malas?
— Que eu saiba, eu que tenho malas para arrumar. Você tem o que,
uma mochila?
— Eu disse nós temos, acho que você irá precisar de ajuda no seu
quarto para arrumá-las.
Seu hálito bateu quente contra a minha pele, quando ele terminou de
dizer essas palavras. Eu sabia a malícia que havia por trás delas e sabia o que
nós dois queríamos.
A verdade é que era muito bom estar com Saint e a mentira, seria se
eu dissesse que isso não agradava em nada.
“Porque ela sabe quem eu sou.
Ela vê minhas boas ações.”
UNDER THE BRIDGE – RED HOT CHILI PEPPERS

DESPEDIDAS NUNCA FORAM O MEU FORTE, dessa vez não foi


diferente, exceto pela minha promessa de que em breve estaria de volta. Eu
deixei Portland sem vontade alguma de partir, mas ver os olhos de Dora
brilhando e me incentivando como ela sempre fez, me encorajou a seguir em
frente.
Chegamos em Nova York um pouco mais das duas da tarde, Noah foi
para o apartamento da Val. Ela precisava descansar, a viagem foi longa e
precisamos fazer uma escala.
Eu não tive tempo de desfazer a minha mala, por mais que a pior parte
de viajar fosse isso, eu preferia desfazê-la do que chegar em casa e precisar
sair para tratar de negócios.
Eu iria ter uma semana agitada, primeiro precisava fazer os trâmites
finais da empresa do meu pai, a filial que abrirá aqui em Nova York, será
responsável pela comercialização de móveis e madeiras para diversas lojas. E
isso significa que Noah e eu precisaremos de um novo lugar para ensaiar,
essa é a minha segunda tarefa para essa semana, arrumar um novo local.
A terceira, que ela ainda não sabe, mas saberá em breve, a sua mãe
será a arquiteta responsável pelos ajustes finais da obra. Meu pai deu uma
olhada em alguns trabalhos dela dias antes da viagem e só me confirmou a
contratação dela pessoalmente, a mãe de Noah seria a nossa funcionária por
um tempo.
Eu queria ajudá-la de alguma forma, e fazendo isso senti que eu
estava a ajudando.
Minha quarta e última tarefa é a mais prazerosa de todas, ir em busca
de um lugar para abrir o bar.
E eu mal podia esperar para ter tudo em seu devido lugar.

O dia foi longo e cansativo, no final da noite tive uma reunião com os
meninos da banda e deixei claro que esse mês seria o último que tocaríamos
no Joe's.
Paro em frente a porta do meu apartamento e procuro pela minha
chave na mochila, no mesmo momento em que Noah saía do apartamento
vizinho.
— Estava pensando se deveria acionar a polícia ou pendurar cartazes
por aí. — Ela levanta as mãos no ar e gesticulando diz. — Bailarina procura
músico rebelde foragido.
Rindo, balanço a cabeça negativamente. Noah não existe.
— Um belo cartaz seria, não? — Ela indaga, sorrindo.
Encontro a chave perdida no fundo da mochila e a resgato, em
seguida, levo meu olhar diretamente para Noah.
— Sua frase é péssima — retruco, e dou um passo à frente. — Está de
saída?
— Bom, a Valentina ainda não chegou do ensaio do teatro, minha
barriga está roncando. Se isso não for fome, acho que há algo de errado
dentro dela que não para de gritar. — Ela brinca, apontando para a barriga.
— Venha, vamos descobrir o que há de errado com o monstro dentro
da sua barriga — aceno com a cabeça na direção da porta do meu
apartamento. — Nós precisamos conversar.
— Pensando bem. — Ela começa, dando para trás. — Acho que perdi
a fome — completa, me fazendo rir.
— É sério, Noah Lea Clark.
Seus olhos se estreitam em minha direção com menção ao seu
sobrenome.
— Nós e conversar na mesma frase já me amedronta, me chamou pelo
nome completo já adianto que eu não fiz nada.
— Culpada, bailarina?
Dou mais um passo, me aproximando e ela recua, quanto mais passos
eu dou, mais ela recua até bater as costas na parede. Coloquei meus braços
em cada lado da parede a prendendo.
— Culpada, bailarina? — pergunto mais uma vez.
Ela balança a cabeça negando, sua boca se abre e a sua respiração
acelerada me faz sorrir por dentro diante da sua reação a mim.
— Eu estou com fome, muita fome. — Ela respira fundo, tentando se
recompor.
— Muita fome? — indago.
— Muita. — Ela confirma em um sussurro.
Aproximo meu rosto do dela, nossos lábios estavam separados por
míseros centímetros, um movimento e eles estariam colados. Seus olhos
pairavam em meus olhos e desviavam para a minha boca. Ameacei encostar
meus lábios nos dela, em seguida, abaixei meus braços e afastei meu rosto,
recuando um passo para trás.
— Vamos comer, bailarina.
E para meu divertimento, um grunhido frustrado sai da sua boca.
Joguei a minha mochila no sofá logo que entrei no apartamento. Noah
se esparramou ao lado, ela balançava os pés impacientemente.
— O que nós precisamos conversar? — Ela vai direto ao ponto.
— Que tal você vir me ajudar a cozinhar algo, enquanto conversamos
sobre isso? — proponho.
Ela me encara como se um bicho tivesse crescido em minha cabeça.
— Você, cozinhar? — Seu dedo aponta na minha direção e ela
gargalha alto. — A última vez que você foi fazer um macarrão, você o
queimou.
Estremeço e afasto a lembrança de semanas atrás.
— Mas um sanduíche eu sei fazer e não é de sanduíche ruim que eu
estou falando — provoco.
— Você disse que meu sanduíche era bom. — Ela contesta.
— Eu estava com fome!
Esse era um bom argumento para ter comido aquele sanduíche
horrível.
— Tudo bem, dessa vez eu que estou com fome.
Suspirando, ela se levanta do sofá e passa por mim, caminhando na
direção da cozinha.
A sigo até a cozinha e observo a forma que ela se sente à vontade ao
abrir a geladeira e pegar todos os ingredientes que precisa.
— Você vai ficar só olhando? — Ela indaga, e lava um tomate bem
feio por sinal.
— Você sabe escolher um tomate?
— Se eu não soubesse, não teria pegado esse.
Ela segura o tomate e acena com ele na minha direção.
— Bom, o que esperar de alguém que come doritos com pasta de
avelã, não é mesmo? — retruco, e me aproximo me colocando atrás dela. —
Esse tomate está podre, bailarina — sussurro em seu ouvido.
Arisca, ela movimenta o braço dando uma cotovelada em minha
barriga.
— Você é insuportável. — Ela resmunga.
Rindo, me afasto dela e abro a geladeira em busca de um tomate bom.
Ela ainda estava de costas para mim, quando eu me aproximei
novamente. Suas costas encostaram-se em meu peito e senti seu corpo
estremecer.
Eu gostava da forma em que ela reagia a mim, mas não gostava de
gostar disso.
— A faca, bailarina — murmuro, colocando as minhas mãos no
balcão ao lado das mãos dela.
— Você não tem mãos para pegá-la?
Mesmo resmungando, ela pegou a faca, ela não se afastou e nem se
moveu do lugar. Ela continuou com seu corpo grudado no meu, seus cabelos
pinicavam meu queixo, mas não me incomodei com isso.
Cortei o tomate em rodelas e quando terminei de cortá-lo, ela suspirou
e se virou de frente para mim.
— Você ensina a todas a cortar um tomate? — Ela pergunta, com a
boca a poucos centímetros da minha.
Estava sendo uma tentação manter minha boca longe da dela. Sem
perder a chance de provocá-la, respondo a sua pergunta.
— Não acho que as outras não saibam cortar um tomate. Já você não
soube nem escolher um.
— Você é irritante. — Ela grunhe, me empurrando para longe.
Não deixei de notar um meio sorriso em seu rosto.
Noah pegou a caixa de suco na geladeira e dois copos. Em seguida,
colocou os dois copos em cima da bancada da cozinha seguido da caixa do
suco, deu a volta no balcão e se sentou em minha frente. Ela me observava
montar os sanduíches.
— Como você e a Valentina sobrevivem? — pergunto curioso.
— Da mesma forma que você sobrevive. — Ela atira, com um sorriso
no rosto.
— Boa tacada, bailarina.
Empurro um dos pratos de sanduíche na direção dela e puxo um
banquete para me sentar.
— Você me enrolou, eu já estou no final do sanduíche e você não me
contou nada.
Abro a minha boca, lembrando-me que de fato esqueci do nosso
assunto pendente.
— Nós precisaremos de um novo lugar para ensaiar. As obras
estavam indo devagar porque eu intervi, mas não tem como eu adiá-las mais
— informo, e a fito com os olhos, esperando sua reação.
— Por mim, tudo bem, nós já abusamos muito da bondade do seu pai.
— Ela diz, dando de ombros e vira a cabeça para o lado.
— Ele não estava se importando muito com isso, até se ofereceu para
pagar um lugar, caso nós precisássemos.
— Eu acho que nós não precisamos de um lugar quando você tem
essa sala imensa aqui.
Meu olhar acompanha o seu ao redor da sala, passo a minha mão no
queixo analisando nossas opções. Nós não tempos opções para falar a
verdade, nem mesmo uma.
— Tem certeza? — indago, incerto dessa ideia.
— Absoluta, há espaço suficiente aqui e o assoalho não é
escorregadio. — Ela afirma e volta a me olhar. — Podemos revezar com a
sala do apartamento da Valentina também, tenho certeza que ela não irá se
importar.
Não gosto da ideia de ensaiar no apartamento da Valentina sob seus
olhares curiosos e interrogativos. Não quando eu quero fazer muito mais do
que dançar com Noah.
Balanço a cabeça contragosto com esse pensamento que subitamente
invadiu minha mente.
É errado pensar assim, Saint.
— Não há problema em ensaiarmos aqui, não recebo tantas visitas. Já
vocês...
— E você está se importando em alguém te ver dançando essa coisa
de mulherzinha? — Sua sobrancelha se arqueia, sugestivamente.
Eu não acredito que ela pensa que essa é a minha preocupação.
Levanto do banquete e recolho nossos pratos e copos vazios e os jogo
na pia. Sem olhar para Noah, faço o meu caminho até a sala e pego a minha
mochila no sofá, em seguida, vou direto para o meu quarto.
Entro em meu quarto, fecho a porta sem me importar se ela irá vir
atrás de mim ou não. Coloco a minha mochila em cima da cadeira da
escrivaninha e vou diretamente para o banheiro.
Ouço o barulho da porta do quarto se abrindo, aproveito para abrir o
chuveiro e deixo a água cair em meu corpo, enquanto me perco em meus
pensamentos.
Saí do banheiro para pegar uma cueca boxer e em momento algum eu
olhei para Noah, nem mesmo quando voltei ao banheiro para vesti-la.
Quando voltei para o quarto, ela ainda estava lá. Sentada na minha
cama, com as costas encostada na minha cabeceira e as pernas esticadas.
— Me desculpa se eu soei rude. — Ela murmura baixo.
Viro meu rosto para olhar para ela, seu rosto está abaixado e ela
brinca com os dedos.
Eu notei que sempre que ela está nervosa, ela brinca com os dedos,
mexe no cabelo, morde os lábios e balança os pés sem parar.
— Me irrita você achar que eu estou me importando com isso a essa
altura. Eu fui um idiota antes, Noah, mas olha só onde eu estou — ergo meus
braços exasperado, fazendo menção para nós dois.
Seu rosto se levanta e seus olhos se prendem aos meus.
— Eu não preciso, mas estou nessa. Eu estou nessa por você! E você
ainda acha que a minha preocupação é que alguém me veja dançando com
você? Nós iremos nos apresentar na frente de centenas de pessoas, Noah, eu
mudei meus conceitos e o que achava sobre isso por você.
De início, ela não se mexeu. Ela mantinha seus olhos nos meus e sem
quebrar o nosso contato, seu corpo estava sentado em cima do meu.
A forma que ela olha para mim, faz a minha garganta secar e eu não
consigo dizer mais nada.
Hesitante, ela segura meu rosto com as duas mãos e escova seus
lábios nos meus. Levo as minhas mãos para a sua cintura e a acaricio,
lentamente.
— Obrigada por fazer isso por mim, por ser quem é para mim, Saint,
você é o melhor amigo que alguém poderia ter. — Ela murmura, colidindo
sua boca com a minha em seguida.
Deslizo uma de minhas mãos para parte de trás do seu pescoço e eu a
puxo mais para perto, pressionando meu corpo no seu. Sua boca se entreabre,
me permitindo deslizar a minha língua para dentro em uma busca aflita pela
sua, nossas línguas se enroscam uma na outra sensualmente e um gemido
escapa da sua boca quando avidamente chupo a sua língua.
Sua respiração cai em ondas contra os meus lábios, enquanto suas
mãos correm pela minha pele do braço me marcando com as suas unhas.
Separo nossos lábios e em poucos minutos, suas roupas estavam em algum
canto do quarto junto com a minha cueca.
Meus olhos encontram os seus e meu olhar recai sobre o seu corpo nu
debaixo do meu. Contemplo a visão de vê-la nua mais uma vez, olhando para
cada cumprimento do seu corpo. Meu olhar sobe e fixa em seus lábios, a cada
toque das minhas mãos em sua pele, ela se arrepia e geme baixo.
Noah envolve suas pernas ao meu redor, me puxando mais para si,
seu quadril se moveu para frente e eu o segurei com mais força. Minha pélvis
encostou em seu clitóris e ela moveu seu quadril em provocação, no ritmo de
uma punição.
Fecho os olhos e puxo uma respiração pesada, quando volto a abrir
meus olhos e focar meu olhar nela, um sorriso de satisfação cobre seu rosto.
— Você está brincando com fogo, bailarina — murmuro.
— Acho que eu adoraria me queimar. — Ela provoca, convidativa.
Solto um grunhido baixo, ela sabia provocar.
Sem me mover de cima dela, inclino meu corpo para o lado e estico
meu braço para abrir a primeira gaveta do criado-mudo. Pego um pacote de
preservativo e quando o coloco entre meus dentes, Noah o puxa da minha
boca rasgando a embalagem.
Minha boca se abre em surpresa com a sua atitude, sem me dar a
chance de dizer qualquer coisa, seus lábios se moveram contra os meus e eu
inseri a minha língua em sua boca.
Um gemido atravessou seus lábios, quando me empurrei contra ela,
mais uma vez roçando minha pélvis em seu ponto sensível.
Ela espalma sua mão em meu peito e devagar, me empurra para o
lado, seu corpo pequeno cobriu o meu e a sua mão ávida e pequena, desliza
para a minha barriga. Minhas mãos se movem até tocar em seus seios e os
massageio, arrancando gemidos dela.
— Saint... Não atrapalhe o que eu estou tentando fazer.
— Eu não estou fazendo nada — finjo inocência, e esfrego
delicadamente, seu mamilo entumecido em meus dedos.
Com um olhar indiferente e exalando desejo, ela sorriu, mas não era
um sorriso inocente.
— Noah, não... — gemi, cortando a minha frase pela metade, quando
seus dedos tocaram a minha ereção.
Vagarosamente, ela deslizou sua mão para cima e para baixo, tocando
em minha rigidez. O ar faltou em meus pulmões quando ela começou a
movimentar a mão mais rápido.
Deslizei minha mão até a sua nuca, e a puxei mais para perto. Minha
boca se aproximou do seu mamilo, suas costas se arquearam para trás no
momento em que tomei seu mamilo em minha boca.
Nossas respirações sincronizavam com nossos gemidos, minha boca
abandonou seu mamilo e sua mão se apertou em torno da minha ereção, ergui
meu quadril no ritmo da sua mão, em busca de alívio.
— Merda — murmuro, quando percebo o que eu fiz em sua mão.
— Desculpa, eu nunca fiz isso.
Sua confissão fez eu me sentir um adolescente que estava se
descobrindo, e essa era uma das sensações que Noah causava em mim.
Com o rosto corado e uma risadinha tímida, Noah puxou a coberta,
limpou a mão e me limpou. Com fascinação, a observei deslizar o
preservativo em meu comprimento.
Minhas mãos a puxaram pelo quadril e eu a deitei na cama, cobrindo
seu corpo com o meu mais uma vez.
Eu gostava disso, droga. Como eu gostava.
— Nunca peça desculpas por ter feito algo que você sentiu vontade de
fazer, só peça desculpas quando você sentir que deve e acredito que esse não
foi o caso, certo? — pergunto e ela balança a cabeça assentindo. — Eu quero
ouvir você falar, bailarina.
— E eu quero sentir você. — Ela murmura, e abre as pernas,
movendo o quadril.
— Ainda não.
Sua boca se abre em protesto e eu silencio seus lábios com um dedo,
para em seguida tocar seus lábios com os meus. Eu queria provar cada
centímetro dela esta noite. Nossos beijos se aprofundam conforme nossas
línguas dançam e lutam uma contra a outra.
Eu posso sentir seu corpo formigando embaixo do meu pela forma
que ela empurra seu quadril contra mim. Seus gemidos sufocam em minha
boca e eu afasto nossos lábios somente para ouvi-la.
Guio a minha boca para o seu queixo, enquanto deslizo a minha mão
para o seu seio o massageando, sigo com meus lábios para a sua clavícula e
em seguida, para o seu seio livre da minha mão. Sugo seu mamilo para minha
boca e o prendo entre os dentes, o seu corpo se contrai e o dorso de sua mão
me acaricia tentadoramente. Noah se move na cama e seu quadril se choca
com força contra o meu, e no mesmo segundo eu me deslizo para dentro dela.
Sua cabeça se inclina para trás, um gemido aliviado sai de sua boca e
mordiscando seus lábios, ela levanta a cabeça e me encara.
Ela segura firmemente em meu pescoço e leva o meu rosto para perto
do seu. Noah me beija ternamente antes de nossas línguas se tocarem e
embora eu já tivesse beijado muitas garotas antes e experimentado diversos
tipos de beijos e carícias, eu reconhecia o quanto era bom experimentar essas
coisas com ela. Minhas mãos estavam por todo seu corpo, eu não me movi
dentro dela, apenas continuei parado. Era bom sentir a forma que o corpo
dela ansiava pelo meu e por investidas minha, eu sentia isso a cada
movimento que seu quadril fazia.
Sem esperar mais um minuto que seja, eu me movi. Me movi
lentamente contra ela, sua boca se afasta da minha e gemidos soavam de sua
boca.
Eu me empurro para dentro dela, a reivindicando e a preenchendo,
enquanto a sua língua busca desesperadamente a minha. Seu quadril se mexe
involuntariamente para encontrar as minhas estocadas e eu sabia que isso era
ela pedindo por mais. Ofegando, me retirei e entrei dentro dela novamente.
Mordi meu lábio com força e tentando controlar a minha respiração
descontrolada, enquanto eu a observava se contorcer embaixo de mim.
Intensifico as minhas investidas e a fricção dos nossos corpos se unindo faz o
seu corpo se tencionar. Nós estávamos perto de alcançar nosso limite, Noah
envolveu suas pernas ao meu redor, me puxando para mais perto.
Gotas de suor escorriam por minha testa. Não conseguia pensar em
nada tão bom quanto isso.
— Ah, Saint! — Ela gritou em meio a gemidos.
— Vem para mim, bailarina — sussurro.
Corro meus lábios pelo seu pescoço, sentindo o ar quente da sua
respiração descontrolada em meu ouvido, mesclada aos sons dos seus
gemidos.
Deslizo meus lábios em sua bochecha e encosto em sua boca, seus
braços apertam em minha volta e em um gemido sufocante, seu interior se
fechou em volta do meu comprimento. Nossos gemidos preencheram o
quarto, quando chegamos ao nosso limite juntos. E pela última vez, ela
empurrou seu quadril contra o meu.
Relaxo meu corpo e deito a minha cabeça em seu peito, apertando
meu corpo ao seu, ela acaricia meu cabelo. Seu peito sobe e desce, e as
batidas do seu coração bombardeiam em meu ouvido.
Por mais uma vez, Noah se tornou minha.
E o problema nisso tudo era que meus sentimentos por ela não eram
nem um pouco inofensivos.
“E como você me disse, depois de tudo.
Nós lembraríamos desta noite.
Para o resto de nossas vidas.”
WINGS – BIRDY
EU CONTAVA OS SEGUNDOS PARA O LAGO DO CISNE
ACABAR, enquanto assistíamos sentados no sofá do apartamento da
Valentina. Eu perdi a conta de quantas sardas ele tinha no rosto, assim como
perdi a conta de quantos minutos levaram até que a sua boca estava grudada
na minha.
— Saint, isso está errado — murmuro, contra a minha vontade. —
Nós somos amigos.
Eu estava gostando dos seus toques e de sentir cada arrepio que eles
me causavam, mas eu não cansava de me dizer que era errado e de uma forma
mais errada ainda, parecia que a palavra amigos não se aplicava mais a nós.
Nesse momento, nós éramos qualquer coisa, menos amigos.
— Nós somos amigos, Noah. — Ele murmura, subindo seus lábios
pelo meu pescoço. — Nós ainda seremos amigos amanhã...
— Depois de amanhã. — Sua boca alcança meu queixo, ele o morde
até chegar em minha boca.
Ele levantou o rosto, seus olhos estavam fixos em mim e, eu não
conseguia tirar os olhos dos seus lábios. Algo dentro de mim se aflorava toda
vez que ele me tocava.
— Nós sempre seremos amigos. — Nossas respirações se cruzavam,
conforme ele aproximava seus lábios dos meus. — Você sempre será a minha
melhor amiga. — Ele sussurra e então ele me beija, tirando tudo que podia de
mim.
Saint estava me deixando fora de órbita e errado ou não, eu estava
adorando isso.
— Mas que porra?
A voz espantada de Matthew, me faz empurrar Saint de cima de mim,
que cai do sofá.
— Ai, meu Deus, me desculpa — digo constrangida, e ergo a minha
mão para ajudá-lo a se levantar.
— Eu sabia que alguma coisa estava rolando entre vocês. —
Valentina murmura, por cima do ombro de Matthew.
— Val, cale a boca. — Saint diz, jogando na direção dela uma
almofada.
— A quem vocês queriam enganar? Desde quando voltaram de
viagem não se desgrudaram e não vem dizer que é por causa dos ensaios. —
Ela diz, jogando de volta a almofada, mas dessa vez na minha direção. —
Você poderia ter me contado.
Solto um grunhido frustrada, eu não queria que a Val descobrisse
assim. Queria ter um momento nosso, eu sentia falta de conversar com ela
todos os dias, mas ela também tem ensaiado bastante para uma peça e só nos
vemos durante a noite.
— Nós temos ensaio. — Matthew diz, fazendo um sinal para Saint em
direção a Val, que está na cozinha.
— Acho que você tem uma fera para acalmar. — Saint murmura, se
virando para mim.
— E acho que você tem um problema, boa sorte para cuidar dele.
Ele me olha sem entender, quando meu olhar recai para a sua calça
jeans, ele entende meu recado.
— Anda logo, Saint. — Matthew o chama impaciente.
Ainda relutante, Saint deixa um beijo casto em meus lábios e se
levanta.
— Eu venho buscar vocês. Só não se atrasem. — Ele diz, com o olhar
direcionado para Valentina.
— Eu sempre me atraso. — Ela retruca, da cozinha.
Espero que os dois saiam e me levanto do sofá, faço o meu caminho
até a cozinha. Sem se importar com a minha presença, ela continuou fazendo
o seu misto quente.
— Peito de peru, queijo e orégano. Vai querer? — Ela pergunta.
Balanço a cabeça assentindo e a observo se mover de um lado para o
outro na cozinha.
— Você está chateada? — pergunto, me encostando na parede.
— Eu ainda estou me decidindo sobre isso. — Ela diz, sem esconder
que sim, está chateada. — Eu espero que vocês não tenham transado no meu
sofá.
— Não! É claro que não faríamos isso aqui. — Me defendo.
— Bom, porque Math e eu precisamos fazer isso antes de vocês. —
Ela confessa descaradamente, me deixando incrédula.
— O quê? — Ela indaga rindo. — Até parece que você e Saint
ficaram só nos amassos.
— E ficamos. — Me defendo.
— Eu gosto de vocês juntos, apesar de não terem me contado. — Ela
murmura, me fazendo revirar os olhos.
Drama, drama e drama. Valentina era a rainha da interpretação
quando queria, principalmente, quando resolve fazer drama ou chantagem.
— Eu estava esperando um momento a sós com você para te contar. E
nós não estamos juntos! — protesto.
A última coisa que eu quero é que ela ache que mantemos um
relacionamento em segredo.
— Não foi o que eu vi aqui. — Ela argumenta.
— É sério, somos amigos — reafirmo.
— Amigos que se beijam? — Ela indaga, não acreditando em minhas
palavras.
— Amigos que se beijam e fazem muito mais — respondo.
— E o Greg? — questiona curiosa.
— O Greg é algo passageiro, não temos um relacionamento. Ele é um
conhecido, que não chegou ainda ao nível de amigo e nem sei se vai chegar.
Não acho ele confiável — esclareço.
— Ele é legal, mas só isso.
Balanço a cabeça concordando.
Ser legal não era o suficiente, e Greg era isso. Legal. Uma palavra
pequena, simples e vazia. Ele não é um tipo de pessoa que eu me relacionaria
e eu sei as reais intenções dele. Não é como se eu não quisesse no começo,
mas agora tudo mudou e o interesse passou.
— Terra chamando Noah.
Valentina estala os dedos na frente do meu rosto, e me entrega um
prato com misto quente.
— Podemos assistir algo? Desde que não seja aquilo ali. — Ela diz,
apontando para a televisão.
O ato final do Lago dos Cisnes estava passando. Era entediante para
quem não gostava, mas eu era apaixonada e sabia de cabeça cada passo e
cada música.
— Você escolhe.
— Por que estavam vendo isso? — Ela pergunta, enquanto faz seu
caminho até a sala com seu prato em mãos.
— Achei que seria legal para Saint ver como é uma apresentação,
talvez isso também o ajude a se esforçar mais — respondo, em seu encalço.
Ao nos sentarmos no sofá, Val ficou observando atentamente a
apresentação, não levou mais que cinco minutos e trocou de canal.
— Isso é chato, ele não está indo tão bem assim?
Nego com a cabeça.
— Pelo contrário, ele está indo bem...
— Mas? — Ela indagou.
— Falta um mês e meio, estamos muito atrasados e não saímos do
básico. Já deveríamos estar ensaiando nossa performance, mas não chegamos
nisso ainda — confesso.
— Deveria pedir a ele para se entregar mais. — Ela pondera.
— Eu não quero exigir demais, ele tem feito muito por mim.
— Se ele quis participar disso, ele tem que estar cem por cento
comprometido. Então sim, você vai exigir demais ele fazendo muito por você
ou não, quero ver vocês deixando todos de queixos caídos.
— Eu vou trabalhar nisso.
— Saint tem um bom coração, ele não vai poupar esforços se isso for
para ajudar. É da natureza dele fazer pelas pessoas que ele se importa o que
não fizeram por ele, ele gosta de agir como um irmão mais velho às vezes.
Agora que eu sei sobre a vida de Saint, entendo completamente o que
ela quis dizer. Ele tem irmãos que nem mesmo sabem da sua existência, mas
têm amigos e isso o fez inverter valores, deixando tudo isso mais ameno.
Apesar de já ter sido partido um dia, Saint sem dúvidas tem um
coração bom.

Desci do carro seguida de Valentina, esperei que Saint saísse e se


juntasse a nós. Passos ressoaram atrás de nós enquanto aguardávamos na
entrada do pub, mas não havia sido Saint que se juntou a nós e que
surpreendentemente me surpreendeu com um beijo nos lábios.
— Pensei que não iria te ver mais. — Greg diz, ao afastar seus lábios
dos meus.
Sorrio sem graça e vejo Saint passar a nossa frente com um semblante
irritado. Ele faz sinal com a cabeça para Valentina ir com ele, sem direcionar
o olhar para mim.
— Vejo você lá dentro? — Ela indaga receosa.
— Eu já estou indo, logo atrás de você — murmuro, com meus olhos
em Saint.
Ainda receosa em me deixar sozinha com Greg, ela se afasta e
caminha até Saint, que passa os braços em volta da cintura dela. Os dois
somem da minha vista ao entrar no pub e eu viro meu rosto para encarar
Greg.
— Então, como foi seu feriado? — Ele indaga, com um sorriso
forçado no rosto.
— Foi legal — respondo, sem entusiasmo algum.
— Soube que você foi para Portland com Saint, achei que não fossem
tão amigos assim. — Ele diz com sarcasmo.
Dou uma risada seca e balanço a cabeça negativamente. Algo no seu
tom de voz não me agradou.
— Greg, não cruze a linha. Você já está a ultrapassando — resmungo,
o afastando de perto de mim. — E nós somos amigos e não acho que isso
deva ser da sua conta.
Ele levanta seus braços para o alto e espalma suas mãos no ar.
— Certo, eu me rendo.
Forçadamente lhe dou um sorriso, eu não estava gostando dessa sua
atitude. Sentia como se ele estivesse marcando território, e eu odiava atitudes
assim.
— Eu não sei você, mas vou entrar. Preciso de uma bebida.
— Conheço alguém que faz as melhores.
Reviro os olhos com seu autoconvencimento e caminho na direção
das portas duplas do pub. Deixo que Greg passe a frente e quando vou fazer
meu caminho em direção ao bar, sinto uma mão me puxar para trás e me
empurrar para a parede.
— Que merda, Saint, você me assustou — digo, o encarando.
Sua boca está em uma linha dura e seus olhos estão rígidos sobre
mim.
— Eu não acredito que você ainda está saindo com esse cara. — Ele
diz, ríspido.
— Eu não estou saindo com esse cara — retruco, no mesmo tom que
ele usou comigo.
— Não foi o que eu vi. Pensei que você fosse inteligente o suficiente
para me ouvir. — Ele se queixa, dando um passo para trás.
— Você está me chamando de burra? Você está sendo idiota, Saint!
— exclamo.
— Idiota por me importar com você? — Ele indaga cético.
Eu sabia que ele estava nervoso e com raiva, ele sempre passava as
mãos no cabelo quando estava assim. E foi exatamente o que ele acabou de
fazer, ele passou a mão no cabelo e me encarou com um olhar inexpressivo.
— Sim, idiota por se importar comigo.
Não era o que eu queria dizer, mas foi o que acabou saindo da minha
boca. Era tarde demais para me arrepender.
Seus olhos estavam fixos nos meus, sem piscar ele balançou a cabeça
e se afastou ainda mais. A decepção estava estampada em seu rosto.
— Que seja, Noah, espero que os esconderijos de preservativos dele
seja tão legal quanto o meu.
— Você é tão infantil.
— Não esquece do idiota, bailarina. — Ele murmura por fim.
Sem dizer mais nada, ele me dá as costas, me deixando plantada
sozinha o vendo sumir no meio das pessoas.
Nos décimos segundos, eu fiquei parada olhando para o nada e
pensando. Saint estava com raiva por causa do Greg e isso era errado, o que
nós estávamos fazendo era errado e uma das consequências desse erro foi o
que acabou de acontecer.
Nós temos que parar. Eu sei que temos, mas parar não é algo que eu
queira.
Vê-la beijando Greg me irritou. Me irritou porque horas atrás era a
minha boca que ela beijava, era comigo que ela estava.
Entrei na pequena sala atrás do palco batendo a porta e bufando, não
tinha ninguém além de Matthew e Valentina, sentados no sofá aos beijos.
— Oh, merda. — Math resmungou, encolhendo os ombros.
— Essa é a hora que eu devo sair. — Valentina diz, beijando-o uma
última vez.
— Você é um tremendo estraga prazeres. — Ele ralha, passando as
mãos no cabelo.
— Não posso não dizer o mesmo de você, acho que estamos quites —
retruco áspero, e me jogo ao seu lado no sofá.
— O que está rolando? — Ele pergunta, me observando.
— Eu não deveria me incomodar em ver Noah e Greg juntos, mas me
incomodo desde que ele pôs os olhos nela.
— E você está incomodado por se incomodar?
— Sim!
— O que rola entre vocês?
— Somos amigos, nos beijamos e fazemos sexo.
— Que amigos fazem essas coisas? Amizade moderna essa a de
vocês. — Ele ironiza.
— Não ouse insinuar o que você acha.
— Você está se apaixonando por ela.
Balanço a cabeça me recusando a acreditar que ele fez justo o que eu
disse para não fazer.
— Esse é o problema, Math, eu não quero me apaixonar por ela.
Porque ela é de longe a melhor garota que eu já conheci, eu não a mereço. Eu
não quero amá-la, porque quando ela perceber que eu não sou bom para ela,
ela vai me deixar. A relação que temos é diferente de tudo que eu já
experimentei, principalmente, porque temos muita proximidade física quando
dançamos.
— Eu sinto muito em te dizer, mas você está falhando nisso. Então,
resolva seu problema e não me atrapalhe mais com a minha namorada. — Ele
fala, batendo em meu ombro.
— O que eu faço? — pergunto, sem saber o que fazer.
— Saia com outras e tente esquecê-la. — Ele aconselha.
— Mas eu não quero esquecê-la — informo.
Eu não quero me esquecer de Noah, nunca. Não quero afastá-la
também. Eu simplesmente não consigo.
— Então aí é um problema inteiramente seu, você que tem que fazer
as suas próprias escolhas.
A porta se abre e John e Tyrone passam por ela, cada um com duas
garrafas de cerveja em mãos.
— Está na hora, seus maricas. — John diz, e estende uma garrafa para
mim.
Fazia parte do nosso ritual, sempre brindarmos e agradecer antes de
subir ao palco. E dessa vez, eu agradeci por coisas diferentes.
Eu agradeci pela Rosie não ser nada para mim e ser uma página
virada na minha vida. Agradeci pela minha mãe Dora e por Noah ter chegado
e por último, desejei que ao meu lado Noah permaneça sempre.
Ao subirmos ao palco, meus olhos buscam por Noah, que está
entretida no bar conversando com o Greg.
Sugo uma respiração e foco meus olhos na interação dos dois. Ela ria
dele ou para ele, e isso me enfurecia.
Eu estava sentindo algo que eu não deveria e que eu nunca senti, e eu
não estava gostando de sentir isso, mas não me sentia errado por sentir
ciúmes dela. Noah estava despertando em mim sentimentos que eu sabia que
não deveria ter, e um desses era o ciúme.
Passei minha guitarra pelo pescoço e dei boa noite a todos. Eu sempre
era o primeiro a puxar a música com a guitarra e ao fazer isso dessa vez,
Tyrone me olhava intrigado.
— Não é essa música. — Ele sibila, para que eu leia seus lábios.
Eu continuei a deslizar meus dedos pela guitarra, até que ele me
acompanhou com seu baixo na introdução de November Rain, sendo seguido
por Matthew na bateria e John em seu baixo.
Não era como se eles não conhecessem essa música, nós gostávamos
de Guns N' Roses e sempre tocávamos ela durante alguns ensaios, mas nunca
a tocamos em público até agora.
“E eu nunca achei que eu.
Seria fisgado da forma que você me fisgou.”
GIRLS/GIRLS/BOYS – PANIC! AT THE DISCO

EU RIA DAS PIADAS SEM GRAÇA DO GREG NO BAR, mas


minhas bochechas doíam, eu não aguentava mais fingir que achava graça de
algo que não tinha a mínima graça.
Eu queria lhe dizer que ele era péssimo com piadas, assim como era
péssimo nas tentativas em me conquistar, mas eu iria ser dura com ele e eu
não queria isso. Ele estava sendo legal em me fazer companhia, enquanto Val
havia ido esperar Claire e Chloé na entrada do pub.
— Você parece desanimada hoje. — Greg murmura, tentando ganhar
a minha atenção.
Você está me desanimando, Greg.
Mas ao invés de dizer isso, eu forcei um sorriso e continuei calada.
Ainda não tinha engolido o fato dele ter me beijado de surpresa.
— Está assim por causa do beijo?
Bingo!
E lá vamos nós.
Viro meu corpo para frente do balcão e debruço meus braços ficando
bem próxima a ele. Encarando-o por breves segundos, ele faz uma careta e
isso me faz rir brevemente. Sua careta tirou de mim algo que as suas piadas
sem graça não conseguiram.
— Por que me beijou? — indago, sem tirar meus olhos do dele.
— Qual é o problema, Noah? Pensei que nós estivéssemos tentando
ter alguma coisa. — Ele responde, na defensiva.
— Nós? — dou uma risada, diante ao seu argumento descabido. —
Você está tentando ter alguma coisa, eu não quero ter nada e você sabe disso.
Só me diga que você não estava marcando território na frente de Saint —
esbravejo.
Seus olhos piscam duas vezes seguidas, e eu abaixo a cabeça dando
uma risada seca. Uma vez alguém me disse que olhos não mentem, e os olhos
de Greg não mentiram nesse momento.
— Eu não acredito nisso — levanto a minha cabeça para cima e volto
a encará-lo. — Eu esperava mais de você, Greg, é por caras como você que
eu não tenho interesse amoroso em ninguém.
— O que rola entre vocês? — Ele pergunta, apoiando as duas mãos
no balcão e me olhando com reprovação.
— Não acho que isso seja da sua conta — retruco áspera.
— Há duas semanas você estava comigo, como isso não é da minha
maldita conta? Não sabia que você era desse tipo. — Ele esbraveja.
— Estava com você? Desse tipo? — levanto do banquete brava. —
Nós não tínhamos e nem éramos nada, nada Gregório. Eu tenho total
liberdade para beijar quem eu quiser e isso inclui você, Saint ou quantos
outros caras se eu quiser. Sabe por quê? — indago, e ele balança a cabeça
assustado com a minha reação. — Porque eu sou solteira, livre, desimpedida
e não devo satisfações a você só porque nos beijamos.
— Noah, calma. — Ele diz em um tom baixo. — Não precisa se
exaltar, eu passei dos limites, não deveria estar te cobrando nada. Você
deixou bem claro suas intenções comigo, eu que esperava mais que isso.
Não consigo conter uma risada.
— Você espera sim mais que isso, se infiltrar no meio das minhas
pernas e só. Cá entre nós, Greg, você não quer nada sério e eu também não.
— Talvez...
Sua voz foi interrompida pelas vozes que se agitaram no meio do bar,
meus ouvidos focaram no som da música que vinha do palco.

When I look into your eyes


(Quando olho nos seus olhos)
I can see a love restrained
(Posso ver um amor reprimido)
But, darlin', when I hold you
(Mas, querida, quando te abraço)
Don't you know I feel the same?
(Você não sabe que sinto o mesmo?)
'Cause nothin' lasts forever
(Pois nada é para sempre)
And we both know hearts can change
(E nós dois sabemos que corações podem mudar)
And it's hard to hold a candle
(E é difícil segurar uma vela)
In the cold November rain
(Na chuva fria de novembro)

Eu me afastei do bar e fui andando lentamente na direção do palco,


meus olhos encontraram os olhos de Saint. Não desgrudei meus olhos dos
seus nem mesmo quando passei em meio as pessoas que se espalharam na
frente do palco.
Ele continuava cantando e era como se ele estivesse cantando
inteiramente e diretamente para mim.

We've been through this such a long, long time


(Nós já passamos por isto há muito, muito tempo)
Just tryin' to kill the pain, oh, yeah
(Simplesmente tentando matar a dor, oh, sim)
But lovers always come and lovers always go
(Mas amores sempre vêm e amores sempre vão)
And no one's really sure who's lettin' go today
(E ninguém tem certeza de quem vai desistir hoje)
Walking away
(E ir embora)
I f we could take the time
(Se nós pudéssemos ter um tempo)
To lay it on the line
(Para acertar tudo)
I could rest my head
(Eu poderia descansar minha cabeça)
Just knowin' that you were mine
(Simplesmente sabendo que você foi minha)
All mine
(Toda minha)

Parei em frente ao palco e não deixei de admirá-lo. Não era a primeira


vez que eu o via cantar e em cima de um palco, mas ele estava incrível.
November Rain soava incrivelmente única saindo de sua boca.
Seus olhos deixam os meus para olhar para baixo, mais
especificamente para a sua guitarra. Ele tinha o foco em seus dedos tocando a
corda e quando levantou a cabeça, eu pude sentir a intensidade do seu olhar e
a intensidade que tinha o trecho da música que saiu da sua boca.

So, if you want to love me


(Então, se você quiser me amar)
Then, darlin', don't refrain
(Então, querida, não se reprima)
Or I'll just end up walkin'
(Ou simplesmente vou acabar indo embora)
In the cold November Rain
(Na fria chuva de novembro)

Pisquei meus olhos e não contive meu sorriso, cantei junto com ele e
com as pessoas ao meu redor até a música acabar. Dessa vez quem assumia o
vocal era John, que além de tocar baixo também cantava muito bem.
— Achei você aqui! — Valentina exclamou alto.
— Vocês demoraram — digo, e cumprimento Chloé e Claire com um
abraço. — Como vocês estão? — pergunto.
— Não muito melhor que você e o bonitão ali. — Claire acena com a
cabeça na direção de Saint.
— Valentina! — repreendo-a, sabendo que ela deve ter contado as
meninas.
— Eu não contei nada, agradeça isso ao Greg frustrado por ter sido
trocado. — Ela se defende.
— Então, é verdade mesmo? — Chloé pergunta, e eu assinto sentindo
minhas bochechas corarem. — Não que eu duvidasse do Greg, mas ele tende
a ser mentiroso, às vezes.
— Eu mal posso esperar para ver a cara da Caroline. — Claire diz,
rindo.
Me senti desconfortável com esse comentário, não por me importar,
mas por ter me esquecido dela. Não sei qual era o lance da Caroline com
Saint, mas desde que ele a deixou sozinha no shopping, eu nunca mais a vi.
— Meninas, está na hora de aproveitarmos à noite como se deve ser
aproveitada. — Valentina diz, mudando o rumo do assunto.
— Eu preciso de uma tequila e das boas. — Chloé diz, animada.
Nos sentamos à mesa de sempre, e entre rodadas e mais rodadas de
bebidas. Os meninos se juntaram a nós. Saint escorregou para a cadeira ao
meu lado e se sentou.
Eu já estava em um nível alto por conta das bebidas e jurava que
havia dois Saint na minha frente.
— O que foi? Você parece a ponto de vomitar. — Ele diz, se
segurando para não rir.
— É a reação que você causa em mim toda vez que se aproxima —
provoco e ele joga a cabeça para trás rindo.
— Você fica hilária quando bebe.
Saint pega a garrafa de cerveja na minha mão e a vira de uma vez na
boca.
— Você estava precisando de uma bebida — pontuo.
— Acho que não tanto quanto vocês. — Ele diz, ao olhar para a
quantidade de copos e garrafas vazias na mesa.
— O Greg me irritou e eu precisava beber para espairecer.
Não sei porque eu estava dizendo isso a ele, ele não havia me pedido
uma explicação ou um motivo para estar bebendo. Ele só tinha feito uma
observação.
— O que aquele imbecil fez? — Saint vociferou.
— Ele me beijou e insinuou que eu fosse...
— Que você fosse? — Ele indaga, e eu estreito meu olhar para ele. —
Que desgraçado, eu vou ter uma conversa com ele.
Antes que Saint pudesse se levantar totalmente, eu o segurei com as
duas mãos o impedindo de sair do lugar.
— Eu já me resolvi com ele, você não tem que se preocupar com isso.
— Eu não quero você com ele, Noah. — Ele fala convicto. — Não me
importo que você fique com outros, mas me importo que fique com o Greg.
Senti uma pontada dentro de mim quando ele disse que não se
importava que eu ficasse com outros.
Por que eu me importava com as suas palavras se ele não me cobra e
me dá a liberdade que eu sempre quis? Por que eu queria que ele se
importasse com isso?
Merda, Saint, você me confunde.
— Então, eu posso beijar qualquer um nesse lugar desde que não seja
o Greg, que você não se importa? — indago, só para ter certeza e ele assente
confirmando.
Me levanto da cadeira e devagar saio do meu lugar, escolho um alvo e
caminho até a ele.
Eu estava congelado vendo Noah beijando um desconhecido.
— Oh, merda — rosno, batendo a garrafa de cerveja na mesa.
Sinto os olhares de todas na mesa em mim, mas logo os olhares são
direcionados para onde meu olhar está focado.
— É por esse motivo que você deve conhecer outras pessoas. —
Matthew diz.
Viro meu rosto para encará-lo.
— Eu estou falando sério, Saint, você se torna vulnerável e isso. —
Ele vira o rosto apontando na direção de Noah e volta a me olhar. — Não é
algo que você está sabendo lidar.
Eu não queria dar razão a Matthew, mas ele está certo. Se eu não
quero estragar a minha amizade com a Noah, eu tenho que parar de desejá-la
o tempo todo. Mesmo que isso signifique ter que me envolver com alguém.
— Você está certo, eu vou resolver esse problema.
Ele me olha com um olhar duvidoso, mas assente em silêncio.
— Mas antes, eu vou resolver aquele problema ali — informo,
fazendo menção com a cabeça para Noah, que ainda estava sendo engolida
por um beijo.
— Leve-a para casa, estou indo logo atrás de vocês. — Val diz.
— Se divirta, eu tomo conta disso — murmuro.
— Tem certeza? — Ela pergunta, mordendo o lábio em dúvida.
— Sim, você teve uma semana estressante. — Me levanto da mesa e
olho para Matthew. — Só cuida dela — peço, me referindo a Valentina.
— Eu sempre cuido...
— Poupe-me dos detalhes — digo, cortando-o. — Tchau, meninas.
Aceno, me despedindo de Chloé e Claire, que acenam de volta.
— Esqueceu de nós? — John aponta para si mesmo e Tyrone.
— Me poupe vocês também — ralho, os fazendo rir.
— Também amamos você.
Reviro meus olhos e marcho em direção a Noah, que ainda parecia
que ia ser engolida pela boca.
Toco em seu ombro assim que me aproximo, mas ela não se vira.
Pacientemente, toco mais uma vez e a chamo, ela se vira, mas não só ela. O
homem que estava praticamente a engolindo também se virou.
— Oi, Saint. — Ela fala, gritando. — Deixa eu te apresentar o, o...
Ela tentava encontrar em sua própria cabeça o nome dele, mas era
muito provável que ela ainda não sabia. Se no máximo ela disse um oi para
ele antes de atacá-lo, foi muito.
— Dean. — Ele por si próprio se apresenta.
Meus olhos caem para as suas mãos envolvidas na cintura de Noah,
tento não ser mais uma vez idiota por essa noite com ela e suspiro, antes de
começar a falar:
— Nós precisamos ir embora, agora — digo baixo, a última palavra
para que ela entenda que nós realmente precisamos ir.
— Mas você acabou de chegar. — O tal Dean, lamentou.
— Ele é a minha carona, então, eu realmente preciso ir. — Ela
informa a ele.
— Eu posso te deixar em casa, gata. — Ele tenta contestar, segurando
firme em torno da cintura dela, mas ela se afasta.
— Eu realmente preciso ir, minha mãe me ensinou a nunca pegar
caronas com desconhecidos. — Ela murmura, piscando um olho para ele e se
aproxima de mim. — Vamos?
Assinto concordando em silêncio.
— Você que veio me beijar e eu que sou um desconhecido? Estão
ouvindo isso pessoal? A vadiazinha do cantor não pega caronas com
estranhos. — Ele debocha, rindo com os amigos.
— Do que você a chamou? — rosno, dando um passo em sua direção.
Minha mandíbula aperta, eu estava com raiva pela péssima escolha de
Noah ao beijá-lo e estava com mais raiva ainda pelo o que ele havia acabado
de chamá-la.
— Saint, vamos embora.
Noah me puxa pelos braços tentando me afastar, mas as palavras
seguintes que saíssem da boca dele, seria a palavra final para o que eu faria.
— Ouça o que a vadia da sua namorada está falando, vai embora. —
Ele diz com desdém.
Ele se vira, me dando as costas e eu toco em seu ombro.
— Você ainda está a...
Não o deixo terminar de falar quando ele se vira novamente de frente
para mim, fecho meus punhos e o soco diretamente no nariz. Ele cambaleia
para trás e é amparado por um dos seus amigos. Quando se recompõe, ele
vem em minha direção e tenta acertar um soco em meu rosto, que pega de
raspão em minha bochecha.
— Pelo amor de Deus, alguém faça alguma coisa! — Noah grita,
quando eu acerto mais um soco nele.
Eu a ouvi gritar mais vezes que eu podia contar, quando Dean acertou
um soco em meu olho.
— Saint, chega. — Matthew diz, me segurando.
— Mas que diabos está acontecendo aqui? — Greg pergunta,
intercalando seu olhar para mim e para Dean sendo segurado pelo amigo.
— Nada — digo ríspido, me soltando dos braços relutantes de
Matthew.
— O funcionário desse estabelecimento costuma bater nos clientes e
sair impune? — Dean pergunta, levando a mão ao nariz ensanguentado.
— Saint... — Greg faz menção em começar a falar, mas eu o
interrompo.
— Eu não preciso da porcaria do dinheiro do seu pai, Greg, pelo
contrário. Vocês que precisam de nós para movimentar esse lugar.
— E o que isso quer dizer? — Ele questiona.
— Entenda como quiser, Gregório — olho para Noah, que está ao
lado de Valentina. — Vamos?
Um pouco contida, ela assente. Seguro em sua mão e a trago ainda
mais para perto de mim, assumo a sua frente quando ela começa a me puxar
em direção a saída do pub.
— Você está bem? — Ela pergunta, quando colocamos nossos pés do
lado de fora.
— Eu estou bem, não posso dizer o mesmo dele.
Ela se aproxima e delicadamente passa seus dedos em minha
bochecha, e o desliza até o meu olho.
Solto um grunhido baixo ao sentir seus dedos tocando a parte dolorida
do meu olho.
— Você não deveria ter feito isso, vamos para casa colocar gelo
nisso. — Ela diz, se afastando.
— Sua mãe deveria te ensinar a não beijar na boca de estranhos
também — comento, enquanto caminhávamos até o carro.
— Você disse que não se importa. — Ela retruca.
— E eu não me importo mesmo — afirmo, sem tanta certeza assim.
— Então estamos na mesma página, Saint. — Ela diz.
— Não, não estamos.
Destravo o alarme do carro e quando ela ameaça abrir a porta, eu
travo novamente.
— Por que não, Saint? — indaga.
— Porque eu não preciso ficar com alguém para provar alguma coisa
para você ou para mim mesmo, Noah! — exclamo.
Destravo o carro dessa vez a deixando entrar, e entro em seguida.
— Se você não se importa, deveria ter me deixado. Você sabe, carona
é o que menos me falta e eu tenho dinheiro para um táxi. — Ela diz, sem me
olhar.
— Você bebeu demais, Noah, não sabe o que está falando — digo,
ríspido e ligo o carro.
Foram longos minutos até chegarmos ao prédio, durante o caminho
ela adormeceu e eu precisei pegá-la no colo. Subi até o nosso andar em
silêncio, eu não iria conseguir abrir a porta com ela em meu colo e ter que
acordá-la era o que eu menos queria. As chances dela correr para o
apartamento da Valentina eram muitas agora, e eu não queria que ela fosse.
Eu queria que ela ficasse comigo.
— Noah. — A chamo, baixinho.
Ela remexe em meu colo, sua respiração é tão calma, quanto seu rosto
sereno enquanto dorme.
— Eu odeio você, Saint. — Ela murmura, de olhos fechados.
— Noah, acorda — chamo mais uma vez.
Passo meu nariz em sua bochecha e o arrasto até seu pescoço, Noah
cheira a perfume masculino. E não é ao meu perfume que ela está cheirando,
isso me frustra ao mesmo tempo que me enfurece.
— Noah, acorda!
Dessa vez chamo um pouco mais alto, e ela abre os olhos sonolenta.
— Você precisa ir — digo, com a voz firme e a coloco no chão.
— E o seu olho? — Ela pergunta, sonolenta.
— Eu posso cuidar disso, agora vá, Noah.
Eu podia ver a dúvida em seus olhos, entre ir e ficar, mas ela escolheu
ir quando caminhou até a porta. Esperei que ela entrasse, para entrar em meu
apartamento.
Em outras circunstâncias, eu não teria gostado da sua escolha, mas
nesse momento foi a escolha mais sensata que ela fez.
Sento no sofá e deito a cabeça para trás.
Eu nunca fui agressivo e nunca bati em alguém, aquele cara mereceu,
mas despertou em mim uma fúria que apesar do meu jeito, eu não conhecia.
Estava quase pegando no sono, quando ouvi o barulho de chaves na
porta e, em seguida, ela se abriu.
Forcei-me a abrir o olho, agora estava doendo. Muito mais do que
antes.
— Posso dormir aqui? — Matthew pergunta.
Dou de ombros e ele entende isso como um sim.
Ele faz seu caminho até a geladeira e pega duas cervejas, voltando
para a sala, ele se senta ao meu lado e me estende uma, em seguida bate com
a sua garrafa na minha.
— Ao que estamos brindando? — pergunto.
— A sua primeira briga e ao seu fracasso de tentar não se apaixonar
por Noah, e ao meu fracasso de tentar não matar o par da Valentina no teatro.
— Ele informa.
— Você é péssimo em não demonstrar ciúmes.
— Sou. — Ele confirma e vira a garrafa na boca, dando um gole na
cerveja. — Igual você é em relação a Noah.
— Eu...
— Saint, escute um conselho. — Ele diz e faz uma pausa para mais
uma vez virar a garrafa. — Se você gosta, você deve pegar e agarrar com
todas as forças ao invés de afastar, se é o que você quer, simplesmente pegue.
Mas não finja que não sente, não finja que não se importa e nem que está bem
com isso, porque você não está.
— Um dia ela irá embora da mesma forma que chegou, Matthew, ela
tem sonhos e sonhos tão grandes quanto os meus. Não daria certo.
— Arriscar às vezes é preciso, mesmo que isso signifique que no final
das contas alguém não saíra ileso disso.
— Eu sei — murmuro, sabendo que ele mais uma vez tem razão.
— A propósito, belo soco de direita. — Ele acrescenta.
Eu precisava dar um novo rumo para o bem da minha amizade com
Noah, mudanças e distâncias seriam necessárias se eu ainda a quisesse por
perto. Só espero que ela esteja de acordo com isso.
“Meu bem, não temos chance.
é triste, mas é verdade.”
TOO GOOD AT GOODBYES – SAM SMITH
FAZIA UNS DIAS QUE EU E SAINT NÃO TROCÁVAMOS
MUITAS PALAVRAS, além de um oi e algo sobre ensaios. Todos os dias
depois do meu expediente na livraria nós ensaiávamos. Era estranho a forma
que nós nos tratávamos desde aquela briga no bar, briga na qual foi decretado
o fim da banda tocando por lá. Eu me sentia culpada, a culpa foi minha e nós
dois sabíamos disso, embora no dia seguinte ele tenha dito que não.
Em um par de dias nós passamos de desconhecidos para íntimos e
agora, voltamos a ser desconhecidos outra vez. Saint estava distante e eu
também, ao invés de aproximá-lo, eu não fazia nada. Pelo menos ele ainda se
dedicava aos ensaios e estava indo muito bem.
— O que você faz aí parada olhando para o nada? — Valentina
indaga.
Viro meu rosto, desviando meu olhar da vista sem graça da sacada do
apartamento dela, para olhá-la.
— Nada — dou de ombros e me levanto da cadeira que eu estava
sentada. — Só estou esperando dar a hora do ensaio — informo.
— Ensaio? — Ela indaga, mas em seguida abre a boca e assente,
como se tivesse se lembrando de algo. — Mas Saint não tem um encontro?
Pisco meus olhos perplexa e me aproximo mais ainda dela.
— Saint tem um encontro? Como assim ele tem um encontro? Ele não
me disse nada — questiono.
— Bom, foi o que eu ouvi ele comentar com os meninos hoje. — Ela
responde.
— Ele pelo menos poderia ter me avisado — resmungo.
Valentina caminha até a cozinha e eu a sigo.
— O encontro dele pode ser com você, ele não é de desmarcar as
coisas, Noah.
Será? Balanço a cabeça negativamente. Não Noah, vocês não se falam
direito a dias.
— Valentina, o máximo que a gente tem se falado é um oi quando ele
abre a porta, fique à vontade em seguida e por último eu dito os passos e nós
dançamos. No final da noite, nós apenas damos boa noite um para o outro e
no dia seguinte o ciclo se repete.
— Sabe o que eu acho? — Ela pergunta.
Balanço a cabeça negando, eu queria e não queria saber o que ela
acha. Estamos falando da Valentina e sempre tem que temer o que sai da
boca dela
— Vá confrontá-lo. Vocês têm ensaio agora de qualquer forma,
apenas vá como se estivesse sabendo de nada e veja qual é a dele, e então, o
confronte se o encontro não for com você. Afinal, ele tinha algo marcado
com você antes.
— Você está certa.
— Eu sei que estou. — Ela diz, convencida. — Agora vá.
Reviro os olhos e saio da cozinha deixando Valentina a sós e
recitando falas sozinha. No caminho para a porta, pego a minha bolsa em
cima do sofá e respiro fundo, ao caminhar em direção à porta e abri-la.
Ao sair do apartamento encaro a porta de Saint e aperto a campainha.
Levou dois minutos para que ele abrisse a porta arrumado.
Sim, ele teria um encontro e pela sua expressão surpresa e olhar
culpado, não era comigo. E eu estava certa sobre isso.
— Nós tínhamos ensaio hoje? — Ele pergunta.
— Tínhamos? — indago áspera, o olhando dos pés à cabeça. — Se
você tem algo mais importante para fazer hoje deveria ter me avisado, sabe?
Século 21, tecnologias existem, como por exemplo, celular ou alguns passos
até a porta da frente.
— Noah, eu me esqueci, estava acostumado com a falta de ensaios
aos sábados por causa da banda. Me desculpa. — Ele se explica, parecendo
estar realmente arrependido.
— Tudo bem — murmuro, olhando para os meus pés. — Só me avise
na próxima vez em que tiver um encontro.
— Quem te disse que eu vou a um encontro?
Levanto a cabeça e o encaro, ele me olha à procura de resposta e eu
mordo meu lábio apreensiva por ter falado demais.
— Só supus, você está todo arrumado — minto, não quero envolver a
Val nisso.
Ele solta um suspiro e dá passagem para que eu entre em seu
apartamento.
— Você já está de saída e eu não vou entrar. Nós vemos, huh... —
paro para pensar, se ele não lembrou do ensaio hoje, provavelmente, não se
lembrou que amanhã apesar de ser domingo, também ensaiaríamos. —
Segunda depois das aulas — completo, e recuo dando um passo para trás.
— Noah, eu posso cancelar...
Sim, cancele! Meu consciente grita.
— Quê?! — exclamo e balanço a cabeça negando. — É sábado,
merecemos uma folga — desconverso e dou mais um passo para trás, até
estar próxima da porta do apartamento da Valentina.
— Você tem certeza? — Ele pergunta, franzindo a testa.
Balanço a cabeça que sim. Quando na verdade, queria dizer que não e
se eu abrisse a boca, seria exatamente um não que sairia dela.
Engulo o caroço que se formou em minha garganta e giro a maçaneta
da porta.
— Boa noite, Saint — digo baixo, e sem tirar os olhos dele eu abro a
porta e entro, sem lhe dar a chance de me desejar boa noite.
Fechei a porta sentindo meus olhos arderem em lágrimas, por que eu
estava sentindo vontade de chorar sem motivos?
Eu estava chateada por causa de Saint ter se esquecido do nosso
ensaio, mas não o culpo por isso.
Vou direto para o meu quarto e tranco a porta, em seguida tiro a
minha roupa e pego meu celular dentro da bolsa. Me deito na cama apenas de
roupa íntima mesmo e me cubro com a coberta.
Desbloqueio o celular e dentre mensagens de Saint se desculpando e
da Claire chamando para sair hoje, eu só respondo uma que é da minha mãe.
Mamãe: Vejo que nos veremos em breve, antes mesmo do festival!
Consegui um contrato de uma empresa de NY, daqui há duas semanas
eu terei uma reunião com o dono. Isso não é incrível?
Eu: Isso é muito mais que incrível, é excepcional, mamãe! Eu
estou empolgada e orgulhosa, mal posso esperar para vê-la, eu quero
muito um abraço seu. Estou morrendo de saudades.
Espero por uma resposta e quando vejo que ela não vem, eu desligo o
celular.
Apenas por uma noite, eu quero silenciar o mundo a minha volta. Eu
sabia em que pé Saint e eu estávamos, e sabia que o que eu estava sentindo
não tinha nada a ver com a falta do ensaio.

Eu estava sonhando e seja lá quem fosse a pessoa que estava batendo


abruptamente na minha porta no sonho, era insistente. Tão insistente que me
fez acordar.
Esfreguei meus olhos e os abri ao me sentar na cama, a escuridão
tomava meu quarto e não havia sons de batidas na porta.
— Sonho de merda — resmungo, voltando a me deitar.
Ouço novamente uma batida na porta e dessa vez eu não estava
sonhando, meus olhos estavam abertos e muito bem abertos encarando o
breu. Espero por mais uma batida na porta e ela vem, me fazendo me levantar
enrolada na coberta e caminhar em direção a ela.
Abro a porta e dou de cara com Saint.
— O que você faz aqui? Já viu que horas são? — pergunto baixo, e
sem acreditar que ele está aqui.
Que horas deve ser isso? Não importa. Ele não devia estar aqui.
— São duas da manhã e eu vim ver você. — Ele informa e passa pela
porta, entrando em meu quarto.
— Você me acordou e já me viu, agora pode dar o fora — retruco
mal-humorada.
Continuo de pé na porta e com ela aberta, esperando o senhor bom
senso sair.
— Eu não vou embora, não até você falar direito comigo. — Ele
insiste.
— Você vai embora sim! E eu estou falando direito com você e essa
aqui — digo, apontando para mim mesma. — Sou eu mal-humorada por ter
sido acordada, saia daqui, Saint — ordeno mais uma vez.
Ele não se move do lugar, ao invés disso, ele tira o tênis e deita na
cama, recostando-se na cabeceira.
— Venha aqui, Noah. — Ele diz, dando um tapinha no lado vazio da
cama.
— Você vai falar o que quer e depois vai embora? — pergunto e ele
assente concordando.
Fecho a porta e caminho de volta para a cama e me sento ao lado dele.
Saint liga a lanterna do celular e a aponta para o meu rosto.
— Apaga isso — resmungo, tapando meus olhos com as mãos.
A claridade diminui, ele havia colocado o celular embaixo do
travesseiro, deixando apenas uma pequena claridade, o suficiente para nos
vermos.
— Você está chateada? — Ele pergunta.
— Não... Quer dizer, sim — confesso.
— Chateada por eu ter ido a um encontro ou por ter esquecido do
ensaio?
— Por causa do ensaio.
O que não era tecnicamente uma mentira, eu estava chateada por
ambos, mas não tinha o direito sobre Saint para ficar chateada por ele sair
com outra.
— Huh — sinto o tom de desapontamento em sua voz e o encaro. —
Nós podemos compensar o ensaio, ensaiando amanhã. — Ele propõe.
— Não, tudo bem. Nós ensaiamos na segunda.
— Você tem certeza? — Ele indaga.
— Tenho — afirmo.
Ficamos em silêncio por longos minutos, eu ouvia claramente a
respiração descompassada de Saint e tinha certeza que ele ouvia a minha
também.
— Mas me conte do seu encontro, só não me diga que foi a Caroline
— digo, tentando puxar assunto.
— Caroline, Noah? Acho que ela é capaz de me matar se me ver, ela
ainda não me desculpou pelo o que fiz. — Ele diz, encolhendo os ombros. —
Foi com uma menina do Tinder.
O encaro incrédula.
— Tinder, Saint? Você está no Tinder? — exclamo alto demais, e ele
leva a mão até a minha boca a cobrindo e aproxima o rosto do meu.
Meu corpo estremece com a sua aproximação e eu temo que ele tenha
percebido isso.
— Shhh, não é para o prédio inteiro saber. — Ele resmunga e afasta a
mão da minha boca, e se recosta novamente na cabeceira da cama.
— D-desculpa — gaguejo, imóvel.
— Foi horrível, ela era chata e falava sobre as minhas roupas o tempo
todo. — Ele reclama, me fazendo rir.
Pelo menos a noite dele não foi tão boa assim.
— Do que você está rindo?
— De você no Tinder — minto.
Eu estava rindo por ele ter tido uma péssima noite, enquanto podia
estar ensaiando comigo.
— Eu sei que você está rindo por meu encontro ter sido péssimo, deve
estar achando bem feito e dizendo para si que minha noite teria sido melhor
com você.
Sorrio culpada e ele balança a cabeça rindo.
— E você está certa, minha noite teria sido melhor com você. Sempre
são. — Ele confessa, fazendo meu coração parar de bater.
Não leve essas palavras para o coração Noah, não leve.
— Então, ela era tão ruim assim? — desconverso.
— Mais chata que a Caroline. — Ele admite.
Passei os últimos trinta minutos o ouvindo contar todos os detalhes do
encontro, desde o início ao fim. Percebi então, que eu não me importaria que
ele tivesse outros encontros, desde que todos eles fossem ruins.
— Me dá o seu celular — peço e ele coloca o celular com a lanterna
ainda ligada em minha mão.
Viro meu corpo de frente para Saint, deixando a lanterna na direção
do seu rosto. Ele estende a mão na traseira do celular e tapa a lanterna.
— O que você está fazendo? — Ele pergunta curioso.
Abro o aplicativo do Tinder e olho as conversas existentes, abro uma
por uma até achar a que parecia ser mais chata ainda que a de hoje. Mando
uma mensagem para ela como se fosse Saint marcando um encontro, quando
termino de digitar, estendo o celular de volta para ele.
— Pronto, você tem um encontro marcado amanhã.
— Não quero mais encontros. — Ele diz, olhando para o celular. —
Você vai desmarcar isso.
Ele vira o celular na minha direção e me mostra a resposta da garota.
— Rápida ela, não? Um encontro ruim para compensar um mais ruim
ainda — digo, e percebendo qual era a minha intenção ele ri e digita algo em
seu celular.
Pouco mais das três da manhã, Saint resolveu ir embora e eu o levei
até a porta.
— Noah? — Ele me chama, antes que eu fechasse a porta.
— Sim? — encosto meu rosto na porta meio fechada e espero o que
ele tem pra falar.
— Eu senti falta disso. — Ele murmura.
— Eu também, Saint — murmuro de volta.
— Nos vemos amanhã para eu contar do meu péssimo encontro?
— Sim, nos vemos amanhã para que eu possa rir do seu péssimo
encontro — confirmo e ele abre um sorriso largo.
— Boa noite, bailarina. — Ele se despede.
— Chega de você por hoje, Saint. — Essa foi a minha forma de lhe
desejar boa noite e ele sabia disso no momento em que sorriu antes de abrir a
porta do seu apartamento.
Termino de fechar a porta, mas diferente da outra vez, eu a fechei
sorrindo.

Acordei um pouco tarde e a culpa era toda de Saint, já se passava das


duas da tarde quando eu saí do quarto. Eu havia tomado um banho para
acordar totalmente, mas no momento em que pisei na sala desejei não ter
saído do quarto.
— Até que fim apareceu — Claire, comemora batendo as mãos.
Caroline revira os olhos e resmunga algo baixinho, levando em troca
um sermão inaudível da Valentina.
— Eu tive uma péssima noite — minto, e caminho até elas.
— Você deve estar com fome, mas ainda bem que temos muitas
coisas para você provar aqui. — Valentina diz, apontando para a mesa de
centro da sala.
Há várias caixas abertas com docinhos, muffins e fatias de bolo.
— O que significa isso? — pergunto, pegando um muffin de
chocolate que eu estava de olho.
— A festa de aniversário da Claire e da Chloé no próximo final de
semana e nós estamos experimentando os doces para ver qual é melhor. —
Caroline explica, com uma voz irritante.
— E então? Gostou desse? — Claire pergunta, cheia de expectativas.
Dou uma mordida no muffin e fecho os olhos ao sentir o gosto
maravilhoso do chocolate invadindo a minha boca.
— Deus — gemi. — Eu poderia comer isso o resto da minha vida.
— Isso porque você não experimentou os outros. — Ela diz
empolgada.
Entre um bolo e outros doces que eu experimentava, sentia o olhar da
Caroline em mim.
— Chloé não devia estar participando disso também? — Eu pergunto,
tentando ignorar os olhares Caroline.
— Devia, mas minha mãe e a minha tia fizeram um drama. Minha
mãe disse que nós estávamos crescendo e deixando-a de lado em nossas
escolhas, minha tia disse que nos amamentou e que isso dá o direito de ela
participar disso também. Enfim, um drama que só. — Claire explica.
— Elas sabem chantagear — comento e ela ri.
— E como sabem, as duas têm uma lábia incomum. Mas o meu pai e
o meu tio são piores, acredite. — Ela diz, e eu balanço a cabeça rindo.
— Disso eu entendo, meu pai é assim. Sinto falta dos dramas dele, às
vezes — digo, com um sorriso no rosto.
— Se sentisse tanta falta assim dele, teria ido passar o feriado com
ele, ao invés de passar com a família dos outros — Caroline alfineta.
— Caroline. — Valentina a repreende.
— Não disse nenhuma mentira. — Ela diz, dando de ombros. — Mas
eu te entendo, Saint é bom, muito e disso você sabe. Não é, Noah? — Ela
sorri cínica.
— Sim, nossa, ele é muito bom — confirmo, vendo vermelho na
minha frente. — Mas acho que ele não acha o mesmo de você, já que ele
fugiu de você.
Seu sorriso morre, ela abre a boca para responder, mas Valentina a
interrompe.
— Caroline, o que eu falei com você sobre isso? A Noah é a minha
melhor amiga, ela mora nesse apartamento e o mínimo que você pode fazer é
respeitá-la, você não gosta dela? Tudo bem, nem nós gostamos tanto assim de
você e ainda assim você insiste em estar aqui sabendo disso. Então, ao menos
que você queira continuar sentada nesse sofá respeite a Noah.
— Uau, Valentina, eu te amo. — Claire diz, batendo a mão na da Val.
Caroline engole em seco e como se nada tivesse acontecido, ela pega
um docinho e coloca na boca.
O que ela ainda faz aqui depois de ouvir isso?
— Eu estou de saída — digo, me levantando.
— Ah, não, Noah. — Claire choraminga.
— Eu tenho umas coisas para resolver com Saint — minto e ouço
Caroline bufar.
— Huh, sei... resolver muitos beijos. — Claire provoca, me fazendo
rir.
— Quase isso — pisco para ela e como mais um muffin de chocolate
antes de sair.
Passo pela porta do apartamento de Saint bufando de raiva e vou
direto para o seu quarto, que está vazio e me deito na cama, deixando meu
corpo esticado e minha cabeça pendurada na ponta, ficando de cabeça para
baixo.
Fecho meus olhos na tentativa de dissipar toda a minha raiva, mas um
som vindo do banheiro ganha toda a minha atenção. Não era o barulho do
chuveiro que havia ganhado a minha atenção e sim a voz de Saint
cantarolando no banho.
Fechei os olhos e deixei a sua voz entrar em meus pensamentos, a voz
se cala e a minha raiva vai embora junto. A porta do banheiro se abre e Saint
sai do banheiro assobiando.
Eu ainda tinha meus olhos fechados e mexia meus pés no ritmo dos
seus assobios.
— Pensei que o chega de você por hoje, era válido. — Ele murmura.
Abro meus olhos e me perco em Saint enrolado com uma toalha em
sua cintura.
— Seu projeto de ficante está no meu apartamento — resmungo
contragosto.
— E deixe-me adivinhar, ela te irritou? — Ele questiona, passando as
mãos nos cabelos molhados.
— Sim! Argh, ela age como se eu tivesse a traído, nós nem éramos
amigas direito.
Na verdade, eu nem era colega dela. Mal nós falávamos.
— Então, por que se importa? — Ele quis saber.
— Eu não me importo, só saí para não dar na cara dela — confesso,
um pouco frustrada. — Acredita que ela disse que sabe o quão bom você é na
cama?
— Huh, o que mais ela disse? — Ele diz, convencido e em passos
lentos se aproxima.
Meu rosto está a poucos centímetros da sua perna e minha mão
formiga contra a minha vontade de puxar a ponta da tolha.
— Que você beija mal — minto, segurando o riso da sua careta.
— Está com ciúmes, bailarina? — Ele indaga.
Balanço a cabeça negando, Saint inclina seu corpo para frente e seus
lábios encostam na minha barriga à mostra pela blusa, meu corpo responde ao
seu chamado de imediato. E eu só consigo focar no quanto estou perto de
puxar a sua toalha.
— Não é ciúmes, apenas um fato — minto descaradamente.
Suas mãos arrastam minha blusa para baixo ou seria para cima? Seus
toques estão me deixando desnorteada a ponto de não saber nem mesmo
quem eu sou.
Meu corpo estremece, quando seus lábios percorrem pela minha
barriga em direção aos meus seios e quando ele chegou em meu rosto, ele
encostou seus lábios nos meus e se levantou.
Saint deu a volta pela cama e me puxou pelos pés, me encaixando em
seu corpo.
— Então, eu beijo mal? — Ele pergunta, aproximando seu rosto do
meu.
Balanço a cabeça assentindo e passo a língua em meus lábios secos.
Me beija, me beija, me beija.
— Então, por que está louca para me beijar?
A verdade era que nem eu mesma sabia. Eu só quero que ele me beije,
meus lábios sentem faltam dos dele.
— Podemos aperfeiçoar isso — argumento, querendo sentir seus
lábios.
— Huh, podemos? — Ele pergunta, com um leve sorriso no rosto.
— Podemos — sussurro, e deslizo minha mão até a sua nuca e
encosto meus lábios nos seus.
— Huh, chocolate. — Ele murmura, passando a língua nos meus
lábios e se afasta em seguida. — Tenho um compromisso. — Ele diz, indo
em direção ao closet.
Frustrada. Eu estava frustrada por ele não ter me beijado, eu sabia
que isso aconteceria depois do que aconteceu no bar.
— Compromisso? Agora? — indago.
— Aquele encontro que você marcou, a menina quer dar um passeio
na luz do dia. Deve ser daquelas que tem medo ou algo do tipo. Vou
encontrá-la no Central Park e depois iremos ao cinema, depois se ela quiser,
eu a levo para comer alguma coisa.
Seu rosto assume uma careta, enquanto meus olhos pairam surpresos
sobre ele. Ele tinha planos dessa vez, muitos deles aliás.
— Então, dessa vez vai ser um encontro mesmo? Tipo um homem e
uma mulher a luz do dia e andando como se fosse um casal?
— Tipo isso. Qual o problema?
Havia muitos, mas eu não queria admitir.
— Nenhum — dou de ombros. — Não esqueça o preservativo —
digo, me levantando da cama.
— Onde você vai?
— Para o meu apartamento, já que a minha companhia capaz de me
distrair para não matar Caroline tem um encontro marcado — brinco,
tentando não demonstrar o quanto isso me incomoda.
— Você sabe que pode ficar aqui até ela ir embora.
Balanço a cabeça negando.
— Uma hora ela vai ter que engolir a língua. Até mais, Santinho —
murmuro, me despedindo dele.
— Me liga se precisar de algo, bons sonhos, bailarina.
Porque ele me desejou bons sonhos se nem era de noite ainda? Eu
queria lhe desejar bom encontro, mas estaria sendo falsa e mentirosa se
dissesse isso.

Eu não consegui pregar os olhos durante a noite. A imagem de Saint


beijando outra me agoniava por dentro, eu estava a ponto de entrar em
combustão.
Eu estava com raiva por ele estar saindo com alguém e com ciúmes
pelo mesmo motivo.
Era duas da manhã e diferente da noite passada, ele não apareceu na
minha porta e isso era o que me deixava com mais raiva, porque ele disse que
estaria aqui para rirmos do péssimo encontro. Então o encontro estava sendo
ótimo, eu sabia que eu devia ter mandado mensagens para a morena que só
sabia mandar emojis, talvez ela fosse a chata de verdade.
Resolvi esperar por mais uma hora e para meu desapontamento, ele
não apareceu.
“E eu quero te mostrar, sim.
Eu vou correr pra você, pra você.”
CROSS MY HEART – MARINAS TRENCH

ASHLEY ERA LEGAL.


E se a intenção de Noah era mesmo marcar um péssimo encontro, ela
falhou miseravelmente nisso.
O primeiro encontro ocorreu melhor do que eu esperava, de início,
Ash falava pouco e eu menos ainda. Em nossa primeira volta pelo Central
Park só conversamos o essencial, na segunda volta ela me contou um pouco
sobre o que ela gostava de fazer, na terceira falei sobre mim e ela parecia
estar interessada em cada palavra que saía da minha boca. Na quarta volta,
descobri que tínhamos gostos em comum e na quinta e última volta, ela me
chamou para sair. Era um novo encontro em cima do encontro que Noah
havia marcado.
— Eu vim de carro e vejo que você também. — Ash diz, quando
chegamos até o local que eu havia estacionado meu carro.
— Acho que foi uma péssima ideia um de nós ter vindo de carro, não?
— retruco.
Ela sorri e balança a cabeça assentindo.
— Me siga, não acho que você vá saber o caminho para onde vamos e
você não tem cara de quem sai de Nova York para um lugar mais calmo. —
Ela comenta, mal sabendo que estava errada.
Phoenix era um lugar calmo e eu amo a calmaria que só encontro lá,
mas em outro ponto de vista, ela estava certa. Não saio de Nova York,
enquanto estou aqui.
— Para onde vamos? — pergunto, curioso.
— Você só vai saber se me seguir.
Com um sorriso no rosto, ela se afasta sem olhar para trás, o vento
joga seus cabelos escuros para o lado, enquanto ela caminha até o seu carro.
Destravo o alarme do meu carro e entro, espero Ashley manobrar o próprio
carro e passar em minha frente, para que eu possa sair do lugar em que eu
estava estacionado e segui-la.
Eu a segui até uma cidadezinha chamada Tarrytown, ficava há duas
horas de Nova York, mesmo prestes a escurecer o lugar transpirava a
calmaria. A placa indicava que estávamos há menos de dois quilômetros do
Blue Hill at Stone Barns, o nome e o aspecto do lugar já dizia tudo,
estávamos indo para uma fazenda.
Ashley entrou e estacionou o carro próximo a um celeiro, havia outros
carros estacionados ali também, o que me fez constatar que o lugar não era
tão deserto como eu imaginava. Após estacionar meu carro na vaga mais
próxima que eu havia encontrado, caminho até Ashley que estava encostada
em um carro próximo.
— Uma fazenda? — indago, sem esconder a minha surpresa.
— Sim, uma fazenda. — Ela confirma. — Você vai comer a melhor
batata doce frita do mundo, acompanhada de bacon e aqui tem um queijo de
fazendeiro defumado maravilhoso.
Ela estava empolgada, tão empolgada quanto Noah ficava em relação
a comida.
Noah, por que eu estava pensando nela mesmo? O objetivo é esquecer
os pensamentos que dominam a minha mente em relação a ela.
— Parece ser bom — digo, e a acompanho até a entrada da casa de
madeira.
— Parece? É muito bom! — Ela afirma.
Escolhemos uma cabine no fundo para nos sentarmos, Ash sentou em
minha frente e seus olhos se prenderam nos meus, me dando a chance de
admirá-la pela primeira vez agora. Ash tem franjas que cobrem a sua testa,
seus olhos verdes são intensos e curiosos enquanto me observa, ela sorri
timidamente ao notar que eu estou observando-a e isso a deixa ainda mais
bonita.
— Você está me deixando sem graça. — Ela murmura, encolhendo os
ombros.
— Desculpe, você é muito bonita, não deve se sentir envergonhada
por isso.
— O-obrigada. — Ela gagueja.
— Boa noite, Ash. — A garçonete a cumprimenta, com um sorriso
amistoso no rosto.
— Boa noite, Linda, é bom te ver!
Pelo visto ela vinha a esse lugar constantemente.
— Linda, eu e meu amigo Saint — Ash diz, gesticulando com as
mãos para mim. —, iremos querer o de sempre, por favor.
— Porção grande? — Ela pergunta e Ash assente, ela anota nossos
pedidos em seu bloco e antes de sair se vira para mim. — Seja bem-vindo à
5
Blue Hill at Stone Barns, espero que goste das nossas comidas farm-to-table .
Eu volto em instantes com o pedido de vocês.
— Obrigado, dizem que aqui tem a melhor batata doce frita — digo, e
ela sorri.
— Você não pode falar que é a melhor a menos que coma.
— É a melhor ao menos que coma. — Ash diz o final da frase junto
com ela, e as duas riem.
— Isso! — Linda exclama, batendo as mãos. — Volto logo.
Linda sai e Ash volta a sua atenção para mim.
— Você disse que tem uma banda, que tipo de música vocês cantam?
— Ela pergunta, curiosa.
— Indie Rock, pop, rock... Na verdade, cantamos de tudo um pouco,
desde Aerosmith, Guns N' Roses, Pearl Jam, Foo Fighters, à Imagine
Dragons e Coldplay — informo.
— Aerosmith, Guns? Está brincando, são as minhas bandas favoritas
no mundo todo! Me diga que você também gosta de Extreme e podemos
casar agora!
Sua espontaneidade me faz rir, as garotas nunca se interessavam pelo
o que tocávamos e sim pelo nosso posto na banda, John mesmo vive cercado
6
de groupies .
— Uma das melhores, não pode ficar para trás — confirmo, e ela me
dá um sorriso amplo.
— Sabia que eu tinha dado um match certo.
E pensar que eu não queria vir nesse encontro.
— O que você disse? — Ela pergunta, com a testa enrugada.
— Eu falei isso alto? — Ela balança a cabeça assentindo. — A minha
melhor amiga que marcou esse encontro com você, eu tive um péssimo e não
queria mais saber de encontros marcados pelo Tinder — explico.
— Então eu acho que a sua melhor amiga fez uma boa escolha, são
quase sete da noite e você ainda está aqui.
— Sim, ela fez uma ótima escolha — confirmo, com um meio sorriso
no rosto.
Para seu próprio azar, Noah infelizmente fez uma boa escolha.

Já se passava das dez quando decidimos ir embora, ambos estávamos


longe de casa e ainda tínhamos duas horas de estrada.
— E agora é a hora que nos despedimos. — Ela diz, e para em frente
ao seu carro.
— É, agora é a hora que nos despedimos — murmuro, ao me
aproximar dela e quebrar o espaço que havia entre nós.
Ash dá um passo para trás e bate com as costas no carro, dou mais um
passo à frente e agora nossos corpos estão grudados, ergo minha mão até seu
cabelo e enrolo um dedo em uma pequena mecha do seu cabelo cor de
chocolate.
— E agora é a hora que você me beija também.
Suas bochechas coram ao dizer isso, sorrio com a sua timidez,
provavelmente, essa é a primeira vez que ela pede para ser beijada.
— Bom, huh... Se você quiser me beijar é claro, não estou dizendo
que você tem que...
— Shh, Ash — sussurro, encostando meus lábios nos dela. — Eu
quero beijar você.
Solto a mecha do seu cabelo e guio minha mão até seu queixo e o
seguro, inclino meu rosto próximo ao dela. No segundo em que ela separa
seus lábios, minha língua toma sua boca e eu acolho o calor de um
beijo intenso, profundo e suave. Sua boca se move juntamente com a minha,
enquanto ela desliza sua mão pelas minhas costas até chegar em meus
cabelos. Afasto minha mão do seu queixo e deslizo até a sua cintura, onde a
minha outra mão está e a puxo contra mim.
Ash geme baixo e abre os olhos, no momento em que olho em seus
olhos verdes cheios de desejo, eu interrompo o beijo ao cair em si. Ela não é
Noah e eu a beijei como se fosse, porque eu queria que fosse Noah e não
Ash.
— Precisamos ir. — Ela murmura e eu assinto concordando, incapaz
de dizer qualquer coisa. — Nos falamos depois?
— Sim, nos falamos depois — afirmo, e ela sorri.
— Foi legal estar com você hoje, Saint. Não sei como funciona as
coisas com você, mas quando as pessoas curtem uma a outra, elas se
encontram mais vezes.
Penso antes de respondê-la, o que eu diria? Eu a convidaria para me
ver tocar se nós ainda tocássemos no Joe's, mas não tocamos lá desde a minha
briga e embora Joe e o Greg insistem para voltarmos, eu recuso. Agora eu
tenho o meu próprio bar, só falta uns ajustes e ele estará pronto.
— Está me convidando para outro encontro? — pergunto.
— Não, estou esperando que você faça isso. — Ela retruca, sorrindo
esperançosa.
Ela não é Noah, Saint. Repito mais uma vez em pensamento.
— Primeiro, preciso consultar a minha melhor amiga e saber quais
lugares indicados para te levar, eu não sou bom com essas coisas — admito.
— Eu acho que já gosto da sua melhor amiga.
E eu acho que ela já odeia você.
Eu acordei atrasado para as aulas e isso me custou o café da manhã
que sempre tomo com o Matthew na cafeteria perto de Juilliard. Isso me
deixou aéreo até o final das aulas.
— Parece que alguém perdeu as horas hoje. — Valentina provoca, ao
passar por mim no corredor.
Sua atenção estava nos papéis em sua mão e ainda assim, ela sabia
que era eu.
— Eu tive uma noite agitada — digo, dando de ombros.
— Agitada sexualmente ou agitada no sentido literal? — Ela pergunta
curiosa, deixando de dar atenção aos papéis para olhar para mim.
Reviro meus olhos, não sei porque eu ainda me surpreendo com ela.
— No sentido literal de legal, Valentina — resmungo. — Foi legal,
dirigi por duas horas até Tarrytown e passei horas sentado conversando, foi
diferente. Eu não fazia isso com ninguém a não ser com você e com...
— Comigo, eu sei. — Noah completa, atrás de mim e eu me viro para
olhá-la.
Ela está me ignorando e olhando diretamente para a Valentina.
— É, com você — confirmo, sentindo minha língua pesar.
— Legal. — Ela é curta e seca. Ainda olhando para a Valentina ela
diz. — Estou indo trabalhar, não espere por mim. Não sei que horas eu volto
hoje.
— Tudo bem, eu tenho ensaio da peça e eu estou a ponto de decorar
todas essas falas. — Valentina diz.
Aperto a alça da minha mochila com as mãos e tento buscar os olhos
de Noah que me evitam a todo custo.
O que eu fiz?
— Nós não temos ensaio hoje? — pergunto.
Pela primeira vez no dia, ela me olha.
— Tínhamos, hoje eu vou ensaiar umas coisas novas com a Claire e
repassar para ela o que eu tenho em mente para a apresentação do festival.
Espero que não se importe com isso. — Ela explica.
Ela já tinha se decidido sobre o que fazer, que diferença faria eu me
importar ou não?
— Você já escolheu por si só — digo, dando de ombros. — Eu vou
para a empresa do meu pai. Quer carona? — pergunto e ela nega com a
cabeça.
— Tudo bem, te vejo mais tarde, então? — pergunto.
— Sim, nos vemos mais tarde. Você é meu vizinho no fim das contas.
— Ela ralha, ignoro seu tom desagradável.
— Tchau, Val, você vai se sair bem no ensaio — digo, me despedindo
dela com um beijo na testa e caminho na direção do corredor que levava a
saída.

Eu não fui para a empresa, eu vim para o galpão que eu havia


comprado com a ajuda do meu pai. A empresa deu uma pausa em seus
últimos reparos e a finalização seria realizada assim que a mãe de Noah
viesse conhecer o prédio, sua visita está marcada para a semana que vem e
meu pai estará presente.
Ao entrar no galpão, vejo poucos homens trabalhando, não há muito o
que fazer. Agora só o que restava para finalizar era a iluminação, hoje mesmo
eu já teria a chave em mãos e poderia cuidar dos anúncios da inauguração
que será ainda essa semana.
Enquanto observo uns serventes pintando as paredes, me pego
pensando em Noah. Parecia que nós estávamos nos afastando mais ainda a
cada dia que passava, e a única coisa que ainda nos mantinha unidos é o
festival. Eu não queria que ela ouvisse o que eu disse sobre o meu encontro,
eu mal terminei de falar e ela chegou, seja lá o que ela tenha ouvido pode ter
sido interpretado de outra forma. Não quero que ela sinta como se eu
estivesse tentando substituí-la, e pelo tom da sua voz e a forma que ela disse
"comigo" soube que era isso que ela estava pensando.
Queria que Noah soubesse que eu não estou a substituindo, não
quando tudo que eu penso e quero a envolve.
— Senhor? — Quinn, o responsável pela obra me chama.
— Boa tarde, Quinn, como anda as coisas por aqui hoje?
É sempre a mesma pergunta que eu faço quase todos os dias e as suas
respostas sempre são um tour me mostrando cada detalhe novo.
— Fizemos a parede de pallet que você pediu e finalizamos a pintura
da parede preta atrás do palco e a que fica depois do bar. Também chegaram
as mercadorias que o senhor estava esperando, as caixas estão em seu
escritório como o senhor havia orientado. — Ele informa.
— Quinn, você me chamou de senhor duas vezes seguidas em menos
de um minuto, pare com isso — resmungo contragosto.
Odeio formalidades vindo de pessoas que eu tenho como família,
Quinn é conhecido do meu pai e há anos presta serviços para ele.
— Você é chato igual ao seu pai. — Ele retruca, dando de ombros. —
Tenho trabalhos a fazer, fique à vontade para me chamar.
— Obrigado, Quinn, você está fazendo muito mais do que eu
esperava.
— É só o meu trabalho.
Assinto concordando e o vejo se afastar, para instruir algo para dois
rapazes.
Antes de ir para a pequena sala no fundo do galpão, faço uma
inspeção nas novas pinturas. Quando achei esse galpão na semana passada e
enviei as fotos para o meu pai, ele disse que ninguém melhor do que Quinn
para transformar o lugar que antigamente era deplorável em um belo e
sofisticado pub. Eu estava satisfeito com o resultado que estava tendo, e olha
que ainda não foi finalizado e nem decorado.
Entro no escritório amontoado de caixas e pego a nota fiscal em cima
de uma das caixas para conferir as mercadorias. Dora de longe fez questão de
me ajudar na decoração, ela melhor do que ninguém conhecia os meus gostos
e não me surpreendo com a sua dedicação em me ajudar.
Com uma caneta em mãos, conto as dezesseis caixas que há dentro da
sala e após conferir no papel se a quantidade estava exata, pego a menor
caixa empilhada para abrir e conferir.
Após conferir caixa por caixa e desejar que Noah estivesse comigo,
me fez repensar no que estávamos fazendo e a que ponto nós estávamos
agora.
Durante a madrugada que eu estive em seu quarto, eu me peguei
desejando beijá-la diversas vezes, ignorei o fato que ela estava apenas de
roupa íntima enrolada na coberta e me segurei para que isso não acontecesse.
Batuco a caneta em cima da mesa e balanço a cabeça negativamente.
— Noah, Noah, o que você fez comigo? Você me faz perder a cabeça,
me faz voar — murmuro para mim mesmo.
Olho para a minha mão esquerda que ainda batia a caneta na mesa e
repito as palavras mentalmente e pego um papel.
Sem perder o ritmo das batidas da caneta, uso a minha mão livre para
pegar outra no porta canetas e deixo a minha inspiração fluir e se esvair pelos
meus dedos.
Meus dedos soltam a caneta e eu paro de bater com a outra, olho para
as letras colocadas nos papéis.
As letras eram claras, eu estava apaixonado por Noah Clark.
Tudo o que eu acreditava
Era que meninas como você não caíam de árvores
Feito uma pedra jogada em um lago
Como duas formas distintas que se encaixam
Eu combino com você
E eu acho que você combina comigo também

Eu só queria que de alguma forma, ela se apaixonasse por mim


também.
“Porque eu tenho muitos sentimentos por você.
Eu ajo como se eu não ligasse.”
IDFC – BLACKBEAR

NÃO CONSEGUI ME CONCENTRAR EM MEU EXPEDIENTE,


Eva precisou me explicar duas vezes como funcionaria uma tarde de
autógrafo na livraria esse final de semana.
Eu não tinha que trabalhar aos sábados, Eva me liberava todos eles, já
que seus netos gostavam da livraria e a ajudava, mas ainda assim, eu vinha.
Me rendia dinheiro extra e Flyn e Willow eram divertidos, Flyn tem dezesseis
anos e a sua irmã Willow tem dezoito. A pouca diferença de idade deles era
despercebida, principalmente, quando Flyn demonstrava ser mais maduro.
— Você tem certeza que está bem, Noah? — Eva pergunta.
Confusa pela sua pergunta, viro meu rosto para olhá-la.
— Você está a meia hora parada em frente à essa prateleira com esses
livros em mãos, está pouco falante e distante hoje. Está mesmo bem? — Ela
pergunta novamente.
— Estou — minto, ela me olha sem acreditar. — Só estou preocupada
em como eu vou embora com essa chuva — sorrio, tentando soar
convincente.
Estava chovendo muito lá fora e fazia tempo que eu não via chover
assim aqui, a última vez que vi uma chuva tão forte foi em Phoenix. Meu
sorriso some ao lembrar de Phoenix, e lá se foi a minha tentativa de soar
convincente.
Saint mais uma vez no dia dominava meus pensamentos. Ele era o
culpado por eu não conseguir me concentrar em nada hoje.
Eu não posso acreditar que ele teve a audácia de se sentir à vontade
com outra pessoa que não seja eu e a Valentina. E ele reconhecer isso e dizer
em voz alta que fez com outra coisas que ninguém além de mim e Valentina
conseguia tirar dele me magoou de alguma forma.
Saint não conversava mais comigo, mas conversava com outras.
— Você está com esse olhar de novo. — Eva murmura ao meu lado.
Ela pega os livros das minhas mãos e coloca uma nota de cinquenta dólares
em meu avental. — Pegue um táxi a vá para casa descansar essa cabecinha,
Noah, ninguém vai sair embaixo dessa chuva para ir a uma livraria.
— Tudo bem — concordo, e antes de me afastar dela para pegar meus
pertences beijo a sua bochecha. — Obrigada, senhora Eva — agradeço.
— Volte amanhã sorrindo, querida. — Ela diz,
— Pode deixar!
Sorrindo, ela se vira para guardar os livros na estante.

Eu estava a tempo demais esperando por um táxi, todos que passavam


estavam cheios.
Suspiro desistindo de esperar por um e abraço a minha bolsa no meu
peito a protegendo da chuva, caminho pelas ruas de Nova York que graças a
chuva estava pouco movimentada.
O céu estava escurecendo rápido e não devia nem ser cinco horas
ainda, eu olhava para trás a cada minuto na esperança de um táxi vazio
passar. Eu ainda estava um pouco longe do apartamento e tenho certeza que
essa chuva me resultará em uma gripe.
Ouço uma buzina quando estava prestes a atravessar a rua, o carro de
Saint para ao meu lado. Diminuo meus passos, mas sem deixar de andar,
mais uma vez ele buzina e eu paro imóvel no lugar. Observo Saint sair do
carro batendo a porta e vir até a mim.
— Será que você pode sair dessa chuva e entrar no carro? — Ele
pergunta.
Ele estava bravo e isso estupidamente me fez sorrir, eu não tinha o
vislumbre de vê-lo bravo mais.
— Se você não vai entrar por bem, sinto muito, mas será por mal.
Sem esperar a minha resposta, ele segura firme em meu cotovelo e me
arrasta até o seu carro, pacientemente, ele abre a porta do carro para que eu
entre. Ele não se afastou até que eu me sentasse.
— Melhor assim. — Ele resmunga, prende o cinto em mim e, em
seguida, fecha a porta.
Por que ele estava agindo como se eu fosse fugir?
Saint entra no carro e liga o aquecedor, com a mandíbula cerrada ele
tinha a sua atenção nas ruas, enquanto fazia o caminho de casa.
— Por que você está assim? — indago.
— Por quê? Você preferia ficar na chuva, então? — Ele devolve a
minha pergunta com outra.
— Eu não ia recusar a carona, não nesse estado — gesticulo com as
mãos para minha roupas molhadas. — Só fiquei surpresa — confesso.
— Surpresa? — Ele indaga receoso. — Eu fiquei preocupado em
como você voltaria para casa nessa chuva, eu estava por perto e por que não
passar para buscar você?
Desde que a banda parou de tocar, Saint não ensaia mais e seu tempo
livre era totalmente dedicado a banda. Vez ou outra ele ia até o centro da
cidade verificar como ia a reforma do prédio que será a empresa do seu pai,
mas pelo o que eu soube de Valentina, houve uma pausa na reforma.
Então, onde ele estava quando diz que estava por perto? Com alguns
meninos da banda? Talvez, se eles também não estivessem trabalhando.
Encolho meus braços desconfortável por estar querendo saber mais do que
ele tem me contado. Na verdade, Saint não tem me contado mais nada.
Uma dúvida ascende em minha cabeça e eu viro meu rosto para o lado
esquerdo, e encaro seu perfil enquanto dirige.
— Mas eu não saio esse horário — digo, com um vinco formado em
minha testa e paro um segundo para pensar, olho para as horas no painel do
carro e volto a olhá-lo. — Sim, eu não saio esse horário, saio às cinco e são
três e meia — reafirmo, mais uma vez.
Não tinha como ele passar para me dar uma carona a essa hora,
quando sabe o horário que eu entro e saio da livraria.
— Mas está chovendo. — Ele argumenta, virando seu rosto
rapidamente para me olhar e desvia voltando a sua atenção para as ruas.
Continuei encarando-o, ele estava mentindo. Saint não olha nos olhos
quando mente e ele estava mentindo tão mal agora.
Ele solta um suspiro longo e novamente vira o rosto para me olhar.
— Eu estava há vinte minutos dentro do carro estacionado na
cafeteria esperando que desse seu horário, mas aí você saiu e decidiu vir
andando. Demorei ao fazer contorno por causa do trânsito, dificultando que
eu chegasse até você.
Meu olhar vacila com a sua confissão, viro meu rosto para a janela
para afastar nosso contato visual. A última coisa que eu quero a essa altura é
que ele perceba o quanto essas palavras me aqueceram de uma forma que me
fez me sentir acolhida.
E elas me aqueceram bem mais que o aquecedor.
— Obrigada — murmuro, sem saber o que mais deveria ser dito além
de um simples agradecimento.
— Você sabe, não foi grande coisa.
Mas ele sabia que tinha sido grande coisa, ele sempre sabia.

Após tomar um banho quente, vestir uma legging e uma blusa topper
justa, aqui estava eu no apartamento de Saint pronta para ensaiarmos.
— Eu pedi algo para comermos, a entrega vai demorar um pouco por
causa da chuva, espero que não se importe. — Ele diz, em um tom baixo
sentado ao meu lado.
Dou de ombros, não me importando tanto assim pela comida demorar.
— Posso te pedir uma coisa? — Ele pergunta, com um olhar sério.
— Depende do que você quer pedir — pondero, um tanto receosa pela
sua pergunta repentina.
— Dance para mim. — Ele pede, e eu estreito meu olhar com seu
pedido.
Eu dançava com ele e para ele, nós estamos há um mês ensaiando e
quase todos os dias ele me via dançando. Era um tanto estranho esse pedido.
— É sério, Noah, dance para mim. — Ele pede mais uma vez.
Ele não estava brincando, ele estava falando sério.
— Só se você tocar uma música para mim.
Como se estivesse achando a minha condição fácil, ele pega o celular
e antes mesmo de desbloqueá-lo eu o tomo da sua mão.
— Ei. — Ele resmunga.
— Eu disse para você tocar e não colocar uma música. Toque para
mim, que eu danço para você.
— Tudo bem. — Ele diz, deixando os ombros caírem. — Eu tenho
trabalhado em uma música. Na verdade, hoje que eu comecei a escrever a
letra, ela não está completa, apenas os acordes.
Olho surpresa para ele e sorrio, ansiosa por ouvi-lo tocar algo
exclusivamente seu.
— Eu ando com um bloqueio terrível ultimamente.
— Saint, apenas toque para mim — peço, insistentemente dessa vez.
— Tudo bem. — Ele diz, se levantando do sofá.
Eu aproveito para admirá-lo em sua calça moletom cinza, seu
abdômen desnudo e o contemplo de costas quando ele se vira e caminha para
o quarto.
Saint volta para a sala com o violão em mãos e senta ao meu lado
novamente.
— Sua parte, bailarina. — Ele diz, apontando para o meio da sala
vazia.
Nós arrastamos todos os móveis da sala para dançarmos, tem sido
assim desde que começamos a ensaiar aqui.
— Você não pode tocar primeiro? — pergunto, e ele nega com a
cabeça, apontando mais uma vez para o meio da sala.
Solto um suspiro frustrada, eu queria observá-lo enquanto tocava, eu
queria sentir à sua música. Minha ânsia por ouvi-lo tocar era tanta que
rapidamente me levantei do sofá e me posicionei no meio da sala.
Saint tem seu olhar fixo em mim, um meio sorriso permeava em seu
rosto e seu dedo desliza pelas cordas do violão. Os primeiros acordes da
música enchem o meu ouvido. A melodia é calma e serena, soava como uma
música romântica sem letra.
Concentro-me em meus pés e fecho os olhos, me deixo ser levada
pela sua música sem me preocupar com a intensidade do seu olhar em mim.
Mesmo com os olhos fechados enquanto dançava, eu podia sentir os
olhos de Saint em mim e em cada passo meu.
Não importava se eu tivesse de olhos fechados ou a milhas de
distância, eu sempre sentiria a intensidade dos olhares de Saint, enquanto eu
fosse seu foco. E hoje eu daria o melhor de mim para ser o seu foco pelo
resto da noite.
Ela dançava e parecia que estava flutuando, seus passos eram leves e
ao mesmo tempo tão firmes.
Meus olhos não se perderam por um segundo que fosse enquanto
tocava para ela dançar, seus pés a faziam voar alto.
Voar alto.
Paro de tocar o violão e pego meu celular ao meu lado no sofá,
escrevo mais duas estrofes para a música que comecei a escrever mais cedo e
volto a olhar para Noah, que para de dançar no mesmo segundo em que seus
olhos encontram os meus.
— Agora eu posso pedir uma coisa? — Ela pergunta.
— Você sabe que sim — murmuro.
— Você pode me ensinar a tocar violão?
Sua pergunta me surpreende, e eu bato no espaço ao meu lado para
que ela se sente. Um pouco contida, ela se senta ao meu lado e eu coloco o
violão em seu colo.
— Os números correspondem as casas do braço do violão que deve
ser apertada, você pode tocar na sexta corda — explico e passo seu dedo na
corda mais grossa, um som grave sai do violão e deslizo seu dedo para a
corda mais fina que emite um som agudo. — Ou nessa, é a primeira corda.
— Isso aqui que é o traste? — Ela pergunta apontando para o
ferrinho.
— Sim, seu dedo sempre tem que estar pressionando ele, não precisa
ser forte como você está apertando — digo, soltando um riso baixo.
Posiciono seu dedo corretamente em cima do traste e a olho.
— Quanto mais próximo do traste seu dedo estiver, mais fácil e com
melhor som a nota vai sair.
— Acho que entendi, deixa eu repetir tudo para ver se eu aprendi. —
Ela diz, e sozinha posiciona o dedo corretamente no violão e dedilha a ponta
do dedo na corda fina e em seguida na grossa. — E agora? — Ela pergunta.
— Vou pegar uma partitura fácil, só um segundo.
Me levanto do sofá e rapidamente vou até o meu quarto, pego a minha
pasta de partituras que costumo deixar em cima da escrivaninha. Ao voltar
para sala, observo Noah que continuava com os dedos imóveis nas cordas do
violão.
— Essa aqui é a mais fácil — digo, após tirar um papel de dentro da
pasta e colocar na mesa de centro a nossa frente.
— Posso tentar? — Ela pergunta.
— Quando estiver pronta, manda ver — incentivo-a e ela sorri.
Seus dedos deslizam pelas casas 2, 4, 5 e 4 novamente, era uma
pequena introdução a Billie Jean do Michael Jackson. É uma das partituras
mais fáceis para quem quer aprender a tocar violão.
— Assim? — Ela pergunta.
— Só um pouquinho mais para baixo — guio o dedo dela e mais uma
vez ela toca as notas, para que eu ouvisse. — Muito melhor, mais uma vez.
E por três vezes seguidas Noah repetiu as notas.
— Podemos tocar outra? Você toca primeiro, eu observo e depois
tento.
Balanço a cabeça negativamente e me aproximo mais dela, nossos
braços se encostam e eu sinto a sua pele se arrepiar só com esse contato.
Finjo não ter percebido e coloco o violão entre nós dois.
— Segura no traste — peço e ela faz.
Dedilho o dedo nas cordas e toco as notas da música que tenho em
mente.
— Otherside? — Ela pergunta e eu aceno, confirmando.
— Você consegue sentir as notas que eu toquei?
Sua boca torce em dúvida e ela olha para os meus dedos.
— Não sei, você é rápido. — Ela confessa.
Tiro o violão do nosso meio e o coloco em pé no chão recostado no
sofá. Pego meu celular e procuro a mesma música que eu estava tocando,
Otherside do Red Hot Chili Peppers.
— Fecha os olhos, bailarina. — Ela me olha confusa, mas fecha os
olhos. — Sinta o toque, ouça a batida e mentalize as notas — sussurro em seu
ouvido e dou play na música.
Ficamos em silêncio pelos 4 minutos em que a música tocou. Quando
o som cessou a respiração de Noah se tornou o único som audível.
— Isso é incrível. — Ela murmura. — Foi a nota 42 de início, não
foi?
— Sim, foi — confirmo, com um meio sorriso. — E depois?
— 42, 42, 42 e 32, 32. Não consegui me concentrar no resto quando
passei a prestar atenção na letra da música. — Ela confessa.
— Tudo bem, você foi uma boa aprendiz por hoje.
— Mesmo? — Sua sobrancelha se ergue em surpresa e ela sorri.
Aceno com a cabeça em confirmação e em um gesto inesperado, ela
joga seus braços em cima de mim e me envolve em um abraço. Aperto meus
braços em volta da sua cintura e inspiro o aroma do seu perfume, era tão bom
senti-la tão perto outra vez. Esse é o contato mais próximo que estamos tendo
desde aquela noite do bar.
Após perceber que estamos a tempo demais nos abraçando, ela
levanta a cabeça e me olha, seus braços ainda estão envolta do meu pescoço e
eu observo seu peito subir e descer, aceleradamente conforme a sua
respiração.
Eu preciso sanar de uma vez por todas as questões em minha cabeça.
Preciso saber se estamos na mesma página. Preciso saber se ela quer isso
tanto quanto eu e preciso saber se ela sente tanto quanto eu sinto.
Inclino meu rosto como se fosse beijá-la, mas ao invés disso, paro na
metade do caminho ao sentir sua respiração falhar.
Eu estou perdidamente apaixonado por você, bailarina.
Recuo a cabeça para trás e para minha surpresa, Noah se inclina
encostando sua boca na minha, ela fecha os olhos e em seguida, entreabre
meus lábios lentamente com os seus. A saudade do sabor dos seus lábios me
invade quando a sua língua busca pela minha, eu a abraço e a coloco sentada
em meu colo. Acaricio seu cabelo enquanto retribuo o beijo com mais
intensidade, e com duas coisas que mais sinto nesse momento: saudade e
necessidade.
Parece que não nos beijávamos há anos, mas foram apenas duas
semanas, sem sentir o toque dos seus lábios, o sabor do seu beijo e essa
sensação que as mãos quentes dela causam em meu pescoço agora. Fecho
meus olhos ao seu toque e movo minhas mãos pelas suas costas, a pele dela é
tão macia, seus lábios tão perfeitos, ela parece tão minha. A forma que seu
corpo reage ao meu toque é única, nós somos únicos juntos.
Eu acho que ela gosta de mim também.
Não sei quanto tempo passamos nos beijando, só sei que me
arrependo de não tê-la amarrada a mim, quando sua boca abandona a minha.
Abro meus olhos e observo seu rosto corado e um brilho diferente em
seus olhos azuis. Seus lábios estão inchados e eu os toco novamente com os
meus, beijo seu lábio inferior lentamente, em seguida beijo o lábio superior e
arrasto minha boca para o lado e beijo a sua bochecha corada.
— Noah... — murmuro fracamente.
— Sim?
Seu tom era tão baixo quanto o meu, eu não sabia se a essa altura eu
ainda podia pedir alguma coisa a ela, mas arriscaria.
— Não faça nada na quarta-feira, tenho planos para nós.
— Nós? — Ela indaga.
— Sim — confirmo com um aceno.
Ela prende o lábio inferior entre os dentes e me encara curiosa.
— Posso saber o que é pelo menos? — Ela pergunta.
— É surpresa, mas acho que você vai gostar. — Eu garanto.
— Ok.
Ficamos em silêncio encarando um ao outro por incontáveis minutos,
até que ela se recompôs e se levantou. Agindo como se nada tivesse
acontecido, ela colocou uma música para tocar e me estendeu a mão.
Segurei em sua mão, disposto a desfrutar desse contato de tê-la por
perto enquanto dançamos. Mas nada, vejamos bem, nada. Se compara a tê-la
da forma que eu tive a minutos atrás.
Eu acho que eu a completo também.
“Nós temos esse amor, do tipo maluco.
Eu sou dele e ele é meu.”
HIM & I – G-EAZY FEAT. HALSEY
FOI APENAS UM BEIJO, UM INOCENTE E ADORÁVEL BEIJO.
A quem eu estava querendo enganar? Foi muito mais do que um beijo
e eu quero muito mais desses beijos.
— Noah, como anda seus preparativos para o ensaio? — Louise, a
professora de dança pergunta.
Eu estava sentada no chão amadeirado da sala de dança, poucas
meninas iriam participar do festival. Nem todas tinham interesse no dinheiro
e muito menos na bolsa de estudos, a única pessoa que se importa e não tem
tantas condições aqui sou eu.
— No início não estava sendo fácil, mas agora...
Como dizer em voz alta que com o passar dos dias Saint tornou tudo
mais fácil?
— Mas agora? — Ela indaga.
Pelo canto do olho, observo Claire dar um risinho baixo. Eu reviraria
meus olhos para ela se a atenção de todas as meninas não estivesse em mim.
— Agora Saint e eu aprendemos a lidar com nossas diferenças,
aprendemos um com o outro e quando um cai o outro ajuda a levantar. Nós
nos ajudamos e isso é tudo — confesso, tentando ser mais breve possível.
— Aceitar as diferenças e somar juntos, isso é um grande avanço para
duas pessoas que possuem princípios diferentes. Mal posso esperar para vê-
los se apresentar.
E nem eu.
Assistimos um documentário sobre repertórios, era fantástico os
temas de cada um deles. Não que eu já não tivesse visto todos, mas todas as
vezes que eu vi algum, eu me sentia vendo pela primeira vez.
Dança é tudo que eu sou. É tudo que eu amo. Não importa quantas
vezes eu visse esses documentários, eu sempre iria suspirar e amar como se
fosse a primeira vez.
Eu era a única pessoa restante na sala após Louise dispensar todas, eu
fiquei sentada refletindo no que poderíamos dançar no festival. Se eu dissesse
Lago dos Cisnes, Saint certamente surtaria, o motivo pelo qual ele surtaria, é
bem claro: ele não suporta mais assistir ao Lago dos Cisnes. E foram só duas
vezes.
Após juntar as minhas coisas e abrir a porta, levo um susto ao me
deparar com ele encostado na parede ao lado da porta.
Saint estava me esperando e fazia muito tempo que ele não me
esperava depois de uma aula ou outra. Nem mesmo quando tínhamos a
mesma aula, o que era raro, pois só tínhamos música clássica juntos.
— Tem aula de que agora? — Ele pergunta, e se põe a andar ao meu
lado.
— Palestra sobre empreendimentos — respondo.
Saint revira os olhos e me encara. Pela cara dele não deve ser nada
legal.
— Boa sorte então, essa palestra é um saco.
— Do que se trata?
— Coisas que você deve pensar enquanto está aqui e o que você vai
fazer quando sair daqui. Um pé no presente e outro no futuro, basicamente
isso. — Ele explica.
— Huh, interessante.
Na verdade, não parecia nada interessante.
Parecia que estávamos andando sobre cacos de vidros, cada passo que
eu dava eu queria que o auditório estivesse mais e mais distante, mas estava
há poucos metros de nós. Sinto que ele também queria prolongar nossos
passos, então me sinto bem por estarmos pisando em cacos juntos.
— O que vai fazer depois? — Ele para de andar, e se vira para mim.
— Trabalhar, pessoas trabalham — respondo, com um sorriso
sarcástico no rosto.
— Não me diga? — Ele ironiza, me fazendo rolar os olhos.
— Tchau, Saint. — Me despeço dele.
Dou um passo em direção ao auditório e antes de dar mais um passo,
Saint me puxa pelo cós da minha calça jeans.
— Quero te levar a um lugar depois do seu expediente. — Ele diz,
envolvendo seus braços em minha cintura.
E além de estarmos andando em cacos de vidro, parecia que
estávamos bem também.
— Onde iremos? — pergunto, curiosa.
— Você irá ver. — Ele diz, se inclinando para frente e encosta sua
boca em minha testa, pressionando seus lábios sobre ela. — Nos vemos mais
tarde, bailarina, eu busco você hoje.
— Não precisa...
Ele não me deu tempo de negar a sua carona, ele me deu as costas e
caminhou em direção ao corredor oposto. Eu não tinha outra saída a não ser ir
em direção ao auditório que me aguardava.
Ao passar pela porta e ver a quantidade mínima de pessoas que há
aqui, me arrependo de não ter dado ouvidos a Saint sobre essa palestra ser
chata. Há apenas sete pessoas contando comigo, sete.
Eu só queria poder sair daqui e voltar a andar sobre cacos de vidros
com ele de novo.

Quando passei pela porta da livraria, eu soube que o meu dia seria o
melhor de todos. Eu amava quando chegava mercadorias novas e isso
acontecia toda semana. Isso significa que há novos lançamentos e eu mal
posso esperar para saber o que tem dentro dessas caixas.
— Mercadorias novas? — pergunto, observando a quantidade de
caixas empilhadas no canto da loja.
— Sim, acabaram de chegar. Mas como eu tenho uma visita ao
médico, nós desempacotamos isso amanhã. — Eva informa.
Meu sorriso morre e torço meu lábio não satisfeita com a sua resposta.
— A senhora tem certeza? — tento mais uma vez.
— Noah, não invente. — Ela me repreende, com um sorriso no rosto.
— Só cuide da loja.
— Tudo bem.
Não contesto, nós duas sabemos que eu farei.
Geralmente a maioria dos livros ficam nas prateleiras altas da estante,
a senhora Eva não alcança e ultimamente ela tem feito muito esforço.
Segundo seu filho, ela não pode estar fazendo muito esforço, não deveria
nem mesmo estar trabalhando. O médico recomendou repouso absoluto por
causa da sua pressão alta, mas ela é teimosa.
Espero ela sair e abro uma das caixas. Péssima escolha de caixa, só há
almanaques nessa e eu fico entediada só de vê-los.
Guardo todos os livros que ficam nas partes baixas e deixo por último
os livros que ficam no alto.
Lá fora a chuva começa a cair, me deixando a mercê do meu medo de
trovoadas.
Aproveito que não está tendo movimento na loja por causa da chuva,
pego meu celular e o fone de ouvido no bolso do meu avental. A música iria
me distrair do som das trovoadas.
Em pouco minutos, de seis caixas, três estavam vazias. Uma das três
restantes ocupava os livros que ficavam no alto e outras duas tinha
lançamentos de romances e autoras best sellers. Solto um gritinho empolgada
ao pegar um dos livros em mãos, o título se chama é assim que acaba, e a
sinopse me chama atenção de imediato. Separo um para mim, colocando-o
em cima do balcão e começo a organizar os demais livros na prateleira.
Penso se seria uma boa ideia colocar alguns livros novos na vitrine
para chamar atenção, Eva sempre faz isso e acho que não há mal algum em
fazer o mesmo. Empilho os quatros livros em meus braços e caminho em
direção a vitrine.
Coloco um por um em pé na estante de vidro da vitrine e ao levantar
meu rosto para olhar através da vidro que dava com direção para a cafeteria,
meu olhar recaí para duas pessoas sentadas na mesa ao lado de fora.
Em específico, Saint e uma garota. Essa garota não era Valentina,
muito menos eu. Eu reconhecia aquela garota da foto, ela era ninguém menos
que o seu encontro do Tinder.
Eu não sabia em que pés nós estávamos agora, mas com certeza não
era mais em cacos que nós estávamos andando.
Eu não podia ir afundo com Noah, quando havia outra garota na
expectativa que eu ligasse para um segundo encontro. Eu não posso fazer isso
com Ash e eu não posso fazer isso com Noah.
Quando as aulas terminaram, eu passei no galpão onde Tyrone estava
fazendo entrevista com algumas pessoas. Nós precisaríamos de baristas,
cozinheiras e garçons, Tyrone é bem crítico em relação a isso, ele odeia ir a
lugares onde os empregados destratam os clientes só com o olhar. Por isso,
ele é a pessoa indicada para estar fazendo isso, ele olha para a alma das
pessoas e não para o que elas trazem no currículo. De todos os meninos da
banda, ele era o único que sabia o que eu estava fazendo e estava tão
empolgado quanto eu.
Depois que me certifiquei que estava tudo em ordem, eu o deixei
prosseguir com as entrevistas. Eu tinha um novo encontro marcado com Ash,
mas dessa vez não era para continuar seja lá o que tenha começado entre nós
no primeiro encontro. Era para finalizá-lo.
Marquei com Ash na cafeteria perto da livraria onde Noah trabalha,
ficaria perto para buscá-la já que mais uma vez estava chovendo.
E aqui estávamos nós, nos encarando sem tocar em nossos pedidos
que havia acabado de chegar. Eu não sabia como fazer isso, nunca precisei
fazer isso, afinal, nunca estive em algo sério com alguém e mesmo que isso
aqui não seja algo sério, sinto que devo uma explicação para Ash por não
querer mais sair com ela.
— Estamos aqui há meia hora e você não falou nada. — Ela comenta,
me observando.
— Tem uma garota — hesito, e a observo antes de continuar, eu tenho
a sua atenção e ela parece interessada, então prossigo.
— Essa garota desperta o melhor de mim, ela é a minha melhor
amiga. Eu a amo, Ash, e acho que ela me ama também, eu não posso
continuar com esses encontros quando meus pensamentos e sentimentos estão
direcionados à outras pessoas. Você é uma garota legal e em outras
circunstâncias eu adoraria sair por horas da cidade só para comer em uma
fazenda com você, mas agora eu estaria sendo desleal comigo mesmo.
Espero por alguma reação negativa dela, mas ao invés disso, ela sorri,
apoia os cotovelos na mesa e inclina seu rosto em minha direção.
— Por que você está dizendo isso para mim e não para ela, Saint?
Tinder não é só para relacionamentos, sabe disso? É para conhecer pessoas e
fazer novas amizades também, então considere isso como um conselho de
uma nova amiga: vá atrás dela e descubra se ela o ama também.
Viro meu rosto na direção da livraria tentado a me levantar e ir até
Noah, mas ainda não era a hora certa para isso. Eu teria o resto do dia para
fazer isso.
— É complicado — confesso.
Ash me olha curiosa e aqui estava eu, prestes a desabafar sobre meu
complicado relacionamento com Noah, para a garota que eu beijei dias atrás.

O sino soou quando eu passei pela porta da livraria, Noah estava em


pé atrás do balcão do caixa concentrada lendo um livro.
Me aproximei em passos lentos e fechei o livro, deixando um dedo no
meio dele fechado para não perder a página que ela estava lendo.
— Droga, Saint! Eu estava lendo. — Ela resmunga irritada e desliza o
livro do balcão.
Ela sabia que meu dedo estava marcando a página que ela estava
lendo, se afastou o livro, ela deve ter marcado a página. Porque se tem uma
coisa que Noah sabia, essa coisa era que era eu passando pela porta.
— Huh, ela tá bravinha — zombo e ela me encara séria. — O que foi?
— indago, ao notar que seu humor está tão azedo como eu nunca vi antes.
— O que foi, Saint? O que foi? — Ela exclama e bate com o livro no
balcão.
Seu olhar se estreita para mim e eu pego o livro em cima do balcão e
recuo com um passo para trás. Não duvido que o próximo passo dela seria
arremessar o livro em mim, talvez ela já estivesse calculando isso antes
mesmo que eu chegasse.
— Noah, calma — murmuro baixo, a olhando nos olhos. — Você está
bem? Quer chocolate?
Continuo mantendo meu olhar nela, tentando me certificar que está
tudo bem.
— Você não pode fazer isso, Saint. Você não pode! — Ela grita e dá a
volta no balcão. — Você não pode me beijar em um dia e no outro agir como
se nada tivesse acontecido e ter encontro com outras. Você não pode agir
como se eu não me importasse.
Engulo em seco sem saber o que dizer, ela se aproxima e pega o livro
da minha mão, sua força para puxá-lo me faz tropeçar para trás.
— Eu não faço isso com você, Noah, jamais faria algo para te magoar
— confesso.
— Eu acho melhor você ir embora ou voltar para o seu encontro. —
Ela diz baixo, e se afasta indo para outro corredor.
Sigo atrás dela, mas ela se vira e estica o braço em minha direção,
espalma sua mão sobre meu peito me parando.
— Chega, Saint, chega de você por hoje. E dessa vez, o meu chega de
você é sério. — Ela solta um suspiro longo ao fazer uma pausa a procura de
palavras. — Nós somos amigos e você não pode mais fazer isso que tem
feito, somos amigos hoje, amanhã e depois. Então pare de me beijar, pare de
vir me buscar no trabalho! Nós sempre seremos amigos.
Nós sempre seremos amigos.
Sua palavra se repete na minha cabeça. Balanço a cabeça a afastando
e dou passos para trás, me afastando dela. A essa altura, pouco me importava
a chuva lá fora, eu não deveria nem mesmo ter vindo aqui.
— Nós sempre seremos amigos, Noah — confirmo, sentindo minha
boca amargar. — Como você quiser, bailarina.
Minha voz sai mais seca do que eu esperava que saísse, sem lhe dar a
chance de uma resposta e se é que ela fosse responder, saio da livraria e vou
em busca de toda sabedoria que eu preciso para lidar com essa situação.

— Saint, o que faz você faz aqui essa hora? — Tio Paul pergunta,
logo após a secretária autorizar a minha entrada em sua sala.
— Você tem tempo para uma conversa de pseudo pai e pseudo filho?
Sua sobrancelha se ergue, ele larga os papéis que segura em cima da
mesa e me olha por cima dos óculos.
— Mulheres, tem que ter uma mulher. — Ele pontua.
Meus ombros caem e caminho em direção a sua mesa, e me sento na
cadeira à sua frente.
— Deixe-me adivinhar, loira, olhos azuis e dança com uma leveza de
uma pena.
Tio Paul coçava seu queixo barbudo, enquanto me encarava. Ele
lembrava o meu avô quando fazia isso, acho que seja por isso que eu me sinto
à vontade em me abrir com ele.
— Ela está me deixando louco! — exclamo. — Uma hora ela parece
se importar, outra hora ela me coloca para fora e não se importa mais —
desabafo.
Tirando os óculos, ele se inclina para frente e debruça os cotovelos na
mesa. Seu olhar se estreita, me fazendo engolir em seco.
— Eu achei que vocês já fossem um casal. Vocês jovens são
estranhos, na minha época...
— Tio Paul, francamente eu não vim aqui para ouvir o senhor
contando pela quinquagésima vez como eram as coisas na sua época. Faça o
seu papel de co-melhor amigo, eu vou ouvir, e em seguida, vou embora —
peço.
Resmungando baixo, ele limpa a garganta e me analisa, me fazendo
temer o que estivesse por vir.
— Na minha época... — começou ele, me fazendo bufar. — É sério,
Saint, na minha época se uma mulher faz isso é porque ela está esperando
uma atitude do homem. Ela espera que você reaja para reagir também, mas o
ponto aqui não é esse.
— Não? — indago, erguendo minha sobrancelha.
Ele volta a se recostar na cadeira, que balança um pouco para frente e
cruza os dedos da mão na outra.
— Vejamos, você já escreveu sobre ela? — balanço a cabeça
assentindo e me perguntando como ele adivinhou isso. — Esse é o ponto,
saber o quão apaixonado você está. Se a música é a sua vida, você jamais
estragaria algo que ama compondo músicas para uma mulher, você pode
escrever sobre mãe, avós, tias, primas... Mas nunca vai escrever uma música
para uma mulher sem haver sentimentos, as letras são tudo aquilo que vem de
dentro de nós, se não há sentimentos não existe motivo para haver música,
concorda? — Ele me questiona, erguendo uma de suas sobrancelhas.
— Touché, as vezes eu odeio o quanto você soa incrivelmente certo
— digo e ele sorri, aponto um dedo em sua direção e completo. — E odeio
esse sorriso convencido.
— Então você está compondo, interessante. Saint, apaixonado, estou
impressionado. — Ele assinala, com um sorriso divertido no rosto.
— Não sei porque eu ainda venho até você — resmungo.
— Porque você sabe que Matthew não é um bom conselheiro quando
se trata de você e mulheres, ele sempre acha que você vai se fechar para o
mundo como fazia após visitar a sua mãe, ele quer te proteger das mulheres
que não possam te amar. Não o culpo, como co-melhor amigo eu faria a
mesma coisa, mas é a Noah e você mudou, Saint. O abandono da sua mãe
biológica não reflete em quem você é hoje, nem mesmo Noah, você apenas
libertou um garotinho que queria ter uma mãe e passou a aceitar a mãe que
sempre foi sua.
Sua voz é domada por orgulho, engulo em seco, e em seguida, coço a
garganta para impedir que essa conversa se torne emotiva demais para nós
dois.
— Bom conselho, tio Paul, você deveria pensar na carreira online de
guru do amor — brinco, para descontrair.
— Quando eu me aposentar, eu penso nessa hipótese. — Ele entra na
brincadeira. — Como anda o seu próprio negócio?
Conto para ele todos os preparativos para a inauguração do bar
amanhã, sem deixar de fora detalhe por detalhe e como sempre Paul Rivers
não segura a língua, a sua empolgação foi tanta que acabou deixando escapar
que meus pais chegam hoje à noite.
Era de se imaginar que Dora iria querer participar da decoração, não
foi à toa que ela mesma comprou os objetos. Tenho certeza que ela tem
anotado detalhe por detalhe e onde vai ficar cada item.
— Seu rosto é bonito de se observar, me lembra quando eu e o seu pai
tínhamos a sua idade, mas eu tenho que voltar a trabalhar. — Ele diz, quando
terminamos de planejar ideias juntos para o show de amanhã.
Poucos sabiam, mas tio Paul era o nosso agente, não há quem entenda
de música melhor do que ele. E apesar de ele já ter se oferecido para nos
ajudar financeiramente e nos apresentar um produtor, eu não quis. Eu quero
conquistar tudo isso por mérito meu e não porque tenho um tio que possuí
contatos influentes.
— Não precisa me enxotar, eu já estava de saída — retruco.
Antes de me levantar, pego uma bala em seu baleiro que fica em cima
da mesa e caminho até a porta.
— Saint? — Ele me chama.
Viro meu rosto para olhá-lo por cima do ombro.
— Espere ela admitir que sente o mesmo, não se entregue antes dela.
Você merece isso, não só ela.
Balanço a cabeça assentindo e aceno com a mão, antes de sair de vez
da sua sala.
Eu só me pergunto se serei paciente para esperar que ela faça isso e
temo que quando ela fizer, as palavras não soem tão positivas assim.
“Porque eu não posso começar a ficar sem você.
Tenho uma fobia de te deixar ir.”
PHOBIA - HRVY

CLAIRE E CHLOÉ APARECERAM NA LIVRARIA QUASE NO


FINAL DO MEU EXPEDIENTE. Elas me distraíram e mantiveram meus
pensamentos afastados de Saint. Quando Eva chegou, Claire me ofereceu
uma carona, que no final das contas resultou em um sequestro até a casa
delas.
— Você já escolheu seu repertório? — Claire pergunta, sentada em
sua cama.
— Sim, tenho em mente La Sylphide.
— Huh, temos aqui uma romancista nata. — Ela diz, aparentando não
estar nem um pouco surpresa com a minha escolha. — E os trajes? É bom
irem vendo isso o quanto antes.
Olho para ela espantada. Eu havia esquecido, foquei tanto nos ensaios
e ensinar Saint que esqueci completamente desse detalhe.
Claire ri do meu espanto e relaxa os ombros. Ela aponta para uma foto
colada em seu mural de fotos. Me levanto da cama e me aproximo do mural
para observar melhor a foto, ato 2 de A Bela Adormecida, Claire estava
7
radiante em seu tutu italiano em um tom rosa claro.
— Nossa, você estava incrível — murmuro, passando o dedo na
fotografia.
— Lindo, né? Tia Amber que fez, ela tem umas mãos incríveis. Ela
pode desenhar a sua roupa e de Saint se vocês quiserem.
Viro-me de frente para Claire e balanço a cabeça negativamente.
— Não, não mesmo — digo relutante. — Sua tia é uma estilista de
grande nome e eu não posso arcar nem mesmo com o lápis que ela usa para
desenhar, imagina com um traje desses. É demais para mim, Clair.
Ela revira os olhos e bate na cama para que eu me sente.
— Mas não é demais para Saint, vocês estão competindo juntos e isso
é o mínimo que ele pode fazer. Ser equipe é isso, Noah, aposto que ele não
vai se importar com isso. — Ela diz, pegando o celular em mãos e digitando
rapidamente.
— Eu sei, mas eu não quero o dinheiro dele e nem que ele pague nada
para mim, Claire, ele já tem com quem gastar o seu dinheiro.
— Será mesmo? — Ela indaga, com um sorriso estranho no rosto.
Jogo meu corpo para trás e me deito na cama, encaro o teto em
silêncio. Claire continua em seu celular e eu só consigo pensar na reação de
Saint hoje.
— É você tem razão. — Claire murmura, deitando a cabeça do meu
lado, mas do lado contrário ao meu.
— No que eu tenho razão? — questiono a olhando confusa.
— Saint tem com quem gastar.
— Ah... — murmuro e volto a olhar para o teto.
O desapontamento em minha voz não passou despercebido por Claire,
que coça a garganta.
— Ele tem você, Noah.
Ela coloca seu celular em meu campo de visão e eu tento focar meus
olhos na mensagem.
Claire: Como assim vocês ainda não tem uma roupa para o
repertório do festival? Eu como tutora da Noah, acho isso um absurdo!
Saint: Nós ainda não paramos para pensar nisso. Alguma ideia,
cérebro?
Cérebro era a forma gentil de Saint chamá-la.
Claire: Nós temos, ela só não quer que você gaste seu dinheiro,
mas eu sei que você nada nas verdinhas :)
Saint: Nah, faça o que for necessário para termos as roupas.
Dinheiro é o menos para mim, diferente dela que é importante. Ela
deveria saber disso.
E eu sei disso.
Claire afasta seu celular do meu rosto e murmura:
— Ele gosta de você, Noah, quando eu digo gostar, não é como
amigos. Você deveria parar de fechar os olhos para isso.
— E se estragarmos tudo? Ele é o meu melhor amigo, Claire, é a
pessoa que enxerga a minha alma, ele é o mais próximo depois do meu avô
que eu tenho em minha vida.
Viro meu rosto para encará-la, ela olha para o teto e tem lágrimas em
seus olhos. Ela sabia o que era perder alguém que amamos, Claire também
perdeu o avô a pouco tempo.
— Às vezes as pessoas dificultam demais as coisas, Noah, eu adoraria
que você pudesse conhecer os meus tios. Meu avô costumava dizer que eles
são almas gêmeas, há pessoas que são destinadas umas às outras e que entram
em nossas vidas não só para suprir a falta de outra, mas com algum propósito.
Ela toma uma longa respiração e vira o rosto para me olhar.
— Você só precisa descobrir qual é o propósito de Saint em sua vida,
se não der certo, se levante e siga em frente. Um dia ele vai casar, ter filhos e
isso com outras, você não sabe se nesse futuro distante ainda vai estar
presente na vida dele. Nem todos têm a sorte que meus tios têm, entre tantas
separações eles ainda se reencontram um no outro. Mas você pode não ter a
mesma sorte que eles.
— Você está certa — murmuro, após passar minutos em silêncio
processando suas palavras.
Instantes depois, Chloé entrou no quarto com uma toalha enrolada na cabeça.
É impressionante o quanto ela e a irmã são tão parecidas, até hoje demoro a
diferenciar as duas quando estão no mesmo ambiente.
— Eu queria saber porque homens são tão complicados. — Ela
resmunga.
E eu queria saber porque Saint é complicado.
— Problemas no paraíso? — Claire pergunta.
— O mesmo de sempre, Vince vendo como problema ser dois anos
mais novo. Eu estou cansada disso, são dois anos e não dez. — Ela responde
irritada.
— É estranho ainda me acostumar com esse relacionamento de vocês,
é a mesma coisa que beijar nosso irmão.
— Mas nós não temos um irmão! — A outra exclama.
— Está vendo? Não temos, mas eu sinto como se todos eles fossem
nossos irmãos. É a mesma coisa que beijar o Syon. — Claire diz, fazendo
uma careta.
— Nós fomos criadas com o Syon, é diferente. — Chloé argumenta.
Limpo a garganta, trazendo a atenção delas para mim e me sento na
cama, para poder olhar melhor para as duas.
— Vocês não pediram a minha opinião, mas eu vou dar mesmo assim.
Chloé, se ele não sabe lidar com a diferença da idade de vocês, sinto muito
em te informar, mas ele não é o tipo de cara que mereça você. São apenas
números e se isso significa mais do que ele sente, sinto muito mais uma vez,
mas ele não é homem para você — concluo.
Claire se levanta batendo palmas e desfila pelo quarto.
— Noah, eu vou casar com você. — Ela diz, me fazendo rir.
Chloé tem sua boca retorcida, enquanto morde o lábio inferior.
— Desculpe-me por ser dura nas palavras, mas eu precisava te dizer o
que eu realmente acho — digo, me sentindo arrependida de ter aberto a boca.
— Não, Noah, você está certa e alguém de fora que não conhece
muito sobre nós dizer isso é tão importante quanto alguém que está dentro do
nosso círculo. — Ela murmura, cabisbaixa.
Concordo com um breve aceno com a cabeça e olho para Claire, que
faz sinal positivo e de ok, com a mão em minha direção.
— Como vai os preparativos para o seu aniversário? — pergunto,
mudando drasticamente de assunto.
— Se eu te contar a quantidade de pessoas que estão se encarregadas
disso, você nem vai acreditar. Nossa parte era só comer. — Chloé responde,
já com a voz voltando ao normal.
— Prefiro não perguntar — digo sincera.
Tenho certeza que há mais pessoas do que eu possa contar nos dedos
de uma mão se encarregando disso.
Um pouco mais das nove da noite, eu estava subindo a escada do meu
prédio. Ainda era estranho denominar o apartamento da Valentina como meu
também, mas eu já me sentia mais familiarizada com o ambiente em si.
A cada degrau que eu pisava sentia minha respiração falhar, maldita
hora que eu desisti de esperar o elevador e resolvi pegar a escada da saída de
emergência. Falta só mais um lance de escada, mas parece que quanto mais
perto eu chego, mais longe fica.
— Graças a Deus — murmuro, ao empurrar a porta da saída de
emergência com força.
Caminhei quase me arrastando até a porta, antes mesmo que eu
pudesse procurar pelas minhas chaves dentro da bolsa, eu pude ouvir sons de
risadas e um falatório. Ousei abrir e girar a maçaneta e a porta estava
realmente aberta, pela fresta que se abriu eu pude ouvir claramente a voz de
Saint.
— Já está tarde, Val, nós temos que dormir e ela precisa urgentemente
de um banho — dizia ele.
Era só o que me faltava, ele ter a cara de pau de trazer o encontro para
o meu apartamento.
Abro a porta olhando para o chão, decidida a passar despercebida pela
sala e evitar olhar para Saint, mas a minha curiosidade faz com que eu
levante a cabeça a tempo de me preparar para Loren, que vem correndo em
minha direção.
— Barbie! — Ela grita, e eu me abaixo um pouco para recebê-la. —
Eu estava esperando por você.
De repente, sinto-me arrependida de ter ficado esse tempo todo na
casa de Claire e Chloé para evitar Saint.
— É muito bom ver você, mocinha — digo, tocando a ponta do seu
nariz com o meu dedo.
Ela solta um risinho e se joga em meus braços. Eu a abraço e noto
Saint, nos observando com um meio sorriso no rosto.
— Eu posso dormir com você? Eba, eu sabia que você deixaria! —
Ela exclama, após responder por si mesma a pergunta que havia me feito. —
Viu, Saint, eu sabia que ela ia deixar.
— Não acho que ouvi ela responder algo. — Ele retruca.
Loren me soltou do seu aperto, me levantei e segurei em sua mão.
Fechei a porta do apartamento antes de caminhar até a sala.
— Ela pode dormir comigo se não for incômodo, amanhã não irei a
aula — digo, ao me aproximar.
— Você dormir com a Loren? — Valentina indaga. — Boa sorte, ao
menos que você seja uma pedra enquanto dorme. — Ela completa.
Repuxo meus lábios sem saber de fato se isso era algo bom ou ruim.
— Ela se mexe muito enquanto dorme, quando eu digo muito, é muito
mesmo. Tem certeza que ainda quer ficar com ela? — Saint pergunta.
Olho para Loren, que tem um olhar pidão no rosto e sorrio.
— Sim, Saint, você provavelmente tem aulas amanhã e eu estou
liberada. Ela vai ficar comigo.
Isso foi o suficiente para Loren subir em cima do sofá e pular com a
Valentina.
— Eu vou dormir com a Barbie, eu vou dormir com a Barbie. —
Loren graceja.
— Loren, pare já de pular no sofá. Você pode se machucar. — Saint a
repreende. — E você também, Valentina, parem as duas já.
— Para de ser chato e deixa a menina pular — resmungo. — Se
continuar reclamando, vai ter três pulando no sofá.
— Belas crianças vocês. — Ele ironiza.
— Você não estava de saída? — indago, sugestivamente.
Entendendo o que eu quis dizer, ele caminha até Loren e a pega no
colo. Observo-o se despedindo dela e sair pela porta, sem ao menos me
desejar boa noite.
Grande progresso, Saint, grande progresso.
— Vocês brigaram? — Val pergunta, em pé no sofá ao lado de Loren.
— Quem se importa? — retruco não querendo falar sobre isso agora e
solto a minha bolsa no chão para me juntar a elas no sofá. — Qual a graça ser
adulto e não poder ter atitudes de criança?
Seguro na mão de Loren, e dando um olhar cúmplice para Valentina,
começamos a pular no sofá.

Eu estava sentada no sofá da sala, com uma xícara de café em mãos,


são nem dez da manhã e faz meia hora que eu estava acordada. Loren
definitivamente era uma péssima companheira para se dormir, mas era um
anjinho enquanto dormia. Era meu dia de folga já que trabalharia nesse
sábado e ainda era quarta, mas eu me sentia vivendo em uma segunda-feira.
O dia mal tinha acabado de começar e estava chato, sem sentido e
tedioso. Queria que Loren acordasse para dar animação ao meu dia.
A campainha tocou, acordando-me dos meus devaneios. Deixo a
xícara de café em cima da mesa de centro da sala e me levanto para atender a
porta. Pelo olho mágico da porta, Paul estava parado diante da porta, era
estranho vê-lo sem roupa social ou formal, ele estava totalmente casual e à
vontade em sua camisa polo branca e em uma calça jeans escura.
— Bom dia, Noah. — Ele me cumprimenta, sorrindo.
— Bom dia, Paul. Que surpresa o senhor por aqui — digo, dando-lhe
passagem para passar.
— Eu estava por perto e resolvi fazer uma visita para as minhas
meninas. Soube que a Loren está aqui com você.
Meu sorriso sempre se abria quando ele se referia a mim e a Valentina
como suas meninas.
— A Val não está em casa, mas você está convidado a me fazer
companhia no café — intimo-o.
— Eu liguei para ela, ela já está a caminho. Temos planos para hoje.
— Isso é legal, programa de pai e filha.
— Eu disse temos, isso inclui você e a Loren também.
— E-eu?
— Sim, você. Você não tem planos ou tem?
Balanço a cabeça negando.
— Perfeito, será minha folga com as minhas meninas. Não terá
Matthew hoje para tirar a minha filha de mim. — Ele comenta, e me lança
um olhar curioso. — A banda está trabalhando em algo novo, Saint estava
compondo
— Saint compondo? — indago, não tão surpresa assim.
— Mulheres. — Ele murmura.
— Como? — indago, novamente.
— Toda banda boa tem uma música sobre mulheres, Noah, e eles são
bons.
— E por que ele estaria escrevendo sobre mulheres?
Não sei porque eu queria saber, eu só queria...
— Eu não quis dizer várias mulheres, mas sim uma mulher. A música
vem de dentro de nós, da nossa alma, reflete aquilo que sentimos. A música
Sweet Child o' Mine do Guns é sobre uma mulher, November Rain também é
sobre uma mulher. Repito, toda banda boa...
— Tem uma música sobre mulheres — completo e ele sorri.
— Aprendeu rápido. — Ele diz, piscando um olho.
— Contra fatos não há argumentos — digo, dando de ombros.

Já era quase noite quando vim direto para o meu quarto, após
voltamos do nosso longo passeio com Paul, sim longo. Nós fomos ao
shopping e depois de entrarmos em quase todas as lojas, se não todas as lojas,
nós almoçamos. Hoje eu tive a certeza que Loren é mais parecida com a
Valentina do que com Saint, as duas não param. E tanto Paul, quanto Val,
alimentaram a coleção de Barbies dela.
Eu tentava repor minhas horas de sonos mal dormidas, quando
alguém entrou em meu quarto e só podia ser a Valentina.
— Val, me deixa dormir — resmungo, e de olhos fechados, viro para
o lado e puxo o travesseiro para cobrir meu rosto da claridade da luz que foi
acesa.
Não desistindo, ela puxou o travesseiro.
Viro meu rosto e forço meus olhos a se abrirem. O rosto de Saint
apareceu no meu campo de visão e bufando baixo, reviro meus olhos e volto
a fechá-los.
— Acorda, Noah, não é porque nós estamos brigados, que nosso
compromisso de hoje foi desmarcado. — Ele diz.
Abri meus olhos novamente, buscando por algum vestígio de que ele
estivesse bravo comigo. Eu havia sido rude ontem, admito.
— Compromisso? — indago, erguendo uma de minhas sobrancelhas.
— Sim, nós vamos a um bar. Levanta. — Ele manda.
Quando percebe que eu não me movi, ele puxa o lençol da cama e me
encara.
— Você está fazendo aquilo — digo, ao me levantar da cama.
Seus olhos acompanham cada movimento meu pelo quarto.
— Aquilo o quê? — Ele pergunta.
— Aquilo que eu não gosto, de escolher as coisas por mim e não me
dar opção — explico, soltando um suspiro frustrado.
— Sinto muito por fazer isso, mas nós vamos. Vai ser legal.
Pelo entusiasmo em sua voz, o bar realmente deveria ser legal, mas
algo tinha por trás disso.
— Por quê? — pergunto, desconfiada.
— Porque é um bar diferente! — Ele afirma com tamanha convicção.
— Você precisa de ajuda para encontrar o banheiro, ou sabe ir sozinha?
— Eu ainda sei o caminho do banheiro sozinha — retruco, passando
por ele.

Meia hora depois, Saint estacionava seu carro em uma rua bastante
movimentada no Brooklyn.
— Vamos ter que andar um pouco, a essa hora é difícil encontrar
vagas próximas por aqui. — Ele começa a se explicar, mas eu o corto
sabendo qual era o motivo de sua explicação.
— Não sou daquelas que usa salto alto, Saint, não tenho problemas
em andar um pouco.
Um sorriso aparece em seu rosto, ele passa os braços em volta do meu
pescoço e me puxa para perto.
— Você não usa saltos, é melhor que isso. Você usa sapatilhas,
bailarina. — Ele murmura em meu ouvido.
Mordo a minha bochecha tentando conter o sorriso e o olho, ele tem
um sorriso ainda maior que antes estampado em seu rosto e isso foi o
suficiente para que meu sorriso escapasse.
Eu não conseguia conter meus sorrisos perto de Saint, e esse é um dos
efeitos que ele causa em mim.
Juntos começamos a andar, até parar em frente a um galpão-bar, onde
tinha dois seguranças parados em frente a porta. Mas não foi isso que me
chamou atenção e sim, um letreiro moderno em um tom de verde neon.
— Metarmophosis? Não é...
— Sim! — Ele me interrompe, tão animado como eu nunca vira.
— Não! — exclamo desacreditada.
— Sim, sim, sim! — Ele afirma.
Dou um tapinha em seu ombro antes de me afastar e fito mais de
perto o lugar por fora, olhando de relance para a placa.
O nome da sua banda foi dado ao bar e soava confortavelmente bem.
Ele fez isso, ele conseguiu. Volto a olhá-lo com um sorriso radiante no rosto.
— Por que você não me contou? Então, é por isso que seus pais estão
aqui?
Eu estava animada, feliz e ao mesmo tempo frustrada, por não ter
participado de uma conquista que ele queria ter a bastante tempo.
— Saint!
— Eu até tentei, eu ia trazê-la aqui ontem, mas você ficou daquele
jeito ontem e...
— Eu fui grossa, eu sei — admito. — Me desculpa.
— Você nunca ouve, Noah, esse é o seu problema. Se você parasse
para ouvir mais as pessoas ou simplesmente perguntasse, talvez as coisas
fossem diferentes. — Ele diz, me deixando sem palavras. — Mas aqui
estamos, foi bom por um lado, nada pagaria seu sorriso e olhar agora, isso
porque só viu a placa...
— Eu quero ver como é lá dentro agora! — exclamo, tentando ignorar
o que ele havia falado antes e seguro em sua mão.
Sem lhe dar a chance de dizer qualquer coisa, o puxei pela mão e ao
passar pela porta minha boca se abriu.
— Uau! — solto, admirando a decoração do lugar.
A primeira coisa que meus olhos focaram, foi no palco no fundo do
bar. Em seguida, meus olhos percorreram pelas paredes cor de creme, nelas
haviam guitarras, baixos, violão e pratos de bateria em versão miniatura
pendurados na parede, cada item a uma certa distância do outro. Quadros de
grandes nomes da música como Bon Jovi, Guns, AC/DC e Beatles também
complementavam a decoração. Um estofado na mesma cor da parede se
acoplava a ela, além de mesas na cor marrom tabaco espalhadas por
determinados locais, deixando livre uma pista para o palco.
O bar tinha um enorme balcão oval, a parede de fundo tinha um
painel com nome de bebidas e não contive um risinho ao ver que havia drinks
especiais com o nome de cada integrante da banda.
— Posso saber o motivo da risadinha? — Saint pergunta.
Aponto para o quadro, ele acompanha meu dedo e me olha com um
sorriso torto.
— Valentina — diz, dando de ombros.
— Quero experimentar John e Matthew.
Ele bufou e pelo canto do olho, pude vê-lo revirar os olhos.
— Ouvi falar que a que se chama Saint é melhor ainda. — Ele
retruca, me fazendo rir.
Quanto mais passos eu dava, mais admirada eu ficava. Até a mesa de
sinuca Saint colocou aqui e mal dava para notá-la pela quantidade de pessoas
que estavam em volta dela.
Tudo estava perfeito, principalmente, a parede com a pintura de
quadro negro com livre acesso ao giz para desenhar. Eu estava apaixonada e
queria me apossar dela, se não tivesse pessoas demais já fazendo isso.
— Até que não está nada mal para uma inauguração. — Saint diz
orgulhoso.
Está bastante cheio para uma primeira vez e eu não podia estar mais
feliz por ele.
— O que mais tem aqui que não está visível aos meus olhos? —
pergunto, curiosa.
— A cozinheira que o Tyrone contratou, ela é de outro mundo.
Sorrio, enquanto o sigo por uma escada que leva ao segundo andar.
Onde é cercado por guarda-corpo de vidro, tem algumas mesas altas com
banquetes e outro bar.
— Tyrone deu a ideia de usar esse espaço aqui de cima só para
gourmet.
Inteligente da parte deles separarem o cheiro da cozinha do andar de
baixo, já que era mais focado na diversão.
Saint debruça os braços na base do guarda-corpo, seus olhos estão na
pista de frente para o palco, onde um DJ está tocando. A iluminação
futurística e as luzes coloridas iluminavam toda a pista de dança, e daqui de
cima pude ver o vislumbre de Valentina e Claire dançando.
— Você está feliz? — pergunto. — Eu sei que é uma pergunta boba,
mas é o seu sonho e eu estou explodindo de felicidade por você.
Ele vira o rosto na minha direção, seu olhos se prendem
profundamente nos meus e me examinam, de uma forma que me fez me
sentir sendo lida por ele.
— Sim, Noah, eu estou feliz. Eu estou feliz pra caralho! — Ele
afirma, sorrindo.
Foi um máximo a inauguração do bar de Saint, ver o sorriso e olhar de
satisfação no rosto dele era impagável.
Ele estava feliz e eu também.
Caminhávamos em silêncio pelo corredor que levava até nossos
apartamentos. Eu percebia ele mexendo as bochechas de um lado para o outro
como se estivesse com algo dentro da boca, ele queria falar alguma coisa,
talvez não soubesse como começar.
Coço a garganta quando paro em frente à porta, ele se afasta para ir
até a sua porta do outro lado do corredor.
— Obrigada por hoje à noite — consigo dizer.
— Não seria a mesma coisa se você não estivesse lá. — Ele diz, por
fim.
— Eu estou feliz por você, de verdade — digo, sincera.
Ele sorri assentindo. Fito o chão e solto um suspiro antes de voltar a
olhá-lo.
— Ensaio amanhã? — pergunto.
— Sim, ensaio amanhã — responde, parando no batente da porta do
seu apartamento.
Abro a porta do apartamento de Valentina e antes que eu pudesse
entrar, Saint me chama.
— Noah...
Um passo foi dado em minha direção.
— Sim?
Mais um passo e nós estávamos próximos demais.
— Eu acho que eu quero muito te beijar agora. — Suas palavras
pareceram um sopro, e me aqueceram por dentro.
Meu olhar estava fixo em seus lábios, atenta a cada movimento
enquanto ele pronunciava cada palavra.
Saint esticou o braço e espalmou a mão na parede ao meu lado, meu
corpo estava entre ele e a porta semiaberta. Com a mão livre, ele afastou a
mecha do meu cabelo que caía em meu rosto e sua mão acariciou minha
têmpora.
Mais um centímetro e seus lábios tocam os meus. Mais um passo e eu
estou dentro do meu apartamento. Mais uma puxada de ar, e sei que eu o
quero para mim.
— Eu acho que você não deveria fazer isso... — Minhas palavras
pairam no ar, no momento em que seus olhos se alinham com os meus.
— Você tem razão. — Ele murmura, em um tom baixo e recua com
um passo para trás. — Boa noite, bailarina.
— Boa noite, Saint — digo, me virando de frente para porta, incapaz
de olhar nos olhos dele.
Respiro fundo para recuperar o equilíbrio e entro no apartamento. Ao
fechar a porta, espio pelo olho mágico e o vejo entrar em seu apartamento.
Quando a porta se fecha, tirando-o do meu campo de visão, encosto a minha
testa na madeira fria da porta.
Eu acho que eu me apaixonei mais um pouco por você, Saint Rivers.
Pela sua felicidade, pelo seu sorriso.
“Estou tão a fim de você que eu mal posso respirar.
E tudo que eu quero fazer é me jogar com tudo.”
INTO YOU – ARIANA GRANDE
EU ESTAVA CANSADA DESSE JOGO DE GATO E RATO
ENTRE MIM E SAINT. Havia se passado dois dias desde a inauguração do
bar, as coisas estavam normais e não estavam ao mesmo tempo e isso estava
me matando.
Ontem, quinta-feira, após meu expediente na livraria, Claire apareceu
de surpresa acompanhada de uma das suas primas, a Zöe. Fui arrastada contra
a minha própria vontade até a loja da tia dela que fica no centro de
Manhattan. Por um dia eu me senti uma boneca enquanto minhas medidas
eram tiradas, tecidos de diversas cores eram e modelos de tutus italianos eram
me mostrados.
O festival é real. Saint estava tornando isso real. E agora faltava
apenas um mês e meio, nós temos tudo para ganhar.
Bom, isso se eu não matar Saint até lá. Pela terceira vez durante o
nosso ensaio, o celular dele estava tocando. Ele disse que tinha um
compromisso após finalizarmos e eu estava tentando adiar mais ainda o fim
do ensaio. O único encontro que ele podia ter, certamente é com a garota do
Tinder.
Dessa vez, nós estávamos ensaiando uma introdução do repertório
que eu escolhi para nossa apresentação, eu preciso dele concentrado aqui e
não no celular.
— Ai, que droga — resmungo, quando mais uma vez seu celular toca
e ele se afasta para pegá-lo.
Caminho em passos firmes em sua direção e tomo o celular da sua
mão o jogando longe.
— Eu não aguento mais essas histórias de encontros, chega dessa
baboseira. Já chega, Saint! — grito, perdendo o controle.
— Noah... — Ele tenta falar, mas eu o interrompo.
— O quê? Eu não quero saber mais quantos encontros você terá
amanhã ou depois, nós estamos ocupados agora. Eu não quero saber nem
mesmo depois!
— Noah...
— Que merda, Saint, o que é? — indago.
— Era o Math, não era uma garota. — Ele diz, calmamente.
Levo as minhas mãos na boca e o observo caminhar até o canto da
sala onde seu celular estava jogado.
— Ai, meu Deus, meu salário não paga um celular novo.
— Fica tranquila, não vou te pedir um celular novo, Noah. — Ele
murmura em um tom frio, e se vira para mim. — Eu só não entendo a sua
reação e quer saber? Eu não quero entender. Você pode por favor me deixar
sozinho agora? — Ele pede ríspido.
O encaro inexpressiva e mordo a minha bochecha, Saint nunca havia
sido tão ríspido e duro comigo antes. Quer dizer, ele havia sido quando nos
conhecemos, mas agora é diferente.
Seu celular toca novamente, o estrago estava feito nas laterais e no
vidro que trincou. E dessa vez o nome Ash, era legível apesar do visor
trincado.
Antes que ele pudesse atender ou ao menos tentar, eu pego o celular
da sua mão e novamente o jogo no chão.
— Noah! — Ele esbraveja.
— Cale a merda da boca, Saint! Eu cansei, cansei de ignorar isso e de
ver você me ignorando. Eu não deveria me sentir assim, mas eu me sinto.
Seu rosto se contorce e ele torce a boca em uma linha dura, mas não
diz nada. Ele me dá as costas e vai buscar novamente pelo celular.
— Eu falhei miseravelmente em não me apaixonar por você, Saint.
Falhei e espero não me arrepender de estar admitindo isso em voz alta nesse
momento. Por que nós somos tão bons juntos, não? — indago e ando em
círculos pela sala. — Nós somos bons um para o outro. Eu posso listar todos
os momentos em que eu me apaixonei por você.
Paro em sua frente, seus braços cruzam na altura do peito. Ele me
encara com a sobrancelha arqueada e um sorriso debochado no rosto com o ar
de: essa eu quero ver. Olhei fundo em seus olhos e puxei o ar que me faltava.
— Me apaixonei quando você foi até a livraria pedir desculpas. Me
apaixonei quando você cuidou de mim após a balada, me apaixonei quando
você acertou as primeiras posições básicas do ballet. Me apaixonei quando
passei a gostar de você me chamando de bailarina, me apaixonei quando você
me distraiu do meu medo de voar.
Solto uma risada nervosa e fecho meus olhos, quando os abro
novamente, eu o encaro.
— Me apaixonei quando você me deixou entrar em seu mundo e se
abriu para mim, me apaixonei por ter me deixado dirigir seu Porsche sem se
preocupar se eu sabia dirigir ou não. Me apaixonei quando senti você
cantando para mim November Rain, me apaixonei quando você
pacientemente tentou me ensinar a tocar violão. Me apaixonei todas as vezes
em que seus lábios encontraram os meus, me apaixonei por cada toque seu —
engulo em seco o nó que se formou em minha garganta e continuo. — Eu
estou apaixonada pelo meu melhor amigo, Saint, e se isso não for o suficiente
para você ficar comigo, tudo bem, mas eu não vou mais ficar fingindo que eu
não sinto mais nada por você. Porque isso dói, guardar sentimentos dói.
— Noah, eu...
— Só não me diga que não sentiu nada, nem mesmo por um segundo
em todos os momentos que passamos juntos...
Minhas palavras foram extraídas no momento em que sua boca calou
a minha, sua língua acariciou meus lábios pedindo passagem e sem remediar,
eu a deixei entrar. O gosto de menta do chiclete que ele mascava minutos
antes, invadiu a minha boca quando chupei a sua língua, a maciez dos seus
lábios com a pressão suave fez com que eu me entregasse, eu me entreguei. E
ele me tomou.
Saint me beijava com volúpia e intensidade, um beijo que nunca havia
experimentado antes, era como se ele estivesse disposto a me provar algo. Eu
gemi com satisfação, tornando o beijo ainda mais profundo enquanto
entrelaçava a minha língua na dele. Suas mãos repousaram na curvatura do
meu quadril, me apertando e me puxando cada vez mais para perto. Se fosse
possível, nossos corpos teriam se fundindo nesse exato momento.
Suas mãos deslizaram do meu quadril para as minhas nádegas, sem
esforço algum Saint me levantou e eu envolvi minhas pernas em sua cintura e
seus braços circundaram em volta do meu quadril.
Minhas costas encontraram a parede dura e gélida, mas que logo foi
aquecida pela mão de Saint que se deslizou para debaixo da minha blusa. Sua
boca desgrudou da minha para encontrar meu pescoço, enquanto seus dedos
percorriam pela minha barriga até a meia-taça do meu sutiã, que logo foi
puxado para baixo. O toque dos seus dedos em meus mamilos me fez
estremecer e inclinar a cabeça para trás encostando-a na parede.
— Eu vou te mostrar de todas as formas possíveis o quanto eu sinto
muito, bailarina. Eu vou te amar agora de uma forma que você nunca será
amada por outro se não por mim. — Ele murmura no pé do meu ouvido, ao
subir os lábios pelo meu pescoço.
Senti meus batimentos descontrolados com as suas poucas palavras.
— É o que você quer, Noah? — Ele sussurra, percorrendo a
cartilagem da minha orelha com a língua.
Eu estremeci em resposta, e seus dedos esfregaram o meu mamilo
entumecido. Mordi meu lábio inferior, contendo um gemido.
— Eu não ouvi você, bailarina. — Dessa vez, ele aperta meu mamilo
e afasta a mão.
Ele estava me provocando, soube disso no momento em que seu rosto
veio de encontro ao meu e eu olhei no fundo dos seus olhos.
Saint não é muito de falar, ele é de demonstrar e essa era a sua forma
de mostrar o quanto ele gostava de mim também. Nesse exato momento, seus
olhos diziam tudo que ele não conseguia falar.
— Eu quero ser amada por você, Saint — admito.
Ele solta um grunhido de satisfação e gruda seus lábios nos meus.
Enfio minhas mãos em seus cabelos os puxando com delicadeza e sem
desgrudar seus lábios dos meus, sua mão espalma as minhas costas
acariciando-a, e deslizando a mão para cima, ele sobe a minha blusa
lentamente. Saint interrompe nosso beijo para terminar de tirá-la, minha blusa
cai no chão e em seguida meu sutiã.
Apertando-se contra meu corpo, meus seios encostaram em seu
peitoral nu e eu pude sentir a sua ereção encostar em meu ponto sensível.
Gemi com esse contato, querendo muito mais que isso.
Seu olhar estava vidrado em minha boca após o som que saiu dela,
Saint abaixou uma de suas mãos para a minha cintura me mantendo segura na
parede e a outra desceu um pouco mais abaixo, parando apenas no cós de
elástico da minha calça legging.
Em fração de segundos, sua mão se deslizou para dentro da minha
calça e tocou em meu ponto sensível, que tanto pedia por sua atenção.
— Ahh, Saint — gemi, quando seu dedo circulou e apertou meu
clitóris.
— Seu corpo reage tão bem ao meu, bailarina, tão bem... — Ele
murmura, passando a língua em meus lábios.
Saint vai mais além e desliza um dedo para dentro de mim, enquanto
mantém o polegar pressionado em meu clitóris.
Fecho meus olhos quando seu dedo começa a se mover
cuidadosamente, entrando e saindo. Gemidos escapam da minha boca e eu
inclino minha cabeça para frente, encostando a minha boca em seu ombro.
Minhas mãos apertam cada músculo do seu braço, enquanto a sua
mão que estava em minha cintura sobe para tocar meu seio direito. Saint
massageia meu mamilo enquanto continua a movimentar seu dedo dentro de
mim em um vai e vem lento e doloroso, ao mesmo tempo em que massageia
meu clitóris com o polegar.
Mordo seu ombro, sem conter um gemido quando ele tira seu dedo e
retorna novamente com mais um. Seus dedos produzem ondas de calor que
latejam em meu interior. Meu corpo se contrai, sinto minhas pernas
fraquejarem em volta do seu corpo e, eu solto um gemido abafado me
entregando de corpo e alma a ele.
Um rosnado feroz escapa da sua boca conforme os gemidos escapam
da minha boca. Afasto a minha cabeça do seu ombro e encosto minha testa na
dele, e agarro os cabelos da sua nuca com meus dedos. Saint tem a respiração
tão entrecortada quanto a minha, eu podia sentir sua pulsação acelerada
através do seu corpo grudado ao meu.
Prendo seu lábio entre meus dentes e o puxo lentamente, soltando-o
logo em seguida. Ainda com a testa encostada na minha, Saint tenta controlar
a respiração, espalmo minha mão livre em seu peito, sentindo-o subir e
descer rapidamente.
Afasto minha testa da dele e encosto minha cabeça na parede, sem
desviar meu olhar do dele. Gosto da forma que seus olhos me apreciam.
— Eu estou fodidamente apaixonado por você, Noah Bailarina Clark.
— Ele confessa, com um olhar intenso e carregado de sentimentos.
— Eu estou estupidamente apaixonada por você também, Saint
Rivers.
A boca de Saint encontrou a minha de novo e abraçando meu corpo,
ele me afastou da parede e caminhou comigo em seu colo até o quarto.
Ele me deitou na cama, enquanto tirava sua calça de moletom ele me
observava com seus olhos vidrados nos meus. A minha calça legging deixou
de ser um incômodo quando desesperadamente eu a puxei para baixo junto
com a calcinha, e então, seu corpo nu cobriu o meu.
Saint soltou um gemido com o contato de nossas peles nuas.
Entrelacei minhas pernas nuas nas dele, percorrendo com os pés os músculos
firmes das panturrilhas e arqueei meu quadril, sentindo o contato do sua
ereção em minha pele quente. Me esfreguei contra a sua ereção ao mesmo
tempo em que sua boca traçava uma trilha de beijos em meus seios, ele
lambeu e chupou meus mamilos com avidez, me levando à beira do abismo
apenas com esse contato.
Sua boca abandonou meu mamilo, ele levantou a cabeça e seus lábios
encostaram no meu.
— Eu amo você, Noah. — Ele murmura, contra a minha boca e me
beija suavemente, aplacando meus sentimentos com o carinho de sua língua
na minha boca. Suas mãos param em meu quadril, me abrindo sob seu corpo
e ele me penetra, me preenchendo e me completando de uma forma que só
ele completa.
Senti meu corpo se enrijecer e se contorcer, trazendo-o ainda mais
para dentro de mim. Seu nome se tornava um sussurro em forma de gemido
saindo da minha boca, arrastei minhas unhas pelas suas costas, ombros e
braços, arranhando-o. Nossos gemidos se mesclavam a cada nova investida,
estávamos ambos ofegantes e cobertos de suor.
Nós nos movíamos juntos ao som da fricção dos nossos corpos,
quando cheguei ao meu limite, ele rugiu alçando o seu junto comigo.
— Eu amo você, Saint Rivers.

Acordei com o braço pesado de Saint enroscado em minha cintura,


me impedindo de levantar da cama.
— Saint, eu preciso ir ao banheiro — murmuro baixo, mais uma vez
tentando acordá-lo.
O relógio digital na cabeceira da cama marcava 02:45 da madrugada.
Balanço devagar o corpo de Saint, ele resmunga algo desconexo e com
dificuldade abre os olhos.
— Que horas são? — Ele pergunta, com a voz rouca e sonolenta.
— Ainda é cedo — respondo a sua pergunta.
Ele olha para o relógio e volta a me olhar, sem entender o motivo pelo
qual estou acordada.
— Eu preciso ir ao banheiro — explico.
Entendendo o que eu quis dizer, ele me solta dos seus braços e eu me
arrependo no mesmo segundo ao sentir falta deles me envolvendo.
Levanto da cama e corro rapidamente para o banheiro, ao me dar
conta de que eu ainda estava completamente nua.
— Não adianta correr, eu já vi o pacote completo, bailaria — ouço-o
gritar do quarto.
Ignorando seu comentário, utilizo o banheiro e aproveito para tomar
um banho quente antes de voltar para cama.
Saio do banheiro enrolada na toalha, não encontro Saint no quarto.
Aproveito a sua ausência para me desfazer da toalha, entro no seu closet e
pego uma de suas camisas penduradas no cabide. Após me vestir com uma
camisa e cueca boxer dele, saio do closet e o encontro de volta no quarto com
uma bandeja em cima da cama.
— É uma pena minhas blusas caírem tão bem em você, eu prefiro
você sem elas. — Ele comenta descaradamente.
— Bom, saiba que você acabou de perder essa blusa, pois eu não irei
devolvê-la — digo, me sentando ao seu lado na cama e sou surpreendida com
um beijo casto nos lábios.
— Achei que você estivesse com fome, tanto quanto eu estou. — Ele
comenta, apontando para uma bandeja de lasanha pronta que aparentava ter
acabado de sair do micro-ondas.
— Bastante — confesso.
Comemos em silêncio e quando terminamos, Saint levou a bandeja de
volta para a cozinha, enquanto eu fazia meu caminho até o banheiro para
escovar os dentes.
Soava engraçado como até uma escova de dentes eu tinha em seu
apartamento.
Saio do banheiro para Saint entrar e deito na cama esperando-o.
Aproveitei para ligar a televisão e zapear pelos canais.
— Tomar banho tirou o meu sono. — Ele resmunga, ao sair do
banheiro com a toalha enrolada na cintura.
Cai, cai, cai. Eu torcia em pensamento.
— Minha mãe sempre disse que banho desperta — pontuo.
— Mães sempre sabem de tudo. Dora que o diga. — Ele murmura,
entrando no closet.
Em poucos minutos, Saint voltou vestido em uma cueca boxer preta.
Meus olhos se perderam na perfeição que era o seu corpo, ele não fazia
exercícios físicos constantemente. Era raro as vezes que ele dizia que ia sair
para correr com os meninos, mas o pouco de exercício que Saint fazia, era o
suficiente para manter deu abdômen definido.
Ele apaga a luz do quarto antes de se deitar ao meu lado, seus olhos
focaram no programa que passava na televisão. Ambos estávamos sem saber
o que falar, então, decidi por mim mesma tomar a iniciativa.
— Saint? — Minha voz sai baixa, ao chamá-lo.
— Sim? — Ele indaga, virando o rosto para me olhar.
— Eu não quero acordar amanhã e fingir que nada aconteceu —
confesso.
Mordo meu lábio inferior apreensiva e na espera de uma resposta sua.
— Você não precisa fingir que as coisas entre nós não existem. Isso
aqui. — Ele diz, apontando o dedo para mim e para si mesmo. — Existe, isso
aconteceu e muito mais disso irá acontecer. Porque nós nos gostamos, Noah.
— Mas e a Ash? — pergunto, desviando meu olhar do dele.
Saint traz a sua mão até meu rosto e acaricia minha têmpora. Seu
contato me faz voltar a olhá-lo, e quando o faço, noto um meio sorriso em
seus lábios.
— Não existe, Ash, e não tem como existir nenhuma outra enquanto
há você, bailarina.
Minha boca entreabre, surpresa com a sua revelação.
— Mas eu vi vocês dois juntos e pensei...
— Pensou errado. — Ele me corta imediatamente. — Eu fui até lá
para dizer à ela que não podia mais encontrá-la, porque eu estava apaixonado
por você. Marquei de encontrá-la na cafeteria porque era mais perto para
buscar você!
— Eu fiz tudo errado — murmuro, envergonhada ao me lembrar das
minhas duras palavras.
— Sim, você fez. — Ele concorda.
— O que nós estamos fazendo agora, Saint? — questiono.
— Nós estamos sendo nós, de um jeito imperfeito, mas estamos. —
Ele responde em um murmúrio.
Seu rosto se aproximou do meu, ele se inclinou para tocar meus
lábios, e sem remediar entreabri seus lábios com a minha língua.
O beijo dessa vez foi diferente, não tinha urgência, sensação de posse
e nem saudades. Foi intenso, demorado e repleto de sentimentos que nós
ainda não tinhamos revelados.
Envolvo minhas mãos em seu pescoço, o trazendo para perto de mim.
Seu corpo cobriu o meu e suas mãos escovavam meu rosto carinhosamente.
— Eu preciso dormir — murmuro, tentando afastar meus lábios dos
dele, mas estava se tornando impossível.
Ele resmunga em resposta e descansa a testa na minha. Passo a ponta
do meu dedo indicador em seus lábios, como se estivesse o desenhando e
sorrio.
— Se continuarmos, não vamos parar e eu trabalho daqui à pouco.
Ainda tem a festa de aniversário da Claire...
— Eu não consigo resistir a você, bailarina, mas precisamos dormir.
Qual vai ser a sua fantasia? — Ele pergunta, curioso.
Claire e Chloé escolheram as fantasias de cada convidado para que
não houvessem fantasias iguais. E isso me fez lembrar que eu também não
tinha comprado, nem mesmo me dei o trabalho de abrir o convite para saber
qual seria a minha fantasia.
— Eu ainda não sei, eram tantas coisas acontecendo que abrir o
convite foi a minha última preocupação.
— Vamos resolver esse problema após seu horário na livraria, mas
antes eu tenho que dar uma passada no bar para ver como foram as coisas
hoje e verificar se falta algo.
De repente, me lembro que agora Saint é um homem de negócios, ele
mal abriu seu próprio bar e não foi hoje por minha causa.
— Você deveria ter ido, agora me sinto mal por ter feito você deixar
de ir.
Seu polegar toca meus lábios me silenciando.
— Noah, eu estava disposto a esperar que você tomasse a iniciativa
por um bom tempo. Mas aconteceu bem antes do que eu esperava e eu não
iria deixar isso passar por nada, Tyrone e os meninos ficaram encarregados.
— Ele se explica, com um sorriso no rosto.
Eu gostava do quanto ele estava sorrindo hoje e saber que isso era por
minha causa, era mais satisfatório ainda.
— Se tivesse acontecido algo, eles já teriam me ligado. Quer dizer,
teriam aparecido aqui, já que alguém transformou meu celular em cacos.
— Não foi a minha intenção quebrá-lo — justifico-me.
— Mas foi a sua intenção me deixar incomunicável. — Ele
acrescenta. — Não se preocupe sobre o bar, ele está em boas mãos. Eu
preciso de alguém de confiança, além dos meninos para me ajudar a
gerenciar.
— Oi, me chamo Noah Clark, e estou apta para ocupar esse cargo —
ofereço-me.
Ele sorri pela animação em minha voz e balança a cabeça
negativamente.
— Você já tem um emprego, para que mais um? — Ele indaga, com a
testa enrugada. — Fora nossos ensaios, você vai ficar esgotada.
Seus argumentos fazem com que eu revire meus olhos.
— Eu tenho contas para pagar, compras a fazer e ainda ajudo meus
pais, mesmo que eles devolvam o dinheiro para minha conta, eu os ajudo —
contesto, torcendo para que ele aceite.
— Eu tenho orgulho de você, Noah. — Ele confessa, com um brilho
diferente nos olhos. — Nós conversamos sobre isso amanhã.
Eu não me opus quanto a isso, ele se deitou me puxando para seus
braços. Me aconcheguei, e envolvi sua cintura com um braço ao deitar a
cabeça em seu peito. Saint pressionou seus lábios no alto da minha cabeça e a
beijou.
Ele tinha razão. Nós estamos sendo nós, de um jeito imperfeito, mas
estamos.
“Você anima meu coração.
Quando o resto de mim está para baixo.”
LATCH – DISCLOSURE FEAT. SAM SMITH

— EU TE BUSCO ÀS QUATRO — DIGO PARA NOAH, assim que


a observo terminar de se arrumar.
Minha vontade era despi-la mais uma vez, mas eu a atrasaria mais do
que já atrasei na última meia hora.
— Saint, não precisa... — Ela começa a falar, mas quando me vê
revirando os olhos, ela sorri e se aproxima.
Noah senta em meu colo, de um modo que suas pernas ficaram ao
lado dos meus quadris.
— Você sabe o quanto é arriscado isso que você acabou de fazer,
certo?
— O que é arriscado, Santinho? — Ela pergunta, em um tom de voz
provocativo, colocando uma mão envolta do meu pescoço.
Movo a minha mão até a maçã do seu rosto e acaricio seus lábios com
o polegar. Ouço-a soltar um suspiro e aproximo meu rosto, deixando meus
lábios a poucos centímetros do dela.
— Você tem um minuto para sair do meu colo agora, ou desse quarto
você não sai hoje, Noah — sussurro contra seus lábios.
— Primeira vez que me arrependo de estar trabalhando hoje. — Ela
geme decepcionada.
Eu quase fiz a mesma coisa, mas em vez disso, eu matei a minha
vontade de beijá-la mais uma vez. Se antes eu já era viciado no beijo de
Noah, agora então...
Eu estava prestes a tirar a blusa dela, quando o celular tocou. O meu
não era, ele nem mesmo ligava mais no estado que se encontrava.
— Argh! Merda. — Ela resmunga, afastando nossos lábios e se
levantou.
— Vá trabalhar, bailarina, eu estarei lá antes mesmo de você sair —
garanto-lhe.
— Eu espero mesmo que você esteja lá. — Ela retruca.
E ao ouvir isso, eu tive certeza de que eu havia vencido a sua
relutância.
Enquanto dirigia pelas ruas movimentadas de Nova York a caminho
do Aquavit, restaurante no qual meu pai havia marcado nosso almoço, eu
tentava me acostumar com a gravata me sufocando.
Por sorte, eu me lembrava do nosso compromisso de hoje, porque se
dependesse dele me ligando para relembrar, eu ainda estaria em casa
dormindo. Não me arrependo de ter passado o resto da madrugada acordado
observando Noah dormir, eu queria gravar aquele momento na minha mente
para sempre.
Noah me ama. Essa é a minha certeza após ouvir da boca dela.
O relógio do carro mostra que eu estou quinze minutos atrasado. Se
meu celular ainda respirasse, certamente eu já teria inúmeras ligações nele.
Ainda me pego surpreso pela forma que Noah reagiu e destruiu meu
celular. E hoje pela manhã ao ver com os próprios olhos o estrago que havia
feito, ela entrou em desespero, foi até engraçado.
Tamborilo meus dedos no volante, enquanto paro em mais um sinal
vermelho. A agitação nas ruas em dia de sábado parecia que multiplicava, o
trânsito se tornava intenso e as buzinas incessantes, deixava mais claro ainda
que Nova York nunca dorme.
Vinte minutos depois eu estava atravessando o grande salão do
restaurante. Caminhei apressadamente até a mesa em que meus pais estavam
sentados na companhia da nossa mais nova funcionária temporária.
— Desculpe o atraso — digo, logo que me aproximo da mesa. —
Nova York e seus incansáveis engarrafamentos — termino de me explicar, e
me sento na cadeira desocupada ao lado de Loren.
— Nós entendemos, filho. — Meu pai diz, compreensivo.
Viro-me para encarar a loira de olhos azuis, sentada ao lado de Dora
na mesa redonda.
— Senhora Clark, é um prazer finalmente conhecê-la — digo,
estendendo minha mão para cumprimentá-la.
— Uma pessoa que conhece a minha filha melhor do que eu mesma,
tem todo o direito de me chamar pelo nome. — Ela me repreende, com o
mesmo sorriso atrevido que Noah costuma ter as vezes. — O prazer é todo
meu, Saint, fiquei lisonjeada pelo convite — completa, aceitando minha mão
e a apertando em seguida.
— Discordo quanto a conhecê-la melhor que você — argumento, meu
pai tosse e Grace rola os olhos discretamente não acreditando nisso.
Quantos anos ela deveria ter? Eu diria que ela tem a mesma idade que
a filha, mas como é impossível, coloco na minha mente que Noah tem uma
irmã que deve ser tão tirana quanto ela.
— Seus pais estavam falando que você acabou de abrir seu próprio
negócio, meus parabéns! É um grande avanço — completa, sorrindo de um
jeito tão angelical quanto a filha.
— Muito obrigado, senhora Clark — agradeço.
— Maninho, ela não parece com a Barbie? — Loren murmura, em
meu ouvido.
— Ela é a mamãe da Barbie, Lore.
Os olhos dela brilham ao olhar para Grace, com um sorriso no rosto.
— Barbie? — Grace indaga, achando graça.
— É Barbie, a Noah parece com a minha boneca. — Loren responde,
e estende a boneca no ar. — Olha, a senhora não acha que parece muito com
a tia Noah?
— Mas não é que são idênticas?! — Ela responde, fingindo estar
surpresa, mas sem tirar o sorriso do rosto.
— Saint, querido, nós já fizemos os nossos pedidos. Como você não
atendeu às ligações, achamos que não viria. — Dora comenta, e meu pai faz
um sinal para o garçom.
— Aconteceu um acidente com o meu celular — digo, com um meio
sorriso no rosto.
— Um acidente? — Meu pai perguntou.
Como explicar em uma mesa onde a mãe da minha garota está
sentada, que a filha dela transformou meu celular em sucata?
— Caiu no chão — minto.
— Noah também é um desastre em manter as coisas intactas. —
Grace comenta e sorrio assentindo.
Tarde demais para essa informação.

Meu pai passou todas as informações necessárias que Grace precisava


saber sobre a empresa após a refeição. Ele contou um pouco da história por
trás dela e do legado que carregávamos. Entre uma conversa e outra meu pai
pedia minha opinião, sem hesitar opinei em todos os detalhes, também
expliquei um pouco sobre como estava a obra de reforma do prédio e até que
ponto estava quando parou.
Grace era tão dedicada quanto a filha em tudo que fazia. Tive essa
certeza quando mesmo sem conhecer o prédio e apenas com a planta que eu
havia enviado para ela no e-mail, ela nos deu várias ideias do que poderia ser
feito.
— A madeira não só está presente em quase todas as casas de família
recém-construídas em todo estado do Estados Unidos, como é inconcebível
construir uma casa sem a madeira. Mesmo as casas com paredes de tijolos ou
pedras têm elementos estruturais de madeira. Você deveria ter um pouco
disso dentro da sua própria empresa, não estou falando de móveis, mas sim
de algo que faça parte da decoração. — Ela disse, recebendo um sorriso
satisfatório do meu pai.
— Não querendo ser intrometida, gestão não é a minha área, mas este
ano. — Ela faz uma pausa e quando recebe o consentimento do meu pai,
continua explicando. — Os Estados Unidos espera construir um milhão de
novas casas e descreve isso como um "número sólido", embora ainda longe
do boom de 2,2 milhões por ano, que foram construídos antes da crise de
2009. Acredito que se você se lançar no mercado agora em Nova York e
trazer o legado da sua fábrica, e com os preços a baixo custo não há motivos
para não alavancar.
— Impressionante — murmuro, perplexo.
Ela tinha mesmo tirado um tempo para estudar sobre tudo.
— O cargo é seu, você que manda. Se você quer fazer isso, você fará!
Assim como tem o poder de fazer o que quiser, a empresa está em suas mãos,
Grace. — Meu pai pondera, dando-lhe toda liberdade para fazer o que quiser
apenas com essa frase.
Percebi que o tempo que levei para chegar até aqui, fez meus pais
criarem uma certa intimidade com Grace, pois ambos não se tratavam
formalmente. Eles conversavam cordialmente como se fossem velhos
amigos.
Grace engole em seco antes de responder meu pai e sorri.
— Eu fico muito feliz pela confiança que você e a sua família estão
me dando, não posso deixar de agradecer por isso e, principalmente, a você,
Saint. — Ela diz, e vira seu rosto para me olhar. — Eu sei que está fazendo
isso pela minha filha e o quão bom amigo você se tornou para ela. Saber que
aqui ela tem alguém enquanto eu e o Samuel estamos longe, é muito
importante para mim. Obrigada, obrigada a todos vocês e eu prometo dar o
meu melhor. — Ela agradece, com os olhos marejados.
— Grace, a sua menina vale ouro. — Meu pai comenta.
— Sim, ela vale. — Grace murmura, com um sorriso orgulhoso.
— Não há nada que eu não faria por ela, senhora Clark, o que estiver
ao meu alcance, eu farei — digo, fazendo uma promessa a mim mesmo.
— Obrigada, Saint. — Ela agradece, e volta a olhar para o meu pai.
— Eu gostaria muito de ir ver o prédio para começar a fazer a planta, se for
possível hoje ainda.
— Grace, você terá tempo suficiente para isso. Vá ver a sua filha, que
eu sei que você não vê a hora de abraçá-la. — Minha mãe a adverte.
— Noah estava trabalhando e ela falou algo sobre um aniversário,
certo, Saint? — Ela pergunta para mim.
Balanço a cabeça assentindo.
— Não quero tirar a diversão da minha filha ao menos hoje. Ela é
cabeça dura e não vai querer ir à festa, quero dar à ela tudo o que eu não pude
fazer na minha adolescência. Noah merece isso. — Ela finaliza.
— Tão grandiosa quanto a filha. — Dora murmura, apertando a mão
de Grace por cima da mesa e lhe dando um sorriso angelical.
Isso me lembra uma frase que Noah me disse uma vez enquanto
ensaiávamos: Você é o reflexo daquilo que você espelha.
Agora eu sei em quem ela se espelha.

Eu passei em casa para trocar de roupa antes de ir buscar Noah no


trabalho, tenho só o dia de hoje para estar com ela, sei que Noah precisa
passar um tempo com a mãe e eu não quero ficar entre elas. Então, eu vou
aproveitar cada segundo ao lado dela hoje.
A livraria estava cheia, quase se tornava impossível se deslocar entre
um corredor e outro. De longe meus olhos encontraram Noah, que estava
entretida com um livro em mãos e conversando com duas adolescentes, um
sorriso tomou conta do seu rosto e ela apontou para o livro.
Eu admiro o quanto ela é esforçada. Noah é apaixonada por livros e
posso imaginar o quanto ela está amando essa movimentação toda. Para ela
trabalhar ao sábado não está sendo um sacrifício, no entanto, para mim ficar
longe dela está sendo um saco.
— Quando te vi passar pela porta, me perguntei o que o trazia até
aqui. Sem dúvidas não era algum livro, mas agora vendo o seu olhar eu sei
bem o que o trouxe.
Viro meu rosto para o lado e encontro a senhora baixinha ao meu
lado. Eva olhava para Noah com um sorriso no rosto.
— Vá buscar a sua garota, já passou do horário dela. — Ela murmura,
me empurrando para frente com as suas duas mãos em minhas costas.
Eu tropecei, esbarrando em uma prateleira de livros e deixando um
exemplar cair. Me abaixei para pegá-lo e olhei para a senhora Eva, que deu
de ombros seguida de uma piscadela.
Uma mão tocou a minha, por cima do livro que eu segurava. Eu sabia
que era ela, só ela tinha esse toque.
— Oi, bailarina — murmuro, virando meu rosto e mirando em seus
belos olhos azuis.
— Bom ver você de novo, Santinho. — Ela retruca, com um sorriso
contido.
— Você já acabou por aqui? — pergunto.
Ela pega o livro da minha mão e se levanta, me levanto e a observo
colocar o livro no lugar com tamanho cuidado.
— Acho que sim, a minha chefe está me expulsando. — Ela
resmunga.
Solto um riso baixo, agradeço mentalmente à senhora Eva por ser tão
afeiçoada a Noah e controlá-la em relação aos horários de trabalho.
— Eu sempre gostei da senhora Eva, nunca soube exatamente o
porquê, mas agora sei — digo, recebendo um leve empurrão no braço.
— Eu vou pegar os meus pertences. — Ela informa.
Segurei em sua mão, antes que ela pudesse se afastar e a puxei para
perto. Nossos corpos se colidiram e eu beijei o canto de sua boca.
— Estarei esperando-a no carro — murmuro contra seu lábios,
deixando um beijo casto sobre eles.
A deixei ir, enquanto isso procurei pela senhora Eva com os olhos. A
pequena livraria estava tão cheia que foi difícil encontrá-la, quando encontrei
não precisei abrir os lábios para sibilar um obrigado.
— Não há de que. — Ela sibilou no ar e sumiu da minha vista
novamente.
Arlequina, essa era a minha fantasia para o aniversário da Claire.
Saint não pareceu nem um pouco surpreso ao ler o tema da minha fantasia no
convite.
— Fácil de achar, sei exatamente onde encontrá-la — disse ele.
E realmente ele sabia.
Nós fomos até uma loja de fantasias do shopping, Saint foi direto na
sessão onde estava a fantasia da Arlequina.
Ele retirou uma fantasia da arara e olhou para o meu corpo, ele me
inspecionou por breves segundos, e em seguida, pegou outra fantasia e me
estendeu.
— Isso aqui é um tamanho grande, Saint! — Eu resmunguei.
Seu olhar estava relaxado e ele deu de ombros sem se importar muito
com isso.
— Você já viu o tamanho desse short? Eu poderia enxergar seu útero.
— Ele ruge, me fazendo revirar os olhos por seu exagero.
De fato o short era curtíssimo, parecia uma calcinha de cintura alta,
mas a vendedora conseguiu trocar o short da fantasia do meu tamanho para o
da fantasia maior. Assim eu me sentiria mais confortável.
Antes de irmos embora, ele passou em uma loja da Apple e comprou
um novo celular. Eu fiquei imensamente grata por ele não ter feito questão
que eu lhe pagasse por um celular novo. Aquele celular poderia custar dois
meses suados do meu salário, talvez até meu rim.
E agora estávamos aqui, em seu apartamento.
— Saint, você tem certeza que essa tinta não é permanente? —
pergunto pela milésima vez.
Eu estava começando a me arrepender dessa ideia. Decidi me vestir
totalmente a caráter da Arlequina, tive essa ideia após chegar do shopping e
experimentar a fantasia, não ficou tão legal assim. Faltava as cores no cabelo.
— Aqui na embalagem diz: tinta spray lavável. — Ele anuncia, como
se estivesse fazendo uma propaganda. — Está preparada?
Balanço a cabeça assentindo, meio em dúvida em relação a isso e levo
minhas mãos até meus olhos para cobri-los.
— Acaba logo com isso de uma vez — peço.
Senti sua mão envolver em um punhado do meu cabelo, após ele
dividir ao meio, formando madeixas laterais, e em seguida, ele amarrou cada
lado com um laço.
— Noah, abra os olhos. Você vai perder toda diversão.
Abro meus olhos e o vejo agitando o spray.
— Eu não acredito que vou mesmo fazer isso — murmuro.
— Eu não acredito que você está mesmo me deixando fazer isso. —
Ele retruca.
Meus olhos se alargam, ele riu com meu espanto e se curvou,
inclinando o rosto em direção ao meu.
— Você confia em mim? — Ele pergunta.
— Confiar em você é bem diferente de confiar em você tingindo meu
cabelo — pontuo.
Ele encosta seus lábios em minha bochecha e arrasta sua boca até
chegar em meus lábios.
— Se nada der certo, nós lavaremos seu cabelo até dar, erramos duas?
Acertaremos três, não é o que você me diz quando ensaiamos? — assinto
concordando e ele beija castamente meus lábios. — Vamos lá, bailarina, a
diversão vai começar.
— Okay, eu estou pronta — afirmo convicta.
Me recostei na cadeira e mantive meus olhos no teto, enquanto Saint
se divertia pintando cada lado do meu cabelo de uma cor, azul e vermelho.
— Se nada der certo com o bar, acho que posso virar cabeleireiro. —
Saint diz, parando em minha frente com as mãos sujas de azul e vermelho.
Ele me olha e leva a mão até o queixo. Prendo a minha respiração, seu
olhar observador me deixa aflita.
Que merda ele fez?
— Saint...
— Se a Loren ver isso, ela vai surtar com a nova Barbie. Você está
linda, bailarina.
Solto o ar dos meus pulmões e respiro aliviada.
Não havia nada de errado em meu cabelo, eu acho.
— Posso me olhar no espelho agora? — pergunto.
— Não só pode, como deve ir se arrumar. Já estamos um pouco
atrasados. — Ele responde, afastando a mão do queixo.
— Tem algo aqui — digo, apontando para o seu queixo azul
avermelhado por causa da tinta que tinha em mãos.
— Onde? — Ele pergunta.
Me levanto da cadeira, soltando a toalha que ele usou para cobrir as
minhas costas para que não sujasse e me aproximo dele.
— Se a sua mão está assim, não quero nem imaginar como está meu
cabelo — murmuro e levo minhas mãos até seu queixo.
— Eu fiz uma obra de arte. — Ele contrapõe.
Eu não tinha visto ainda para negar ou afirmar sobre essa obra de arte,
então, fico em silêncio e esfrego a palma da minha mão em seu queixo,
tentando tirar a tinta, que só diminuiu um pouco.
Às mãos de Saint espalmam em minha cintura e ele começa a
massageá-la me deixando totalmente desperta. Meus olhos já não estavam
nem mais focados em seu queixo, mas sim em sua boca.
Ele inclina o rosto para tocar meus lábios, o ar quente da sua
respiração bate em meus lábios e eu só quero sentir o calor dos lábios dele
nos meus. E não o calor da sua respiração.
Saint beija o canto da minha boca, a maçã do meu rosto, meu nariz,
meus olhos e por último ele ameaça beijar a minha boca, mas não o faz.
Arfo frustrada e um sorrisinho permeia os lábios dele.
— Se eu te beijar agora, bailarina, eu não vou querer parar. E se eu
não parar, nós não iremos sair daqui hoje. — Ele murmura com a voz rouca.
— E se eu não quiser que você pare? — indago, sentindo as batidas
do meu coração descompassadas.
Foi a vez dele soltar um grunhido frustrado.
— Bailarina, se você quiser muito ir a essa festa saia de perto de mim
agora, caso contrário, eu entenderei a sua vontade e eu vou te levar para o
meu quarto. — Ele sentencia.
Solto um suspiro pesado e com pesar, eu me afasto. Saint solta outro
grunhido, e eu aproveito a deixa para pegar a minha bolsa em cima do sofá, e
a minha fantasia que estava em uma capa protetora.
— Sinto muito por você ser péssimo em me dar opções. Eu no seu
lugar diria: Bailarina, você escolhe, meu quarto, a sala ou o banheiro. Eu
certamente escolheria todos os três — digo, em um tom provocativo.
— Golpe baixo. — Ele resmunga.
Caminho até a porta e antes de abri-la, viro-me para Saint, que está
parado no mesmo lugar me olhando.
— Se está pensando em minha proposta, saiba que agora eu não quero
mais. — Ele resmunga, me fazendo rir.
— Que bonitinho, Santinho birrento — retruco, tirando sarro. — Eu
estava pensando aqui, que mal posso esperar para ver a sua fantasia.
Eu só havia percebido agora, que não sabia qual era a fantasia dele.
Eu não perguntei e nem ele me falou.
— Nossas fantasias certamente serão as melhores. — Ele garante,
com um sorriso no rosto.

Do banheiro ouvi a porta do quarto abrindo e eu sabia que era Saint.


Eu estava terminando de passar um batom vermelho. Eu não demorei
para tomar banho e me arrumar, mas demorei quase uma hora na maquiagem.
A maior parte do tempo eu fiquei vendo vídeos no YouTube que ensinavam a
fazer a maquiagem da Arlequina, não tinha muito segredo, mas eu queria que
ficasse perfeito.
Olho pela última vez meu rosto no espelho ao terminar de passar
batom e sorrio satisfeita, apesar do meu rosto ter consumido todo meu pó
compacto.
Meu cabelo estava exatamente como eu queria que ficasse, Saint tinha
feito um bom trabalho, mas não seria eu a alimentar o ego dele dizendo isso.
O cabelo foi a cereja do bolo.
Eu estava totalmente a carácter da Arlequina, vestindo um short curto
e de cós alto metade azul e metade vermelho, uma blusa branca com listras
vermelhas na manga e acima do ombro também em vermelho. A blusa tinha
8
os dizeres da blusa original da Arlequina: Daddy's Lil Monster .
Eu sempre fui muito fã de tênis e embora não goste muito de All Star
de cano longo, o que eu usava na cor preta com o cadarço branco completou
perfeitamente a minha fantasia.
— Noah, você já está pronta? — Saint pergunta.
Abro a porta do banheiro, Saint está de costas para mim observando a
minha prateleira de livros.
Tentando fazer minha voz soar a mais parecida o possível com a da
Arlequina eu digo:
— Oh, Pudinzinho! Você não quer acelerar a sua Harley?
Devagar Saint se vira para mim, minha boca se abre em surpresa,
tanto pela impecável maquiagem que ele está usando, quanto por ele estar
totalmente a carácter.
9
— Why so serious, my love? — Ele retruca.
— Oh, Deus, acho que eu acabei de adquirir uma fantasia sexual:
Coringa — murmuro.
Saint se aproxima, puxa-me pela mão e coloca um braço em volta da
minha cintura.
— Você está sexy e gostosa. Eu mal posso esperar para te mostrar
todos os meus brinquedos. — Ele murmura, com um largo sorriso, tornando
um tanto assustador o quanto ele estava idêntico ao Coringa.
Ignoro o duplo sentido da frase e fico nas pontas dos pés, alcanço seus
lábios e faço algo que eu queria fazer há horas atrás: beijá-lo.
É como a Arlequina dizia: Às vezes você precisa juntar duas pessoas
insanas para ter uma relação normal.
Saint era insano na medida certa para mim.

O som alto era audível dos portões da mansão dos avós de Claire e
Chloé, alguns carros faziam fila para entrar e na entrada da casa tinha uma
recepção onde podíamos deixar os presentes.
Saint tinha razão quando disse que nossa fantasia seria a melhor, nós
atraímos muitos olhares quando colocamos os pés no salão onde acontecia a
grande festa, ninguém estava tão assustador como nós. Eram fantasias
normais, bonitas e até mesmo meigas.
Mas a nossa era completamente a carácter. Eu tinha meu cabelo
pintado de azul e vermelho. Ele tinha o dele pintado de verde.
Saint tinha uma maquiagem assustadoramente impecável, vestia uma
camisa de botões verdes com um blazer vinho por cima e uma calça jeans
preta.
Uma caveira mexicana passa em nossa volta nos olhando dos pés à
cabeça. A maquiagem estava tão bem-feita que a tornava irreconhecível,
ainda mais pelo belo vestido preto tubinho que ela estava usando. Ainda sem
tirar os olhos de mim e Saint ela se aproxima.
— Então, quando foi que vocês combinaram tudo?
Valentina.
— Meu Deus, você está irreconhecível — murmuro e ela sorri
convencida.
— Levei horas no maquiador para sair essa perfeição aqui. — Ela
aponta para o próprio rosto. — E vocês?
— Nós não combinamos nada, eu nem mesmo sabia qual era minha
fantasia até algumas horas atrás — digo, mas sei que ela não irá acreditar
realmente nisso.
— Conheço o primo que eu tenho, certamente subornou a Claire.
Viro meu rosto para olhar Saint, que sorri demonstrando o quão
culpado era.
— Eu disse. — Val pontua, com um sorriso convencido no rosto e me
estende o copo que estava em sua mão. — Beba, vamos começar o
aquecimento.
Aceito o copo e bebo em um só gole o resto do líquido que havia nele.
O líquido desce queimando pela minha garganta e eu balanço a cabeça,
fazendo uma careta. Tequila, sem sal e limão não é tequila.
— Vai com calma, bailarina. — Saint me alerta. — Onde estão os
meninos? Preciso saber como foram as coisas no bar ontem.
Seu comentário faz meu olhar buscar pelo seu de imediato. Ele não
havia ido no bar hoje para isso?
— Pensei que você tivesse feito isso antes de ir me buscar no trabalho
— digo, pensativa e continuo o olhando esperando por sua resposta.
— E eu fui, mas ouvir dos funcionários é uma coisa, dos meninos é
outra. — Ele responde, dando de ombros.
Assinto, até que fazia sentido.
Nos aproximamos da mesa em que os meninos da banda estavam,
Claire estava ao lado de Tyrone e levantou em um pulo ao nos ver.
Cada um estava vestido com fantasias diferentes, apenas eu e Saint
com uma fantasia combinando. Tyrone estava vestido de Harry Potter, John
de Conde Drácula e Matthew de Slash. Isso só confirmava que sim, Saint
persuadiu Claire.
— Meu Jesus. — Claire exclamou. — Vocês estão roubando toda
atenção da minha festa. — Ela completa, em tom de brincadeira.
Ela estava sendo modesta, porque fantasia alguma deveria superar a
dela de Hera Venenosa.
— Você está muito melhor que nós dois juntos — retruco, com um
sorriso no rosto e me afasto de Saint para abraçá-la. — Feliz aniversário,
Clair, espero que você goste do presente quando abri-lo.
O presente havia sido recolhido assim que nos apresentamos na
recepção. Eu nunca tinha ido a um aniversário onde nós não entregávamos o
presente diretamente à pessoa, me espantei quando a mão da recepcionista o
segurou na entrada. Mas Saint disse que isso era normal, então não contestei.
— Pensei que você iria se fantasiar de Cérebro. — Saint provoca.
— E eu pensei que você pediria para se fantasiar de Pink. — Ela
retruca e volta a nos olhar dos pés à cabeça. — Vocês são perfeitos até
mesmo quando estão sendo assustadores.
— Nós não estamos assustadores. — Ele contesta.
— Vocês parecem ter saído de um filme de horror e não do esquadrão
suicida. — John zomba.
— Você está com inveja por estar vestido de Conde Drácula. — Saint
retruca, e puxa uma cadeira para se sentar.
Ele me puxa para se sentar em seu colo e isso atrai os olhares de todos
na mesa.
— Agora sabemos o motivo do seu sumiço ontem. — Tyrone
comentou, olhando para mim e Saint. — Estava demorando.
— Demorando para? — indago.
— Assumirem o que sentiam um pelo outro. O que vocês são agora?
— Ele pergunta.
Abro a boca para responder, mas quando percebo que não há
definição para o que somos, eu a fecho novamente.
Saint me olha percebendo meu desconforto e aperta a minha mão.
Seus olhos e o aperto diziam muito mais do que palavras poderiam dizer
agora. Ele está me passando uma confiança através desse aperto, firmando
que nós temos alguma coisa e que isso é real.
Olho novamente para Tyrone e respondo:
— Nós somos tudo. Sem rótulos, porque não há rótulos ainda que nos
defina, o que pode definir uma pessoa que é tudo para você se não essa
palavra: tudo? Tudo pode simbolizar muitas coisas, muito mais do que nós
mesmos demonstramos um para o outro.
O aperto em minha mão se intensificou, não ousei virar meu rosto
para olhar Saint. Isso era muito mais do que já admiti em voz alta para ele,
ainda mais na frente de nossos amigos.
— Isso foi tão romântico. — John diz, batendo as mãos no peito e nos
olha fingindo comoção.
Reviro meus olhos, sem conter um sorriso ao vê-lo me imitando.
Eu gostava do John, de todos ele era o mais brincalhão da banda. Ele
deixava tudo mais descontraído.
— Quer beber algo? — Saint pergunta em meu ouvido.
Balanço a cabeça negativamente.
— Fome? — Mais uma vez ele pergunta.
E novamente balanço a cabeça.
— Não quer nada? — Ele indaga, e eu me viro para olhá-lo.
Sua testa está franzida e eu a toco com meu dedo indicador.
— Você quer algo? — pergunto.
— Eu quero muito beijar você agora. — Ele confessa.
— Me beije, Saint Rivers, agora — peço em um murmuro.
Saint segurou minha cintura e encostou a testa na minha. Seus lábios
não hesitam quando encostam nos meus, ele me beija suavemente e envolvo
seu pescoço com os meus braços. Me permiti esquecer das pessoas a nossa
volta e ignorei os assobios que provavelmente deveriam ter sido puxado por
John. Sua língua pede passagem para dentro da minha boca, eu a permito
entrar, assim como permitiria tudo que ele quisesse de mim, um gemido
baixo escapou dos meus lábios e eu rezei para que ninguém além de nós
tenha ouvido isso.
— Podemos ficar aqui por uma hora e depois vamos embora, que tal?
— proponho a ele, quando afasto nossos lábios.
— Eu quero que você se divirta hoje à noite, bailarina. — Ele
murmura, pressionando o polegar em meus lábios.
— Eu vou me divertir, assim como vou me divertir com você também
— argumento antes que ele tente mudar minha ideia. — Por hora, vamos nos
divertir com nossos amigos.
Duas horas da manhã e eu já não sentia mais meus pés, nem mesmo
aguentava o peso do meu corpo. Eu dancei como nunca e aproveitei cada
segundo ao lado de Valentina, Claire e Chloé que finalmente apareceu vestida
10
de Satine .
Já não tinha mais tantas pessoas na festa como antes, o que tornou a
pista de dança mais convidativa e espaçosa.
— Vamos dançar só mais essa música. — Valentina implora, ao lado
de Matthew, minutos após nos sentarmos à mesa.
Não sei como ela conseguia se manter de pé. Nós bebemos as nossas
bebidas e a dos meninos, que ao invés de beber entraram em um assunto
tedioso sobre o bar, e em seguida, engataram em outro sobre a banda
deixando nós duas totalmente alheia sobre algo. Nós ficamos boa parte da
festa desfrutando da companhia uma da outra e dançando.
— A última — digo, dando-me por vencida e erguendo minha mão
para que ela me ajudasse a levantar.
Val me levantou e cambaleando, nós nos apoiamos uma na outra
fomos para pista de dança.
— Vocês voltaram. — Chloé grita com um copo de bebida em mãos.
Eu devia estar em um nível de teor alcóolico muito grande, pois via
duas caveiras mexicanas na minha frente ao invés de uma.
— Valentina, estou vendo duas de você — digo rindo, tento tocá-la
com a ponta do meu dedo para adivinhar qual Valentina era a real.
— Noah, minha lente! — É a voz de Chloé.
Abaixo a mão aos risos e coço meus olhos, consigo agora ver um
pouco mais nitidamente Chloé em minha frente.
— Vamos. — Claire grita, puxando duas belas ruivas pelas mãos,
seguida de uma loira com cabelos enrolados.
— Vamos onde? — Eu indago.
— Vamos pegar a atenção que devia ser nossa essa noite. — Claire
informa, como se fosse um grito de guerra.
Ela estava frustrada por Tyrone estar tão empolgado quanto os outros
meninos com a banda, o bar e músicas novas que Saint disse que estava
compondo.
Eu não entendi do que ela estava falando, até uma música sensual
começar a tocar e ver pessoas se afastando, abrindo um grande espaço no
salão.
Partition da Beyoncé começou a tocar, cadeiras foram se virando e
nos tornamos o foco. Eu sabia o quão alterada eu estava, mas queria a
atenção de Saint, tanto quanto Claire queria a de Tyrone.
E de dança... Bom, de dança nós entendemos bem.
A música acabou, Claire pediu para o DJ colocar outra, mas antes
mesmo que eu voltasse a dançar, Saint aproximou-se com um olhar felino no
rosto.
— Bailarina, acho que já podemos ir embora. — Ele murmura, com a
voz rouca.
Mordendo o lábio inferior, eu hesito entre voltar a dançar para
provocá-lo um pouco mais ou ir com ele. Por via das dúvidas, estendi a
minha mão e ele a pegou, puxando meu corpo para perto do seu.
— Vamos embora, Santinho. — Eu murmuro, com meus lábios bem
próximos aos seus.
Minha cabeça parecia que ia explodir quando acordei pela manhã.
Saint não estava ao meu lado na cama, o que estranhei. Eu podia estar
bastante alta na noite passada, mas lembro dele ter vindo se deitar comigo
após tomarmos banho juntos.
Tive a certeza de que ele não estava no apartamento depois que
levantei e fui tomar um banho na falha tentativa de curar a minha ressaca.
Estava na sala zapeando os canais da televisão, quando a porta do
meu apartamento se abriu e Saint apareceu em meu campo de visão. A
claridade que a porta aberta trouxe tornou a minha visão mais nítida, seu
cabelo está molhado e mechas caíam em sua testa, Saint cheira a frescor de
menta mesclado ao seu perfume amadeirado.
Passei tanto tempo divagando enquanto o olhava, que quando pisquei
ele não estava mais na porta e sim em minha frente.
— A preguiçosa acordou. — Ele cantarola e encosta os lábios em
minha testa. Em suas mãos tem duas sacolas, que eu não havia notado antes.
— Trouxe almoço para nós.
Almoço? Que horas devia ser isso?
Saint coloca as sacolas em cima da mesa de centro da sala e vai até a
cozinha. Quando volta, ele tem dois pratos em mãos e um copo de água, meu
olhar se torna mais confuso ainda quando ele me estende o copo e um
comprimido.
— Isso se chama cura ressaca. — Ele explica.
Minha expressão suaviza, bebo o remédio sob o seu olhar cuidadoso.
Saint sorri satisfeito e se aproxima, quebrando a distância entre nós em
poucos passos, ele senta ao meu lado e em seguida me puxa para sentar-se em
seu colo.
— Boa tarde, bailarina. — Ele murmura, passando os lábios na minha
mandíbula logo em seguida.
— Para mim ainda é bom dia, Santinho, muito bom dia — respondo-o
em um tom baixo.
Estendo a mão e deslizo meus dedos pelo seu cabelo molhado.
Enquanto me observa, um sorriso preguiçoso aparece em seu rosto.
— Eu vou precisar sair para encontrar os meninos, espero que não se
importe com isso.
— Isso quer dizer que eu só tenho você por hora? — pergunto e ele
balança a cabeça assentindo.
— Era para almoçar com eles, mas eu prefiro fazer isso com você. —
Ele confessa.
— Então eu devo dizer que eu sinto muito por você, mas nós não
iremos almoçar tão cedo — murmuro, e afasto as mechas do seu cabelo
molhado de sua testa.
— O que você planeja fazer, bailarina? — Ele questiona intrigado,
mas sem tirar o sorrisinho do rosto.
Suas mãos geladas seguram firmes em minha cintura por debaixo da
blusa, me fazendo estremecer apenas com esse contato. Seguro na barra da
minha blusa e devagar a levanto até retirá-la totalmente do meu corpo.
— Vou aproveitar o que você não deixou ontem — respondo,
queixando-me por ontem à noite durante o nosso banho após a festa, ele ter
me limitado a qualquer coisa que envolvesse nossos corpos nus e juntos.
— Noah, você estava levemente bêbada. — Ele argumenta,
deslizando a mão da minha cintura para a minha barriga em uma carícia
sensual e inclina o rosto para deslizar os lábios pelo meu pescoço.
— Eu estava, m-mas...
Estava se tornando difícil me concentrar com seus lábios beijando
minha clavícula e descendo para o meu colo. Ele levanta a cabeça para me
olhar.
— Mas? — Sua sobrancelha se ergue me questionando.
— Eu também queria o Coringa. Sabe-se lá quando vou ter essa sorte
de novo — completo, queixando-me mais uma vez.
Saint ri com a boca em meu ombro. O som reverberou no fundo da
minha alma, se tornando meu som favorito. Eu amo o som da sua risada,
tanto quanto amo o som da sua voz.
Determinada, segurei na gola da sua camisa e trouxe seu rosto para
perto do meu. Ele virou-se sentando de lado e eu aproveitei para empurrar
seu corpo para trás, o deitando no sofá. Saint me segurou pela cintura e levou
meu corpo junto com o seu, seus olhos fitaram meu rosto por longos
segundos antes dos seus lábios repousarem sobre os meus. Suas mãos
exploravam cada parte do meu corpo, enquanto a sua língua quente movia-se
dentro da minha boca espalhando o leve gosto de cafeína.
Enquanto nos beijávamos, senti a ereção de Saint pressionada em
minha barriga. Arfo em sua boca e com dificuldade, afasto nossos lábios para
puxar a sua camisa para cima. Levou poucos segundos para ela encontrar o
seu lugar no chão da sala e levou muito menos que minutos para que ambos
estivéssemos completamente nus sentados em cima do sofá.
Saint tinha seus lábios macios e quentes em meu mamilo, o toque da
sua língua sobre ele era viciante. Sua boca abandonou meu mamilo e se
encaminhou novamente para o meu pescoço, ele me marcava com seus
lábios, quando abandonou meu pescoço seu olhar encontrou o meu, ele sorriu
e me beijou com mais ardor, mais profundamente. Sua ereção me pressionava
e eu gemi em sua boca para mostrar-lhe que eu queria muito mais do que
isso.
Mas não foi só o som do meu gemido que foi ouvido, o som da
campainha reverberou em nossos ouvidos, fazendo com que Saint afastasse a
boca da minha. Gemi em protesto, mas sabia que era arriscado continuar o
que estávamos fazendo no meio da sala.
Resmungando baixinho, levantei do seu colo frustrada e procurei por
nossas roupas no chão. Deixei o sutiã de lado e vesti a blusa de Saint, minha
calcinha e o meu short, antes de caminhar em direção à porta.
Dei uma última olhada para ele antes de abrir a porta, precisava me
certificar de que ele estava vestido antes de abri-la. E ele estava terminando
de colocar a sua calça jeans branca.
Abro a porta e segurando firme na maçaneta para não perder o
equilíbrio, encaro surpresa a figura parada em minha frente. Seu olhar muda
de mim para Saint em uma expressão surpresa.
— Saint? — Ela indaga surpresa, voltando a me olhar.
Tentando assimilar tudo que aconteceu nas últimas horas e o que
acabou de acontecer, finalmente consigo abrir a boca.
— Mãe? — pergunto estatística.
— Oh, querida, minha Noah. — Ela murmurou, com sofreguidão. —
Eu sinto tanto a sua falta.
Ela me puxa para um abraço apertado, eu me encolho em seus braços
e a aperto como se pudesse sufocar toda a saudade que senti apenas com esse
gesto.
Ouço os passos de Saint se aproximando, solto a minha mãe e viro-me
para olhá-lo. Minha mãe disse o nome dele, eles se conheciam e eu queria
saber como isso era possível. Ela não o conhecia nem mesmo por foto,
apenas ele a conhecia pelas fotos em minha prateleira e no celular.
— Eu vou indo nessa. — Ele murmura. — Bom te ver de novo,
senhora Clark.
De novo?
Minha mãe revira os olhos para ele, quando ele passa por ela e
atravessa o corredor. Ela intercala o olhar entre nós dois.
Meu Deus, que situação desconfortável.
— Saint, eu já disse que pode me chamar de Grace. — Ela resmunga.
Ele apenas balança a cabeça confirmando e entra no apartamento.
— Vocês se conhecem? — pergunto, a puxando para dentro do meu
apartamento e fechando a porta logo em seguida.
— Ele não te contou? — Ela pergunta surpresa.
— Não, Saint pelo visto esconde coisas de mim.
— Oh, merda, então se era surpresa, eu a estraguei. — Ela resmunga
mais para si mesma do que comigo.
— Surpresa?
Minha curiosidade acabou de ser aguçada.
Minha mãe olha para o meu sutiã jogado no chão, e em seguida, para
o sofá e as sacolas em cima da mesa.
Um tanto constrangida e envergonhada, me abaixo e pego meu sutiã
no chão da sala.
— Eu sinto muito por isso, mãe — murmuro, sentindo minhas
bochechas corarem no mesmo segundo.
— Você está se cuidando certo? Tomando os remédios todos os dias
de manhã como eu ensinei? Tem se protegido?
Fui bombardeada de perguntas que me senti incapaz de responder,
apenas assenti. Eu me cuidava e tomava remédios regulamente como ela me
orientava desde a adolescência. Mas conversar sobre isso a essa altura da
minha idade com a minha mãe era bem constrangedor.
— Saint trouxe almoço. Vou guardar isso no quarto e podemos
almoçar juntas, que tal? — digo, mudando totalmente o rumo do assunto.
— Excelente ideia, querida, troque de roupa também. Iremos sair com
a Dora e a Loren.
Ao ouvir isso, soube que havia muito mais por trás da história dela
conhecer Saint.

Nós almoçamos na cozinha e antes dela me bombardear de perguntas,


eu a questionei sobre tudo que envolvia Saint. Descobri muito mais do que
esperava ter descoberto e até agora não sabia como assimilar isso.
Meu peito inflou com tamanha gratidão, não só por Saint, mas pela
família dele também. Eu me sentia um pouco chateada por ter ficado às
escuras sobre isso, entretanto, o propósito de Saint ao fazer isso superava
qualquer chateação.
— E Juilliard? É tudo o que você achou que seria? — Minha mãe
pergunta, logo após encerrarmos o assunto Saint.
Ela gostou dele e era nítido isso.
— É muito mais do que eu esperava, lia e via na internet. É
maravilhoso, mãe — digo sem esconder a minha empolgação por estar
estudando dança em Juilliard.
— E a transição, as pessoas?
— Foram bem recepcionistas, tirando Saint no início que foi um
tanto... — paro para pensar, não conseguia definir Saint sem usar a palavra
arrogante, mas hoje ele não é mais assim e usar a apalavra arrogante seria
como se eu estivesse o ofendendo.
Saint hoje é tudo, menos arrogante.
— Bom, ele era um Saint rebelde, talvez... A Val é tão atenciosa que
veja onde eu estou hoje — digo, fazendo menção com as mãos para o
apartamento.
— Eu gostaria muito de conhecê-la. — Minha mãe diz, com um
sorriso no rosto. — Você conheceu pessoas tão boas e maravilhosas, que o
tempo todo meu medo e o do seu pai era não poder te proteger do mundo.
— Eu estou a salvo, mamãe, e sei que não importa onde eu esteja,
vocês vão me salvar.
Minha mãe sorri orgulhosa e eu me sinto em casa nesse momento,
mesmo com a ausência do meu pai. Tê-la por perto é muito importante para
mim e eu devia muito a Saint por isso.
Saí do apartamento de Noah pela tangente logo após sua mãe
aparecer. Não era assim que eu esperava que ela descobrisse que eu já havia
conhecido a sua mãe e também não era assim que eu esperava que Grace
descobrisse sobre Noah e eu.
— Saint! — John joga a baqueta da bateria em meu peito. — Acorda,
cara, estamos falando com você.
— O que vocês estavam falando mesmo? — pergunto, meio perdido
no assunto.
Eu vim direto para o bar, tínhamos uma reunião e ensaiaríamos logo
em seguida.
— Sobre suas novas composições, são todas sobre amor. — John diz,
revirando os olhos, bufo baixo ao achar que eles não gostaram. — Mas são
excelentes, podemos entrar nessa aqui com um grave, um canal na ponte e no
refrão.
Ele estende a letra escrita no papel de partitura já com as notas. John
era brincalhão, mas quando se trata de música, ele assume uma postura séria.
Ele sempre teve uma visão artística e musical mais ampla, aponta o que deve
ser melhorado e antes mesmo de me apresentar as suas melhorias, ele as testa,
e só me mostra quando acredita fielmente que está no tom perfeito.
— Você já testou? — pergunto, mesmo sabendo que ele já tinha feito
isso.
— É claro, caso contrário, não estaria te dando essas sugestões. — Ele
informa.
— Então, estamos preparados para ensaiá-la — informo.
— Você vai cantar a música hoje? — Matthew pergunta curioso.
— Não hoje, mas um dia talvez... — respondo.
Um dia bem especial por sinal.

Com a setlist para a apresentação de hoje à noite em mãos, eu estava


nos bastidores sentado encarando o copo de whisky em minhas mãos. Eu
estava apreensivo o bastante para conseguir digerir qualquer líquido que
fosse.
Não vi Noah quando fui em casa tomar banho, Valentina disse que ela
não estava em casa. Será que ela está com raiva de mim pelo o que fiz? Eu
sabia que deveria tê-la consultado antes de oferecer um emprego a Grace.
— Maninho? — ouço a voz de Loren do outro lado da porta.
Deixo o copo de lado e me levanto para abri-la, mas antes mesmo que
eu completasse meu caminho até a porta, ela se abre. Noah estava parada em
minha frente segurando a mão de Loren.
As duas entram e sem dar a mínima para a minha presença, Loren
corre na direção da minha guitarra. Mantenho meus olhos vidrados em Noah
e a observo respirar fundo, ela avança em minha direção. Eu estava preparado
para receber seus gritos e até mesmo socos, mas relaxei a postura e respirei
fundo quando os seus braços me envolveram em um abraço apertado.
Noah afrouxou o aperto e encostou a testa na minha.
— Obrigada. — Ela murmura e encosta os lábios nos meus, dando-me
um beijo casto, mas singelo. — Não, não, obrigada. Queria dizer muito mais
do que isso, não é o suficiente.
— Noah... — murmuro seu nome tão baixo, que se ela não estivesse
perto não ouviria. — Você quase me matou com esse silêncio durante o dia,
sinto-me com um peso tirado de minhas costas nesse momento. Não está
brava comigo? — pergunto, olhando em seus olhos.
Ela balança a cabeça negando, com um sorriso contido ela morde o
lábio inferior.
— Saint, é a minha mãe! — Ela exclama, demonstrando toda a
felicidade em seu tom de voz. — Você trouxe a minha mãe para perto de
mim por uns dias e eu a terei por perto três vezes na semana. Ainda lhe deu
um emprego e confiou à ela o legado da sua família, um pedaço do seu avô!
Eu jamais serei capaz de retribuir algo desse tamanho, Saint.
— Eu fiz isso por você, bailarina, para ajudar você. Se isso for o
suficiente para ajudar vocês em tudo que precisam, já me sinto retribuído.
— Você não tem mesmo ideia do que fez, certo? — balanço a cabeça
negando. — Eu me apaixonei ainda mais por você, Saint Rivers. Isso é
possível?
Eu não tinha mesmo ideia do que tinha feito. Vim de uma família com
boas condições financeiras, sou herdeiro de uma fábrica de madeiras, sou
vice-presidente da empresa que abrirá em breve e tenho meu próprio negócio.
E Noah sempre foi de família nobre, mas eu sabia que para ela, era muito
mais do que eu podia imaginar.
Assim como sabia que as palavras: eu me apaixonei ainda mais por
você, Saint Rivers, tem muito mais significado do que ela demonstrava.
— Se apaixone por mim todos os dias, bailarina, você nunca irá se
arrepender disso.
Noah está prestes a me beijar, mas Loren finge uma tosse e eu sou
forçado a me virar para olhá-la.
— Huh, que nojo. — Ela resmunga, nos fazendo rir.
— Nós precisamos ir, seus pais estão sentados em uma das mesas no
andar de cima e posso dizer que seu pai está muito orgulhoso falando para a
minha mãe o quanto você é talentoso. — Noah informa.
Abro um sorriso satisfeito ao saber disso.
— O que a sua mãe falou sobre nós dois? — pergunto, um tanto
curioso.
— Coisas de mãe, você sabe... Noah está tomando o remédio como te
ensinei? Tem se protegido? Essas coisas. Minha mãe gostou de você e isso é
tudo. — Ela responde, dando de ombros com a bochecha corada.
— Então, eu conquistei a sua mãe também? — indago.
— Talvez, o quanto seu ego vai aumentar com isso? — Ela retruca.
— Um pouco, 1% talvez — respondo, sob seu olhar duvidoso.
Somos interrompidos pelos meninos que entram empolgados e
falando alto. Noah vê isso como uma deixa para me abandonar e chama
Loren.
Minutos após elas saírem, eu subo ao palco e sob o olhar orgulhoso
do meu pai no andar de cima, eu canto Things My Father Said do Black
Stone Cherry.

The things my father said would make me a better man


(As coisas que meu pai disse fizeram-me um homem melhor)
Hard work and the love of friends, a woman that understands
(Trabalhe duro, ame seus amigos e encontre uma mulher que o compreenda)
I hope my father knows the seeds we've sown still grow
(Eu espero que meu pai saiba que as sementes que nós plantamos ainda
crescem)
At night I go to sleep and pray he is watching over me
(Esta noite eu vou dormir e orar para que ele esteja me observando)

Canto não só para ele, mas para o meu avô. Canto para que eles
saibam que eu sempre irei levar comigo todos os ensinamentos que eles me
deram. E não importa onde, eu sempre os levaria comigo.
“Estava cantando sozinho.
Agora eu não consigo encontrar uma nota sem você.”
SYMPHONY – CLEAN BANDIT FEAT. ZARA LARSSON

OS PREPARATIVOS PARA O FESTIVAL COMEÇARAM COM


TUDO, e com isso, o nosso ritmo de ensaios aumentaram também. Tudo que
estava ao meu alcance e que eu pudesse fazer para me aprimorar eu fazia.
Prova disso, era o que eu estava fazendo hoje. Era quarta-feira à noite,
eu os dei folga do bar. Noah insistentemente quis trabalhar, não sei o que ela
fez, mas Tyrone apoiou a causa e lá estava ela semanas atrás preparando
bebidas no bar. Eu me pergunto como ela aguenta estudar, trabalhar na
livraria, ensaiar e ir para o bar comigo de noite. Grace agora trabalhava na
empresa e quando contei para ela o que a filha estava fazendo, não teve mãe
que segurasse Noah. Ela queria trabalhar e ponto final. Isso me fez amá-la
ainda mais, Noah queria se reerguer e se tornar independente sozinha.
A puxo para mais perto, ela aninha seu pequeno corpo ao meu e passa
uma das pernas por cima da minha. Nós estamos deitados em minha cama,
assistindo apresentações de danças. Para ser mais exato, o famoso Lago do
Cisne.
— Essa é a terceira apresentação com o mesmo tema, por que diabos
as pessoas só sabem se inspirar em Lago do Cisne? — queixo-me, com os
olhos atentos na apresentação.
Sua cabeça se levanta para me olhar, ela estava pensativa. Talvez
pensando em uma forma de me explicar ou perguntando a si mesma porquê
de fato a maioria das apresentações que nós vimos era com esse tema, quando
nós mesmos não iremos dançar ele.
— Porque é um clássico, mas eu não tinha percebido que nós
estávamos vendo mais de uma vez o mesmo tema. — Ela torce seu lábio e
desvia o olhar para a televisão e volta a me olhar. — Isso é o Cisne Negro,
Saint!
Seu espanto por eu não saber diferenciar uma apresentação da outra
me fez rir, eu deveria saber?
— Sim, você deveria saber! — Ela esbraveja, como se tivesse lido a
minha mente. — Eu te falei o nome de cada apresentação e expliquei cada
ato.
— São todos cisnes, bailarina. Não me venha querer que eu grave se
ele é preto, branco, azul ou rosa.
— Não existe Cisne Rosa, muito menos azul — informa exasperada, e
a sua cabeça cai para trás em uma gargalhada.
Dou de ombros, eu realmente não fazia a mínima.
— Isso está chato! Se programe para sábado, não vou estragar meu
sábado em casa vendo isso de novo.
— Sábado nós vamos ver Lago dos Cisnes. — Ela argumenta,
segurando o riso.
— Mas não vamos mesmo! — digo decidido a pôr um fim nisso.
Eu só precisava dar um jeito de conseguir me livrar da programação
que Noah tem em mente para sábado e arrumar uma melhor.

— Você é um gênio! — exclamo para Matthew.


Ele levanta a cabeça e me encara do outro lado da mesa, com a boca
cheia de cereais, sua sobrancelha se levanta sem entender. Afasto a tigela de
cereais da sua frente, trazendo a sua atenção para mim.
— Você vai comprar os ingressos, eu preciso deles e quero o melhor
lugar se possível.
— A essa altura os ingressos já estão esgotados, isso é impossível. —
Ele contesta, balançando a cabeça.
— É por isso que eu estou pedindo para você. Você irá fazer o
impossível para conseguir essas entradas, pelo simples fato do reitor da sua
faculdade estar participando da cadeira de olheiros dessa apresentação —
insisto.
— O Paul também está, afinal, você estuda em Juilliard! — Ele tenta
contornar.
— Eu não tinha pensado nisso — confesso, coçando a barba. — Você
é mesmo um gênio — empurro a tigela de volta para ele.
— Odeio essa sua nova versão apaixonado. — Ele retruca.
— Cale a boca, ninguém pediu a sua opinião.
— Não mesmo?
Ignorando seu comentário nem um pouco sarcástico, pego o meu
celular e começo a digitar uma mensagem para o Paul, que me responde
imediatamente.
Eu: Fiquei sabendo que um certo reitor irá assistir um musical na
Broadway esse final de semana... E olha que coincidência, preciso de
ingressos.
Paul: Você sabe que somos a maior escola de dança do mundo,
seria impossível Juilliard não estar presente em uma grande
apresentação dessa. Olivia Ophran é a estrela da noite e estamos de olhos
nela.
Eu: Olivia o quê?
Paul: Esquece. Não tenho esses ingressos para você, os que ganhei
do responsável pela apresentação foi para os melhores alunos da turma
de dança.
Eu: Mas Noah é uma das melhores, não?
Paul: Ela já irá ganhar os dela.
Eu: Acho que a Valentina irá gostar de saber que o apartamento
dela nunca esteve em reforma. Por mais uma coincidência, ela é minha
vizinha.
Três pontinhos sinalizaram que ele estava digitando.
Paul: Tudo bem, eu lhe darei um ingresso.
Eu: Um não, dois.
Paul: Dois?
Eu: Um para mim e outro para Noah.
Paul: Mas ela já vai ganhar um!
Eu: Não vai mais, eu vou levá-la, ela tem que achar que eu dei
duro para conseguir. O que não é uma mentira.
Paul: Tudo bem. Dois ingressos.
— Sabe... O traje para entrar na Broadway são formais, só para avisar.
— Matthew comenta.
Agora ele tem a minha atenção. Levanto a minha cabeça para olhá-lo,
eu odeio roupas formais.
— Formais, tipo? — indago, estreitando meu olhar.
— Nada que você tem no seu guarda-roupa, além do mesmo terno que
usa para trabalhar. — Ele ironiza.
— Por que você não disse isso antes? Paul acabou de ceder dois
ingressos.
— Só me lembrei disso agora. — Ele dá de ombros e volta a comer os
cereais.
Meu celular vibra e eu deslizo o dedo na tela para ver a mensagem.
Paul: Valentina já está com seus ingressos. Você irá precisar dar
adeus por um dia as jaquetas de couro e aos jeans :)
Eu: Já estou arrependido.
O que não era uma mentira.

Quando Noah entrou em meu quarto, eu já estava arrumado, me


arrumei às cinco horas e a apresentação era oito horas. Ela ainda não sabia
que iríamos sair, por isso me arrumei antes do horário.
— Uau! — Ela exclama, me olhando dos pés à cabeça.
Eu tentei me vestir em um traje mais formal possível: uma camisa
social branca com os primeiros botões abertos, uma calça preta e para
completar um blazer que eu estou usando aberto. Nada informal demais e
muito menos de gravata.
É claro que precisei de uma ajudinha, e para isso eu tinha a Valentina.
— Para onde você vai? — Noah pergunta.
— Assistir ao Lago dos Cisnes, com você — informo, com um sorriso
torto.
— Assim?
A desconfiança em sua voz, me faz rolar os olhos.
Pego a caixa branca em cima da minha cama e caminho em sua
direção. Quebro o espaço que havia entre nós e estendo a caixa em sua
direção, em cima da tampa, estava o envelope com os ingressos para o
musical.
— Nós iremos assistir ao Lago dos Cisnes, bailarina, na Broadway —
informo e sua boca se abre em choque.
— Você está falando sério?
— Noah, alguma vez você já me viu vestido assim, senão para
trabalhar? — Ela balança a cabeça negando. Passo as costas da minha mão
em seu rosto, o acariciando e sorrio. — Então, me leve a sério.
Eu estava vestindo um traje muito mais formal do que eu costumava
usar para ir há algumas reuniões administrativas da empresa do meu pai.
— Quanto tempo eu tenho para me arrumar?
— Uma hora no máximo, talvez.
— Só uma hora? — Ela indaga, quase gritando.
— Isso é impossível, eu não tenho uma roupa para ir a Broadway. Por
que não me disse mais cedo?
Levo meu dedo indicador até os seus lábios e a silencio.
— Abra a caixa, bailarina, você consegue fazer o seu melhor em uma
hora.
Ela prende o lábio inferior entre os dentes e me dá um olhar hesitante.
Ela abre a caixa e quando seus olhos veem o que tem dentro dela, ela me olha
e balança a cabeça negativamente.
— Eu não posso aceitar, Saint. — Ela diz, ainda olhando para o
vestido.
— Sim, você pode. Por favor, Noah — suplico. — Eu realmente estou
muito a fim de ver essa apresentação — minto, eu não estava a fim de ver
Lago dos Cisnes tão cedo em minha vida.
— Você é muito mentiroso. — Ela atira, segurando o riso.
— Você pode ir se arrumar, por favor? — insisto mais uma vez.
— Tudo bem, mas na próxima vez que planejar algo me avise com
antecedência para que eu possa estar preparada.
— Como quiser...
Ela me corta, encostando seus lábios nos meus ao me dar um beijo
rápido e se afasta. Solto um grunhido insatisfeito, queria muito mais do que
um beijo.
— Preciso ir me arrumar, tenho menos que uma hora. — Ela
argumenta, diante a minha reação.
Noah sai do meu quarto e eu vou para sala esperar por ela. Esse é um
dos motivos pelo qual eu me arrumei cedo, mas estou começando a achar que
era melhor eu ter feito o contrário, deveria estar me arrumando agora. Mas
ainda assim, eu iria me arrumar primeiro que ela.

Ela levou exatamente uma hora para se arrumar, bem pontual. Mas
quando meus olhos focaram em seu vestido, eu perdi o fôlego.
O vestido que Noah está usando é tudo, menos simples, ela está
usando um vestido preto de alças finas que abraça perfeitamente as curvas do
seu corpo e tem também uma abertura sexy pra caralho na perna que me faz
ter muito pensamentos pecaminosos. E provavelmente, ela cheira
incrivelmente bem quanto parece.
Eu amo a Valentina. Ela me ajudou não só escolher a minha roupa,
como escolheu esse vestido para Noah.
— Saint? — Ela chama a minha atenção, e eu foco meu olhar nela.
— Sim? — levanto a minha sobrancelha a encarando.
— Pare de me olhar assim. — Ela murmura, com um sorriso tímido
no rosto.
— Assim como? — pergunto, e dou um passo em sua direção.
— Como se estivesse tendo pensamentos propícios em relação a
minha pessoa.
— Mas eu estou tendo esses pensamentos nesse exato momento.
Quero arrancar esse vestido — confesso.
— Hora errada para esses tipos de pensamentos. Nós não deveríamos
já estar a caminho? — Ela me relembra.
— Não só deveríamos, como estamos indo.
Caminho em sua direção e quando paro em sua frente, inclino a
cabeça e beijo seus lábios.
— Você está linda — elogio-a, afastando a minha boca da dela antes
que eu a arraste para o meu quarto.
— Você está bonito, mas eu prefiro seus jeans surrados e as suas
camisas malpassadas. — Ela comenta, ao segurar em minha mão e entrelaçar
nossos dedos.
Eu gosto desse encaixe, é como se as pequenas mãos de Noah fossem
feitas para se encaixar perfeitamente nas minhas.
— Vou anotar isso mentalmente, bailarina — murmuro.
Saímos do meu apartamento e durante o caminho até o
estacionamento, eu fiz uma nota mentalmente para não me esquecer.
Prestar atenção na apresentação, ao invés de ficar olhando para Noah.

Seus olhos brilhavam enquanto fazíamos nosso caminho até o nosso


assento, Noah estava em êxtase com o teatro lotado.
Para mim não era nada mais e nada menos, que apenas um lugar cheio
de cadeiras e uma decoração como qualquer outra. Mas para pessoas
sonhadoras como Noah, isso aqui era uma meta a ser alcançada.
Era o mundo dela, e do mundo dela eu viveria só para ter o privilégio
de vê-la transbordar emoções apenas com um olhar e receber todos os
sorrisos que ela está dando nesse momento, enquanto observa o cenário
montado no palco.
— Está animada? — pergunto.
— Isso aqui é o máximo, Saint! — Ela exclama, tentando controlar a
empolgação e foi impossível não sorrir com o seu entusiasmo.
— Vai ter outras apresentações além do Lago dos Cisnes. E sabe, eu
nunca assisti essas coisas e tirando o Lago dos Cisnes que eu sei de trás para
frente, eu não sei absolutamente nada — confesso.
— Não seja por isso, eu te explico ato por ato. — Ela segurou em
minha mão e a apertou. — Olha, vai começar. — Ela diz, apontando com a
outra mão para a mulher no palco.
— Para mim, é uma grande honra poder apresentar o “Clássicos do
Século”, porém, eu devo avisar que não será do modo tradicional, como
sempre assistimos aqui ou em documentários. Hoje, os clássicos terão
músicas atuais e apenas a dança, sem interpretações. Espero que apreciem
cada um dos espetáculos apresentados, iniciando por um clássico do ano de
1856, com os bailarinos Isaac Risson e Alyssa Easten interpretando Conrado
e Medora em “O Corsário”.
Noah soltou a minha mão para bater palmas, assim como as demais
pessoas fizeram. Eu não sabia se deveria bater palmas por algo que ela disse
que para mim parecia ser em outra língua ou se batia palmas também.
As palmas se cessaram e foi dado início a primeira apresentação ao
som de Every Breath You Take.
Olhei para Noah confuso, eu não estava entendendo nada.
Ela vira o rosto e ao notar a minha expressão confusa, ela aproxima o
rosto do meu.
— Essa apresentação é baseada no poema de Lord Byron, na versão
original tem o repertório de Adolphe Adam e essa, é claro, é uma versão mais
moderna. — Ela explica baixinho. — O Corsário é contado em 3 atos, com
prólogo e epílogo. Ele começa em alto mar, onde o navio de Conrado, líder
dos corsários, enfrenta uma tempestade. — Ela completa, e minha atenção
está em seus lábios enquanto fala.
A sabedoria que ela tinha em relação ao ballet era de se admirar. Me
pergunto se há alguma coisa que ela ainda não saiba, mas a verdade é que nós
sempre buscamos saber tudo sobre as coisas que amamos. E é por isso que eu
sempre quero saber mais e mais sobre ela.
Travo uma luta interna para desviar meu olhar do dela e voltar a
atenção para o palco, no momento estava se passando o ato que ela havia
acabado de falar.
— O navio deles encalha. Conrado e seus homens, Birbanto e o
escravo são encontrados na praia por um grupo de jovens, lideradas por
Medora e sua melhor amiga Gulnara. Eles contam sobre suas aventuras e
como foram parar naquele lugar, e durante o relato, Medora e Conrado
imediatamente se apaixonam. Elas são surpreendidas por Lankedem, um
mercador de escravos que as captura e as leva para serem vendidas por altos
preços. Os corsários ficam à espreita e seguem seus passos para tentar
resgatá-las. Enquanto isso no mercado de escravos, um rico Paxá de nome
Seid está à procura de belas mulheres para seu harém. Lankedem lhe mostra
todas as mulheres que capturou em suas viagens, mas nenhuma lhe interessa,
até o momento em que Gulnara é apresentada. Lankedem e Gulnara dançam
o famoso número conhecido como "A Escrava e o Mercador". — Ela
continua narrando para me explicar.
Eu ainda observava a apresentação, agora entendendo melhor do que
antes.
Quando a apresentação acabou, voltei a olhar para Noah, enquanto os
próximos dançarinos não entravam em cena.
— Eu ainda ia te mostrar esse repertório, mas isso aqui. — Seus olhos
rodeiam pelo teatro. — É muito melhor do que ficar vendo na televisão.
Tenho que concordar, é muito melhor olhar os passos ao vivo e
analisá-los do que vê-los em uma televisão.
— Qual é o próximo agora, espertinha? — pergunto.
Ela pega o papel que nos deram na entrada onde tinha a lista das
apresentações e olha atentamente.
— Chapeuzinho Vermelho. — Ela diz simplesmente.
— Chapeuzinho Vermelho? — indago.
Ela assente segurando o riso, e eu já sei que se trata de uma
brincadeira dela para testar meus conhecimentos.
— Posso não saber ainda todos os repertórios que há no ballet, mas
tenho certeza que Chapeuzinho Vermelho e o lobo mau não estão inclusos.
— Como você pode ter tanta certeza assim? — Ela retruca.
— Apenas tenho, mas — ressalto e ela levanta a sobrancelha,
esperando que eu fale — se tem uma Chapeuzinho Vermelho aqui,
certamente é você.
— E deixa eu adivinhar? O lobo mau é você. — Ela desdenha, sem
conter um risinho.
— Talvez — murmuro.
A segunda apresentação se eu não soubesse qual era no momento em
que os dançarinos entraram, Noah com certeza me bateria. Era Romeu e
Julieta, e nós assistimos os vídeos desse repertório na semana passada. Pelo
canto do olho não pude deixar de perceber um sorriso de satisfação no rosto
de Noah. Eu tinha a minha atenção toda presa no palco, Romeu e Julieta foi
um dos vídeos que eu mais gostei de assistir.
Quando a apresentação acabou, eu queria que começasse de novo e
quando foi dado início ao primeiro ato de o Lago dos Cisnes ao som de
Helium da sai, eu desejei mais uma vez voltar para Romeu e Julieta.
Na minha mente só tinha: Lago dos Cisnes, Lago dos Cisnes e Lago
dos Cisnes.
Duas semanas assistindo a mesma coisa. Duas semanas pedindo
misericórdia a Noah por mim. Duas semanas sonhando com Cisnes.
Foquei a minha atenção em Noah, seus olhos não desgrudaram dos
personagens no palco, e os meus não se desvivam dos dela por um segundo
que fosse.

Eu assisti Noah se emocionar em vários momentos, em muitos outros


rir e sorrir. E agora que as apresentações encerraram, eu gostaria da chance
de assistir de novo, por ela. Mas sem o Lago dos Cisnes, é claro.
Pessoas se locomoviam à nossa volta para sair do teatro, nós
permanecemos sentados até que a multidão se acalmasse. Qual o problema
nas pessoas em esperar e ter calma na saída?
— E vocês vieram mesmo — ouço a voz do tio Paul, algumas fileiras
a nossa frente, quando já não havia mais quase ninguém aqui dentro. — Já
estão de saída? — Ele pergunta, saindo da sua fileira acompanhado da tia
Natasha.
— Não, estamos aqui porque decidimos morar aqui dentro — retruco
sarcástico, e sinto um belisco em meu braço.
Viro meu rosto para encarar Noah.
— Ele é seu tio, seja mais educado. — Ela me repreende.
Mal sabe ela que ele é pior do que eu.
— Não ligue para eles, Noah, é assim sempre. Se torna pior com a
Valentina junto. — Tia Natasha intervém, ao se aproximar de nós.
Me levanto da cadeira e saio da fileira, para cumprimentá-la com um
beijo no rosto.
— Tia Natasha, sempre sendo a melhor de todas — digo, fazendo tio
Paul bufar. — É bom vê-la.
— Não seja galanteador, Saint, você nem liga mais para a velha tia
aqui.
Reviro meus olhos com seu drama, Valentina tinha a quem puxar.
— Eu ando muito ocupado ultimamente.
— Bom. — Tio Paul, coça a garganta. — Vocês gostariam de nos
acompanhar até os bastidores? — Ele pergunta.
— Está brincando? — Noah indaga animada.
— Nunca falei tão sério em toda a minha vida. — Ele assegura.
— Isso é demais! É claro que nós queremos. — Ela afirma.
— Olivia Ophran é o nosso alvo para a Juilliard.
— A que dançou o Lago dos Cisnes? — Noah pergunta e ele balança
a cabeça assentindo. — Foi a melhor apresentação, eu até chorei. — Ela
confessa, soltando um risinho.
— Isso eu discordo de você — pontuo, trazendo a atenção do seu
olhar aguçado para mim. — Romeu e Julieta foi muito melhor.
— Está dizendo isso porque está cheio de Lago dos Cisnes. — Ela
atira.
Dou de ombros, isso por si só confirmava o que ela havia dito.
— Saint vendo apresentações de ballet? — Minha tia indaga
incrédula. — Noah, você faz milagres.
— Eu te disse, mas você não acreditou. — Tio Paul solta um risinho,
ele olha para os lados analisando a quantidade de pessoas que ainda estão por
aqui. — Vamos conhecer a nossa Princesa Odette. — Ele diz.
Noah e eu o seguimos até os bastidores, quando chegamos havia uma
quantidade significante de pessoas. Tio Paul sussurrou algo no ouvido de
Noah e se afastou.
Eu não sei porque esperava que Noah fosse falar com outros
bailarinos primeiro, era óbvio que ela já tinha seu alvo. E era na direção da
loira alta que tinha um grande sorriso no rosto que eu estava sendo arrastado.
Ela ainda vestia a mesma roupa que usou em sua apresentação e as duas
penas em seu cabelo só fez com que eu lembrasse que ela havia dançado o
repertório que eu tenho trauma.
Ela sorriu ao notar a nossa presença e Noah sorriu mais ainda só de
poder estar perto dela. Me pergunto quantas vezes ela se imaginou no lugar
dela.
— Eu gostei demais da sua dança, Olivia! Para mim, foi a melhor de
todo o espetáculo. — Noah a elogia.
É claro que foi. Penso comigo mesmo.
— Muito obrigada, Barbie. Lhe chamarei assim, porque não sei seu
nome.
Solto uma risada ao lembrar da minha irmã a chamando assim. Paro
de rir ao ser acertado por uma cotovelada de Noah na lateral do meu corpo.
Olho para ela com um falso olhar de dor e sou ignorado, sua atenção está de
volta na bela loira em nossa frente.
— A sua dança foi encantadora. Ela conseguiu me transmitir toda a
dor que Odette sentiu ao ser trocada pelo príncipe! Nem nos documentários
que vi, foram tão perfeito.
— E foram muitos — resmungo, e Olivia sorri abertamente.
— Eu apenas transmiti muito bem a dor por passar por ela
constantemente. Eu não fui trocada, eu apenas sei a dor que o amor pode
trazer a alguém. Você gosta da dança?
Essa era uma verdade sobre a apresentação da Olivia, eu vi tanto o
Lago dos Cisnes que diferenciar encenação da realidade foi fácil. Ela dançou
de corpo e alma, entregando na dança toda dor que havia dentro dela e não a
dor da Odette. E esse foi o ponto ápice da apresentação, a sua entrega.
— Eu sou bailarina! Estou na escola ainda, mas é o meu sonho me
apresentar assim. — Noah graceja.
— Olhe, eu não deveria me abrir tanto para desconhecidos, mas não
tenho o mínimo de noção. Eu sofri muito há dois meses atrás, tive diversos
problemas que poderiam me impedir de estar aqui, mas eu não desisti dos
meus sonhos e acabei de realizar o maior deles. Eu te digo apenas uma coisa,
nunca desista do seu sonho de dançar. Podem aparecer mil obstáculos, mas se
você continuar sonhando, irá se reerguer mil e uma vezes, até conseguir.
Ouço as suas palavras e guardo comigo como motivação para o
festival. Observo os olhos de Noah acumular lágrimas, e aperto meu braço
em sua volta abraçando a lateral do seu corpo.
— Siga o meu conselho, Barbie. Será um sucesso.
Noah solta uma risadinha e revira os olhos.
— Eu sou Noah Clark e ele é Saint Rivers. — Ela nos apresenta.
— Muito prazer, Noah e Saint. À propósito, vocês formam um belo
casal. — Olivia diz, a deixando envergonhada.
Casal. Gostei de como isso soa.
Olho para Noah que está com as bochechas coradas. Será que ela
também gosta de como isso soa? Sorrio com a ideia do pensamento ser
positivo.
— Nós não somos um casal. Somos apenas amigos. — Ela murmura
um pouco contida.
Reviro meus olhos diante a sua resposta e volto a olhar para Olivia
que tem a sua atenção em mim.
— E você está esperando o que para pedi-la logo em namoro, Saint?
— Ela me aceitar — confesso, dando de ombros.
O corpo de Noah tenciona ao meu lado e Olivia explode em uma
gargalha. Nos deixando um tanto desconfortáveis agora.
— Bom, nós precisamos ir — murmuro. — Nós somos de Juilliard e
você está convidada a ir nos presentear com a sua presença.
— Juilliard, sério? — Ela pergunta, perplexa.
— É, Juilliard. Escola de música, bailarinas sexys — digo me
referindo principalmente a Noah, e ganho novamente outra cotovelada. —
Caramba, Noah! Eu deveria ganhar um dólar por cada cotovelada que você
me dá.
Olivia gargalha, juntando as duas mãos na frente do rosto.
— Foi um prazer conhecer vocês e será um privilégio conhecer
Juilliard.
— Nos vemos em breve, então. — Noah diz, empolgada.
Nos despedimos de Olivia e saímos dos bastidores do teatro.
Andamos até o estacionamento de mãos dadas, estávamos de fato parecendo
um casal.
Abro a porta do carro e ajudo Noah a entrar, e em seguida, fecho a
porta. Dou a volta no carro e entro no mesmo.
— Você gostou? — pergunto, ligando o carro.
— Muito mais que isso. — Ela responde, com um sorriso largo no
rosto.
— E você, o que achou para uma primeira vez?
— Até que foi divertido.
— A Olivia é um máximo, né? Além de dançar muito bem é
simpática.
Coço a garganta concordando e desvio meu olhar da estrada por um
segundo, para olhar para ela.
— Um dia vai ser você e eu vou estar lá para te aplaudir de pé —
comento, enquanto seguimos pela estrada.
— E quem vai explicar para você cada ato? — Ela indaga.
— Os atos serão o de menos quando a minha atenção vai estar em
você e não neles. — Pelo canto do olho a observo engolir em seco e sorrio.
— Você sabe... Falei sério quando disse aquilo para Olivia —
comento.
— Eu já te aceitei, Saint. — Ela diz, fazendo meu coração bater mais
forte por alguns segundos. — Só não parta o meu coração — acrescenta, e
coloca a mão por cima da minha mão livre.
Eu não sabia que poucas palavras passariam a ter um significado
enorme em minha vida. Assim como não sabia que nós estávamos propícios a
partir o coração um do outro muito em breve.
“Seguimos lentamente em perfeita.
sintonia, cara a cara.”
ALL NIGHT – LAUREN JAUREGUI

HAVÍAMOS ARRASTADO TODOS OS MÓVEIS DA SALA A


DEIXANDO LIVRE, o apartamento de Saint tinha dois quartos, mas o
segundo quarto não era grande o suficiente.
Ensaiar em casa estava sendo melhor do que ensaiar no prédio com
barulhos da reforma, cheiro de tintas e homens andando por toda parte o
tempo todo. Fora que minha mãe estava lá acompanhando de perto cada
detalhe da reforma e não olhava mais para mim e Saint sem malícia. Aqui,
tínhamos privacidade por um bom tempo.
— Por que eu estou pendurando uma bola no teto da minha sala? —
Ele questiona, em cima da escada.
— Porque eu preciso que você treine mais o seu equilíbrio, já
terminou?
Bato a sapatilha no chão impaciente com a sua demora.
— Sim, mandona. — Ele resmunga e desce da escada.
Enquanto ele vai guardar a escada, faço o meu caminho até a cozinha
e pego uma jarra cheia de água. Volto para sala e derramo uma boa
quantidade de água no chão, bem na direção da bola.
— Que merda é essa? Eu limpei essa sala hoje.
— Eu te ajudo a limpar de novo.
Levantei a cabeça para olhá-lo, ele estava bravo, talvez muito bravo.
Hoje eu estava pegando pesado com ele, reconheço.
Devolvi a jarra de água para a cozinha e quando voltei para sala, Saint
tinha seus braços cruzados e encarava a poça de óleo formada no chão.
— Pensei que já estivesse bom o suficiente.
— Você está perfeito, Saint, é o suficiente para mim, tudo que você
tem feito é mais do que suficiente para mim, mas não para os jurados. Eu
preciso de mais, pode fazer isso por mim? Dançar é o único espaço onde
podemos relaxar, sentir, voar e ser sincero sobre quem somos. Se não
fizermos isso aqui, não faremos naquele palco. Não peço que seja perfeito, só
abra seu coração para a dança e a deixe entrar. Você consegue? — pergunto e
ele assente.
— O que eu tenho que fazer?
Sorrio com a sua pergunta e o posiciono embaixo da bola, seus pés
estão em cima da poça de água.
— Apenas sinta o equilíbrio — digo, e ele me olha sem entender. —
Pule para tentar pegar a bola.
— Fácil. — Ele diz convencido.
Ele pula, erguendo o braço e quando seus pés tocam o chão a água
respinga. Paro em sua frente e balanço a cabeça negativamente.
— Errado, pule de novo até a água parar de respingar. Você tem que
sentir-se leve quando pula e firme quando pisa. Seus pés devem tocar o chão
dessa forma — faço uma demonstração de como ele deve fazer e ele me
observa atentamente. — Entendeu?
— Acho que sim. — Ele murmura.
— Então tenta uma última vez, se não conseguir podemos pular para
outra coisa.
Ele não conseguiu, mas também não desistiu.
— Isso! — grito e bato palmas, quando seus pés tocam o chão pela
segunda vez seguida sem respingar.
E em um ato inesperado, eu salto em seu colo envolvendo minhas
pernas em sua cintura e beijo seus lábios avidamente.
— Você conseguiu — murmuro, com meus lábios ainda grudados nos
seus.
— Por você.
Ele sorri com seus lábios contra os meus e me beija, deixo-me ser
levada pelos seus beijos até o seu quarto.

Virou rotina nossos ensaios terminarem em nós dois nus em sua cama
ou no chão da sala. Já virou rotina beijá-lo a cada passo dado e a cada acerto.
Não se tratava mais do festival, não se tratava mais do dinheiro. Se
tratava de nós.
— Eu tenho algo para você — digo, aninhada no calor do seu corpo.
— Algo para mim? — Ele indaga.
Segurando firme a coberta em meu corpo, me sento na cama. Maneio
com a cabeça em direção à minha bolsa e ele se levanta para pegá-la.
Observo seu corpo escultural e mordo meu lábio, virando meu rosto
para analisar a sua bunda de um outro ângulo.
Ele vira de frente, tornando a visão ainda melhor. Meu olhar sobe
pelo seu corpo e pairam sobre os seus olhos.
— Eu preferia que você se levantasse e a pegasse. — Ele murmura,
com um sorriso malicioso no rosto.
Corei por ter sido pega no flagra o cobiçando descaradamente.
Saint volta para cama com a minha bolsa em mãos e se aproxima, ele
se inclina para mim e roça a boca contra minha bochecha corada. Seus lábios
me cercam e ele me beija suavemente, me fazendo esquecer por hora do
presente.

— Eu espero que você goste — murmuro, ao colocar em sua mão a


pequena caixa.
— Eu já gosto antes mesmo de abri-la.
O observei desfazer o laço numa rapidez, para em seguida remover a
tampa. Saint virou a caixa na palma da mão e a paleta de prata, feita
especialmente para ele, caiu sobre ela.
— É algo simples, mas simbólico...
Minha explicação é interrompida pelos seus lábios, tocando
avidamente os meus. Afasto meu rosto do dele para olhá-lo.
— Vire-a — ordeno, para que ele vire o outro lado da paleta.
11
— I refuse to sink. — Ele murmura para si mesmo, pressionando o
dedo indicador na frase gravada na paleta.
— Todos os dias antes de sair para o ensaio, meu avô chamava por
mim, ele segurava em minhas mãos e me fazia repetir essa frase inúmeras
vezes. — Seus olhos me observam atentamente e engulo em seco, sem tirar
meus olhos dos dele. — Repetíamos para lembrar que cair faz parte, mas
nunca devemos aceitar as quedas, temos que nos levantar e se reerguer.
Vejo a compaixão em seus olhos e sorrio em resposta.
— Eu costumo repetir para mim essa frase mentalmente, é importante
para mim e espero que se torne importante para você — completo.
— Já é importante para mim, bailarina, o que for importante para
você se torna importante para mim também. — Ele afirma convicto.
“Dizem que coisas ruins acontecem por um motivo.
Mas nenhuma palavra sábia me fará parar de sangrar.”
BREAKEVEN – THE SCRIPT
3 SEMANAS PARA O FESTIVAL DE OUTONO

Minha mãe e eu, passamos o dia matando a saudade do meu pai. Ele
estava morrendo de saudades nossas e decidiu tirar o dia de folga para nos
fazer uma visita. Eu queria que Saint pudesse conhecê-lo, mas ele vai embora
amanhã de tarde, então vi isso e a mensagem que Saint me mandou como
uma deixa para vir embora e deixá-lo aproveitar o resto do sábado com a
minha mãe.
Entro no apartamento de Saint, o encontrando sentado no sofá com o
violão no colo. Há dias ele vem compondo músicas, mas não me deixa ficar
por perto para escutá-las.
Ao me ver, ele deixa o violão de lado e vem em minha direção. Seus
braços me circundam em minha volta e seus lábios levemente tocam os meus.
— Para onde nós vamos?
Minha curiosidade estava aguçada desde o momento que li a sua
mensagem. Apenas estava escrito: quando puder venha para casa, vamos sair
para um lugar legal.
— Bom, você precisar aceitar ir para descobrir. — Ele responde.
— Você não vai me contar? — indago e ele balança a cabeça
negando.
— Apenas pegue um casaco, bailarina.
Acatei seu pedido e ao invés de ir para o meu apartamento pegar um
casaco, eu fui direto para o seu quarto e peguei o seu moletom preto favorito.
Também é o meu favorito e ao me ver vestindo seu moletom, Saint sorriu
satisfeito.
— Agora nós podemos ir!
Eu não tinha entendido muito bem o que ele queria dizer com apenas
se agasalhe, bailarina, em pleno calor. Achei que o calor havia fritado o
cérebro dele ou ele realmente perdeu a noção do tempo. Quer dizer, achava
isso até agora.
— Nós vamos mesmo fazer isso? — pergunto animada para ele.
Nós estávamos em uma pista de patinação e eu mal via a hora de estar
dentro dela.
— Nós já estamos fazendo isso, bailarina. — Ele afirma, com um
sorriso permeando em sua voz.
Solto um gritinho animada e me sento no banco com os patins em
mãos. Saint já havia colocado seus patins e estava com os olhos na pista de
gelo observando as poucas pessoas que haviam ali patinando.
— Estou pronta — digo, quando termino de apertar os patins e me
levanto.
— Quase pronta. — Ele me corrige, e pega o capacete no banco. —
Alguma vez você já fez isso? — Ele pergunta.
Balanço a cabeça negando, enquanto ele coloca o capacete em minha
cabeça.
— Mas não deve ser tão diferente quanto andar de patins e dançar
ballet, a única diferença é que tem gelo — argumento, antes que ele desista
da ideia.
— Tudo bem, só não solte a minha mão até que você se sinta segura,
ok?
— Ok — concordo, sorrindo.
Após colocar o capacete, Saint segurou em minha mão e me guiou até
a pista de gelo onde algumas crianças patinavam alegremente com os pais.
Não devia ser tão difícil assim.
Ainda segurando em minha mão, Saint deslizou os pés pela pista de
gelo e eu repeti o seu movimento.
— Só não solte a minha mão até que esteja pronta para andar sozinha.
Mais uma vez ele repetia, mas agora ele segurava as minhas duas
mãos e andava me puxando junto consigo. Eu o seguia, deslizando meus
patins de um lado para o outro conforme eu o vi fazendo, ele soltou uma de
minhas mãos e andamos juntos de mãos dadas.
Demos três voltas completas pela pista, Saint me soltou várias vezes
durante a nossa volta, levei uns tombinhos, me levantei em todos eles rindo e
andando novamente pela pista. Eu já estava me sentindo familiarizada, era
como se eu estivesse dançando sobre os gelos e isso era tão incrível.
— Deve ser um máximo dançar sobre patins — murmuro, soltando a
mão de Saint.
— Não inventa, Noah. — Ele murmura.
— Não foi para isso que você nos trouxe? Você disse que patinar no
gelo nos ajudaria nos ensaios.
— Eu disse que seria um exercício e não que era para dançarmos no
gelo. — Ele me corrige.
Reviro meus olhos, deslizo meus pés para trás e ando de costas sem
tirar os olhos dele.
— Não seja tão careta, Saint — resmungo, e paro há alguns
centímetros dele.
— Noah, não. — Ele grunhe entredentes.
Ignorando seus protestos, fecho meus olhos para sentir o equilíbrio
12
dos meus pés, pratico meu passo deboulés e faço duas sequências de
piruetas ao abri-los novamente e me posiciono na quarta posição, focando em
Saint giro meu corpo em sua direção.
— Você é louca. — Ele diz, com um sorriso no rosto quando dou o
último giro parando em sua frente.
Espalmo minhas duas mãos em seu peito e encaro seus olhos cor de
mel.
— Nós iremos vencer esse festival, Saint Rivers — sussurro convicta.
— Nós iremos detonar esse festival, Noah Clark. — Ele murmura,
encostando seus lábios nos meus.
Eu o afasto para trás antes que nossos lábios se fundem uns nos outros
e patino para frente.
— Ainda é jovem o suficiente para brincar de pega-pega? — indago,
mexendo as minhas sobrancelhas.
Ele ri e acenando com a cabeça que sim.
— Você não existe, Noah.
— Noah não, bailarina. — corrijo-o, ganhando o seu mais belo
sorriso.
— Acho que estou perto o suficiente para te pegar e te beijar, e eu
quero muito fazer ambos agora. — Ele admite.
— Acho que para isso você vai ter que me alcançar — digo, e disparo
em sua frente deslizando com meus patins pelo gelo.
Eu deveria me lembrar de nunca desafiar Saint em uma pista de
patinação, ele é bom e mesmo que eu tivesse saído em sua frente, ele estava
há passos de mim.
— Eu vou pegar você, bailarina — ouço a sua voz do meu lado.
— Oh, merda, porque diabos você tem que ser tão bom? —
resmungo, olhando para ele e volto a manter meu olhar na pista em minha
frente.
Pego impulso e tento correr mais rápido, ao fazer a curva na pista
solto um grunhido alto e sinto a velha e conhecida dor se apoderar da minha
perna direita. Perco a consistência da minha perna, meu corpo treme e eu
sinto o peso de todo meu corpo se esvair pelos meus pés.
Um grito saiu da minha boca e o som de algo se quebrando foi ouvido
quando meu corpo se chocou contra o chão. Caí sentada, de início não senti
dores, mas fechei meus olhos sentindo minhas lágrimas escorrerem pelo meu
rosto.
Senti quando um corpo parou ao meu lado e não precisei abrir os
olhos para saber que era Saint, seu cheiro dominou minhas narinas.
— Olhe para mim, bailarina. — Ele pede, e eu me recuso a abrir os
olhos.
Conto mentalmente para que a dor não se alastre. Por favor que eu
não tenha quebrado nada, por favor. Eu pedia em pensamento.
— Noah, amor... olhe para mim, por favor. — Ele pede em um
sussurro.
E ao ouvir o tom suave da sua voz, eu abro meus olhos.
13
— É só uma tendinopatias , vai passar logo — tento tranquilizá-la,
ao ver seus olhos aflitos.
A dor não passou, pelo contrário, ela aumentou e eu gritei, a dor me
consumiu e já não tinha mais poderes sobre as minhas lágrimas. Pessoas se
aproximaram de nós e logo estávamos cercados por olhares curiosos.
— A minha perna, Saint, a minha perna! — grito desesperadamente,
sentindo os ossos da minha perna retesarem.
Soltando um xingamento, Saint tirou seus próprios patins e o capacete
e os jogou longe. Ele passou meus braços em volta do seu pescoço, uma de
suas mãos passaram por debaixo de minhas pernas e a outra circundou a
minha cintura.
Pavor tomava conta dos seus olhos quando me olhou, tentei não
resmungar de dor e conter minhas lágrimas, mas estava doendo por dentro e
por fora. Saint me levantou do chão e andando o mais depressa possível até o
banco, ele me deitou sobre ele.
— Eu preciso tirar os patins, me diz qual perna que está doendo que
eu vou tirar primeiro da que não dói. — Ele murmura, calmamente.
Sem conseguir falar, aponto para a perna direita. Cauteloso ele tira o
patins da perna esquerda e me olha antes de levar as mãos até a perna direita.
— Eu vou tirar e não vai doer, você é forte. Muito forte. — Ele me
encoraja.
— Vai de uma vez, Saint — peço, entre lágrimas.
Aperto minhas mãos na madeira do banco colocando toda a minha
força e não consigo conter um grito alto quando Saint tira o outro patins.
— Merda. — Ele troveja, e me olha com compaixão e dor. — Me
perdoa, Noah, me perdoa. — Ele repete e me pega novamente no colo.
No momento em que vi a dor em seus olhos, eu vi meus sonhos
despedaçando sobre mim.
“Ela está dançando com estranhos, caindo aos pedaços”
WAITING FOR SUPERMAN – DAUGHTRY

PESADELO.
É como eu descreveria esse momento enquanto esperava aflito por
notícias na sala de espera do hospital.
Os pais de Noah chegaram vinte minutos após a minha ligação, eu
não sabia o que fazer e dependendo da gravidade, eu não sabia se ela ainda
iria me querer aqui. As únicas pessoas que ela precisa no momento são eles.
Claire entra correndo na sala e ao ver meu olhar assustado, ela se
aproxima e me abraça.
— Saint, meu Deus. Eu vim o mais rápido que eu pude. Meu tio já a
atendeu? — Ela pergunta.
A primeira pessoa para quem eu liguei foi Claire. O tio dela é médico
e eu estava tão assustado com tamanho inchaço no pé de Noah que não sabia
o que fazer. Nós precisávamos ser atendidos com urgência e assim que
chegamos a clínica, o tio de Claire já esperava por nós.
— Sim, ele a levou às pressas — respondo baixo.
— O quão grave foi?
Eu não tinha essa resposta, mas se eu pudesse julgar por aparência, eu
diria que foi muito.
Após longos minutos de espera, o médico apareceu, os pais de Noah
se aproximaram primeiro, e em seguida, eu me aproximei. A mesma pergunta
que Claire havia me feito, a mãe de Noah fazia.
— Foi grave? Ela está bem? — Ela perguntou.
Os olhos dele vacilaram e ele olhou mais uma vez para o prontuário.
Claire se aproximou, parou bem na frente dele e o encarou.
— Tio Liam, o quão grave é? — Ela pergunta.
— Para nós não é tão grave assim, Claire, mas para ela é e até mesmo
para você é. — Ele informa.
Claire olha para os papais em mãos no prontuário e muda o olhar para
os pais de Noah.
— Ela tem tendinopatias? — Ela questiona.
Era a segunda vez que eu ouvia essa palavra. A primeira quando Noah
disse que não era nada grave, e agora.
— Sim, desde que começou a ensaiar para os testes de admissão em
Juilliard. — O pai dela responde pela mãe. — Por quê? — Ele questionou, ao
perceber a gravidade.
— Antes de cair, ela teve tendinopatias e durante a queda o músculo
dela contraiu-se e ocasionou em uma quebra de osso com desvio. Ela vai
precisar passar por uma cirurgia para reafixar o osso em sua perna direita
com parafusos de metal. — Ele explica, o mais cautelosamente possível.
— Então, isso interfere na dança? — foi a vez da mãe dela questionar.
Me afastei e me sentei em uma poltrona, eu não precisava ficar por
perto para ouvir a resposta. O olhar de Claire quando questionou os pais de
Noah dizia tudo.
— Eles irão levá-la agora para a sala de cirurgia. Os pais dela estão
assinando a papelada de autorização. — Claire diz, ao se aproximar e sentar-
se ao meu lado.
— Ela nunca mais vai po-poder... — Minha voz falhou, mas ela sabia
ao que eu me referia.
Seus braços encolheram, ela fitou o chão antes de voltar a me olhar.
— Só quem pode afirmar isso é o ortopedista, depende muito das
lesões, Saint. Mas isso não é nada bom. — Ela confessa em um murmuro.
— Me distraía — peço, na tentativa de não pensar no pior.
Claire respira fundo e volta a olhar para os pés.
— Você sabe que a bolsa de estudos seria dela, certo? — Ela
pergunta.
Assinto, apesar de ter pedido que ela me distraísse.
— Louise nos chamou para uma conversa na quarta-feira. Poucas
meninas haviam se dedicado para a apresentação, são duas bolsas para cada
modalidade. Uma para dança e outra para música. — Ela explica e volta a me
olhar.
Balanço a cabeça assentindo, para que ela dê continuidade. Quero
saber onde isso irá nos levar.
— As meninas desistiram, Saint, só havia Noah e os concorrentes da
música para ganhar a bolsa. Se Noah desistisse a bolsa seria minha. — Sua
voz vacila e a engole o choro. — Não estou falando isso por estar feliz por
possivelmente a bolsa se tornar minha, não quero que me ache egoísta porque
eu não estou feliz, Saint.
— Então, qual é o problema? — questiono, ainda sem entender.
— A bolsa vai me levar para longe do Tyrone por um ano, é um curso
intensivo e com uma agenda de apresentações que pode ser estendida por
mais um ano e assim sucessivamente.
Agora eu entendia a gravidade do assunto.
— Eu estou te contando isso porque você é amigo dele e eu não sei o
que fazer se isso realmente acontecer. Ele não vai aceitar, já discutimos sobre
isso. — Ela completa.
— Isso é novidade no festival? — pergunto e ela assente. — Claire,
eu não te acho egoísta. Entendo que você está desesperada porque está
dividida entre duas coisas que você ama. Mas o que você quer fazer? O que
você quer ser? Você deve ter as respostas dessa pergunta e fazer isso. Seus
sonhos não vão lhe pedir o divórcio daqui há alguns anos ou terminar com
você amanhã de manhã. Pense nisso!
— No momento, a única coisa na qual eu penso antes disso é no
quanto eu quero que a Noah fique bem. O equilíbrio das pernas são tudo que
nós bailarinas mais precisamos, e ela não pode perder isso, Saint, não pode.
— Ela não vai, Clair — afirmo, segurando em sua mão e a apertando
forte.

Levou duas horas para que o tio de Claire retornasse com outro
médico ao seu lado. Ele explicou que a cirurgia foi um sucesso que
estávamos liberados para ver Noah.
Claire decidiu não entrar conosco, o momento não era apropriado,
segundo ela. Sendo assim, entrei junto com os pais de Noah.
Eu me sentia um coadjuvante entre eles dois, mas estava grato por
Conrad estar aqui. Eu não saberia cuidar de Grace e mantê-la tão calma assim
como ele fez o tempo todo. Eu sabia que ele era uma grande pai e marido
pelo o que Noah contava, depois que troquei poucas palavras enquanto nós
esperávamos por notícias, eu tive a certeza disso.
Noah estava recostada na cama do hospital, com a sua perna recém-
operada suspensa para alto com a ajuda de um suporte. Ela forçou um sorriso
quando nos viu, mas eu sabia que por trás desse sorriso havia muitas lágrimas
acumuladas.
— Ahh, querida. — Grace choramingou, ao se aproximar dela.
— Eu estou bem, mamãe, foi só um pequeno tombo. — Ela tenta
confortar a mãe.
Não foi pequeno e nem tombo. Foi uma queda, Noah, uma grave
queda. E por minha culpa.
Balanço a cabeça afastando esses pensamentos.
— Sapato legal esse seu. — O pai dela brinca, apontando para o seu
pé enfaixado.
Ela ri baixinho e faz sinal com a cabeça para que eu me aproxime.
— Eu estou bem, Saint, eu vejo a culpa nos seus olhos. — Ela
murmura, e mais uma vez me chama.
Dessa vez, eu me aproximo e fico ao lado do seu pai.
Nós observávamos ela e Grace conversando sobre coisas aleatórias e
isso fazia Noah rir e se distrair. Vê-la assim me fez suspirar aliviado, não teve
riscos e nada tão grave, ela estava sorrindo, então, estava tudo bem.
— Pai, mãe. — Ela os chama e tem a total atenção deles. — Ouçam
bem o que eu vou falar, tudo bem?
Os dois assentem e eu a observo colocar um sorriso forçado no rosto.
— Pai, eu quero que você leve a mamãe de volta para o hotel e
aproveitem o resto do dia juntos até a hora do seu voo...
Conrad nega com a cabeça e a interrompe.
— Você acha que eu irei embora depois do que aconteceu, mocinha?
Está completamente enganada. — Ele contesta e sua mãe concorda.
— A mamãe ficará aqui até quarta-feira, depois ela vai voltar na
semana seguinte. Não estarei completamente sozinha. — Ela diz e me olha.
— Eu juro para você que eu estou bem, eu caí e me levantei. Logo vou
receber alta e vou para casa, não tem como os dois dormirem juntos comigo
de qualquer forma. Então, por favor, papai, não deixe a mamãe desperdiçar as
24 horas restantes que ela tem com você só por causa que eu caí.
Ela sabia argumentar, ela os tinha nas mãos.
— Mas você passou por uma cirurgia, Noah. — Grace contesta.
Noah revira os olhos e volta a olhar para a mãe.
— Mãe, eu estou bem. Confie em mim, você sabe que não gosto de
dar trabalho para vocês. — Ela contrapõe.
— E para o Saint, pode? — Seu pai resmunga.
— Ele é meu namorado, obrigação dele cuidar de mim!
Não contesto e nem me oponho quanto a isso.
— Obrigação de nós pais cuidar de você também. — Grace insiste.
A pseudodiscussão é interrompida por uma batida na porta, e em
seguida ela é aberta. O médico que fez a cirurgia de Noah entra no quarto
com o prontuário dela em mãos.
— Como você se sente, Noah? — Ele pergunta.
— Bem? — Ela indaga, com uma sobrancelha arqueada.
— Noah, olha os modos. — Grace a repreende pelo seu tom
sarcástico.
— Alguma dor? Incômodo? — O médico questiona e ela balança a
cabeça negando. — Quem irá passar a noite com você?
— Ele. — Ela diz apontando para mim.
— Eu fui esnobada. — Grace dramatiza.
— Pai e mãe, eu amo vocês. Mas podem por favor, irem embora?
Vocês estão perdendo tempo, a hora está passando. Tic, tac, tic tac. — Noah
diz, fazendo som com a boca.
— Você tem certeza? — Grace pergunta pela última vez.
— Sim, mamãe, amanhã quando o papai for embora você vai ter
tempo para mim. — Noah garante.
— Certo. Não deixe de me ligar a qualquer hora, caso precise de
alguma coisa. — Ela diz, ao se despedir da filha com um beijo na testa. —
Saint, me ligue se realmente for preciso.
— Claro, senhora Clark — respondo.
Observo Noah se despedir dos pais e olhar para eles com um falso
sorriso no rosto, enquanto eles caminham até a porta. Quando eles saem,
fechando a porta em seguida, seu sorriso morre e ela olha diretamente para o
médico.
— Agora somos nós dois, quer dizer três. — Ela murmura, olhando
para mim e volta a olhar para o médico.
Me aproximo dela e seguro em sua mão, está gelada e trêmula.
— Eu sei que tem algo errado, doutor, então você pode começar a
falar.
O médico respirou fundo e olhou para mim, em seguida para Noah e
por último para o prontuário.
Nesse momento, eu tive certeza. Os sonhos de Noah agora já não
eram mais os mesmos.
“E quem diz que o amor deveria nos partir quando caímos?”
LET IT ALL GO – BIRDY

EU PASSEI POR DUAS FASES DO LUTO QUANDO O MEU


AVÔ MORREU.
Dessa vez era uma perda diferente, mas ainda assim era uma perda e
isso me fez relembrar a passagem do livro na qual dizia que as pessoas
passam por cinco fases após o luto: negação, raiva, barganha, depressão e
aceitação.
Eu estava tentando assimilar as palavras que estavam sendo ditas para
mim nesse momento, mas em algum momento nessa conversa eu me tornei
surda.
As palavras se repetiam na minha cabeça e eu ainda tentava assimilar
letra por letra.
— Apesar de ter sido uma entorse com a fratura interna, foi uma lesão
grave, Noah. Eu sei que é difícil ouvir isso, mas você não poderá dançar
novamente. Danças desse tipo exigem muito esforço físico, um pouco de
fisioterapia ajudará de início para você recuperar seu equilíbrio ao andar. Mas
nós não queremos que você se arrisque com movimentos brutos. Um passo
em falso pode lesionar seu tornozelo novamente.
Me forcei a prestar atenção novamente depois das palavras duras
vindo do ortopedista. Balancei a cabeça, recusando-me a acreditar no que eu
sabia que era verdade. No momento em que encontrei os olhos assustados de
Saint, eu soube que tudo havia sido em vão. Os ensaios haviam sido em vão,
tudo.
— Não! — grito, em seguida sufocando meu choro.
E os meus sonhos? E a minha dança? Eu nunca mais vou poder
dançar. Eu nunca mais vou poder sonhar. Estar em um palco se tornou um
sonho tão distante quanto já era.
Eu nunca seria uma bailarina profissional.
Saint segurou em minha mão e seus dedos entrelaçaram-se aos meus,
ele levou a minha mão até seus lábios e a beijou em uma forma terna de me
confortar.
Nada me confortaria nesse momento, eu estava dando adeus aos meus
sonhos. Diferente da morte do meu avô na qual eu sabia que ele estava feliz e
era o que ele queria, pela primeira vez, eu estava vivenciando de fato a
primeira fase do luto: a negação.
Um sonoro não escapou da sua boca.
Noah piscou lutando contra as próprias lágrimas, segurando minha
mão. Em sua própria luta, ela enterrou as unhas com tanta força na palma da
minha mão e a segurou tão forte, que parecia uma criança com medo de se
perder dos pais.
Pais... Agora eu entendia o porquê de ela ter recusado a presença
deles para essa conversa.
O médico nos deixou a sós e Noah ficou apenas deitada, olhando para
o teto branco sem dizer nada. Eu contei cada piscada que ela deu.
Ela piscou 176 vezes até o primeiro som sair da sua boca.
— Não pode ser, não. Eu me recuso a cair. — Ela disse baixo, para
que eu não pudesse ouvir.
Mas eu estava tão perto dela e disposto a não sair daqui, que ouvia até
mesmo as batidas descompassadas do seu coração. Ela voltou a piscar, não
havia lágrimas e isso me assustava. Noah não derramou uma lágrima até
agora.
Ela permaneceu olhando para o teto até pegar no sono. E eu
permaneci ao lado dela pelo resto da noite, segurando em sua mão. Eu não a
soltei por um segundo que fosse, nem mesmo quando adormeci na poltrona
reclinável ao lado da sua cama.
Antes de receber a alta dias depois, o médico voltou a explicar
novamente a gravidade da fratura. Mais uma vez ela estava sendo
bombardeada com a realidade de não poder dançar. Seu tornozelo foi preso
com um parafuso e fisioterapias seriam necessárias três vezes na semana.
Noah iria poder andar com auxílio de uma muleta e até mesmo cadeira de
rodas, mas ao ouvir a palavra cadeira de rodas, ela balançou a cabeça se
recusando. Eu entendia, isso tornava a realidade mais difícil para ela.
Embora ela estivesse absorvendo tudo em silêncio, ela sabia que ia
precisar de ajuda. E ao invés de pedir por ajuda, ela se fechou.
Ela ainda tinha uma bota de gesso na perna e não podia andar sem
apoio, ela resmungava quando os pés tocavam o chão. Acho que ela se
esquecia e acabava colocando o peso do corpo em ambas pernas.
Eu a observava dia após dia. Claire e Valentina vinham fazer
companhia a ela, quando eu precisava sair, até mesmo Grace vinha. Noah
fingia para a própria mãe que estava tudo bem, mas eu sabia que não estava
nada bem.
Seus olhos perderam o brilho, ela perdeu aquela aura que a cercava.
Eu não a via mais sorrir, cantarolar, ouvir músicas, eu não a via mais viver.
Noah estava desaparecendo bem a minha frente e eu não sabia o que
fazer. Eu queria fugir, correr para longe. Porque eu sou covarde. Covarde
demais para continuar vendo isso todos os dias. Covarde para vê-la fracassar
na fisioterapia. Eu estava perdendo a minha melhor amiga, a garota que eu
amo.
— Noah, você quer ir até o parque dar uma volta? Vai te fazer bem,
Valentina e Matthew tam...
Ela não esperou eu terminar de falar, seu pescoço se virou na minha
direção e eu já sabia o que estava prestes a ouvir.
— Não. — Ela respondeu em alto e bom som.
Sempre que envolvia a palavra sair, ela não aceitava. Eu sabia o
porquê da recusa. Noah se sentia um fardo por não poder andar sem muletas e
precisar de ajuda para andar.
— Você desistiu do que mais ama, Noah, nunca se desiste do que
amamos — digo, e lhe dou as costas.
Antes de sair totalmente do quarto, paro no batente na porta na
esperança de que ela dissesse algo, mas seu silêncio levou meus planos por
água abaixo. Ela não vai mesmo sair.
Ela me encarou brevemente por alguns segundos e desviou o olhar,
voltando a olhar para a janela.
Eu queria saber porque ela olhava tanto para a janela, todos os dias
ela pedia para que eu pegasse a cadeira e a colocasse próxima a janela e
olhava através dela.
O que você tanto olha, Noah? O quê?
— Os pássaros, todas as manhãs eles sobrevoam a margem do rio,
todas as manhãs quando eu olho para eles eu me sinto presa vendo o quanto
eles são livres, o quão belo é voar. Eu queria ser um pássaro, ao menos eu
não teria uma perna inválida, eu só queria ser livre...
Seu sussurro foi tão baixo, que eu quase não a ouvi. Me aproximei
dela novamente e me abaixei em sua frente, ela virou para mim e lágrimas
banhavam seu rosto.
— Você ainda é livre, Noah — murmuro, levando minha mão direita
até seu rosto e secando suas lágrimas. — Você pode fazer o que quiser, só
basta querer.
— Eu não posso dançar, Saint, eu não posso fazer o que eu mais amo!
— Ela gritou aos prantos. — Eu não... Esquece, você não entende, certo?
Você ainda toca, você tem sua banda, você faz o que você ama. Não há como
você entender, porque você não perdeu nada.
— Eu entendo, Noah, eu entendo porque eu perdi você! — exclamo, e
seus olhos se arregalam. — Eu perdi a única pessoa que viu algo bom em
mim, a única pessoa que me fez ver as coisas de uma forma diferente, eu
perdi a minha melhor amiga e no momento em que ela caiu, eu não estava lá
para segurá-la. Eu não perdi a minha música, eu não perdi minha banda, mas
eu perdi a minha segunda maior paixão, Noah, eu perdi você.
Ela me encara por breves segundos e seca as lágrimas.
— Você não me chama mais de bailarina... Você está distante
também, Saint. — Ela murmura.
— Eu pensei que chamá-la de bailarina a faria se sentir mal, por isso
parei. Você me afasta, Noah, eu quero que você se sinta livre, que saia e faça
as coisas que costumava fazer. Desde que eu venho tentando fazer isso só
recebo um não. Como não se sentir inválida quando você mesma causa essa
impressão? Vamos sair conosco — peço mais uma vez.
Ela seca as lágrimas e me olha com um meio sorriso no rosto.
— Primeiro é arrogante e depois me chama para sair. — Ela
resmunga.
— Você mereceu — argumento.
— Será que eu posso ter um pouco de liberdade? Eu gostaria de ficar
um pouco sozinha. — Ela pede.
Eu atendo o seu pedido e a deixo só, assim como todas as outras vezes
em que ela pede espaço.
“Mas se você abrir suas asas.
Você pode voar para longe comigo.”
FALL – JUSTIN BIEBER
1 SEMANA PARA O FESTIVAL

Eu amo a forma que as folhas caem da árvore e lentamente flutuam


até pousar no chão. O outono tinha essa magia, ou pelo menos eu achava que
tinha.
Eu estava tendo uma semana terrivelmente ruim. A fisioterapia estava
acabando comigo, cada esforço fazia com que eu me sentisse mais cansada
que o normal. E hoje em uma sessão, eu acabei colocando peso demais na
minha perna e caí. Saint correu para me levantar, mas a fisioterapeuta
impediu que ele fizesse isso.
— Ela precisa se levantar sozinha. Noah, você consegue! Acredite,
você consegue. — Ela disse.
— Faz duas semanas que ela passou por uma cirurgia e você está
dizendo que ela tem que se levantar sozinha? Ela sente dor quando se esforça
bastante! — Saint gritou para ela, ao ver a minha dificuldade em me levantar
sozinha.
Sabine não deu o braço a torcer, ela continuou me incentivando.
Quando viu que eu realmente não ia conseguir, ela deixou que Saint me
ajudasse.
— É por isso que você não se esforça, Noah, porque você sabe que
ele sempre vai estar ali para levantá-la — foi o que ela disse antes de eu ir
embora.
Já estava sendo ruim o bastante para mim, não queria que fosse ruim
para Saint e para a minha mãe também. Eu já tinha arrastado Saint para a
loucura que se tornou a minha vida e vê-lo frustrado quando não via avanços
em minha fisioterapia, era como um soco no estômago.
Então foi aí que eu percebi, Sabine estava certa. Eu precisava me
levantar sozinha e Saint não permitia isso, na verdade, ele não permitia que
eu fizesse nada. Decidi então estabelecer limites, eu conseguia andar com a
ajuda das muletas e poderia muito bem pegar um táxi e ir sozinha para as
sessões de fisioterapia.
Mas dizer isso a Saint tornaria as coisas difíceis, e for ainda pior para
mim, quando o e-mail chegou.
Juilliard. Isso significava tantas coisas para mim antes. Um sonho, um
passo para o futuro e um motivo de orgulho para os meus pais.
O e-mail dizia que muitas avaliações foram feitas até chegarem a um
julgamento final, e o julgamento estava diante de mim agora. Minha bolsa
estava sendo suspensa, eu sabia que eu estava perdendo meus sonhos para
sempre.
Eu queria ir para longe, fugir da proteção de Saint. E da pressão que
Sabine colocava em mim, em meus pés.
Eu culpei Saint por ter me levado àquela pista de gelo, e culpei a mim
mesma por não ouvi-lo quando me mandou parar. Raiva era tudo o que eu
sentia e ela me consumiu.
Eu chorei, chorei tão alto que Saint apareceu correndo na sala. Ele se
ajoelhou ao meu lado, e seus olhos percorreram minha perna esticada no sofá.
— Está sentindo alguma dor? — Ele pergunta.
Eu não respondi, o notebook ainda estava em minha mão e ele o
pegou. Um grunhido saiu da sua boca, ele fechou o notebook com força e o
colocou em cima da mesa de centro.
— Eu vou ligar para o tio Paul, nós vamos resolver isso. — Ele
murmura, e toca em minha mão, mas eu a afasto.
— Não — contesto, em um tom mais elevado do que o normal que
uso para falar com ele.
— Não? — Ele indaga surpreso. — É o seu sonho, Noah...
— Você não pode resolver as coisas para mim sempre, Saint. Não
pode andar por mim, dançar por mim e se levantar por mim. Como que eu
vou me recuperar se você faz tudo por mim e não me deixa tentar? Juilliard
não existe mais para mim se eu não posso dançar, eu já aceitei e o que falta
para você aceitar? — grito, sem poupar esforços para esconder toda a dor que
eu estava sentindo.
Ele não me respondeu, ficou me observando com um semblante triste
e preocupado.
— A partir de agora eu irei para as sessões de fisioterapia sozinha, eu
já deveria estar dando uns passos novamente e dispensar as muletas
gradativamente, Saint. Você tem um pouco de culpa nisso — murmuro, agora
em um tom mais baixo.
— Não me faça me sentir culpado por me preocupar e querer cuidar
de você, Noah. — Ele responde amargurado. — Nós faremos do seu jeito,
você não me quer nas suas fisioterapias? Tudo bem, mas você não irá
sozinha.
— Nem ouse em falar com a minha mãe — digo entredentes.
Ele deu de ombros, como se o trato que fizemos sobre não envolver
minha mãe nisso não valesse mais.
— Eu não vou falar com a sua mãe, Noah. Por enquanto.
Ele se afastou e voltou para o quarto. Quando retornou para sala
estava arrumado. A campainha tocou e ele foi atender, era Claire e Valentina.
Hoje era dia da banda tocar e provavelmente elas vieram ficar
comigo. Assim ele ficava menos preocupado enquanto estivesse longe.
Eu amo os cuidados que Saint tem comigo, mas ele tem que entender
que isso está me impedindo de superar. Porque eu sei que não há nada que ele
não fizesse por mim.

Ainda era cedo e estávamos no meu quarto vendo filme, ou ao menos


tentando. Valentina contava sobre seus ensaios finais para a peça que
aconteceria no final do mês. Por hora, eu me permitia esquecer dos meus
problemas e ficar feliz pela minha melhor amiga.
— Noah, eu gostaria muito que você fosse. Eu sei que na semana
passada você disse que não iria poder ir, mas a sua presença é indispensável
para mim. — Val diz, com um olhar pidão.
— Eu vou, Val, por você — afirmo, com um meio sorriso.
— Noah, eu te amo! — Ela comemora e pula ao meu lado da cama.
Solto um resmungo baixo ao sentir uma pequena fisgada em minha
perna pelo impacto do seu pulo.
— Eu te machuquei? Ai, meu Deus, me perdoa. — Ela murmura, sem
graça.
— Não foi nada, acontece isso às vezes e sentir dor faz parte
constantemente das minhas sessões de fisioterapia.
— Falar em sessões, eu mal posso esperar para levá-la amanhã. —
Claire comenta.
Viro meu rosto mudando o foco de Valentina, para Claire.
— Amanhã? — indago, erguendo uma de minhas sobrancelhas.
Ela olha para mim e solta um suspiro hesitante.
— Ele está preocupado com você e acha que a presença dele em suas
sessões interfere em seu progresso. Faz uns dois dias que ele pediu para que
eu a acompanhasse nas sessões, ele acha que eu a entenderia melhor do que
ele. — Ela explica, me fazendo me sentir mal por ter sido ingrata com ele
horas atrás.
— Por que não me disse isso antes? Eu fui tão dura com ele hoje, em
outras palavras eu disse que ele está me sufocando com os cuidados — digo,
mordendo meus lábios ao sentir meus olhos marejarem.
— Eu não deveria estar te contando isso, se ele não contou. Noah, nós
temos ensaiado às vezes, ele é bom, não há nada que ele não faria por você.
Eu estou impressionada em como você o ensinou tudo que ele precisava
saber em pouco tempo. — Claire diz, me deixando surpresa por Saint ainda
estar ensaiando.
Pisco meus olhos e uma lágrima corta meu rosto, seguida de muitas
outras.
Eu não entendia o porquê dele ainda estar se submetendo a isso, não é
mais necessário ensaiar. Tudo que ele fazia era por mim, mas por quê?
— É? — indago engolindo em seco, sem esconder a minha surpresa.
— Não é o fim da sua carreira, você sabe, certo? — Ela pondera, e
seca as minhas lágrimas com a ponta dos dedos.
Solto uma risada sarcástica.
— Como não é o fim da minha carreira? O médico foi claro quando
me disse que eu não posso mais dançar, Clair. Nem mesmo com anos de
fisio, eu sempre vou ter uma placa de ferro em meus pés.
— Noah, a dança vem daqui de dentro. — Ela diz, colocando a mão
no peito. — Enquanto houver isso em você, não é o fim. Você tem um dom,
Noah, da mesma forma que ensinou a Saint, pode ensinar para outras pessoas.
Eu posso? Não posso. Não enquanto não acreditar em mim mesma.
Mas tento não pensar nisso.
— Eu quero ver o Saint — murmuro. — Eu preciso me desculpar por
ter sido grossa, eu preciso que ele saiba o quanto eu aprecio o que ele tem
feito por mim.
Claire troca um sorriso cúmplice com Valentina. No mesmo segundo,
Val digita algo em seu celular e se levanta da cama.
— Metamorphosis que nos aguarde, porque nós estamos chegando!
— Ela exclama, batendo palmas no jeito Valentina de ser.

Cerca de meia hora depois chegamos ao pub, Valentina e Claire me


ajudaram a me sentar e pegaram uma cadeira para que eu apoiasse a minha
perna. Pouco tempo depois, os meninos se juntaram a nós, menos Saint.
— Celulares a postos. — John grita, sacando o celular do bolso e
mirando-o na direção do palco.
O olhei sem entender, virei meu rosto para o lado oposto, Matthew,
Tyrone e Valentina estavam da mesma forma. Ambos com o celular apontado
na direção do palco.
— Mas que merda? — indago, arqueando uma de minhas
sobrancelhas.
Claire se remexe na cadeira ao meu lado e bate em meu ombro com o
seu, fazendo menção com a cabeça na direção do palco. Virei meu rosto para
frente e vi o vislumbre de Saint sentado em uma cadeira alta, com o violão
em mãos.
— O que ele está fazendo? — pergunto, em um murmuro baixo para
Claire.
— Ele vai cantar. — Matthew diz.
— Justin Bieber. — John completa.
Seguro o riso que veio em minha garganta e olho para eles, ambos
estavam sérios, mas com um olhar divertido no rosto.
— Saint vai cantar Justin Bieber? Justin Bieber? — indago, incrédula.
— Boa noite a todos vocês que estão aqui hoje. — Saint começa a
falar, minha atenção volta para o palco, onde ele está tocando o violão em
uma introdução lenta. — A música que eu vou cantar agora não é um tipo de
música que eu goste, ou que estou acostumado a cantar, mas meus amigos me
desafiaram a subir aqui e cantá-la.
Seus olhos encontram os meus e tomando uma longa respiração ele
volta a olhar para frente.
— Mas não é só por causa deles que eu estou aqui, há uma garota,
uma única garota. Minha irmã estava ouvindo essa música e desde que parei
para prestar atenção, não encontrei uma letra que nos descreva tão bem como
essa. Ela diz muito do que nós somos e do que significa isso. — Ele volta a
olhar para mim e completa. — Eu espero que você saiba que é para você.
Saint começa a tocar a introdução da música, sinto meu peito inflar
quando ouço a sua voz dar vida a música.

Well, let me tell you a story


(Bem, me deixe te contar uma história)
About a girl and a boy
(Sobre uma menina e um menino)
He fell in love with his best friend
(Ele se apaixonou por sua melhor amiga)
When she's around, he feels nothing but joy
(Quando ela está por perto, ele não sente nada além de alegria)
But she was already broken
(Mas ela já estava partida)
And it made her blind
(E isso a fez cega)
But she could never believe that love
(Mas ela nunca poderia acreditar que o amor)
Would ever treat her right
(Iria tratá-la bem)

But did you know that I loved you


(Você sabia que eu te amei)
Or were you not aware?
(Ou que você não estava ciente?)
You're the smile on my face
(Você é o sorriso no meu rosto)
And I ain't going nowhere
(E eu não vou a lugar nenhum)
I'm here to make you happy
(Eu estou aqui para te fazer feliz)
I'm here to see you smile
(Eu estou aqui para te ver sorrir)
I've been wanting to tell you this for a long while
(Eu tenho esperado para lhe dizer isto por um longo tempo)

What's gonna make you fall in love?


(Quem vai fazer você se apaixonar?)
Oh, I know you got your wall wrapped all the way around your heart
(Eu sei que você tem sua parede envolvida em torno do seu coração)
Don't have to be scared at all, oh, my love
(Você não precisa ter medo algum, oh, meu amor)
But you can't fly unless you let yourself
(Mas você não pode voar, a menos que você se deixe)
You can't fly unless you let yourself fall
(Você não pode voar, a menos que você se deixe cair)

Well, I can tell you're afraid of


(Bem, eu posso dizer que você tem medo)
What this might do
(Do que isso pode fazer)
'Cause we got such an amazing friendship
(Porque nós temos uma amizade incrível)
And that you don't wanna lose
(E que você não quer perdê-la)
Well, I don't wanna lose it either
(Bem, eu não quero perdê-la também)
And I don't think I can stand
(Eu acho que não posso ficar)
Sitting around while you're hurting, babe, so take my hand
(Sentado enquanto você está se machucando, querida, venha pegue minha
mão)

Quando Saint chegou nessa parte, não havia como segurar as minhas
lágrimas.

Well, did you know you're an angel


(Bem, você sabia que você é um anjo)
Who forgot how to fly?
(Que se esqueceu de como voar?)
Did you know that it breaks my heart
(Você sabia que parte meu coração)
Every time to see you cry?
(Toda vez que te vejo chorar?)
‘Cause I know that a piece of you’s gone every time he done wrong
(Porque eu sei que um pedaço de você se foi toda vez que ele faz algo
errado)
I'm the shoulder you're crying on
(Eu sou o ombro em que você está chorando)
And I hope by the time that I'm done with this song I'll have figured out
(E eu espero que quando eu terminar com essa música eu descubra)
What's gonna make you fall in love?
(Quem vai fazer você se apaixonar?)

Você, Saint, você me fará me apaixonar.

Quando Saint termina de cantar a música, eu me esforço para me


levantar da cadeira. Claire me ajuda a ficar de pé. Ignorando os olhares das
pessoas sobre mim e a pequena dorzinha em meu pé, eu arrastei a bota de
gesso e caminhei em sua direção sem a ajuda das muletas.
Nem na terapia eu havia andando tanto como andei agora para chegar
até o palco, onde Saint estava.
— Bailarina. — Ele murmura, com os olhos surpresos e salta do
palco.
— Não fale nada — peço.
Então ele se inclinou para me beijar, não era um beijo simples e muito
menos acanhado por estarmos sendo observados por uma certa quantidade de
pessoas ao nosso redor. Era um beijo profundo e apaixonado.
Algumas pessoas são movidas por motivações, palavras e afetos. Eu
sou movida por ele.
Saint é minha motivação materializada, a âncora que me segura e os
pés que me movem. Ele costumava dizer que eu não danço, eu voo. E eu o
respondia: se eu estou voando e sou um avião, você certamente está me
pilotando. Ele retrucava dizendo que eu podia ser um pássaro e eu devolvia
alegando que ele é o chefe do bando.
Ele me dava vários argumentos e eu lhe dava de volta todas contra
respostas possíveis até ele entender que ele é aquele me move.
“Você tem que continuar seguindo em frente.
Quando tudo der errado.”
TAKE ON THE WORLD - PHOTRONIQUE

O FESTIVAL

Eu estava tendo um ótimo progresso na fisioterapia. Minha bota de


gesso foi substituída por uma bota ortopédica e isso já era uma grande coisa
para mim.
Após sair da fisioterapia, pedi a minha mãe que me levasse até a
livraria. Eu precisava ver a senhora Eva e me certificar de que o emprego
ainda seria meu.
— Mas nem pensar. — Minha mãe disse.
Ela não queria que eu voltasse a trabalhar, mas ela não entendia que
me manter ocupada seria bom. Sabine mesmo concordou com isso.
— Mãe, eu te levei na sessão hoje para você ouvir da própria médica
que eu poderia voltar para a livraria. Só não posso fazer muito esforço físico
e nem pegar peso — torno a repetir as palavras de Sabine.
— E livros não são pesados? — Ela indaga, me fazendo revirar os
olhos.
— Eu vou ficar no caixa, mamãe.
Ela ficou em silêncio, mas não se convenceu. Quando entrei na
livraria, a senhora Eva veio me receber toda sorridente.
— Posso saber o que a senhorita está fazendo aqui? — Ela me
repreende, mas sei que no fundo está feliz em me ver.
— Uma visita? — retruco, me apoiando na muleta.
Eu estava livre das muletas, mas segundo Sabine, quanto menos
esforçar meus pés e andar no início com a ajuda das muletas seria bom para
mim.
— Por que eu acho que tem algo por trás dessa visita? — Ela indaga.
— Ela quer voltar a trabalhar, a senhora acredita nisso? — Minha mãe
me entrega, me fazendo bufar.
— Mas nem pensar. — Eva nega.
— Parem vocês duas, por favor — olho para a senhora Eva,
praticamente a implorando com os olhos. — Saint não quer me deixar
trabalhar no bar, entendo que lá exigirá muito de mim. Ele e a minha mãe
estão agindo como se eu fosse dar um passo e me esborrachar no chão, ficar
dentro de casa faz com que eu me sinta uma prisioneira. Eu estou
enlouquecendo e nem é por causa do meu pé, senhora Eva, é por causa deles.
Deixe-me voltar, por favor — peço em um sussurro.
Ela desvia o olhar de mim para a minha mãe, que após ouvir meu
desabafo, assente em silêncio consentindo.
— Podemos discutir os horários? — Eva pergunta.
— Qualquer coisa para me manter ocupada — digo, abrindo um largo
sorriso.
Foi acordado que eu trabalharia quatro horas por dia e em dias de
fisioterapia trabalharia duas, embora Eva quisesse me deixar livre esses dias.
Eu realmente precisava manter a minha mente ocupada, ficar em casa
parada estava acabando com a minha insanidade.
Minha mãe e eu voltamos para o apartamento em silêncio. Essa foi a
última semana dela aqui em Nova York, a reforma foi concluída e Saint
começou a trabalhar ontem mesmo.
— Eu não sabia que você se sentia assim. — Minha mãe murmura, ao
fechar a porta do apartamento.
Sento-me no sofá e jogo a minha cabeça para trás, fechando os olhos
em seguida. Respiro fundo antes de abri-los novamente e encará-la.
— Mãe, não está sendo fácil para mim e sei que para vocês me verem
nessa posição também não tem sido. Mas eu preciso me ocupar, encontrar
coisas novas para fazer....
— Ou você pode voltar para casa comigo. — Ela diz, me
interrompendo.
Balanço a cabeça negando. Voltar para Miami seria pior ainda, mais
uma vez minha mãe sacrificaria coisas por mim, assim como fez quando
descobriu que estava grávida. Não é o que eu quero, voltar para Miami está
fora de cogitação.
— Mãe, eu quero ficar aqui. Eu tenho uma vida aqui agora, amigos,
um emprego e ainda vou descobrir qual será a minha nova vocação —
argumento.
— Você ainda pode descobrir isso em casa, filha, volte comigo. —
Ela pede.
— Eu já decidi, mamãe, nós ainda iremos nos falar todos os dias —
garanto-lhe.
De longe seria mais fácil, apenas aceite, mãe.
Ela solta um longo suspiro e me olha, seu olhar não era satisfeito e ela
tentava esconder as lágrimas que se acumulavam. E isso me quebrou ainda
mais por dentro.
É muito mais fácil fingir que estava tudo bem e que aceitei o que
aconteceu comigo, quando ela e Saint estavam longe. Assim como será mais
fácil ainda convencê-la de que eu estou bem, enquanto houver uma distância
gigantesca entre nós.
— Tudo bem. — Ela murmura, fungando o nariz. — O que você irá
vestir hoje à noite?
— Hoje à noite?
Olho para ela, com a testa franzida.
— O festival, Noah. Você irá vê-lo certo? — Ela indaga.
Saint iria se apresentar sem mim e estar presente para assisti-lo, era o
mínimo que eu poderia fazer diante de tudo que ele vem feito por mim.
— Eu não perderia isso por nada — respondo, fingindo empolgação.
Minha mãe sorri satisfeita e me olha com aquele velho olhar que eu
conhecia bem. Ela me faria de boneca.
O Carnegie Hall estava lotado. Ainda bem que resolvi abandonar as
muletas, seria difícil conseguir andar por aqui com elas.
A saia longa branca que a minha mãe me fez vestir, com uma blusa
justa ombro a ombro na azul, cobria a bota ortopédica. Quase ninguém a
percebia.
O teatro estava frio e pouco iluminado, por conta disso minha mãe me
ajudou a subir os degraus. De longe, ela localizou os pais de Saint, ele
estavam sentados em uma fileira no meio do teatro, os meninos da banda e
Valentina também estavam na mesma fileira. Há dois lugares vagos, era tão
óbvio que a minha mãe já havia combinado com Dora.
— Noah, querida, como é bom vê-la. — O pai de Saint levantou-se
para me cumprimentar, com os braços abertos
Um pouco sem jeito e com medo de pisar em seu pé com a bota, eu o
abracei. E assim foi com Dora e Loren.
Me sentei na cadeira que ficava na ponta da fileira, assim era mais
fácil para mim caso alguém quisesse passar ou até mesmo eu quisesse sair.
Não ia gerar aquele transtorno por causa da minha perna e ninguém pisaria
em meu pé.
Paul subiu ao palco para anunciar o início da abertura do festival de
outono. Os vencedores do ano passado subiram para apresentar a abertura,
que teve Claire dançando o primeiro ato de La Sylphide com a roupa que a tia
dela havia feito para mim. Enquanto alunos da turma de música tocavam a
música Jean-Madeleine, Schneitzhoeffer.
As lágrimas vieram e só percebi que enfim estava chorando, quando
senti o gosto do sal em meus lábios.
Claire estava fazendo por mim o que eu não podia fazer. Dançar.
E de alguma forma, eu me senti em cima daquele palco ao lado dela.
Não pelo fato dela estar dançando o meu tema e com a minha roupa, mas sim
por ela estar fazendo isso por mim.
Quarenta e cinco minutos depois foi a vez de Saint subir ao palco. Ele
sentou-se em uma cadeira alta com o violão em mãos, seu olhar percorreu por
todo o teatro até parar em nossa fileira.
Ele sorriu, foi um sorriso nervoso. Mas ele sorriu.
— A música que eu vou cantar agora, eu escrevi há pouco tempo. Ela
é sobre uma garota. Ela não é qualquer garota, ela é a minha garota.
Ela me fez enxergar a vida de uma forma diferente, fez com que eu
deixasse pessoas importantes entrar em minha vida e deixar outras partirem.
É por ela que eu estou aqui, não da forma que deveria ser. Porque era para
sermos nós, mesmo que eu usasse um tutu eu ainda preferiria que você
estivesse ao meu lado.
A plateia ri, ele abaixa a cabeça tímido e começa a dedilhar os dedos
na corda do violão. Saint levanta a cabeça e seus olhos buscam pelos meus,
quando os encontra ele não desgruda nem mesmo quando voltar a falar.
— Lembra quando eu disse que o ballet era coisa de mulher? Eu
estava errado. O ballet vem da música e é tão inspirador quanto ela, foi isso
que deu início a nossa história. E no final de tudo isso, eu acabei apaixonado
pela minha melhor amiga. Essa é para você, bailarina. — Ele completa, ainda
mantendo seu olhar no meu.

Tudo o que eu acreditava


Era que meninas como você não caíam de árvores
Feito uma pedra jogada em um lago
Como duas formas distintas que se encaixam
Eu combino com você.
E eu acho que você combina comigo também.

Seus pés te levam ao alto


Mas eu posso ir mais alto ainda
Eu vou primeiro se você vier atrás

Noah, eu iria ao fim do mundo e voltaria por você


Você tem um jeito certo de me ganhar
Mas não estou com medo
Porque eu iria ao fim do mundo e voltaria por você

A forma que seus dedos dedilhavam pelas cordas do violão era com
maestria, Saint tinha um talento nato. Seja na calmaria da sua voz, dos seus
dedos, ao efeito que causa em mim. Agora eu entendia o que Paul quis dizer
sobre toda banda boa ter uma música sobre mulheres.
Volto a cantar pela última vez o refrão da música. Bem para ela, para
que ela soubesse a importância que tem em minha vida.
Noah sorri para mim, com o rosto marcado de lágrimas. Ela sorria de
uma forma que há semanas eu não via.
Eu amo você, bailarina. Eu sempre vou amar você.
Termino de tocar a música e me despeço do público com um mero
obrigado. Nos bastidores, enquanto outro candidato se prepara para subir ao
palco para se apresentar. Guardo o meu violão na capa e as pressas, faço o
meu caminho em direção à plateia.
Noah está sentada na ponta da fileira e não percebe quando eu me
aproximo.
— Precisa de um lenço, bailarina — murmuro, em seu ouvido.
Seu corpo tenciona e ela vira o rosto para me olhar, com um largo
sorriso.
— Esse era o sorriso que eu esperava ver hoje — confesso, e estendo
minha mão para ela.
Ela hesita antes de pegar na minha mão. Eu a levanto e a puxo para
fora da fileira.
— O que você está fazendo? — Ela pergunta, em um tom baixo.
— Não tenho chances de ganhar esse festival, principalmente, sem
você, bailarina. Temos um lugar para ir — respondo-a no mesmo tom baixo
que ela.
— Saint, eu...
Balanço a cabeça negativamente.
— Sem escapatória, Noah Lee Clark — intervenho, antes mesmo que
ela tente arrumar uma desculpa para não vir comigo.
— Eu só ia dizer que eu acho que você tem chances e que você
mandou muito bem lá em cima. — Ela comenta, sem esconder o sorriso
orgulhoso do rosto.
Algumas pessoas começam a reclamar por estarmos em pé. Dou de
ombros e Noah ri timidamente.
— Nos vemos depois — murmuro para os meus pais, e nossos amigos
sentados.
Ajudo Noah a andar até saída do teatro e a levo para o
estacionamento. Sozinha, ela abre a porta do meu carro quando nos
aproximamos dele e entra, mostrando o quanto se tornou independente desde
que evoluiu na fisioterapia. Antes ela precisava de ajuda para entrar, ainda
mais por estar de muletas e só ia no banco de trás do carro com a perna
esticada.
Entro no carro e, ignorando a pergunta silenciosa e curiosa de Noah,
nos levo para o nosso destino.

Eu passei a semana inteira procurando restaurantes e lugares para


levá-la para dançar. Pensei em levá-la para comer besteiras e carboidratos que
ela tanto ama, depois a levaria para uma aula de dança. Mas enquanto corria
pela manhã nos arredores do rio Hudson, algo me chamou atenção. Vi um
pequeno grupo de orquestra ensaiando em um velho barco, me juntei a eles e
descobri a história por trás daquele barco que hoje virou o restaurante Pier 66
Maritime Bar & Grill. Eles tocavam todas os sábados e hoje era o meu dia de
sorte.
A vista estava linda e eu sabia que Noah iria adorar, ela passa mais
tempo olhando para a vista do rio Hudson através da janela do meu
apartamento, do que fazendo qualquer outra coisa.
— O que estamos fazendo aqui? — Ela pergunta, enquanto
caminhávamos pelo Pier 66.
Não respondo a sua pergunta ainda, apenas seguro em sua mão e a
levo até a proa do barco, perto do corrimão.
— Esse é o Frying Pan, que depois de ter tido uma longa vida e
afundado por três anos, foi resgatado e restaurado. Hoje ele é isso que você
vê, um restaurante à margem do rio Hudson — explico para ela a história do
barco.
Ela anda mais à frente e se inclina sobre o corrimão. Noah observa as
gaivotas sobrevoando o rio. Talvez elas estivessem esperando por pessoas
que jogam comida no rio ou apenas estavam à procura de companhia durante
a noite.
Me coloco ao seu lado, nós dois olhamos para a água silenciosa.
— Você viu a Claire? — Ela pergunta em um murmuro.
— Quem não viu? — retruco.
Noah vira seu corpo, ficando de frente para mim.
— Eu nunca me senti tão bem representada em toda a minha vida. Ela
tinha a abertura dela e todos os passos decorados em mente sem nem mesmo
precisar de ensaios. Mas então, ela desistiu da própria apresentação e mudou
tudo só para me prestigiar. — Ela diz, com a voz por um fio. — Foi por isso
que você estava ensaiando com ela? — pergunta.
— Não e sim, eu ainda queria apresentar, mas vi que eu não
conseguiria sem você. Cada acerto que eu tive foi com você, e cada passo
dado foi por você, Noah. Então, Claire quis fazer isso para que você se
sentisse abraçada.
— Argh, vocês dois me fizeram chorar tanto hoje. — Ela confessa.
Sorrio pela sua confissão. Envolvo meus braços em sua cintura e a
puxo para um abraço.
— Não há mal algum em chorar, bailarina, estamos passando por isso
juntos. Juntos hoje, amanhã e sempre — garanto, a apertando ainda mais em
meu corpo.

Soube que havia trago Noah no lugar certo no momento em que a vi


devorar seu hambúrguer e as batatas fritas. Se eu a tivesse levado em um
restaurante sofisticado, ela não teria se sentido tão à vontade assim.
Estávamos sentados em uma mesa na ponta do barco, era o lugar mais
distante e reservado. A brisa batia no rosto de Noah, enquanto seus olhos
percorriam por todas as pessoas no meio do barco. A orquestra começou a
tocar faz uns minutos e as pessoas dançavam em sincronia.
Me levanto e tiro meu blazer, isso atrai a atenção de Noah e estendo a
minha mão para levantá-la.
— Nós estamos aqui para dançar — informo.
— Mas eu não posso dançar. — Ela murmura, em um fio de voz e
encara a minha mão estendida.
— Sim, você pode — afirmo.
Ela segura em minha mão e se levanta, a levo até o meio do barco.
Pego em suas duas mãos e as coloco em meu peito. Mantenho meus olhos
fixos aos dela, e procuro uma forma de lhe dizer isso sem que a faça se sentir
mal.
— Noah, o ballet tem passos e movimentos arriscados, sem falar nos
saltos e no quanto requer habilidade e esforço físico. Você disse que perdeu o
que mais ama fazer, lembra-se disso? — pergunto.
Tentando disfarçar as lágrimas que se acumularam em seus olhos, ela
assente confirmando.
— Você não a perdeu, a dança sempre vai estar dentro de você,
porque você nasceu para isso e você é o que você faz. Ninguém nunca disse
que você não vai mais poder dançar, você só não pode mais praticar o ballet e
isso não é o fim.
Solto um suspiro e levo minhas mãos até seu rosto, secando as suas
lágrimas.
— Eu não vou conseguir. — Ela sussurra.
— Dançarinas dançam, aconteça o que acontecer — repito seu
próprio lema. — Bailarina, você me daria a honra dessa dança? — pergunto,
com um sorriso presunçoso.
— E se eu cair? — Ela pergunta, insegura.
Não tinha chances dela cair dançando uma música melancólica e
lenta. Mas se é de segurança que ela precisa, eu vou lhe dar isso.
— Eu vou te segurar antes mesmo que você caia no chão — garanto a
ela.
Encosto minha testa na sua e pressiono meus lábios na ponta do seu
nariz. Dois passos para lá e dois passos para cá, e assim começamos a nos
mexer bem devagar em comparação as outras pessoas.
— Eu amo você, Saint Rivers. — Ela murmura baixo.
— Eu amo você, Noah Bailarina Clark.
“Ela estava levando seu tempo.
Eu estava perdendo minha cabeça.”
TOUCH TOO MUCH – AC/DC

DESDE O DIA QUE NOAH SE MACHUCOU, eu não colocava os


pés no bar. Não queria deixá-la sozinha e havia prometido a Grace que
cuidaria dela, assim como prometi na semana passada. Grace passou a
semana conosco depois do festival, isso trouxe muitos sorrisos ao rosto de
Noah e ela estava precisando disso, sorrir.
— Ora, ora quem resolveu aparecer. — John murmurou ao me ver. —
Sua guitarra agradece, ela estava sofrendo com seu descaso. — Ele completa,
zombando.
Eu não pegava em minha guitarra há semanas, até usava o violão, mas
não se comparava a minha velha guitarra que meu avô havia me dado de
presente.
Sento-me ao lado de John em uma das mesas do bar e logo depois,
Tyrone e Matthew se juntam a nós.
— Um figurão veio te procurar ontem. — Tyrone comenta. — Os
meninos do bar, disseram que ele vem todas às noites e ontem me intercedeu
após o show e perguntou por você.
Enquanto eu estive fora, eles continuaram tocando. John assumiu o
vocal e esse foi um dos maiores motivos para não me importar tanto assim
em como estavam as coisas no bar e com a banda, eles me entendiam e
sabem se sair muito bem sem a minha ausência.
— Quem era? — pergunto, agora interessado no assunto.
— Nunca o vi, mas ele vem hoje. Certamente irá procurá-lo, ele sabe
quem você é. — Tyrone responde.
Assenti em silêncio. Eu não gostava dessa sensação de que a pessoa
me conhecia e eu não sei nada sobre ela. É invasivo.
— Mais um shot e vamos ensaiar, seus alcoólatras. — John diz.
— É só você que está bebendo — digo, ao arquear uma de minhas
sobrancelhas.
— Então, mais um shot para mim.
John e eu, paramos para afinar nossas guitarras. Ele não parecia estar
tão bem assim, falo isso pela sua mão que tremia.
— Está tudo bem? — pergunto.
— Tirando a minha vizinha satânica que liga para o síndico todas as
noites reclamando do barulho da minha guitarra? Está tudo certo, eu vou
jogar uma bomba naquele apartamento se ela não parar com isso, eu estou
quase sendo expulso. — Ele resmunga, largando a guitarra no suporte.
— Ela simplesmente implica com a sua guitarra ou com você?
— Com ambos. — Ele afirma em resposta, dando de ombros.
— Eu implicava com Noah, mas não exatamente com ela. Com as
mulheres em si, no fundo não foi à toa — confesso.
John me olha curioso, balanço a cabeça. Não vou entrar nesse assunto
agora.
Termino de afinar a minha guitarra e espero por John afinar a dele um
pouco mais calmo agora.
Me aqueço fazendo uns canais de guitarra, quando Matthew bate as
suas baquetas uma na outra informando que estávamos prontos. Começo a
tocar e meus dedos se tornam mais ágeis na minha guitarra, até ela guinchar e
gritar da forma como eu quero.

À noite, Noah apareceu no bar, ela não conseguia ficar parada, então
lá estava ela no bar preparando bebidas. Do palco eu a vi, assim como eu
também o vi ao lado de Paul.
Olhei para Tyrone, discretamente fiz menção na direção de Paul. Ele
assentiu, afirmando minhas suspeitas em relação ao senhor ao lado do meu
tio. Quando acabamos de tocar, notei que havia muito mais pessoas hoje do
que eu me lembrava da última vez que toquei.
— A casa tem lotado desde o festival, todo mundo vem aqui para
ouvir o nosso som por sua causa. — Matt murmura, contente.
— Você está falando sério? — questiono.
— Por que a incredulidade na voz? Não era esse o seu objetivo? Você
conseguiu, Saint, fez isso. Trouxe o reconhecimento que tanto queria e de
quebra, ganhou a garota. Eu estou feliz e orgulhoso por você. — Ele diz,
dando-me um leve cumprimento com um soco no ombro enquanto
andávamos em direção ao bar.
— E agora eu vou pegar a minha garota — digo, ao observar Noah
debruçada no balcão conversando com Paul e o homem misterioso.
— E eu vou atrás da minha. — Ele murmura.
Caminho em direção ao bar e ao me notar, Noah sorri angelicalmente.
Ela comenta algo com Paul, que vira o rosto para me olhar.
— E o astro difícil de ser encontrado chegou! — Paul diz, chamando
a atenção do homem ao seu lado.
— Você sabe onde eu moro — retruco, sem esconder a minha
surpresa em vê-lo aqui sem a tia Natasha.
— Saint, esse é o meu grande amigo Corbyn Bronks. Ele é produtor
musical e não me deixou em paz desde que o viu no festival, depois que viu o
restante da banda tocar se tornou pior ainda. — Ele diz, em um resmungo
falso.
— Saint Rivers. — O homem anuncia, estendendo a mão para mim.
Aperto em sua mão o cumprimentando. — É muito bom finalmente conhecê-
lo. — Ele completa.
— É... Acho que deve ser bom conhecê-lo também — digo receoso.
— Eu vou deixá-los a sós, vocês têm muito o que conversar. — Paul
diz, se levantando.
Noah se afasta do balcão, e arrastando a perna com a bota ela faz
menção em sair também.
— Você pode ficando mocinha — digo para ela.
— Mas...
— Sem mas, Noah — insisto.
Ela solta um suspiro cedendo.
— Então, senhor Bronks, nós podemos conversar lá em cima? É mais
silencioso que aqui embaixo e a cozinheira da casa faz uns aperitivos divinos.
— É claro, Saint, esperei por você a semana inteira. — Ele informa.
— Eu fiquei sabendo algo sobre isso — comento.
Enquanto subíamos ao andar de cima, senti Noah apreensiva ao meu
lado a cada degrau que pisava.
— Está sentindo dor? — pergunto baixinho, apenas para ela ouvir.
Ela balança a cabeça negando.
— Então, qual é o problema? — pergunto, mais uma vez.
— Eu estou ansiosa, Saint. — Ela murmura, com uma pontada de
entusiasmo na voz.
— Para o quê?
— Você já vai ver.
Nos sentamos a mesa e deixei que Noah fizesse os pedidos, ela já
havia comido de tudo que tinha aqui. Não me assustaria se ela soubesse o
cardápio de cabeça.
— Noah, a musa inspiradora para quem você cantou no festival. —
Bronks comenta, fazendo Noah corar ao meu lado. — Eu gostei muito do que
eu ouvi, Saint, e muito mais do que assisti hoje naquele palco.
— Obrigado — agradeço, meio sem jeito.
— Eu tenho uma proposta a fazer a você, gostaria de estar falando
com todos os outros integrantes da banda, mas Paul me disse que eu deveria
conversar primeiro com você.
— Uma proposta? — indago, franzindo a minha testa.
— Estou há 30 anos no mercado da música, Saint. A Geffen Records
vem lançando grandes nomes como Aerosmith, The Stone Roses e entre
outros... Gostaria de ter a Metamorphosis nessa minha lista, vocês são bons e
o mundo da música precisa ouvi-los. Tenho um contrato esperando por vocês.
Eu ouvi direito? Um contrato com uma gravadora da UMG? Tio Paul
só pode ter armado uma pegadinha.
— Um contrato? Com uma gravadora? — pergunto, com a voz
engasgada.
Noah sorri radiante ao meu lado, após ouvir a proposta e aperta forte a
minha mão.
— Um contrato não com uma gravadora, com a gravadora. Estamos
de portas abertas para vocês, Saint. Você só precisa dizer que está dentro. —
Ele informa, com um sorriso presunçoso no rosto.
Hesito por um momento e recosto meu corpo no assento da cadeira,
Noah percebe meu desconforto e solta a minha mão. Seu olhar era
questionador.
Ela não estava entendendo a minha reação e para falar a verdade, nem
eu.
Um contrato e não era com uma gravadora qualquer, era com uma
super gravadora e com um grande nome. Então, qual era o meu problema?
Eu fico me perguntando o que meu pai acharia disso logo agora que
me empenhei em ajudá-lo com o negócio da família. É a fábrica do vovô.
— Eu não posso aceitar — respondo, tanto Noah, quando Corbyn me
olham.
Ele surpreso. Ela com um olhar desapontado.
A questão não era mais os meus sonhos. E sim, o que eu quero ser e o
que eu devo fazer. E eu preciso encontrar a resposta dessas duas coisas.
“Eu me lembro de como nós dançamos tão perto.
Eu me equilibrava em seus pés.”
WILD HORSES – BIRDY
SEMANAS DEPOIS

Sacrifícios.
Eu nunca soube o real significado do que era se sacrificar por alguém.
Mas eu vi isso nos olhos de Saint quando ele recusou a proposta da
gravadora.
O amor vale esse preço? Eu diria que sim. O que eu faria no lugar
dele? Eu aceitaria, sim. Eu certamente pegaria a oportunidade.
Mas Saint, ele estava fazendo diferente. Saint não venceu o festival,
mas ele ganhou algo muito maior do que o prêmio em dinheiro. Ele estava
prestes a ter aquilo que mais sonhou, um contrato com uma gravadora. Mas
estava nadando para longe disso. Por quê?
Eu o vi deixar de ir para o seu próprio bar por mim, ele estava
deixando de cumprir afazeres e subir os degraus do seu sonho por mim. E não
é porque o meu sonho acabou que o dele deve acabar também. Não quero ser
uma carga na vida dele, mas infelizmente era isso que eu estava me tornando.
Eu era uma bagagem que Saint se sentia responsável. E seu abraço protetor
estava me sufocando.
Meu tornozelo já estava recuperado, mas eu ainda ia em algumas
sessões de fisioterapia. Antes era três vezes na semana e agora passou a ser
apenas duas vezes no mês apenas para ter um acompanhamento.
Passei a fazer caminhada todos os dias pelas manhãs, Sabine disse
que isso ajudaria ainda mais a manter meu equilíbrio e meus pés ativos. E
isso me deu uma pontada de esperança, que fez com que eu procurasse por
toda Nova York uma escola da ballet. Meu sonho ainda estava vivo dentro de
mim e eu não desistiria tão cedo dele. Não vou aceitar que é o fim para ele,
não ainda.
Decidi ir todas as tardes após meu expediente na livraria para a escola
de ballet. Para ter privacidade, eu disse que estava ensaiando para uma
apresentação e precisava de uma sala, claro que foi preciso pagar um pouco a
mais para ter um horário reservado só para mim.
Encaro meu reflexo na parede de espelho de frente para barra e me
aqueço.
“Você não a perdeu, a dança sempre vai estar dentro de você, porque
você nasceu para isso e você é o que você faz. Ninguém nunca disse que você
não vai mais poder dançar, você só não pode mais praticar o ballet e isso
não é o fim.”
O que Saint havia me dito há um mês atrás na noite do festival ecoava
em minha mente. Eu sempre voltava à aquela noite onde eu senti meu sonho
ainda vivo dentro de mim.
Mas então, eu dei o primeiro passo e caí.
Mais um passo e caí de novo.
Não adiantava mais repetir, que eu me recusava a cair. Eu já estava
cansada de tentativas falhas e frustradas, e comecei a culpá-lo mais uma vez.
Saint não tinha culpa de nada, mas havia se tornado bem mais fácil
colocar a culpa nele pelo meu fracasso do que culpar a mim mesma.
O que eu quero ser? Um músico, sim, um músico. O que eu quero
fazer? Viver da música. Mas como fazer isso, quando uma parte de mim
sente como se estivesse a traindo? Naquela noite do festival, era para sermos
nós. Ela deveria estar brilhando, e deveria ser ela a dar um passo para o
sonho, não eu.
Como dizer aos meninos que a música, a adrenalina, o amor, todas
essas coisas mudaram depois que Noah se quebrou? As coisas eram mais
fáceis quando ela era apenas ela. Se as pessoas ao meu redor soubessem
como eu me sinto, elas iriam rir de mim. Talvez eu seja uma piada para os
meus amigos nesse exato momento.
Mas será que as pessoas entenderiam? Elas entenderiam que a minha
vida mudou depois dela e não seria justo jogar na cara dela que eu subi um
degrau e ela não?
Eu estava em uma fase da minha vida, em que estava desesperado
para sentir algo que fosse real. E nada parecia real o bastante. Tudo era
superficial, estranho e insosso. Cada beijo parecia ser metade do que deveria
ser um beijo, cada toque era apenas um toque. Até Noah aparecer e mudar
todas as minhas perspectivas.
Desde que a fisioterapia deu resultado, eu observei dia após dia Noah
sair às pressas da livraria e ir para uma escola de ballet. Ela não sabia que eu
havia descoberto o que ela estava fazendo, mas eu sabia. Não só sabia como
assistia a ela se posicionar em frente a barra e cair antes mesmo de começar a
dançar.
Todos os dias era o mesmo processo, ela se levantava e tentava
novamente. Ela caía uma e se levantava duas. Sua força de vontade só me
fazia admirá-la ainda mais. Mas não era só os seus pés que não respondiam
mais aos seus comandos, ela se fechou e parou de me responder.
Ela não desistia, ela nunca desistiu. Mas diante a todos esses
fracassos, ela se fechou para mim. E eu queria que ela não tivesse desistido
de mim da mesma forma que não desiste da dança.
Eu a observava, enquanto ela praguejava baixinho sentada no chão.
Seu cabelo estava preso em um coque, com algumas mechas caindo,
suavizando o penteado. Ela estava brava por ter errado um passo mais uma
vez. Era como se ela não tivesse mais controle sobre as próprias pernas e
tivesse desaprendido a dançar.
— Eu sei que você está aí, Saint. — Ela murmura, ainda olhando para
os pés e amarrando a sapatilha no pé esquerdo.
Após terminar de amarrar, ela se levantou, fechou os olhos e respirou
fundo antes de abri-lo novamente. Ela veio marchando brava em minha
direção e parou à poucos centímetros de mim.
— Pare de me seguir, eu não quero você por perto, eu não quero ver
você. Só. Me. Deixa. Em. Paz! — Ela grita, pausadamente palavra por
palavra.
— Por quê? — pergunto e ela me olha sem entender a minha
pergunta. — Por que me afasta, Noah?
— Porque você me lembra aquilo que eu não posso mais ter, Saint, eu
amo a música, eu amo dançar e nem isso eu posso mais! Eu perdi o que eu
mais amo.
Eu deixaria tudo se isso a trouxesse de volta para a minha vida,
mesmo que isso signifique que eu tenha que deixar o que eu mais amo para
trás: a música.
— Então é esse o problema? Você está me afastando por que eu tenho
algo que você não pode ter? Eu daria tudo para ser eu no seu lugar, Noah,
porque eu não danço, mas você sim. E se isso é importante para você,
também é para mim — solto um suspiro cansado e a olho. — Eu daria meus
pés pelos seus, Noah.
Ela apertou a unha na palma da mão, eu podia ver o quanto aquilo
estava a machucando, mas ela não parou de se auto machucar. Seus olhos
estavam marejados e observei ela engolir a vontade de chorar.
— Você é a minha namorada, Noah, eu não vou abandoná-la —
sussurro, quando percebi que ela não ia falar nada.
Me aproximei, quebrando o espaço que havia entre nós. Como se
fosse um imã, minha mão estava sendo atraída para tocar em seu rosto, não
me privei de fazer isso e me surpreendi quando ela não me afastou e nem
recusou meu toque. Apenas colocou a mão por cima da minha e a afagou.
Uma lágrima escorreu em sua bochecha e ela piscou. Eu não via mais
aqueles olhos azuis cheios de amor, intensidade, música e felicidade. Tudo
que eu enxergava era dor.
— Só me deixe tentar, não me deixe desistir. Eu não posso desistir,
Saint, eu amo você, mas isso agora vem em primeiro lugar — murmura,
afastando a minha mão do seu rosto e me dando as costas.
Ela não estava pedindo por favor, para que eu fechasse a porta. Ela
estava pedindo por favor, para que eu a deixasse em paz.
Eu não a respondi, não queria que ela soubesse o quanto as suas
palavras me quebraram. Ela precisava de mais uma chance e de alguém que
acreditasse que ela é capaz. E eu sou essa pessoa. Porque por mais que as
coisas tenham tomado esse rumo em nossas vidas, ainda somos leais um ao
outro.
Andei devagar até a porta e virei-me para olhá-la antes de ir, mais
uma vez eu a estava vendo na sua mais nova rotina:
Se posicionar, usar a barra como apoio, fazer as posições básicas e,
por último fazer ponta e cair no chão.
Em silêncio, ela se levantou e eu saí, sendo observado pelo seu olhar.
Seus pés se tornaram a sua maior fraqueza e a minha também.
“Mas agora eu gostaria que você estivesse aqui”
WISH YOU WERE HERE – AVRIL LAVIGNE

QUANTO MAIS EU INSISTIA, MAIS EU O AFASTAVA. Ele


continuava a me seguir todos os dias e eu continuava a fracassar.
Então, eu desisti.
“Sem você aqui é um pouco mais
do que posso aguentar.”
WAIT FOR YOU – ELLIOT YAMIN
DOCES. EU PODERIA TER UMA OVERDOSE DE DOCES.
Era o que eu pensava enquanto abria mais uma barra de chocolate.
Eu não saía do meu quarto há dois dias e tudo o que eu comi nesses
dois dias foram doces e mais doces. Valentina tentou me fazer abrir a porta
incansáveis vezes e eu me neguei a abrir todas elas. Tenho certeza que ela
vinha a mando de Saint, eu ignorava todas as suas mensagens preocupadas e
ligações também.
Acho que eu desisti do meu trabalho também. A essa altura a senhora
Eva já deve ter contratado outra pessoa, estamos no inverno e ela costumava
dizer que é a estação do ano em que as pessoas mais procuravam por livros.
Se as pessoas gostam de ficar isoladas em casa no frio lendo livros, por que
eu não posso ficar em casa comendo chocolate?
Ouço passos brutos e pesados no corredor, e em seguida, batidas
fortes na minha porta.
Fingi não ouvir. Eu não vou abrir.
— Noah, abra a porta. — Saint gritou, socando mais uma vez a
madeira da porta.
Continuei em silêncio e dei mais uma mordida em minha barra de
chocolate.
Voltei a ignorar as batidas quando elas voltaram a soar
incansavelmente, mas da mesma forma que as batidas vieram elas se foram.
Ele desistiu.
— Não há mal algum em desistir, Saint, eu também desisti de mim —
murmuro para mim mesma.
Abro agora um pacote de marshmallows e como junto com a barra de
chocolate.
Um barulho de chaves chama a minha atenção novamente para porta e
quando a olho, observo a minha maçaneta girando. A porta se abre, Saint
olha para o chão coberto de embalagens de doces, e conforme entra no quarto
seus olhos pairam pela bagunça em meu quarto escuro e frio.
Saint levanta a cabeça e depois de dias sem nos vermos, seu olhar
exala incredulidade.
— O que aconteceu com você? — Ele pergunta.
Ah, Saint... Se você pudesse ver tudo que há dentro de mim.
Mas a minha resposta à sua pergunta foi o soluço alto que escapou de
minha boca, e em seguida, as lágrimas que caíam constantemente.
Aceitação. Uma palavra pequena, simples e dependendo do que há
por trás dela é difícil aceitar.
Eu estava aceitando o destino que me foi lançado.
“E se você me deixar ser seu homem.
Então eu vou cuidar de você.
Pelo resto da minha vida.”
LET ME – ZAYN

EU VOLTEI A OBSERVÁ-LA MAIS VEZES. E toda vez que ela


caía, uma letra de música surgia em minha cabeça e eu escrevia. Em uma
semana, eu tinha dez músicas, todas elas sobre Noah.
Mas hoje foi um dia diferente, ela não apareceu ao estúdio de ballet.
Eu fiquei duas horas dentro do carro, esperando que em algum momento, ela
entrasse naquele estúdio.
O sino soa, alarmando que alguém estava entrando. A senhora Eva me
olhou e sorriu triste, soube nesse exato momento que havia algo de errado.
— Ela não veio hoje. — Ela diz, em um tom baixo.
Eu queria saber o porquê ela não veio trabalhar, mas acho que já sabia
a resposta. Noah desistiu de tentar.
— Eu passei por aquela porta ontem e ela estava com dois dicionários
na cabeça e dançando. A dança virou a sua própria terapia, Saint, física,
mental, emocional e racional. — Eva sai de trás do balcão e caminha em
minha direção, quando está perto o bastante, ela segura em minha mão e
coloca em minha palma um colar, com um pingente de sapatilha. — O amor
sempre tem valor. Ele nos abala por dentro, mas é resistente. Faça-a entender
isso, como ela fez você entender. Olhe aonde o amor te trouxe, não é mais o
mesmo homem.
Após essas palavras, eu me sinto vazio, triste e solitário sem ela.
Porque essa era a verdade, Noah me mudou.
— Obrigado — murmuro em um fio de voz.
— Dê a ela mais tempo, apenas saiba a hora certa de intervir. — Ela
me aconselha, e se afasta.
Balanço a cabeça assentindo, e forço minhas pernas a andarem em
direção à saída.

Toda vez que eu subia no palco, eu esperava vê-la sentada esperando


por mim, então, eu cantava desejando-a que ela estivesse ali e a
materializando em minha mente. Isso era o que me motivava a me apresentar
todos os dias. Era por causa dela que as coisas começaram de fato a decolar
com a banda, a música que compus para ela fez isso. As pessoas iam ao bar
somente para nos ver tocar e isso só se tornou fácil graças as férias de
inverno, o que ocasionou a presença do tio Paul mais frequente nos ensaios
em reuniões.
Eu não tive notícias de Noah por mais um dia, ela não apareceu na
livraria e nem no estúdio mais uma vez.
— Tudo o que ela precisa é de tempo, Saint, imagina para você perder
suas condições motoras e não poder mais tocar? — Claire disse, quando
voltei desolado para o bar.
Mais tempo?
— Eu ainda teria a minha voz. — Eu respondi, para descontrair, mas
entendia o que ela queria dizer.
Eu entendia o quanto a dança era importante para Noah, mas e quanto
a mim? E eu? E nós? Tudo que eu fiz por ela e para ela não valeu de nada?
Pensei em ligar para Grace e Conrad, talvez ter os pais por perto a
ajudaria. Mas pensei melhor e isso os preocuparia, Noah iria me querer mais
longe ainda se fizesse isso. Então lhe dei tempo e espaço, se as coisas não
melhorassem eu ligaria para eles.
Mas não melhoraram como eu pensei que melhoraria. Noah não ia
trabalhar há dois dias e não saía de casa.
— Onde ela está? — pergunto para Valentina, ao entrar em seu
apartamento.
Valentina havia me ligado, depois de mais uma vez tentar tirar Noah
do quarto.
— Onde você acha? Ela não sai de lá há dois dias e está fedendo. —
Ela responde.
Meu olhar se estreita em sua direção.
— Nem para comer? — indago.
— Nem para comer e tomar banho. Agora se ela usa o banheiro eu
não vejo, eu não saio de casa há dois dias na esperança dela sair do quarto.
Eu estou começando a ficar preocupada.
Atravesso a sala e caminho em direção ao quarto de Noah disposto a
colocar um fim nisso tudo.
Bato forte na porta, eu sei que ela não irá abrir, mas insisto mesmo
assim. Percebendo que de fato ela não vai abrir, vou até o meu apartamento e
pego a minha chave reserva que Paul havia me dado de todos os cômodos do
apartamento da Valentina.
— Como você tem uma cópia da chave do meu apartamento? — Ela
pergunta, praticamente aos berros.
— Sério que você quer discutir isso agora? — indago, passando por
ela.
Ela passa a minha frente e para de braços cruzados me impedindo de
ir adiante.
— Foi o seu pai, tá legal? Era uma chave para emergências e acho que
isso — aponto para a porta do quarto de Noah. — Se qualifica como uma —
completo.
— Vocês são impossíveis. — Ela resmunga e sai da minha frente.
Com o caminho livre, caminho de volta até a porta do quarto e abro.
Ao abri-la me esforço muito para não levar a mão até o nariz. Além do quarto
estar escuro, imundo e cheio por embalagens de doces no chão, ele fede.
— O que aconteceu com você? — pergunto, ao encontrar seus olhos
perdidos.
Noah se encolhe na cama e começa a chorar.
Cautelosamente, aproximo-me dela e à medida que eu me aproximo,
sou atingindo por uma barra de chocolate, e em seguida, por um muffin. Cada
passo que eu dava, ela me acertava com algum doce. Eu já estava próximo
demais e sem ter mais o que me acertar, ela se levantou e me atacou.
Eu aceitei todos os socos que ela dava em meu peito enquanto
chorava, se essa era a sua forma de deixar esvair a sua dor, então eu deixaria
ela me usar até a dor passar.
Quando ela não tinha mais forças para me bater, eu segurei em seus
braços. Nossos olhos se encontraram e era como se eu pudesse enxergar o
fundo da sua alma.
Isso não tinha a ver comigo. E sim tinha a ver com a morte.
Noah estava vivendo seu próprio luto, sozinha. Então, eu a abracei.
Como se pudesse tirar toda a sua dor dos últimos meses e pegá-la para mim.
Ela me abraçou de volta, seus braços me apertaram com tamanha força, seu
choro foi alto e agonizante.
Valentina apareceu no batente da porta, bastou apenas olhá-la para ela
entender que precisávamos ficar sozinhos.
— Você vai ficar bem, Noah, vai ficar tudo bem — murmuro, a
abraçando mais forte ainda.
— Eu achei que eu conseguiria fazer isso, achei que era só me livrar
daquela maldita bota e estava tudo bem. Mas eu não consegui, Saint, eu não
consegui. — Ela diz, ainda em prantos.
Afago seu cabelo, ignorando o quanto ele estava grudento e fedendo a
doces.
— Eu te culpei, Saint. — Ela se afasta e soca meu peito novamente.
— Eu te culpei tanto, porque era mais fácil te culpar.
Outro soco.
— Eu não devia culpar você, mas uma parte de mim queria te jogar
essa culpa porque foi você que me levou naquela pista de gelo. Foi você! —
Ela grita, e mais uma vez soca o meu peito.
— Chega, Noah — grito, levando as mãos até seus braços e
segurando-a pelos cotovelos eu a chacoalho. — Acorda, Noah, essa é a sua
vida. É quem você realmente é agora! É esse tipo de pessoa que você quer?
O corpo de Noah treme e isso me preocupa, tanto quanto me
preocupava com ela não falar comigo.
Ainda segurando em seus braços, eu ando com ela para fora do quarto
e caminho até o banheiro. Só a solto quando já estamos dentro do banheiro e
trancados.
Tiro a minha jaqueta de couro e abro o chuveiro. Coloco a minha mão
embaixo da água corrente e para sentir o quão quente está, e me viro
novamente para Noah. Agora sob a luz, consigo observar melhor a sua
aparência abatida.
— Reaja, Noah, eu preciso que você faça isso. Eu não estou
aguentando fazer isso por nós dois — confesso.
Sem respostas, eu seguro em sua mão e a coloco debaixo da água
morna com a própria roupa do corpo. Ela grita, talvez não esperasse que eu
fizesse isso. Entro debaixo da água junto com ela para evitar que ela escape.
Eu nunca a vi tão vulnerável assim. Ela não chorava mais, embora
ainda soluçasse baixinho a ponto do corpo voltar a tremer.
Cuidadosamente, retiro a roupa dela e jogo as peças encharcadas no
canto do banheiro. Eu a ajudo a lavar os cabelos e se ensaboar, ela não
contesta.
— Eu vou buscar roupas secas, você pode ficar sozinha um minuto?
— pergunto em um tom baixo, ela assente de cabeça baixa.
Saio do banheiro e, ao invés de voltar ao quarto imundo de Noah, eu
vou até o meu apartamento. Pego roupas secas e limpas tanto para mim,
quanto para ela. Ao voltar para o apartamento dela, ela ainda está no
banheiro, dessa vez sentada no chão abraçando as pernas enquanto a água cai
sobre seu corpo.
— Você estava deixando seus sonhos de lado por mim. Eu vi você
faltando aos seus ensaios, também vi recusar na minha frente a gravadora. —
Ela murmura, balançando o corpo para frente e para trás.
Eu me aproximo, não muito, mas perto o bastante para ouvi-la
melhor.
— Você me ama. — Ela afirma. — Muito mais do que eu o amo,
porque eu não sei se seria tão persistente assim. — Ela confessa.
— Você definitivamente não faz ideia do quanto eu a amo, bailarina.
Ela dá um sorriso fraco. Eu me agacho e levo a minha mão até o seu
queixo e a faço me olhar.
— Eu te amo, Noah. Tanto quanto amo a música, mas sem você, ela
não existe mais. Porque é você que me inspira, é você que me faz cantar.
— Você recusou, eu vi. — Ela diz, se referindo a proposta da
gravadora.
— Eu não recusei, Noah, aquele apenas não era o momento certo.
Havia você! Você precisava de mim, mas me afastou! E ainda tinha a
empresa, os meninos não podiam largar a faculdade, e pronto, vamos assinar
com uma gravadora e entrar em turnê — ironizo. — Não foi só por você,
Noah, foi pela Valentina, Claire e por todos nós.
Ela fica em silêncio e puxa uma respiração pesada, quando solta, é
como uma trovoada. Me levanto e pego a toalha pendurada, em seguida,
desligo o chuveiro e envolvo a tolha envolta de Noah e puxo para o meu colo.
— Você está assustada e com medo, eu sei que está. Eu também
estou, mas continuo aqui — sussurro, tentando acalmá-la e me sento na
tampa da privada com ela em meu colo. — Não estou fugindo, não estou te
empurrando para longe. Não pode me dizer que eu estou errado, não pode
dizer que fiz isso por egoísmo e simplesmente me dar as costas.
Seus dedos se fecharam em minha camisa encharcada, colada ao meu
corpo. Permaneci em silêncio até ela se acalmar, quando ela se acalmou, eu a
ajudei a se vestir e a levei para o meu apartamento.
Deixei Noah na sala, enquanto tomava banho. Eu estava no banheiro,
mas meus pensamentos estavam nela. Eu ainda estava preocupado pelo
estado deplorável que eu a encontrei, seu quarto então, nem se fala. A trouxe
para o meu apartamento porque não tinha condições de ficarmos em seu
quarto.
— Há quanto tempo você não dorme? — pergunto, ao voltar para sala
já tomado banho e vestido.
Noah inspeciona as partituras em cima da mesa de centro da sala, ela
está tão concentrada as vendo que nem olhou para mim.
— Isso é incrível. — Ela murmura, olhando para a partitura em mãos
e pega mais outra.
— Ok, isso responde a minha pergunta — desdenho, e vou para a
cozinha.
Preparo uma sopa, em visto a tudo que Noah comeu nos últimos dias,
sopa é a opção mais saudável no momento.
— Desde quando você sabe fazer sopa? — Ela pergunta, olhando para
o prato que eu coloco em sua frente e junto todas as partituras espalhadas em
cima da mesa
— Nos últimos trinta minutos — confesso, pegando a partitura que
ela tinha em mãos. — Depois do meu celular, não arrisco mais nada em suas
mãos. Agora coma.
— Quais as chances de eu ter uma infecção alimentar? — Ela retruca,
com um sorrisinho.
— Depois da quantidade de doces que você comeu nos últimos dias?
Acho que o seu estômago vai me agradecer.
Ela ri, não um riso falso e sem vida. Mas uma risada de verdade e
contagiosa.
— Eu senti falta disso.
— Eu também. — Ela confessa, sorrindo.

Quando acordo, Noah ainda está dormindo, respirando


profundamente. Depois de tanto tempo, ela parece bem, apenas cansada, mas
bem. Ergo a minha mão para afastar a mecha de cabelo que caía em seu rosto,
ela se mexe, mas felizmente não acorda.
Levanto da cama com cuidado para não despertá-la e saio do quarto,
saio em busca do meu celular e o encontro em cima da mesa de centro da
sala. Há uma mensagem não lida de Tyrone às onze horas, seguida por outra
do John há meia hora atrás, o que me faz ficar surpreso ao ver que já são três
horas da tarde.
Tyrone: Venha para o bar agora, é urgente.
John: Traga seu traseiro bonito aqui, ou iremos até você.
O que deve ser tão importante para eles estarem insistindo tanto
assim?
Me vesti o mais rápido que consegui e deixei um bilhete para Noah,
avisando que estaria no bar e pedindo para não hesitar em me ligar, caso
precise de algo. Meia hora depois eu já estava passando pela porta de entrada
do bar.
Os meninos estavam sentados em uma cabine, um de frente para o
outro enquanto discutiam algo entre eles. Antes de caminhar até a mesa,
passo os olhos em minha volta, não há nada fora do lugar.
— Espero que seja muito importante o motivo pelo qual vocês me
tiraram de uma coisa mais importante ainda — resmungo alto, enquanto
caminho até eles.
Os três viram-se para me olhar, ao chegar na mesa, vejo um bolo de
papel sobre ela. O selo da gravadora de Corbyn estampa o topo da folha e
isso chama a minha atenção.
Empurro a perna de Tyrone que ocupava o assento livre da cabine e
me sento.
— O que significa isso? — pergunto apontando para o papel.
— Eu acho melhor você ver com seus próprios olhos, é irrecusável.
— Tyrone responde.
— Saint, o que você decidir estamos com você. Começamos isso aqui
juntos e não iremos a lugar algum sem você. — John murmura.
— É cara, sem você a banda não existiria. Claro que tem o Paul, mas
você é a alma da Metamorphosis. Nós somos uma família e nos apoiaremos.
— Matthew completa.
— Isso está parecendo um velório — retruco.
Pego os papéis, o título do texto já diz tudo. É um contrato. Levo os
últimos quinze minutos lendo palavra por palavra, e cláusulas por cláusulas
das duas primeiras folhas. A última folha é a que mais me impressiona, um
contrato para um show de abertura de um festival.
Não um show normal em um estádio ou casa noturna, um festival.
Um grande festival por sinal.
Leio novamente o contrato, que se tornava realmente irrecusável e o
jogo em cima da mesa quando termino de ler.
— Então? — indaga John.
— É muito tentador — confesso.
14
— Tentador? É o Fun Fun Fun Fest ! — exclama Tyrone.
— Eu sei! Mas nós temos prioridades aqui no momento — pontuo.
— Tipo? — Ele indaga.
— Matthew tem um trabalho, uma faculdade e a Valentina. Ela
precisa dele em dias importante, principalmente, quando têm recital, ninguém
sabe lidar com ela histérica, senão ele — digo olhando para Matt e desvio o
olhar para Tyrone. — Você só tem a Claire. Eu tenho um comprometimento
com o meu pai, acima dele, meu avô. E agora tenho a Noah. Não há como
aceitar isso, Tyrone.
— E eu? — John pergunta, fingindo indignação na voz por ter sido
deixado de lado.
— Você? A única coisa que você tem aqui é a sua vizinha que liga
para o seu síndico todas as noites, quero nem imaginar o quanto ela ligou essa
semana.
— Você não vai querer saber. — Ele diz, resmungando. — Eu tenho
mais três vizinhos e só ela reclama, essa mulher é louca.
Eu realmente não queria saber, iria me sentir culpado caso soubesse.
Entreguei para John cópias de todas partituras das músicas que eu compus,
ele provavelmente as tocou para testar.
— Não tem como eu ter alguém que foi embora. — Tyrone diz,
olhando para os papéis na mesa. — Claire disse algo sobre acordar no dia
seguinte e os sonhos dela não deixarem de amá-la, mas eu sim.
Lembro perfeitamente de ser eu a dizer isso para ela, não dessa forma,
mas eu disse.
— Ela aceitou a bolsa? — pergunto.
— Aceitou e eu terminei com ela. Não posso competir com os sonhos
dela, não quando ela os coloca em primeiro lugar.
É aqui que eu vejo o quanto Noah e eu somos compatíveis, não
deixaríamos nossos sonhos se não nos apoiássemos. Se Claire visse que
Tyrone a apoia, ela recusaria, mas recusaria sabendo que fez uma troca que
valeu a pena. Mas ele não a apoia.
Como você recusa um sonho por alguém que não fica feliz pelo o que
você faz?
— Você simplesmente não podia apoiá-la? — questiono.
— Não tem nem um ano que estamos juntos, Saint, como posso
apoiar alguém que quer ir para o outro lado do país?
Sua resposta me surpreende. Porque eu apoiaria Noah. Se nós temos
sonhos, devemos segui-los.
Mas o que você está fazendo que o torna diferente? Você não está
seguindo os seus sonhos. — Minha consciência me confronta.
— É complicado.
Não sei se eu o respondi, ou respondi a minha própria consciência.
Mas parando para refletir, eu estou vivendo meu sonho. Eu queria
tornar a banda conhecida e o pouco que ela vem se tornando popular me
agrada, não estou deixando meus sonhos de lado. Apenas amadureci o
suficiente para reconhecer que na vida, eu também tenho outras prioridades.
Eu passei muito tempo priorizando a vontade de ter um amor de uma mãe
que nem mesmo me amava, me dediquei a banda e deixei de lado meu gosto
pela fábrica de madeiras. Meu avô estaria orgulhoso? O que ele faria?
O silêncio foi interrompido por John.
— Então, nós simplesmente não aceitamos? Recusamos? — Ele
pergunta.
— Ele aceita. — A voz feminina responde por mim.
Viro-me na direção da voz e encaro Noah, ao lado de tio Paul. Olho
confuso para os dois, e conforme Noah caminha em passos determinados, eu
me levanto. Ela para em minha frente e levanta o rosto para me olhar.
— Você aceita porque isso faz parte do seu sonho. Não há empresa,
não há seu pai e não há eu, que impedirá você de viver isso, Saint. É isso que
você deve fazer, é isso que você deve seguir. É o que você faz de melhor,
você é tão bom em cantar, quanto é bom em reconhecer madeiras. — Ela diz,
para parar recuperar o fôlego. — Eu sei que você tem medo de desapontar o
seu pai, até mesmo medo de desapontar o seu avô. Você não sabe o que é se
sentir desapontado com si mesmo, mas eu sei, você irá fazer isso. Sim, você
pode e sim, você consegue.
Queria saber como ela conseguia entender e adivinhar esse conflito
que se passa dentro de mim, quando nem eu mesmo sabia. Como ela
simplesmente me lê de uma forma que eu desconheço?
Ela abaixa a cabeça e começa a revirar sua bolsa tiracolo. Ela volta a
me olhar, estendendo uma caneta esferográfica preta para mim.
— Está esperando o que para assinar? Ou espera que eu assine por
você? — Ela indaga, com seu tom autoritário.
Pego a caneta da mão dela, que me dá um sorriso satisfeito e viro-me
novamente para a mesa. Os meninos me observam assinar o contrato, e em
seguida, passo a caneta para John.
— Noah, eu vou casar com você. — Tyrone comemora.
— Isso é o que você deveria ter feito pela Claire, se chama apoiar
quem você ama independente das circunstâncias — digo, dando-lhe um tapa
na nuca. — Não fale que vai casar com a minha namorada — completo.
— Nós precisamos comemorar! — Tio Paul exclama, entusiasmado.
— Só não destruam meu bar, eu e a minha garota aqui, estamos de
saída — digo, me coloco ao lado de Noah e a abraço pela cintura.
— Comemoramos mais tarde, então. — Ele acrescenta.
— Mais tarde parece ótimo — digo, sorrindo e Noah concorda
balançando a cabeça.
— Mais tarde? Eu já quero um shot! É a minha banda saindo de um
chalé do Oregon para o mundo. — John exclama, nos fazendo rir.
Nada parecia tão certo como agora. Esta é a minha vida.
Música é realmente quem eu sou, é o que eu realmente quero.
Eu estava orgulhosa de Saint, feliz por ele e pelos meninos. Era um
grande passo e Saint não podia recusar, mesmo com os conflitos internos que
eu sabia que ele tinha. A proposta era irrecusável, quando Paul me ligou
contando e dizendo que eu era a única pessoa capaz de entender Saint e fazê-
lo aceitar, eu não pensei duas vezes em pedir uma carona até o bar.
— Não sei se fico bravo por tio Paul tê-la acordado ou se fico
contente. — Saint comenta.
— Você precisava fazer a coisa certa, eu estou feliz por você — digo
sincera, e abraço as suas costas.
Saint está montando sanduíches, enquanto esperamos nosso almoço
chegar.
— É Austin... Você está bem com isso? — Ele pergunta.
— Como não estar bem com isso, Saint? Eu estou mais animada que
você pelo visto — concluo.
— Serão duas semanas viajando...
— Eu sei... Saint, eu no seu lugar não pensaria duas vezes —
confesso, mas ele não se surpreende com isso. — Mas é claro que eu verei as
nossas opções, por exemplo, feriados, finais de semanas e dias livres, quantas
horas gastaria para vir e quanto tempo me restaria com você antes de voltar.
Ligações, vídeos chamadas, tudo que ainda nos mantivesse próximos mesmo
estando tão longe eu faria. Eu não estou indo para longe de você, Saint
Rivers, e nem você indo para longe de mim.
— Então, isso quer dizer quê? — Ele indaga, com um sorriso
presunçoso.
15 16
— Que eu serei sua groupie . Sua roadie , sua bailarina. Sua seja o
que for, para onde você for.
Um grunhido feroz escapa da sua boca e ele me beija. Corro minha
mão de cima a baixo por seus braços nus, Saint afasta a sua boca da minha e
distribui leves beijos pela maçã do meu rosto até o meu ombro. Sinto
flechadas de calor por cada parte do meu corpo, seus braços se fecham em
minha cintura e seus lábios sobem, agora para o meu pescoço beijando-o por
trás dele.
— Saint, a comida logo vai chegar — murmuro, passando a mão pelo
cabelo dele.
— Dane-se a comida. — Ele rosna, fazendo círculos na base da minha
clavícula com o dedo.
Com a outra mão, ele tira o celular do bolso e faz uma ligação.
— Aqui é o Saint, gostaria que deixassem o pedido em outro lugar.
Tudo bem, eu vou passar o endereço. — Ele diz apressado e passa o endereço
do bar.
Quando desliga o telefone, ele o deixa em cima da bancada e
segurando em minha mão, ele me arrasta para o quarto.
Levou questão de segundos para as minhas costas encontrarem o
colchão macio da cama de Saint. Deitada na cama eu o observo tirar a camisa
e apoiar o joelho na cama.
— Para de me olhar assim. — Ele finge um resmungo, com um
sorriso no rosto.
— Assim como? — retruco.
— Como se estivesse tendo pensamentos propícios em relação a
minha pessoa. — Ele responde.
— Essa fala é minha!
— Agora é minha também.
Ele sobe na cama e inclina o corpo sobre o meu, suas mãos passam
por baixo da minha camisa, correndo pela minha barriga. O toque dele não é
mais suave. Está explorando, os dedos começando a se mover com certa
urgência.
Nossa pele busca contato, como ímãs, há muito tempo privadas.
Corro os dedos pelo seu pescoço, pelo queixo, então o pego com
minha mão. E paro. Ficamos lá por um momento, olhando um para o outro,
saboreando. Eu o observava avidamente, como se meu último suspiro
dependesse disso.
Então, beijo os lábios que já esperaram muito pelos meus. A carícia
exigente da sua língua quente sobre a minha foi de reivindicação, e saudade,
que poderia levar toda a minha sanidade, minhas mãos disparam para os
cabelos de Saint, enquanto me degusto do sabor dos seus lábios. Abro as
minhas pernas para que ele se acomode entre elas e o puxo para mais perto.
Saint ergue a minha blusa e afasta seus lábios dos meus para tirá-la,
seus dedos se tornaram ágeis e rápidos ao encontrarem o botão e o zíper da
minha calça jeans e retirá-la do meu corpo. Sua mão sobe pela minha coxa e
apenas esse toque, foi capaz de fazer o meu corpo estremecer.
— Saint — sussurrei, o nome como uma súplica em minha língua.
— Ah, bailarina, que saudade eu senti de você. — Ele murmura com
a voz arrastada, e cobre meu corpo.
Passeando com os lábios pelo meu pescoço, ele se movimenta sobre
mim. Nossos sexos se encontram e mesmo separados por uma calcinha e um
jeans, choques de eletricidade percorriam meu corpo inteiro. Com uma mão
abri o botão da calça jeans de Saint e com os pés comecei a arrastá-la para
fora do seu corpo.
— Por que a pressa, bailarina? — Ele pergunta em meu ouvido, e em
seguida, morde o lóbulo da minha orelha.
Solto um gemido frustrada e ansiosa. Mais de um mês sem tocá-lo da
forma que eu queria. Quando não era eu em minha própria bolha, era ele que
estava preocupado demais com a minha perna e em fazer movimentos
bruscos.
— É injusto você ainda estar vestido — resmungo.
Um riso escapa da sua boca e ele levanta o rosto para me olhar.
— É bonito te olhar, Noah, é bonito te contemplar. Eu quero
aproveitar cada segundo disso e quero que você aproveite também.
Saint me admirava de uma forma que fazia com que eu me sentisse a
personificação em pessoa. Seus olhos exploravam meu corpo como se ele
tivesse curiosidade sobre o que estava vendo, mas a verdade é que ele
conhecia melhor do que qualquer pessoa que já passou em minha vida.
Mais uma vez, ele se afasta e dessa vez, ele sai da cama e retira a sua
calça jeans que estava na metade do joelho. Ele sai do quarto e quando volta,
está com o celular em mãos. A mesma música que ele tocou no festival
começa a tocar, mas em uma versão diferente da acústica que ele cantou
apenas usando o violão, essa versão tem uma pegada menos lenta.
Fechei meus olhos e deixei a música tomar conta dos meus ouvidos.
Eu conseguia sentir a intensidade na voz de Saint, como se ele estivesse
cantando para mim, mesmo que eu não estivesse por perto quando ele a
gravou.
O peso do seu corpo cobriu novamente o meu, quando abri meus
olhos, Saint me olhava intensamente e agora eu podia contemplá-lo
completamente nu. A música continuava a tocar no celular em cima da
cabeceira ao meu lado.
Saint me segurou pelos quadris com uma mão e a outra ele usou para
desfazer do meu sutiã, revelando meus seios. A palma quente da sua mão
cobriu meu seio direito e sua boca cobriu o meu mamilo esquerdo, sua língua
quente o envolvia e eu gemi sem conseguir evitar.
Meus dedos se entrelaçaram em seus cabelos e minhas pernas se
abriram para melhor senti-lo. O contato da sua ereção com a minha pele
coberta pela calcinha fez meu corpo estremecer e Saint grunhir com o meu
mamilo na boca. Enquanto ele chupava um, sua mão acariciava e tomava
conta do outro. Sua mão que estava em meu quadril desceu de encontro com
o tecido fino rendado da minha calcinha, ele a puxou sem delicadeza, o som
do tecido se rasgando não passou despercebido. Saint sorriu com meu
mamilo na boca e o mordiscou.
Levantando o quadril, ele se moveu, pressionando ainda mais sua
ereção em meu sexo. Não havia mais nada entre nós, era pele contra pele.
Movi os quadris, me movimentando para senti-lo ainda mais, seu corpo se
movia junto ao meu ao mesmo tempo em que ele resolveu usar os dedos para
esfregar meu clitóris. Seus lábios abandonaram meu mamilo esquerdo para
tomar o direito. Fechei os olhos e gemi mais alto e forte.
Controle era algo que eu não tinha mais.
— Saint — gemi, implorando por mais.
Sua boca abandona meu mamilo e sobe pela minha clavícula.
— Você tem um jeito certo de me ganhar... Mas não estou com medo.
— Ele canta em meu ouvido.
E então, ele levanta o rosto e me olha, ao posicionar sua ereção em
minha entrada. A música repetia novamente e com ela, Saint cantava junto.
Apenas para mim, sem ninguém nos vendo, apenas nós dois.
— Porque eu iria ao fim do mundo e voltaria por você. — Ele
completa, me preenchendo e me reivindicando.
Afundei meus dedos em seu cabelo, enquanto deslizava minha mão
por suas costas. Ele voltou aos meus lábios e, desta vez, o beijo foi
inebriante.
Era a minha música. Nossos corpos. E dentro de nós dois únicos sons:
a batida perfeita do nosso coração em sincronia.
“Porque você queima com a chama mais brilhante.
E o mundo conhecerá seu nome.”
HALL OF FAME – THE SCRIPT

— FALTA DUAS SEMANAS PARA O FUN FUN FUN FEST.


Daqui há dois dias temos que ir para Los Angeles para começarmos a
produzir. Assinamos o contrato hoje e semana que vem tudo acontece. Isso é
tão insano — murmuro.
— Isso é um sonho, um grande e brilhante sonho. — Noah diz.
— Minha preocupação no momento é o bar, como ficará sem um de
nós?
Noah levanta a cabeça do meu peito e senta na cama.
— Saint, vocês não vão poder olhar o bar para sempre como tem feito
ultimamente. Você sabe disso, pare de se preocupar. Eu posso te ajudar, se
quiser, é claro. — Ela tenta demonstrar que não está se oferecendo, mas os
olhos dela dizem tudo.
— Pensei que você fosse querer ir comigo para o Texas — digo,
pensativo.
Seria bom, muito bom tê-la por perto.
— Eu adoraria ir, mas...
— Mas? — Eu indago.
— Meus pais virão me ver na semana que vem. — Ela comenta,
desanimada. — Eu queria ir.
— Eu também queria que você fosse — solto um suspiro frustrado. —
Então, você vai tomar conta do bar? — indago, um sorriso surge em seu
rosto.
— Agora eu tenho um emprego? — Ela pergunta.
— A senhora Eva, sempre vai estar de portas abertas.
Noah revira os olhos e joga o travesseiro em meu rosto.
— Estou falando do bar, Saint, eu gosto de lá.
— Do bar ou das comidas? — pergunto, rindo.
— Das comidas, das bebidas, do ambiente. — Ela responde,
inclinando-se para frente até nossos rostos ficarem bem próximos. — E acho
que do dono também — completa, colando os lábios nos meus em seguida.
Os dias passaram em um piscar, ontem eu estava aproveitando o meu
último dia com Noah e hoje estava aqui, me despedindo dela. Irei para Los
Angeles com a banda, pela primeira vez entraremos em um estúdio de
gravação, e em seguida, seguiremos viagem para o Texas.
Eu tinha mais duas horas até o meu voo, apenas mais uma hora com
ela.
— Eu vou sentir a sua falta — digo, enquanto a observo atrás do
balcão do bar.
— É a centésima vez que você fala isso essa semana. Você sabe que
quanto mais fala isso, mais torna as coisas difíceis, né? — Ela retruca.
Balanço a cabeça assentindo.
— Já estava difícil antes mesmo de assinar o contrato — admito.
Ela deita a cabeça para o lado e sorri meiga.
— Você sabe, eu ainda posso ir com você. Meus pais não vão poder
vir esse final de semana...
— Eu a quero comigo, eu preciso de você, mas tem alguém que
precisará muito mais do que eu — informo. Seu olhar se aguça em
curiosidade e completo. — A Valentina precisa de você, alguém precisa estar
ali para ela, enquanto o Matthew está fora.
— Eu sabia que você ia dizer isso, só queria ouvi-lo ser tão altruísta.
Gosto disso em você, não se parece nada com o Saint que eu conheci.
— Você lembra a primeira coisa que eu te disse? — pergunto, com
um meio sorriso no rosto.
— O que foi, garota? Não está vendo que eu estou no celular? — Ela
remenda em um tom de voz grosso.
Foi impossível não rir da sua péssima tentativa de me imitar.
— Você era arrogante! — Ela acusa.
— Eu? Você que aparece interrompendo a conversa alheia —
defendo-me.
— Minha vontade era tacar o livro na sua cabeça quando entrou na
livraria semanas depois. Pior, foi insinuar que eu estava participando do
festival porque estava grávida! — Ela resmunga, cruzando os braços.
— Você está brava por algo que aconteceu há sete meses atrás? —
questiono, erguendo uma de minhas sobrancelhas.
— Sim, eu tô. — Ela afirma, fazendo bico.
Contenho a minha vontade de rir e inclino-me sobre o balcão.
— Um dia você estará grávida. Eu serei o pai dos seus filhos —
afirmo convicto. Um meio sorriso aparece em seus lábios, mas ela permanece
de braços cruzados e brava. — E quando isso acontecer, eu vou me aposentar
e contarei à eles como nós passamos do ódio para isso aqui.
Noah descruza os braços e bufa baixinho.
— Se aposentar? Tudo bem, eu assumo o seu lugar e você toma conta
das crianças.
Das crianças. Não é uma criança. Ela tem planos para mais de uma.
Inclino-me mais sobre o balcão, até estar com meu rosto próximo ao
dela. Ergo a minha mão e a levo de encontro com a sua nuca, e a puxo mais
para perto.
— Huh, das? — pergunto, roçando meus lábios nos dela.
— Umas duas? — Ela entra no jogo.
— Gosto de saber que você pensa em nós... um futuro e filhos —
murmuro.
— Eu sou a namorada de uma estrela agora, tenho que manter as
groupies longe.
— Ninguém pode competir com você — afirmo, beijando seus lábios.
E é verdade. Ninguém pode competir com Noah, nem mesmo as
groupies, que ainda nem existem.

Os braços finos de Noah me apertam no saguão do aeroporto, esse é o


abraço mais longo que eu já ganhei. Enquanto ela dizia: vá, siga seus sonhos.
Esse aperto em minha volta diz o contrário.
— Noah, eu preciso ir — murmuro, quando ouço meu voo ser
chamado.
Ela se afasta e dá uma leve fungada no nariz.
— Certo, eu também preciso ir. Tenho um bar para administrar. —
Ela diz, um sorriso forçado toma conta do seu rosto.
Ergo a minha mão para tocar em seu rosto e acaricio a sua bochecha.
— Não deixe de me ligar, todos os dias. Não importa a nossa
diferença de horários, prometa que vai me ligar — peço, em uma súplica
silenciosa.
— Eu prometo. — Ela sussurra.
Encosto a minha testa na dela e beijo a ponta gelada do seu nariz. Está
frio em Nova York e a única coisa boa nisso é vê-la usando o meu moletom.
E a parte ruim, é que eu não vou estar aqui para aquecê-la todas as noites.
Suas mãos envolveram meu pescoço, me puxando mais para perto,
seu corpo esmagou o meu e eu toquei seus lábios com os meus pela última
vez.
Gravei em minha mente o toque, a maciez dos seus lábios e o gosto
do seu beijo.
“Mas você ainda está comigo em meus sonhos.
E esta noite, somos só você e eu.”
HERE WITHOUT YOU – 3 DOORS DOWN

UMA SEMANA. Saint está longe por uma semana e eu sinto como se
fosse um mês.
— Quando foi que eu me tornei tão dependente dele? — murmuro
para mim mesma.
— Você tem falado muito sozinha. E isso porque eu estou do seu
lado. — Valentina resmunga.
Com Matthew longe e com a pausa do teatro, Valentina e eu estamos
bem mais próximas. Juntas, nós duas estamos administrando o bar de Saint,
enquanto ele está fora.
— Desculpa. Eu só estava pensando... Eles se foram há uma semana,
mas parece que foi muito mais que isso — comento.
— Ao menos eles estarão de volta a tempo do dia de ação de graças.
— Eu não vou estar aqui quando eles voltarem — informo, ao me dar
conta de que eu havia perdido a total noção do tempo.
O Fun Fun Fun Fest é dividido em três dias, se iniciando daqui há
cinco dias, no dia 15 de novembro. Os meninos participarão dos três dias e
estamos há pouco menos de duas semanas do dia de ação de graças. O motivo
dos meus pais não virem para cá foi exatamente esse, dia 22 estava perto e
como eu iria vê-los em breve, não havia porque eles fazerem um gasto
desnecessário só para ficar um dia comigo.
— Ah, que pena... — Val lamenta, com a boca torcida. — Mas você o
verá depois disso. — Ela tenta me animar e se animar.
— É, eu espero que sim — digo, com um sorriso esperançoso no
rosto.
Devagar, os funcionários foram chegando. Valentina se levantou da
mesa em que estávamos sentadas e foi logo dando as coordenadas do que
seria a atração hoje. Com os meninos ausentes, precisamos procurar algumas
bandas e cantores solistas, o foco do bar de Saint era a música e nós não
iríamos deixar isso morrer.
Claro que antes de fazermos isso ligamos para Saint, que nos
autorizou a fazer o que achássemos que seria bom para o bar. Mal sabe ele
que mau foi feito ao dizer isso. Valentina decidiu que cada dia haveria uma
noite temática no bar, funcionou, é claro. Mas não sei se os meninos irão
gostar de manter isso, não é bem o estilo deles.
Meu celular toca na minha bolsa em cima da mesa, olho para a hora
antes de atender. São quatro horas da tarde, o que significa que é uma da
tarde em Los Angeles.
— Eu espero ansiosamente o dia que você vai atender e falar: volte
para casa. — Saint diz, assim que eu atendo o telefone.
Mordo meu lábio inferior na falha tentativa de conter meu sorrisinho
ao ouvi-lo.
Eu nunca era a primeira a falar, sempre espero ele falar primeiro para
poder falar depois. Gosto de ouvir a sua voz.
— Pois saiba que esse dia nunca vai chegar — retruco. — Como vão
as coisas?
— Acabei de fazer uma última passagem de som e um canal de
guitarra. Amanhã estaremos indo para o Texas e depois eu volto para você.
— Huh, Saint... — começo, soltando um longo suspiro. — Eu não
vou estar aqui quando você voltar.
— Como assim você não vai estar?
Posso sentir daqui o quanto ele está tentando não demonstrar o
nervosismo na voz.
— É ação de graças, Saint, você sabe que meus pais não vieram para
que eu possa ir passar com eles.
— Em que mês nós estamos mesmo? Eu me esqueci que estávamos
próximos demais do natal.
— Eu também me esqueci — confesso.
— Eu não deveria ter assinado o contrato. — Ele resmunga.
— Sim, você deveria — afirmo. — Mas nós vamos nos ver depois,
depois e depois...
— Isso soa melhor. Tudo com você soa melhor.
Bem ao fundo ouço a voz de John o chamando. Ele o responde
dizendo que já vai e pragueja baixinho.
Rio involuntariamente, embora esteja lamentando por ele ter que
desligar mais cedo hoje. Geralmente ele me liga durante a noite e passamos
horas falando no celular.
— Você tem que ir — digo, um silêncio toma conta do outro lado da
linha. — Eu sinto a sua falta, Saint, já estou sentindo nesse segundo e você
nem desligou ainda.
— Eu amo você, Noah Bailarina Clark. Eu te ligo mais tarde.
— Eu amo você, Saint Rivers, esperarei por você mais tarde.
— Na minha cama e nua, de preferência.
— Saint! — repreendo-o, ele ri.
— Tchau, bailarina.
— Tchau, guitarrista — murmuro, me despedindo dele.
O celular fica mudo após um bipe, e eu já lamento pelo tempo dele
hoje ter sido curto.
Guardo o meu celular e volto a minha atenção para o notebook em
minha frente. Eu precisava escolher o cardápio do tema de hoje, e seria
comida mexicana. A cozinheira enviou no meu e-mail várias sugestões para
montar o cardápio, eu só preciso escolher, montá-lo e entregar a ela antes das
seis.
Não parecia ser algo tão difícil, mas era. Eu nunca sabia o que de fato
agradaria os clientes, mesmo que a Valentina dissesse: Noah, se agrada a
você, tenha certeza que agradará a todos.
Ao menos eu estava com a parte mais fácil, enquanto ela com a mais
complicada. Eu estava curiosa para saber o que ela preparou para a
apresentação de hoje. O tema mexicano só me faz lembrar de uma banda de
adolescentes que fazia sucesso há uma década.
— Senhora, ainda não estamos funcionando — ouço a voz de um dos
garçons falando.
— Eu sei, mas eu estou aqui para falar com ela.
Levanto a cabeça para olhar na direção de onde vem as vozes, seu
dedo está apontando para mim e ao me ver a olhando, ela sorri e acena.
— Savannah? O que faz aqui? — pergunto, sem esconder a minha
feição surpresa.
Ela caminha em minha direção e se joga no assento livre da cabine.
— Você sabe o quanto é difícil achá-la? — Ela resmunga.
— Você poderia ter me ligado, acho que você ainda tem acesso a
minha ficha com meu endereço e número de celular — digo, ainda sem
entender sua aparição aqui, ou melhor, como me achou aqui.
Savannah trabalha na secretaria da escola de ballet que eu frequentava
nas últimas semanas. Só nos falamos duas vezes, a primeira vez quando me
matriculei e a segunda quando fui encerrar a minha matrícula.
— Eu sei. — Ela solta um suspiro cansado. — Mas o que eu tenho
para falar com você não é um tipo de coisa que se fala por celular, eu vi você
aqui há duas noites atrás. Achei que trabalhasse aqui e resolvi arriscar quando
o porteiro do seu prédio avisou que você não estava. — Ela se explica.
Seu olhar divaga pelo bar, por mais que ela tenha vindo há duas noites
atrás, acho que é a primeira vez que ela está vendo como ele realmente é. Ela
tem no rosto o mesmo olhar que eu tive quando Saint me trouxe aqui na
inauguração.
— Deve ser um máximo trabalhar aqui, esse bar é muito bonito e tem
uma decoração bastante moderna e inspiradora. Essa guitarra é de verdade?
— Ela pergunta, apontando para uma Les Paul Junior, pendurada na parede
do nosso lado.
— Em miniatura, mas sim. São todas de verdade — respondo,
sorrindo.
Saint as ama.
— Então? — indago, arqueando uma de minhas sobrancelhas.
— Então, o quê? — Ela devolve, com a boca torcida.
— Você me achou e agora? — pergunto.
— Oh, isso. Eu te achei! — Ela exclama. — Posso beber uma água
antes?
— É claro.
Sinalizo chamando o mesmo garçom que estava a impedindo de
continuar aqui dentro, e peço para que ele traga duas águas.
Assim ele o faz, enquanto ela bebe a água e digita algo em seu
celular, eu respondo o e-mail da cozinheira com as sugestões que eu mais
gostei. Fecho o notebook e volto a minha atenção para Savannah, ela me olha
e sorri.
— Agora você tem a minha total atenção.
— Eu não sei se você sabe, mas a escola é minha. — Ela informa,
para a minha surpresa.
Balanço a cabeça negando.
— Eu não sabia — confesso.
— Quando você encerrou a sua matrícula me deixou curiosa pelo
motivo que a levou a se matricular em minha escola, se disse que estudava
em Juilliard. Você pediu uma sala só para você, quando a própria Juilliard
tem uma. Eu a vi fazer passos arriscados que só uma bailarina profissional
saberia fazer, mas também a vi cair. Então eu soube o que aconteceu com
você, do seu incidente. — Ela diz levemente, sem tirar os olhos de mim.
Levo o copo de água aos meus lábios e finjo dar um gole. O copo
treme em minha mão, eu preciso segurá-lo com as duas mãos e o afasto da
boca.
— Eu não sei onde você quer chegar com isso — murmuro, tentando
manter minha voz firme.
— Noah, eu estou aqui porque precisamos de uma professora nova na
escola. — Ela informa.
— Como? Acho que eu não ouvi direito.
— Fui a Juilliard, ouvi coisas muito boas sobre você. Boas não,
excelentes! — Ela sorri, empolgada. — Sua professora disse que perdeu uma
das melhores alunas que já teve. O reitor falou que se eu não a contratasse,
estaria fazendo a maior burrada da minha vida!
Abro a boca para argumentar. Savannah ergue a mão espalmando-a
no ar, me parando.
— E antes que você pense que eu só estou querendo contratá-la por
isso, está enganada. Eu quero contratá-la pela sua persistência, por não
desistir e por todas as vezes em que eu a vi se levantar. Teremos um grande
evento de início de ano e nós precisamos de alguém como você, Noah.
— Alguém como eu? — pergunto com a voz baixa, e ela assente.
— Alguém que não desiste, que sonha e ama o que faz. Por favor,
Noah, pense nisso. — Ela pede, seus olhos imploram por ela.
Balanço a cabeça atordoada, incapaz de lhe dar uma certeza agora. Eu
não consigo nem mesmo pensar!
Dar aulas? Eu não consigo.
— Você pode me ligar a qualquer momento quando tiver a resposta.
— Ela diz, deslizando um cartão pela mesa e se levanta.
Eu o pego, mas não olho para ele. Olho para Savannah que passa a
bolsa pelo ombro e me olha com um sorriso esperançoso no rosto.
— Você é uma bailarina, Noah. E bailarinas dançam, não importa o
que aconteça, não importa se seus pés não correspondem aos seus comandos.
Você dança! Dança com a alma, dança com o pensamento, apenas dança.
Esse é o seu legado e você sempre irá levá-lo contigo.
Com isso ela sai, me deixando a sós e atordoada com meus
pensamentos.
Todas as vezes em que eu achei que eu era capaz e que conseguia, eu
caí. Caí por ser persistente, não desistir do meu sonho, mas agora isso muda
tudo de novo. Eu preciso me decidir, mas eu não quero ser aquela Noah mais
uma vez.
Quem eu quero ser? O que eu devo fazer? Perguntas sem respostas, as
mesmas perguntas que Saint me fazia. Eu preciso fazer a minha escolha, eu
preciso ter as minhas respostas.
Pego meu celular dentro da minha bolsa e retorno a ligação para o
único número que tem ocupado espaço no meu registro de chamadas nos
últimos dias. Sou atendida no quinto toque, e antes que ele ousasse falar algo,
eu me antecipo.
— Venha para casa, por favor.
Eu preciso de Saint. Eu preciso dele, apenas dele.

Me arrependi no segundo que ele desligou a ligação e enviou uma


mensagem.
Estarei a caminho em breve.
É o que diz a mensagem de Saint.
Eu o respondi pedindo para desconsiderar meu pedido egoísta. Ele
não respondeu mais depois disso.
Cumpri o turno no bar aflita e com um frio na barriga só de imaginá-
lo passando pela porta a qualquer momento. Mas felizmente, fechamos o bar
sem nenhum sinal de Saint.
— Quer que eu durma com você? — Valentina perguntou.
— Estou bem, Val, mas obrigada — sorrio agradecida.
— Durma e não pense muito, Noah, você é incrível e deve aceitar isso
se for a sua vontade. — Ela diz.
— Obrigada. — Mais uma vez a agradeço.
Eu aluguei os ouvidos dela contando sobre a proposta de Savannah.
Por Valentina eu deveria ter aceitado, ela me apoia e isso é importante para
mim.
— Estarei no meu quarto, caso precise de mim. Vou ligar para o
Matthew. — Ela informa.
Aceno concordando, mas não digo nada sobre ter pedido a Saint para
voltar para casa.

No mais tardar, eu acordo com sua mão envolvendo minha cintura,


me puxando para perto da pele quente. Eu ainda estava adormecida, mas
sabia que era ele. Suspiro e me aconchego no corpo dele, mergulhando no
calor dessa pele.
— Olá, bailarina. — Ele murmura, com a voz baixa e rouca em meu
ouvido.
Ele não podia ser real.
Não arrisquei abrir os olhos, apenas me aconcheguei ainda mais ao
seu corpo. O ar quente da sua respiração batendo em meu pescoço me fez ter
certeza de que ele era sim real. Saint está aqui.
Abri um olho, discretamente abaixei o olhar para a mão que
descansava em minha barriga. Rapidamente me virei de frente para ele, ele
não esperava por essa minha reação, mas sorriu enquanto eu beijava cada
sarda espalhada pelo seu rosto fino.
— Você veio — sussurro, segurando seu rosto com as duas mãos.
— Eu disse que esperava ansiosamente pela sua ligação, mas não
esperava que fosse tão rápido assim. — Ele retruca, com um sorriso no rosto.
— Saint, não devia ter vindo! Eu disse para não vir — repreendo-o.
— Mas você precisa de mim, eu senti isso pela sua voz.
Ele afasta minhas mãos do seu rosto, segura as duas, juntando uma na
outra e beija os meus dedos.
— E o show? Vocês têm ensaios e...
— E, mas nada, Noah. — Ele me corta. — Nós voltamos para casa e
temos que estar em Austin terça-feira. Você tem hoje e amanhã para desfrutar
da minha presença, só tem algo aqui que eu não estou de acordo.
— O que você não está de acordo? — questiono, franzindo minha
testa em confusão.
— Você deveria estar na minha cama e nua de preferência. — Ele se
queixa.
Gargalho e solto a minha mão da sua, para lhe dar um leve empurrão.
— É, você está mesmo aqui — concluo.
Saint levanta-se da minha cama em um pulo, eu o observo calçar o
tênis e vestir novamente seu moletom de capuz.
— Vamos para o meu apartamento, bailarina. Vou preparar um
chocolate quente e vamos conversar.
— E depois? — pergunto, um sorriso presunçoso aparece em seu
rosto.
— Depois você estará na minha cama da forma que deveria estar. —
Ele afirma convicto.
Solto um gritinho em satisfação e me levanto da cama. Ouço-o soltar
um grunhido no mesmo segundo, seu olhar estava vidrado na sua camisa do
AC/DC que eu usava para dormir. Desde que ele se foi, eu tenho usado suas
camisas preferidas.
— Essa camisa se tornou a minha preferida das preferidas. — Ele
confessa.
— E se eu disser que tenho usado todas as suas preferidas? — indago.
— Eu ainda vou preferir essa, inclusive, vou levar comigo!
Visto um sobretudo por cima da blusa de Saint e ao sairmos do meu
quarto, passarmos em frente a porta do quarto de Valentina. Pensei em avisá-
la que estava saindo, mas os sons que vinham de dentro do quarto dela
indicavam que ela estava muito bem acompanhada.
Olho para Saint, que encolhe os ombros.
— Por isso, meu apartamento é a melhor opção.
Balanço a cabeça concordando, mas eu sabia que com esse motivo ou
não, o apartamento dele seria a melhor opção de todas as formas.
Entramos em silêncio em seu apartamento, sua mala estava no meio
da sala, não há indícios de que ele passou algum tempo aqui antes de ir me
ver. Ele havia ido direto para mim.
Saint vai para a cozinha, eu o sigo e me sento no banquete da
bancada, enquanto o observo preparar nosso chocolate quente.
— Não vai me contar o que aconteceu? — Saint pergunta.
— O chocolate primeiro? — proponho.
Ele vira de frente para mim e fica me analisando por alguns segundos.
Saint estava me lendo, tive certeza disso ao ouvir seu suspiro derrotado.
— Pode assar alguns cookies? — Ele contrapõe e eu assinto sorrindo.

— Então? — Ele pergunta.


Afasto a caneca de chocolate quente dos meus lábios e fito seus olhos
curiosos, que me encaram.
— Sabe a escola de ballet que eu estava frequentando? — pergunto,
ele acena com a cabeça assentindo e me lançando um olhar para continuar. —
Fui convidada pela dona da escola para dar aulas, ela apareceu no bar ontem
e simplesmente disse que precisava de alguém como eu. Ela soube do que
aconteceu, tem recomendações de Louise e Paul.
— Isso é bom, não? — Ele indaga.
Eu não respondo, seu olhar se estreita em minha direção. Desvio meu
olhar para o prato de cookies em cima da bancada.
— Noah Lea Clark. — Saint murmura, sua mão segura em meu
queixo e ele o levanta. — Do que você tem medo?
— De não ser capaz, não sei se posso fazer isso.
— Você não só pode fazer isso, como é capaz, Noah. Ainda é seu
sonho, de uma forma diferente, mas é. Mas não sou eu que devo decidir isso
por você, bailarina, é você. Só você pode ter a certeza do que você quer, o
que você é, Noah? — Ele pergunta.
— Uma bailarina — sussurro.
— Eu não ouvi direito. O que você é? — Ele pergunta novamente.
— Uma bailarina! — exclamo.
— E você voa, Noah. Seu sonho está tão vivo quanto antes, por que
não arriscar? Você soube me ensinar a dançar, logo eu... Um músico
desengonçado. Você pode fazer isso acontecer, Noah.
— Eu posso fazer isso acontecer — afirmo convicta, um sorriso
satisfeito surgiu em seus lábios.
— Você pode fazer isso acontecer. — Ele reafirma.
Saint é a minha maior motivação, agora tenho mais certeza ainda
disso.
“Não há dúvida de que você está no meu coração agora”
PATIENCE – GUNS N' ROSES

EU ME SINTO AGITADO, A CORRIDA QUE EU FIZ PELOS


ARREDORES do rio Hudson logo que acordei não ajudou muito a controlar
a minha agitação. Mas é assim que eu venho me sentindo nos últimos dias.
Entrar em um estúdio de gravação, tocar e gravar minhas próprias músicas
era uma experiência incrível.
Em uma semana nós já tínhamos um EP gravado, pronto para ser
lançado nas plataformas digitais e isso acontecerá no minuto após o primeiro
show do Fun Fun Fun Fest. Corbyn quer mostrar ao mundo quem nós somos,
após nossa primeira aparição em público, segundo ele as pessoas irão gostar
tanto do nosso show que vão procurar por nós. As pessoas não acharão só
uma ou duas músicas e muito menos covers, acharão um CD completo e de
músicas de nossa autoria.
Foi uma ótima escolha, não sei porque passou pela minha cabeça em
algum momento que eu me arrependeria.
Escolhas, sempre é uma decisão difícil de se fazer. Mas eu espero que
seja lá qual for a escolha de Noah, seja a certa e a melhor para ela.
Entro em meu quarto e a observo dormindo serenamente, da forma
que eu a deixei quando acordei, ela permanece abraçada ao meu travesseiro.
Sento-me ao lado dela na cama e tracei seu rosto com a ponta dos
meus dedos. Noah se remexe e afunda o rosto em meu travesseiro, me inclino
para beijar seu ombro e passeio com meus lábios pela suas costas nua.
Ela geme baixinho e quando eu afasto meus lábios das suas costas, ela
resmunga e afasta o rosto do travesseiro para me olhar.
— Fingindo que estava dormindo, Noah Clark? — indago, com um
sorriso divertido no rosto.
— Essa é uma acusação falsa, muito falsa. — Ela murmura.
Seus olhos percorrem pelo meu moletom molhado.
— Você saiu? — Ela pergunta, eu assinto. — Na chuva, Saint?!
— Não, mãe, eu fui correr — retruco debochado.
— Quem corre no inverno?
Dou de ombros, não que eu me importe se está frio ou não. Apenas
precisava, mas não quero deixá-la preocupada achando que tem algo errado.
— Eu senti falta do frio daqui — desconverso. — Estava pensando, se
você não gostaria de me fazer companhia no banho.
Empurrando o cobertor para fora da cama e se levantando, Noah me
deu a resposta com um sorriso carregado de segundas intenções.

Nós almoçamos na companhia de Matthew e Valentina em meu


apartamento, enquanto as duas discutiam entre si algo sobre o bar e nos
deixavam de fora. Eu e Matthew, montávamos uma setlist para o show.
— Você não me disse como foi estar em um estúdio de gravação. —
Noah pergunta, voltando para a mesa com um caderno e caneta em mãos.
Valentina fazia o mesmo, além de trazer o notebook.
— Um canal na ponte, outro no refrão, mixagens, bastante gritos de
guitarra, algo mais meloso aqui e outro ali... Essas coisas — digo, olhando
para o que ela escreve.
— Parece ser divertido. — Ela diz.
— O que vocês têm feito? — Matthew pergunta curioso.
As duas se olham, Noah cutuca Valentina com o cotovelo.
— Alguém aprontou. — Eu assovio.
— Não fizemos nada de errado. — Valentina intervém.
— Vocês não vão acreditar no que descobrimos. — Tyrone passa pela
porta do meu apartamento como um vulcão, seguido de John.
Eles olham para Valentina e Noah, e em seguida, para mim e
Matthew. Internamente, pergunto-me se o que ele descobriu tem a ver com o
que elas têm aprontado em nossa ausência.
— O que você descobriu? — pergunto por fim.
— Essas duas transformaram o pub em um próprio festival delas, o
que não é ruim, mas — ele diz, estendendo um panfleto — a concorrência
não reagiu muito bem a isso, parece que o Metamorphosis tem dado o que
falar não só pelo Brooklyn, mas por toda Nova York.
O entusiasmo na voz dele não passou despercebido, as meninas
respiraram aliviadas. Mas quando Tyrone colocou o panfleto na mesa, não
fiquei tão aliviado assim.
Era o pub do Joe’s. A última coisa que eu queria era demonstrar
ingratidão em relação ao Joe, ele nos acolheu assim que chegamos aqui.
Saber que o meu próprio bar estava tendo uma repercussão muito boa era
ótimo, mas eu não queria prejudicar quem um dia me ajudou.
— Saint, não faz essa cara. — Tyrone me adverte.
— Que cara? — Noah pergunta, curiosa. — Eu sei que deveríamos ter
falado o quanto isso foi crescendo na última semana, há grupos de pessoas
que dirigem por horas só para virem participar das noites temáticas. Nós não
tínhamos ideia que isso iria sair do controle. E você não deveria ter dito logo
para a Valentina que poderíamos fazer o que quiséssemos. — Ela se explica.
— Noah, não é isso. É que...
— Ele acha que isso prejudica o Joe, a ideia de abrir um bar no
Brooklyn era exatamente ficar longe das redondezas. — Matthew fala por
mim.
— O Joe que preferiu deixar o filho mandar e desmandar no bar?
Aquele que dava menos do que vocês mereciam por noite? E para amenizar,
ele fingia que se preocupava com o estudo de vocês. Podem parando por
aqui. — Valentina grita, levantando da mesa e batendo as mãos nela.
— Vocês dois olhem bem para mim, não há alguém prejudicando
alguém aqui. Era a banda que movimentava aquela merda de lugar, vocês não
devem nada a ele. Eu não vou parar de fazer as minhas noites temáticas por
causa disso, é isso ou, nós estamos fora. — Ela completa, olhando para Noah.
— Eu concordo com a Val. Vocês chegaram onde estão por mérito,
entretanto, se não fosse a mudança de programação do pub a ter essa
repercussão... Não só seria, como será a banda após o festival. Todo mundo
vai querer pisar no pub que pertence a Metamorphosis, isso se chama criar
raízes, e o pub é a primeira delas. — Noah diz, recebendo um sorriso
satisfeito de Valentina.
— Eu poderia me apaixonar por você, Noah. Será que você tem uma
irmã? — John pergunta.
Tentando conter um sorriso, ela balança a cabeça negando. Estreito
meu olhar na direção dele, que finge não perceber ao sorrir galanteador.
— Eu só não quero parecer ingrato — confesso.
— Não está sendo. — Noah afirma, e olha para Valentina. — Dá para
você sentar?
— Agora eu posso. Foi convincente o quanto eu fiquei brava?
Aproveitei esse momento para atuar, acho que me saí bem. — Val diz, se
sentando novamente.
Reviro meus olhos, soltando uma leve bufada. Valentina, sendo
Valentina.
— Então, o que vocês estão aprontando para hoje? — Tyrone
pergunta empolgado.
As meninas começam a tagarelar com ele sobre o que decidiram.
Aproveitei que todos estavam entretidos para me afastar, eu precisava fazer
uma ligação importante.
Não foi preciso mais do que dois toques para que ela atendesse.
— Oi, mãe. Eu liguei porque preciso da sua ajuda — digo antes
mesmo que ela me saudasse do outro lado da linha.
— Filho. — Ela murmura baixinho, a emoção era perceptível em sua
voz.
Dora ainda tentava se acostumar a me ouvir chamando-a de mãe
constantemente. Assim como era difícil para mim ter esse novo hábito, mas é
o que Dora é para mim. Ela é a minha mãe e é como deve ser reconhecida em
minha vida, essa foi uma das grandes coisas que Noah me ensinou.
— No que eu posso ser útil? Algum problema com a banda? — Ela
pergunta, se recompondo.
Compartilho com Dora meu plano, ela claro, vibra com a ideia e eu
não esperava menos que isso. Passo todas as informações que ela precisa,
espero pacientemente que ela anote e repita para termos certeza de que nada
ficou de fora.
— Filho, eu estou empolgada para isso, faz tanto tempo...
— Eu sei, mãe, mas a partir de agora será diferente. Será como
sempre deveria ter sido — afirmo, fazendo-lhe essa promessa.
— Eu estou orgulhoso de quem você se tornou, filho. Noah é uma
mulher de sorte e você também, por tê-la. Nunca a perca, Saint.
— Eu prometo, mãe, eu nunca vou perdê-la.
— Preciso ir ver a sua irmã, ela está impossível nessas férias. Nos
vemos em seu show.
— Vocês irão?
A surpresa não passou despercebida em minha voz.
— Saint, acha mesmo que eu perderia o primeiro show do meu filho?
Não perdia nem os ensaios! Nós iremos.
— Ter vocês lá é importante para mim, muito — confesso.
— Nós estaremos lá!
Sorrio e aperto ainda mais o celular em meu ouvido. A ligação fica
muda por alguns segundos e eu penso que ela desligou.
— Saint, ainda está na linha?
— Sim, mamãe.
— Eu vou desligar. Eu amo você, nós amamos você. — Ela diz, com
a voz doce que só ela tem.
— Mãe... Eu te amo, obrigado por tudo.
— Até mais, querido, nos veremos em breve.
A linha fica muda, mas dessa vez, ela realmente havia desligado.
Viro-me de frente para a porta do meu quarto e vejo Noah, encostada
sobre ela e com um sorriso culpado no rosto.
— Nunca te falaram que é feio ouvir a conversa dos outros? —
retruco.
Me pergunto o quanto ela ouviu da nossa conversa. Isso poderia
arruinar tudo.
— Em minha defesa, eu cheguei agora e esse momento filho e mãe
deveria ser gravado. — Ela diz.
— Então, você só ouviu isso? — indago, dando passos rápidos até ela.
— A partir do “eu nunca vou perdê-la”. — Ela confessa. — Quem
você nunca vai perder? — pergunta, jogando os braços em volta do meu
pescoço quando eu me aproximo.
— Uma bailarina, apesar dela ser chata e viciada em doces... Eu
nunca quero perdê-la — encosto a minha testa sobre a dela, nossas
respirações se cruzam e um leve suspiro escapa da sua boca. — Você é o meu
presente, e será o meu futuro — sussurro.
— Eu quero que você seja o meu futuro, Saint, preciso que você seja.
Meu coração acelera com as suas palavras sinceras. Fecho meus olhos
a tempo de ver a sua boca colidindo com a minha.
Apenas a deixo dominar a minha língua, enquanto a beijo sem pressa
e com intensidade. Tempo era a coisa que menos tínhamos no momento,
então, eu a daria tudo de mim pelo resto de tempo que nos resta.

Na segunda de manhã, acordei com uma sensação angustiante. Eu não


queria estar nessa posição de ter que me despedir de Noah mais uma vez, me
pergunto como seria se fosse ao contrário, caso ela tivesse ganhado a bolsa de
estudos.
Um ano é muito tempo. Por mais que eu entenda a situação do Tyrone
e me imaginar no lugar dele agora é doloroso, eu jamais impediria Noah de
viver seus sonhos. Eu não consigo ser egoísta com ela, porque a última coisa
que ela foi comigo mesmo querendo que eu ficasse, foi ser egoísta.
— Olá, você. — Noah murmura, abraçando as minhas costas,
enquanto eu olhava para a vista do rio Hudson pela janela.
Suas mãos pequenas e geladas procuraram por aquecimento por baixo
da minha blusa, me causando arrepios.
— Você já está pronta? — pergunto, virando-me de frente para ela.
Ela estava pronta. Eu queria que ela dissesse que não estava, que
talvez tivesse esquecido alguma coisa ou perdido algo e isso nos desse mais
tempo juntos. Mas ela estava, linda e pronta.
— Estou. Você está pronto para decolar? — Ela pergunta de volta.
— Se você estiver pronta, eu estou. Mas antes, eu tenho uma coisa
para você. Feche os olhos — peço, e com pesar me afasto dela.
— Para mim? — Ela me olha curiosa, e lhe dou meu melhor sorriso.
— Feche os olhos, bailarina — peço mais uma vez.
— Argh! Tá bom. — Ela resmunga, e em seguida fecha os olhos.
Tiro do bolso da minha calça jeans o colar que a senhora Eva havia
me dado. Dou a volta por trás de Noah, ficando atrás dela e seguro o cordão,
deixando-o bem à frente do seu rosto.
— Você já pode abrir — sussurro.
— Saint? — Ela me chama, com a voz baixa.
Ela toca o pingente de sapatilha com os dedos, mesmo sem olhá-la, eu
sei que ela está sorrindo.
— Não é um presente meu, é da Eva. Eu queria ter lhe dado antes,
mas precisava me certificar de que você iria se sentir bem toda vez que o
visse em seu pescoço — murmuro.
Sem dizer uma palavra, ela segura seus cabelos no alto, deixando o
pescoço livre para que eu pudesse colocar o cordão. E quando finalmente
faço, ela vira de frente para mim.
Ela sorri com lágrimas nos olhos, e eu estendo a minha mão para
acariciar seu rosto.
— Ele reflete muito o que você é, Noah. E eu estou feliz por você ter
aceitado seguir seus sonhos, mesmo que seja de uma forma diferente. Eu
estou orgulhoso de você.
Uma lágrima escapa dos seus olhos e rapidamente passo o meu
polegar sobre ela a secando.
— Obrigada por me mostrar quem eu realmente sou. Por não me
deixar desistir.
— Eu já disse que...
— Não há nada que eu não faria por você. — Ela completa me
cortando, e beija meus lábios.
— Hello, casal, nós precisamos ir. — Matthew diz, chamando a nossa
atenção.
Eu vou para o aeroporto, enquanto Noah vai atrás do seu próprio
sonho. Decidimos assim, talvez porque ambos sabíamos que não seríamos
capaz de nos deixar.
Abraço Noah, apertando-a em meus braços com tamanha força.
Inspiro o cheiro do perfume em seu pescoço e distribuo beijos pela sua
clavícula, bochecha até chegar aos seus lábios.
— Eu voltarei para você, muito em breve — sussurro, encostando
meus lábios de raspão nos dela. — Minha Noah, minha Barbie, minha
bailarina.
— Sua. — Ela afirma.
Nossos lábios enfim se encontraram, minha boca se entreabriu para
receber a sua língua quente que buscava com urgência pela minha. Tudo nela
era doce, desde os seus lábios macios e quentes ao seu perfume inebriante.
Ela se afastou um pouco, depois me beijou de novo. As minhas mãos
envolveram a cintura de Noah, puxando-a para perto e esmagando meu corpo
contra o dela. Eu queria beijá-la mais devagar, para que ela soubesse que
tínhamos todo o tempo do mundo.
Mas não tínhamos e ambos precisávamos partir.
É um grande e arriscado passo, mas eu estava aceitando de braços
abertos.
Só tente não se apavorar.
A voz de Saint repetia em minha mente.
Desde que havia se despedido de mim há meia hora atrás, ele me
encheu de mensagens motivadoras.
Você é a bailarina mais incrível que eu conheço.
Embora você seja pequena... Você é maior do que imagina.
PS: Eu amo você.
Venho lendo essas mensagens desde o momento que saí de casa.
Quando liguei a pedido de Saint para Savannah informando-a que eu aceitava
a vaga, ela me passou um novo endereço, mas não esperava que o endereço
me trouxesse até aqui. Levo a minha mão até o cordão em meu pescoço e
esfrego meus dedos no pingente de sapatilhas, enquanto olho para o outdoor
da American Ballet Theatre.
Eu não estou parada em frente a uma simples escola de ballet como a
que eu frequentei nas últimas semanas. Eu estou diante a uma das academias
mais famosas com várias sedes pelo mundo.
— É incrível, não?
Desvio meu olhar do outdoor para Savannah, que estava ao meu lado.
— Tome isso, vejo o nervosismo em seus olhos. — Ela diz,
estendendo um copo de café para mim.
— Obrigada — sorrio agradecida, pegando o café da sua mão e dando
um leve gole.
— Eu vi você chegando, estava esperando por você. Não tinha certeza
se você iria querer entrar depois que visse a placa, provavelmente, iria querer
dar meia volta.
E ela tinha razão. Se ela não tivesse aparecido, tenho certeza que fugir
seria a próxima coisa a se passar pela minha cabeça.
— Vamos entrar? — Ela pergunta animada.
Assinto um pouco contida e olho mais uma vez para o outdoor antes
de segui-la pela porta dupla de vidro.
Há uma pequena movimentação de adolescentes no hall de entrada,
todos vestidos como se estivessem dentro de uma sala de aula, apenas com
collant, meia calça e saia. Completamente diferente de Juilliard, onde as
pessoas não se sentiam à vontade em andar assim pelos corredores.
— Eu espero que você não se importe de andar um pouco, acho que
você se sentirá mais confortável se não ficarmos presas em uma sala. Quero
que você sinta a essência desse lugar também, é mágico. — Ela explica, com
um sorriso no rosto.
— Você mais uma vez acertou — confesso, sabendo que eu ficaria
desconfortável em uma sala conversando sobre o meu futuro emprego.
— Bom, você é uma bailarina e sei que sabe sobre a história da ABT.
Enquanto caminhávamos eu bebia meu café, por mais que eu
estivesse sem vontade, não queria fazer desfeita.
— O que eu não entendo, é como de uma pequena escola nos
arredores do Queens eu vim parar aqui.
Savannah maneia com a cabeça na direção de um corredor a direita,
para que eu a siga.
— Noah, minha função é buscar novos talentos e nós sempre estamos
em busca deles. E foi no meio dessa busca que eu encontrei você. — Ela
explica.
Paramos em frente à uma porta, Savannah a abriu revelando uma
enorme sala de dança. A sala tem uma grande vista panorâmica das janelas de
vidro que vai do teto ao chão, e uma parede de espelho onde a barra para
aquecimento está localizada.
— Uau! — É tudo o que eu consigo dizer, após um logo suspiro.
— Nós temos um programa de treinamento de um ou dois anos. Os
alunos que mais se destacam nesse treinamento são aproveitados no corpo
principal de ballet ou em outras companhias profissionais de dança.
— Savannah, você disse certo, eu conheço a história da ABT.
Grandes bailarinas passaram por aqui, por que eu? Eu não sei se sou
exatamente o que vocês precisam aqui.
— Você é exatamente o que precisamos aqui. — Ela me assegura. —
As meninas que mais desistem são as da faixa de 16 anos, elas sentem que
não são capazes quando dentro delas há um talento para ser explorado. Mas
então, elas caem e desistem.
Meus olhos percorrem por toda a sala antes de parar no rosto de
Savannah. Ela tinha algo familiar nos olhos, mas eu não sei distinguir o quê.
— Nós precisamos de alguém que não desista na primeira queda, que
a aceite, se levante e tente novamente. Essa é uma lição que eu vi em você e
sei que você passará a frente. Noah, seu talento vem de dentro de você e não
das suas pernas, a sua sabedoria, o que você sabe... É muito mais do que eu
soube um dia. — Ela confessa, em um suspiro.
— Você dança? — pergunto surpresa com a sua revelação.
— Eu dançava. — Ela me corrige e estende seu copo de café quase
vazio para mim.
Eu o pego, pensando se eu deveria ou não perguntar o porquê ela não
dança mais. Mas a resposta da minha pergunta silenciosa é revelada quando
Savannah, devagar levanta uma parte do seu jeans que cobre a sua perna
esquerda. Uma perna mecânica ocupa o lugar da sua perna.
— Eu sofri um acidente de carro há dois anos. Estava no auge da
minha carreira e da noite para o dia, eu não tinha mais uma carreira.
— Você não precisa continuar — murmuro, engolindo o bolo que
começava a se formar em minha garganta.
Seus lábios curvam-se em um meio sorrio e ela abaixa o jeans,
cobrindo novamente a perna e me olha em silêncio, antes de pegar seu café
da minha mão.
— Noah, não é um problema para mim falar sobre o que aconteceu. É
reconfortante dividir isso. Ao olhar para você, vi a sua persistência e me
reconheci bem ali, naquela sala pequena se encarando no espelho.
Eu queria dizer que entendia o que ela sentia, mas as nossas perdas e
dores são incomparáveis.
— Como você digeriu a notícia? — pergunto.
— No começo foi um baque enorme, eu não esperava por isso. Mas
então, eu tive o apoio que eu precisava e soube que eu queria continuar
fazendo o que eu já fazia. Nós encontramos forças em pequenas coisas e eu
encontrei na escola, eu já dava aulas nos programas de verão, apenas
continuei e hoje possuo metade desse lugar e tenho a escola no Queens. Eu
renasci, assim como você está renascendo e, é por isso que eu escolhi você!
— Savannah completa, com um sorriso no rosto. — E então, o que você me
diz?
Eu ainda estava sem palavras por tamanha força de vontade que a
cerca. Enquanto eu desisti, ela continuou sem ao menos ter pensado em
desistir.
Savannah ainda vive em seu próprio sonho e agora está na hora de
Noah Lea Clark começar a reconstruir o seu.

Tento ligar para Saint assim que saio da ABT, mas aparentemente ele
ainda deve estar no voo a caminho do Texas. Mal posso esperar para
compartilhar a novidade com ele. É muito mais do que eu imagino, bem mais
do que apenas uma turma.
Um recital para o fim de ano. É o que eu tenho em mãos, além de uma
turma.
Eu consigo. Sim, eu consigo.
“Bem-vindo à selva, nós temos diversões e jogos.
Nós temos tudo o que você quiser.”
WELCOME TO THE JUNGLE – GUNS N’ ROSES

EU ESTAVA NERVOSO, A BANDA ESTAVA NERVOSA. Nosso


primeiro show aconteceria em instantes. Eu vi meus pais e tive uma breve
conversa com eles antes de entrar no backstage. Nós já tínhamos uma equipe
de roadies, e eu ainda me sentia impressionado com o quanto meu sonho foi
criando asas da noite para o dia. Tio Paul estava vibrante demais, era um pai
orgulhoso de uma banda que saiu de um chalé para o palco da Fun Fun Fun
Fest.
— Garotos, mais três minutos. — Corbyn diz, batendo na porta do
camarim feito especialmente para nós.
Eu estava no celular tentando ligar para Noah, há dois dias não nos
falamos direito. O máximo que eu recebi dela hoje foi uma mensagem ao
meio-dia.
Doces e vinho. Uma bela companhia para assisti-lo subir ao palco
pela internet. Subam naquele palco e mostrem quem é que manda. Estou
orgulhosa de você.
Xoxo, Noah.
Os últimos dias têm sido agitados e corridos para ela, entendo o
porquê que ela não poderia vir quando eu ofereci as passagens. Ela está se
doando para o recital e eu estou orgulhoso, é impossível não estar orgulhoso
dela.
— Vamos, cara, ela está bem. Ela está com a Valentina, não há com o
que se preocupar. — Matthew murmura, colocando a mão em meu ombro.
— É isso que me preocupa — brinco, tentando descontrair meu
nervosismo.
— Eu ouvi isso. — Tio Paul resmunga.
— Cale a boca e vamos. — Matthew ruge, socando de leve meu
ombro.
A setlist estava gravada em minha mente desde o minuto que
escolhemos as músicas. Ela foi dividida com três músicas que eu compus e
covers de bandas conhecidas. Corbyn nos aconselhou a fazer dessa forma, já
que somos novos e estamos aqui para ser reconhecidos.
Enquanto caminhávamos, tudo o que eu ouvia era o burburinho do
público. Gritos e vozes.
Estava tudo escuro quando subíamos ao palco, cada um de nós se
posicionou em seu lugar, tudo que eu enxergava na plateia a nossa frente era
flashes de luzes do celular.
Quando toquei meu primeiro acorde, era como ligar uma luz de
holofote diretamente para nós. O que de fato havia acontecido. Luzes
iluminaram o palco e nós tínhamos a atenção das pessoas. Era uma multidão
muito maior do que shows normais, até shows de estádio, os festivais têm
plateias exponencialmente maiores.
Sem me sentir intimidado, toquei o segundo acorde, puxando a banda
junto comigo e dando início ao show com Welcome To The Jungle do Guns.
Algumas pessoas aplaudiam, outras conheciam e cantavam junto.
Com o tempo começaram a gritar pedidos nos minutos seguintes. E foi aí que
eu a vi, ao lado dos meus pais, com seus olhos azuis iluminados fixos em
mim. Ela sorriu e isso era tudo que eu precisava ver agora.
Noah estava ali por mim. E eu a amei mais ainda nesse momento por
isso.

Quando encerramos a nossa apresentação, as pessoas gritaram


pedindo por mais. Isso foi surpreendente, tanto para mim quanto para os
meninos.
— Vocês sentiram isso? — John pergunta eufórico, assim que
entramos em nosso camarim.
A porta fechada abafava o som dos gritos vindo do lado de fora, mas
ainda podia ser ouvido daqui.
— O que era aquela multidão? Eles estavam gritando por nós, sem
nunca terem nos visto antes — comento.
A nossa empolgação era tanta que começamos a falar todos juntos de
uma vez, que nem percebemos Paul e Corbyn entrando no camarim.
— Meninos, se acalmem! — Paul gritou, chamando a nossa atenção.
Nós paramos de falar e o olhamos, não tínhamos percebido que
havíamos passado dos limites.
— Foi mal, tio Paul — desculpo-me.
— Eu entendo a empolgação de vocês, mas vocês não viram nada
ainda. — Corbyn diz. — Assim que vocês subiram ao palco, foi liberado o
EP de vocês em todas as plataformas digitais, já temos um recorde de um
milhão de acesso em duas horas. — Ele completa.
Imediatamente busquei pelo meu celular, percebi que os meninos
também faziam o mesmo.
— Oh, merda! — Tyrone exclama. — Vocês estão vendo isso?
Assenti, incapaz de dizer algo. Utopia, nosso single estava em
primeiro lugar do iTunes. John colocou a música para tocar e nós ainda não
tínhamos ideia de como ela havia ficado após a gravação no estúdio. Tudo foi
uma surpresa e ouvi-la agora se tornou mais uma.

Pra que tanta pressa


Se o tempo só está
Tentando te apagar de mim?
Não queira desfazer lembranças
Você só está tentando adiar o fim

Tentei esquecer a sua calmaria


Se tu soubesses, ficaria
Tentei te fazer entender
Eu perguntava, você sorria
Se não pelos nossos sonhos
Pra que serve, a Utopia?
Eu lembro o exato momento em que escrevi essa música. Foi quando
Noah se quebrou e me afastou. Eu estava tão disposto a salvá-la, que achei
que a música a salvaria da mesma forma que me salvou diversas vezes, mas
aquilo que nos salva, são as coisas que mais amamos e a dança a salvou.
E agora estamos aqui, no topo das paradas com uma de muitas
músicas que eu compus pensando nela. Surreal. É a única palavra que se
passa na minha cabeça agora.
— Estamos em primeiro. — John comemora.
— Sim, vocês estão em primeiro! — Tio Paul comemora junto.
— Eu me antecipei e fiz uma reserva em um restaurante para
comemorarmos esse grande começo. — Corbyn anuncia.
— Eu ouvi comemoração? — Meu pai indaga, ao passar pela porta.
— Não sabia que era permitido a entrada de qualquer um no
backstage. — Tio Paul cutuca.
— E-eu, achei que eles fossem parentes. Ele disse que era o pai do
Saint. — Corbyn murmura, constrangido.
Tio Paul e o meu pai gargalham, deixando Corbyn ainda mais
constrangido.
— Infelizmente, ele é. — Tio Paul retruca, dando uma leve
cotovelada em meu pai.
Olhei na direção da porta, na esperança que Noah passasse por ela.
— Elas estão aguardando lá fora, filho. — Meu pai informa.
— Eu preciso vê-la — murmuro, desviando meu olhar da porta para
olhá-lo.
— Vá, ela está esperando por você.
Troquei um olhar rápido com John e saí às pressas do backstage.
Matthew me seguia, tentando acompanhar meus passos.
No momento em que meus pés tocam o estacionamento privado do
backstage, meus olhos só conseguem enxergar ela. É como se fôssemos as
únicas pessoas aqui.
Ela anda em minha direção e eu corro para encontrá-la. Abri os braços
para recebê-la quando ela se aproximou e ao sentir seu corpo esmagando o
meu, eu perdi a noção do tempo.
Meus lábios foram atraídos pelos dela, seus dedos entrelaçaram em
meu cabelo, sem pensar duas vezes a beijei.
— Olá, você. — Ela murmura, quando nossas bocas se separam.
— Olá, bailarina — retruco, com um leve sorriso no rosto.
— Foi um show e tanto, não? Já posso imaginar a quantidade de
groupies nos próximos, soa egoísta demais se eu disser que não estou
preparada para dividi-lo? — Ela pergunta em um tom divertido, me fazendo
sorrir mais ainda.
Eu gosto desse jeito descontraído que ela tem de se expressar
brincando, quando na verdade ela está realmente querendo dizer isso.
— Noah Lea Clark, você não me divide. Você me tem!
Ela ter certeza disso, era o que bastava pelo resto da minha vida.

Era pouco o tempo que eu tinha com Noah, em duas horas ela partiria.
E querendo prolongar o máximo de tempo que posso, eu a raptei do jantar
com a banda e meus pais, e a trouxe para o hotel onde estou hospedado. Não
tinha como evitar a minha abstinência da presença de Noah em minha vida.
— Eu não acredito que você realmente está aqui — digo, olhando-a
deitada ao meu lado na cama.
— Você acha que eu iria perder o seu primeiro show? — Ela indaga.
— Não acho, mas entenderia se não pudesse vir. Como é dar aula para
adolescentes de dezesseis anos?
Ela abre um sorriso antes de começar a falar.
— É uma experiência diferente, mas incrível. Eu me via em cada uma
daquelas meninas de uma forma diferente, é como se cada uma delas
representassem uma fase da minha vida. Eu gosto delas e acho que elas
gostam de mim também.
Sorrio ao ver o brilho nos seus olhos novamente. É bom vê-la cheia
de vida.
— É impossível não gostar de você, bailarina. Eu estou muito
orgulhoso e feliz também.
— Ah, é? — Ela pergunta, segurando na gola da minha camisa e
aproximando o corpo do meu.
Balanço a cabeça assentindo em resposta, ela beija meu pescoço, seus
lábios passeiam pelo meu pescoço explorando-o de uma forma provocativa e
sensual. Solto um grunhido baixo e enrosco meus dedos em seu cabelo,
levantando seu rosto para olhá-la. Sua respiração está descompassada, seu
peito sobe e desce rapidamente.
— Eu amo tudo em você, bailarina, tudo — afirmo, antes de me
inclinar para beijar seus lábios.
Noah segura meu rosto com as duas mãos, sua boca devorou a minha
e um gemido escapou dela quando nossas línguas se tocaram. Minhas mãos
escorregaram pelas suas costas e eu segurei em sua bunda, a trazendo para
cima do meu corpo. O contato do seu corpo com a minha ereção me fez
estremecer, Noah afasta os lábios dos meus e me olha com um sorriso no
rosto.
— Você é a minha pessoa favorita no mundo, Saint Rivers. E eu amo
que seja você essa pessoa.
E então, ela me beijou novamente. De um jeito único e arrebatador.
Noah tem esse jeito que só a ela pertence, ele é único.
Ela sempre toma tudo o que quer de mim e eu me entrego a ela sem
protestar e sem reservas.
“Você faz minha vida valer à pena.
É tudo sobre você.”
ALL ABOUT YOU – MC FLY
SAINT HAVIA ME DEIXADO NO AEROPORTO NA MANHÃ
DO SÁBADO, e embora eu quisesse muito ficar, eu tinha um planejamento
de aula para fazer. Nós estávamos muito próximas do final de ano e
precisávamos dar o nosso melhor.
Antes de ir para a última aula que eu daria antes do dia de ação de
graças, eu dirigi até a livraria. Isso era algo que eu deveria ter feito há um par
de dias, mas os últimos acontecimentos em minha vida não colaboraram
muito com isso.
O sino da porta avisou da minha presença e o sorriso amistoso no
rosto da senhora Eva ao me ver, amenizou a minha consciência pesada por tê-
la deixado.
— Senhora Eva. — Eu a cumprimentei, com um aceno.
Ela se aproximou e me envolveu em um abraço aconchegante, ao se
afastar, ela me olhou dos pés à cabeça e sorriu.
— Eu sabia que você ia conseguir, Noah. — Ela diz, e toca o pingente
do meu cordão com a ponta do dedo e sorri mais ainda. — Você é jovem,
generosa e tem um bom coração. Isso é o que há de maior em você, a sua
grandeza em querer ser forte e passar por cima desse obstáculo a trouxe onde
você está hoje. E você está onde exatamente deveria estar, minha menina, eu
estou muito feliz por você.
— Obrigada — murmuro, colocando a minha mão por cima da dela e
a afagando. — Quando eu achei que seria difícil estar aqui longe dos meus
pais, você me mostrou o quão fácil seria por apenas estar aqui. Você foi a
minha figura materna, Eva, meu ombro amigo quando eu precisei. Jamais
vou conseguir expressar o quanto eu sou grata a senhora por isso.
— Você pode me agradecer dando tudo de si para realizar e viver seus
sonhos. Há alguém que deseja tanto isso quanto eu, você sabe. Não o perca,
querida Noah, você merece toda a felicidade que ele pode te proporcionar.
Engoli em seco e assenti.
Eu nunca quero perder Saint, nunca.
No último dia do festival, as coisas estavam ainda melhores que o
primeiro e o segundo. No segundo dia o público chamava por nossos nomes,
o uivo de empolgação deles era contagiante.
E agora, no terceiro e último dia eles cantavam nossas músicas. Sim,
nossas músicas! Não era as músicas cover do Oasis, Guns ou Aerosmith que
eles estavam cantando. Eles estavam cantando uma música da
Metamorphosis. Tudo o que eu ouvia, tirando nossos próprios instrumentos
agora tocando nos alto-falantes mais poderosos disponíveis, era aquele grito
louco da multidão durante o coro de uma das músicas que eu escrevi para
Noah.

Mas não feche os olhos


Ao tentar dormir
Ainda estou aqui
E eu quero ser
O motivo da sua insônia
Ser um lá menor ao tentar tocar você
Ser o furacão que sopra cada folha do outono que eu quero esquecer

A plateia continua cantando e John assume o vocal na segunda parte


da música. Eu continuo dedilhando em minha guitarra e admirando o público
que por mais um dia nos levou à loucura.
Era a primeira vez que cantávamos essa música em público, e eu só
quero que seja onde ela estiver, saiba que é para ela.
Todas as músicas são para ela.

O fim do Fun Fun Fun Fest marcou o início dos preparativos do dia
de ação de graças que é amanhã. Eu voei do Texas direto para o Oregon, meu
plano estava arquitetado com a ajuda de Dora e desde quando cheguei há dois
dias, eu tenho estado apreensivo. Mas nada se comparava a minha apreensão
agora, horas antes de embarcarmos com destino a Miami.
— Saint, você vai me dar uma Barbie nova? — Loren pergunta me
chamando.
— Outra? Eu trouxe uma Barbie nova para você há dois dias! —
informo.
— Mas eu também quero outra, nós podemos sair com a tia Noah
para comprar e tomar sorvete? — Ela insiste.
Reviro meus olhos jogando a minha cabeça para trás no sofá. Eu não
conseguia negar nada para Loren, piora quando ela usa Noah no meio.
Gostaria muito de saber se Noah compactua com isso.
— Tudo bem, apenas uma — digo, dando-me por vencido.
— Eba, eu vou ter uma Barbie nova. — Ela comemora pulando no
sofá.
— Mãe, a Loren está pulando no sofá. — Eu grito, chamando por
Dora.
— Saint, eu fico satisfeito por você estar chamando Dora de mãe,
esperei muito por isso. Mas estou começando a ficar arrependido, você não
tem calado a sua boca e não para de chamá-la. Desde quando virou um
bebezão? — Meu pai resmunga, fazendo tanto eu, quando Dora rirmos.
— Mãe, vai deixar ele falar isso de mim? — pergunto, olhando para
Dora.
— George, não fale assim. — Ela retruca.
Meu pai resmunga baixo e joga o jornal que estava lendo em minha
direção.
— Toda vez que você a chama de mãe, você a tem na palma da mão.
Isso é golpe baixo, Saint! Eu que resolvi tudo e não recebi nem um pedaço da
torta que ela fez para você, a atenção tem sido toda para você!
Agora meu pai estava realmente conseguindo me deixar com a
consciência pesada. Dora e Loren estão a minha volta o tempo todo, enquanto
meu pai trabalhava nós íamos às compras e nos divertíamos sem ele.
— Pai, amanhã seu problema será resolvido — garanto, sabendo que
falta pouco para estar com Noah novamente.

— Quem diria, Saint Rivers, apaixonado. — Ele zomba.


Reviro meus olhos e o ignoro. Ele não está errado, eu estou
apaixonado.
Eu sou muito apaixonado por Noah Clark e isso é nítido.

Seus pais são os únicos que sabiam sobre a nossa vinda para Miami.
Dora queria que eles fossem para o Oregon, mas isso estragaria a surpresa
para Noah.
Quando chegamos em Miami, o carro que meu pai alugou já estava a
nossa espera. Noah morava em Midtown, uma das áreas de Miami que ainda
estava em crescimento e afastada das regiões centrais da cidade. A cidade era
realmente pequena se comparando a Nova York, prova disso foi a
superlotação dos hotéis e foi preciso a ajuda de Grace para alugarmos uma
casa mobiliada por um final de semana.
Nós seguimos a viagem até o endereço que Grace havia nos enviado,
ao invés de nos enviar o endereço da casa em que ficaríamos, ela nos enviou
o endereço da própria casa.
Eu fui o primeiro a sair do carro, meus pés caminharam apressados
até a porta e quando dei por mim, já estava com o dedo na campainha.
— Dezesseis, dezessete, dezoito... — Eu contava baixinho os
segundos, até que a porta foi aberta e minha conta foi interrompida.
— Saint? — Noah indaga perplexa.
— Oi, bailarina — murmuro.
Ela me deu um sorriso e pulou em meu colo, precisei me segurar no
batente da porta com uma das mãos, enquanto a outra eu circundava em sua
cintura. Eu não estava esperando por essa reação, mas essa simplesmente
superava a reação que eu imaginava que ela teria.
Solto minha mão do batente da porta quando me equilíbrio e abraço a
cintura de Noah com as duas mãos. Ela envolve meu pescoço com as duas
mãos e me beija uma, duas, três vezes, e eu retribuo todas elas.
— Barbie! — Loren grita, atrapalhando nosso momento.
Noah afasta seus lábios dos meus, solto um grunhido em protesto e a
coloco no chão novamente. Meus pais de longe nos observavam, enquanto
Loren corria em nossa direção.
— Ei, pequena! — Noah exclama, abrindo os braços para receber
Loren, que se atira neles, mas quando Noah vai beijar seu rosto ela se afasta.
— Você acabou de beijar meu irmão, isso é nojento. — Loren
resmunga.
Noah tenta segurar o riso, mas quando me olha e percebe que eu estou
tentando fazer o mesmo, ela explode em uma gargalhada.
— Loren, adultos fazem isso o tempo todo. Um dia você irá ser uma
adulta que fará o mesmo. — Noah diz.
— Eu vou? — Loren pergunta, torcendo os lábios.
— Mas não vai mesmo! — retruco.
Noah revira os olhos e me encara.
— Saint, você acha que ela vai ser criança para sempre?!
— Não acho, mas ela não vai fazer isso enquanto eu estiver por perto.
— Quero nem imaginar quando você tiver filhos. — Ela resmunga.
— Dá para não pensarmos nisso agora? — pergunto, passando a
minha mão no cabelo.
— Mas já está nervoso? — Ela provoca, sorrindo.
Encolho meus ombros e enfio minhas mãos nos bolsos da minha calça
jeans.
— Noah! — Grace a chama distante.
— Agora eu entendi o motivo da minha mãe estar eufórica — Noah
diz, e acena para meus pais que de longe nos observava. — Venham, vamos
entrar. E você, mocinha, eu tenho algo para você!
Ela olha para Loren e as duas trocam um sorriso cúmplice.
— Uma Barbie? — Ela pergunta eufórica.
— Noah, você e Saint mimam demais essa menina. — Dora nos
repreende ao nos aproximar.
— É bom vê-la também, Dora. — Noah retruca, a abraçando em
seguida. Quando as duas desfazem o abraço ela olha para o meu pai, com um
leve sorriso provocativo no rosto. — Saiu do Oregon para perder uma longa
partida de xadrez em Miami? — Ela indaga.
— Eu precisava vir atrás da única oponente ao meu nível. — Ele
retruca de volta, dando-lhe uma piscadela.
— Espere até jogar com o meu pai. — Ela o desafia.
E se eu fosse ela, não teria feito isso.
— Eu vou adorar jogar com ele. — Meu pai diz, trocando um olhar
desafiador com ela.
— Agora entrem, minha mãe está fazendo uma enorme bagunça na
cozinha. — Ela informa, nos dando passagem para entrar na casa.
Ao colocar os pés dentro da casa, soube de onde vinha a apreciação
de Grace por madeiras, estava explicado o porquê ela gostava tanto de
decorações com madeira. A casa apesar de pequena, tem acabamento de
marcenaria feito de madeira original por toda a parte. É uma das mais
compactas no estilo vitoriano que eu já vi, onde há uma cozinha com vista
externa, uma área de jantar e uma sala pequena, mas aconchegante. Os
quartos provavelmente ficam no segundo andar.
— Dora! Que bom que vieram. — Grace diz animada, ao nos ver em
sua casa. — Eu estou feliz por vocês terem vindo.
Quando Noah disse que a cozinha estava uma enorme bagunça, ela
não estava brincando. Ingredientes para preparar salada e peru ocupavam a
pequena bancada da cozinha.
— Se dependesse de um certo alguém, estaríamos aqui há dois dias.
— Dora murmura, me olhando. — No que eu posso ajudar vocês?
— Eu agradeço a sua gentileza, Dora, mas já estávamos terminando.
Além do mais, vocês acabaram de chegar de viagem e devem estar cansados.
Noah irá levá-los até a casa onde vocês irão ficar. — Grace responde.
Dora balança a cabeça negativamente e olha para Noah.
— Dê-me isso. — Ela diz, apontando para o avental que eu nem havia
percebido em Noah.
— Dora...
— Sem mais argumentos, eu estava animada para estar aqui. Grace,
me diga o que precisa ser feito. — Dora interrompe Grace e olha para mim e
Noah. — Há uma lista na bolsa que eu deixei no carro. Vão ao mercado e
tragam tudo que está lá.
Grace sorriu atrás de Dora ao entender o que estava acontecendo e
não contestou mais sobre a ajuda de Dora.
Fazia dois anos que não passávamos o dia de ação de graças em
família, na verdade, não passávamos nenhuma data festiva juntos há um
longo tempo. Eu sempre dava meu jeito de escapulir para a casa do tio Paul
na adolescência, para Dora sempre foi ela, meu pai e Loren. E agora, somos o
dobro.
“Então você não poderia criar coisas novas.
Simplesmente dizendo: Eu te amo.”
MORE THAN WORDS – EXTREME

ESTÁVAMOS REUNIDOS NA CASA QUE OS PAIS DE SAINT


ALUGARAM. Era maior e havia uma sala de jantar, já que na minha casa a
única mesa que tínhamos havia apenas quatro cadeiras.
Um pouco antes deles chegarem, eu imaginei como seria jantar com
meus pais e olhar para a única cadeira vazia que restava. Meu coração se
apertou com esse vazio, que agora foi preenchido por uma mesa cheia e farta
de comidas que poderia alimentar um batalhão.
Em um lado da mesa estava eu, meu pai, minha mãe e Loren ao meu
lado. Do outro lado, Saint estava de frente para mim, ao lado dos pais.
— Nós costumamos fazer uma oração antes de começarmos a comer,
espero que não se importem. — Minha mãe informa.
George balançou a cabeça e sorriu.
— Nós adoraríamos participar, você nos dá essa honra? — Ele
pergunta.
— É claro. — Mamãe assente.
Eu segurei na pequena mão de Loren que está ao meu lado direito e
na mão do meu pai, que está ao meu lado esquerdo. Fizemos uma corrente e
fechamos nossos olhos. Silenciosamente, nós orávamos.
Eu agradeci por todas as minhas conquistas, até mesmo pelo meu
acidente. O acidente me deu um novo propósito e me tornou quem eu sou
hoje, e deu a Saint asas ao seu sonho. Tudo aconteceu porque tinha que
acontecer e agora nos trouxe aqui, nos reunindo e nos tornando uma família.
Pedi à Deus por continuar olhando por nós ao lado dos meus avós e fiz uma
prece, para que Saint permanecesse na minha vida pelo tempo que Deus
permitisse.
E se meu pedido for atendido, Saint permanecerá aqui para sempre.

Após o jantar, nós nos reunimos na sala. George apareceu sorrindo


com um tabuleiro de xadrez em mãos.
— Pronta para perder, bailarina? — Saint sussurra em meu ouvido.
— Para você? — retruco, sorrindo já sentindo o gostinho da vitória.
Saint é excelente como músico, mas como oponente e jogador, ele é
péssimo.
— Não, para ele. — Ele responde, apontando para o meu pai.
— Ah não... — balancei a cabeça negando.
Certamente, Saint ouviu meu pai contar sobre os torneios de xadrez
que jogava acompanhado do meu avô. Os dois sempre foram ótimos no
xadrez.
George colocou o tabuleiro de xadrez em cima da mesa de centro da
sala e me lançou um olhar desafiador. Levanto-me do sofá e me ajoelho em
frente à mesa, George monta o tabuleiro e o observo atentamente.
— Pai, ganhe dela e eu lhe consigo um par de ingressos para o Super
Bowl! — Saint grita em oferta.
— Saint, eu não acredito que você está barganhando seu pai. — Eu o
repreendo.
Ele levanta os braços para o alto, em defesa e diz:
— Eu estou o incentivando.
Essa foi a sua defesa. E claro, eu perdi. Duas vezes seguidas.
— Xeque-mate, Noah! — George grita, pela terceira vez.
— Foi apenas sorte — argumento, sorrindo.
— Admita que eu sou muito bom.
Eu tinha que admitir, ele realmente é bom. Mas é igual a Saint, quanto
mais elogia, maior se torna seu ego.
— Você é bom. Muito bom é o meu pai — digo, sabendo que isso se
tornaria um desafio ótimo de se observar. — Pai, você não gostaria de jogar?
— pergunto, trocando um olhar desafiador com George.
— Faz muitos anos que eu não jogo, filha, e eu apenas jogava em
torneios, não tenho esse hábito como você. — Meu pai diz, tentando fugir.
— Conrad, vamos tornar isso aqui mais interessante. — George
começar a falar e faz uma pausa, para arrumar as peças no tabuleiro. Seu
olhar desvia para o meu pai. — Se eu ganhar, você irá pedir demissão do seu
trabalho e irá vir trabalhar para mim. Soube que é muito habilidoso com
finanças e eu acabei de perder meu melhor funcionário.
Eu sabia que ele estava se referindo a Saint, mas a sua proposta pegou
nós todos de surpresa.
— E se você ganhar, você escolhe se aceita ou não a minha oferta. —
Ele completa.
Meu pai o olha de boca aberta, sem palavras. Seus olhos buscam pelo
meu, e eu balanço a cabeça assentindo e sorrindo.
Aceita, aceita. Torço em pensamento.
Meu pai merece muito mais do que passar o resto da vida vendendo
automóveis, ele sabe disso. Nós dois sabemos disso. Ele é o melhor vendedor
e é muito bom no que faz.
— Mas por quê? — Meu pai pergunta.
— Isso não é pela sua filha namorar meu filho. Isso é pela sua filha
ter nos devolvido o nosso filho, por ter nos tornado uma família. Eu sempre
serei eternamente grato a ela e serei mais ainda, se um dia nos tornarmos
oficialmente uma família. Conrad, arraste sua bunda para cá e mostre-me o
que sabe! — George o desafia mais uma vez.
Abri um largo sorriso, diante das palavras de George. Gratidão se
tornava uma palavra pequena diante de tudo que Saint proporcionou em
minha vida.
Meu pai aceitou, assisti apreensiva uma das partidas mais
emocionantes da minha vida. Os dois jogavam muito bem e levou mais de
meia hora para que meu pai gritasse:
— Xeque-mate!
Ele ganhou e eu explodi de alegria, pulando e comemorando. George
não ficou nem um pouco frustrado, pelo contrário, ele estava com um sorriso
satisfeito no rosto. Eles jogaram mais vezes e a noite terminou com eles
empatados.
Estava tarde, passava das onze da noite quando meus pais foram
embora.
— Eu gostaria que você ficasse. — Saint murmura, quando só restou
nós dois na sala.
— Você quer que eu fique? — pergunto, em um sussurro.
— Eu quero muito que você fique, bailarina, por favor. — Ele pede
em uma súplica.
Seus lábios se aproximam do meu rosto, ele beija minha bochecha,
enquanto continua pedindo para que eu ficasse em sussurros.
— Eu fico — digo, dando-me por vencida quando seus lábios
alcançam meu pescoço.
Era um tremendo golpe baixo, mais quanto mais eu sentia seus lábios
em mim, mais eu os queria.
Saint se levantou do sofá e ergueu a mão para que eu a segurasse. A
segurei, ele apertou a minha mão e sorriu. Subimos para o seu quarto, ele me
deu uma de suas camisas para vestir. Eu me troquei no banheiro e quando
voltei para o quarto, que estava tomado pela escuridão. A única claridade que
havia, era do abajur ao lado da cama e era o suficiente para que eu pudesse
enxergá-lo.
Saint está deitado na cama de olhos fechados, sem camisa e vestindo
apenas uma calça de moletom. Devagar caminhei até a cama e me deitei ao
seu lado, Saint abriu os braços e eu me aconcheguei no calor do seu corpo e
deitei a cabeça em seu peito. Ouvi as batidas do seu coração batendo
rapidamente, era sempre assim quando estávamos juntos e eu não o culpava.
Meu coração bate da mesma forma sempre que ele está por perto.
— Foi um longo dia, não? — Ele indaga.
Sua mão começa a acariciar meu braço e isso me faz querer morar no
calor do seu corpo para sempre.
— Você sempre torna meus dias longos e melhores quando está nele
— confesso, levantando minha cabeça para olhá-lo.
Ele deu um meio sorriso e trouxe a sua mão que acariciava meu braço
para o meu queixo, ele inclinou a cabeça para frente e me puxou para cima,
aproximando nossos rostos. Espalmei minha mão em seu peito e seus lábios
beijaram a ponta do meu nariz, nossos olhos se encontraram e eu conseguia
ler neles tudo que Saint sente.
Minha respiração pairava em cima dos seus lábios, até que ele a
cortou ao encostar a boca na minha, entreabri meus lábios e fechei meus
olhos, como uma pluma leve que flutuava, sua língua deslizou para dentro da
minha boca em busca da minha.
Eu o beijava com mais intensidade a cada segundo, enquanto suas
mãos exploravam cada curva do meu corpo. Afastamos nossos lábios por
uma fração de segundos, nada parecia mais certo. Sorrimos um para o outro,
eu rocei meus lábios nos dele, implorando por mais do beijo que só ele
poderia me dar.
Eu senti as batidas do seu coração baterem na palma da minha mão,
foi como uma corrente de eletricidade e mais uma vez eu uni meus lábios aos
dele.
Comecei a contar silenciosamente o som das batidas de seu coração
que tomavam conta da minha palma. Certa vez ouvi dizer, que para ser
verdadeiro, basta apenas ter amor. Não precisa seguir padrões, não precisa de
explicações. Porque o amor verdadeiro existe. Está acima de qualquer
condição.
Ele sempre vence. E essa foi a nossa vitória e não o festival.
“Eu sou sua garota em sua luz.
Quando estou segurando você.”
IN TIME – FKA TWINGS
2 SEMANAS DEPOIS

Eu estava empolgada, mas as meninas não pareciam tão empolgadas


assim. Eu queria saber o que eu estava fazendo errado para elas estarem tão
entediadas assim. Nas primeiras semanas de aula, elas estavam bastante
animadas, mas agora conforme foram dando tudo de si, desanimaram.
— Cheguei para a salvação de vocês. — Saint diz, interrompendo a
minha aula.
Não que eu estivesse ensinando algo importante, estávamos assistindo
apresentações. No final de cada vídeo, eu fazia perguntas como, qual foi o
passo dado e sobre cada ato.
Levanto-me do chão e devagar caminho até ele. Eu estava surpresa,
ao mesmo tempo que me sentia confusa por ele estar aqui. A banda estava
crescendo tão rápido, que quanto mais dias passavam, mais shows eles
tinham em sua agenda e ele quase nunca tinha tempo livre durante o dia,
apenas a noite quando nos víamos.
— O que você está fazendo aqui? — murmuro baixo o suficiente,
para que apenas ele me escute.
— Esse não é aquele cantor da banda de rock? — Uma das alunas
pergunta.
Saint sorri orgulhoso por ter sido reconhecido e acena para ela.
— Olá, crianças, eu sou Saint e vim salvar vocês de... — Ele diz
pensativo, seu olhar desvia das minhas alunas para o telão onde passava os
vídeos. — Lago dos Cisnes, Noah? E o ciclo se repete — completa carregado
de sarcasmo.
Mas eu sabia muito bem que ele estava era reclamando. Ergo uma de
minhas sobrancelhas e o encaro, meu olhar por si só dizia tudo.
Que merda ele quer aqui?
— Pelo visto, não somos só nós que não aguentamos mais Lago dos
Cisnes. — Outra aluna diz.
Olho para as minhas alunas tão surpresa, quanto o sorriso vitorioso
que Saint tem no rosto. Eu não sei pelo o que estávamos competindo, mas ele
certamente estava ganhando. E eu estava odiando por dois motivos, um por
ele estar se intrometendo em meu trabalho e dois, por ele estar malditamente
bonito a ponto de me fazer querer beijá-lo e despi-lo aqui mesmo.
Saint não estava vestido em seu jeans habitual e suas regatas. Ele está
vestindo uma calça de corrida preta e uma camiseta sem manga branca. Fios
do seu cabelo úmido estavam caindo na sua testa, precisei segurar as minhas
mãos para conter a vontade de afastá-los.
Afastando meus pensamentos de Saint, viro-me para olhar minhas
doze alunas sentadas no chão da sala nos olhando.
— Como assim vocês não aguentam mais Lago dos Cisnes? —
pergunto pasma.
Era a primeira vez que passava os vídeos para elas.
— Professora, todo mundo aqui conhece Lago dos Cisnes. Antes de
você, éramos obrigadas a assistir e fazer resenha sobre cada ato. É chato e
entediante. — A mesma aluna que reconheceu Saint, explica.
Saint solta um sorrisinho, mais um ponto ele tinha.
— Por isso, eu vim salvar vocês! — Ele diz. — Uma bailarina uma
vez me ensinou muitas coisas preciosas, lições importantes. Hoje eu estou
aqui ao lado dela, para juntos passarmos isso para vocês.
— Você também dança? Com ela? — perguntam para ele.
— Ele dançava comigo. Eu não danço mais, nós já conversamos sobre
isso. — Eu explico.
Todas minhas alunas sabiam o porquê eu não dançava mais e o
porquê de eu estar aqui. Eu contei para motivá-las a nunca desistir.
— Nós ainda dançamos e vamos dançar para vocês. — Ele responde,
me contrariando. — Eu sei do que vocês precisam, mas nós também
precisamos de mais de vocês. Dançar é o único espaço onde podemos relaxar,
sentir, voar e ser sincero sobre quem somos. Se vocês não fizerem isso aqui e
agora, não irão fazer amanhã, depois e nem em cima de um palco. Vocês não
precisam ser perfeitas, o que Noah quer e o que eu quero, é que vocês façam
o seu melhor. Abram seu coração e deixem a música entrar. Vocês podem
fazer isso por ela? Por mim? Por todos nós aqui nessa sala? — Saint
pergunta.
O olho admirada, eu estou inflando orgulho nesse momento. Saint
Rivers, está em minha sala de aula repetindo minhas lições para as minhas
alunas. Como não amá-lo?
— Sim! — Um coro de vozes o respondem.
— Era isso que eu queria ouvir. Vocês podem entrar em um consenso
e escolher uma música? — Ele pede.
Imediatamente, elas acatam o pedido dele e cada uma está com o
celular em mãos em busca de uma música.
Saint se aproxima, quebrando o espaço que eu havia deixado entre
nós e lutado para deixá-lo existindo.
— Saint, o que você está fazendo? — pergunto.
— Nós vamos mostrar para elas como é que se faz. Eu li seus e-mails,
me desculpa. — Ele diz, mas antes que eu pudesse falar, ele me silencia
colocando o dedo em meus lábios. — Vi todos seus planejamentos de aula e
o que já passou para elas, mas ontem percebi você um pouco desanimada. No
seu e-mail para Savannah, você dizia que estava pensando em desistir porque
não sabia mais o que ensinar a elas, porque você já tinha feito de tudo e elas
ainda não se sentiam seguras. Mas você esqueceu que você fez tudo o que fez
por elas, por mim também. A diferença foi que fizemos juntos, agora nós
precisamos mostrar isso à elas. — Ele finaliza, afastando o dedo dos meus
lábios.
Hesito antes de respondê-lo e olho para as meninas que agora
debatiam uma com as outras sobre a música a ser escolhida.
— Você sabe que eu não posso dançar, Saint — digo, voltando a
olhar para ele.
— Noah, você confia em mim? — Ele pergunta.
— É claro que eu confio em você — retruco.
— Eu serei os seus pés, você só precisa sentir a dança dentro de você
e evitar colocar seu peso todo na perna direita. Você consegue. — Ele me
encoraja.
— Eu consigo!
Aproveitando o momento de distração das meninas, ele me beijou
rapidamente em resposta. Saint está animado, e sinceramente, eu também.
— Então, qual é a música? — Ele pergunta.
— Sia, Salted Wound. — As meninas respondem.
Saint se afasta e curva seu corpo um pouco à frente em reverência, e
estende a mão para mim.
— Bailarina, você me daria a honra dessa dança.
Dei um sorriso e coloquei a palma da minha mão sobre a sua. Saint
apertou a minha mão, me passando toda segurança que eu precisava e se
ergueu, me puxando para perto do seu corpo. Ele fez um sinal com a mão e a
música começou a tocar.
Nós dançamos como se fosse a primeira vez, os olhos das minhas
alunas se tornaram os holofotes sobre nós.
E quando eu achei que nada poderia ficar mais perfeito que nós dois
juntos ensinando tudo que fizemos meses atrás, me enganei. Saint dançou
com cada uma das minhas alunas, eu ditava os passos e juntos eles faziam.
Quando uma errava, ele as motivava a refazer até acertar. Assim como eu fiz
por ele, hoje era ele que fazia. Por mim, por elas e por nós.
Eu perdi o festival de outono, mas nesse momento, eu soube que
havia ganhado Saint Rivers por toda eternidade.
Vencer não consiste em apenas ganhar ou perder. Eu perdi o poder
sobre uma de minhas pernas e isso me tirou a chance de fazer o que eu mais
amo. Mas graças a isso, eu ganhei um novo propósito, que era ensinar aquilo
que eu sempre amei fazer: dançar.
“Na doença e na saúde.
Para sempre, você será minha casa.”
DEARLY DEPARTED – MARINAS TRENCH

HOLOFOTES. EU SEMPRE ESTAVA NA MIRA DELES.


Depois do nosso primeiro show após o Fun Fun Fun Fest, há dois
anos os shows aumentaram. A banda começou a crescer, uma turnê foi
anunciada e os aplausos, gritos, multidões e fãs se multiplicou, tudo se
multiplicou. O que antes era apenas um coro por nossos amigos sentados na
mesa de um pub, se transformou em gritos afinados, desafinados e roucos em
estádios, arenas e festivais para milhares de fãs. Era intenso a nossa entrega e
mais intenso ainda, era a entrega dos fãs ao cantar nossas músicas.
Mas hoje, não será eu quem estará na mira dos holofotes. Será ela.
Era uma de muitas apresentações que Noah participava, mas dessa
vez era diferente. Ela estava à frente de uma grande companhia de dança,
Bolshoi. Suas alunas realmente deram duro nos ensaios, as meninas são
ótimas e ainda assim, Noah passou a semana inteira nervosa, aflita e em
pânico.
Quando saiu de casa hoje pela manhã, eu segurei na palma da sua
mão e coloquei sobre ela a paleta que ela havia me dado de presente.

— É o meu amuleto da sorte, por hoje ele é seu — digo, pressionando


a palma da minha mão na dela ao cobrir a paleta.
— Eu me recuso a cair. — Ela murmura, repetindo a frase gravada
na paleta e fecha os olhos ao inspirar fundo. — Eu me recuso a cair. — Ela
repete e abre os olhos.
— Essa é a minha garota.
Ela sorri e dá um passo à frente, mantendo nossos corpos grudados
um no outro. Coloco meus braços ao redor dela e a abraço, passando toda a
sorte, confiança e otimismo que ela precisa.
Noah levanta o rosto para me olhar e sorri novamente.
— Eu te amo, Santinho Rivers.
Reviro meus olhos com sarcasmo e ouço seu risinho. Ela beija a
minha bochecha, a ponta do meu nariz, meu queixo, pescoço e por fim
encosta seus lábios nos meus.
— Eu te amo, Noah Bailarina Rivers — sussurro contra seus lábios.
— Rivers? — Ela pergunta.
— Um dia você será a senhora Rivers.
Acaricio o cabelo dela e deslizo meus dedos, contorno a maçã do seu
rosto e seguro em seu queixo. Ela fecha os olhos quando a minha língua
entreabre seus lábios, uma de suas mãos está em minha nuca e seus dedos
puxam alguns fios do meu cabelo. Eu a beijo com toda intensidade, ela move
os lábios sobre os meus vagarosamente, tento prolongar e curtir todos os
segundos restantes do beijo antes de me afastar.
Porque nós temos que nos afastar e ela tem que ir.
Afasto meus lábios da sua boca, deslizo pelo seu pescoço e percorro
até chegar em sua orelha. Mordo o lóbulo da sua orelha e sinto a pele dela
se arrepiar, sorrio satisfeito e sussurro:
— Eu vou ser aquele que estará na primeira fileira.
— Eu vou ser aquela que estará sentada ao seu lado e esperando
ansiosamente a hora em que sua mão segura na minha, só isso me deixará
menos nervosa.
— Será um sucesso, Noah, as meninas são ótimas — garanto-lhe.
Ela sorri confiante e beija meus lábios pela última vez antes de se
afastar para entrar no carro.

Noah é o restante da minha vida, nesses dois últimos anos juntos eu


me pergunto se a mereço tanto.
Algumas noites eu acordo pela madrugada e me pego olhando para
ela, é tão surreal tudo que nos trouxe até aqui. Mais surreal ainda é ser amado
por ela e ela ser minha.
Agora eu estou sentado na primeira fileira, sem ela ao meu lado,
apenas seus pais me faziam companhia. A turma de Noah foi a última a se
apresentar. Durante a apresentação eu assisti Noah se emocionar, chorar e
sorrir orgulhosa do que as meninas de 16 anos se tornaram hoje com 18 anos.
Eu sempre soube que ela era capaz de atingir esse nível artístico sem precisar
dançar, mas presenciar isso todos os dias enquanto ela passa seu
conhecimento para as alunas, é como entrar em êxtase.
Quando a apresentação acabou, ela precisou sair e isso fazia parte do
meu planejado. Em instantes, ela estaria no palco e eu também.
— Temos a honra de receber no palco, uma das professoras à frente
da escola American Ballet Theatre, Noah Lee Clark! — O apresentador
anuncia e timidamente Noah sobe ao palco.
Ela estava estonteante em seu longo vestido na cor azul royal. Uma
cortina se fechou atrás de Noah e o apresentador a deixou sozinha e se
afastou, seu olhar se tornou confuso quando as luzes que iluminavam o palco
diminuíram.
Me levanto da cadeira e passo a mão em meu terno da cor grafite, o
ajeitando.
— Agora suba lá e não faça feio, caso contrário, eu te expulso dessa
família. — Grace brinca.
— Eu ainda não autorizei ele a fazer parte da nossa família. —
Conrad retruca, mas no fundo eu sabia que ele aprovava meu relacionamento
com Noah. Ele e o meu pai se tornaram grandes amigos, e Conrad, como
entende muito bem de finanças ocupa o meu lugar na empresa.
— Vocês me passam tanta confiança... — desdenho.
Ignorando a revirada de olhos de Grace e o resmungo de Conrad,
caminho até o palco junto de um funcionário do teatro que me levou até a
cortina que havia se fechado atrás de Noah. Não sei de Noah havia percebido
a movimentação na cortina atrás dela. A banda estava aqui e ela mal podia
esperar pelo o que estava por vir.
Tentei conter meu nervosismo e fiz um sinal para Tyrone que tocou o
primeiro acorde da música dela. Dessa vez eu não ia cantar, não haveria
vozes.
Nós seríamos a nossa própria música.
As cortinas devagar se abriam e as luzes aos poucos voltavam a
iluminar o palco. Noah se virou, seu olhar se tornou mais confuso ainda, ela
sorriu nervosa. Houve um burburinho na plateia e por segundos, eu havia me
esquecido que estávamos na frente de um grande público.
Caminhei devagar até ela, a música começou a ganhar vida e ritmo.
Seus olhos faziam perguntas silenciosas que eu não respondi, apenas estendi
a minha mão para que ela a pegasse. Hesitando, ela pegou e eu a puxei mais
para perto.
— Estamos dançando seu sonho, não? — respondo baixo, uma de
suas perguntas silenciosas.
Seus olhos azuis brilharam, lhe dei um meio sorrio antes de passar
meu braço entorno da sua cintura.
17 18
A soltei para que ela fizesse um Glissade , seguido de Assemblés a
observei fazer com todo cuidado e precaução para não colocar todo seu peso
19
no pé direito e o segundo que ela voltou, juntos fizemos o passo Temps lié .
20
E em seguida, eu segurei em sua mão e a preparei para um Tour , sua mão
se soltou da minha e ela girou para o lado oposto do meu.
Aproveitei o momento, abaixei e me ajoelhei, pronto para recebê-la
quando seus pés a trouxessem de volta do Tour. Quando seu corpo girou de
volta para mim, ela deu um sobressalto para trás surpresa. Eu não deveria
estar abaixado, eu deveria estar de pé para recebê-la.
Eu tirei a caixinha de veludo preta com o símbolo da Cartier do bolso
do meu terno e a abri, revelando o anel que levei meses para encontrar. O
anel possui três elos, cada um deles é reluzido por fileiras de diamantes. É um
anel da trindade, demorei para achar um anel que se encaixasse perfeitamente
em nós e quando o encontrei sabia que iria ficar perfeito na mão de Noah. A
cor rosa é para o amor, amarelo para fidelidade e branco para amizade. Tudo
o que nós construímos em dois anos.
A plateia ovacionou ao perceber o que estava acontecendo, Noah
cobriu os lábios com as mãos e seus olhos surpresos buscaram pelos meus.
Com a minha mão livre, eu busco pela mão de Noah que está trêmula
demonstrando o quão nervosa ela está.
Sorrio na intenção de lhe passar segurança e trago sua mão até meus
lábios, e a beijo ao mesmo tempo em que a afago.
— Você deve estar me achando um louco, eu sei e vejo isso em seus
olhos, mas eu precisava fazer isso — começo, não me importando muito de
estar sendo observado. — Eu sei que você em algum momento vai achar que
é cedo também, mas eu discordo. Em dois anos nós dois construímos juntos
mais coisas do que casais que estão há mais de uma década casados, todos os
dias nós nos descobrimos um no outro e exploramos coisas novas. Nós somos
cúmplices. Eu tenho certezas de muitas coisas na minha vida, Noah, e uma
delas, acima de todas as outras é você...
Noah balança a cabeça negativamente e afasta a mão da minha. Meu
corpo treme, minhas palavras pairaram no ar por um momento antes de os
olhos de Noah se alinharem com os meus.
— Eu preciso aceitar, preciso não, necessito! — Ela diz meu
cortando, e tirando de mim o tremor que estava começando a tomar conta do
meu corpo. — Meu avô dizia: case-se com alguém que realize seus sonhos e
não com alguém que corra deles. Você não só realizou cada sonho meu,
como os fez junto comigo. Você mudou a minha vida, Saint Rivers, e eu
quero que você continue mudando-a para sempre.
Levanto-me e seguro em seu queixo fazendo-a olhar para mim. Noah
tentava conter as lágrimas, que mesmo contra sua luta escaparam.
— Nossos sonhos agora serão únicos, Noah, viveremos cada um deles
juntos. Hoje, agora e para sempre — murmuro, ao encostar meus lábios em
sua bochecha, onde uma lágrima escorria. — Noah Lee Clark, você aceita se
tornar para sempre a minha bailarina, groupie, roadie ou o que for? Eu só
quero que você seja minha.
Eu sabia que a sua resposta era sim, mas eu precisava ouvi-la falar. Eu
venho sonhando com isso há meses.
— Se você não aceitar, eu aceito! — A voz de Valentina veio da
plateia, que explodiu em risos em seguida.
Noah olha para a plateia que em silêncio e expectativa, esperavam
junto comigo. Ela sorri e respira fundo antes de responder.
— Para sempre eu serei sua, apenas sua. Sua bailarina, sua groupie,
sua roadie e até mesmo a sua esposa. Eu aceito! — Noah sela a frase
pressionando os lábios contra os meus, em um beijo intenso e profundo.
Eu não precisava de mais nada, eu já a tinha e agora a tenho mais
ainda. Agora e para sempre.
Eu ando de um lado para o outro no backstage do show de Saint. Até
agora ele não sabe da minha presença aqui, a banda foi crescendo cada vez
mais e agora com dois discos lançados eles começaram uma turnê mundial.
Hoje eles estão em Londres e faz um mês completo que eu não vejo Saint em
carne e osso, no momento ligações e vídeos chamadas não contam muito.
— Senhora Rivers, há algo que eu possa fazer pela senhora? Você
está andando de um lado para o outro faz horas — Huck, um de muitos
roadies da banda, me pergunta.
Olho para ele torcendo meu lábio, eu não havia percebido que eu
estava há bastante tempo dessa forma. E o fato de ele me chamar de senhora
Rivers é um tanto opressor, ainda não nos casamos. Por causa da turnê,
adiamos o casamento. Com o crescimento da banda, veio o sucesso e com o
sucesso veio as fãs loucas e alucinadas.
Eu juro que eu tento conter meus ciúmes, mas sempre que eu vejo
Saint chegar com sutiãs diferentes na volta da turnê eu surto, por mais que na
maioria das vezes eu saiba que ele traz de propósito para me irritar. Tento ser
bastante compreensiva em relação às groupies, embora haja fãs que eu tenho
vontade de abraçar e dizer: vamos ser amigas! De tão atenciosas que são com
os meus meninos.
— Senhora Rivers? — Mais uma vez Huck me acorda dos meus
pensamentos.
Balanço a cabeça acordando-me do transe e olho para ele. Sorrio
constrangida, eu divago demais quando estou aflita e acho que eu preciso de
um doce.
Doce. Saint é contra eu comer doces escondida dele. Depois que
comecei o tratamento da minha ansiedade, doces só são permitidos quando as
ocasiões são especiais ou quando nem os beijos que ele me dá é capaz de me
conter.
— Eu estou bem, Huck. Será que há doces por aqui? — pergunto,
olhando para a mesa farta à minha volta.
Os meninos comem de tudo e doce não é algo incluso nesse tudo.
— Aqui não, mas posso providenciar — ele informa.
Balanço a cabeça assentindo, isso seria maravilhoso. Preciso
urgentemente de doces.
— Seria muito gentil da sua parte — digo, sorrindo.
— Eu volto em um instante — ele diz, saindo do camarim.
Esse instante se tornou mais do que um simples instante. Eu já tinha
comido um pouco de tudo que havia na mesa, pão, bolo, croissants, frutas e
bebido todo o suco da jarra.
Corbyn também não aparece mais depois que me trouxe até o
camarim, os gritos histéricos vindos do show afastam a vontade de doce que
eu estava tendo. Se Huck não vai me ajudar a lidar com a minha ansiedade,
eu mesma vou resolver o meu problema.
Caminho em passos firmes até a porta, e, quando a abro, os gritos se
tornam mais reais e intensos. Quanto mais eu ando em direção ao palco, mais
intenso os gritos se tornam. Eu sempre me pergunto como os meninos
conseguem lidar com isso, mas então me lembro que essa é a vida deles e
eles se acostumaram tão rápido com isso quanto com a fama.
— Hey, Noah, você por aqui. — Walter, outro roadie acena para
mim.
Ele é um senhor de meia idade e é encantado pelos meninos. Desde
que a banda começou a fluir, ele os acompanha para cima e para baixo junto
com Corbyn.
— Walter, será que você pode me ajudar em algo? — pergunto. Ele
assente e eu lhe dou o meu melhor sorriso antes de começar a explicá-lo o
que eu quero fazer.
Gritos desesperados e coro de vozes cantando nossas músicas é o que
eu ouço no momento. Coisas não param de ser arremessadas no palco e John,
que se exibe no baixo, ao se aproximar da ponta do palco tenta desviar de
cada item atirado.
A música acaba e a próxima da setlist é uma das partes favoritas do
show. É quando mais interagimos com a plateia. Ela canta, grita e nos
corresponde da forma que exatamente esperamos.
— Londres, vocês estão preparados? — eu pergunto.
Se elas respondem que sim, esse sim se torna desconexo em meio à
multidão de gritos. E isso é o mais contagiante, a euforia nos passa muita
confiança e nos mostra que o caminho em que trilhamos está certo.
Então, quando começo a cantar, aquele grito de empolgação se
intensifica. Eu paro de tocar a minha guitarra, afasto o microfone da boca e
estico-o na direção da multidão de pessoas. Mas não é somente a voz da
plateia que eu ouço, uma voz fina e desafinada chama a minha atenção ao
cantar o refrão.

Eu quero ser o vento ao dizer enquanto sopra


Eu quero ser o tempo ao dizer
Que você é a melhor canção que eu sei fazer
Ainda estou aqui, e eu quero ser
O motivo da sua insônia

Meu pescoço se vira automaticamente e eu me deparo com Noah


caminhando em minha direção cantando. Eu não estou me importando com o
quanto ela está cantando mal e desafinadamente, pois vê-la tão de perto
depois de um mês longe é mais importante do que qualquer coisa.
Olho para os meninos e John balbucia algo como: tire o microfone da
mão dela já. Noah não é lá uma excelente cantora, sua voz é de doer os
ouvidos para muitos, mas para mim ela é perfeita.
Fico parado estático vendo o corpo dela se mover até chegar próxima
à mim, e tomo o microfone da sua mão. Apesar de enxergar em seus olhos o
quanto está aflita, eu não posso deixar de sorrir pela sua coragem de subir ao
palco e cantar sem se importar se iria se sair bem ou não. Eu considero isso
como uma prova de amor.
Noah me impressiona mais a cada dia, mês e ano que passa. E embora
estejamos há quase quatro anos juntos, ela ainda é capaz de me surpreender
cada vez mais.
Eu a abraço, não há saudade que caiba em um abraço, mas é a
primeira coisa que me vem à cabeça nesse momento. A multidão grita ainda
mais forte, Noah treme e me abraça ainda mais apertado, os gritos fazem ela
cair em si.
— Bem-vinda ao palco, bailarina — murmuro no pé do seu ouvido.
Ela se afasta do meu aperto e pega novamente o microfone da minha
mão. Ouço o grito leve e baixo de Matthew dizendo um não e rindo. Olho
para ele e dou de ombros, o que eu posso fazer? Essa mulher me tem e
Valentina canta tão mal quanto Noah.
Nós cantamos sempre que estamos de volta em casa no karaokê que
Valentina inventou de colocar no bar. Quando as pessoas vão embora e os
funcionários também, nós fazemos a nossa própria festa. A diversão é claro
que é elas cantando e alcançando a menor pontuação.
— Não dá para competir com uma banda, nossa pontuação é inválida
na presença de vocês. Portanto, somente a minha pontuação e a de Noah é
válida. A de vocês é nula — Valentina disse.
O nome disso é trapaça.
— Desculpa, gente, mas eu precisava fazer isso — a voz de Noah me
traz de volta para a realidade. — Estou a mais de meia hora esperando por
doces e acho que foram produzi-los, eu precisava estar aqui e hoje é um dia
especial. Na verdade, todos os dias são especiais, mas esse é incomum.
Ela está olhando para a plateia, então se vira para mim e segura e
minha mão esquerda, na direita eu seguro o meu microfone.
Afago a sua mão gélida e trêmula. Doces, ela precisava de ao menos
uma pontinha de chocolate para conter a ansiedade. Eu pensava que o normal
seria dar chocolates às mulheres quando estão no período menstrual, mas
com Noah é o contrário, tenho que dar quando ela está ansiosa, nervosa e
triste com alguma coisa.
E nesse momento ela está longe de estar triste, apenas nervosa e
ansiosa.
— Eu infringi umas ordens para estar aqui hoje à noite e talvez você
vá brigar comigo depois sobre isso, mas eu precisava estar aqui. Não teria
sentido comemorar sobre isso sem você por perto, então — ela faz uma
pausa, solta a minha mão e busca algo no bolso do jeans.
É uma paleta nova. Eu ainda tenho a que ela me deu de presente anos
atrás, é simbólica e de sorte, a uso em todos os shows.
— Eu precisava trazer isso, e sei que vocês estão pensando “nossa ela
interrompeu o show com essa voz horrível para entregar uma paleta”. Tudo
bem se pensarem assim, mas não é uma paleta simples, é a nossa paleta para
você — ela completa, olhando diretamente em meus olhos e coloca na palma
da minha mão a paleta.
Desvio meu olhar do dela, e olho para a paleta de metal em minha
mão. Diferente da outra, não há nada de diferente nela.
— Vire-a — Noah sussurra.
A multidão não está em completo silêncio, apenas se ouve
burburinhos, mas parece que de alguma forma eles estão respeitando nosso
momento.
Viro a paleta e palavras me falham ao ler as palavras gravadas nela.
Pai, eu nunca vou deixá-lo aceitar cair, porque você é o nosso
mundo.
Pai. Essas três letras preenchem o meu coração e me faz querer gritar
para o mundo o que eu estou sentindo.
Sorrio olhando mais uma vez para a paleta e passo meu polegar nas
palavras gravadas. Desvio o olhar para Noah, e no mesmo momento em que
nossos olhos se encontram, consigo ver neles a mesma emoção que está
estampada nos meus.
Nós vamos ter um bebê.
— Noah, isso é... — Eu não tenho palavras que expressem o quanto
essa notícia me deixou feliz.
— Eu sei.
E isso é uma das coisas que mais amo nela, a forma que ela me lê, me
entende e me acolhe sem ao menos eu precisar dizer em voz alta.
Eu não contenho a minha alegria, solto o microfone no chão, a pego
no colo e giro seu corpo no ar. O som do seu riso ecoa em meus ouvidos e
quando a coloco de volta no chão, eu a beijo. Isso foi o suficiente para levar o
público a loucura.
— Você tem um show para terminar e eu espero encontrar meus
doces quando voltar ao camarim — ela murmura ao afastar nossos lábios.
— Huh, doces? Podemos fazer isso juntos no fim do show — sugiro,
mesmo sabendo que ela irá comer mesmo assim.
— Acho que hoje eu posso dividir um pouco com você. Eu te amo,
Saint Rivers — ela sussurra baixinho, o suficiente para que eu possa ouvi-la e
o suficiente para fazer meu coração parar.
— Eu te amo, futura mamãe Rivers — retruco.
Timidamente ela sorri e pela última vez gruda seus lábios nos meus.
Eu exalo o cheiro doce de Noah e degusto do sabor dos seus lábios antes de
ela me afastar.
— Agora volte ao show e cante para mim!
E eu cantarei para ela nesse show, assim como canto todos esses anos,
e cantarei para ela e nossos filhos nos anos que virão. Porque amar Noah se
tornou parte do ar que eu respiro e tê-la foi o meu prêmio no final de tudo.
Noah Clark é a minha batida perfeita e será assim pelo resto de
nossas vidas.
Esse é aquele momento em que você para e pensar que tem muito
mais a agradecer do que imaginava.
Em primeiro lugar agradeço a Deus por me permitir fazer o que eu
mais amo todos os dias, escrever. Agradeço a Ele por no momento de
fraqueza ter me dado forças para continuar, quando o que eu mais queria era
desistir.
Agradeço a todos que me acompanharam nessa nova jornada, por me
apoiarem e estarem aqui. Se você chegou até aqui e está lendo isso sinta-se
abraçada, essa é a minha forma de demonstrar gratidão por você ter me dado
uma chance ao ler Batida Perfeita.
Agradeço aos meus leitores do Wattpad e as minhas amigas do meu
grupo de livros do WhatsApp, sim, amigas. Nós temos muito mais do que um
relacionamento de autor/leitor. Agradeço principalmente por estarem comigo,
me apoiarem em minhas escolhas (até mesmo quando isso as fazem sofrer no
final), por vibrarem e torcerem comigo. Eu sou grata por cada uma de vocês
alegrarem meus dias.
Obrigada por estarem comigo mais uma vez nessa jornada, e que ao
meu lado vocês permaneçam sempre.
Notas

[←1]
Demi significa METADE. É usado em alguns passos de ballet quando nos referimos a
uma versão menor de um mesmo passo.
[←2]
Como o nome já diz ele é maior, grande! Uma flexão de joelhos mais profunda. Neste
caso, o calcanhar pode sair, levemente, do chão. Mas não pode subir no máximo da sua meia
ponta.
[←3]
Espacate, espargata ou espagata (do italiano spaccata) é um movimento ginástico que
consiste em abrir as pernas de modo que estas formem um ângulo de 180° e fiquem paralelas ao
solo.
[←4]
Arabesque indica uma posição do corpo onde o dançarino fica apoiado em uma das
pernas, enquanto a outra perna se estende por trás do corpo, com os joelhos esticados.
[←5]
Da fazenda para a mesa.
[←6]
Groupie é uma pessoa que busca intimidade emocional e/ou sexual com um músico.
[←7]
Tutu italiano: é uma sobreposição de saias curtas e rígidas, em forma de pétalas ao redor
do quadril do bailarino e deixando expostas as pernas.
[←8]
Monstrinha do papai.
[←9]
Por que tão séria meu amor?
[←10]
Satine, personagem de Nicole Kidman em Moulin.
[←11]
Me recuso a cair.
[←12]
Rodar. Pequenos "tours", em geral feitos em séries, em que o bailarino executa pequenas
voltas, transferindo o peso do corpo de uma perna para outra.
[←13]
As Tendinopatias são lesões dos tendões originárias de esforços repetitivos e constantes,
que acabam por desgastar os tendões e fazer esses perderem sua capacidade de resistir à tração
adequadamente. Mais conhecido como tendinite.
[←14]
O Fun Fun Fun Fest é um festival de música e comédia que ocorre em Austin nos Estados
Unidos, durante três dias.
[←15]
Groupie é um termo em inglês utilizado para caracterizar jovens mulheres que admiram
um cantor, de música pop ou rock, seguindo-o em suas viagens, em busca de um envolvimento
emocional ou sexual com o seu ídolo.
[←16]
São os técnicos ou pessoal de apoio que viajam com uma banda em turnê.
[←17]
Um passo saltado onde o pé que trabalha desliza da quinta posição na posição escolhida,
com o outro pé fechado.
[←18]
Um passo saltitante onde o dançarino empurra uma perna para cima e para fora para a
frente, lado ou trás, no mesmo tempo saltando com a outra, e trazendo as duas pernas juntas no
ar antes de aterrissarem.
[←19]
Tempo ligado. Sequência de movimentos que se ligam suavemente uns aos outros.
[←20]
Volta, giro do corpo.
Table of Contents
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
CapítulO 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Epílogo
Agradecimentos

Você também pode gostar