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EXAME Março/2000

A empresa do novo milênio


David Cohen

1 - O MUNDO INSTÁVEL: COMO ISSO AFETA A VIDA DAS CORPORAÇÕES


David Cohen

As revoluções de maior impacto para a humanidade acontecem, num primeiro momento, sem
que as pessoas se dêem conta de sua profundidade. Foi provavelmente assim com a descoberta do
fogo, com a domesticação dos animais e com a entrada na era da agricultura. Foi assim na época
das grandes navegações e nas duas fases da revolução industrial (primeiro com a máquina a vapor
e depois com a eletricidade). Está sendo assim, novamente, com o que vários estudiosos
denominam de revolução da informação, um termo que abrange o uso de computadores, a
globalização, a desregulamentação e mesmo uma esperada segunda fase revolucionária, a era da
biotecnologia.
Já se tornou uma espécie de lugar-comum dizer que o mundo em que vivemos hoje é caótico,
mas é da própria natureza das revoluções reordenar o funcionamento das coisas - e nessa
reorganização criar um período de instabilidade. Este é certamente um mundo menos estável do que
no passado, menos rígido, menos seguro, menos previsível, e essa instabilidade já permeia toda a
sociedade:
• Na maior economia do planeta, os Estados Unidos (com 250 milhões de habitantes), cerca
de 26 milhões de pessoas mudam de emprego a cada ano e 42 milhões de pessoas mudam de
casa, um terço delas saindo da cidade.
• Na Inglaterra e nos EUA, um em cada dois casamentos termina em divórcio. No Brasil, um
em cada quatro.
• Filhos fora do casamento representam cerca de 25% de todos os nascimentos na Suécia e
cerca de 50% entre os negros americanos.
• A lista dos 400 americanos mais ricos, feita pela revista Forbes, costuma ter 10% de novos
integrantes anualmente. Este ano, teve 20%.
• No ano passado, leitores da revista VIP elegeram as 100 mulheres mais desejadas do
mundo. Na edição deste ano, um terço delas saiu da lista.
Nada parece sobreviver muito tempo, e as empresas não são exceção. O consultor Richard
Foster, da McKinsey, estudou 208 empresas durante 18 anos para identificar as que eram
consistentemente bem-sucedidas. Só três funcionaram durante os 18 anos. Metade não conseguiu
manter o ritmo por mais de dois anos. Um famoso estudo da Shell verificou que um terço das
companhias listadas entre as 500 maiores da revista Fortune em 1970 tinha desaparecido em 1983.
Uma pesquisa recente de Ellen de Rooij, do Stratix Group, de Amsterdã, indica que a expectativa de
vida média de uma empresa, de qualquer tamanho, medida no Japão e na maior parte da Europa, é
de 12,5 anos. Na Internet, que prenuncia o futuro, o ciclo de vida das empresas é ainda menor. Só
uma minúscula parte dos sites lançados em 1993 ainda existe, segundo uma pesquisa do presidente
do Net Future Institute, Chuck Martin (autor do livro O Futuro da Internet, editora Makron Books), nos
arquivos do National Center for Supercomputing Applications, da Universidade de Illinois.

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Já não é nem absolutamente certo que uma empresa deva almejar a sobrevivência - pelo
menos nos moldes em que foi criada. Nos projetos para obtenção de capital de investidores nos
Estados Unidos, é necessário que conste o caminho de saída (way out) da empresa - que pode ser
o aporte de mais investimentos ou a abertura de capital na bolsa, mas também pode ser a
incorporação da companhia por outra, ou mesmo seu desmembramento. (É comum a trajetória de
empreendedores como o bioquímico Howard Birndorf, já na sua oitava companhia de biotecnologia,
e o engenheiro Gururaj Deshpande, descrito como "conservador" pela revista de negócios em
tecnologia Red Herring, que está na sua terceira empresa, a Sycamore, de fibras ópticas.) No dia-a-
dia das empresas, o horizonte estratégico típico de executivos, consultores e acadêmicos passou a
ser de um a dois anos, segundo uma pesquisa da consultoria americana Real World Strategist, em
vez dos quatro a dez anos da década passada. Da instabilidade na relação entre empresas e
empregados, então, nem se fala. Segundo Marcelo Mariaca, da Mariaca & Associates, 95% das
companhias americanas já dão opção de outplacement na hora da contratação. (Isso é mais ou
menos como determinar, no dia do casamento, o cartório em que será feito o divórcio.) Na década
de 70, 52,5% das empresas ofereciam outplacement. Nos anos 80, eram 80%.
Num mundo assim instável, "há um conforto perverso em olhar as organizações como sujeitas
às correntes do caos", dizem os consultores americanos Quinn Spitzer e Ron Evans, autores do livro
Heads, You Win (Cara ou Coroa), da editora Fireside, sobre as estratégias de algumas das melhores
companhias do mundo. Já que o futuro é caótico, os líderes se sentem absolvidos da
responsabilidade de planejar. Esse "conforto perverso" é a pior atitude para uma organização adotar.
A proposta desta reportagem, que inaugura uma série de sete artigos sobre a Empresa do Novo
Milênio, é arrancar a sua empresa - e a sua carreira - dessa zona de conforto.
Quando se abandonam algumas rotinas, o mundo pode parecer ameaçador. E as rotinas
estão definitivamente mudando. Em artigo no livro A Organização do Futuro, da Fundação Drucker
(editora Futura), o guru C.K. Prahalad, professor de administração da Universidade de Michigan,
enumera oito grandes mudanças no ambiente corporativo:
1 Ele passou de aconchegante a competitivo;
2 era local, virou global;
3 as empresas não competem mais com empresas similares a elas, mas com empresas totalmente
diferentes;
4 as fronteiras industriais, que eram claras, são incertas;
5 no lugar da estabilidade, entrou a volatilidade;
6 em vez de intermediários, importa o acesso direto: a logística tem um papel cada vez maior;
7 em vez da integração vertical, os especialistas; e
8 no lugar da herança simples, a múltipla: a integração da tecnologia química com eletrônica,
mecânica com eletrônica, farmacêutica com moda.

Tudo isso é muito ameaçador, mas é na mesma medida muito promissor. (Se uma empresa
de um ramo diferente da sua vai lançar um produto concorrente, por exemplo, também nada impede
que a sua empresa invada o terreno dos outros.) Estes são dias de milagres e maravilhas, e não
adianta chorar.

TUDO IGUAL, MAS DIFERENTE


Há quem diga, e não é pouca gente, que não existe revolução nenhuma, que o mundo está
como sempre esteve. Jeffrey Pfeffer, professor de comportamento organizacional da Escola de
Negócios de Stanford, diz que "há evidências de que o ambiente competitivo e a marcha da

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tecnologia foram ainda mais dinâmicos e estressantes em alguns períodos do passado". Segundo
Paulo Ferraz, presidente do banco Bozano, Simonsen, "o ritmo das mudanças não se alterou. Todos
os anos houve fatos que mudaram o curso do mundo". Eis alguns exemplos que reforçam essa
opinião:
• O número de fusões de empresas bate recorde sobre recorde, e a competição é tão
ferrenha, mas tão ferrenha, que a média de falências nos Estados Unidos chegou a 15 000 por ano.
(Não, isso não ocorreu na semana passada. Ocorreu no final do século 19.)
• Já não existe lealdade dos empregados, a tal ponto que uma fábrica de automóveis,
querendo dar um bônus de Natal aos trabalhadores com mais de três anos de casa, só achou 640
funcionários qualificados para o prêmio, de um total de 15 000. (Essa fábrica é da Ford, em Highland
Park, Michigan, e esse episódio ocorreu no ano de 1913.)
• Em cada vez mais empresas os trabalhadores são independentes e fazem acordos para
entregar parte do produto final e receber por unidade completada, em vez de vender seu tempo aos
patrões. (Esse sistema espalhou-se pela indústria têxtil no final do século 18.)
• Para melhorar a produtividade, empresas estão partindo para a distribuição de lucros com
os empregados. (A Procter & Gamble fez isso em 1887, e a estratégia da Levi's, do final dos anos
1980, foi reconhecidamente inspirada num modelo da década de 1940.)
• Um médico experiente envia os dados de uma consulta a um computador, e este lhe
responde que a dose de medicamento receitada à paciente pode ser letal. Furioso, o médico exige
explicações e, após três detalhamentos sucessivos, fica sabendo que um antigo problema nos rins
dela pode impedir a absorção normal da droga. A consulta ao computador salva a vida da paciente.
(Mesmo esse exemplo aparentemente futurista é um caso da década de 70, resultado de um
programa de um grupo de pesquisa do MIT.)
Mais: segundo Robert Eccles e Nitin Nohria, no livro Beyond the Hype (Além do Modismo), o
número de patentes por milhão de habitantes nos EUA foi maior no começo do século do que nos
anos 70 e 80.
É certo. Mas também é certo que no começo do século, entusiasmados com a descoberta da
eletricidade, vários inventores tentaram patentear máquinas de moto-perpétuo movidas a energia
elétrica. Eram tantos pedidos absurdos que em 1911 o escritório de patentes dos EUA passou a
requerer que as inscrições viessem acompanhadas de modelos do aparelho. O aumento do número
de invenções dos últimos anos é bem mais sustentado. De 1963 a 1975, o escritório de patentes
americano emitiu em média 48 571 patentes anualmente. Na década de 90, a média anual está por
volta de 60 000, um aumento de 23% (sem contar as cerca de 40 000 patentes estrangeiras anuais).
Segundo Michael Cox e Richard Alm, em artigo na Consumers' Research Magazine, o número de
cientistas e engenheiros trabalhando em pesquisa e desenvolvimento nos EUA dobrou desde os
anos 70 e o número de produtos novos por ano no mercado americano triplicou desde 1980.
Várias das mudanças de hoje são similares às de períodos do passado, e isso não é de
estranhar. "O Mercado da Informação vai transformar nossa sociedade no século 21 tão
significativamente quanto as duas revoluções industriais, estabelecendo-se como a terceira
revolução da história moderna. Não devemos temê-la mais nem menos que as outras foram
temidas, porque ela carrega promessas e ameaças similares", diz Michael Dertouzos, chefe do
Laboratório de Ciência da Computação do MIT, em seu livro O Que Será (Companhia das Letras).
Mesmo assim, algo mudou, e mudou muito. Não importa tanto saber se as inovações são
construídas a partir de avanços do passado. O que interessa é que estamos vivendo hoje uma nova
lógica, e as empresas bem-sucedidas do próximo milênio vão ter que lidar obrigatoriamente com

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essa lógica. (As mudanças podem parecer com as do passado, mas sua natureza é diferente. A
distribuição de lucros, por exemplo, era e ainda é em parte um prêmio pela produtividade, mas torna-
se a passos largos uma forma de sociedade, um novo tipo de relação entre patrões e empregados.)

MAIS MUDANÇAS: 20 ANOS EM 5


Afinal, estamos no meio de uma revolução ou isso é apenas o progresso cumulativo da
tecnologia e das formas de organização? Para o paleontólogo Stephen J. Gould, autor de vários
livros sobre evolução, "a história da vida é uma série de situações estáveis, pontuadas em intervalos
raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxima
era estável". Gould acredita que o final do século 20 é um desses raros períodos. "Nós da Andersen
Consulting acreditamos que haverá mais mudanças nos próximos cinco anos do que houve nos
últimos 20", diz o consultor Robert Baldock, autor do livro Destination Z, que traça panoramas para o
futuro das empresas.
O que normalmente se chama de revolução industrial é um período que se estende por 100
anos. É claro que há uma boa dose de invenção dos historiadores na delimitação das "revoluções",
mas as transformações em progresso material e deslocamento social foram tão grandes, como
justifica o historiador R.J. Forbes, num ensaio de 1958, que, no conjunto, podem ser descritas como
revolucionárias.
O mesmo se espera da época da informação. Na revolução industrial, a produtividade triplicou
entre 1890 e 1960 nos EUA. "Suspeito que podemos ver resultados similares agora", diz Dertouzos,
do MIT. "Em apenas três anos, entre 1959 e 1962, os preços dos semicondutores caíram 85%, e
nos dez anos seguintes a produção aumentou em 20 vezes. A título de comparação, foram
necessários 70 anos (de 1780 a 1850) para que o preço do tecido de algodão caísse 85% na
Inglaterra durante a revolução industrial", diz. Em algumas atividades, como desenho mecânico, já
se podem medir ganhos de produtividade de 200%. Um prédio moderno, projetado com o auxílio de
programas de computação, pode passar do planejamento às obras em dois ou três meses, um terço
do tempo do começo da década. O aumento de produtividade geral das empresas americanas, que
andou por volta de 1,1% ao ano durante 20 anos, praticamente dobrou a partir de 1995, para 2,1%
ao ano. Ainda é muito pouco, especialmente porque esse índice é a média entre um aumento de
produtividade de 40% em setores da informática e o mesmo 1,1% de antes em amplos setores ainda
intocados pela era da informação. (No Brasil, a produtividade cresceu em média 7,5% ao ano nesta
década, com apoio da estabilização e da abertura, mas há que levar em conta a base da "década
perdida" dos anos 80). "Para saber o impacto geral do Mercado da Informação na economia, vamos
ter que esperar até que uma parte maior do Mercado esteja atuando e mostrando seus resultados
em cada área econômica", afirma Dertouzos.
É difícil avaliar a revolução que estamos vivendo porque é difícil precisar a sua origem. Há
pelo menos três grandes vertentes que vêm se desenvolvendo há décadas e que se realimentam,
tornando o mundo muito diferente do que era. A primeira é o computador, que chegou às
corporações em 1954 e virou febre depois da invenção do microprocessador, em 1970. Desde
então, as empresas americanas já gastaram 2 trilhões de dólares em informatização. No auge do
encantamento tecnológico, nos anos 80, supunha-se que a informatização fosse revolucionar
sozinha todo o mundo corporativo, mas o que se viu foi que, sem transformações organizacionais, a
tecnologia agravou os problemas de burocracia e rigidez das empresas, em vez de solucioná-los.
Uma pesquisa de Paul Strassman, ex-chefe de informação do Pentágono, concluiu que o
computador tornava melhores as empresas bem administradas, e piores as mal administradas. "Em
retrospecto, parece óbvio", diz Dertouzos. "A tecnologia da informação age como uma lente
amplificadora dos pontos fortes e também dos pontos fracos de uma gestão."
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A segunda e a terceira vertentes são a globalização e a desregulamentação (em alguns
países, como o Brasil, caracterizada pela privatização e pela descentralização). De acordo com o
Centro de Estudos Prospectivos e de Informações Internacionais, ligado ao governo francês, a
proporção da produção industrial sob controle estrangeiro no mundo todo pulou de 13,2% em 1973
para 14,7% em 1980, 16,5% em 1988 e deve chegar a 24,8% no ano 2000. Um estudo do McKinsey
Global Institute feito em 1993 descobriu uma alta correlação entre um índice de globalização
(exposição à concorrência internacional) e a produtividade de nove setores analisados nos EUA,
Japão e Alemanha. Isso significa que o mundo está ficando menor, mais misturado e mais eficiente.
Essas três vertentes, combinadas ao longo do tempo, são responsáveis por uma evolução
atroz em toda a economia, desde o setor automobilístico até a criação de galinhas. (Em 1979, um
operário da Fiat produzia nove carros no mesmo tempo em que hoje são produzidos 69. Em 1988, a
Perdigão demorava 50 dias para fazer um frango chegar a 2,3 quilos. Hoje, a engorda leva 44 dias,
com um consumo de ração 15% menor.)
O lugar em que esses avanços socioeconômicos estão atingindo seu ápice é a Internet. É aí
que a tecnologia se encontra com a globalização e os progressos organizacionais de uma forma
jamais vista. Esse encontro permite vários tipos de revolução: nas comunicações internas, no modo
de se relacionar com os clientes e fornecedores, na própria natureza dos produtos da empresa, na
aplicação da tecnologia. A Internet não é só um Eldorado para as empresas arrojadas, ou um novo
continente aberto para as grandes navegações. Ela é o mais acabado símbolo de uma nova era, a
concretização de uma nova lógica de fazer negócios, de encarar a riqueza, de pensar o mundo.
Quem se recusar a enxergar essa nova lógica não estará perdendo o bonde da história - estará
amarrado nos trilhos à sua espera.

CAPITAL E TRABALHO: MAIS SEMELHANTES


Não há como prever as transformações que nos aguardam, mas uma coisa é certa: nesta
entrada do novo milênio, uma outra forma de riqueza está se impondo - o conhecimento e seu
instrumento, a inteligência. "Se tivéssemos sabido onde olhar, mesmo nos anos 50 poderíamos ter
visto a mudança de valor do capital para o conhecimento", diz o ex-executivo da Shell Arie de Geus,
em seu livro A Empresa Viva (Editora Campus)."Isso ficou visível no aumento de valor das
companhias pobres de bens e ricas de cérebros e sociedades: firmas de auditoria internacionais,
consultorias, propaganda e mídia." Essa mudança hoje se percebe na cotação em bolsa de
companhias como Microsoft, Yahoo! ou Amazon.com, na rapidez com que alguns empresários
digitais se tornam milionários e na valorização da criatividade em indústrias antes caracterizadas
pela rotina da linha de produção.
Pensando bem, essa nova percepção do conhecimento não provoca assim taaantas
mudanças na economia. Só duas: muda o capital e muda o trabalho. No mundo do conhecimento,
eles estão ficando menos antagônicos e muito mais parecidos em seu funcionamento. Capital é
cada vez mais o capital intelectual, capital de relacionamentos, capital de marca, capital da
informação. E trabalho é cada vez mais a capacidade de gerar e gerir idéias, de conectar-se a outros
trabalhadores e a clientes.
Isso altera tudo. Não apenas vão surgir novas empresas, mais digitais, não apenas vão surgir
novos trabalhadores, mais intelectualizados. Todo o mundo corporativo terá de ser repensado,
reestruturado, reinventado, desde as relações com empregados e fornecedores até o uso da
tecnologia, o marketing e as práticas de contabilidade. O que você faz agora, qualquer que seja o
seu cargo, qualquer que seja a sua empresa, vai sofrer mudanças profundas. Na nova economia,
funciona uma nova lógica - que produz algumas histórias pitorescas, mas impactantes e reveladoras:

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• O indiano Kartik Ramakrishnan, de 28 anos, estudante de negócios da Universidade de
Stanford, alojou-se em julho no apartamento de um amigo que estava se mudando, na Califórnia.
Em janeiro, ele tinha montado uma empresa digital junto com o irmão, a Quiq, para fornecer
mecanismos de interação entre sites na Internet. Seu escritório consistia no quarto sem mobília
nenhuma, a não ser um colchão de 75 dólares, uma cadeira quebrada e uma mesinha de cabeceira,
onde ficava o computador. (O teclado tinha que ficar no colo dele.) Nesse "escritório", Kartik
recebeu, entrevistou e contratou um consultor da Booz Allen & Hamilton, que, para trabalhar para
Kartik, largou seu escritório no centro de São Francisco, com vista para a ponte Golden Gate e um
tipo diferente de mármore em cada elevador. Kartik entrevistou ainda outra consultora da Booz Allen,
a mesma que tentava contratar o amigo que lhe emprestou o apartamento. (Nenhum dos dois
conseguiu contratar seu alvo.)
• Outro aluno de Stanford, Rodrigo Sales, criou uma companhia chamada AuctionWatch.com,
um fórum de discussão para leilões, ao mesmo tempo que seguia o curso como estudante de tempo
integral. Há algumas semanas, conseguiu financiamento que avaliou sua empresa em 10 milhões de
dólares.
• Oki Matsumoto, sócio do grupo de investimentos Goldman Sachs no Japão, decidiu largar o
emprego no fim do ano passado, a poucos meses da abertura de capital da firma, que lhe prometia
uma participação avaliada em 20 milhões de dólares. Matsumoto disse que não podia ficar na
empresa - mesmo embolsando 20 milhões de dólares - porque tinha que aproveitar a "oportunidade
histórica" da desregulamentação do setor financeiro japonês, e abriu uma corretora on-line, a
Monex.
• Bill Burnham empregou-se na Booz Allen em 1993 e, para um de seus primeiros projetos,
fez uma pesquisa sobre as práticas bancárias on-line. Esse estudo acabou sendo publicado, e
Burnham tornou-se da noite para o dia um especialista em financiamento e comércio eletrônicos.
Logo foi contratado como analista por um banco, depois por outro, de mais prestígio, depois por um
terceiro, o CS First Boston, como analista-chefe de comércio eletrônico. Em agosto, segundo o Wall
Street Journal, deixou esse emprego, de 4 milhões de dólares anuais, para tornar-se sócio de um
fundo de capital de risco formado pelo Softbank.
• Nesse mundo novo, pelo menos enquanto ele é assim tão novo, uma empresa ter lucro
pode ser um dado irrelevante. O que importa é a "conquista de espaço" e o otimismo que isso gera
entre investidores para a possibilidade de lucros futuros, muitas vezes em outros negócios
relacionados à empresa. (Essa febre teve uma correção: a cotação das empresas digitais na bolsa
de Nova York caiu de 30% a 50%, do ano passado para este, e a "conquista de espaço" já é hoje
muito mais bem avaliada.)
Ainda há apego ao velho modo de pensar os negócios, é claro. Laércio Cosentino, presidente
da empresa de software de gestão Microsiga, diz que há companhias voltadas para a produção e
companhias voltadas para ter ganhos na bolsa. "Os critérios para valorização nem sempre são
lastreados na realidade", afirma. Mesmo assim, não sendo bobo nem nada, Cosentino já tratou de
arranjar um sócio internacional, para abrir capital em 2001. Empresas alemãs costumavam recusar-
se a vender ações na Bolsa de Nova York, alegando que a exigência de publicar relatórios
trimestrais distorcia as prioridades do negócio e afastava a gerência dos interesses adequados a
longo prazo. Toda essa argumentação foi por água abaixo quando a necessidade de capital para
financiar sua reestruturação e expansão obrigou a Daimler Benz a mudar de idéia. Por bem ou por
mal, todas as companhias terão que se render às mudanças que a nova economia está trazendo.

UMA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL?

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Espera-se que essas mudanças sejam tão profundas, tão radicais, que vários autores se
referem a esse novo mundo como a sociedade pós-industrial. Para o sociólogo Manuel Castells, é
bobagem. "Enquanto teorizamos sobre o pós-industrialismo, percebemos que estamos vivendo uma
das maiores ondas de industrialização da história, se utilizarmos um indicador simples como o
número absoluto de trabalhadores do setor industrial", afirmou em seu livro A Sociedade em Rede
(editora Paz e Terra).
Uma mesma idéia alimenta tanto os cenários otimistas quanto os pessimistas sobre o pós-
industrialismo: a idéia da automação, do progresso tecnológico, junto com a concentração de
produção nas mãos dos grandes conglomerados e o fim das barreiras de proteção a indústrias
locais. No cenário pessimista, os ricos ficam muito mais ricos e os pobres ficam na miséria, as
cidades voltam a ser muradas como na Itália medieval, as elites contratam exércitos particulares, os
Estados nacionais perdem poder e sentido, na medida em que já não conseguem arrecadar
impostos nem impor a lei. Um dos campeões dessa visão pessimista é Jeremy Rifkin, autor do livro
O Fim do Trabalho (Makron Books), de 1995, que prevê uma era de desemprego.
"A característica mais marcante de todos esses trabalhos prenunciadores de uma sociedade
sem emprego é que eles não oferecem dados rigorosos e coerentes para suas afirmações, contando
com recortes soltos de jornais, exemplos aleatórios de empresas de alguns países e setores e
argumentos do senso comum sobre o impacto 'óbvio' dos computadores no emprego", afirma
Castells, um intelectual respeitado que se esmerou em 12 anos de pesquisa para escrever seu
trabalho sobre a era da informação. (Conte-se a favor dos pesquisadores de recortes de jornais que,
nos 12 anos de estudos de Castells, o mundo mudou muito.)
"É no mínimo surpreendente ver o crédito que a mídia dá a livros como o de Rifkin,
anunciando o 'fim do emprego', publicado em um país (os EUA) onde, entre 1993 e 1996, foram
criados mais de 8 milhões de empregos", diz Castells. "De fato, o trabalho e o emprego passam por
transformações, mas o número de empregos remunerados no mundo, apesar da situação difícil da
Europa Ocidental, está em seu pico histórico mais alto e em expansão. As taxas de participação da
força de trabalho da população adulta estão se elevando em todos os lugares em virtude da
incorporação sem precedentes das mulheres no mercado de trabalho. Ignorar esses dados
elementares é ignorar nossa sociedade."
Ora, então não existe razão para essa angústia com o desemprego? Os pessimistas estão
totalmente errados? Não é bem assim. Uma das profissões que mais crescem nos EUA é a de
guarda de segurança. As previsões são entre 24% e 40% de crescimento de 1990 até 2005. Em São
Paulo, já se instalou até para a classe média o negócio de blindagem de carros. Quanto aos
empregos, há um dado mais preocupante: uma característica da economia de hoje é que, quando a
produção cai, o nível de emprego também cai, como sempre foi, mas, quando a produção volta a
subir, já não é mais automática a volta dos empregos, graças aos ganhos de produtividade.
Segundo um estudo da Comissão da União Européia, entre 1970 e 1992 a economia dos EUA
cresceu 70% e o nível de emprego, 49%. A economia japonesa cresceu 173% e o emprego, apenas
25%. A da União Européia cresceu 81% e seus empregos, só 9%.
Como aponta Castells, a questão não é que o emprego esteja acabando, mas sim que ele
está mudando. Primeiro, está mudando geograficamente, para onde é mais barato, por efeito da
globalização e da desregulamentação. Em segundo lugar, o emprego está mudando de natureza. Há
um trabalho mais inteligente em campo, e a mão-de-obra tradicional está ficando sem opção. São
Paulo, cujos índices de desemprego estão perto dos 20% (pelo método do Dieese), também viu
crescer a remuneração nesta década, e os salários na capital corporativa do país são hoje 40%
maiores do que a média nacional.

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É aí que entra a visão dos otimistas. "A sociedade pós-industrial produz bens imateriais:
informação, serviços, ética, estética", disse Domenico De Masi, em palestra em São Paulo. "Isso não
significa menos bens materiais, significa menos gente envolvida com isso, mas com até mais
produtos." Curiosamente, é um argumento parecido com o que Karl Marx escreveu em 1857: "É
chegado o tempo em que os homens não mais farão o que as máquinas podem fazer". Por esse
raciocínio, a atual ansiedade pela perda de empregos é similar à do final do século 19, quando a
agricultura foi sendo mecanizada. Nos EUA, 4,4 milhões de trabalhadores rurais perderam o
emprego, mas nos 100 anos seguintes foram criados 100 milhões de postos no país.
"Em linhas gerais, cada vez que a inovação tecnológica e estrutural permite transferir o
esforço humano para as máquinas, surgem duas análises diferentes: num primeiro momento, o
fenômeno é percebido como desemprego e como ameaça ao equilíbrio social; apenas num segundo
tempo é percebido como libertação da escravidão do trabalho, da carestia e da tradição", afirma De
Masi, no livro Desenvolvimento sem Trabalho, da editora Esfera. Numa perspectiva histórica, a luta
pela manutenção dos empregos em fábricas é ilógica. Como dizem James Dale Davidson e William
Rees-Mogg, em The Sovereign Individual (O Indivíduo Soberano): "Se ouvirmos os críticos da
época, o advento dos empregos nas fábricas era um mal sem precedentes e uma exploração da
classe trabalhadora. Mas agora parece que a única coisa pior do que o advento dos empregos em
fábricas é o seu desaparecimento. Os bisnetos daqueles que reclamavam da introdução dos
empregos em fábricas estão agora reclamando da diminuição desses empregos, que oferecem altos
salários para trabalhadores pouco habilitados". Mal comparando, seria como se os escravos
libertados em 1888 no Brasil se ressentissem da sua expulsão da senzala - o que de fato aconteceu,
especialmente entre os escravos velhos, que, tendo de enfrentar o racismo, não tinham para onde ir
nem como trabalhar.

EMPREGOS DO FUTURO
De acordo com os jornalistas do Wall Street Journal Bob Davis e David Wessel, autores de
um livro com o sugestivo título de Prosperity, não há motivo para se preocupar: "Assim como a
riqueza de hoje permite que se empreguem pessoas em serviços que ninguém imaginava no
passado, novos empregos de serviços vão substituir os empregos de fábrica nos próximos anos". As
pessoas ficam angustiadas porque não vêem esses empregos substitutos, mas elas só não os vêem
porque eles ainda vão ser criados.
Não são todos que concordam com essa visão cor-de-rosa. Dizem os críticos que, embora
isso sempre tenha sido verdade, desta vez não vai ser. Desta vez, dizem os pessimistas, não haverá
nova indústria para absorver os desempregados. A argumentação é que, se menos gente faz mais
coisas, as pessoas que sobraram ficam sem ter o que fazer. Essa lógica, embora poderosa, nunca
se comprovou na história da humanidade. Ela só faz sentido quando aplicada a universos finitos, em
que os recursos podem ser exauridos. Por exemplo, o uso vai fazer o petróleo acabar, o
desmatamento maior do que o plantio elimina as florestas. Essa lógica faz menos sentido quando se
trata de produtos, porque há uma capacidade humana ilimitada de criar novas necessidades e novas
formas de satisfazê-las. (Toda a expansão do setor industrial é uma prova disso.) Por isso, mesmo
que se faça muito mais com muito menos, sempre há mais a fazer. Num mundo dominado pela
produção de conhecimento, essa lógica faz ainda menos sentido, porque já não há sequer
dependência de produtos. (Aí entra como exemplo a expansão do setor de serviços.) Mais: no
mundo em que o conhecimento é um produto, a relação produção-consumo é totalmente alterada -
consumir deixa de ser sinônimo de fazer desaparecer. Quanto mais houver conhecimento, mais se
criará; quanto mais se gasta, mais se tem.

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A imaterialidade (com a rapidez e a flexibilidade vinculadas a ela) é um dos motivos da
desenfreada expansão da Internet, uma das maiores esperanças de criação de empregos do futuro.
Segundo o Global Internet Project, um grupo de comércio de computadores, a Internet criou 760 000
empregos nos EUA em 1996, quando começou a ser levada a sério pelo mundo corporativo. No ano
passado, a rede já tinha 1,2 milhão de empregos nos EUA. É mais ou menos assim que acontece:
ao fazer entrevista para contratação na empresa de software Siebel Systems, um jovem estava
sendo convidado para unir-se a uma companhia de 1 300 funcionários. Quando começou a
trabalhar, três meses depois, a empresa tinha 2 500 empregados.
Embora seja praticamente inquestionável que a nova economia representa um progresso, há
um problema sério: a falta de sincronia (o que alguns antropólogos apelidam de abismo cultural),
que acontece principalmente no mercado de trabalho. Quando uma indústria é substituída por outra,
em geral essa nova indústria gera mais riqueza. Se não fosse assim, a nova indústria não
suplantaria a primeira - e a história humana, desde a revolução da agricultura, comprova esse
raciocínio quase tautológico. O problema é que o trabalho nessa nova indústria é de natureza
diferente do anterior. Há mais oportunidades, mas, para os indivíduos moldados pela realidade
antiga, a adequação é, na maioria dos casos, difícil e dolorosa. Várias vezes, impossível. (É o que o
economista John Maynard Keynes definia como desemprego tecnológico: quando a eficiência
técnica se desenvolve num ritmo mais rápido que a capacidade da economia de encontrar novos
usos para o trabalho.) Surge daí o paradoxo do progresso. Ele é intrinsecamente bom, senão não
seria progresso, mas não necessariamente bom para os seus contemporâneos. Há toda uma
indústria da nostalgia que se baseia nessa falta de sincronia.
O melhor exemplo de abismo cultural vem da Bíblia. Quando Moisés liderou o povo hebreu na
fuga do Egito, segundo o relato bíblico, ficou vagando 40 anos no deserto. Não que Moisés fosse um
dos líderes mais indecisos da história da humanidade. (Era, sim, e isso talvez seja um excelente
exemplo para os que só acreditam nos homens de ação, mas não foi esse o motivo da demora.) A
justificativa para não levar seu povo à terra prometida era que uma geração de escravos não seria
capaz de criar uma nação livre. Era preciso esperar o nascimento de outra geração. O próprio
Moisés (mais uma lição para os líderes) nunca pisou na terra prometida.

QUEM É O DONO DA INTELIGÊNCIA?


Em tempos de grandes mudanças, a falta de sincronia produz um dramático desencontro
entre milhares de pessoas procurando empregos melhores e várias empresas com vagas que não
conseguem preencher. Não há solução mágica para esse problema: só uma mudança de
mentalidade, tanto das pessoas quanto das empresas, pode atenuá-lo. A chave é a educação
continuada, que exige, da parte das pessoas, desprendimento, humildade e disposição e, da parte
das empresas, uma nova percepção do que é investimento.
Não que as empresas devam sacrificar-se para arcar com o ônus social do progresso, não é
isso. Para qualquer corpo, biológico ou social, é apenas natural que a questão da sobrevivência
venha em primeiro lugar. Para prosperar no novo milênio, uma empresa terá que fazer o que sempre
teve que fazer: cuidar dos seus ativos. Acontece que os ativos mudaram. O bem mais valioso da
nova economia é a inteligência. Não que inteligência não fosse importante antes, ela sempre foi o
fator que determinou a vida ou a morte das empresas. O que mudou agora é que, pela primeira vez
na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no
sistema produtivo. Hoje não se criam apenas informações que agem sobre a tecnologia, criam-se
tecnologias para agir sobre a informação.

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Mudar de mentalidade é uma questão crucial para as empresas, porque a maior parte de seus
bens é levada embora, todos os dias, no fim do expediente, para as casas dos seus funcionários.
Como diz o ex-executivo tornado filósofo Charles Handy, em A Era do Paradoxo (Makron Books): "A
inteligência é uma forma instável de propriedade". Esses bens - a própria sobrevivência da empresa
- dependem agora de um novo tipo de investimento. "O modelo real da organização líder do século
21 não existe. Ela deverá ser em parte baseada em tecnologia, em parte em serviços para o cliente
e em parte numa escola para adultos", diz o consultor Glenn R. Jones, presidente da Jones
Education Networks.
No caminho para essa nova mentalidade, não há modelos do passado que possam ser
copiados. Na busca por inspiração, valem até comparações com o mercado amoroso - que sofreu
transformações radicais nas últimas décadas, de natureza semelhante à do ambiente corporativo.
(As mulheres passaram a ter voz ativa nesse mercado; os relacionamentos são mais flexíveis,
menos duradouros; a tradição e a rotina predeterminada foram substituídas pela busca da emoção e
do crescimento pessoal.) Um grande empresário, em conversa com jornalistas da EXAME no ano
passado, explicou assim a sua política de alianças e fusões: "Nós fazemos como os adolescentes,
primeiro 'ficamos' com alguém que nos atraia. Se for bom, começamos um namoro, que pode acabar
em casório ou ser apenas um caso".
Quase nenhuma empresa deixou de notar a nova importância do relacionamento com seus
funcionários. Não é à toa que já não se fala em departamento de recursos humanos. As empresas
andaram trocando esse nome por Gestão de Talentos, Departamento de Gente, Núcleo de Pessoas,
e por aí vai. É uma demonstração de boas intenções (ou um belo esforço de maquiagem), mas
ainda há muito caminho pela frente. Alguns dos mais fervorosos discursos sobre a importância do
capital humano foram proferidos pelo camarada Joseph Stalin - que, como se sabe, não era assim
tão camarada e costumava desenvolver seu precioso capital humano em gulags na Sibéria.
Charles Handy afirma: "Quando a inteligência é o principal ativo, a empresa torna-se mais
parecida com uma reunião de grupos de projetos, alguns bastante permanentes, outros temporários,
alguns, ainda, em aliança com outros grupos". Segundo ele, a empresa do futuro "será mais
parecida com um condomínio ou uma associação de moradores temporários reunidos para sua
conveniência mútua". Para o consultor de gestão Gifford Pinchot, a evolução das empresas tem três
fases: primeiro, a organização hierárquica, em que a ferramenta primordial é a delegação. Depois, a
organização como comunidade, em que as ferramentas-chave são visão e valores compartilhados.
E, finalmente, a organização como uma economia, quando as ferramentas são o empreendimento
interno livre, educação e liderança efetiva nos negócios centrais. Não é preciso acreditar
integralmente nessas utopias, mas que há uma clara tendência nessa direção, lá isso há. Motivação
virou palavra-chave na gestão de empresas. A professora de gestão da Harvard Business School
Rosabeth Moss Kanter enumera algumas ferramentas motivacionais:
Missão : A empresa deve ajudar as pessoas a crer na importância do trabalho;
Controle da agenda : Os subordinados devem ter tempo para trabalhar em projetos
queridos; os resultados, e não os procedimentos, devem ser enfatizados; trabalho e decisões devem
ser delegados;
Aprendizado : Um empregado deve sentir que o trabalho está fazendo sua capacidade
aumentar;
Reputação : A chance de aumentá-la é um grande motivador; e
Divisão da criação de valor : A recompensa pelos resultados deve ser justa.

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Na nova economia, jogar a favor dos funcionários é o melhor meio de obter retornos. "Quando
as pessoas estão engajadas em projetos criativos ou de solução de problemas, tendem a aparecer
todas as horas, pensar no projeto em suas horas de folga, investir vastas somas de energia física e
mental nele", diz Rosabeth.

DEU A LOUCA NO MUNDO? ASSUMA O CAOS


Se estamos num mundo imaterial, liberto de grande parte das amarras físicas, em que as
possibilidades crescem em progressão exponencial e a maior riqueza das empresas é a contribuição
das pessoas em conhecimento, riqueza essa que é ilimitada, deveríamos estar todos esfuziantes de
entusiasmo, não é? Mas nós somos uns idiotas, mesmo. Não é que conseguimos transformar todas
essas promessas maravilhosas do mundo moderno em uma fonte inesgotável de estresse?
Parece que os executivos estão liderando o campeonato da tensão. Basicamente, porque não
sabem como atender a todas as expectativas criadas pelo novo mundo dos negócios: as empresas
precisam ser globais e locais, pequenas e grandes, centralizadas em alguns momentos e
descentralizadas em outros. Os funcionários têm que ser ao mesmo tempo autônomos e integrantes
de equipe, e os gerentes devem delegar mais, mas também controlar mais. Fácil, não?
Uma pesquisa da consultoria Arthur D. Little, feita com 2 800 executivos de várias empresas,
identificou as principais tensões a que eles se sentem submetidos:
• têm que pensar a longo prazo, mas devem mostrar resultados imediatos;
• são cobrados por inovação, mas não podem perder eficiência;
• devem pensar em escala global, mas não podem perder de vista as responsabilidades
locais;
• têm que colaborar, mas também competir;
• têm que fazer os negócios crescerem, mas sem perda de desempenho;
• devem trabalhar em equipe, mas são cobrados por sua responsabilidade individual;
• têm que ser flexíveis, mas não podem deixar de seguir os padrões.
São os tais dos paradoxos da vida moderna. Como lidar com eles? José Elías Alvarez, diretor
de estratégia e prática organizacional da Arthur D. Little nos EUA, tem uma sugestão: assuma o
caos. "Quando chegar a uma encruzilhada, conquiste-a", afirma.
Para fazer isso, é preciso entender a natureza dos paradoxos. Segundo o dicionário de
filosofia da Universidade de Oxford, resolver um paradoxo envolve ou mostrar que há uma falha nas
premissas, ou que o raciocínio está errado, ou que a aparentemente inaceitável conclusão pode, na
verdade, ser tolerada. "Paradoxos são, portanto, importantes na filosofia, porque até que um deles
seja resolvido ele mostra que há algo no nosso raciocínio e nos nossos conceitos que nós não
estamos entendendo." Como diz o colunista do Wall Street Journal Thomas Petzinger, Jr., no seu
livro The New Pioneers (Os Novos Pioneiros): "Um paradoxo não é igual a uma contradição. Embora
pareçam incongruentes, ambos os termos de um paradoxo são verdadeiros em um nível superior".
É esse nível superior de entendimento que você e a sua empresa precisam buscar. Porque,
não se iluda, paradoxos e contradições fazem parte da natureza humana, e agora, mais do que
nunca, estão no cerne do mundo dos negócios.

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2 - AS QUALIDADES QUE VÃO DETERMINAR O SUCESSO OU O
FRACASSO DAS EMPRESAS
David Cohen

A simples existência de uma empresa pressupõe que ela tenha um mercado, um produto ou
serviço a oferecer e, claro, meios de produzir e transformar sua atividade em lucros e novos
investimentos. Em qualquer instante, são essas as características que definem a empresa: o que ela
faz, para quem faz, quanto faz. Mas as empresas também mudam, algumas vezes radicalmente. A
Nokia, que há duas décadas produzia papel, é agora líder do mercado de telefones celulares na
Europa. A Mitsui, que fabricava cortinas no século 17, foi cambista oficial do governo japonês no
século 18 e hoje está metida em quase todos os ramos de atividade empresarial (comércio, finanças
e manufatura). Ao longo do tempo, sobreviver e prosperar significa adaptar-se e mudar. Isso sempre
foi verdade. O que há de diferente nesta entrada do novo milênio é que o tempo encurtou. Mudanças
que apareciam em gerações agora surgem de um ano para outro.
Se lidamos com essa nova realidade - a inconstância da realidade -, uma outra dimensão das
empresas começa a ganhar importância: como elas fazem o que fazem, e por que fazem. Ganha
importância um outro tipo de características, qualidades intangíveis, incapazes de definir as
empresas em qualquer dado momento, mas que permitem que elas sobrevivam às mudanças. Ou,
mais que isso: que provoquem as mudanças e se alimentem delas. As qualidades mais importantes
para prosperar num mundo instável são virtualidade, conectividade, capacidade de adaptação,
rapidez, consciência, emoção e inovação.

• O mercado na contramão : A conexão permite um caminho de duas vias. O tradicional, do


fornecedor para a empresa e dela para o consumidor. E o inverso, do consumidor para a empresa e
desta para o fornecedor. Há dois fenômenos que reforçam esse caminho inverso. Primeiro, a
possibilidade tecnológica de unir a produção em massa ao mercado por encomenda. Segundo, a
concorrência pela atenção dos consumidores.
• A Chrysler está colocando todo o seu inventário de carros usados na rede. A Toyota quer
que seus clientes possam pedir o carro da fábrica com as especificações que quiserem, para ser
entregue duas semanas depois em uma concessionária.
• O serviço de notícias brasileiro NewsMiner permite que os assinantes escolham que tipo de
notícias querem receber.
• Algumas companhias da Internet nos EUA estão dando um PC para que o consumidor veja
anúncios.
Um dos cenários possíveis para o futuro é que consumidores participem do projeto dos
produtos que querem comprar e intermediários contatem as fábricas para montar os artigos ao gosto
do freguês. Você está preparado para passar o comando da sua empresa para os consumidores?

• Conexão pela Internet : Acessar a Internet não é sinônimo de conectar-se, mas é cada vez mais
uma condição necessária. A Internet acelera o processo. (Literalmente: multas por alta velocidade já
podem ser pagas em alta velocidade, em vários sites de departamentos de trânsito.) Algumas
estimativas sugerem que a quantidade de conteúdo da Web dobra a cada nove meses. A cada
segundo, sete pessoas se conectam à Internet pela primeira vez. Segundo a Forrester Research, os
negócios de empresa com empresa nos EUA atingiram 48 bilhões de dólares em 1998 e estão

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crescendo ao ritmo de 99% ao ano. O guru do marketing Philip Kotler diz que há sete modos de uma
empresa usar a Internet:
1 - Fazer pesquisa
2 - Dar informações: propaganda no site, apoio ao consumidor (ex.: PalmPilot), conselhos
(ex.: Natura), distribuição de música ou textos, gerenciamento de recursos humanos
(intranets), sistema de apoio a revendedores (ex.: Ford)
3 - Promover fóruns (como faz a Harley-Davidson, que incentiva a criação da comunidade de
consumidores de suas motos)
4 - Fazer treinamento
5 - Comprar e vender (Dell, Amazon, GE)
6 - Fazer leilão (eBay, GE)
7 - Entrega de bits (música, livros, pareceres técnicos)

O REAL É VIRTUAL
No segundo andar do prédio da Xerox, na Avenida Rodrigues Alves, no centro do Rio de
Janeiro, trabalham funcionários de 18 empresas. Não é um andar sublocado. Todos esses
funcionários prestam serviço para a Xerox, obedecem aos horários da Xerox, respondem a chefes
da Xerox. Mas são pagos por outras firmas. O contrário também é verdadeiro. A Xerox "invisível"
(um termo usado pela direção da companhia) já é maior do que a Xerox visível: dos seus 11 000
funcionários, 6 000 trabalham em outras companhias. Segundo o diretor superintendente Guilherme
Bettencourt, a tendência da Xerox é funcionar como um departamento dentro da empresa cliente.
Assim como a queda do Muro de Berlim, em 1989, representou a falência dos regimes
totalitários do Leste Europeu, um dos principais símbolos da revolução corporativa do novo milênio é
a demolição das fronteiras nas empresas. "Em vez das fronteiras rígidas das organizações de hoje,
entre departamentos, processos, produção, a organização do futuro terá fronteiras permeáveis,
como as membranas flexíveis e móveis de organismos vivos", diz o consultor Ron Ashkenas, da
Robert H. Shaffer & Associates.
A permeabilidade das fronteiras é a primeira característica de uma empresa virtual. Será cada
vez mais difícil dizer onde termina uma empresa e onde começa outra, se você trabalha em
desenvolvimento de produtos ou marketing, em vendas ou contabilidade. Essa empresa virtual, que
pode erguer e destruir paredes ao seu bel-prazer, tem a enorme vantagem de ser grande e pequena
ao mesmo tempo. É o caminho que estão seguindo várias grandes empresas, como Alcan e Rhodia,
separando seus centros corporativos das unidades operacionais - aqueles, preocupados com a
identidade da empresa, políticas gerais e busca de novas oportunidades; estas, com a produção e
inovação de serviços. É uma forma de atingir o tamanho ideal: grande para ganhar escala, pequena
para ter motivação de artesão.
No limite, a empresa pode se tornar efetivamente virtual, ou seja, imaterial. O exemplo mais
citado é a Cisco, empresa de equipamentos de telecomunicações. A Cisco praticamente não tem
fábricas, e 85% de suas vendas são feitas pela Internet. O que a Cisco faz é coordenar tecnologia,
produção terceirizada e marketing. Ou a Dell Computers, que vende quase 20 milhões de dólares
em computadores por dia, de seu site na rede. Os fornecedores da Dell têm acesso em tempo real
às informações sobre vendas, o que lhes permite organizar a produção de acordo com elas, e os
clientes podem se conectar à cadeia pela Internet, o que lhes permite acompanhar seu pedido desde
a fábrica até a entrega. Afinal, onde começa e onde termina a Dell?

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Certo, você pode achar que esses são exemplos do particularíssimo mundo da informática.
Vamos a um caso mais pé-no-chão: a Nike não tem nenhuma fábrica. A Nike não faz tênis. O que a
Nike faz é construir sua marca, coordenar a produção em fábricas associadas, escalonar a
distribuição. Ah, sim, e recolher os lucros. Há outros casos:
• A empresa de biotecnologia Monsanto tem uma extensão nos Estados Unidos: a Federal
Express. É a FedEx que transporta e estoca os contêineres da Monsanto. Ela tem até um serviço de
atendimento a clientes (e seus empregados atendem respondendo "Monsanto"). A FedEx recolhe as
dúvidas e as passa para uma equipe de especialistas, depois responde, fecha a venda, faz a
entrega dos produtos, cobra e manda a fatura.
• A Visa faz mais de 7 bilhões de transações por ano, um faturamento de 650 bilhões de
dólares, mas "pertence", se é que se pode usar esse termo, às mais de 20 000 instituições
financeiras que são suas clientes.
• A Aprilia, produtora italiana de motos, não fabrica uma única peça de motocicleta. Assim
como com a Benetton e a Gucci, quem fornece o produto que leva seu nome é uma rede de
pequenas empresas familiares, solução típica da Itália.
Nesse caminho para a virtualidade, não estamos falando apenas de terceirização. Às vezes o
trabalho é passado para o próprio cliente - como fazem as caixas automáticas dos bancos; como a
Tok Stok, cujos móveis são montados pelo próprio comprador; como o Shouldice Hospital, de
Toronto, faz com a preparação de pacientes para cirurgia de hérnia.
Também não é apenas desagregação da empresa em pedaços menores. Pensar virtualmente
é, em vez de ficar realocando seus bens, partir do princípio de não ter nenhum bem e buscar
justificativas para tudo o que tiver que possuir. O que importa na virtualidade não é a sua oposição
ao mundo físico. Até porque é no mundo físico que nós vivemos. O que importa é que ela permite a
exploração de um universo ilimitado, além de economias brutais em infra-estrutura e aumento de
eficiência.
No mundo com fronteiras mais permeáveis, também estão sendo demolidas as paredes entre
os setores industriais. A empresa americana Circuit City, que vendia rádios e amplificadores, passou
a vender carros usados. Nos países escandinavos, a Shell (aquela mesma, a companhia de
petróleo) é a maior vendedora de lingüiça embalada. Até os serviços e produtos estão sendo
invadidos por essa nova lógica da virtualidade. "Produto é só um meio de tirar nota fiscal. O que
importa é o conteúdo", diz o consultor José Carlos Teixeira Moreira, da JCTM Marketing Industrial. A
livraria virtual Borders e outras já estão investindo em máquinas que permitam imprimir na hora o
livro pedido pelo cliente, o que acabaria com a necessidade de estoques. A editora americana
Matthew Bender, que vendia por milhares de dólares enciclopédias ou CD-ROMs de referência para
advogados, agora usa a Internet para vender apenas as partes relevantes de informação, cobrando
de 6 a 35 dólares. Isso sem falar no padrão MP3, que possibilita a distribuição de música pela
Internet. É claro que não são todos os artigos que permitem essa desmaterialização, mas há uma
migração geral do produto para o relacionamento, e não é de hoje. Há muito a Gillette subsidia os
barbeadores, para vender lâminas. A Kodak praticamente deu a câmera Instamatic aos
consumidores, para vender filmes. E os filmes são baratos, para poder vender a revelação. No
mundo virtual, essa tendência se intensifica: menos importância do produto, mais do conteúdo e do
relacionamento.
Outra característica da virtualidade é a transparência. "Tudo o que você faz, numa sociedade
em que não há mais distinção entre o tempo de ação e de informação, deve ser publicável.
Transparência passou a ser precondição de sobrevivência", afirma o consultor Ricardo Guimarães,
da Guimarães Profissionais. Isso não é uma preocupação, é uma vantagem. Como diz Chuck

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Martin, no livro O Futuro da Internet (Makron), "quando o cliente se acostuma com o seu método, ele
dificilmente vai procurar outro". O mesmo vale para as parcerias.
Uma conseqüência da virtualidade, da falta de fronteiras seguras, é que a companhia não
promete mais tomar conta do empregado - o que é muito justo, porque essa promessa seria falsa e
vazia no mundo de hoje. Talvez até no mundo de ontem. Nos EUA e na Grã-Bretanha, a duração
média de um emprego continua a mesma desde a década passada, por volta de seis anos. Até o tão
decantado emprego vitalício no Japão só se aplicava a um terço dos trabalhadores do país, incluindo
o setor público. É bom que o novo discurso reconheça a realidade que de uma forma ou de outra
sempre esteve presente no mercado de trabalho, mas era camuflada por uma retórica paternalista:
cada um é livre e responsável pelos rumos de sua carreira. Não é um mundo perfeito, mas é um
mundo menos hipócrita.
Segundo Charles Handy, ex-professor de negócios da London Business School, a
organização de hoje é um lugar 20 por 80, em que apenas 20% das pessoas envolvidas são
empregados de horário integral. Os outros são fornecedores, contratantes, empregados de tempo
parcial ou profissionais auto-empregados. "Mais e mais, a organização é uma caixa de contratos, em
vez de uma casa para a vida toda para todas as pessoas." Talvez seja exagero, mas a Organização
para Cooperação e Desenvolvimento da Europa, OCDE, e a Organização Internacional do Trabalho,
OIT, relatam que o trabalho de meio expediente aumentou durante a década de 80 em praticamente
todos os países desenvolvidos, subindo cerca de 30% e alcançando 50 milhões de pessoas. Em
compensação, a taxa de auto-emprego nos EUA tem-se mantido estável em 8,5% nos últimos 40
anos, o que parece desmontar a difundida tese de uma futura sociedade de agentes livres. A maioria
de nós quer liberdade, mas quer também uma estrutura. Essa estrutura é a empresa. Não a velha
empresa compacta, mas a empresa virtual, que funciona cada vez mais na lógica da rede.

A LIBERDADE É CONECTADA
Por volta de 2003, daqui a pouco mais de três anos, pelo menos 40% das grandes
organizações vão adotar o sistema de empresa virtual, conectando não apenas sua cadeia de
fornecimento, mas toda a cadeia de valores. A previsão é do americano David Whitten, vice-
presidente de pesquisas do Gartner Group. "Isso traz desafios: modelos de negócios emergentes,
interdependências externas, redefinição de papéis e funções, invenção de novos processos", afirma
Whitten. "As empresas vão ter que migrar da infra-estrutura para a extra-estrutura." Em outras
palavras, vão ter que se conectar.
Alguns teóricos, como Allan Cohen, reitor da escola de negócios americana Babson College,
chamam isso de empresa estendida. É como funciona, em certa medida, a Wal-Mart. Quando os
fornecedores lhe enviam produtos, eles nem entram na empresa - são passados direto do caminhão
em que chegaram para o caminhão que os enviará a alguma loja. Um indício de que as empresas
caminham para a conectividade é a sua crescente integração. "Até o começo da década, não havia
pesquisa da indústria para medir a satisfação do distribuidor", diz Nelsom Marangoni, presidente da
Research International do Brasil. "Hoje, já nos encomendam pesquisas sobre satisfação do cliente
intermediário." Outra área em expansão são pesquisas encomendadas pela indústria para ajudar o
varejo a vender seus produtos.
Integração dificilmente pode ser um termo definido como novidade. O que é novo é que a
lógica das redes cruzou o ponto em que podia apenas ser citada como exemplo e tornou-se a
própria essência do mundo dos negócios. Segundo o sociólogo Manuel Castells, já não se pode
dizer que a economia mundial seja centrada nas empresas multinacionais. Mesmo que elas
continuem a exercer controle oligopolista conjunto sobre a maioria dos mercados, diz Castells, a

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maior parte das multinacionais participa e depende de diferentes redes, sejam de produtos,
processos ou países. Castells nota que a produção e as vendas na economia mundial mais do que
triplicaram nos últimos 30 anos, mas desde meados dos anos 60 a maioria das grandes empresas
americanas, européias e japonesas perdeu participação de mercado. O que vale, portanto, não é o
tamanho, mas a posição. O que define a importância de uma empresa é qual nó da rede ela ocupa,
que processos passam por ela, a quantos mercados, empresas ou clientes ela se conecta.
Há uma palavra japonesa que define bem essa conexão de empresas: keiretsu, que significa
literalmente "união sem cabeça". Este é o nome dado às redes de companhias japonesas
independentes que possuem parcelas umas das outras e trabalham juntas de vários modos. Isso
não é exclusividade dos orientais. A americana Pinnacle Alliance, por exemplo, uma empresa de
gestão de tecnologia da informação, é uma parceria entre Computer Sciences, Andersen Consulting,
AT&T Solutions e Bell Atlantic Network Integration. Os dois primeiros são inimigos ferozes no campo
da tecnologia da informação, os dois últimos são adversários inconciliáveis em telecomunicações.
Outra forma de integração é a da Chrysler. Ela reduziu seus fornecedores nos EUA, dos 2 500 da
década passada para 1 140, e passou a se envolver diretamente no desenvolvimento das peças.
Também a Coca-Cola está trocando o processo de engarrafamento no mundo todo. Saem as
pequenas empresas familiares e entram as multinacionais, das quais a Coca adquire participação
acionária.
Alguns outros exemplos de integração:
• Há seis anos, a Fiat pegou as prensas e funcionários de sua fábrica de Betim e levou tudo
para Ipatinga, a mais de 350 quilômetros de distância, para fazer suas chapas para carros dentro
da sede da Usiminas. O acordo agregou valor para o aço vendido pela Usiminas e economizou
espaço na fábrica da Fiat.
• Empresas farmacêuticas como Amgen, Novartis, Rhône-Poulenc e Roche têm participação
nos departamentos de pesquisa de pequenas empresas de biotecnologia. "Levando em conta que,
para uma nova molécula virar uma droga comercial, se passam em média 12 anos com gastos de
600 milhões de dólares, as companhias têm que estabelecer redes num mar de inovações", diz
Georges Haour, especialista em gestão tecnológica do Instituto Internacional de Desenvolvimento
de Gestão (IMD, com sede na Suíça).
• A Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que há quatro anos tinha 15 alunos fazendo
intercâmbio, hoje tem 75 (60% na Europa, 40% nos EUA). Segundo o diretor da escola, Alain
Stempfer, a GV tem parcerias com 43 universidades estrangeiras.
Criar essa integração é mais ou menos como estender a filosofia de trabalho em equipe para
fora da empresa. Para isso, é necessária outra mentalidade. Na empresa de equipamentos de
informática Bull do Brasil, o profissional de finanças requerido deixou de ser o especialista em
contabilidade e passou a ser um gestor de relacionamento administrativo-financeiro com o cliente.
Ninguém disse que integrar-se é fácil. Como afirma o ex-executivo da Shell Arie de Geus, no
livro A Empresa Viva (Campus), comportar-se com preocupações de ecossistema requer um salto
de fé: acreditar que você vai estar mais protegido pela harmonia e pelo companheirismo do que pela
territorialidade e pela força de vontade. Por mais que possa ser complicado esse salto de fé, não há
escolha. O mundo caminha para o outro lado do abismo. O exemplo mais claro, de novo, vem da
Internet. Um dos critérios que começam a se impor nos programas que listam páginas da Web é
ordená-las de acordo com o número de conexões que tenham. Quanto mais ligações com outras
páginas - de parceiros, de sites complementares, até de concorrentes -, mais bem colocada estará a
empresa na lista.

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Este é o paradoxo da coopetição (cooperação + competição), um termo inventado pelo
consultor americano James Moore em O Fim da Concorrência (Futura). "A forma tradicional de
pensar em concorrência é em termos de ofertas e mercados. Seu produto ou serviço é confrontado
com o do concorrente, e um deles vence. Mas o novo paradigma refere-se à criação de mercados.
Trata-se de definir e ajudar a modelar redes de contribuições e processos com a finalidade de tecer
novas e ricas tapeçarias econômicas", diz Moore. Alguns exemplos de coopetição:
• Cirurgiões de cinco hospitais da Nova Inglaterra (EUA) passaram todo o ano de 1996
observando uns aos outros e conversando sobre o seu trabalho. O resultado foi uma queda de
24% de mortes nas cirurgias de ponte de safena, o equivalente a 74 vidas salvas.
• Philips, Sony e outros competidores estão unidos desenvolvendo padrões tecnológicos
para discos ópticos. Em setembro, a IBM decidiu que vai passar a vender tecnologia para
empresas rivais.
• A United Airlines lançou um serviço para facilitar as combinações de vôos de seus
passageiros - e o serviço permite comprar a passagem e escolher uma poltrona também nas linhas
aéreas concorrentes.
Alianças serão o principal negócio de todas as companhias do novo milênio, em qualquer
ramo. (A IBM fez mais de 800 alianças nesta década. Metade do calhamaço de papéis sobre a mesa
do escritório de António Firmin, presidente do grupo de hotelaria e serviços Accor, é de projetos de
parcerias.) Ao comentar o trabalho que espera os executivos na nova economia, o guru da
administração C. K. Prahalad põe no alto da lista "conceber e executar estratégias complexas, não
só para ganhar lucro ou participação de mercado, mas para influenciar a evolução de padrões da
indústria e entrar em novos mercados". Essas estratégias podem ser seguidas pela empresa
sozinha, mas no mais das vezes terão de incorporar fornecedores, clientes, colaboradores e
concorrentes.

A FORÇA É ADAPTÁVEL
• A companhia sueca Stora tem sete séculos de existência. Já foi mina de cobre, já teve uma
organização militar que lutou contra o rei da Suécia, já explorou florestas, produziu aço, energia
hidrelétrica, e agora faz papel, polpa e produtos químicos. Suas tecnologias também mudaram, do
vapor para a combustão interna, para a eletricidade e agora para o microchip.
• Após 111 anos funcionando como companhia elétrica, a Westinghouse foi dissolvida em
1997 para se concentrar no grupo de mídia CBS.
• Supermercados britânicos começaram a vender gasolina, e agora detêm 25% das vendas
do produto no país. Em resposta, os postos estão abrindo lojinhas que vendem comida e outros
produtos. Na Escandinávia, a tendência foi tão longe que a Texaco abriu um posto de gasolina que
não vende gasolina.
• Quando fracassou no mercado o seu primeiro projeto, um hidroavião, a Boeing se
sustentou fabricando móveis.
• Para ser mais eficiente, a empresa de caminhões Schneider National inventou um sistema
de logística para economizar combustível e horas de trabalho. Mudou de ramo. Hoje vende o
sistema de logística, e entre seus clientes está a General Motors.
A idéia de adaptação de uma empresa se espelha no conceito darwiniano de evolução das
espécies - só sobrevivem aquelas que conseguem se adequar às mudanças do meio ambiente. Ser
adaptável é estar preparado para as mudanças. Mas como saber que mudanças virão? Segundo

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David Ingvar, ex-chefe do Departamento de Neurobiologia da Universidade de Lund, na Suécia, a
solução é criar "memórias do futuro". Ingvar diz que as pessoas estão constantemente fazendo
planos, fantasias, cenários, e as lembranças desses planos e conceitos têm para o cérebro a mesma
natureza das memórias de acontecimentos passados.
A forma mais efetiva de criar essas memórias do futuro é o planejamento de cenários.
"Aprender a focar cenários para o objetivo de um negócio foi a contribuição da Shell, no final dos
anos 60", afirma o ex-executivo da empresa Arie de Geus. "Os planejadores de cenário da Shell se
gabam, corretamente, de ter se preparado para as crises de 1973 e de 1979: o crescimento de
conservação de energia e a redução da demanda por petróleo, a evolução do movimento ambiental
global e até o colapso da União Soviética."
Para planejar bem, é preciso ter o máximo de visões discordantes, com o máximo de opiniões
heterodoxas - vindas de brincadeiras de crianças, visitas a museus, livros de história, mas sem
descuidar dos livros e revistas de negócios, das opiniões de especialistas e do pessoal interno. Uma
vez escritos, os cenários devem ser testados e quantificados com a ajuda de modelos de simulação
e bancos de dados, para restringir a atenção aos que são mais prováveis, consistentes e lógicos.
Houve um tempo em que se acreditava que preparar-se para o futuro era simplesmente
extrapolar as linhas dos gráficos para os anos seguintes. Chamava-se a isso de planejamento. No
mundo instável, esse futuro linear não chega nunca. Preparar-se para o futuro, hoje, é preparar-se
para o máximo de possibilidades.

A PERFEIÇÃO É RÁPIDA
Uma lenda chinesa conta a história de Chuang-tzu, um homem multitalentoso a quem o rei
pediu que fizesse o desenho de um caranguejo. Chuang-tzu respondeu que precisaria de cinco
anos, uma casa de campo e 12 servos. O rei concordou. Cinco anos mais tarde, o desenho não
estava nem começado. "Eu preciso de mais cinco anos", disse Chuang-tzu, e o novo prazo foi
concedido. Ao final desses dez anos, o rei voltou para cobrar a promessa. Chuang-tzu então pegou
seu pincel e, num instante, com uma simples riscadela, desenhou o caranguejo. O mais perfeito
caranguejo jamais visto.
Essa história é contada pelo escritor Italo Calvino no livro Seis Propostas para o Novo Milênio
(Companhia das Letras), representando o tipo de rapidez que ele recomendava para o século 21. É
claro que isso é uma lenda, e ainda por cima oriental, com sua tradicional ênfase na paciência. Mas
há um caso parecido, na vida real e no Ocidente.
Em 1877, o pintor americano James Whistler fez o quadro Noturno em Preto e Dourado: a
Queda do Foguete, para uma exposição britânica em Detroit. Sobre ele, o respeitado crítico John
Ruskin escreveu: "Já vi muita baboseira, mas nunca pensei que veria um artista pretensioso pedir
200 guinéus por jogar na cara do público um rastro de tinta". Whistler processou Ruskin por danos
morais. Durante o julgamento, ocorreu a seguinte altercação: "Você pede 200 guinéus pelo trabalho
de dois dias?", disse Ruskin. "Não. É pelo conhecimento que adquiri no trabalho de uma vida
inteira", respondeu Whistler, que acabou ganhando o processo. Mas, como isso era na vida real, a
indenização foi estipulada em meio centavo. As despesas do artista com a ação judicial ajudaram a
levá-lo à falência.
De qualquer forma, o conceito sobreviveu. E essa é a rapidez necessária para a sua empresa.
Como tê-la? Se você entrar na Honda ou em alguma outra empresa asiática durante uma sessão
Nimawashi, verá uma discussão acalorada de executivos exaltados. Pensará que está acontecendo
algo crucial e urgente. Mas a reunião se encerra sem nenhuma conclusão. Não há ações a serem
tomadas, nem recomendações. No dia seguinte, os executivos vão discutir novamente, e novamente
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não chegarão a nenhuma conclusão. É o que eles chamam de levantamento da situação. Discutem
por que estão fazendo o que fazem, quais são as ameaças e oportunidades que os rodeiam, como
tornar a vida mais simples. Quando uma situação de emergência surgir, estarão preparados para ser
rápidos.
Como disse Sam Walton, no livro Made in America, ao explicar o sucesso da Wal-Mart:
"Como a maioria dos sucessos da noite para o dia, este levou cerca de 20 anos para ser feito." Só
que 20 anos é um tempo de que ninguém mais dispõe. "Experiências recentes sugerem que novas
empresas levam pouco mais de dois anos para formular uma idéia de negócios inovadora,
estabelecer uma presença na Web e dominar o setor escolhido. Nessa hora, pode ser tarde demais
para negócios tradicionalmente lentos reagirem", escreveu a revista The Economist, em reportagem
sobre o modo como a Internet está mudando o mundo dos negócios.
Por que a rapidez é hoje uma característica tão essencial? Segundo Castells, a economia em
rede tem um novo fundamento ético, um novo espírito: "É a cultura do efêmero, uma cultura de cada
decisão estratégica, uma colcha de retalhos de experiências e interesses, em vez de uma carta de
direitos e obrigações".
Para Allan Cohen, do Babson College, as empresas vão ter que mudar estratégias mais
rápido, acelerar o ciclo de desenvolvimento dos produtos, ser muito mais próximas das
necessidades dos clientes. "Por causa da tecnologia, da globalização, da privatização e da
desregulamentação, as mudanças de expectativa dos consumidores são muito maiores." Uma
conseqüência prática é que os ciclos de desenvolvimento de produtos têm de ser feitos em equipe.
"Não dá mais para cada grupo cumprir a sua função e passar o resultado para outro departamento,
depois outro", diz Cohen.
Outra forma de ser rápido é estar conectado, como no exemplo da Wal-Mart, em que as
mercadorias vão direto do fornecedor para a loja de destino. Um terceiro modo é fazer protótipos
para testar logo com os consumidores. A Sony é famosa por isso. "Eles não ficam projetando
aparelhos perfeitos, colocam centenas de modelos no mercado e vêem quais os que vendem", diz
Cohen. Lew Platt, presidente da Hewlett-Packard, diz que a principal competência de sua empresa é
"pegar uma idéia, transformá-la num produto e levá-la ao mercado rapidamente".
Em um mundo em que o bem mais importante é o conhecimento, rapidez adquire valor de
mercado. Um dos mais importantes componentes do preço de uma empresa da Internet é quantos
dias podem ser economizados comprando a tecnologia da empresa, em vez de desenvolvê-la por
conta própria.

O IMPULSO É CONSCIENTE
Se a empresa está ficando virtual, conectada, adaptável e rápida, o que lhe garante
identidade? Como não se perder nos meandros da rede, como não se transformar simplesmente
num conjunto de pessoas fazendo um determinado trabalho durante algum tempo, à espera de um
projeto novo que pode surgir de qualquer ponto? É aí que entra o caráter. "Caráter é destino", dizia o
filósofo grego Heráclito de Éfeso. Segundo o consultor de estratégia Michael Porter, fazer algo que é
comprovadamente bom para qualquer empresa, em qualquer situação, não é estratégia. É
obrigação. Ter uma estratégia é escolher algo que você sabe - e quer - fazer. É seguir o seu caráter.
Empresa nenhuma pode ser otimista quanto ao seu futuro se não prestar contas com o
passado. Como diz o consultor de marketing industrial José Carlos Teixeira Moreira, modernizar é
resgatar o sujeito, analisar e avaliar a história da companhia, para descobrir os pontos em que houve
criação de valor. "É como na astronomia. Quanto mais se olha para longe, mais se olha para o
passado."
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O próprio aproveitamento de oportunidades depende da cultura da empresa. Segundo o
sueco Johan Roos, professor do IMD, o que você vê depende de quem você é. "A gestão tem que
entender as normas, crenças, valores e visão de mundo dos empregados, grupos, unidades e da
companhia como um todo. Isso forma a base a partir da qual se pode ver o futuro, e decidir que
novos conhecimentos são legítimos e quais não são." A forma que ele sugere para criar laços entre
as pessoas é contar histórias. Conclusões e instruções não dão espaço para o pensamento, diz
Roos. As histórias, sim, permitem que as pessoas tragam suas próprias interpretações. Segundo o
sociólogo Richard Sennett, professor da London School of Economics e da New York University,
narrativas são mais do que simples crônicas de eventos. "Elas dão forma ao movimento do tempo,
sugerindo razões por que as coisas acontecem, mostrando suas conseqüências."
As histórias que as companhias contam sobre si mesmas afetam seu comportamento.
Quando a Boeing estava desenvolvendo o avião 747, o diretor Crawford Greenwalt perguntou a um
membro da alta gerência qual seria a projeção de retorno dos investimentos. O gerente falou que
eles tinham feito alguns estudos, mas não chegaram a nenhuma conclusão sobre a estimativa de
retorno. Por que então decidiram fazer o novo avião? "Ora, porque nós somos a Boeing!" Perseguir
o lucro é importante, claro, mas a auto-expressão de uma companhia é o que a mantém viva.
A Mitsui, por exemplo, era uma corporação gigante com mais de 100 subsidiárias em 1945,
quando a ocupação americana ordenou o fim dos conglomerados que dominavam a economia
japonesa. As holdings foram liquidadas. A Mitsui Bussan se dissolveu em 170 companhias
separadas. Em 1952, com o fim da ocupação, líderes das pequenas empresas passaram a se reunir
regularmente. Pouco a pouco, várias delas voltaram a se unir adotando o antigo nome. Embora a
Mitsui tenha morrido, sua identidade permaneceu viva nas companhias do grupo.
Isso depende da cultura da empresa. Na Alemanha, em condições semelhantes no pós-
guerra, o Deutsche Bank foi dissolvido e retornou à força total, com o antigo nome. Já a empresa
química I.G. Farben foi desmembrada em duas, Basf e Hoechst, que nunca mais se uniram e hoje
competem ferozmente entre si.
Outro elemento formador do caráter é o propósito. Ele pode criar um ponto de estabilidade e
um contexto motivacional para os empregados. Em chinês, os caracteres antigos para a palavra
"negócio", de mais de 3 000 anos de idade, significam "sobrevivência de propósito". O estudo da
Shell sobre companhias duradouras mostrou uma ligação entre as companhias de longa vida e um
forte senso de valores, diz o ex-executivo Arie de Geus.
Quando uma empresa tem consciência do seu propósito, o controle muda de natureza. "Se
você cria um ambiente em que as pessoas participam de verdade, não precisa de controle. Elas
sabem o que precisa ser feito e fazem", diz Herb Kelleher, presidente da Southwest Airlines, a
empresa aérea mais bem-sucedida financeiramente dos EUA. Destruído o mito da empresa-mãe,
que recompensa o bom comportamento, a única forma de motivar os funcionários é fazê-los
acreditar que as metas da companhia vão ajudá-los a atingir suas metas individuais.
No livro Making Democracy Work (Fazendo a Democracia Funcionar), Robert Putnam diz que
não há poder e disciplina hierárquica que substituam a ausência de comportamento cívico e
confiança mútua na comunidade. Mas comportamento cívico não deve ser confundido com
consenso passivo. Segundo o presidente da Pfizer, William Steere, é preciso que haja uma tensão
criativa. Senão a discórdia vai ocorrer fora das reuniões, não dentro; haverá resistência passiva na
implementação de decisões; e, não havendo conflito direto, as pessoas serão estimuladas a "ler nas
entrelinhas" e agir politicamente.
Como reconhecer o caráter de uma empresa? Segundo o psicólogo americano Nathaniel
Branden, consultor de auto-estima, um modo prático é perguntar, sobre cada comportamento

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desejável, se ele é recompensado, punido ou ignorado pela empresa. A resposta indica as
características com que uma companhia realmente se importa, não aquelas com as quais ela diz
que se importa. Outra fórmula é dada por James Collins e Jerry Porras, em Feitas para Durar
(Rocco). Quando você tiver esboçado uma lista de valores centrais da empresa, faça a seguinte
pergunta com relação a cada um deles: "Se as circunstâncias mudassem e nós fôssemos punidos
por ter este valor, em vez de recompensados, nós ainda o seguiríamos?"

O RACIOCÍNIO É EMOTIVO
• A cadeia de lojas de roupas americana Nordstrom tem um manual de regras implacável. A
regra número um diz: "Use o bom senso em todas as situações. Não haverá outras regras".
• O escritório em que o consultor José Carlos Teixeira Moreira recebe os industriais que o
contratam tem um único diploma pendurado na parede. É o diploma da escola de datilografia da
Remington, que ele cursou em 1959 em São José do Rio Preto. Quando o visitante pergunta o que
aquilo significa, Teixeira Moreira explica que, de todos os cursos que fez, inclusive a faculdade de
marketing de Perkings, nos EUA, é daquele que sua mãe sente mais orgulho, e é por isso que o
diploma está lá - com um efeito de marketing muito maior do que teria o da faculdade de marketing.
Num mundo em que o relacionamento é mais importante do que o produto, ou melhor, em
que o relacionamento faz parte do produto, não há como deixar a emoção de fora. Num mundo
dominado pelo conhecimento, ao contrário do que diz a tradição cartesiana, não pode haver
oposição entre razão e emoção. É isso o que explica o neuropsiquiatra António Damasio no livro O
Erro de Descartes (Companhia das Letras). "Não vejo as emoções e os sentimentos como entidades
impalpáveis e diáfanas, como tantos insistem em classificá-los. O cerne do cérebro e o córtex
cerebral trabalham em conjunto, criando a emoção e o sentimento, da mesma forma que o fazem
para a visão." Damasio não apenas eleva o status das emoções. Sua teoria do marcador somático
mostra como os sentimentos são imprescindíveis para o bom funcionamento da razão. (Os
exemplos são dramáticos: pacientes com lesões cerebrais na região associada à emoção, que têm
ótima pontuação em testes de inteligência, não conseguem trabalhar porque perderam a capacidade
de tomar decisões.)
Pela teoria de Damasio, a emoção confere valor às situações, e sem esse valor não há como
diferenciá-las. Mais: quando o corpo tem uma sensação desagradável, esse sinal faz com que a
pessoa rejeite imediatamente um rumo de ação, levando-a a escolher entre outras opções. A
emoção serve, portanto, como um orientador da razão. (É por isso que pacientes com deficiência
emotiva não conseguem decidir: as opções ficam infinitas.) Algumas vezes, esses processos não
constituem o centro de nossas atenções, passando-se fora do campo da consciência. "Esse
mecanismo oculto seria a fonte daquilo que chamamos intuição", diz Damasio.
Os matemáticos Henri Poincaré e Jacques Hadamard concordam: "Uma prova matemática
pode ser descoberta por tentativas inconscientes, guiadas por uma inspiração de caráter
decididamente estético, e não pelo pensamento racional", dizem. (É claro que esse resultado deve
ser testado depois, pelos critérios racionais.) O Prêmio Nobel de Física George Thomson escreveu
um livro chamado A Inspiração da Ciência, e o texto na capa começa com as palavras "a ciência é
uma arte".
Há quem veja o crescente uso da tecnologia como um obstáculo às relações pessoais. O
"homem digital" seria alguém preso em casa, cujo contato com o mundo se dá através de máquinas.
Não é bem assim. O Minitel, um sistema de comunicação por videotexto criado na França, era usado
por estudantes na década passada para organizar manifestações de rua contra o governo. William
Steere, da Pfizer, diz que está ficando mais fácil não viajar. Por isso, fazer o esforço é uma
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afirmação da importância das pessoas. Charles Handy afirma que, quanto mais virtual uma empresa
se torna, mais seus funcionários precisam se encontrar em pessoa. Os encontros, porém, são
diferentes: não para entregar coisas, mas para que as pessoas se conheçam.
Handy provavelmente não conhece David Whitten, vice-presidente do Gartner Group. No ano
passado, Whitten contratou um consultor. O contato foi feito por e-mail e todo o trabalho era passado
pela Internet e por telefone. Nove meses depois, ambos tinham de estar numa conferência. Cada um
sabia que o outro estaria lá, mas nem lhes ocorreu marcar um encontro. Acabaram se esbarrando
num corredor, reconheceram-se pelos crachás e caíram na gargalhada. A tecnologia não é
necessariamente um obstáculo ao encontro à moda antiga. Mas ela suscita, sim, novos tipos de
contato, e devem ser explorados novos meios de criar emotividade.
O guru do marketing Philip Kotler cita uma companhia de seguros americana que atende
principalmente militares, a USAA. "Não conheço nenhum cliente que não adore a companhia, e não
há nenhum contato físico. Mas quando alguém telefona o atendente aciona um banco de dados,
pergunta se a filha passou no vestibular, sabe que a mulher dá aula na universidade..." Kotler chama
essa combinação de high-touch (alto toque), a conexão pessoal feita com alta tecnologia (high-tech).
Alguns exemplos:
• A cadeia de lojas de produtos para animais Mars Petfood, da Alemanha, tem um banco de
dados com os nomes de todos os donos de gato no país e manda cartões de aniversário para os
gatos.
• Uma loja da Sony em Manhattan tem uma cabine interativa. Você pode digitar três nomes,
e o computador informa suas raízes musicais, as músicas em comum e as influências mútuas.
Ninguém paga pelo serviço, mas as pessoas costumam deixar a loja com uma compra na mão,
embora a Sony não dê nenhum desconto.

A PERENIDADE É INOVADORA
De todas as qualidades que uma empresa deve ter, é esta a mais importante: a capacidade
de inovar. É isso, em última análise, que faz uma empresa merecer o nome de empresa. No
momento de sua criação, há uma proposta. Inovar é recriar essa proposta, de acordo com as novas
condições do mercado. Quanto mais mudanças há no mercado - e é disso que é feita a realidade do
novo milênio --, maior a exigência de inovação. Todas as outras qualidades são essenciais, mas
para acompanhar, aproveitar, reagir às mudanças. Com o perdão do truísmo, inovar é estar um
passo à frente.
Por que deixamos esta mais importante das qualidades por último? Porque ela é, de certa
forma, uma combinação das outras. E porque está intimamente ligada ao assunto do próximo
capítulo - a gestão do conhecimento.
Parece óbvio que a capacidade de inovar seja uma característica positiva, mas a realidade
não é tão simples. Como diz Michael Dertouzos, em O Que Será: "Quase nenhuma grande inovação
foi bem-vinda quando apareceu. Mas depois de um tempo, como notou o filósofo Arthur
Schopenhauer, todo mundo concorda que 'aquela sempre foi obviamente uma excelente idéia'".
A maior parte dos estudos que prezam a inovação como qualidade-chave das empresas de
sucesso deixa de lado os exemplos de companhias extremamente inovadoras que sucumbiram. "Eu
lembro quantas indústrias de pratos prontos congelados já quebraram. Elas erraram? Não. Só
estavam fora do tempo!", diz Nildemar Secches, da Perdigão. Sua empresa está lançando uma
média de 30 produtos novos por ano, vários deles no ramo de congelados. A Nottingham Building

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Society, uma instituição financeira britânica, lançou há uns 15 anos um serviço de home banking,
com videotexto. Era um serviço muito além do seu tempo, e nunca decolou.
Mas o número de produtos à frente do seu tempo está caindo rapidamente, porque o ritmo
das mudanças está se acelerando. Ser inovador está deixando de ser um risco e passando a ser
uma obrigação. Não, vamos reformular isso: inovar não está deixando de ser um risco. Está é se
tornando um risco menor do que não inovar.
É essa pesagem de riscos que se deve ter em mente para mudar a cultura da empresa. A
nova cultura deve aceitar os erros. "Não há chance de ter uma boa tecnologia sem uma enorme
quantidade de fracassos. É uma regra universal", diz o físico Freeman Dyson. "O fracasso é o nosso
produto mais importante", diz R. W. Johnson Jr., da Johnson & Johnson, uma empresa acostumada
a inovar, manter o que dá certo e rapidamente descartar o que não funciona.
Inovação também tem seus custos, e não só os de investimento em criatividade. Segundo o
brasileiro Ophir Toledo, presidente da Philips dos Estados Unidos, na nova economia as companhias
não podem ter medo de canibalizar seus próprios produtos. Um exemplo? "Nós investimos no
desenvolvimento e produção de telas planas com tecnologia de cristal líquido (LCD). Quanto mais o
LCD se desenvolver, mais obsoleto ficará o tubo de raios catódicos, uma de nossas áreas mais
prósperas." A 3M leva essa noção a ferro e fogo. Todo ano, há uma meta de porcentagem de venda
de produtos que não existiam há cinco anos.
A lógica é que os custos da inovação vão ser compensados. No ano passado, os funcionários
da Mercedes-Benz Credit Corporation em Norwalk, Connecticut, investigavam freneticamente meios
de acabar com seus próprios empregos. Por quê? Porque os que eram bem-sucedidos ganhavam
novos empregos que ajudavam a empresa a crescer. A Sony tem um ciclo de invenção em
eletrônica que agora excede o ciclo de estoques das lojas de produtos eletrônicos. Por depender de
varejistas, não consegue levar seus produtos às prateleiras com rapidez suficiente para alimentar os
consumidores mais ávidos por novidades. Na batalha pelo mercado de malhas nos Estados Unidos,
a campeã da economia em rede, Benetton, foi superada em 1995 pela Gap, cuja arma mais efetiva
foi a inovação: a cadeia americana passou a apresentar novos modelos a cada dois meses, em
comparação com as duas vezes por ano da Benetton.
A busca da inovação - sua constante recriação - deve ser a principal preocupação da
empresa do novo milênio, e deve ser feita com uma política consciente, rápida, virtual, conectada,
emotiva e adaptável. A inovação não pode ser deixada ao acaso. Como já frisava Richard Carlton,
presidente da 3M na década de 50: "É verdade que a nossa empresa já encontrou por acaso alguns
de seus novos produtos. Mas nunca se esqueçam de que só se pode encontrar algo por acaso se
você estiver em movimento".

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3 - COMO ADMINISTRAR A MAIOR RIQUEZA DO FUTURO - A
INTELIGÊNCIA
David Cohen

Há um segredo para administrar o conhecimento, essa nova riqueza do mundo dos negócios.
É um segredo muito bem guardado, mas consiste, basicamente, de apenas quatro palavrinhas: não
há mais segredo. (Se você acha que isso é um paradoxo, então veja este: as próximas 5 994
palavras são para explicar essas 4.)
No mundo de negócios tradicional, conhecimento é poder. Só a Coca-Cola detém a fórmula
da coca-cola. O protótipo de um carro novo é mantido em sigilo até a data do lançamento. O método
de produção é defendido como segredo de Estado por se tratar de um diferencial competitivo.
Guardar o conhecimento para si faz sentido quando ele é a matriz de um produto ou serviço
que, este sim, se quer difundir. (E o preço do produto será tanto maior quanto menos gente souber
como fazê-lo.) Há outro caso em que se justifica a economia do segredo: o reforço da hierarquia. O
diretor financeiro escolhe quem pode e quem não pode saber qual é o lucro da empresa. Só o chefe
sabe quais os critérios para contratar, promover ou demitir alguém.
Esse tipo de gestão do conhecimento não está condenado à morte. Ele vai continuar a existir,
vai se desenvolver e vai trazer seus benefícios e prejuízos usuais. Mas há hoje uma nova prática no
mundo dos negócios. Segundo ela, o poder não está em deter conhecimento, mas em disseminá-lo.
Quanto mais informação você divide com os outros, maior o seu retorno. É assim que novas
tecnologias podem se tornar padrão mundial, é assim que uma empresa pode arregimentar uma
rede de fornecedores, é assim que você pode atrair clientes que ajudem a planejar o produto que
eles querem.
Dentro dessa nova prática, gestão do conhecimento não é mais o incentivo a um
departamento de gênios e a proteção dos direitos intelectuais. Gestão do conhecimento é orientar a
empresa inteira para produzir este que é o bem mais valioso da nova economia, descobrir formas de
aproveitá-lo, difundi-lo, combiná-lo. E de lucrar com ele. Em cada caso particular, as empresas vão
ter de escolher qual o tipo de gestão do conhecimento que usarão: o segredo ou a cooperação, a
evolução ditada pelas leis de mercado ou pela revisão dos pares. Na maioria das vezes, será
necessário um misto dessas duas formas de gestão.

ACABOU A DISTRAÇÃO
O reinado do conhecimento como o principal produto da sociedade é descrito pelo sociólogo
Manuel Castells como uma evolução histórica. O primeiro modelo de relação natureza-cultura foi o
de primazia da natureza. O segundo, estabelecido nas origens da Era Moderna e associado à
Revolução Industrial e ao triunfo da Razão, foi a dominação da natureza pela cultura. Estamos agora
entrando em um terceiro estágio, em que a cultura se refere a si mesma, tendo suplantado a
natureza a ponto de esta ser renovada (ou "preservada") artificialmente como uma forma cultural. "É
o começo de uma nova existência e, sem dúvida, o início de uma nova era, a era da informação,
marcada pela autonomia da cultura ante as bases materiais de nossa existência", afirma Castells,
em A Sociedade em Rede (editora Paz e Terra).
O mundo do trabalho passa por transformação semelhante. Um dos patriarcas do
industrialismo, o engenheiro americano Frederick Taylor, acreditava que as máquinas e os projetos
industriais ficariam imensamente complicados, mas não seria necessário que os trabalhadores os
entendessem. Quanto menos "distraídos" pela compreensão, mais eficientes seriam em seus
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trabalhos. Isso não se aplicava somente aos operários. Uma das primeiras empresas do mundo, a
britânica Companhia das Índias Orientais, foi chefiada durante 35 anos, a partir de 1823, pelo
economista John Stuart Mill, que cumpria expediente das 10 da manhã até as 4 da tarde e
aproveitava boa parte dessas horas para escrever suas obras. Ele considerava o trabalho de
executivo apenas "suficientemente intelectual para não se tornar enfadonho, sem causar nenhuma
pressão" sobre seus poderes mentais, como escreveu em sua biografia.
Isso é passado. A indústria hoje exige, tanto de executivos como de operários, que agreguem
valor a processos e produtos. Esse valor - a essência da inovação - é obtido com conhecimento.
Estamos, de certa forma, caminhando ainda mais para o passado. Segundo Aristóteles e Platão,
toda execução de objetos materiais, até mesmo de obras de arte, representa uma atividade de
segunda ordem, se comparada com a produção de idéias.
Euclides se gabava que seu estudo de números primos não tinha nenhuma utilidade para a
vida grega. O matemático inglês G.H. Hardy se orgulhava de que nenhuma descoberta sua, no
campo da teoria dos números, faria a menor diferença para o mundo prático. Estavam errados:
números primos, um conhecimento sem aplicação por 2 300 anos, são a base dos códigos de
segurança de informação para computadores. Dois mil anos depois que os gregos decidiram estudar
uma curva chamada elipse, astrônomos descobriram que ela descreve as órbitas dos planetas. Em
1854, o matemático alemão Bernhard Riemann resolveu brincar com os postulados de Euclides e
construiu uma geometria ridícula baseada numa abstração chamada espaço curvo, e 60 anos depois
Albert Einstein anunciou que esse era o formato do universo.
Nem todos concordam que estejamos na era da informação. O intelectual italiano Umberto
Eco, por exemplo, diz que no mundo de hoje não temos mais informação, temos menos. "Quando
peço uma bibliografia na Internet e recebo uma lista com 10 000 títulos, não tenho nenhum ganho de
informação com isso. Com a Internet, corremos o risco de nos tornar autodidatas. O autodidata é
aquele que absorve uma enorme quantidade de informações, muito mais do que um professor
universitário, mas não sabe filtrá-las", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em maio.
O risco é verdadeiro, mas o avanço é inegável, e uma medida do avanço é justamente o teor das
críticas que recebem as novas tecnologias, vindas de gente que domina as antigas.
A situação é semelhante à de uma lenda egípcia. Quando o deus Thoth revelou ao rei
Thamos a sua descoberta da arte da escrita, o bom rei a denunciou como inimiga da civilização.
Thamos reclamava que as crianças e os jovens, que sempre tinham sido forçados a memorizar tudo
o que lhes era ensinado, dali em diante deixariam de exercitar sua memória.

O QUE É COMUM VALE MAIS


O que há de diferente num mercado em que a cultura se relaciona com a cultura e em que o
conhecimento é não apenas uma forma de modificar produtos, mas um produto em si mesmo? Eis
algumas das diferenças:
• os recursos são infinitos;
• quanto mais se dá, mais se tem;
• e quanto mais se tem, mais se precisa;
• a flexibilidade é quase absoluta (a matéria-prima, o pensamento, é maleável);
• não há depreciação do produto (que vem a ser uma idéia), há relação com a idéia sucessora.
O que funciona segundo essa nova lógica? Toda a área de saúde, ciências, entretenimento,
comunicação, educação. Na indústria tradicional, os conceitos que dão origem aos produtos. Por
isso, num desfile de modas, não importa se aquelas roupas nunca vão ser usadas na rua; não é o
produto que está à venda, é o conceito que vai influenciar um mercado têxtil de milhões de dólares.
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Nessa lógica, a concorrência não se dá mais no espaço, e sim no tempo. Um exemplo: a
descoberta do vírus da Aids é disputada pelo cientista americano Robert Gallo e pelo pesquisador
francês Luc Montagnier. As duas equipes e todos os pesquisadores que trabalham nisso têm o
mesmo interesse, curar a doença, e cooperam uns com os outros. A disputa é para determinar quem
faz as descobertas primeiro. Não é só uma questão de glória, é uma questão de garantir
investimentos para continuar as pesquisas. (Por isso, rapidez é uma das características essenciais
da empresa do futuro.)
Há uma outra peculiaridade no mundo do conhecimento: o comum vale mais que o raro. A lei
de diminuição de retornos diz que o valor de um item cai quando sua oferta aumenta, mas o
segundo telefone faz o primeiro valer mais. O valor do programa Windows, da Microsoft, cresceu por
causa da sua adoção por milhões de usuários.
A inversão não se dá apenas na ponta da receita, com a valorização do produto, mas também
na ponta da despesa. Depois dos milhões de dólares investidos no desenvolvimento de um software,
o custo do segundo programa é praticamente zero. (O custo do segundo carro, não, porque há
gastos com matéria-prima e trabalho.) Quando o produto pertence ao reino do conhecimento,
portanto, há um prêmio maior para a inovação: ela é a única área em que há concentração de valor.
A regra é: inovar ou tornar-se commodity.
Essa concentração de valor é claramente percebida pelo mercado financeiro, como mostra
uma pesquisa feita pela consultoria Arthur D. Little. A pesquisa examinou as cotações em bolsa de
companhias que a revista Fortune listou, durante 15 anos, de acordo com seu grau de inovação. Os
20% de companhias mais inovadoras deram a seus acionistas o dobro dos retornos médios em sua
indústria. Os 20% de companhias menos inovadoras tiveram retornos de menos de um terço da
média das outras empresas. "Mais de 90% dos analistas de Wall Street afirmam que a importância
da inovação aumentou significativamente nos últimos dez anos", dizem os consultores Ronald
Jonash e Tom Sommerlatte.
A inovação não se restringe ao produto. As parcerias e alianças da fabricante de chips Intel
com os fabricantes de computador estenderam sua cadeia de valor. Sua inovação na estratégia de
marketing, criando uma identidade para o chip, transformou uma commodity em marca, afirmam
Jonash e Sommerlatte. Levando tudo em conta, a capacidade de inovação da Intel lhe rendeu um
crescimento anual composto de 42% no valor de suas ações nos últimos dez anos.

Inovação sem propriedade


• A Web, a rede mundial de computadores, que tanto aumenta a produtividade das
empresas, teve seu início com o intuito de aumentar a cooperação científica, utilizando a prática
acadêmica da revisão pelos pares. Essa prática se baseia na idéia de que a cooperação de gente
capacitada promove o desenvolvimento de forma mais rápida que a defesa acirrada da propriedade
intelectual.
• O modem, aparelho que permite troca de dados por computador, foi inventado por dois
estudantes de Chicago, Ward Christensen e Randy Suess, em 1978. Eles difundiram a tecnologia
sem nenhum custo porque o objetivo era espalhar as capacidades de comunicação o máximo
possível.
Até aí, apesar de as duas inovações serem cruciais para o mundo moderno, estávamos no
terreno do altruísmo, pouco levado a sério como modelo de negócios. O sistema operacional Linux,
desenvolvido a partir de uma idéia do finlandês Linus Torvalds, mudou esse panorama. (Sistema
operacional é o programa-base, que permite que o computador funcione.) O Linux é um sistema
aberto. Qualquer um pode usá-lo e modificá-lo sem pagar direitos autorais, mas toda modificação
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deve ser também oferecida gratuitamente pela Internet. Parece coisa de sonhadores, mas o estágio
de desenvolvimento chegou a tal ponto que grandes empresas (IBM, Oracle, Intel) estão aderindo ao
sistema. A distribuição do Linux cresceu mais de 190% no ano passado e continua aumentando.
Se é tudo de graça, quem ganha dinheiro com isso? Há todo um mercado baseado nesse
sistema operacional. José Carlos Benfatti, da consultoria ZZP, faz parte dele. Sua empresa presta
serviços de informática a grandes firmas. "Meu negócio é viável porque há gente desinteressada
desenvolvendo o Linux", diz. Em contrapartida, cada problema solucionado por ele é
meticulosamente explicado no site do desenvolvimento do sistema.
O Linux é o melhor exemplo até hoje de uma alternativa à política de propriedade do
conhecimento. O sistema é considerado muito seguro. Não trava, é elegante. Por quê?
• Em primeiro lugar, por causa da revisão pelos pares. Cada passo é testado por gente
competente, não há "caixa-preta".
• Em segundo lugar, há seleção natural. Só os melhores conseguem resolver problemas e
imprimir sua marca no sistema. Por outro lado, o trabalho é feito com prazer, e sem a pressão de
prazos industriais.
• Em terceiro lugar, não há os limites impostos pela produção empresarial. "Se alguém
descobre um jeito de melhorar o programa, mas a aplicação exige a mudança de todas as linhas
do programa, a resposta de uma empresa seria 'você está louco?'. No Linux, dá para fazer", diz
Benfatti. Mas um sistema de cooperação assim não pode ser aplicado em qualquer situação. Eis os
requisitos para um desenvolvimento do tipo do Linux, de acordo com Benfatti:

1. Os problemas têm que ser interessantes. Só assim vão despertar a ajuda de gente
capaz;
2. A natureza do trabalho tem que permitir a distribuição de responsabilidades. Avanços
são feitos por gente que nem se conhece. É um trabalho individual ao extremo, e ao
mesmo tempo totalmente de equipe;
3. O capital tem que ser requerido na maior parte para recursos humanos. "Se for
necessário um acelerador de partículas, não vai dar para um sujeito do Bornéu colaborar
com alguém de Johannesburgo", diz Benfatti;
4. Tem que haver possibilidade de desenvolvimento com pequenas alterações. Assim,
pequenos passos permitem avanços visíveis - e glórias visíveis para quem os deu.

A GESTÃO DA IGNORÂNCIA
Para atingir esse grau de inovação, as empresas precisam deixar um pouco de lado a gestão
do conhecimento e investir na gestão da ignorância, afirma outro consultor da Arthur D. Little, Robert
Shelton. "Gestão da ignorância é o processo de identificar as coisas mais importantes que a equipe
não sabe e projetar uma política que ajude a reduzir essa ignorância a um nível que permita
avanços. Experiências são grandes ferramentas na gestão da ignorância."
De certa forma, a busca incessante da inovação exige que se jogue fora um conselho muito
em voga, o do foco da empresa. "Manter a empresa ao lado e junto do cliente e ater-se ao
conhecido são dois conselhos do livro Vencendo a Crise, de Tom Peters e Robert Waterman, que
não foram corroborados por nossa pesquisa", afirmam James Collins e Jerry Porras, autores de
Feitas para Durar (editora Rocco).

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É claro que as inovações não adiantam nada se não forem aplicadas, e nesse ponto os
defensores do foco têm razão. Nenhuma organização vai para a frente se não tiver prioridades. O
consultor e gestor de empresas Edson Vaz Musa conta que, quando ainda era presidente da Rhodia
do Brasil, viajou aos Estados Unidos para dar apoio a uma reunião da Rhône-Poulenc americana.
Lá, ouviu os executivos falarem das 12 prioridades da empresa. No intervalo, em volta da máquina
de café, perguntou ao presidente quais eram as prioridades. Ele só se lembrou de cinco. O chefe de
operações se lembrava de seis, apenas três delas iguais às do presidente. "Assim a empresa não
podia ir para lugar nenhum", diz Musa.
Foco deve existir, desde que não imobilize a empresa. Até porque uma inovação que não
tenha a ver com o caráter da empresa sempre pode ser abandonada. A Philips recentemente
vendeu um projeto cujo objetivo era desenvolver um laser, pois foi considerado distante dos
objetivos da companhia. O preço da venda foi muitas vezes maior do que o orçamento para o projeto
- um retorno excelente para o investimento em pesquisa e desenvolvimento.
Focar e alinhar a empresa é tornar-se vulnerável, diz Jay Galbraith, pesquisador do Centro
para Organizações Eficientes, da Universidade do Sul da Califórnia (USC). "Fórmulas de sucesso
não duram muito. As vantagens são facilmente copiadas ou ultrapassadas por competidores",
afirma. Por outro lado, o desalinhamento de estratégia, estrutura e processos faz a organização
perder energia com fricções. "Nós precisamos de um novo projeto organizacional em que estruturas
e processos possam ser realinhados com uma constante mudança de estratégia." Galbraith
recomenda três procedimentos: times interdepartamentais; utilização de preços e mercado internos,
para coordenar a complexidade do relacionamento dos times; e alianças para adquirir as
competências que a empresa não tem.

SOMOS COMO AS BALEIAS?


Não adianta nada falar de gestão da ignorância e política de inovação constante, se não
houver também uma capacidade de aceitação dos erros. Não há escalada sem tombos, não há
corrida sem tropeços, não existe progresso sem erros. Como administrá-los?
Charles Coonradt, presidente da consultoria americana The Game of Work (O Jogo do
Trabalho), usa uma parábola: para treinar uma orca a saltar sobre uma corda a sete metros de
altura, o pessoal do Sea World prepara o ambiente de forma a reforçar o princípio de que ela não
tem como falhar. Começam colocando a corda abaixo do nível da superfície. Quando a orca passa
por baixo da corda, nada acontece - nem castigo, nem crítica, nada. Mas toda vez que ela passa por
cima da corda recebe peixes e agrados. À medida que a orca vai passando por cima da corda mais
vezes do que por baixo, a equipe vai levantando a corda. "Precisamos criar as circunstâncias para
que as pessoas não falhem", diz Coonradt. "Elogie muito, critique o menos possível... e saiba a que
altura colocar a corda."
O ex-professor de negócios Charles Handy dá um exemplo mais... humano: o sistema de
exames de música britânico tem altíssimo nível internacional e um índice de aprovação quase
universal. É um sistema pelo qual os pupilos só fazem o teste quando seus professores consideram
que eles têm boa chance de ser aprovados. O teste não depende de idade. Uma pessoa só o faz
quando está pronta.
Infelizmente, o mundo não é assim tão cor-de-rosa. No mercado competitivo, ninguém vai
ficar esperando até que você esteja preparado para assumir riscos. O que, aliás, deixado por si só,
pode não acontecer nunca. Estudos psicológicos mostram que as pessoas se preocupam mais com
as perdas do que com os ganhos, tanto nas carreiras quanto no casamento ou em jogos. "É por isso
que a tomada de riscos é algo diferente de uma alegre revisão de possibilidades contidas no
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presente. A matemática do risco não oferece segurança, e a psicologia da tomada de riscos foca
bastante racionalmente no que pode ser perdido", diz o sociólogo Richard Sennett.
Ou, como explica o neurologista português-americano António Damasio, da Faculdade de
Medicina da Universidade de Iowa: "É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se
regem pela busca do prazer, tanto ou ainda mais do que pela fuga à dor, consigam sobreviver. Há
mais variedades de emoção negativa que de emoção positiva, e é claro que o cérebro trata de forma
diferente esses dois tipos de emoção".
Por isso é importante deixar claro o que a empresa e as pessoas perdem quando não
assumem riscos - é preciso criar a imagem do risco de não aceitar riscos. Por isso também o
ambiente da empresa conta tanto. Não basta não punir os erros. É preciso criar formas de celebrar
as pessoas que tomam iniciativas, torná-las visíveis e invejáveis na empresa. Quando ocorre um
fracasso, a diretoria deve promover algum ato simbólico, como por exemplo um post-mortem de
projetos, para saber o que pode ser aprendido.
Já que os erros são inevitáveis, Robert Shelton, da Arthur D. Little, recomenda errar de forma
rápida e barata: "Defina testes práticos, construa protótipos e lance-os rapidamente. Geralmente é
melhor trabalhar em parceria com um grande cliente ou fornecedor, para dividir os custos, os riscos
e o aprendizado. Analise os resultados e modifique o protótipo". O grupo britânico Virgin dá metas
de três meses às pessoas encarregadas de trazer novas idéias para negócios. Se as metas não são
cumpridas, a idéia é abandonada e ninguém fala de fracasso.
Dois consultores do Instituto Internacional de Gestão do Desenvolvimento (IMD, com sede em
Genebra), o sueco Johan Roos e o americano Bart Victor, têm uma sugestão para lidar com os
erros: brincar. "A brincadeira é um contexto no qual os riscos podem ser tomados sem risco, no qual
o inimaginável pode ser imaginado sem medo, no qual o inesperado pode ser realizado sem
hesitação", dizem.
A brincadeira "séria", definida por Roos e Victor, começa com a fase da construção. Os
executivos transportam para o mundo real aquilo que está na imaginação, usando bloquinhos de
plástico, massinha, desenhos, o que for. A segunda fase é contar histórias. Isso faz as pessoas
desenvolverem uma visão comum. A terceira fase é transformacional. Aí entram o conflito, a
argumentação, a cooperação. Segundo os estudiosos, essa brincadeira permite chegar a novas
conclusões sobre o significado da estratégia da empresa, o papel de cada um, as verdadeiras
ameaças e oportunidades.

PODER PARA QUEM PODE


Inovação pressupõe mudanças, e a gestão do conhecimento, que se justifica na empresa pela
necessidade de inovar, deve levar em conta o gerenciamento das mudanças. Segundo o professor
de estratégia do IMD J.B. Kassarjian, liderar mudanças é um paradoxo. "O líder concebe a
necessidade, dá a direção e dirige a mudança: isso pode soar óbvio, mas é também errado. Os
dados necessários para mudanças são mais fáceis de ser encontrados na periferia do poder, nos
canais de vendas, nos engenheiros que visitaram a última feira, no pessoal de pós-venda. O
primeiro paradoxo é que os presidentes que tomam para si o papel de grandes agentes de mudança
em geral reduzem sua capacidade de observar à distância e tomar ações corretivas", afirma
Kassarjian.
Há um mito persistente de que o poder pertence à pessoa no topo da pirâmide de decisão.
Mas, como notam os consultores americanos Jim Taylor e Watts Wacker, em Delta 500 Anos, "no
mundo de caos, o poder é da pessoa que controla a variável mais instável". Na organização de
conhecimento, o poder está por definição investido em cada nível da empresa (porque são todos
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trabalhadores de conhecimento). É isso que faz a empresa ser enxuta e flexível, diz a americana
Sally Helgesen, escritora especializada em futuro das organizações. Além disso, levar a cabo um
grande projeto de mudança não pode ter passos determinados. Um projeto dessa natureza exige
improvisação por muitas pessoas, em vários pontos.
Chegamos, então, ao segundo paradoxo: a necessidade de dar autonomia aos funcionários.
É o conceito do empowerment. O problema é muito sucintamente definido por Richard Teerlink,
presidente da Harley-Davidson: "Se você der autonomia a idiotas, terá decisões idiotas".
O paradoxo, de acordo com Kassarjian, é que "as pessoas têm esperanças, medos,
aspirações, potencial para engajamento e resistência obstinada, mas nenhum líder pode lhes dar um
senso de autonomia - para ser real, essa sensação tem que ser ganha, não pode ser doada. Não
existem atalhos para desenvolver o talento humano".
É o que diz também o consultor americano Richard Leider, fundador do Inventure Group, líder
no setor de desenvolvimento de carreiras. "Os indivíduos têm que dar poder a si mesmos. Só as
pessoas podem escolher tomar uma nova direção ou arriscar a reputação em suas carreiras para
chegar a uma nova visão, porque toda mudança é uma mudança pessoal. Toda mudança é escolha,
e envolve perdas. Não há como mudar de forma bela, limpinha."

DENTRO OU FORA DA EMPRESA?


Se não é possível liderar sozinho, nem contar com toda a organização, uma primeira solução
é identificar e incentivar os líderes do conhecimento. Mas, como a empresa não pode mais ser uma
organização vertical, sob pena de perder oportunidades, tolher a inovação e brecar a rapidez, não se
trata mais de colocar os jovens talentos em postos cada vez mais importantes, e sim de lhes dar
responsabilidade sobre unidades de negócios, por pequenas que sejam. A Canon indicou um de
seus gerentes técnicos para liderar sua área de negócios multimídia. A HP é organizada em
relativamente pequenas divisões autônomas, cumprindo o desejo de William Hewlett e David
Packard de manter seu espírito empreendedor.
Essa política não é uma invenção de empresários ou consultores. Ela é uma solução de
compromisso surgida quase naturalmente para acomodar os interesses de jovens talentosos e de
empresas num mundo com muito mais oportunidades do que no passado. O consultor americano
Marshall Goldsmith aponta algumas tendências no mundo do trabalho:
a) O status reduzido do trabalho em grandes empresas. Uma pesquisa mostrou que
formandos da Harvard Business School que trabalhavam para empresas menores tendiam a
ganhar mais e ter mais satisfação do que os funcionários de grandes empresas. Professores
notam que mais da metade dos estudantes de administração de hoje pretendem ter seu próprio
negócio.
b)A freqüente falta de conexão entre pagamento e contribuição. Gerentes consideram que
a diferença de retorno entre um empregado de alto desempenho e um mediano é de mais de
100%, enquanto a diferença de salário fica entre 5% e 10%.
c)O declínio de oportunidades de promoção. Sem chance de pular degraus, jovens talentos
se sentem mais inclinados a procurar outras oportunidades.
d)O aumento da carga de trabalho, com os cortes de pessoal de apoio.
e)O aumento da influência do trabalhador de conhecimento.

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É com todas essas tendências que a empresa tem que lidar, se não quiser perder seus ativos
mais importantes - gente que pensa. Para manter os funcionários de alto desempenho, Goldsmith
aconselha:
• identifique claramente quem você quer manter. Em várias empresas que fizeram ajustes, o
pessoal que saiu foi aquele que podia encontrar outro trabalho mais facilmente;
• faça com que eles saibam que você quer mantê-los;
• dê reconhecimento;
• dê oportunidades de desenvolvimento e envolvimento;
• adote um plano de compensações ousado;
• relaxe a cultura da empresa; menos regras dão noção de liberdade;
• crie oportunidades de torná-los empreendedores internos - uma espécie de donos de um
negócio dentro do negócio.
Peter Lorange, presidente do IMD, sugere que a melhor forma de tratar empreendedores
internos é com uma espécie de controle não-autocrático. "É um modo de dar ao empreendedor
acesso direto à direção da empresa. Estar perto, para que o apoio possa ser dado quando pedido, e
ao mesmo tempo dar-lhe distanciamento, permitindo a separação dos negócios. Assim ele tem o
espaço para ser independente e a força de pertencer a uma corporação." A companhia lucra porque
esses empreendedores não têm as amarras da empresa, não acreditam nos limites impostos pelo
foco do negócio.
A política de empreendedores internos pode evoluir para divisões autônomas, como as da
HP. O exemplo mais conhecido são os laboratórios secretos da Lockheed Aircraft - espaços
separados para inovadores trabalharem sem a interferência do resto da organização. Foi assim que
a Lockheed fez avanços radicais em projetos de aviões de espionagem, na década de 1940. Hoje, a
3M e a Motorola têm políticas de "atividades extras", e a DaimlerChrysler, a Matsushita e a Microsoft
mantêm equipes isoladas do restante da empresa no Vale do Silício. Esse isolamento permite que
as equipes sejam mais ousadas ao quebrar regras e, talvez mais importante, as mantém a salvo dos
preconceitos vigentes nas organizações, que podem ser muito rápidos em matar idéias novas.
Esse isolamento não significa formar uma empresa separada. Na Sharp, as Equipes de
Projetos Urgentes (EPU) recebem prioridade de acesso a recursos na companhia toda. Na prática,
isso quer dizer que qualquer divisão pode perder seus funcionários mais capazes por mais de um
ano para uma EPU. Na Toshiba, o caminho é de ida e volta: o grupo de estratégia avançada tem a
missão de transferir tecnologias para novos negócios, bem como reintroduzir inovação, desafios e
velocidade na estrutura de gestão da Toshiba.

A MULTIPLICAÇÃO DO CONHECIMENTO
No ponto em que estamos, a empresa consegue identificar os elementos que geram
conhecimento e incentivá-los a criar valor para a companhia. Isso ainda não é tudo. É preciso
multiplicar essa prática. Há várias estratégias para fazê-lo. Uma delas é a da General Electric, que
trabalha sistematicamente para reduzir fronteiras. A empresa encoraja encontros nos quais os
empregados trocam idéias com seus gerentes, e estes são obrigados a tomar decisões imediatas
sobre as propostas, na frente do grupo todo.
Se uma empresa é voltada para o conhecimento, isso deve estar claro na própria distribuição
de tarefas dos funcionários. Dos 34 000 empregados da empresa de telecomunicações finlandesa

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Nokia, 8 000 trabalham com pesquisa e desenvolvimento. O número é impressionante, mas não
quer dizer que os outros 26 000 estejam isentos da responsabilidade de inovar - todos eles são
envolvidos no processo de desenvolvimento de idéias. A gestão do conhecimento também pode
ultrapassar os limites da empresa. Na Chrysler, fornecedores são trazidos à fábrica para opinar no
desenvolvimento de novos veículos, junto com engenheiros, projetistas e executivos. A GE também
envolve clientes e fornecedores nos programas de treinamento, e divide informações, autoridade,
competência e recompensas pela organização. A empresa de equipamentos de informática Bull se
associou ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e à Universidade Harvard, com direito a
cursos e participação em projetos que eles desenvolvam. Assim a empresa pode pensar com
antecedência em como utilizar as novas descobertas.
Um jogo ainda mais complexo é a gestão do conhecimento dos outros, uma prática que a
Lucent Technologies domina como poucas companhias. "A empresa gasta 12% de sua receita anual
em pesquisa e desenvolvimento, uma quantia importante, mas nem de longe a maior da indústria",
diz Robert Shelton, da Arthur D. Little. "O que faz a diferença é como a Lucent gerencia esses
investimentos de 3 bilhões de dólares por ano. Por exemplo, ela tem seu próprio fundo de capitais
de risco, para buscar companhias com tecnologias inovadoras que complementem sua linha de
produtos." Na gestão de seus recursos, a empresa - responsável por um dos laboratórios mais
produtivos do mundo, o Bell Labs - decide se vai produzir, comprar ou colaborar na produção das
inovações de que precisa. Parece ser uma política vitoriosa: o preço de suas ações subiu mais de
160% no ano passado.

VER A MORTE SEM CHORAR


Um dos aspectos da gestão do conhecimento é a aceitação da morte. Segundo Charles
Handy, a história da vida de qualquer projeto obedece a uma curva sigmóide (em forma de S).
"Começamos lentos, experimentais e vacilantes, crescemos e depois declinamos." Por isso, ele
defende que a hora certa para iniciar um segundo projeto não é quando o primeiro apresenta sinais
de declínio, mas quando ele está chegando perto do ápice.
Sua proposta é que as empresas (e também as pessoas) comecem a traçar uma segunda
curva durante o bom período da primeira. Se esta segunda curva se revelar um engano, nada se
perde, pois só a fase exploratória terá sido posta em prática. Manter as duas curvas funcionando vai
se tornar um hábito. O modo de iniciar a segunda curva, segundo Handy, é fazer perguntas, desafiar
as hipóteses subjacentes aos projetos da empresa para conceber alternativas, espalhar idéias e
possibilidades. As melhores hipóteses devem ser testadas, na teoria e na prática. Por fim, os
resultados das experiências são revistos.
É algo parecido com o que diz o guru da administração, Peter Drucker. Ele define inovação
como uma "mudança que cria uma nova dimensão de desempenho". Inovação deve se tornar parte
da cultura da empresa, diz Drucker. Ao mesmo tempo, deve-se praticar um "abandono planejado" e
descartar programas que dão certo hoje mas não darão no futuro.
A "morte" revigora as empresas. Na década de 1950, a empresa farmacêutica Merck adotou a
estratégia de abrir mão conscientemente de participação de mercado quando os produtos iam se
tornando mercadorias de baixa margem de lucro, forçando-se a produzir inovações a fim de crescer
e prosperar. A Motorola usou um mecanismo semelhante de "inovar ou morrer", com sua prática de
cortar linhas de produtos consolidados com um grande volume de vendas, obrigando-se a preencher
o vazio com novos produtos. (A empresa fez isso com aparelhos de TV e rádios para carros.) A
Boeing criou um programa chamado "Olhos do inimigo", que atribui aos gerentes a tarefa de

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desenvolver estratégias como se trabalhassem para uma empresa concorrente com o objetivo de
acabar com a Boeing.

VOCÊ QUER FICAR MAIS RICO?


Todas essas práticas - identificar líderes, separar bolsões de inovação, espalhar, comprar ou
produzir conhecimento - são essenciais, mas não alimentam a si mesmas. A mais importante de
todas as políticas de uma empresa que quer inovar é investir em seu pessoal. "Hoje o ponto crucial
não é criar uma cultura de conhecimento, mas uma cultura de aprendizado, que vai gerar
conhecimento", diz Emerson de Almeida, presidente da Fundação Dom Cabral, um centro de
estudos sobre negócios sediado em Belo Horizonte.
Não se trata apenas de a empresa desenvolver sua principal riqueza (a inteligência). No
mundo do trabalho de hoje, o aprendizado é uma das moedas de remuneração do profissional.
Segundo o guru da reengenharia Michael Hammer, a essência do novo contrato nas empresas -
além do pagamento de salário pelo tempo de trabalho - é uma troca: iniciativa por oportunidades. A
companhia oferece a oportunidade e os meios educacionais para o funcionário obter sucesso
pessoal. Em troca, o empregado promete iniciativa na criação de valor para clientes e
conseqüentemente lucros para a companhia.
O psicólogo alemão William Stern já dizia, em 1919, que, para prosperar, qualquer estrutura
deve deixar claro para os seus componentes que a sobrevivência e a auto-realização deles serão
mais bem realizadas se eles trabalharem em conjunto pela sobrevivência e pelo desenvolvimento do
todo. Com o fim do contrato paternalista, que prometia segurança em troca do cumprimento de
normas, estabelece-se um novo tipo de troca: um empregado, ao deixar a companhia, deve ser um
indivíduo mais capaz e mais conhecedor do que quando entrou na empresa. Isso, é claro, desde que
ele aproveite as oportunidades.
Sim, porque este é um fator não muito bem explicado. "Se a inteligência é a nova base da
propriedade e da riqueza, é estranho que nós nem sempre pareçamos ávidos por obter mais para
nós mesmos", diz Charles Handy, em A Era do Paradoxo. Esse não é um paradoxo novo. "As
pessoas que investem na educação sempre se saem melhor. Sempre foi esse tipo de pessoa que se
destacou", diz Paulo Ferraz, presidente do banco Bozano, Simonsen. E completa: "Eu adoraria dizer
que as pessoas estão percebendo que têm de aprender. Infelizmente, não posso. Eu vejo por aqui.
E olha que a gente vive incentivando estudo, mandando gente para seminários..."

A BACTÉRIA E A IBM
Aprendizado sempre há, diz o cientista Stuart Kauffman, especialista em teoria da
complexidade. Qualquer mecanismo de feedback que causa mudança de comportamento é
aprendizado. "Podemos descobrir que a bactéria E. coli e a IBM conhecem o mundo a seu redor de
modos muito parecidos", diz Kauffman. A questão é acelerar esse aprendizado, explicitá-lo,
aproveitá-lo da melhor forma possível. Essa forma é a distribuição - e não a retenção - do
conhecimento.
Há hoje um ambiente muito mais propício ao aprendizado - nem que seja apenas pela
pressão de um mercado cada vez mais exigente. Há dez anos, apenas um em cada seis estudantes
era adulto nos EUA. Hoje, quatro em cada seis estudantes de nível universitário estão fazendo
cursos após a formatura ou enquanto estão empregados. Na Fundação Getúlio Vargas de São
Paulo, os cursos de reciclagem entre 1991 e 1995 tiveram um aumento de 600% no número de
alunos, e de 1995 para cá esse número dobrou, com a solicitação de conhecimento por parte das

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empresas. A educação continuada rendeu à GV 500 mil reais em 1991. Em 1995, foram 7 milhões.
Este ano, por volta de 13 milhões.
As companhias americanas gastam por volta de 60 bilhões de dólares por ano em
treinamento. A Internet deve ampliar o número de programas de aprendizado e reduzir
drasticamente os custos: cerca de 70% dos custos de treinamento são devidos a transporte, comida,
alojamento e instrutores. Com a revolução da informação, escola vai se tornar algo que você faz,
não um lugar para onde você vai.
O aprendizado também já está sendo percebido como uma forma de pagamento e como
segurança no mercado de trabalho. A Rhodia investe num projeto de empregabilidade para seus
funcionários - um programa de identificação de competências, com um espaço de treinamento em
computação, liderança e cursos técnicos - na fábrica de Santo André, em São Paulo. Um programa
na Perdigão fez 3.000 funcionários voltarem a estudar, do total de 15.000.
Funcionários mais capacitados e treinamento mais rápido significa ciclo de desenvolvimento
de produtos mais curto. No futuro, o aprendizado just-in-time será uma vantagem competitiva tanto
quanto hoje é a produção just-in-time.

REALIDADE FEITA DE IMAGINAÇÃO


Que tipo de aprendizado deve ser enfatizado no mundo dos negócios? Em primeiro lugar, é
óbvio, o treinamento específico requerido pelas funções atuais e do futuro imediato. Mas, num
mundo instável, como saber as necessidades do futuro um pouco além do imediato? Como manter-
se à frente? O ministro da Educação do Brasil, Paulo Renato de Souza, defende que a ênfase da
educação deve ser para criatividade, individualidade, estética, ética, emotividade, qualidade de vida,
a grande cultura. "O que se ensina para a vida nunca fica obsoleto."
E aqui voltamos, mais uma vez, ao conceito de "empresa humana". Porque o ambiente
favorável ao aprendizado é um ambiente de contato amigável, descontraído, no qual as informações
possam circular sem restrições e as idéias não sejam sufocadas em seu nascedouro. Um clima de
liberdade é essencial porque, como disse o filósofo Ludwig Wittgenstein, "os problemas são
resolvidos não com a aquisição de novas informações, mas com o rearranjo daquelas que temos há
muito tempo".
A integração dentro da empresa é benéfica porque permite o que Johan Roos, do IMD, chama
de auto-similitude: quando os mesmos padrões básicos de interação ocorrem em diferentes escalas
na empresa. "Todo ato de imaginação é a descoberta de semelhanças entre duas coisas que eram
pensadas como sendo distintas", afirmou o matemático Jacob Bronowski, no livro The Origins of
Knowledge and Imagination (As Origens do Conhecimento e da Imaginação).
Ao estudar as formas como cientistas conduzem suas experiências, o canadense Kevin
Dunbar, da McGill University, concluiu que "eles dependem amplamente de analogias - o processo
de aplicar conhecimentos de uma área para resolver problemas em outra". Num estudo de 630 000
patentes americanas, o Instituto de Tecnologia de Israel afirmou que "inovação é essencialmente um
processo de associação de idéias". Daí toda a importância das brincadeiras, da descontração, do
investimento em cultura: isso aumenta as possibilidades de associação de idéias.
Uma empresa com clareza de propósitos também tem mais facilidade de aprender. O
neurologista sueco David Ingvar afirma que, se você tem idéias claras sobre o seu futuro (ou
futuros), é muito mais fácil selecionar estímulos significativos do mundo complexo a sua volta. É uma
questão da natureza da percepção: "Você só consegue selecionar os estímulos pertinentes aos seus
planos para o futuro. Os outros são incompreensíveis para o cérebro". Quanto mais "memórias do
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futuro" nós desenvolvermos, mais abertos e receptivos seremos aos sinais do mundo externo. Uma
das funções da gerência é desenvolver caminhos e opções no tempo, diz Ingvar.
Outra característica importante do aprendizado é o trabalho em equipe. "Em ciência, não
existe mais trabalho individual. Quando o sujeito sobressai, tem um trabalho de equipe muito grande
por trás", afirma o filósofo Roberto Romano, da Unicamp. O lado negativo do trabalho em equipe é
que as decisões não usuais costumam ser sacrificadas em prol do consenso. Ralph Larsen,
presidente da Johnson & Johnson, conta que a tecnologia de lentes descartáveis teria um
desenvolvimento caro e demorado, por isso a decisão colegiada foi de abandonar o projeto. Um
diretor que não esteve presente à reunião, e portanto não passou pelo processo de chegar ao
consenso, ao ouvir a decisão desafiou a opinião geral e acabou convencendo todos a financiar a
idéia.
É preciso haver consenso, mas não se deve esquecer jamais que o conhecimento se alimenta
da iconoclastia, do desrespeito às tradições, do humor. Também não existe aprendizado sem
mudança. A essência do aprendizado é a habilidade de gerir a mudança mudando a si mesmo. O
educador francês Jean Piaget, um pioneiro da teoria da educação, chamou isso de aprendizado pela
acomodação. Trata-se de mudar a estrutura interna para continuar em harmonia com um ambiente
que foi modificado. Mudar para manter o equilíbrio.
Num mundo instável, o aprendizado é a essência da sobrevivência.

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4 - UM NOVO AMBIENTE: AS TRANSFORMAÇÕES NOS ESCRITÓRIOS
David Cohen - Fotos de Kiko Ferrite e Raul Júnior

Por mais virtual que seja a empresa do futuro, não há existência possível sem espaço. Em
algum momento, a virtualidade e a potencialidade devem dar lugar à ação e à produção. A escolha
do espaço onde isso vai ocorrer será também determinante para a empresa do novo milênio. O
espaço não é apenas o vazio onde se cria alguma coisa. Ele é também o ambiente que influi, o limite
que molda, o contexto que possibilita a produção. O espaço do trabalho - seja o escritório, a fábrica,
a casa ou até mesmo lugar nenhum - pode aumentar ou diminuir a produtividade, modificar relações,
determinar fluxos da produção.
Em muitas companhias, a organização física de um escritório reflete mais ou menos o
organograma da empresa: o presidente no andar mais alto, cadeiras e mesas melhores e salas
maiores para os executivos mais importantes, distribuição espacial das salas parecida com os
quadradinhos do mapa da hierarquia corporativa. Isso está mudando. Desde a década passada,
vêm surgindo os espaços abertos, as salas comuns, os ambientes de equipe. Na maioria das vezes,
o que ditou as mudanças foi a necessidade de economizar metros quadrados nos prédios caros das
metrópoles - a busca da eficiência no aproveitamento do espaço. Junto com isso, veio ganhando
força o conceito de funcionalidade, de adequação do ambiente ao tipo de trabalho que se espera
realizar ali.
Finalmente, ao conceito de funcionalidade deve-se unir o conceito de propósito. O espaço do
trabalho costuma incorporar a essência da empresa, comunicá-la e representá-la. "Quando você
entra numa empresa, já sente qual o tipo de gestão que ela tem. Pela telefonista, pelo porteiro, pela
divisão de salas", afirma Luís Gaj, professor do Programa de Estudos do Futuro da Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Charles Handy, ex-professor da London
Business School, conta que uma vez pediu a seus alunos que entrassem num escritório ou fábrica e,
sem conversar com ninguém, adivinhassem que tipo de ambiente seria aquele e que atitudes e
valores a gerência teria. "Eles ficaram surpresos com a acurácia das previsões, confirmadas quando
visitamos as empresas de modo mais formal e conduzimos experiências com os empregados", diz
Handy.
Qual será, então, a arquitetura da empresa do novo milênio? É claro que, se a criação e a
ocupação do espaço têm de ser feitas de acordo com os objetivos da empresa, a primeira
característica dos escritórios e fábricas do futuro deve ser a pluralidade: não há duas empresas
iguais, não deve haver dois espaços iguais. Mas certas peculiaridades da nova economia vão
obrigatoriamente fornecer diretrizes para a utilização desses espaços. Vamos delinear algumas
dessas diretrizes:

O AMBIENTE MUTANTE
Num mundo instável, a estrutura de uma empresa tende a mudar conforme suas
necessidades de produção. Equipes são formadas e dispensadas; funções são alteradas;
empregados terceirizados e consultores vão e vêm. As tarefas são temporárias, o tamanho dos
departamentos é variável, a composição da empresa é mutável. "Nessa situação, projetar um
espaço segundo a estrutura de uma empresa perde o sentido, uma vez que essa estrutura tem uma
imprevisibilidade de configuração", diz André Leirner, mestre em arquitetura e urbanismo pela
Architectural Association de Londres. "A solução é projetar um arcabouço infra-estrutural em que
diversas estruturas possam tomar forma." Há duas alternativas para isso. A primeira é a
maleabilidade do ambiente de trabalho, com a possibilidade de efetuar mudanças facilmente quando
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for necessário. Mesas particulares que podem virar mesas de reunião, paredes móveis, biombos,
baias etc.
Algumas empresas, como a Steelcase e a Teknion, são especializadas em móveis de
escritório que podem ser rearranjados para criar diferentes tipos de ambiente. Segundo o arquiteto
alemão Patrik Schumacher, em artigo na revista Daidalos, essa flexibilidade pode fazer parte da
própria arquitetura, não apenas do mobiliário. "A maior parte das superfícies pode ter mais de uma
função: mesas viram pisos, prateleiras viram escadas e assim por diante." O importante nessas
ambigüidades, diz Schumacher, é o estado de latência, que amplia a flexibilidade do espaço.
A segunda alternativa para mudanças estruturais é o uso maciço de tecnologia da informação,
ou seja, o trabalho num espaço virtual, intrinsecamente flexível. Nesse caso, a comunicação com
alguém da sala vizinha é tão rápida como com alguém do outro lado do mundo, o acesso ao chefe
pode ser tão fácil quanto ao colega ou ao cliente. Na maior parte das vezes, as duas alternativas
devem ser conjugadas. O escritório do futuro deve ter arquitetura flexível e recorrer à tecnologia da
informação.

O SEGUNDO LAR
O economista escocês Adam Smith considerava a separação entre trabalho e casa como a
mais importante de todas as modernas divisões do trabalho. A Revolução Industrial acabou com as
oficinas que os artesãos mantinham em suas próprias casas, porque os meios de produção
passaram a ser ferramentas caras e pesadas demais para que cada trabalhador fosse dono dos
seus. Com o avanço da economia do conhecimento, a separação rígida entre casa e trabalho
começa a ser novamente posta em dúvida.
"As fronteiras entre trabalho e lar estão começando a desaparecer", diz o americano Scott
Dunlap, sócio da empresa de arquitetura Gensler, de São Francisco. A própria natureza do trabalho
intelectual questiona a divisão entre local de trabalho e lar, porque o escritório, nesse caso, não
pode mais ser apenas o espaço da rotina de tarefas, da mecânica, da etiqueta. Ele deve ser também
o espaço da criatividade e da naturalidade. Ele tem que ser invadido pela noção do lar. Como diz o
filósofo francês Gaston Bachelard, em A Poética do Espaço (editora Martins Fontes): "Todo espaço
realmente habitado traz a essência da noção de casa".
Uma das conseqüências disso é que as pessoas querem trabalhar em lugares mais
agradáveis. "Nos Estados Unidos, 41% dos candidatos a emprego dizem que o ambiente de
trabalho influenciaria sua escolha de companhia", afirma Dunlap. Não é à toa que empresas estão
instalando mesas de bilhar, academias de ginástica, cafés e estacionamentos de bicicletas internos,
como meios de atrair jovens profissionais. Também não é à toa que empresas de tecnologia jovens
tenham muitas vezes o aspecto de um quarto de adolescente.

PRAÇA E CAVERNA
Uma outra característica da flexibilidade da fronteira entre casa e trabalho é que, graças à
tecnologia e às novas formas organizacionais, mais pessoas estão trabalhando em casa:
• Eugene Tsiang, um cientista do Centro de Astrofísica do Harvard Smithsonian, é
responsável pelo telescópio do instituto, que fica no Havaí, mas mora a uma distância de um quarto
do planeta dali, em Cambridge, Massachusetts. Com um notebook, ele ajusta o telescópio, faz
observações e coleta informações.

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• Everaldo Santos, da companhia de alumínio Alcan, conta que seu diretor jurídico trabalha
em casa nos dias em que tem de obedecer ao rodízio de carros em São Paulo. Vendedores, que
antes precisavam ir à empresa todo dia para fechar pedidos, hoje não têm mais mesa e trabalham
em escritórios virtuais.
• Várias empresas, como a consultoria Andersen Consulting, adotaram o regime de
hotelaria, em que os funcionários não têm mesas próprias e, quando precisam de sala, reservam
sua utilização por um tempo determinado.
• A IBM tem 100 000 trabalhadores móveis. No ano passado, 55% dos funcionários de
colarinho branco da AT&T eram considerados trabalhadores a distância, pela definição da
empresa: pessoas que trabalham fora do escritório regularmente pelo menos duas vezes por
semana.
Será esse o futuro? O fim dos escritórios? Para muita gente, sim. Quando contrata
funcionários, uma companhia espacial americana já exige pessoas que não precisem do ambiente
de escritório, pelo cândido motivo de que essa companhia não tem escritório. David Whitten, vice-
presidente de pesquisas do Gartner Group, está há oito anos na empresa e nunca trabalhou num
escritório do grupo. Mas também não trabalha em casa: ele aluga uma sala. "O problema de
trabalhar em casa é que algumas pessoas não conseguem impor limites e se estouram de
trabalhar", diz Whitten. Em alguns casos desse tipo, o Gartner Group mandou os funcionários de
volta para o escritório. Em outros casos, enviou conselheiros e terapeutas para ajudar os
funcionários a trabalhar em casa. Outros tiveram de ser mandados embora da empresa.
O americano Frank Becker, chefe de um projeto chamado Workscape 21 (Ambiente de
Trabalho no Século 21) na Cornell University, acredita que cada vez mais trabalhadores dividirão o
tempo entre o escritório central, o escritório doméstico e um escritório em um parque afastado do
centro. Alberto Augusto Perazzo, da companhia de equipamentos de informática Bull, tem planos
parecidos para a empresa no Brasil. "Podemos ter vários predinhos. Esse é um projeto que já está
sendo pensado. As pessoas poderão ir para o local que escolherem."
Já há até projetos de comunidades de teletrabalho - centros com escritórios que permitem
conexão com as sedes das empresas. Ou seja, as pessoas trabalham para empresas diferentes, no
mesmo escritório, numa cidade afastada. Um desses projetos, em Nevada, nos EUA, é uma
telecomunidade de 8 600 pessoas, construída por uma companhia britânica no lugar onde - talvez
não à toa - funcionou um hospital para loucos, que foi abandonado no começo da década. Um
projeto similar existe na Itália, na cidadezinha de Colletta di Castelbianco, perto de Gênova. A cidade
estava desabitada havia 30 anos e, quando os responsáveis decidiram restaurá-la, começaram a
desenvolver uma telecidade. Os primeiros moradores se mudaram para lá em março de 1998.
Apesar de todas essas alternativas, a maioria das pessoas vai continuar trabalhando em
escritórios e fábricas das empresas, pelo menos no futuro próximo. Mesmo quem trabalha em casa
deverá ter alguma conexão com a sede. "Em algumas horas, as pessoas vão ter que ficar juntas.
Não para fazer o que poderia ser feito em casa, mas para formalizar os momentos de convívio real,
para ter um espaço de troca de idéias e experiências enriquecedoras", diz Perazzo, da Bull.
"Antigamente, você passeava pelo escritório para ficar por dentro das coisas, mas agora tem que
pensar em como manter seus funcionários informados", diz Jonathan Judge, responsável pela
gestão da IBM na Web. Mais: como fazer a cultura da empresa chegar aos funcionários virtuais?
Uma solução que parece estar se impondo é a chamada cave and commons (algo como
caverna e praça) - a distribuição do espaço em locais amplos e comunitários (commons), mas com
pequenas ilhas de privacidade. É uma solução de compromisso, porque os espaços abertos

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incentivam a eficiência do trabalho de equipe, mas também provocam distração e estresse, pela falta
de privacidade necessária ao trabalho intelectual.

VASTIDÃO E ACONCHEGO
Uma das características do espaço de trabalho do futuro será a sua dualidade: a pretensão de
unir o espaço da rua e o espaço da casa num mesmo ambiente. A amplitude é o espaço comunitário
que favorece a comunicação e o trabalho em equipe. Mas não apenas isso. Ela é necessária
também como inspiração do trabalho intelectual, como conforto para a mente. "Poderíamos dizer
que a imensidão é uma categoria filosófica do devaneio", afirma Bachelard em seu estudo
fenomenológico do espaço. "A contemplação da grandeza determina uma atitude tão especial, um
estado de alma tão particular, que o devaneio coloca o sonhador fora do mundo próximo, diante de
um mundo que traz o signo do infinito."
Essa própria imensidão exige um espaço protegido. Segundo o poeta francês Jules
Supervielle, citado por Bachelard, "o excesso de espaço sufoca-nos muito mais do que a sua falta".
Por isso é tão importante a criação de espaços particulares no trabalho, com objetos pessoais,
decoração escolhida pelo usuário etc. Espaços individualizados não por hierarquia, mas por
necessidades da função ou do indivíduo. A empresa de petróleo Mobil Oil é um exemplo: percebeu
que sua política de dar salas maiores para executivos de maior hierarquia era obsoleta e até, em
alguns casos, contraproducente. Quando geólogos subiam de cargo, ganhavam salas com janelas -
que eles odiavam, porque perdiam o espaço de parede em que costumavam pendurar seus mapas e
suas cartas de sismologia.
Parece óbvio, mas o óbvio costuma demorar muito para ser enxergado: cada pessoa tem
necessidades diferentes e será mais produtiva em diferentes ambientes. A empresa de seguros
americana West Bend começou a usar equipamentos que permitem que cada funcionário ajuste a
temperatura, a ventilação e até o nível de ruído em seu cubículo. Pesquisadores do Instituto
Politécnico Renssealer concluíram que os funcionários que tinham controle sobre seus ambientes
eram pelo menos 3% mais produtivos do que os outros.
O arquiteto Odair Stolagli, da Exacta Saúde Ocupacional, está iniciando no Brasil um trabalho
de pós-avaliação de ambientes. "Quando se projetam os espaços, parte-se do princípio de que o ser
humano é infinitamente adaptável. Mas cada adaptação acarreta um pouco de estresse", diz
Stolagli. Seu trabalho é averiguar como os espaços são ocupados pelos funcionários que trabalham
neles. O mesmo nível de ruído pode ser prejudicial para alguém que precise se concentrar e positivo
para quem tenha uma tarefa rotineira; a incidência da luz pode incomodar uma pessoa mais alta e
assim por diante. "A maior crítica à arquitetura hoje não vem de arquitetos ou de designers, vem das
ciências humanas, da psicologia, da antropologia", afirma Stolagli.

A ETERNA VIGILÂNCIA
Toda arquitetura estabelece também um sistema de poder. A estrutura de poder proposta no
século 18 pelo filósofo inglês Jeremy Bentham é o panóptico - basicamente, uma construção
circular, com uma torre no meio, de onde se pode ver tudo o que se passa, através de grandes
janelas. O princípio é de que o poder é visível e inverificável. A pessoa nunca sabe se está sendo
observada, mas tem certeza de que sempre pode sê-lo. Segundo o filósofo francês Michel Foucault,
o panoptismo - cuja essência são justamente os espaços abertos, tão comuns nos escritórios de
hoje - inaugura uma nova concepção da disciplina: "Um mecanismo funcional que deve melhorar o
exercício do poder, tornando-o mais rápido, mais leve, mais eficaz". Não é uma disciplina apenas da
coerção e da negação, mas um poder que instrui, fabrica, ensina.
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A essa arquitetura se une o poder da tecnologia, similar ao da ficção do Grande Irmão,
descrito por George Orwell. Existe a possibilidade de investigação das mensagens do computador,
conversas telefônicas podem ser gravadas. A vigilância não é opressiva, mas é perene. Novamente,
não é apenas um poder coercivo, é principalmente um poder educativo, que busca alojar-se no
indivíduo. É um poder que pode realizar-se a distância. Segundo o sociólogo Richard Sennett, um
bom número de estudos afirma que a vigilância do trabalho é maior para quem trabalha em casa do
que para quem está no escritório. "O poder externo tende ao incorpóreo. E, quanto mais se
aproxima desse limite, mais seus efeitos são constantes, profundos, adquiridos em caráter
definitivo", diz Foucault. Em algumas creches nos EUA, os pais podem checar a rotina das crianças,
saber o menu do dia, ou mesmo acompanhar o progresso dos pimpolhos por câmeras que
transmitem imagens pela Internet. O mesmo pode ocorrer quando o filho é a empresa: "Eu consigo
ver a empresa de casa. Tenho câmeras em alguns locais e acesso a elas pela Internet", diz Laércio
Cosentino, da Microsiga.
Cada empresa deve estabelecer sua arquitetura pensando também nesse equilíbrio: a praça,
o espaço aberto, é o local da disciplina e da produtividade; as cavernas são o local da criatividade.

A VOZ DO SILÊNCIO
Como forma de organização do poder, não existe arquitetura ingênua. A localização de cada
parede quer dizer algo, assim como a distribuição de salas, o espaço destinado ao cliente, o grau de
dificuldade imposto para o acesso à informação. Até o vazio adquire significado, na pretensão de
uma empresa virtual e flexível. É o que diz o sociólogo Manuel Castells no livro A Sociedade em
Rede (editora Paz e Terra). "A arquitetura que parece mais repleta de significados nas sociedades
moldadas pela lógica do espaço de fluxos é o que eu chamo de 'arquitetura da mudez': a arquitetura
cujas formas são tão neutras, tão puras, tão diáfanas, que não pretendem dizer nada. Sua
mensagem é o silêncio."

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5 - A PRESSÃO SOCIAL: RELAÇÕES COM A COMUNIDADE E O MEIO
AMBIENTE
David Cohen

É um fenômeno mundial que as empresas venham sendo mais cobradas em seu papel de
cidadãs. Esse fenômeno tem a ver com a queda dos regimes socialistas do Leste Europeu e o fim
da Guerra Fria; com a busca de novos mercados pelas empresas transnacionais; com o avanço do
neoliberalismo e a onda de privatizações e desregulamentações que aumentou a parcela da
economia em poder dos grupos privados. Tem a ver, também, com a evolução normal da
conscientização das sociedades.
No Brasil, há outros fatores a considerar. Primeiro, uma ampla gama de novos empresários,
na faixa dos 30, 40 anos, viveu o fim do regime militar, conheceu outros países, está mais bem
preparada e se sente na obrigação de colaborar para tornar o país melhor. Em segundo lugar, o
aumento da violência nas grandes cidades parece ter chegado ao ponto em que é impossível fechar
os olhos para a vergonhosa disparidade social brasileira.
Finalmente, há uma mudança de mentalidade da sociedade brasileira em relação às
empresas. No livro A Empresa Viva, Arie de Geus, diretor da Shell do Brasil na década de 70,
comenta que a opinião pública brasileira era contrária às empresas multinacionais pelo simples fato
de elas estarem no país. Edson Vaz Musa, que foi presidente da Rhodia, diz que as empresas não
deixavam que seus executivos tivessem atividades extras por medo de repercussões políticas.
Hoje, a situação se inverteu. Empresas são paparicadas como a salvação da lavoura (ou
melhor, da indústria) e louvadas pelo número de empregos diretos e indiretos que podem
proporcionar, a ponto de governadores estaduais lançarem guerras fiscais e jogos de pressão
política para tê-las em sua região. Com esse ambiente favorável, as empresas não apenas permitem
como também incentivam seus executivos a assumir responsabilidades sociais.
Certo, o clima parece favorável às ações comunitárias, mas as empresas estão assumindo
mais responsabilidades? Ou seus programas sociais são apenas medidas paliativas, simplesmente
o embrião do que ainda precisa ser feito? Sim e sim. Há indícios fortes de que as empresas estejam
começando a assumir seu lado cidadão, mas em geral sua atuação é tímida.
A maioria das empresas (56%) apóia programas sociais, segundo a primeira pesquisa
nacional sobre a atuação social e o estímulo ao voluntariado nas empresas, finalizada em julho pelo
programa governamental Comunidade Solidária. Parece bastante, mas esse índice se refere a
qualquer tipo de programa, sem levar em conta a quantidade de recursos aplicada. Uma grande
parcela das empresas (43%) não investe nada. Apenas 17% das empresas disseram que há
voluntariado durante o horário de trabalho, e 16% afirmaram que designam um responsável por esse
voluntariado. A pesquisa* foi realizada pelo Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor,
da Universidade de São Paulo, com 1 200 empresas de nove estados e do Distrito Federal. Ela
mostra que, mesmo que seja tímida em alguns aspectos, a ação social das empresas está
ganhando força.

Alguns dados da pesquisa:

Área de atuação social das empresas:


Educação Saúde Arte e Cultura Meio Ambiente Esporte População - alvo:
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Crianças e
Adolescentes
40% 26% 23% 19% 16% 47%

Como as empresas estimulam o voluntário:


Estimulam
Oferecem Atuação Formam Dão Valorizam Na
Recursos Em Grupos Dispensa Contratação
Projetos
21% 17% 17% 12% 10%

OUTRO MODELO DE NEGÓCIOS


Nem todo mundo é tão otimista. Allan Cohen, reitor da escola de negócios americana Babson
College, acredita que a preocupação social tenha um ciclo próprio. Hoje está em alta, amanhã
deverá estar em baixa de novo. Será?
Essa visão dos ciclos funciona sob o pressuposto de que as preocupações sociais e
ambientais representam um custo e, assim que tiverem oportunidade, as empresas deverão cortá-lo.
Esse pressuposto vem sendo questionado. "É custo? O que nossos associados têm aprendido é que
a responsabilidade social é um ótimo negócio", diz Robert Dunn, presidente da Business for Social
Responsability (Negócios pela Responsabilidade Social), um grupo americano de promoção da ética
nas empresas que começou com 40 sócios e hoje congrega 1 500 firmas de todos os tamanhos,
com um faturamento conjunto de 1,5 trilhão de dólares por ano. (É nesse caminho que se inspira o
Instituto Ethos, no Brasil. Em junho, sua conferência sobre responsabilidade social reuniu mais de
300 líderes empresariais em São Paulo.)
Segundo os professores e consultores americanos Malcolm McIntosh, Deborah Leipziger,
Keith Jones e Gill Coleman, autores do livro Corporate Citizenship, existe hoje uma nova forma de
cidadania corporativa. "Não é filantropia, não é escrever um anexo sobre ações comunitárias no
relatório financeiro anual. A nova cidadania corporativa não é uma idéia posterior ao negócio,
entregue ao departamento de recursos humanos. É a cidadania no coração do planejamento
estratégico."
Guilherme Peirão Leal, um dos sócios da empresa de cosméticos Natura, diz que "ética e
responsabilidade social devem se expressar na prática empresarial, não no pós-expediente, como
expiação de culpas. Só a construção de relações de qualidade pode levar as empresas a condições
de sobrevivência num mundo instável". Em resumo: a cidadania corporativa não faz parte de um
ciclo que dependa do senso de abnegação das empresas. Ela é um novo modelo de fazer negócios.
"A responsabilidade social se liga a todas as decisões de uma companhia: onde colocar uma fábrica,
como contratar, como anunciar, como se relacionar com as autoridades...", afirma Dunn.
Como diz Arie de Geus, o ex-executivo da Shell: "É perfeitamente válido que uma empresa
tenha o único objetivo de gerar lucro para seus acionistas. Mas isso tem conseqüências. Só um
pequeno grupo de pessoas se identifica com o círculo de poder. Todos os outros serão adendos à
máquina de fazer dinheiro. Serão outsiders, recrutados por suas habilidades. Isso significa que
controles hierárquicos têm de ser aplicados. Esta é a velha empresa econômica".
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A alternativa, diz De Geus, é uma empresa organizada em torno do propósito de perpetuar a
si mesma. "O retorno financeiro é importante, mas os gerentes vêem a otimização do capital como
um complemento da otimização das pessoas. Seus objetivos são longevidade e o desenvolvimento
de seu potencial. Lucro é um meio para esse fim."
No livro Feitas para Durar, James Collins e Jerry Porras comparam duas empresas com
estilos bem diferentes: a eficiente Texas Instruments (TI) e a excelente Hewlett Packard (HP). "Para
a TI, quanto maior o lucro, melhor, e ponto final. Para a HP, quanto maior o lucro, melhor, desde que
alguma contribuição seja feita." (David Packard enfatizava aos gerentes da HP a necessidade de
pensar na contribuição, mais do que no lucro ou na participação de mercado.) "A TI, por exemplo,
começou a fabricar calculadoras de bolso baratas e relógios digitais descartáveis de 10 dólares, na
década de 70. Diante das mesmas oportunidades de mercado, a HP não embarcou nessa onda fácil
porque isso não representava nenhuma contribuição técnica", dizem Porras e Collins.
Não é apenas uma questão de escolher um ou outro modelo. A empresa hierárquica está
condenada ao segundo pelotão na Nova Economia, porque a riqueza mais importante do futuro, o
conhecimento, não pode ser criada com os mesmos métodos com que se extrai ouro de uma mina
ou se produzem bens industriais.

PRESSÃO E RECOMPENSAS
Mais do que simplesmente uma onda politicamente correta, a responsabilidade social está
fincando bases em razões de negócio. Numa sociedade globalizada, ultracompetitiva e mais bem
informada, os consumidores têm amplo poder de escolha e já não basta oferecer um bom produto. É
necessário vender também a imagem da empresa. Uma pesquisa mundial feita pela Ford concluiu
que, em todos os lugares, os consumidores - principalmente os jovens - preferem companhias que
tenham preocupação social.
O incentivo à cidadania corporativa se dá de duas maneiras: pressão e recompensas. Alguns
exemplos de pressão:
• Atos antiéticos ou criminosos praticados por trabalhadores custam em indenizações mais
de 400 bilhões de dólares por ano às empresas dos Estados Unidos, segundo o Ethical Leadership
Group (Grupo de Liderança Ética), fundado em 1993 pelo teólogo Steve Priest.
• Na Alemanha, foi aprovada uma lei para impor às empresas automobilísticas uma taxa pelo
ciclo de vida total dos carros, apelidada de take-back (pegar de volta). Ou seja, a empresa tem de
se preocupar com o que vai ser feito do veículo, no final de sua vida útil. (Esse custo pode acabar
se tornando uma oportunidade, como já é comum na indústria eletrônica. A Digital Equipment lucra
uma segunda vez ao vender computadores recauchutados para países em desenvolvimento; a
Xerox vende por preços mais baixos copiadoras refabricadas.)
• Em maio de 1997, fundos de pensão que controlavam 1% das ações da Shell pediram uma
resolução em assembléia que obrigasse a companhia a ter auditoria independente para suas
políticas de direitos humanos e ambiental. O motivo eram acusações de que a Shell tinha relações
políticas com a repressão militar na Nigéria, além de provocar danos ao meio ambiente. A moção
foi derrotada, mas teve apoio de 10% dos acionistas, com 6% de abstenções.
• 18 de outubro de 1997 foi o dia mundial de ação contra a Nike, o ápice de uma campanha
de denúncias de utilização de trabalho infantil, salários indecentes e condições insalubres em
algumas fábricas asiáticas que forneciam tênis para a Nike. O escândalo ajudou a derrubar o valor
das ações da empresa e provocou uma reestruturação na sua política de alianças, incluindo a
criação de um departamento para monitorar as fábricas associadas.
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Eis agora alguns exemplos de recompensa:
• A empresa sueca Boxman, que vende CDs pela Internet, estreou seu site na Finlândia com
um show do grupo Ace of Base. Unindo tecnologia e causa social, a Boxman comprometeu-se a
doar para a luta contra o câncer 1 marco (cerca de 20 centavos de dólar) por cada disco vendido.
Em apenas uma semana, abocanhou 10% das vendas de CDs da Finlândia.
• Autoridades sanitárias americanas descobriram uma bactéria num dos sucos da fábrica
Odwalla e comunicaram à direção da empresa que os testes definitivos sairiam em uma semana. A
fábrica decidiu não esperar: recolheu todo o seu estoque de suco dos supermercados. As vendas
caíram a zero, e os analistas foram unânimes em considerar que a empresa estava acabada. Em
um ano, beneficiando-se de sua postura ética, a empresa recuperou 100% das vendas.
• Uma refinaria na Austrália preocupava-se com o alto índice de absenteísmo. Quando
decidiu participar de um fundo comunitário, acrescentou um item: para cada dia de ausência dos
trabalhadores, seria reduzida a porcentagem de doações. Em poucos meses, as faltas caíram ao
menor nível da história da empresa.

O MARKETING SOCIAL
Robert Dunn, presidente da Business for Social Responsability (www.bsr.org), cita três
vantagens competitivas das empresas cidadãs:
1a - acesso a capital : Um décimo dos investimentos nos EUA é feito por fundos que se
preocupam com ética, ambiente, responsabilidade social.
2a - desempenho : "O retorno financeiro das empresas éticas que nós acompanhamos nos
últimos oito anos bate a média das 500 maiores empresas do índice da Standard & Poor's", afirma
Dunn.
3a - motivação : "Os funcionários das empresas socialmente responsáveis trabalham mais
motivados, são mais produtivos e mais leais, segundo estudos de várias faculdades e instituições
americanas", diz Dunn.
A cidadania funciona como qualquer serviço no mercado competitivo: os inovadores são
premiados. "Quem entra nessa área mais cedo ganha vantagem, fica com uma boa imagem. Em
algum ponto, as ações pelo ambiente e pela comunidade deixam de ser vantagem, passam a ser
pré-requisito", afirma Dunn. Esse caminho já está sendo trilhado com mais consistência nos EUA.
"Há 15 anos, nós tínhamos que custear estudos caríssimos sobre o impacto das indústrias no meio
ambiente. Hoje, as companhias pagam por esses estudos para usá-los como propaganda", diz a
futurista, consultora de empresas e ativista social Hazel Henderson.
Nesse mundo novo, em que a batalha pela atenção dos consumidores se acirra, o trabalho
pela comunidade ganha mais importância de marketing. Denis Beausejour, vice-presidente de
propaganda da Procter & Gamble, diz que o patrocínio de uma experiência comunitária na Internet é
mais bem-sucedido, como estratégia de marketing, do que colocar uma bandeira num site.
"Patrocínios ajudam a identificar a companhia com o apoio a uma comunidade."
Um exemplo disso é o The Hunger Site (O Site da Fome, www.thehungersite.com), uma
página na Internet em que aparece um mapa mundial mostrando as estatísticas de morte pela fome.
O visitante é informado de que basta clicar num ícone para que uma das empresas associadas doe
uma porção de comida para salvar uma vida em algum lugar do planeta. Já foi criada uma versão
brasileira desse site, o Clickfome, ligado ao Ibase, do Rio de Janeiro (www.clickfome.com.br).
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Outro exemplo de retorno de marketing é o da cadeia de roupas britânica Marks & Spencer. A
empresa paga 35 empregados para fazer trabalhos comunitários em tempo integral e mais 200 em
horário parcial. Ela apóia cerca de 1 200 ações de caridade. É uma companhia tão ligada à
comunidade que a ex-primeira-ministra Margaret Thatcher e o atual primeiro-ministro Tony Blair
afirmaram com orgulho (e talvez um pouco de pendor populista) que costumam fazer suas compras
lá.
O engajamento numa causa também melhora a imagem da empresa em relação a seus
funcionários. Um indício claro de quanto os empregados são favoráveis ao voluntariado é a pesquisa
sobre ação social feita pelo programa Comunidade Solidária: embora apenas 17% das empresas
tenham voluntários durante o horário de trabalho, 48% delas afirmam que têm funcionários que
fazem trabalho voluntário, e outros 30% dizem não saber.
A empresa de autopeças Iochpe Maxion organizou um curso técnico reconhecido pelo MEC
no qual o ensino é dado por voluntários. O curso tem mais candidatos do que vagas para professor.
"Em 1996, quando houve demissões na empresa, alguns professores demitidos pediram para
continuar dando as aulas", afirma Evelyn Berg Iochpe, diretora da Fundação Iochpe. Quando uma
unidade do Rio Grande do Sul foi vendida, funcionários decidiram manter a escola por si mesmos.
O Instituto Microsiga, da empresa de softwares de gestão Microsiga, nasceu de uma sugestão
de um funcionário, no ano passado. Hoje, 750 crianças estão sendo treinadas em computação. No
ano que vem, serão 1 500. A Microsiga também colabora no patrocínio da escola de samba
paulistana Unidos do Peruche. "A empresa deveria ter papel social importante. Porque você tem
comprometimento do pessoal que trabalha na empresa", afirma Laércio Cosentino, presidente da
Microsiga.
Trabalhos sociais também são um modo de formar ou detectar líderes. Uma das empresas
que mais fazem investimentos sociais no Brasil é a holandesa C&A. "A empresa não faz nenhuma
ligação entre progresso na carreira e trabalho voluntário, mas é claro que o setor terciário é um local
privilegiado para observação de talentos", diz Antônio Carlos Martinelli, presidente do Instituto C&A.
"O papel de cidadão contamina os outros papéis."
Geralmente, empresas que se preocupam com a comunidade também se preocupam com o
ambiente interno. Tratar bem seus funcionários faz parte da cartilha ética - além de ser a melhor
maneira de valorizar a empresa. O americano Robert Levering, presidente do Great Place to Work
Institute (Instituto Ótimo Lugar para Trabalhar), que publica uma lista anual com as melhores
empresas para trabalhar nos Estados Unidos, afirma que as 100 companhias de sua lista tiveram no
ano passado quase o dobro do lucro médio das 500 maiores do índice Standard & Poor's, e quase o
triplo da valorização de ações.
"Os fatos não comprovam o lema de que você tem de ser mau e egoísta para vencer no
mundo dos negócios", diz Levering.
Finalmente, há os ganhos provenientes da preocupação com o meio ambiente. A 3M usa o
esforço de preservação ambiental como um motor do processo de inovação. A NEC capitalizou sua
especialidade em redução de lixo industrial e inovação de produtos abrindo uma consultoria de
gestão do ambiente para a indústria eletrônica japonesa. Sobre esse tópico, o melhor seria dizer que
não existe uma coisa chamada gestão ambiental. O que existe é simplesmente boa gestão. (Afinal, o
que é gestão ambiental senão o combate ao desperdício, a economia de recursos, o incentivo à
inovação para produzir cada vez mais usando cada vez menos?)

GESTÕES AMBIENTAIS

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Um bom exemplo de gestão ambiental é a companhia americana de carpetes Interface.
Durante 21 anos, ela funcionou como uma empresa tradicional. Um dia, seu presidente e fundador,
Ray Anderson, leu um livro sobre ecologia que um funcionário deixara em sua mesa e
imediatamente decidiu transformar a companhia. Mas ele nunca deixou de pensar no lucro. O
princípio básico para tornar a gestão ambiental era simples: eliminar qualquer custo que não
trouxesse valor para o cliente. Não havia nenhuma menção a reduzir emissões tóxicas nem o lixo -
mas foi esse o resultado.
A Interface começou a reutilizar fibras, adotou novos métodos de corte que diminuíram os
resíduos de material na hora de colocar o carpete e passou a usar água em vez de compostos
químicos. Até o modelo de negócio foi repensado: em vez de vender carpetes, a Interface passou a
alugá-los. A idéia é promover o "carpete verde", ou seja, a companhia se compromete a
supervisionar, substituir e reciclar pedaços de carpete gastos, em vez de tentar vender ao cliente
mais do que ele precisa.
O compromisso com o meio ambiente chegou a tal ponto que certa vez seus diretores
marcaram uma convenção em um hotel do Havaí, mas um dos executivos reclamou: "Como nós
podemos fazer a nossa convenção nesse hotel tão ecologicamente irresponsável?" A semana da
convenção acabou sendo inteiramente gasta com discussões sobre maneiras de aquele hotel
economizar dinheiro, adotando uma gestão ambientalista.
A Interface talvez seja um exemplo radical, mas há inúmeras companhias nesse caminho:
• A Electrolux já tem 10% das vendas, e 15% dos lucros, provenientes de produtos
ambientalmente corretos.
• A fabricante de meias alemã Kunert reduziu a poluição em 20% e cortou seus custos totais
em torno de 2%, como resultado do seu programa ambiental.
• Uma fábrica da Lucent Technologies, em Allentown, na Pensilvânia, usava equipes de
operários para limpar resíduos. Os empregados descobriram que, se o processo de produção fosse
um pouquinho modificado, poderiam usar água em vez das substâncias químicas.
• A Companhia Suzano de Papel e Celulose tem uma área de reflorestamento de 50 mil
hectares, com reservas de 17 500 hectares destinadas a manter a diversidade. Essa preocupação
ecológica ajuda a controlar pragas.
• Desde 1993, a Nike estuda a conversão da cola usada nos seus tênis, passando de um
produto feito à base de petróleo para outro à base de água. Foram gastos milhões de dólares
nessa conversão, mas nas fábricas em que ela foi feita observaram-se as seguintes vantagens: os
contêineres podem ser reutilizados, a limpeza é mais barata, a produtividade é maior (com o menor
nível de agressão ambiental aos trabalhadores) e o sistema de ventilação das fábricas tem um
custo menor.
• Na fábrica de Juiz de Fora, a Mercedes-Benz adotou o processo de tintura hidrossolúvel, à
base de água, que diminui o uso de solventes orgânicos de 12 quilos para 3 quilos por carro,
segundo a empresa.
Além dos cortes de custo na produção e da eventual descoberta de novas oportunidades de
negócios, as empresas vêm descobrindo que podem usar seus programas ambientais (e sociais
também) como ferramentas para divulgar uma boa imagem da companhia. A British Petroleum, por
exemplo, usa uma contabilidade ambiental no seu relatório financeiro anual para demonstrar o
compromisso com o meio ambiente. A DuPont ficou em primeiro lugar no ano passado na lista de
empresas mais admiradas dos Estados Unidos, feita pela revista Fortune, especialmente por causa
de sua política de responsabilidade social.
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Esse tipo de contabilidade ambiental, que alguns consultores apelidaram de environmetrics, é
a tentativa de transformar a linguagem ecológica naquilo que o mundo dos negócios entende:
números. Ulrich Steger, ex-ministro de economia e tecnologia do estado alemão de Hesse, explica:
"Além do custo do material, o uso de um determinado produto químico pode ter custos indiretos,
como mais recursos exigidos para tratar água contaminada, cuidados extras na estocagem etc."
Quando esse cálculo é feito, com auxílio da contabilidade ambiental, notam-se os prejuízos
causados pela gestão não-ambiental.
A fábrica de Jundiaí (SP) da empresa de balas holandesa Van Melle criou um "barômetro
ecológico" para medir o sucesso de sua política ambiental. O barômetro é uma comparação da
situação de uma série de índices (acidificação, uso de água, resíduos sólidos etc.) com a situação
ideal. Décio Abu Gannam, diretor industrial da Van Melle, diz que a meta é atingir o equilíbrio com o
meio ambiente em 2005.
O barômetro ecológico passou a ser uma das diretrizes da empresa e tem se mostrado um
fator de mobilização dos funcionários. "Quase metade da fábrica está engajada em projetos de
ecologia", diz Abu Gannam. A empresa já progrediu bastante: em 1992, o barômetro teve 10,8
pontos. Em 1997, teve 0,23 ponto. No ano passado, ficou perto de zero. Agora, o trabalho será
definir metas separadas para cada um dos índices que compõem o barômetro.
Segundo o ex-ministro alemão Ulrich Steger, há três razões importantes para que uma
empresa invista no meio ambiente:
a) as pressões sociais vão crescer;
b) esse investimento vai cortar custos fixos da produção; e
c) essa política vai levar a inovações que podem fazer parte de uma estratégia de excelência
da empresa.
Segundo o americano Douglas Maguire, do World Resources Institute (Instituto de Recursos
Mundiais), uma associação ambientalista fundada em 1982, "em 10 ou 15 anos, não vai haver
empresa competitiva que não tenha uma estratégia ambiental".

CONTABILIDADE SOCIAL
A mesma lógica pode se aplicar à gestão social. Empresas que não tenham uma estratégia
definida nesse campo vão perder pontos. Em primeiro lugar, porque estarão deixando de aproveitar
um manancial de riqueza em conhecimento que está latente nos funcionários e na comunidade. Em
segundo lugar, porque perderão pontos na construção de sua imagem institucional, em relação a
concorrentes que se mostrem mais identificados com a sociedade em que atuam. Em terceiro lugar,
porque podem estar pura e simplesmente jogando dinheiro fora, desperdiçando excelentes negócios
em médio e até curto prazo.
Um exemplo: a Hindustan Lever, uma fábrica de laticínios subsidiária da Unilever no estado
indiano de Uttar Pradesh, dava prejuízo. O que se podia fazer? Lamentar e fechar o negócio. Mas,
investigando por que a fábrica dava prejuízo, a companhia concluiu que os fazendeiros eram tão
pobres que não conseguiam alimentar e cuidar direito do gado. Em vez de fechar a fábrica, a
Hindustan Lever investiu no desenvolvimento da comunidade rural. Ela forneceu empréstimos sem
juros para os fazendeiros, ajudou na criação de um plano de cinco anos para melhorar a saúde
humana e animal e serviu como catalisadora para atrair investimentos do governo em estradas,
escolas e clínicas. Hoje, a fábrica dá lucro. Essa iniciativa agora cobre 400 aldeias no estado.

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Assim como a contabilidade ambiental, já existem tentativas de criar uma contabilidade social.
Na Holanda, a firma de consultoria e auditoria internacional KPMG presta uma consultoria de
integridade que já tem 25 empresas clientes. A IBM mede agora suas empresas por sete
parâmetros, sendo quatro financeiros e três de novas medidas (satisfação do cliente, qualidade e
moral do empregado). Outras empresas estão procurando meios de medir o "banco de
conhecimentos" da companhia.

DE ADVERSÁRIOS A ALIADOS
Se as empresas estão mudando em relação à responsabilidade social, as organizações de
projetos sociais também estão. Elas são agora mais profissionais, mais sérias. Descobriram que a
melhor forma de lutar por direitos sociais e ambientais não é combater as empresas, mas atraí-las.
A melhor arma, geralmente, é a informação. Quando fala sobre fundos de investimento
socialmente responsáveis, Eric Leenson, da Progressive Asset Management, cita o caso do Instituto
do Câncer dos EUA. Enquanto fazia campanhas ferrenhas contra o cigarro, o instituto não sabia que
tinha em sua carteira financeira ações de várias empresas de tabaco.
Os fundos socialmente responsáveis estão em alta nos EUA. Um dos primeiros foi o Calvert
Group, criado em 1982. Hoje, até a Merryl Lynch está oferecendo um fundo desse tipo. Mas a
presidente do Calvert, Barbara Krumsiek, adverte: "Não adianta só ser socialmente responsável.
Tem de ser competente. Tem de dar lucro".
O currículo de Barbara já diz algo sobre o quanto evoluiu a questão dos negócios éticos. Ela é
uma das mais valorizadas profissionais do mercado financeiro americano. Há pouco mais de dois
anos dirigia a Alliance, uma empresa com uma carteira de 21 bilhões de dólares. Trocou-a pelo
Calvert, que na época tinha 5 bilhões de dólares em bens (hoje tem 6 bilhões), sendo 2,1 bilhões
investidos em fundos socialmente investigados. Dois motivos a fizeram trocar de emprego: o
entusiasmo de trabalhar com uma causa ética e a certeza de que o negócio está prosperando.
O modo como o Calvert trabalha também demonstra o abandono da política do conflito, em
prol da política da atração. "Nós não temos listas de companhias em que não investimos.
Acreditamos na possibilidade de as empresas mudarem. Nós fazemos publicidade daquelas com
que trabalhamos." Metade das 500 maiores empresas da lista da Stanley & Poor's não está de
acordo com os padrões do Calvert, a maioria por causa de questões ambientais.
"Nossa base de dados tem 1 500 empresas. Nós investimos em 400. Em resumo, só
investimos em companhias que teríamos orgulho de possuir", diz Barbara. Eis alguns dos itens que
os pesquisadores do Calvert analisam para decidir sobre a possibilidade de investimentos: questões
de trabalho (a porcentagem de mulheres no comando, a diversidade dos funcionários, a taxa de
troca de empregados); segurança do produto; respeito a direitos humanos; se a empresa está
envolvida com o comércio de armas. "A falta de dados significa que não vamos investir. Nós não
presumimos que tudo está bem", diz Barbara.
Também está mudando a mentalidade de que o melhor que as empresas podem fazer é doar
alguma verba para instituições de caridade. A melhor contribuição da empresa deve ser com aquilo
que ela e seus funcionários fazem de melhor.
A City Year é uma organização pró-cidadania criada em Boston em 1988 por dois graduados
de Harvard, Alan Khazei e Michael Brown. Eles se aproximam das empresas não para pedir

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dinheiro, mas para pedir participação dos empregados. É um modelo para tratar patrocinadores
como associados e envolvê-los no serviço.
Na cidade de Cruzeiro (SP), uma fábrica de chassis e rodas da Iochpe Maxion costumava
doar 6 200 dólares por mês para a Apae (Associação de Pais e Amigos do Excepcional), segundo a
diretora da Fundação Iochpe, Evelyn Berg Iochpe. O dinheiro não dava para nada. Então a fábrica
decidiu mandar um voluntário para trabalhar na administração da entidade. Com um terço do
investimento, eles conseguiram recuperar instalações e melhorar os serviços, a ponto de a Apae de
Cruzeiro ser usada como modelo para as filiais de outros lugares.

ESQUEÇA TUDO ISSO


Até aqui, apontamos as tendências sociais e econômicas que favorecem a construção de uma
responsabilidade social. Mais do que isso, indicamos as razões de negócio que podem dar
vantagens competitivas a empresas éticas. Se você se convenceu, ótimo. Agora, vamos pedir que
você esqueça tudo isso.
Só há e só pode haver uma razão para uma empresa ser ética, para ter responsabilidade
social e ambiental: ter consciência de si mesma. Ética faz parte do pacote da empresa do novo
milênio. Só sendo ética uma companhia pode ser virtual, inovadora, rápida, conectada.
Afinal, para que serve uma empresa? Não é o lucro que define a organização, é a
organização que proporciona o lucro. Em um mundo em que a realidade de mercado pode mudar a
qualquer momento, a única segurança possível para uma empresa é manter-se em contato com sua
missão, seu caráter, seu credo. Buscar isso é buscar um sentido ético para a existência, que vá
além do mercado, e por isso mesmo sirva para fortalecer sua posição no mercado.
Antes de escrever A Teoria da Riqueza das Nações, Adam Smith publicou A Teoria dos
Sentimentos Morais, argumentando que uma sociedade estável baseia-se na "simpatia", no dever
moral de ter consideração pelos outros seres humanos. O mercado é um mecanismo para separar o
eficiente do ineficiente, não um substituto para a responsabilidade.
A eficiência de uma companhia pode ser aumentada à custa da sociedade, e freqüentemente
o é. O processo de produção just-in-time faz as empresas economizarem os custos de estoque e
aumentarem a velocidade da manufatura, mas em Tóquio, por exemplo, os carros de entrega agora
lotam todas as rodovias de acesso à cidade. "Os custos dos congestionamentos estão começando a
suplantar os custos dos armazéns originais, sem falar no dano ambiental", diz o ex-professor de
negócios Charles Handy, no livro A Era do Paradoxo. Hospitais também podem aumentar sua
eficiência mandando pacientes embora mais cedo, mas alguém ainda terá que cuidar deles em
casa.
Curiosamente, a contabilidade da riqueza privilegia o desperdício. "Você pode gastar dinheiro
poluindo o ar puro do interior com uma fábrica, contaminando os rios e destruindo a calma do lugar,
pois tudo isso será considerado como aumento da riqueza do país", diz Handy. Quanto mais se
jogam coisas fora e se compram novas em vez de consertá-las, a sociedade parece ficar mais rica.
A ética sempre será um bom negócio, porque a troca da responsabilidade pelo lucro não
passa de um pacto faustiano. O doutor Fausto, na peça de Christopher Marlowe, condena-se à
danação eterna depois de 24 anos de abastança. No mundo corporativo, a vida média das empresas
fica em torno da metade disso. Com a globalização, com o avanço tecnológico e com o acirramento
da competição, o pacto faustiano torna-se cada vez mais mau negócio.
O plano profissional é similar. No curto prazo, o ambiente instável premia a inconstância.
Segundo o filósofo Zygmunt Bauman, no livro Alone Again: Ethics After Certainty (Sozinho de Novo:
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A Ética após a Era de Certezas), ser previdente, hoje, significa freqüentemente evitar compromisso,
ficar livre para se mover quando a oportunidade bate e livre para ir embora quando ela pára de
bater.
O consultor e gestor de empresas Edson Vaz Musa qualifica um certo tipo de executivo de
sucesso como "surfista da lama": ele vai na frente da onda, colhe os louros e vai embora, e quem
fica atrás dele tem de lidar com a sujeira. Se os laços do indivíduo com a empresa são mais frouxos,
a necessidade de uma postura ética é maior, de parte a parte.

NA ESSÊNCIA DA COMPANHIA
O que significa dizer que a postura ética deve ser parte da essência da companhia?
• A British Petroleum faz a operação de prospecção em Wytch Farm, no sul da Inglaterra.
Quase tudo é terceirizado. A empresa diz que seu papel ali é a "administração ambiental", e não
fornecer recepcionistas ou técnicos.
• Nos últimos dez anos, a Coca-Cola doou mais de 100 milhões de dólares para educação
só nos EUA, custeando bolsas para estudantes, programas especiais em faculdades, ou dando
verbas para colégios. Nas Filipinas, a empresa construiu escolas primárias.
• A vinícola Château de Lastours é administrada desde 1978 por uma agência que só
emprega gente com deficiência mental (são 60 empregados na vinícola), dando-lhes cuidados
médicos e ajudando a integrá-los socialmente. Seu vinho tem, entre outros prêmios, as medalhas
de ouro no desafio internacional do vinho, em Londres, no mundial de vinhos, em Bruxelas, e no
concurso de Paris.
• No começo da década, a Merck desenvolveu o Mectizan, um remédio para curar a
oncocercíase, doença que contagiou 1 milhão de pessoas no Terceiro Mundo com vermes
parasitas que podiam causar uma cegueira dolorosa. Nenhum órgão governamental nem
instituição filantrópica comprou o remédio. Então a companhia doou o produto, arcando também
com as despesas da distribuição. Isso não foi uma ação incomum para a Merck. Há 50 anos, foi ela
que levou a estreptomicina ao Japão depois da Segunda Guerra, para acabar com a tuberculose.
"Nós não ganhamos dinheiro com isso", diz P. Roy Vagelos, presidente da empresa. "Mas não é
por acaso que a Merck é hoje a maior empresa farmacêutica americana instalada no Japão. As
conseqüências de longo prazo dessas ações não costumam ser claras, mas de alguma forma acho
que elas sempre acabam dando retorno."
• O Boticário é uma empresa de produtos de beleza que vinculou sua imagem à natureza. A
companhia preserva uma região de Mata Atlântica no litoral norte do Paraná (a reserva natural
Salto Morato, de 1 700 hectares) e estimula seus franqueados (são mais de 1 600 lojas no Brasil) a
adotar medidas ambientalistas. A companhia troca suas sobras de papel, plástico e vidro com
empresas de reciclagem, que em paga produzem cadernos para crianças carentes (no ano 2000,
está prevista a fabricação de 100 mil kits de seis cadernos cada).
Nenhuma dessas atitudes visa a ganhar participação de mercado. Essas companhias não
agem eticamente porque vão ser premiadas. Fazem isso porque acham que é sua obrigação - e seu
prazer. Fazem isso porque têm que fazer, porque a atuação social é o desenvolvimento natural de
sua consciência corporativa. Se isso faz bem à empresa - e faz -, tanto melhor.

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6 - A BUSCA DO EQUILÍBRIO: COMO LIDAR COM A OPOSIÇÃO ENTRE
TRABALHO E VIDA PESSOAL
Por David Cohen

Para que serve o trabalho? Se estamos caminhando para uma economia do conhecimento,
se as empresas estão se tornando virtuais e a sua maior riqueza passou a ser a criatividade e o
trabalho intelectual, por que é tão difícil encontrar equilíbrio entre a vida pessoal e a carreira
profissional?
A grande maioria dos executivos mantém um retrato da mulher (ou marido) e dos filhos sobre
a mesa do escritório. Por quê? A analogia mais próxima é a do soldado agachado na trincheira que,
numa pausa da batalha, observa com saudade um retrato amarfanhado da namorada distante. Será
isso o trabalho: o sacrifício diário em prol do sustento da família distante?
Nesse caso, a raça humana seria na verdade duas: o homo faber, durante 8 a 10 horas por
dia, e o homo ludens, no restante do tempo. Quando nos dirigíssemos ao trabalho, incorporaríamos
uma persona cuja existência só se justifica pela necessidade de sustentar o nosso eu verdadeiro,
aquele que se encontra no aconchego do lar ou nas filas de domingo para entrar na churrascaria,
aquele que joga bola ou se refestela na poltrona do cinema.
Mas essa diferenciação - clara durante boa parte da Revolução Industrial - já não é mais
possível. Quando a natureza do trabalho era eminentemente física, havia uma separação muito
nítida entre o que era trabalho e o que era lazer. Hoje, não. O que a empresa nos pede, agora, é que
empreguemos nossa inteligência no trabalho, e mesmo nos serviços antes tidos como rotineiros. O
novo mantra é: agregar valor. Pelo menos nas empresas de vanguarda, não é mais possível desligar
o cérebro no momento de bater o cartão de ponto. Já nem é preciso estar no espaço físico do
trabalho para trabalhar. No tempo do trabalho flexível, da empresa inovadora, da participação nos
lucros, torna-se fluida a distinção entre trabalho e casa, entre vida profissional e vida pessoal.
É dessa nova natureza do trabalho que surge o discurso do prazer. As empresas não estão
(nem poderiam, nem deveriam estar) empenhadas em alcançar a felicidade de seus funcionários.
Mas seu interesse é criar um ambiente confortável para os empregados, porque os ganhos de
produtividade, hoje, só podem ser obtidos se o trabalhador empenhar seu espírito no ofício. É este o
grande bem e o grande mal do trabalho na empresa do futuro - ele tem de se tornar mais parecido
com o lazer. Será mais agradável, mais instigante, mais recompensador, mas ao mesmo tempo mais
absorvente, mais presente, mais difícil de ser desligado.
Esse trabalho não é mais aquele ao qual Adão foi condenado, ao ser expulso do paraíso. Não
é um castigo divino. É um trabalho em que as pessoas querem ver significado. É um trabalho que
constrói a personalidade. Mas mesmo essa troca de mitos não elimina a sensação de que o trabalho
nos aliena. Está aí um primeiro paradoxo do trabalho: ele nos forma, com ele cumprimos uma
vocação, mas não deixamos de sentir que a vida, a "verdadeira" vida, está fora do trabalho. (Não é à
toa que tratamos a vida fora do trabalho como vida pessoal. Poderia haver outra, uma vida não-
pessoal?)
Essa nova natureza do trabalho é cheia de armadilhas. Uma delas: a generalizada pregação
de que precisamos sentir prazer no trabalho. Sim, o raciocínio flui solto quando existe prazer, e
quem gosta do que faz tem muito mais chances no novo mercado. Mas a recomendação de que as
pessoas sintam prazer é, muitas vezes, uma fonte de estresse e frustração. Eis a mágica
decepcionante de transformar prazer em obrigação.

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Outra armadilha: a valorização do trabalho, a partir de certo ponto, torna-se contraproducente.
A maior contribuição do trabalho, na nova economia, é em conhecimento, e o conhecimento deriva,
pelo menos em parte, do ócio. (Um pouco de etimologia: em grego, ócio se diz scholé, que é a
origem da palavra escola. Em seu nascedouro, a idéia do aprendizado está associada à de que só
pode progredir intelectualmente quem está livre das obrigações do trabalho. As noções ligadas ao
trabalho são de outra natureza: a palavra vem do latim tripalium, um instrumento de tortura; labor
significa esforço penoso; negócio quer dizer negação do ócio.) No campo mais prático, além da
etimologia: nas legislações iniciais do capitalismo, mendicância e preguiça eram crimes sujeitos à
pena de prisão e, em alguns casos, à de morte.
Não é estranho que o sucesso no trabalho, hoje, dependa da inclusão do ócio?
SOCIEDADE SEM TRABALHO?
O sociólogo italiano Domenico De Masi é um dos mais ferrenhos adversários da sociedade
baseada no trabalho. Um dos seus argumentos preferidos é um raciocínio algébrico. Com os ganhos
de longevidade, um homem comum trabalha de 70 000 a 100 000 horas durante sua existência, mas
vive algo entre 500 000 e 650 000 horas. "Éramos habituados a viver a juventude, a maturidade e
depois morrer. Hoje, paramos de trabalhar e ficamos 20 ou 30 anos à espera da morte, em vez de
produzir e nos divertir", afirma.
Embora venha fazendo sucesso com palestras no próprio meio empresarial (e, com o sucesso
de seu discurso pelo ócio, acabe trabalhando dobrado), De Masi não é o primeiro a sustentar a tese
de que o trabalho deveria ser abolido, tanto quanto possível. A lista é longa. Assim disse o
engenheiro Frederick Taylor, criador da linha de montagem, citado por De Masi: "Enquanto o
marxismo considerava que o trabalho era a própria essência do homem, enquanto o catolicismo
encarava o trabalho como uma forma de expiar o pecado original, enquanto o socialismo filantrópico
o considerava uma fonte de convívio cooperativo, Taylor o julgava um mal que podia ser
tecnicamente eliminado".
Em 1932, num texto chamado Elogio do Lazer (Zahar Editores), o filósofo galês Bertrand
Russell afirma que "o caminho para a felicidade e para a prosperidade consiste numa diminuição
organizada do trabalho". Tampouco a moral judaico-cristã é tão taxativa em sua defesa do trabalho.
Os judeus foram o primeiro povo a consagrar o dia do descanso. Seu mito da criação do mundo
descreve os seis dias de trabalho de Deus. Nenhum deles é tão importante quanto o sétimo,
destinado ao descanso e à contemplação. Os cristãos acrescentaram um discurso em prol do ócio,
proferido por Jesus, segundo o Novo Testamento: "Olhai os lírios dos campos. Eles não trabalham
nem tecem, e no entanto vos digo, mesmo Salomão, em toda a sua glória, nunca esteve tão
brilhantemente vestido".
Os antigos romanos designavam as profissões como "sórdidas artes". Os gregos
menosprezavam o trabalho. A crer em Heródoto, não estavam sozinhos. Trácios, citas, persas e
lídios nutriam-lhe o mesmo desprezo. "Os que aprendem as artes mecânicas, e mesmo seus filhos,
são olhados como os últimos dos cidadãos", disse o historiador grego.
Por que tanta animosidade contra o trabalho? Não podemos esquecer que, se não fosse por
ele, não teríamos nada daquilo que tanto almejamos quando não estamos trabalhando. Mais do que
eliminar o trabalho, então, trata-se de buscar-lhe uma nova forma, mais bem distribuída, mais
prazerosa, mais leve. Enfim, um trabalho que não ouse dizer o seu nome, que se mantenha
camuflado dentro do espaço do lazer.
Uma transformação assim pode até ser feita em favor da produtividade. No começo da
revolução industrial, alguns empresários descobriram que, numa jornada de 10 horas de trabalho e
meio período aos sábados, seus funcionários produziam tanto quanto na jornada de 12 a 14 horas
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diárias. Qual seria a jornada ideal na economia moderna? Uma pesquisa feita na Itália registra que
os funcionários públicos trabalham em média uma hora e meia por dia. Ora, são funcionários
públicos... O Fuji Bank japonês encomendou um estudo semelhante: pelo menos 4% de seus
funcionários passam o dia inteiro sem fazer nada. Na França, de acordo com um estudo oficial, o
horário de trabalho em uma jornada média é de 2 horas e 31 minutos.
Para que controlar a jornada de trabalho, se o trabalho intelectual não pode ser controlado? A
empresa de pesquisas americana Nielsen Media Research descobriu que empregados da IBM,
Apple e AT&T entraram no site da Penthouse 12 823 vezes durante um mês de 1996. Com uma
média de 13 minutos por visita, isso equivale a 347 dias de 8 horas de trabalho perdidos.
Há ainda os custos invisíveis da má distribuição do trabalho: o estresse custa à Grã-Bretanha
7 bilhões de libras (cerca de 20 bilhões de reais) em tratamento e 40 milhões de dias de trabalho por
ano. Um estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology) calculou que a depressão, em
grande parte ligada ao trabalho, custa aos Estados Unidos 47 bilhões de dólares por ano.
Há mais um forte argumento a favor do ócio: a inovação. Bertrand Russell afirma que a classe
ociosa, apesar dos privilégios injustificados, foi a responsável por quase tudo o que chamamos de
civilização: "Ela cultivou as artes e revelou as ciências, escreveu livros, inventou as filosofias, tornou
requintadas as relações sociais. Até mesmo a libertação dos oprimidos, em geral, foi por iniciativa de
cima. Sem a classe ociosa, a humanidade jamais teria saído da barbárie".
É com base nesse raciocínio que De Masi propõe o que chama de "desenvolvimento sem
trabalho", rumo a uma "sociedade pós-industrial". Seus conselhos são os seguintes:
• investimento na automação
• uso das pessoas em tarefas com flexibilidade e criatividade
• redução drástica do horário de trabalho e melhor distribuição de empregos
• recuperação de valores éticos e estéticos
• uma gestão baseada na motivação, não no controle
• desestruturação do trabalho, permitindo a produção em casa
• substituição da competitividade pela solidariedade
Algumas dessas medidas já estão sendo postas em prática na nova economia. Mesmo assim,
seus efeitos, pelo menos por enquanto, não estão sendo os esperados. Em vez de caminhar para a
sociedade sem trabalho, vemos uma divisão entre desempregados e sobrecarregados. Essa
situação parece a de uma piada sobre irlandeses. Perdido numa estrada, um turista pede
informações para chegar a Limerick. "Se é para Limerick que o senhor quer ir", responde um
irlandês, "eu não começaria a viagem por aqui". Pois a grande questão sobre a sociedade sem
trabalho é justamente esta: como chegar lá partindo daqui.
Como afirma Michael Dertouzos, chefe do Laboratório de Ciência da Computação do MIT: "A
revolução industrial possibilitou um ganho de tempo enorme. Mas todos sabemos que nós não
optamos coletivamente por usar esse tempo livre para lazer. Estudos comprovam que, ao contrário,
o tempo de lazer diminuiu. Como nós preenchemos esse tempo livre extra? Com mais trabalho!
Portanto, se a natureza humana for deixada solta, a tentação de ter mais coisas e usar mais serviços
vai prevalecer, e adeus à sociedade sem trabalho".
Russell propunha uma jornada de 4 horas. Dizia que o trabalho na dose adequada seria
suficiente para tornar o lazer deleitoso, mas não em demasia para ocasionar exaustão. A lógica é
impecável. Mas, mesmo no mundo de hoje, com o dobro dessa jornada, as pessoas não funcionam

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assim. Segundo dados de 1997 do IBGE, 3,2 milhões de brasileiros têm dois empregos, 26,8
milhões têm jornada acima do limite legal, 5,3 milhões de aposentados continuam a trabalhar, 2,9
milhões de menores de 14 anos trabalham. Fazendo as contas por alto: se cada um tivesse apenas
um emprego, com a jornada regulamentar, e velhos e crianças parassem de trabalhar, o mercado
comportaria mais 22 milhões de pessoas.
O que impede a distribuição do trabalho é que as nossas necessidades aumentam na medida
em que são satisfeitas. Há 2 300 anos, Aristóteles dizia que tudo o que poderia tornar a vida do
homem confortável já tinha sido descoberto e, por isso, poderíamos nos dedicar ao que realmente
importa, a filosofia. Não foi o que aconteceu. Mais do que uma possibilidade no fim do caminho, o
lazer é uma opção, uma escolha. Uma escolha que, ao que parece, não fizemos. É o que escreveu
Bertrand Russell, em 1932: "Em vez do lazer, optamos pelo trabalho excessivo a cargo de uns e
pela miséria e pela fome para outros. Até aqui temos sido tão enérgicos quanto o éramos antes que
houvesse máquinas; temos sido loucos quanto a isso, mas não há razão para que a loucura
continue para sempre".

QUANTO É O BASTANTE?
Talvez esse quadro esteja começando a mudar. O presidente do conselho de administração
da HP, Lewis E. Platt, diz que 60% dos trabalhadores consideram a possibilidade de ter uma vida
mais equilibrada como uma das cinco prioridades na hora de optar por um emprego, de acordo com
estatísticas americanas. Salários e benefícios aparecem bem abaixo na lista de considerações, em
130 e 140 lugares.
Jay A. Conger, presidente do Instituto de Liderança da USC (University of Southern
California), diz que a geração X - que compreende os nascidos entre 1964 e 1981 - preza o
equilíbrio mais do que as gerações anteriores. "Entrevista após entrevista confirma um sentido de
estar disposto a trabalhar duro, mas não à custa da vida pessoal", diz Conger.
Pode ser. Mas a essas estatísticas de intenções contrapõem-se outras, da vida real. Um
trabalho da pesquisadora Juliet Schor sustenta que o americano trabalha hoje, em média, 164 horas
a mais por ano do que há 20 anos - o equivalente a um mês extra. O americano típico trabalha agora
47 horas por semana. Segundo Juliet, este é um círculo vicioso faustiano, porque as pessoas
procuram mais consumo para dar satisfação e significado às suas vidas.
Outras estatísticas americanas apontam que os pais dedicam 40% menos tempo a seus filhos
do que há 30 anos. Um estudo de 1985 feito na Califórnia apontava que um pai típico passava 37
segundos por dia em "interação significativa" com os filhos. Contando interações de qualquer
natureza, esse tempo de contato passava para 6 minutos diários. Segundo o sociólogo Manuel
Castells, há indícios de que nos Estados Unidos o tempo de lazer tenha diminuído 37% entre 1973 e
1994. Entre 1985 e 1990, o tempo total gasto com leitura, televisão e filmes diminuiu 45 horas por
ano.
Quanto à disposição de dar mais importância à qualidade de vida, uma pesquisa feita pela
revista Fast Company e pelo instituto Ropert Starch Worldwide com 1 096 trabalhadores de nível
universitário mostra o quanto essa disposição é fluida. A grande maioria dizia que diminuiria o ritmo
de trabalho se tivesse um salário maior, mas aqueles que ganhavam mais de 100 000 dólares por
ano diziam precisar de uma soma muito mais alta para ficar tranqüilos do que os que ganhavam
menos de 40 000 dólares por ano. O que a pesquisa indica é que a percepção da necessidade
cresce à medida que o salário avança, num jogo que provavelmente nunca chega ao fim.
Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, há hoje uma preocupação maior em buscar o
equilíbrio entre trabalho e lazer. Segundo Allan Cohen, reitor da escola de negócios americana
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Babson College, existem duas tendências. Uma é a busca do equilíbrio no dia-a-dia. A outra é se
estourar de trabalhar durante alguns anos e depois tirar uma boa folga. "Nos Estados Unidos, muitas
mulheres estão optando por não trabalhar enquanto os filhos são pequenos - uma tendência
contrária à da década passada -, ou preferindo abrir microempresas e trabalhar em casa", diz
Cohen.
E quanto à busca de equilíbrio no dia-a-dia? Quanto tempo deve ser dedicado ao trabalho,
quanto à família, quanto aos projetos particulares? Essa não é a pergunta certa, afirma Dan Baker,
diretor da Canyon Ranch Health Resort, uma espécie de retiro espiritual no Arizona para executivos
repensarem a vida: "Equilíbrio não é uma questão de matemática". Se fosse assim, qualquer pessoa
com uma calculadora e uma agenda eletrônica pareceria tão serena quanto o dalai lama. Equilíbrio é
uma questão de projeto. É uma questão de fazer as pazes com os seus valores e prioridades e
reconhecer os sacrifícios que eles requerem. Numa palavra, equilíbrio tem a ver com disciplina:
decidir o que é importante e a partir daí criar uma estrutura que defina como você gasta o seu
tempo.
Quando se definem as metas que queremos atingir no trabalho, é preciso tomar cuidado para
não transformar o trabalho em fuga, diz Elaine St. James, escritora que se tornou guru da
simplicidade. Enquanto o nosso trabalho é tão vital que não conseguimos diminuir seu ritmo, nós
não olhamos para nossas próprias vidas, diz Elaine. Usamos o trabalho para não notar um
casamento que naufraga, uma carreira que não está lá essas coisas, a perda de contato com os
filhos, as amizades que esfriaram com o tempo ou que perderam o sentido.
Uma pergunta crucial para definir prioridades é: quanto é o bastante? O romano Sêneca
aconselhava as pessoas a passar a pão e água e dormir no chão um dia por mês. Por quê? Porque
fazendo isso perceberiam como precisavam de pouco para sobreviver. Sêneca queria que elas
distinguissem suas necessidades de seus desejos.

EMPRESAS EQUILIBRISTAS
Às vezes, definir prioridades leva a decisões radicais, como a do americano Bill Galston. Em
1993, ele era assistente do presidente Bill Clinton para política doméstica e, como se pode imaginar,
tinha uma rotina de trabalho estafante. Um dia, seu filho de 9 anos, Ezra, escreveu-lhe uma carta
falando sobre seu desempenho no jogo de beisebol, dizendo que sentia falta de alguém para
aplaudi-lo. Galston entrou em crise de consciência. Seis meses depois, pediu demissão ao
presidente.
É claro que as coisas não precisam chegar a esse ponto. Várias empresas já perceberam que
correm o risco de perder talentos e estão adotando medidas para facilitar a busca de equilíbrio entre
carreira e vida pessoal. Algumas até apostam nesse equilíbrio como fator de aumento da
produtividade de seus funcionários. Os melhores exemplos são do setor de informática, que
depende especialmente do trabalho intelectual.
A NIIT, uma consultoria de informática com sede em Nova Délhi, dá dinheiro para que seus 3
700 funcionários no mundo passem mais tempo com a família. Nos Estados Unidos, seus
empregados ganham 100 dólares e uma folga para ficar com a família no dia do aniversário.
Também no aniversário da contratação ganham folga e podem ir jantar com a família, de limusine,
por conta da firma.
Na HP, as principais exigências dos funcionários são horário flexível e licença para cursar
alguns programas educacionais, afirma Lewis Platt. "Se um empregado nos pede tempo, nós
damos. Continuamos a pagar as contribuições de saúde e damos garantia de retorno ao trabalho.
Também tornamos a recontratação mais fácil para aqueles que vão além da licença", diz. No centro
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de serviços financeiros da HP, em Colorado Springs, 38 pessoas de uma equipe de 60 escolheram
trabalhar uma semana de 4 dias, 10 horas por dia, em vez do horário normal. Um estudo da
empresa comprovou que foi bom negócio: o número de horas extras caiu à metade, a produtividade
dos funcionários de horário flexível (medida em número de transações por dia) superou a dos
colegas e a satisfação dos clientes aumentou.
A SAS, empresa de software líder em programas de análises estatísticas, tem a maior creche
da Carolina do Norte. Na indústria da informática, tida como a mais estressante do momento, seus
funcionários trabalham sete horas por dia. (A partir das 17 horas, a maioria dos telefonemas é
atendida por secretárias eletrônicas.) O campus recreativo inclui um salão de ginástica, duas
quadras de basquete, uma sala de ioga e duas salas de musculação, fora as quadras de futebol e de
softball. Massagens são disponíveis várias vezes por semana e há aulas de golfe, dança africana,
tênis e tai chi. A empresa ainda lava as roupas suadas do pessoal que faz ginástica e as devolve no
dia seguinte.
Não é à toa que a rotatividade do ano passado foi de apenas 3,7%. Uma companhia de
software típica do tamanho da SAS perde 1 000 empregados por ano. A SAS perde 130. Mais do
que reter talentos, o tratamento que a SAS dá a seus funcionários define um padrão de
desempenho. O respeito que ela demonstra, espera em retorno.
Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos Estados Unidos, afirma que o que distingue as
melhores companhias não é que elas reconheçam o quanto é importante promover o equilíbrio para
atrair talentos - é como elas criam esse equilíbrio em suas organizações. Na nova economia, diz
Reich, o tipo de equilíbrio que atrai as pessoas não é uma série de programas. É um jeito de fazer
negócios.
"Equilíbrio não é deixar as pessoas tirarem folga quando seus filhos ficam doentes. Qualquer
companhia pode dar esse tipo de flexibilidade. Equilíbrio é o que é necessário quando seus filhos
estão disputando um torneio e querem que você esteja lá", diz Doug Burgum, presidente da Great
Plains Software, uma companhia que vende programas de gestão financeira para empresas de
médio porte. Segundo Burgum, tem que haver um nível mais profundo de satisfação pessoal, uma
sensação de que as coisas estão caminhando bem. Se a empresa conseguir ajudar as pessoas a
atingir esse nível, elas tendem a permanecer nela.
Jack Welch, presidente da GE, tem uma ambição maior: "Daqui a dez anos, queremos que
revistas escrevam sobre a GE como um lugar onde as pessoas têm liberdade para ser criativas, um
lugar que traga à tona o melhor delas. Um lugar aberto e justo em que as pessoas saibam que o que
elas fazem importa, e que esse senso de realização seja recompensado financeira e espiritualmente.
Esse será nosso cartão de apresentação".

NÓS, OS PIORES PATRÕES


Também a tecnologia ajuda na busca do equilíbrio. Algumas companhias americanas já estão
até criando serviços com computador para que os pais vejam os filhos nas creches. O site Red
Wagon, por exemplo, oferece aos pais "tempo de qualidade" com os filhos, pela Internet, nas
creches associadas.
Outra solução é o trabalho em casa. "Se você comparar o custo de equipar um funcionário
para trabalhar em casa com o custo de seguro-saúde ou subsídio da lanchonete, a tecnologia vira
uma gota num balde d'água", diz Platt, da HP.
É claro que não pode vir da empresa a resposta a uma questão tão pessoal. Até porque na
raiz da discussão sobre equilíbrio está um conflito - não necessariamente entre você e a empresa,
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mas sobretudo entre seus interesses profissionais e privados. "Embora flexíveis, as organizações
continuam estabelecendo metas, na maioria das vezes bem além das capacidades plausíveis. O
quanto e o quê são ditados pelo poder, o que é deixado livre é o como", afirma o sociólogo Richard
Sennett.
Trabalhar em casa pode ser um sinal de libertação, mas pode ser uma fonte de estresse
ainda maior. No mundo da flexibilidade, a tabela de preços segue o produto, não o tempo.
Especialmente quando há metas a atingir e recompensas a ganhar, tendemos a ser nossos piores
patrões, estabelecendo condições de trabalho mais insanas que a de qualquer empregador decente.
A tecnologia apresenta uma ambigüidade. Segundo a empresa de pesquisas International
Data Service, já neste ano 80% dos trabalhadores americanos devem ter pelo menos um aparelho
de computação móvel, tornando-os localizáveis. O trabalho tem agora a capacidade de invadir o
espaço antes claramente destinado ao lazer. No século 21, a gestão da privacidade será uma das
principais atividades humanas.

A REALIZAÇÃO PELO TRABALHO


A busca de equilíbrio seria mais fácil se o trabalho fosse efetivamente algo alheio à vida
pessoal. Aí, sim, teríamos apenas uma questão algébrica: quanto tempo da vida eu devo vender por
quanto dinheiro. Mas trabalho não é isso. Na imensa maioria dos casos, a profissão começa como
um desejo, um interesse, uma vocação. A não ser pelos ascetas yoguis, ninguém busca a realização
em si mesmo. A realização vem através do mundo, é o trabalho que nos torna o sujeito da ação.
O problema é que em algum ponto essa mistura desanda. No mundo instável de hoje, a
confusão é ainda mais fácil. Com o enfraquecimento dos laços comunitários, familiares e religiosos,
a vida fora do trabalho torna-se cada vez mais vazia, diz a psicóloga americana Ilene Philipson.
Como resultado, mais pessoas encaram o trabalho como fonte de satisfação de necessidades
emocionais que antes eram preenchidas por outros campos das relações humanas.
De acordo com o historiador Benjamin Hunnicutt, professor da Universidade de Iowa, o
trabalho transformou-se naquilo que nos define. "Ele agora responde as tradicionais questões
religiosas: 'quem sou eu?' e 'como posso encontrar significado para a vida?' Trabalho não é mais
economia, é uma busca de identidade". (Uma busca válida, mas, se mantida na dimensão única do
trabalho, fadada ao fracasso.)
Trabalho não é apenas algo que nós fazemos, ele é também algo que nos forma. O sujeito se
produz ao mesmo tempo em que produz objetos. Nesse ponto, o contrato de hoje é mais vantajoso.
De um lado, a organização aposta em resultados, mais do que no tempo gasto para produzi-los. Por
outro lado, o indivíduo busca um trabalho com significado e crescimento pessoal, seja numa única
empresa ou numa série de empresas. Trabalhar é também crescer, adquirir habilidades, aumentar
seu valor.
Mas aí também há uma crise contemporânea entre o trabalho e a vida pessoal. Porque a
moral do mundo do trabalho passou por enormes transformações. No livro A Corrosão do Caráter,
Richard Sennett cita o caso do administrador Rico, um profissional bem-sucedido mas infeliz com os
rumos da vida. Sua maior preocupação era que ele não podia oferecer a substância da sua vida
profissional como exemplo ético para seus filhos. As qualidades da boa vida profissional estão
dissociadas das qualidades que reputamos na vida pessoal.
Um exemplo é a moderna cultura do risco. No mundo do trabalho, a estabilidade é quase um
sinônimo de morte, e o destino importa menos que o ato de partir. "O risco é um teste de caráter: o
mais importante é fazer o esforço, arriscar, mesmo se você souber que está destinado ao fracasso",
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diz Sennett. É verdade, ficar parado, hoje, tanto para empresas quanto para indivíduos, é um risco
que ninguém pode correr. Mas o mito da necessidade de mover-se é tão forte que às vezes vai
contra os fatos, como mostra um estudo do Congresso dos Estados Unidos, de 1990. Segundo esse
estudo, mais trabalhadores perdem do que ganham quando trocam de empresa. Na comparação de
salários de um a três anos após a troca de emprego, 34% perderam muito, 28% ganharam muito.
(Isso não invalida a hipótese de que você tem que se mexer, apenas reforça a idéia de que não
basta se mover, é preciso saber para onde ir.)
Também a cultura do trabalho em equipe é oposta à noção de que a recompensa é resultado
da acumulação ao longo do tempo, como imaginou Max Weber. "A ética moderna é uma ética do
grupo, oposta à individual. O trabalho de equipe enfatiza a responsabilidade mútua mais do que a
validação pessoal. O tempo das equipes é flexível e orientado para tarefas a curto prazo, mais do
que a colheita de décadas marcadas pela contenção e espera", diz Sennett.
Dentro das equipes, vive-se uma ficção que nega a luta individual pelo poder ou o conflito
mútuo. A etiqueta da comunicação produz frases como "que interessante", "o que eu entendi que
você me disse foi" ou "como poderíamos fazer isso melhor?" Segundo o sociólogo Gideon Kunda,
essas são as máscaras de ator da cooperação. Essas máscaras são a habilidade social que o
trabalhador leva de emprego a emprego, de time a time, cujo hipertexto é um sorriso vencedor. Nada
disso é considerado positivo na vida pessoal.
Uma questão ainda mais básica é a ojeriza à rotina. O trabalho rotineiro hoje é visto como
degradação do ser humano. Adam Smith disse: "O homem cuja vida é gasta em repetir umas
poucas operações simples torna-se tão estúpido e ignorante quanto é possível uma criatura humana
se tornar". Mas há uma visão discordante. O filósofo iluminista Denis Diderot procurou explicar como
o ator gradativamente se aprofunda no personagem pela ação de repetir as falas várias vezes. Essa
mesma virtude da repetição ele esperava encontrar no trabalho industrial. Como seu colega Voltaire,
acreditava que o domínio da rotina poderia levar as pessoas a ter controle de suas vidas e a
tranqüilizar-se.
O sociólogo britânico Anthony Giddens, diretor da London School of Economics, indica o valor
primário do hábito nas práticas sociais e de auto-entendimento. (Giddens é o formulador da proposta
da "terceira via", apresentada como uma opção tanto ao neoliberalismo quanto à social-democracia.)
Segundo ele, nós testamos as alternativas apenas em relação aos hábitos que dominamos. Imaginar
uma vida de impulsos momentâneos, de ações a curto prazo, livre de rotinas sustentadoras, uma
vida sem hábitos, é imaginar na verdade uma vida inconsciente.
Esta era também uma das críticas de Platão à democracia ateniense. O homem democrático,
dizia Platão, não aceita nenhuma ordem, nenhuma necessidade. "Ele deixa que se estabeleçam
nele desejos múltiplos. O capricho domina. Ora ele se embriaga, ora toca flauta, ora faz dieta, ora
faz exercícios físicos, ora se ocupa de política ou filosofia. E assim ele acaba não fazendo nada e
não se contentando com nada."
Mais uma vez, estamos às voltas com a questão do equilíbrio. A rotina rígida aprisiona, a
liberdade total leva à inconsciência. Uma outra forma de imaginar esse conflito é: quanto do trabalho
nos é externo, quanto é expressão de nossa identidade?
O filósofo renascentista florentino Pico della Mirandola, em sua Oração sobre a Dignidade do
Homem, declara: "É ignóbil não dar à luz algo que venha de nós". É o contrário do que dizia Santo
Agostinho: "Tira as mãos de ti mesmo; tenta construir a ti mesmo e construirás uma ruína". Numa
entrevista pouco antes de morrer, o filósofo francês Michel Foucault resumiu a dificuldade da
questão: "Como pode alguém governar a si mesmo, tomando ações nas quais se é o objeto dessas

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ações, o domínio em que elas são aplicadas, o instrumento aos quais se tem acesso e o sujeito que
age?"
Talvez o problema do equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional seja tão difícil
porque está intimamente ligado ao problema da identidade. É um conflito do qual ninguém pode
escapar. Não há fórmula para resolvê-lo. Mas uma boa pista é que os dois lados da equação não
são necessariamente antagônicos. Como dizem John Alexander e Meena S. Wilson, do Centro para
Liderança Criativa, nos Estados Unidos, uma das características vitais para um líder de empresas é
conseguir integrar sua vida particular e seu trabalho. Alinhamento e integração - não divisão dos
papéis entre casa e trabalho - geram sentimentos de autenticidade e confiança que a maioria das
pessoas espera de seus líderes, e podem criar entusiasmo e um senso de propósito nas
organizações.

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7 - QUE TIPO DE LIDERANÇA VAI CRIAR A EMPRESA DO FUTURO
David Cohen

O mundo dos negócios é instável, a maior riqueza das empresas do futuro é um bem
intangível (o conhecimento), a economia está se globalizando, as relações de negócios e trabalho
são marcadas pela flexibilidade, o ritmo das inovações desafia as mais brilhantes estratégias e a
sociedade exige mais das empresas. Nesse quadro, quem será capaz de dirigir uma companhia?
Que qualidades deverá ter o líder de empresas do século 21? Como descobri-lo, como formá-lo?
Antes de pensar nessas questões, convém perguntar se devemos mesmo nos preocupar com
elas. Será que o líder do futuro será de alguma forma diferente do líder do passado? Ou mais:
haverá um líder do futuro?
Em 1993, a empresa de poupança e empréstimos Leeds, quinta maior do ramo imobiliário
britânico, ficou sem executivo-chefe. A situação se prolongou por 18 meses. Para tomar as decisões
estratégicas da empresa, os diretores financeiro, comercial e de sistemas passaram a trabalhar em
conjunto com um comitê de dez gerentes e um presidente que só estava disponível duas vezes por
semana. Sem poder central claro, a Leeds aumentou seus lucros em 22% em 1993 e em 37% no
primeiro trimestre de 1994.
No livro Feitas para Durar, James Collins e Jerry Porras desfazem o mito de que as empresas
visionárias precisam de grandes líderes carismáticos. "Numa das conclusões mais fascinantes e
importantes das nossas pesquisas, descobrimos que criar e erguer uma empresa visionária não
requer uma grande idéia nem um grande líder carismático", dizem os autores.
Para confirmar sua tese, Porras e Collins citam exemplos de executivos de grande sucesso
com perfis totalmente diferentes do estereótipo do líder visionário. William McKnight, um quase
desconhecido, dirigiu durante 52 anos a 3M, que se tornou famosa e admirada entre empresários de
todo o mundo. Masaru Ibuka, da Sony, tinha a reputação de ser reservado, solícito e introspectivo.
Bill Allen, o diretor executivo mais importante da história da Boeing, era um advogado pragmático,
afável e tímido. Já Harry Cohn, da Columbia Pictures, tinha a imagem de tirano, mantinha um
chicote perto da mesa e às vezes dava uma chicotada na madeira para enfatizar seu ponto de vista.
(Um comentário maldoso sobre ele é que as 1 300 pessoas que compareceram ao seu enterro não
foram lá para se despedir, mas sim para se certificar de que ele estava morto.)
Mesmo o líder empresarial mais celebrado de hoje, Jack Welch, serve de contra-exemplo do
chefe salvador: Welch cresceu na GE, e é um produto dela tanto quanto ela é um produto dele. O
antecessor direto de Welch, Reginald Jones, aposentou-se como o líder de negócios mais admirado
dos Estados Unidos, segundo Robert Slater, no livro The New GE (A Nova GE). "Ter um executivo
do nível de Welch é impressionante", dizem Collins e Porras. "Ter executivos-chefes do nível de
Welch durante um século, todos treinados internamente - bem, esse é um dos principais motivos
pelos quais a GE é uma empresa vitoriosa."
Como se vê, o surgimento de um líder carismático não é uma condição imprescindível para a
construção de uma empresa de sucesso. Mas o questionamento da liderança não pára por aí. A
própria palavra "chefe" mudou completamente de sentido nos últimos tempos. Como afirma Jay A.
Conger, presidente do Instituto de Liderança da Universidade do Sul da Califórnia (USC), ela não
mais significa realização e autoridade. Agora a palavra simboliza distância dos outros, dureza
irracional e outras conotações não muito atraentes. Conger conta um encontro com um executivo-
chefe de uma empresa, da geração do pós-guerra. Depois de almoçar, o executivo pulou para o
banco da frente do carro, para estar "lado a lado" com o motorista.

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Talvez o processo de diluição da imagem da chefia não seja tão explícito para todos, mas é
interessante observar que as organizações estão substituindo o título de gerente pelo de líder de
equipe, coordenador do processo, facilitador etc. Isso significa que não haverá mais líderes? Não.
Significa que o estilo antigo de liderança se desgastou. Atingiu seus sucessos e esbarrou em seus
obstáculos. Pelas peculiaridades da economia moderna e pelas necessidades da empresa do futuro
(a virtualidade, a flexibilidade, a rapidez, a inovação, a consciência, o funcionamento em rede, a
emoção), a liderança salvadora, quase religiosa, tem poucas chances de sobreviver.
Mas isso não quer dizer que não haverá mais líderes. O consultor americano Glenn Jones,
presidente da Jones Education Networks, afirma que não é preciso liderança para seguir um plano
estratégico aprovado. Basta uma gerência vigorosa e disciplina. "Precisamos de liderança é para
alimentar as tropas e dar esperanças quando o desenvolvimento do produto fracassa, quando a
resposta do mercado é um traço de audiência ou quando um contrato acaba de ser passado para a
concorrência pela terceira vez seguida. Quando a liderança emerge nessas situações, ela se torna
parte do DNA da empresa", diz Jones.
Definida assim, a liderança está longe de não ser mais necessária, pois no mundo de hoje
estão ficando raros os planos estratégicos capazes de sobreviver muito tempo à realidade instável.

NÃO HÁ LÍDER NO VÁCUO


Liderança parece ser mais necessária quanto mais instável for a situação. De fato, se tudo
permanece do jeito que tem sido sempre, o papel de cada um é determinado pela tradição, pelo
costume. É quase automático associarmos o surgimento de um líder a situações de emergência ou a
momentos de decisão. Mas o líder não pode ser simplesmente alguém que "dê esperanças à tropa".
Líder não é chefe de torcida, nem propagandista de causas inglórias. Toda empresa precisa de
liderança, sim, mas para que serve esse líder?
Segundo Edgar H. Schein, professor de gestão da Sloan School, do Massachusetts Institute
of Technology (MIT), o papel da liderança depende da situação particular, da tarefa e das
características dos subordinados. "Nós tendemos a tratar a liderança como um vácuo, em vez de
especificar a relação do líder com a organização, num dado período", diz Schein. O que ele quer
dizer é que não faz sentido traçar o perfil do líder, se não se levar em conta a organização que vai
ser liderada. Não existe a figura do líder ideal, aplicável a qualquer caso. É fácil perceber isso: afinal,
quantas características em comum tinham Jesus Cristo e Átila, o Huno? Cristóvão Colombo e Martin
Luther King? Albert Einstein e Indira Gandhi? Como diz o guru da administração Peter Drucker: a
única definição de líder é alguém que tem seguidores.
Ora, se não existe líder ideal, estamos perdendo tempo aqui, não é mesmo? De certo modo,
sim. Cada empresa terá de encontrar sua própria fórmula de liderança, adequada à sua cultura, ao
seu negócio, ao seu mercado. Mas, assim como a nova economia dita algumas tendências para as
organizações - e as que se adaptarem melhor terão mais sucesso -, também os líderes mais aptos a
lidar com essas tendências farão um trabalho melhor. O líder do futuro, assim como o líder do
passado, será simplesmente aquele que tiver seguidores. Mas algumas linhas gerais podem ser
traçadas para indicar os líderes com maiores probabilidades de tornar suas empresas bem-
sucedidas.
Um exemplo: se as empresas precisam incentivar a inovação, crucial na nova economia, o
fato de um líder saber tudo o que está acontecendo na empresa pode ser um mau sinal, em vez de
uma qualidade positiva. "Às vezes damos tanta ênfase ao papel do líder de criar visão e valores que
ignoramos sua função primordial de criar sistemas que apóiem e guiem a liberdade dentro da
organização", diz o consultor de gestão americano Gifford Pinchot.
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Outro exemplo: numa empresa conectada, inserida na economia em rede, o papel da
liderança será organizar projetos seqüenciais e sincronizados de vários tamanhos e profundidades,
com várias combinações de pessoas, dependendo das tarefas, desafios e oportunidades da área e
dos parceiros num dado momento.
Um terceiro exemplo: se a empresa do futuro tem de ser adaptável a novas situações, seu
líder deve ser capaz de promover a mudança. Isso é quase como liderar sem liderar, porque levar a
cabo um grande projeto de mudança é uma tarefa que não pode ter passos determinados. É, num
certo sentido, deixar-se levar pelo mar. O processo exige improvisação por muitas pessoas, em
vários pontos. "O paradoxo de liderar a mudança é que a tarefa do líder pode ser menos dramática,
mas é certamente mais difícil em insights e sutileza", diz o consultor de estratégia J. B. Kassarjian,
do Instituto Internacional de Desenvolvimento de Gestão (IMD, com sede em Lausanne, na Suíça).
Maneiras de servir
Um bom líder deve tirar o melhor proveito de seus funcionários. Eis algumas características
de liderança que ajudam a desenvolver pessoas dentro da empresa, segundo as consultoras de
carreiras americanas Caela Farren e Beverly L. Kaye. Você se encaixa em algum tipo?
• facilitador: ajuda as pessoas a identificar seus valores e interesses, cria um ambiente
propício à discussão, ajuda as pessoas a compreender o que querem de suas carreiras
• avaliador: diz como a pessoa está indo, esclarece os padrões e expectativas pelas quais ela
será julgada, sugere ações específicas para melhorar o desempenho
• vidente: dá informações sobre a organização, a profissão, a indústria, ajuda as pessoas a
encontrar fontes adicionais de informação, aponta tendências, comunica a direção estratégica da
companhia
• conselheiro: ajuda as pessoas a identificar metas de carreira, relaciona metas potenciais às
exigências do negócio e aos interesses da empresa, aponta fontes de apoio e obstáculos
• possibilitador: ajuda a desenvolver planos de ação, facilita contatos com gente de outras
áreas, conecta pessoas com os recursos de que precisam para se desenvolver

PUXAR O TAPETE DO CHEFE


O asteca Montezuma, imperador do México no começo do século 16, nunca punha os pés no
chão. Quando ia a algum lugar, nobres o carregavam nos ombros e, quando parava, eles lhe
estendiam tapetes para que não tocasse o solo. Dentro do seu palácio, o rei da antiga Pérsia
também só andava em tapetes, nos quais ninguém mais tinha o direito de pisar. O rei meda Deioces,
que inaugurou o império medo-persa, não admitia súditos na sua presença. Todas as consultas a ele
eram feitas por meio de mensageiros. Segundo o historiador grego Heródoto, Deioces criou esse
cerimonial para dar a impressão de que era de uma natureza diferente da daqueles que não podiam
vê-lo.
É claro que esses são exemplos extremos. Não há líderes assim nas empresas. Mas há
muitos que, guardadas as proporções, seguem esses parâmetros. Gostam de se ver como seres
especiais, de natureza diferente da daqueles a quem lideram. Os tapetes nos quais eles andam têm
de ser puxados.
A lógica de frisar as diferenças entre chefe e subordinados está ultrapassada, diz Rosabeth
Moss Kanter, professora de gestão da Harvard Business School. Segundo ela, líderes do futuro
deverão ter as qualidades dos líderes de sempre: um olho para a mudança e uma mão firme para
dar a visão e a segurança de que a mudança pode ser administrada, uma voz que articula a vontade
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do grupo e a molda para fins construtivos e uma habilidade para inspirar pela força da
personalidade. "Mas o líder do passado costumava erguer barreiras. Agora o líder tem de destruir
essas barreiras e construir pontes."
Numa empresa ideal, repleta de gente talentosa, tudo se passa como se as pessoas tivessem
todas as mesmas armas. Com armas, o jogo da dominação fica mais sujeito ao acaso e a liderança
tem que ser exercida mais pela persuasão do que pela coerção. O povo !kung, da África do Sul, tem
um ditado propício para discussões políticas: "Nenhum de nós é maior que os outros. Somos todos
homens e podemos brigar. Eu vou buscar minhas flechas".
É por isso que a Constituição dos Estados Unidos permite a posse de armas. Elas são
consideradas instrumentos de equalização de poder entre os cidadãos. (Ainda que a prática
comprove que uma população armada é um péssimo negócio para a segurança, é a essa simbologia
que se agarra o lobby da indústria de armas de fogo americana.)
Na nossa analogia corporativa, as armas são a inteligência, tornada o principal valor na nova
economia. Todos a têm (embora alguns possam usá-la melhor do que outros), e isso implica que a
dominação seja exercida pela persuasão. Liderança baseada na habilidade nem é privilégio da raça
humana. Entre os chimpanzés, o líder do grupo não é necessariamente o mais forte, é quase
sempre o que melhor sabe manipular as alianças sociais.

DE BOAS INTENÇÕES...
Mas ninguém quer uma empresa de chimpanzés, não é? Um dos maiores perigos de traçar
um perfil do líder corporativo é justamente fixar-se nas habilidades da manipulação. Grande parte do
discurso sobre liderança prioriza a forma sobre o conteúdo e o estilo sobre a substância. "A maioria
dos ensinamentos sobre como liderar enfatiza a manipulação, as táticas de intimidação, a retórica
vazia, a geração de imagens", diz a americana Diana Chapman Walsh, presidente da escola de
artes Wellesley College.
É como se os liderados fossem peças a ser movidas pelo encantamento de frases mágicas,
máquinas a ser postas em funcionamento pelo aperto dos botões certos, animais a realizar truques
com o incentivo de recompensas. Isso dá certo, mas tem limites muito claros. Os resultados, em
geral, são apenas os imaginados pelo chefe. Com esse tipo de liderança, dificilmente haverá
surpresas - e surpresas são uma das matérias-primas da inovação.
Segundo Dave Ulrich, professor de administração da Escola de Negócios da Universidade de
Michigan, apontado pela revista Business Week como o maior educador sobre recursos humanos
nos Estados Unidos, os líderes do futuro serão conhecidos mais pelo que entregam do que pelo que
dizem, mais pelo que moldam do que pelo que controlam, mais pelas intenções que criam do que
pelos resultados.
Um minuto: a medição de intenções vale mais do que a medição de resultados? Não é
exagero? Everaldo Santos, que deixou a presidência da Alcan no ano passado, acha que não. Medir
ações e resultados é medir o passado. As intenções de hoje podem dizer como a empresa vai estar
no futuro. "Quem não começar a avaliar a visão que inspira as ações vai ficar para trás. O problema
é que ainda não temos instrumentos para fazer esse tipo de avaliação", diz Santos. Segundo ele, o
método antigo de premiar produtividade, eficiência, preço médio, número de clientes, já não basta.
"É preciso medir a interação entre visão e ação, almejando o desenvolvimento sustentado. A Alcan
está começando esse processo, tentando medir os fatores críticos de criação de valor. O maior
desafio do gerente é diagnosticar o que cria valor no longo prazo."

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Que tipo de líder é esse cujas preocupações se deslocam dos resultados para as intenções?
Então não é certo que de boas intenções o inferno está cheio? Sim, é certo. Mas esta já não é a
distinção entre ter ou não ter um líder. É a distinção entre ter um bom ou um mau líder.

PRÊMIO PARA A INTELIGÊNCIA


Se há uma característica imprescindível nos líderes, ela é simplesmente essa: a inteligência.
Como diz Rosabeth Moss Kanter, da Harvard Business School: "A função intelectual dos líderes tem
sido freqüentemente negligenciada nas discussões sobre liderança. Carisma, força de
personalidade, habilidades interpessoais têm sido mais faladas que o poder do cérebro requerido de
líderes para pensar nos problemas e achar novas soluções. Tentar liderar um mundo em mudança
põe um prêmio na inteligência: imaginar possibilidades fora das categorias convencionais, vislumbrar
ações que cruzem as fronteiras tradicionais, fazer novas conexões e inventar novas combinações".
Numa economia em que o principal produto é o conhecimento, o ideal é que a liderança seja
uma espécie de destaque entre pares. Essa situação faz com que o novo executivo - e não apenas o
líder - tenha necessidade de um novo leque de qualidades. Entre essas qualidades, o guru da
administração C. K. Prahalad, professor da Universidade de Michigan, destaca:
• pensamento sistêmico - a capacidade de considerar as várias áreas da empresa e suas
relações umas com as outras
• competência intercultural - a capacidade de compreender diferenças
• treinamento contínuo e extensivo
• padrões pessoais e de comportamento (já vamos chegar a esse ponto)
Há uma corrente forte de estudiosos da liderança que prioriza o aspecto agregador do líder.
John B. McCoy, presidente do Banc One (a quinta maior holding de bancos dos Estados Unidos,
com bens de mais de 250 bilhões de dólares), diz que não tem nenhum conhecimento sobre como
gerir os vários bancos que ele lidera. Seu papel é ver os números de desempenho, ouvir os pedidos
de ajuda dos associados e ter certeza de que aqueles que precisam são postos em contato com
aqueles que podem ajudar. "Meu papel principal é o de chefe de pessoal. Se eu conseguir ter as
pessoas certas nos lugares certos, isso é tudo que eu tenho de fazer."
Não há nada contra a ênfase nesse papel agregador do líder. Esta é mesmo a sua principal
função, dando um sentido para a organização e dirigindo-a para obter resultados. Mas falar dessa
função como se fosse a coisa mais natural do mundo mascara o espetacular trabalho que está por
trás da sua aparente simplicidade. Para conseguir colocar as pessoas certas nos lugares certos, não
dá para contar só com a sorte. É preciso ter competência.
O mito, alimentado até por alguns líderes, de que o papel da chefia é desvinculado do saber
necessário à produção, pode prejudicar a empresa. O especialista em liderança tecnológica Derek
Abell, professor do IMD, afirma que na formação de líderes tem-se assumido o processo de
desespecialização. Ao contrário, afirma Abell, para a liderança de uma empresa tecnológica deve-se
promover a especialização, combinada com as competências mais gerais de liderança. Em suma: o
líder tem de entender do negócio, até mesmo para poder dar autonomia aos seus subordinados.

UMA ESPÉCIE DE HERÓI


É claro que não é só a inteligência que faz um grande líder. "A verdadeira liderança requer
das pessoas que assumam riscos consideráveis e façam coisas que os outros não estão dispostos a
fazer", afirma o consultor americano John W. Work, diretor da Work Associates. Para ele, a liderança
deve ser analisada em relação à imagem do herói: "Heróis incorporam os valores mais fundamentais
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e duradouros de uma sociedade. Quando eles são relegados a papéis menores, ou desaparecem,
substitutos têm de ser criados. Os líderes são esses substitutos".
Por que heróis? Porque, além da inteligência, do poder e do carisma, o líder deve ter um
desejo e assumir um compromisso maior com a organização. Um líder é aquele que tem garra para
ir mais longe, para fazer o que os outros não estão dispostos a fazer. Em duas palavras, é aquele
que se oferece para um sacrifício maior e para uma responsabilidade maior.
Não se trata de um heroísmo de filmes de caubói. "O que conta não é o valor dos atos
heróicos, mas a coragem de fazer e dizer o que se acredita ser verdadeiro, mais do que
conveniente, familiar ou popular; a coragem de agir sobre a visão que se tem da organização",
afirmam Joseph Badaracco e Richard Ellsworth, autores do livro Leadership and the Quest for
Integrity (Liderança e a Missão da Integridade).
Essa disposição cria a base da liderança, porque é reconhecida pelos outros. Mais do que
qualquer manipulação, é essa força interior que faz o líder. Daí ser tão importante a sua
personalidade. "As menores facetas de comportamento do líder são notadas pelos que estão à sua
volta, mesmo que não conscientemente, e refletidas para toda a organização por aqueles que
influencia", afirma o psicólogo e consultor americano Nathaniel Branden. "Se um líder trata sócios,
subordinados, clientes e fornecedores com respeito, isso tende a se propagar para a cultura da
empresa. Por isso, se um líder quiser criar uma organização com alta auto-estima e alto
desempenho, o primeiro passo é trabalhar a si mesmo." (Daí a necessidade dos padrões pessoais e
de comportamento, destacada mais acima).
Como os heróis de qualquer mitologia, a luta pessoal do líder tem de reverter em resultados
para a sociedade. Se não for assim, o indivíduo não se torna herói, mas apenas um neurótico preso
em seu conflituoso mundo interior. Baseado em sua longa experiência, Peter Drucker afirma que os
líderes eficientes não perguntam "o que eu quero?", mas "o que precisa ser feito?" Ou, como disse o
matemático polonês Jacob Bronowski: "A personalidade criativa é uma que vê o mundo como apto
para mudança e a si mesma como instrumento de mudança... um divino agente de mudança".

LÍDER SERVE PARA MUDAR


Pelo menos nisso parece que todos os especialistas em liderança concordam: se não for para
promover mudanças, ninguém precisa de líder. A sorte dos candidatos a líder é que o mundo de
hoje é um caldo de mudanças à espera de acontecer. Só há um problema: ninguém consegue
mudar uma organização sozinho. Uma mudança assim dirigida não é mudança, é cumprimento de
ordens. A verdadeira mudança exige participação voluntária, e o papel do líder é como o de
catalisador de uma reação química.
"Líderes hoje têm de começar a pensar como agentes de mudança. Eles não podem mudar a
cultura no sentido de eliminar elementos disfuncionais, mas podem fazê-la evoluir, construindo sobre
seus pontos fortes e deixando os pontos fracos atrofiar", diz Edgar Schein, da Sloan School. Ele cita
as características requeridas para um promotor de mudanças:
• nível de percepção extraordinário, de si e do mundo
• motivação, para passar pelas dificuldades do aprendizado
• habilidade para envolver outros
• disposição para dividir o poder
Dividir o poder?!? Segundo Schein, essas características não precisam estar presentes em
algumas pessoas o tempo todo, mas vão estar presentes em muitas pessoas durante algum tempo.

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J. B. Kassarjian, professor de estratégia no IMD, fala de características similares: coragem
para ter avaliações realistas sobre o seu próprio padrão de liderança; habilidade para identificar e
ouvir rebeldes cultos nas linhas de frente do negócio; talento para combinar esses dados numa
história que possa levar as pessoas a agir.
Sim, porque no fim das contas o que importa é fazer as pessoas agir. Quando se trata de
mudanças, alguns gerentes vão estar prontos para entrar no barco, mas a maioria não vai ser tão
entusiasmada - por discordar do rumo tomado pela empresa ou por puro medo. Isso significa que
uma das tarefas-chave para o gestor é criar um sentido de urgência da mudança, diz o canadense
Peter Killing, professor de estratégia do IMD. "Mas é preciso ter uma urgência cuidadosa. A última
coisa que você quer é implementar às pressas uma mudança sem sentido."
Killing propõe um método. "Não exija. Crie experiências. Dê liberdade aos gerentes que
quiserem implementar mudanças. Aos poucos, você vai pondo em contato as experiências que
forem dando certo." Só há dois problemas com esse processo, adverte Killing: a) ele é lento, não
serve para emergências; b) não é garantido que os gerentes que mais precisam mudar sejam
aqueles que abracem a mudança.
Se a mudança for urgente, Killing sugere a criação de um ambiente de crise, que force a
ação. Pode ser com um anúncio público de novas diretrizes. "Quem resiste à mudança pode achar
que tem a última chance de dar seus motivos. Convém ouvi-los, eles podem estar certos." Outra
forma de simular uma crise é modificar uma rotina entranhada na organização. Acabar com um
período de férias estabelecido, mudar o modo de fazer reuniões, fazer uma reforma no escritório. O
recado é: as coisas não vão ser como antes. Uma terceira maneira é matar uma vaca sagrada:
vender um negócio que não esteja adequado ao seu projeto de futuro, mandar embora um alto
executivo resistente. Criar um choque.

EMOÇÃO E PROPÓSITO
A mudança não é difícil só para os funcionários ou para a empresa. Toda mudança ameaça o
líder. Segundo a consultora de gestão americana Judith M. Bardwick, as pessoas confiam no líder
quando ele diz que algo vai acontecer e isso acontece. "Basicamente, confiança é uma questão de
previsibilidade. Grandes mudanças, portanto, sempre ameaçam a confiança e, assim, em última
análise, a confiança na liderança." Manter o nível de confiança é uma tarefa emocional.
A emoção deve estar sempre na pauta de um bom líder, diz Deepak Sethi, responsável pelo
desenvolvimento de jovens talentos na AT&T: "Pessoas de baixa auto-estima acham difícil elogiar as
realizações de outros. Inveja e ressentimento sempre ficam no caminho. Por outro lado, se um
gerente aprende a responder de modo correto - porque a empresa exige e porque faz parte da
cultura -, não só a pessoa talentosa vai se sentir melhor, mas o próprio gerente pode crescer em
auto-estima, pelo exercício de comportamento racional. A organização do futuro vai ser construída
em estima mútua, como pré-condição para a liberação do melhor em cada pessoa".
Falando de emoções, sempre acaba aparecendo a pergunta: seria o caso de uma liderança
mais feminina? Chris Argyris, professora de educação e comportamento organizacional da Harvard
Business School, responde: "Está na moda para as mulheres esposar a teoria de que elas são mais
sensíveis, mais alertas para as relações interpessoais e menos competitivas que os homens. Nosso
estudo com mais de 7 500 indivíduos mostrou que, para definir suas ações, as mulheres usam os
mesmos tipos de controle unilateral e teorias ganha/perde que os homens".
Qual é o truque, então, para manter a confiança da tropa, para criar um ambiente propício ao
desenvolvimento de talentos? Não há truque. O grande conselho do americano Richard Leider,
fundador do Inventure Group, líder no setor de desenvolvimento de carreiras nos Estados Unidos, é
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ser verdadeiro: "Liderar com um senso de propósito pessoal claro cria coragem; coragem verdadeira
atrai seguidores. A chave para o alto desempenho é a integridade - fazer pequenas coisas com
consistência".

O INFERNO (E O CÉU) SÃO OS OUTROS


Muitas vezes, um chefe tem a clara noção do que precisa ser feito, só não entende por que
ninguém se entusiasma como ele, por que ninguém compartilha sua visão. Quando isso acontece,
em geral quem não está enxergando direito é ele. Basicamente, não está enxergando que outras
pessoas pensam de forma diferente. O ex-executivo da Shell Arie de Geus conta a lição que
recebeu de um diretor, no começo da carreira: "Se você quiser ser um líder, tem de entender que um
gerente não é Deus. Um gerente não cria pessoas - certamente não à sua própria imagem. Como
gerente, você pega as pessoas como elas são e aprende a trabalhar com elas".
A prática da liderança tem boa parcela de ensino, esclarecimento e tutelagem. Mas não em
mão única. Tanto quanto ensinar, o líder tem de aprender. (No fundo, trata-se do mesmo processo.
Em francês, o verbo apprendre significa tanto ensinar quanto aprender. Em inglês, learn e teach têm
significados diferentes, mas durante um bom período as duas palavras foram usadas como
sinônimos. Shakespeare usou learn no sentido de ensinar, na peça Dois Cavalheiros de Verona. Em
hebraico, aprender e ensinar têm a mesma raiz, lamed, conhecimento.)
"O líder não só precisa saber aprender, mas também tem de aprender como as outras
pessoas aprendem", dizem John Alexander e Meena S. Wilson, vice-presidente e pesquisadora do
Centro para Liderança Criativa, uma consultoria americana.
Fala-se muito que o líder tem de inspirar as pessoas, mas o contrário é também verdadeiro.
Um líder precisa ser inspirado pelos outros. Ele tem de se realizar por meio dos outros, tirar
satisfação do sucesso de seus subordinados. Só assim poderá deixar de ser concentrador. Num
certo sentido, o líder tem de servir seus subordinados. Edson Vaz Musa, que atua como consultor,
gestor ou sócio em mais de 20 empresas médias e grandes, diz que o dirigente deve estar sempre
disponível para os subordinados. "O executivo-chefe que está sempre ocupado está fazendo mal à
empresa."
Especialmente quando o principal produto das empresas é o conhecimento, é preciso
estimular os funcionários a sair de baixo das asas do chefe. Na empresa do futuro, os gerentes terão
de administrar riscos, não comportamentos. Os funcionários mais valiosos serão os mais
criativamente desobedientes.
Mesmo para executivos "esclarecidos", ceder o poder é difícil. "Não é que eu não sinta falta
do sistema antigo", diz Phil Carroll, executivo-chefe da Shell. "Ser o comandante-em-chefe era
divertido." Pode ser divertido, mas uma empresa no mundo instável não pode mais se dar ao luxo de
não aproveitar o potencial de seus funcionários. E aproveitar o potencial é permitir que eles se
desenvolvam - isso inclui tornar-se líder.
É o que afirmam os americanos Ian Sommerville, da Andersen Consulting, e John Edwin
Mroz, presidente do instituto EastWest Studies (Estudos Oriente/Ocidente), que presta consultoria a
governos europeus: "Se o seu programa de liderança é só para gerentes e executivos, você não
está entendendo a mensagem".

É POSSÍVEL APRENDER A SER LÍDER?

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Ora, para que gastar dinheiro em treinamento com pessoas que nunca vão chefiar nenhum
departamento? Por uma razão muito simples, diz Robert H. Rosen, presidente da Healthy
Companies Institute (Instituto de Companhias Saudáveis, uma organização americana sem fins
lucrativos): quando nos tornamos melhores líderes, tornamo-nos também melhores seguidores.
Liderar é ter noção de responsabilidade, ter paixão, honrar compromissos e saber tomar decisões.
Isso é bom em qualquer nível da empresa.
Alguns empresários antigos ainda pensam que não precisam de funcionários com autonomia,
pelo menos em cargos mais baixos. Imaginam que isso só vá servir para elevar o custo da folha de
pagamentos. Mas, na economia do conhecimento, não há setor que não possa lucrar com um pouco
mais de inteligência, e dificilmente haverá investimento mais lucrativo do que aprimorar as
qualidades dos seus funcionários.
O guru Peter Senge, diretor do Centro de Aprendizado Organizacional da Sloan School,
chega a especificar alguns tipos de liderança dentro de uma empresa:
• Líderes locais: criam subculturas que podem diferir bastante da cultura principal da empresa.
São bons para a companhia, porque em geral é deles que vem a inovação. A independência é sua
força e sua fraqueza. Força, porque permite experiência fora dos limites da cultura da empresa.
Fraqueza, porque eles não pensam muito em aprender dentro da organização, tipicamente têm
pouca paciência para compartilhar seus resultados e podem desenvolver uma postura "nosso
departamento contra o mundo", achando-se incompreendidos pela organização.
• Líderes executivos: devem proteger os líderes locais e atuar para juntar gerentes com linhas
de pensamento complementares dentro da organização.
• Construtores da rede: seu poder vem justamente do fato de não terem poder nenhum. Eles
podem se mover pela organização livremente e são vistos como pessoas com credibilidade,
conhecimentos e senso de compromisso. Servem como elos de ligação porque ninguém os vê como
ameaça.
É claro que corremos o risco de esbarrar na hipocrisia. Uma empresa não pode dar o mesmo
tipo de recompensa e reconhecimento a todos os funcionários. (Isso se aplica especialmente ao
Brasil, um dos países com maior disparidade salarial entre altos executivos e operários.) Chamar
todo mundo de líder não é o mesmo que dizer que não há líder nenhum?
Sim, é. Essa questão está intimamente ligada a uma outra: é possível aprender a ser líder?
A professora Chris Argyris, de Harvard, diz que agir de acordo com um modelo pode ser muito
contraproducente. "Se um líder L recebe a avaliação de que é muito controlador, ele pode tentar agir
de forma menos autoritária. Mas esse raciocínio exclui as razões pelas quais ele é autoritário. Pode
ser porque ele considera seus subordinados fracos, sem iniciativa. Então ele pode mudar seu
comportamento sem mudar as crenças que o sustentavam. O que faz esse tipo de mudança? Se L
falava muito, agora fala pouco. Se era agressivo, torna-se mais passivo. Os novos comportamentos
não representam uma nova teoria, são apenas as características opostas da velha. Por isso, em
geral têm curta duração, especialmente quando o indivíduo se sente constrangido ou ameaçado."
A única forma de melhorar o relacionamento é abandonar os raciocínios defensivos. Eles
levam a estratégias unilaterais, que provocam outras estratégias unilaterais, até criar um diálogo de
surdos.
O paradoxo da liderança é que o líder eficiente em geral não está tentando ser líder, está
apenas se esforçando para expressar suas verdades. É alguém que quer aprender e buscar o
autoconhecimento. Se cada funcionário for incentivado a fazer isso, a empresa terá gente muito

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mais motivada no presente e muito mais possibilidades de escolher o líder ideal para o futuro, no
futuro.
Na mitologia hassídica (uma seita judaica criada a partir de 1740), o rabino Zusya de Hanipol
ensinava: "Na outra vida, ninguém vai me perguntar: 'Por que você não foi mais parecido com
Moisés, nosso líder?'. Eles vão me perguntar: 'Por que você não foi mais parecido com Zusya?'

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