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Sylvia

Regina Pereira Storniolo

A música na educação infantil


como facilitadora do processo de
ensino-aprendizagem

Rio de Janeiro, 2016


SUMÁRIO

Introdução
1. A criança e seu aprendizado
1.1 O olhar de Vygotsky
1.2 A inteligência musical
2. A música e a criança
2.1 Considerações sobre a música
2.2 A música na educação infantil
Conclusão
Referências bibliográficas
Créditos
INTRODUÇÃO

A palavra “música”, segundo vários autores de livros de teoria


musical, “[...] é a arte dos sons que se manifestam em nossos
sentimentos” (Oswaldo Lacerda). Assim sendo, somos prova de que
a música mexe muito com nosso ser. Seja ela do tipo que for,
independente do gênero ou do ritmo, pode influenciar também em
nosso emocional.
Decidi percorrer este tema pois sou formada em piano, teclado e
órgão pelo Conservatório Musical Beethoven. Posso dizer que vivi
música por toda a minha vida, infância, adolescência e até os dias
de hoje, em que ainda toco na igreja.
Formei-me em Pedagogia pela Universidade Mackenzie e, logo
depois de formada, tinha somente uma pequena vivência de alguns
estágios, dando aula em uma pequena escolinha que na época se
chamava Cuca Legal e hoje nem existe mais. Lá, as salas de aulas
comportavam no máximo dez alunos.
Dois anos depois, passando em concurso público, entrei para
rede municipal de ensino em São Paulo, onde me encontro até os
dias de hoje, e encontrei uma realidade que me chocou bastante.
Ingressei numa Escola Municipal de Educação Infantil (Emei), no
bairro do Brás, depois me transferi para outra, no Campo Limpo.
Hoje estou numa Emei central, no bairro do Jabaquara.
O que interessa dessa trajetória toda é que a minha realidade de
dez crianças por sala se transformou na época em 35, com uma
frequência média de trinta crianças todos os dias. Cheguei a ter na
lista de chamada 47 alunos, com uma frequência de quarenta
crianças, todos os dias da semana.
Antes de dizer que enlouqueci, me armei de um trunfo que
herdei de meus pais, que foi o estudo musical, e, através dele,
sobrevivi àquela dura realidade. Com atividades de canto de
músicas e cantigas de roda, consegui um envolvimento maior
daquelas crianças e me envolvi muito com o trabalho que realizei, e
posso dizer que consegui fazer um bom trabalho.
Gostaria de poder dissertar sobre o tema proposto, nas páginas
que se seguirão, e assim realizar um bom trabalho, deixando claro
que, através da música, o aprendizado pode acontecer com muito
mais prazer, emoção e significado.
Acredito que a música deve ser pensada como parte integrante
do fazer pedagógico e utilizada de forma integral para que complete
o desenvolvimento pleno da criança de zero a seis anos de idade.
Essa ação deve ser bem planejada, contextualizada, envolver
criatividade (RCNEI, 1998) e se aliar ao processo de ensino-
aprendizagem. Assim, a música se torna uma facilitadora do
processo, principalmente na educação infantil.
Sabemos bem que tudo aquilo que fazemos com prazer, com
emoção, flui com mais tranquilidade. Além de fazermos melhor
nossas tarefas, tudo fica na lembrança e nunca mais esquecemos...
O objetivo do estudo foi de averiguar qual a importância da
música para o processo de ensino-aprendizagem, na educação
infantil. Objetivou-se também identificar a importância da música
para a criança, investigar como a música facilita o aprendizado das
crianças e planejar e contextualizar o fazer musical, articulando-o
às demais áreas do conhecimento.
O trabalho de monografia se baseou em pesquisa bibliográfica e
foi organizado em dois capítulos.
No primeiro capítulo, buscou-se expor alguns aspectos do
processo de aprendizado da criança sob a ótica de Vygostky e a
teoria de Gardner, com enfoque no que ele denominou “inteligência
musical”. O objetivo foi traçar um cenário para contextualizar a
discussão sobre como a música pode contribuir para o aprendizado
da criança.
No segundo capítulo, expõe-se como se efetiva o uso da música
na educação infantil, tema do presente estudo.
CAPÍTULO 1

A CRIANÇA E SEU APRENDIZADO

1.1 O olhar de Vygotsky


O desenvolvimento mental da criança, segundo Vygotsky (1999), é
um processo contínuo de aquisição de controle ativo sobre funções
inicialmente passivas. Para o autor, desde seus primeiros dias, as
atividades da criança adquirem um significado próprio, num
sistema de comportamento social e, por serem dirigidas a objetivos
definidos, elas são refratadas por meio do prisma do ambiente da
criança. Desta forma, inicialmente, o caminho do objeto até a
criança e desta até o objeto passa por outra pessoa. Neste sentido, o
processo de solução de problemas em conjunto com outra pessoa
não é diferenciado pela criança pequena no que se refere aos
papéis desempenhados por ela e por quem a ajuda – constitui um
todo geral e sincrético. Porém, no momento em que a criança
desenvolve um método para guiar a si mesma; e quando ela
organiza sua própria atividade de acordo com uma forma social de
comportamento consegue, com sucesso, impor a si mesma uma
atitude social (VYGOTSKY, 1999).
A fala, dentre os elementos de origem sociocultural que atuam
sobre a formação dos processos mentais superiores da criança, é
um ponto destacado pelo autor, que considera que signos e palavras
constituem para as crianças, primeiro e acima de tudo, um meio de
contato social com outras pessoas. No entanto, a maior mudança na
capacidade das crianças para usar a linguagem como um
instrumento para a solução de problemas ocorre quando elas
internalizam a fala socializada, aquela previamente utilizada para
dirigir-se a um adulto. Ao invés de apelar para o adulto, as crianças
passam a apelar a si mesmas, usando a fala como instrumento para
planejar suas ações. Desta forma, a linguagem passa a adquirir uma
função intrapessoal (vai se constituir no pensamento), além de seu
uso interpessoal (VYGOTSKY, 1999).
Vygotsky (1989) preocupa-se com o desenvolvimento fazendo
uma única divisão nele: analfabetos (bebês e crianças em idade pré-
escolar) e alfabetizados. Tratando sempre da espécie e da criança
propriamente dita, afirmou que as funções psicológicas são
fundamentais nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo
exterior, num processo histórico. A criança tem um suporte
biológico, pois as funções psicológicas são produto da atividade
cerebral. A relação homem e mundo é uma relação medida por
signos, sendo o homem fruto da história.
De acordo com Vygotsky (1996), o adulto se adapta à história, à
tecnologia. A criança nasce com o pensamento no momento
histórico, por exemplo: o adulto adapta-se ao computador, à
utilização dos recursos da informática. A criança já nasce com a
informática.
O signo provoca transformações internas, ele faz parte das
relações sociais. A mãe (ou a figura mais próxima do bebê) “filtra”
os signos, transmitindo ao bebê a cultura. A criança resgata as
conquistas anteriores ao seu nascimento, internalizando-as.
Pensando a espécie, classifica as funções psicológicas como senso
elementares (comuns a todos os seres às quais garantem a
sobrevivência) ou superiores (tipicamente humanas, como a
memória, o raciocínio etc.). Por meio da função psicológica
superior, o homem amplia, cria novas formas de atividades do
cérebro. O indivíduo constrói, desenvolve o conhecimento através
do contato social, da cultura.
O pensamento é constituído de palavras. Na fase pré-linguística,
a criança, o bebê já tem uma fala social, mesmo sem ter a palavra.
Esta fala é interpretada pela mãe e esta interpretação é feita de
acordo com o conhecimento, com a “bagagem” cultural dela. Na
fase linguística a fala egocêntrica não é só voltada para si, ela é uma
forma de internalização, interiorização da palavra social. Nesta fase
a palavra antecipa a ação. A criança precisa falar para agir. Se ela
não fala ela não age. Na fase escolar, a fala egocêntrica não
desaparece, ela se transforma em fala interior, a fala para si
mesmo. A fala interior é semântica (significado: lógica gramatical),
a fala exterior é constituída pela palavra, fala sintaxe (sintética)
(VYGOTSKY, 1999).
Se o outro não tem a mesma significação que o eu, para Vygotsky
(1996), não há comunicação. Porque ele não utiliza, e portanto não
lhe adianta a fala exterior. Quando a significação de um torna-se
idêntica à do outro, a fala exterior perde a função. Cria-se a
comunicação sem a fala exterior. Por exemplo: a criança passa a
conhecer o discurso da mãe através do tipo de olhar que ela lhe
direciona. Vygotsky (1989) considerava a escola como o local para a
criança aprender os signos culturais comuns a todo mundo, sendo o
lugar mais importante da nossa cultura. O autor identifica o
desenvolvimento como ocorrendo em três zonas: zona de
desenvolvimento real (período anterior ao início da alfabetização),
zona de conhecimento proximal (área onde está faltando algo, onde
algo ou alguém prova um insight) e zona de desenvolvimento
potencial (está próxima do sujeito mas precisa da ajuda do outro).
Segundo Vygotsky (1996), é importante que em uma sala de aula se
aproxime a criança mais “adiantada”, que possui mais
conhecimento, da que está “atrasada”, que teria menos
conhecimento, afirmando que esta aproximação é importante para
que a criança, com o exemplo da outra, chegue ao mesmo
conhecimento.
Para Vygotsky (2000), o jogo possibilita a criação de uma zona de
desenvolvimento proximal. No jogo simbólico, as regras são parte
integrante, embora não tenham caráter sistemático e anticipatório,
como acontece nos jogos habitualmente designados regrados,
O agir dentro de um cenário imaginado faz com que a criança
pondere sobre as regularidades sucedâneas da representação de
um papel específico segundo as regras da sua cultura. A criança
ensaia, em cenários lúdicos, comportamentos e situações para as
quais não está preparada na vida real, projeta-se nas atividades dos
adultos, ensaiando atitudes, valores, hábitos, significados que estão
muito aquém das suas possibilidades efetivas. Mesmo considerando
que existe uma grande diferença entre o comportamento na vida
real e o comportamento no jogo, a atuação no mundo imaginário
cria uma zona de desenvolvimento proximal composta de conceitos
ou processos em desenvolvimento. As interações requeridas no jogo
possibilitam a internalização do real e promovem o
desenvolvimento cognitivo da criança.
Vygotsky (1999) aponta que o brinquedo é o mundo ilusório e
imaginário onde os desejos não-realizáveis podem ser realizados. É
no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva
em vez de uma esfera visual externa, dependendo das motivações e
tendências internas e não dos incentivos fornecidos pelos objetos
extemos.
Em uma situação imaginária, a criança dirige seu
comportamento não só pela percepção imediata dos objetos ou pela
situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado
desta situação. Esta seria a primeira manifestação de emancipação
da criança em relação às restrições situacionais. O brinquedo é um
estágio entre as restrições puramente situacionais da primeira
infância e o pensamento adulto que, por sua vez, pode ser
totalmente desvinculado de situações reais. Para adquirir esse
controle, a criança aprende a simbolizar e depois a usar signos,
convertendo essas funções mais simples em funções culturais
mediadas por signos.
Para a imaginação, de acordo com Vygotsky (1999), é importante
a direção da consciência, consistindo no afastamento da realidade,
em uma atividade relativamente autônoma da consciência, a qual
se difere da cognição imediata da realidade.

Junto com as imagens que se criam durante o processo de cognição imediata da


realidade, o indivíduo cria imagens que são reconhecidas como produto da
imaginação. Num nível alto de desenvolvimento do pensamento criam-se
imagens que não encontramos preparadas na realidade circundante. (Vygotsky,
1999, p. 129).

Além disso, o autor aponta que estão ligadas de forma íntima à


imaginação as possibilidades de agir com liberdade, as quais
surgem com o ser humano.
Já segundo Mukhina (1995), para Vygotsky a imaginação possui
as suas raízes na função semiótica da consciência, que surge ao
final da primeira infância, no terceiro ano de vida, ou seja, ela tem a
sua origem na função da consciência, incluindo os sistemas de
significações que se encontram na cultura (imagens, gestos,
vestuários: ritos e linguagem).
Para o autor, a brincadeira possui três características: a
imaginação, a imitação e a regra. Elas estão presentes em todos os
tipos de brincadeiras infantis, tanto nas tradicionais, naquelas de
faz-de-conta, como ainda nas que exigem regras. Podem aparecer
também no desenho, como atividade lúdica.
Do ponto de vista psicológico, Vygotsky (1999) atribui ao
brinquedo um papel importante: aquele de preencher uma
atividade básica da criança, ou seja, ele é um motivo para a ação.
Vygotsky (2000) aponta que a regra e a situação imaginária
caracterizam o conceito de jogo infantil, pois a situação imaginária
tem de ter regras de comportamento, assim como todo jogo com
regras contém uma situação imaginária. A relação entre o jogo e o
desenvolvimento cognitivo na criança deve também procurar-se na
relação entre o jogo e a atividade combinatória do cérebro, a
essência da criatividade. Uma das questões mais importantes da
psicologia e da pedagogia infantil diz respeito à criatividade das
crianças, ao seu desenvolvimento e à importância do trabalho
criador para a evolução e maturação da criança. Os processos de
criação são observáveis sobretudo nos jogos da criança, porque
neles a criança representa e produz muito mais do que aquilo que
viu.
De acordo com Vygotsky (1999), a imaginação liga-se com a
realidade por meio de quatro formas básicas. Na primeira, a
imaginação se encontra com relação direta com a riqueza e a
variedade de vivências acumuladas pelo ser humano, constituindo-
se no material que ele utiliza para construir as suas fantasias. Na
segunda forma, a imaginação adquire uma função mais ampla e de
muita importância para o desenvolvimento humano: ela
transforma-se em um modo de ampliar a experiência do indivíduo,
que se torna capaz de imaginar aquilo que não esteve de forma
concreta ao alcance de seus olhos, recorrendo apenas aos relatos e
descrições, que por sua vez se encontram distantes daquilo que ele
vivenciou. A terceira forma é a presença do envolvimento
emocional, que tende a se manifestar em certas imagens, ideias, as
quais têm a ver com os sentimentos que se fazem presentes em
determinados momentos da vida real. Por fim, a quarta forma está
de certa maneira relacionada à anterior, pois tanto os fatores de
cunho intelectual quanto emocional são necessários para o ato
imaginativo.
Para o autor a criança cria (desenvolve o comportamento
combinatório) a partir do que conhece das oportunidades do meio e
em função das suas necessidades e preferências. É justamente esta
faculdade de compor o novo, assim como de combinar o que já
existe com o novo, que está presente nas brincadeiras infantis, que
é a base da atividade criadora do ser humano.
O que a criança vê e escuta (impressões percebidas) constituem
os primeiros pontos de apoio para a sua futura criação. Ela acumula
material com o qual, depois, estrutura a sua fantasia, que progride,
num complexo processo de transformação em que jogam a
dissociação e a associação como suas principais componentes. Toda
a impressão representa um todo complexo composto por um
conjunto de partes diferentes e a dissociação consiste na divisão
dessas partes, das quais se destacam apenas algumas, através de um
processo de comparação entre elas. Para unir posteriormente os
diferentes elementos, o homem tem de romper com a relação
natural em que os elementos foram percebidos (VYGOTSKY, 1999).
A imaginação depende da experiência, das necessidades e dos
interesses, assim como da capacidade combinatória e do exercício
contido nessa atividade, e não se pode reduzir a imaginação às
necessidades e sentimentos do homem (VYGOTSKY, 2000).
De acordo com Vygotsky (1996), na brincadeira os objetos
perdem a sua força determinadora sobre o comportamento da
criança, que começa a agir de forma independente daquilo que vê.
No entanto, no caso das crianças muito pequenas, os objetos
possuem uma força motivadora inerente e determinam
extensivamente o comportamento da criança. Tal fato ocorre
porque, entre 0 e 2-3 anos de idade, mais ou menos, a percepção e a
motivação da criança encontram-se unidas, ou seja, a percepção é
um aspecto integrado de uma reação motora, é um estímulo para a
ação. Com isso, justifica-se o fato de que o comportamento da
criança neste período se paute pela percepção imediata do objeto.
Na criança em idade pré-escolar a ação, em uma situação vivida
por ela, irá lhe ensinar a dirigir o seu comportamento, não apenas
pela percepção imediata dos objetos, mas também pelo significado
do campo da percepção visual. Desta forma, a ação da criança é
orientada pelas ideias, pela representação, além de pelos objetos em
si. Tal transição é possibilitada pela brincadeira (VYGOTSKY, 1996).
Vygotsky (1999) aponta que a brincadeira é realizada em um
cenário psicológico segundo o qual a criança se sente segura para
agir, criativa para agir, para expressar as suas ideias, bem como se
encontra disposta a modificá-las no caso de o ambiente lhe fornecer
melhores alternativas. O que impulsiona a criança ao faz-de-conta é
o desejo de conhecer e de dominar os objetos e as representações.

1.2 A inteligência musical


Os estudos na área educacional promoveram a formulação de
várias novas teorias, sendo preciso identificar, entre elas, uma
possibilidade que garanta um processo de ensino e aprendizagem
eficaz. Entre essas teorias encontra-se a teoria das inteligências
múltiplas, proposta por Howard Gardner em Harvard, a qual pode
vir a contribuir para o desenvolvimento de capacidades individuais,
em conjunto com uma preparação técnica. Essa teoria leva em
consideração que o ser humano é pluralista, ou seja, dotado de
várias capacidades, chamadas de “inteligências”, que podem ser
desenvolvidas de acordo com a necessidade e a deficiência de cada
um, a qualquer momento, a partir de estímulos, durante o processo
de ensino e aprendizagem. A teoria das inteligências múltiplas
possibilita, no decorrer de seu processo, o perfeito desenvolvimento
do indivíduo, de forma holística, ou seja, social, técnica e
individualmente. Trata-se do desenvolvimento simultâneo de
habilidades pluralistas e especialistas (GARDNER, 1994).
Para Gardner (1994), existem oito diferentes pontos no cérebro
humano onde se abrigariam diferentes inteligências, conjunto este
que o autor denominou “inteligências múltiplas”, a saber:
inteligência linguística, verbal, lógico-matemática, espacial, musical,
cinestésica corporal e naturalista e inteligências pessoais
(intrapessoal e interpessoal).
Gardner et al. (1998) apontam que, apesar da teoria das
inteligências múltiplas ter sido desenvolvida com o objetivo de
ampliar as noções psicológicas da inteligência, sua maior
contribuição está na educação. Essa teoria tem como proposta
fundamental o desenvolvimento de um indivíduo completo, com
habilidades diferenciadas. Algumas delas seriam: capacidade de
assimilação de diferentes conteúdos, de forma natural; habilidade
de resolver conflitos pessoais e profissionais em tempo hábil;
capacidade de trabalhar em equipe; capacidade de transmitir,
escrita ou verbalmente, ideias e conceitos; capacidade de analisar
criticamente uma situação, baseada na vivência de experiências
pessoais e profissionais; e capacidade de propor soluções
inovadoras e eficientes, entre outras.
Armstrong (2001) aponta que o professor, antes de aplicar
qualquer modelo na sua sala de aula, deve primeiro aplicá-lo em si
mesmo, como educador e aprendiz adulto, haja vista ser preciso ter
um entendimento experiencial da teoria, que se tenha
personalizado o seu conteúdo, para que se possa utilizá-la com os
alunos.
Segundo Gardner (1995), a estratégia utilizada dentro da sala de
aula funciona como uma técnica insuperável para transmitir a
informação necessária do assunto a ser trabalhado. Mas, ajudar a
transformá-la em conhecimento e em mudanças de atitudes requer
uma percepção maior por parte do responsável pelo processo de
ensino e aprendizagem. Essa percepção pode ser desenvolvida num
grau maior, se houver a possibilidade de se utilizar um referencial
como forma de monitoramento das atividades didáticas.
Apesar de toda criança possuir todas as oito inteligências,
podendo desenvolvê-las em um nível bem elevado de competência,
segundo Gardner (apud ARMSTRONG, 2001), parece que elas
mostram tendências em inteligências específicas. No seu ingresso
na escola, provavelmente a criança estabelece maneiras de
aprender segundo as linhas de algumas inteligências, em relação a
outras. Para avaliar qual das inteligências múltiplas o aluno está
seguindo, o melhor instrumento isolado é, de acordo com
Armstrong (2001), provavelmente a simples observação. “Uma boa
maneira de identificar as inteligências mais desenvolvidas dos
alunos é observar seu mau comportamento na sala de aula”
(ARMSTRONG, 2001, p. 37). Desta forma, por exemplo, o aluno que
conversa fora de hora é altamente linguístico. O espacial vai
rabiscar e devanear; o interpessoal vai socializar com os outros. O
corporal-cinestésico estará inquieto e agitado. O naturalista será
capaz de trazer um animal para a sala de aula.
Para Campbell et al. (2000), é preciso que os educadores
proporcionem a oportunidade a que o aluno explore criativamente
os seus interesses e talentos individuais, enquanto aprende as
habilidades e os conceitos valiosos, através de meios multimodais,
pois nem todos exibem o mesmo perfil de inteligência, nem
compartilham os mesmos interesses.
A “inteligência musical, assim como as demais, não pode ser
confundida com talento e [...] sua competência manifesta-se desde
muito cedo, pela facilidade em identificar sons diferentes, perceber
as nuanças de sua intensidade” (ANTUNES, 1998, p. 56). A ideia de
inteligência é bem diferente, dado que “todas as inteligências
existem em quase todas as pessoas e as poucas que não as possuem
são claramente identificadas por seus problemas de autismo ou
deficiência neurológica congênita” (ANTUNES, 1998, p. 56). O
desenvolvimento das inteligências é notório quando estimulado no
apogeu da abertura de sua janela e quando do uso de
procedimentos adequados.
Antunes (1998) aponta que esta competência se manifesta muito
cedo, pela facilidade de cada um em identificar sons diferentes,
perceber as nuanças de sua intensidade, captar sua
intencionalidade. A inteligência musical faz perceber com clareza o
tom ou a melodia, o ritmo ou a frequência e o agrupamento dos
sons e suas características intrínsecas, denominadas timbre. A
inteligência musical justifica-se como a capacidade de interpretar,
escrever, ler e expressar-se pela música: exemplos típicos são
Mozart, Villa-Lobos, Beethoven, Pixinguinha e Cartola, que são ou
foram capazes de sentir a linguagem sonora do meio ambiente e
transportar esses sentimentos para as suas composições.
De todos os talentos de que os indivíduos podem ser dotados,
nenhum surge mais cedo do que o talento musical. Dentre todas as
pesquisas existentes em relação à habilidade musical e suas mais
diversas relações com outras habilidades, há um consenso de que,
independentemente do tipo de pessoa, de sua cultura, de que todas
reconhecem algo de estrutura musical. Ou seja, todas as pessoas são
capazes, desde que tenham a capacidade auditiva, de reconhecer
sons, agrupá-los, reconhecê-los e reproduzi-los (GARDNER et al.,
1998).
Da mesma forma que a inteligência verbal e a lógico-matemática
têm nas letras e nos símbolos geométricos e números um sistema
simbólico universal, também a inteligência musical compreende
um sistema simbólico acessível e internacional. Os elementos
centrais constituintes da música são o tom (ou a melodia), o ritmo:
sons emitidos em determinadas frequências auditivas e agrupados
conforme um sistema prescrito; e o timbre, as qualidades
características de um som (ANTUNES, 1998).
Gardner (1994), considerando os elementos centrais da música,
questionou a importância da audição para a participação musical,
porém sinalizou que a organização rítmica pode existir
independente de qualquer realização auditiva, e que
provavelmente determinados aspectos da experiência musical são
acessíveis a indivíduos que não possam apreciar seus aspectos
auditivos. Outro elemento somado aos elementos centrais se refere
aos aspectos afetivos da música, o prazer musical. Schoenber (apud
GARDNER, 1994, p. 82) descreve que:

[...] música é a sucessão de sons e combinações de sons organizados de modo a


exercer uma impressão agradável ao ouvido e sua impressão à inteligência é
ser compreensível [...]. estas impressões têm o poder de influenciar partes
ocultas da nossa alma e das nossas esferas sentimentais e [...] esta influência
nos faz viver num paraíso de desejos preenchidos ou em um inferno sonhado.

De acordo com Gardner (1994, p. 98):

Para apreciar a função dos ritmos no trabalho musical o indivíduo deve ter
alguma competência numérica básica. As interpretações requerem
sensibilidade à regularidade e proporção que podem às vezes ser bastante
complexas. Mas isso permanece pensamento matemático até um nível
relativamente básico.

No desenvolvimento da competência musical verifica-se a


produção espontânea e as brincadeiras com sons exploratórios em
bebês, que cantam e balbuciam emitindo sons individuais,
produzindo padrões ondulantes e até mesmo “imitando” sons
cantados (GARDNER, 1994).
CAPÍTULO 2

A MÚSICA E A CRIANÇA

2.1 Considerações sobre a música


De acordo com o Referencial Curricular para Educação Infantil
(BRASIL, 1998, p. 45):

A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de expressar


e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio da organização e
relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A música está presente em
todas as culturas, nas mais diversas situações: festas e comemorações, rituais
religiosos, manifestações cívicas, políticas etc. Faz parte da educação desde há
muito tempo, sendo que, já na Grécia antiga, era considerada como
fundamental para a formação dos futuros cidadãos, ao lado da matemática e da
filosofia.
A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,
assim como a promoção de interação e comunicação social, conferem caráter
significativo à linguagem musical. E uma das formas importantes de expressão
humana, o que por si só justifica sua presença no contexto da educação, de um
modo geral, e na educação infantil, particularmente.

Bréscia (2003, p. 41) aponta que: “A investigação científica dos


aspectos e processos psicológicos ligados à música é tão antiga
quanto as origens da psicologia como ciência”. Segundo Bréscia
(2003), a música é uma linguagem universal, que sempre esteve
presente na história da humanidade. Estudos antropológicos
mostram que as primeiras músicas seriam usadas em rituais
(nascimento, casamento, morte, recuperação de doenças e
fertilidade). Com o decorrer do tempo, a música também passou a
ser utilizada em louvor a líderes, como a executada nas procissões
reais do antigo Egito e na Suméria.
O ensino da música na Grécia Clássica era obrigatório, havendo
indícios da existência de orquestras naquela época. Pitágoras de
Samos, filósofo grego da Antiguidade, “[...] demonstrou que a
sequência correta de sons, se tocada musicalmente num
instrumento, pode mudar padrões de comportamento e acelerar o
processo de cura” (BRÉSCIA, p. 31, 2003).
Para Weigel (1988), a música é composta por:

• Som: vibrações audíveis e regulares de corpos elásticos, que se repetem com a


mesma velocidade, sendo que as vibrações irregulares são denominadas
ruídos;

• Ritmo: efeito que se origina da duração de diferentes sons, longos ou curtos;

• Melodia: sucessão rítmica e bem ordenada dos sons;

• Harmonia: combinação simultânea, melódica e harmoniosa dos sons.

Na concepção de Bréscia (2003), a musicalização é um processo


de construção do conhecimento, cujo objetivo é de despertar, bem
como desenvolver o gosto musical, contribuindo para o
desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do
prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração,
atenção, autodisciplina, respeito ao próximo, socialização e
afetividade, além de favorecer a uma efetiva consciência corporal e
de movimentação.
Oliveira (1993, p. 27) cita Alan Merrian, que aponta dez funções
principais da música:

[...] função de expressão emocional, de prazer estético, de entretenimento, de


comunicação, de representação simbólica, de resposta corporal, de facilitar o
conformismo a normas sociais, de validar instituições e rituais religiosos, de
contribuir para a continuidade e estabilidade da cultura e a de contribuir para
a integração da sociedade.

Para Granja (2006), o conhecimento musical é resultado de uma


articulação contínua entre os processos perceptivos e os momentos
de elaboração conceitual e social.
O aprendizado da música significa integrar experiências que
envolvem a vivência, a percepção e a reflexão, encaminhando-as
para níveis cada vez mais elaborados (BRASIL, 1998).
Nas palavras de Maffioletti (2001, p. 131):

As crianças desenvolvem formas de trabalhar com os sons que permitirão


organizar suas ações e realizar atividades expressivas com esses materiais.
Agindo assim, as crianças aprendem a fazer parcerias, criam e reproduzem
pequenas combinações, que são esboços das regras que regem os sons de sua
cultura.

Para a autora, pensar a música na educação infantil é lembrar


que a criança precisa vivenciar, explorar, sentir os sons e
desenvolver o sentimento e a sensibilidade musical.
Estudos vêm traçando paralelos entre o desenvolvimento infantil
e o exercício da expressão musical, gerando propostas que
respeitam o modo de perceber, sentir e pensar, em cada fase, e
contribuindo para que a construção do conhecimento dessa
linguagem ocorra de modo significativo (BRASIL, 1998).
De acordo com Sekeff (2007, p. 57):

Considerando o exercício da música uma forma de comportamento que


envolve interpretação e representação, o conhecimento das conquistas
empreendidas pela psicologia fisiológica amplia a repercussão da vivência
musical no campo da educação. Particularmente se atentarmos para o fato de
que os objetivos da música na educação são a concretização dos sentimentos
em um símbolo e o levantamento, a exploração e o uso de recursos musicais
aplicados ao desenvolvimento global do educando.

Weigel (1988) aponta que a música representa uma importante


fonte de estímulos, equilíbrio e felicidade para a criança. Logo, as
brincadeiras musicais contribuem para reforçar todas as áreas do
desenvolvimento infantil, o que representa um inestimável
benefício para a formação e o equilíbrio da personalidade da
criança. Cada vez mais a educação nos coloca frente à importância
de inserir a música no dia a dia da criança.
2.2 A música na educação infantil
No contexto escolar, é preciso considerar o aspecto da integração do
trabalho musical às outras áreas, uma vez que a música mantém
contato estreito e direto com as demais linguagens expressivas
(movimento, expressão cênica, artes visuais etc.), bem como torna
possível a realização de projetos integrados. Porém, deve-se cuidar
para que não se deixe de lado o exercício das questões
especificamente musicais. Dessa forma, o trabalho com música deve
considerar que ela é um meio de expressão e forma de
conhecimento acessível aos bebês e às crianças, inclusive àquelas
que apresentem necessidades especiais. Enfatiza-se que a
linguagem musical é excelente meio para o desenvolvimento da
expressão, do equilíbrio, da autoestima e do autoconhecimento,
além de poderoso meio de integração social (BRASIL, 1998).
No entendimento de Bréscia (2003), o aprendizado de música
favorece o desenvolvimento afetivo da criança, amplia sua
atividade cerebral, melhora o desempenho escolar dos alunos, bem
como contribui para integrar socialmente o indivíduo.
Para Mársico (1982), na modernidade as possibilidades de
desenvolvimento auditivo se tornaram cada vez mais reduzidas,
sendo as principais causas o predomínio dos estímulos visuais sobre
os auditivos e o excesso de ruídos com que o indivíduo está
habituado a conviver. Diante disso, é fundamental fazer uso de
atividades de musicalização que explorem o universo sonoro,
levando as crianças a ouvir com atenção, analisando, comparando
os sons e buscando identificar as diferentes fontes sonoras, o que
contribui para o desenvolvimento da capacidade auditiva, exercita
a atenção, concentração e a capacidade de análise e seleção de sons.
O contato intuitivo e espontâneo com a expressão musical desde
os primeiros anos de vida é importante ponto de partida para o
processo de musicalização. Atividades de ouvir música, aprender
uma canção, brincar de roda, realizar brinquedos rítmicos, jogos de
mãos etc. despertam, estimulam e desenvolvem o gosto pela
atividade musical.
O ambiente sonoro, a presença da música em diferentes e
variadas situações do cotidiano fazem com que os bebês e as
crianças iniciem seu processo de musicalização de forma intuitiva.
As melodias cantadas pelos adultos encantam os bebês, que tentam
imitar e responder, criando momentos significativos no
desenvolvimento afetivo e cognitivo, que são responsáveis pela
criação de vínculos tanto com os adultos quanto com a música. Nas
interações que se estabelecem, os bebês constroem um repertório
que lhes permite iniciar uma forma de comunicação por meio dos
sons (BRASIL, 1998).
Até os dois anos de idade, aproximadamente, a criança busca
imitar o que ouve, além de inventar linhas melódicas ou ruídos,
explorando possibilidades vocais, da mesma forma como interagem
com os objetos e brinquedos sonoros disponíveis, estabelecendo,
desde então, um jogo caracterizado pelo exercício sensorial e motor
com esses materiais (BRASIL, 1998).
Do primeiro ao terceiro ano de vida, a criança amplia os modos
de expressão musical pelas conquistas vocais e corporais. Pode
articular e entoar um maior número de sons, inclusive os da língua
materna, reproduzindo letras simples, refrões, onomatopeias etc.,
explorando gestos sonoros, como bater palmas, pernas, pés,
especialmente depois de conquistada a marcha, a capacidade de
correr, pular e movimentar-se acompanhando uma música
(BRASIL, 1998).
Nessa fase, a criança confere importância e equivalência a toda e
qualquer fonte sonora. Interessa-se pelos modos de ação e produção
dos sons, sendo que sacudir e bater são seus primeiros modos de
ação. Está sempre atenta às características dos sons ouvidos ou
produzidos, se gerados por um instrumento musical, pela voz ou
por qualquer objeto, descobrindo possibilidades sonoras com todo
material acessível. Dessa forma, o que caracteriza a produção
musical das crianças nesse estágio é a exploração do som e suas
qualidades e a expressão musical é caracterizada pela ênfase nos
aspectos intuitivo e afetivo e pela exploração (sensório-motora) dos
materiais sonoros (BRASIL, 1998).
A partir dos três anos, os jogos com movimento são fonte de
prazer, alegria e possibilidade efetiva para o desenvolvimento
motor e rítmico da criança, sintonizados com a música, uma vez
que o modo de expressão característico daquela faixa etária integra
gesto, som e movimento. Aos poucos, ocorre um maior domínio com
relação à entoação melódica, sem um controle preciso da afinação,
mas já com retenção de desenhos melódicos e de momentos
significativos das canções, como refrão e onomatopeias. A criança
memoriza um repertório maior de canções e conta com um
“arquivo” de informações referentes a desenhos melódicos e
rítmicos que utiliza com frequência nas canções que inventa
(BRASIL, 1998).
Bréscia (2003) aponta três tipos de jogos musicais, conforme as
fases do desenvolvimento infantil:

• Sensório-motor (até os dois anos): atividades que relacionam o som e o gesto.


A criança pode fazer gestos para produzir sons e expressar-se corporalmente
para representar o que ouve ou canta, o que favorece o desenvolvimento da
motricidade;

• Simbólico (a partir dos dois anos): procura-se representar o significado da


música, o sentimento, a expressão, sendo que o som tem função de ilustração,
de sonoplastia, contribuindo para o desenvolvimento da linguagem;

• Analítico ou de regras (a partir dos quatro anos): jogos que envolvem a


estrutura da música, onde são necessárias a socialização e a organização. A
criança precisa escutar a si mesma e os outros, esperando sua vez de cantar ou
tocar. Favorece o desenvolvimento do sentido de organização e disciplina.

Bréscia (2003, p. 60) cita Katsch e Merle-Fishman, para os quais


“[...] a música pode melhorar o desempenho e a concentração, além
de ter um impacto positivo na aprendizagem de matemática, leitura
e outras habilidades linguísticas nas crianças”
Na opinião de Gainza (1988), na escola as atividades musicais
podem ter objetivos profiláticos, tais como:

• físico: atividades capazes de favorecer o alívio de tensões devidas à


instabilidade emocional e fadiga;

• psíquico: processos de expressão, comunicação e descarga emocional por


meio do estímulo musical e sonoro;

• mental: promoção de situações que contribuam para estimular e desenvolver


o sentido da ordem, harmonia, organização e compreensão.

Para Barreto (2000, p. 45):

Ligar a música e o movimento, utilizando a dança ou a expressão corporal,


pode contribuir para que algumas crianças, em situação difícil na escola,
possam se adaptar (inibição psicomotora, debilidade psicomotora, instabilidade
psicomotora etc.). Por isso é tão importante a escola se tomar um ambiente
alegre, favorável ao desenvolvimento.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a


Educação Infantil (BRASIL, 1998), a organização dos conteúdos para
o trabalho na área de música, nas instituições de educação infantil,
deverá respeitar o nível de percepção e desenvolvimento (musical e
global) das crianças em cada fase, bem como as diferenças
socioculturais entre os grupos de crianças das muitas regiões do
país. Os conteúdos deverão priorizar a possibilidade de desenvolver
a comunicação e expressão por meio dessa linguagem. Serão
trabalhados como conceitos em construção, organizados num
processo contínuo e integrado que deve abranger:

• a exploração de materiais e a escuta de obras musicais para propiciar o


contato e experiências com a matéria-prima da linguagem musical: o som (e
suas qualidades) e o silêncio;

• a vivência da organização dos sons e silêncios em linguagem musical pelo


fazer e pelo contato com obras diversas;
• a reflexão sobre a música como produto cultural do ser humano é importante
forma de conhecer e representar o mundo.

Os conteúdos devem ser organizados em dois blocos: “O fazer


musical” e a “Apreciação musical”, que abarcarão, também,
questões referentes à reflexão.
O fazer musical é uma forma de comunicação e expressão que
acontece por meio da improvisação, da composição e da
interpretação. Improvisar é criar instantaneamente, orientando-se
por alguns critérios pré-definidos, mas com grande margem a
realizações aleatórias, não-determinadas. Compor é criar a partir de
estruturas fixas e determinadas e interpretar é executar uma
composição contando com a participação expressiva do intérprete.
A apreciação musical refere-se à audição e interação com
músicas diversas (BRASIL, 1998).
O trabalho com música, para crianças de zero a três anos, deve se
organizar de forma a que as crianças desenvolvam as seguintes
capacidades:

• ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros diversos, fontes sonoras e


produções musicais;

• brincar com a música, imitar, inventar e reproduzir criações musicais.

As atividades devem propiciar:

• exploração, expressão e produção do silêncio e de sons com a voz, o corpo, o


entorno e materiais sonoros diversos;

• interpretação de músicas e canções diversas;

• participação em brincadeiras e jogos cantados e rítmicos;

• escuta de obras musicais variadas;

• participação em situações que integrem músicas, canções e movimentos


corporais.
Para crianças de quatro a seis anos, os objetivos estabelecidos
para a faixa etária de zero a três anos deverão ser aprofundados e
ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as
crianças sejam capazes de:

• explorar e identificar elementos da música para se expressar, interagir com os


outros e ampliar seu conhecimento do mundo;

• perceber e expressar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio de


improvisações, composições e interpretações musicais.

Nesta fase ampliam-se as possibilidades de trabalho que já


vinham sendo desenvolvidas com as crianças de zero a três anos. Os
conteúdos podem ser tratados em contextos que incluam a reflexão
sobre aspectos referentes aos elementos da linguagem musical, tais
como:

• reconhecimento e utilização expressiva, em contextos musicais das diferentes


características geradas pelo silêncio e pelos sons: altura (graves ou agudos),
duração (curtos ou longos), intensidade (fracos ou fortes) e timbre
(característica que distingue e “personaliza” cada som);

• reconhecimento e utilização das variações de velocidade e densidade na


organização e realização de algumas produções musicais;

• participação em jogos e brincadeiras que envolvam a dança e/ou a


improvisação musical;

• repertório de canções para desenvolver memória musical.

As atividades devem propiciar:

• escuta de obras musicais de diversos gêneros, estilos, épocas e culturas, da


produção musical brasileira e de outros povos e países;

• reconhecimento de elementos musicais básicos: frases, partes, elementos que


se repetem etc. (a forma);
• informações sobre as obras ouvidas e sobre seus compositores, para iniciar
seus conhecimentos sobre a produção musical;

• escuta de obras musicais variadas;

• participação em situações que integrem músicas, canções e movimentos


corporais.

A construção de instrumentos pode se constituir em um projeto


por meio do qual as crianças poderão:

• explorar materiais adequados à confecção;

• desenvolver recursos técnicos para a confecção do instrumento;

• informar-se sobre a origem e a história do instrumento musical em questão;

• vivenciar e entender questões relativas à acústica e produção do som;

• fazer música, por meio da improvisação ou composição, no momento em que


os instrumentos criados estiverem prontos.

Cantar e ouvir músicas podem ocorrer com frequência e de


forma permanente nas instituições. As atividades que buscam
valorizar a linguagem musical e que destacam sua autonomia, valor
expressivo e cultural (jogos de improvisação, interpretação e
composição) podem ser realizadas duas ou três vezes por semana,
em períodos curtos de até vinte ou trinta minutos, para as crianças
maiores. Podem ser realizados projetos que integrem vários
conhecimentos ligados à produção musical (BRASIL, 1998).
Em reportagem para a Revista Nova Escola (2007), a professora
de piano e literatura infantil Elvira Drummond afirma que a música
é uma das poucas atividades que mexem simultaneamente com os
dois hemisférios do cérebro (o esquerdo é mais ligado à
criatividade, à língua e às artes, e o direito, às ciências exatas). Ao
propiciar esse estímulo bilateral, amplia as vias neurais. Estudos
mostram que há uma espécie de ponte ligando os hemisférios e ela
é mais espessa nos músicos.
A formadora do Instituto Avisa Lá, assessora pedagógica das
temporadas de teatro infantil do Teatro Afa e professora do curso
de Pedagogia do Instituto de Educação Superior Vera Cruz, em São
Paulo, Paula Zurawski, enfatiza que a música é uma linguagem
importantíssima para as crianças, lembrando que os sons são, desde
muito cedo, uma forma de interação com o mundo, tanto que as
primeiras comunicações do bebê são melodias, as chamadas
“lalações”. Ressalta que os ambientes com adultos sensíveis a isso
representam uma vantagem didática (por isso, saber cantar e ter
cultura musical são competências importantes para o educador).
Ela aponta que o Brasil possui uma longa tradição nessa área, o que
facilita o trabalho. Em suas palavras: “Basta ampliar o repertório e
pensar, de forma crítica, no que se vai oferecer em sala.” (REVISTA
NOVA ESCOLA, 2007).
A pedagoga Maria Lúcia Cruz Suzigan, em outra reportagem
publicada na Revista Nova Escola (2004), ressalta que a música
estimula áreas do cérebro não desenvolvidas por outras linguagens,
como a escrita e a oral. Tais áreas se interligam e se influenciam.
Sem a música, a chance é desperdiçada. Para ela, quanto mais cedo
a escola começar o trabalho, melhor. A linguagem musical, embora
antes fosse mais comum, faz parte de cultura das crianças por causa
das canções de ninar e das brincadeiras. O pouco que ainda resta
abre um oportuno espaço para o trabalho na escola.
No caso do educador já saber que a linguagem musical é
importante para as crianças, mas ter medo, se achar desafinado,
não tocar um instrumento e não saber por onde começar, os
estudiosos da área procuram desfazer o mito de que é difícil
ensinar música para crianças, sem ser músico. “Não é complicado,
só trabalhoso. Não se espera que o professor de música seja um
músico, assim como não se imagina que o alfabetizador é um
grande escritor” (REVISTA NOVA ESCOLA, 2004).
A seguir é apresentado um exemplo de plano de aula (Revista
Nova Escola, 2004).

Ritmo de aprendizado
Conteúdo: linguagem musical
Objetivo: estimular a percepção dos sons e as habilidades musicais.
Ano: creche.
Tempo estimado: 30 minutos, uma ou duas vezes por semana.
Materiais necessários: instrumentos de percussão; sucatas que
produzam som, guizos e CDs.
Organização da sala: em roda.
Desenvolvimento:

Atividade 1
Algumas cantigas e brincadeiras de roda convidam à marcação do
pulso básico ou do tempo forte da música:

Palma, palma, palma (bater palmas no tempo forte)


Pé, pé, pé (bater o pé no chão)
Roda, roda, roda (rodar no lugar)
Caranguejo peixe é! (no é, agachar ao chão)

Outras propõem uma experiência rítmica:


Rá, rá, rá, a minha machadinha,
Rá, rá, a minha machadinha,
Quem te pôs a mão sabendo que és minha?
Quem te pôs a mão sabendo que és minha? (rodar de mãos dadas)
Se tu és minha eu também sou tua,
Se tu és minha eu também sou tua,
Pula, machadinha, para o meio da rua
Pula, machadinha, para o meio da rua (pular para o meio da roda)
No meio da rua não hei de ficar
No meio da rua não hei de ficar
Pula, machadinha, para o teu lugar
Pula, machadinha, para o teu lugar (pular de costas para seu lugar
original na roda)

Atividade 2
O ritmo está presente também no falar, nos poemas e nas
parlendas.

Chuva, chuva, chuvisquinho


Sua calça tem furinho
Chuva, chuva, chuvarada
Sua calça está furada

Atividade 3
A roda começa girando devagar e acelera até chegar ao dez.

A galinha do vizinho
Bota ovo amarelinho
Bota um, bota dois, bota três, bota quatro, bota nove? bota dez!
(todos se agacham)

Atividade 4
Estimule o acompanhamento de canções com palmas, brinquedos
ou instrumentos musicais feitos com sucata ou objetos do cotidiano.
Eles foram chamados pela pesquisadora argentina Judith Akoschky
de cotidiáfonos, pois são construídos com base no que se tem
disponível. São dessa categoria peças como maçanetas ou torneiras
(percutidas com ferrinhos, emitem um som metálico e bonito),
guizos (amarrados com fita nos pulsos ou tornozelos, tocam quando
movimentados) e radiografias (quando agitadas, produzem um
barulho engraçado).

Avaliação
Não espere uma coordenação rítmica exata nas atividades. Esse
ainda não é o objetivo nessa faixa etária. O mais importante é
proporcionar a experiência de fazer música e compartilhá-la com os
amigos em momentos de alegria e sensibilidade.
CONCLUSÃO

O processo de ensino-aprendizagem tem sido foco de uma série de


estudos no decorrer das décadas, muitos dos quais buscam
fomentar discussões sobre ferramentas, técnicas que contribuam
para a sua melhoria. No presente estudo, voltou-se o foco para a
utilização da música como ferramenta no processo de educação
infantil.
Como foi visto, é por meio da brincadeira que a criança vai
elaborando, ressignificando e aprendendo, no decorrer de sua
interação com o mundo ao seu redor. Ampliar essa interação por
meio da oferta de recursos musicais contribui, conforme os autores
apresentados no estudo, para o desenvolvimento global da criança,
bem como é facilita o processo de ensino-aprendizagem.
A música faz parte, desde cedo, do cotidiano da criança e o
educador, ao se apropriar dessa ferramenta, ofertando-a de modo
coerente, poderá contribuir de forma efetiva com o
desenvolvimento da criança e com o seu aprendizado.
No entanto, na prática, é muito comum presenciar a dificuldade
de alguns educadores em fazerem uso da música para a
aprendizagem. Muitos se limitam a disponibilizar a música sem um
contexto e um objetivo definidos, perdendo da música a maior
parte do seu potencial como ferramenta educacional. Neste sentido,
é fundamental que o educador busque recursos para ampliar a sua
prática educadora, por meio de aprimoramentos constantes. Não é
preciso o educador se tornar um musicista. Basta aumentar seu
conhecimento das possibilidades que a música oferece para a
prática do processo de ensino-aprendizagem.
É preciso que a música, no contexto escolar, vá além do seu uso
em festas, apresentações voltadas para os familiares ou no seu
simples uso como fundo da sala de aula. Cabe ao educador explorar
suas possibilidades, criando planos de aulas de acordo com a idade
de seus alunos, de forma a tornar a música um recurso efetivo para
a qualificação do ensino.
O Brasil é um país riquíssimo em música, dando um leque
enorme de possibilidades de seu uso pelo educador. Das cantigas de
ninar até as músicas mais elaboradas, é possível criar inúmeros
planos de aula que se adéquem aos objetivos que se pretende
alcançar.
Diante do exposto, conclui-se que é preciso estimular a utilização
da música na educação, por ela contribuir efetivamente para o
processo de aprendizagem do educando.
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A música na educação infantil como facilitadora do processo de ensino-aprendizagem
STORNIOLO, Sylvia Regina Pereira

ISBN: 978-85-5526-930-1
1ª edição, novembro de 2016.

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