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00160
9 771676 979006
ISSN 1676-9791
Outras espécies
humanas habitaram
o planeta, mas só a
Como
nossa o dominou.
Uma nova hipótese
explica por quê
CONQUISTAMOS
o PLANETA
EXOPLANETAS EDUCAÇÃO NEUROCIÊNCIA
Astrônomos buscam Estudos propõem avaliações Os ruídos do dia a dia
imagens de novos gigantes que evitam ansiedade e podem gerar danos
fora do Sistema Solar prejuízos ao aprendizado auditivos irreparáveis
N A C A PA
-9791
planeta. Outras espécies de hominídeos, como os neandertais, já
Outras espécies
humanas habitaram
o planeta, mas só a
haviam se estabelecido na Ásia e na Europa, mas a nossa sobrevi-
Como
BRASIL
nossa o dominou.
Uma nova hipótese
veu e colonizou toda a Terra. Paleoantropólogos têm novas explica-
Setembro 2015 | N o 160
explica por quê
CONQUISTAMOS
o PLANETA ções para esse processo.
Imagem: Pavel Suprun
EXOPLANETAS EDUCAÇÃO NEUROCIÊNCIA
Astrônomos buscam Estudos propõem aval ações Os u dos do dia a dia
imagens de novos gigantes que ev tam ansiedade e podem gerar danos
fora do Sistema Solar p ejuízos ao aprend zado audit vos irreparáve s
sumário
26
EVOLUÇ Ã O
26 A espécie mais invasiva de todas
Outras espécies de hominídeos habitaram a Terra.
Mas a nossa é a única que colonizou todo o planeta.
35 43
Uma nova hipótese explica por quê.
Curtis W. Marean
C IÊNC IA ES PAC IA L
35 Procurando jupiteres
Duas equipes rivais de astrônomos competem para
obter imagens inéditas de planetas gigantes ao redor
de outras estrelas. Suas descobertas poderão mudar o
futuro da busca por planetas.
Lee Billings
NEUROC IÊNC IA
49
43 A perda auditiva oculta
Britadeiras, shows e outras fontes de ruídos
podem provocar danos irreparáveis aos
ouvidos de maneiras inesperadas.
M. Charles Liberman
C L IMA
49 Mudança de estado
Seca pode fazer a Califórnia ficar como o Arizona.
Dan Baum
PA R A FORMA R O ESTUDA NTE D O S ÉCULO 2 1
57
57 Uma nova visão para exames
Muitas vezes avaliações escolares aumentam a ansie-
dade e atrapalham o aprendizado. Uma nova pesquisa
mostra como reverter essa tendência.
Annie Murphy Paul
SE Ç ÕE S
5 Carta do editor
7 6 Cartas
C IÊNC IA EM PAUTA
07 Médicos, armas e balas perdidas
Leis que impedem médicos de discutir a posse e
a segurança de armas de fogo com pacientes são
prejudiciais à saúde pública.
Pelo Conselho de Editores da Scientific American
FÓRUM
8 Caubóis do espaço
Chauvinismo corrompe nos EUA a retórica sobre
voos espaciais tripulados.
Linda Billings
9 Avanços
15 Memória
C IÊNC IA DA S A ÚD E
18 Balé e vertigem
9 Pesquisas com bailarinos podem ajudar a desenvolver
novas tentativas para amenizar problema que atormenta
milhões de pessoas durante anos.
David Noonan
TEC NOLOGIA
20 A geração da tela sensível ao toque
Os dispositivos móveis estão prejudicando as crianças?
A ciência avalia.
David Pogue
OBS ERVATÓRIO
21 A teoria da relatividade métrica
Cada corpo tem sua geometria particular na qual ele é
um corpo livre de ações externas.
Mario Novello
D ES A FIOS D O COS MOS & C ÈU D O MÊS
22 A caçada às ondas gravitacionais
23 Eclipse lunar total será visível em todo o Brasil
22 Salvador Nogueira
C IÊNC IA EM GRÁ FICO
66 Bactéria resistente no estômago
Uma cepa difícil de combater a Shigella fincou
âncora nos Estados Unidos.
Rebecca Harrington
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Continuam à venda pela internet os dois volumes de “Dinossauros”, artigos sobre os desafios climáticos en- mister oso
Assassino cova coletiva,
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edição especial da Scientific American Brasil. Entre os artigos, há o frentados por dinossauros da Austrália, China prese
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13,90 € 4,50
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do Oceano Atlântico e a preservação dos fósseis na região equatorial bra- desses animais e ainda o possível conv I SN
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13,90 € 4,50
sileira. Na Bacia do Araripe, em Pernambuco, as condições de mineraliza- vio entre eles e aves. Estudos sobre a
ção especialmente favoráveis de espécimes animais têm permitido obser- evolução das penas e um relato da história da paleontologia no Brasil
var detalhes da paleofauna. Mas a região convive com o comércio clan- também fazem parte da edição, que pode ser adquirida na Loja Segmen-
destino de fósseis que ameaça os esforços de conhecimento. Há também to. Basta entrar no site site http://www.lojasegmento.com.br
CARTA DO EDITOR
$Dùà `¹ 5ùD´ é editor
da SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL.
A
propensão geneticamente deter- rir, sua abordagem não consiste em legiti-
minada para a cooperação é uma mar deuses e crenças. A obra, na verdade,
hipótese considerada já há algum percorre os avanços de áreas do conheci-
tempo por estudiosos da evolu- mento essenciais para a evolução humana
ção humana para explicar como nossa espé- – entre elas a paleontologia, a genética, as
cie conseguiu se expandir para todo o plane- neurociências e a psicologia evolutiva —
ta. O artigo do paleoantropólogo Curtis para compreender as condições de origem
Marean, da Universidade Estadual do Arizo- da religião e sua função no contexto do
na, destacado na capa da presente edição de desenvolvimento e da manutenção de
Scientific American Brasil, apresenta um comportamentos de altruísmo e de reci-
dos mais recentes desdobramentos dessa procidade essenciais para a preservação do
hipótese, que é sua vinculação à consistente Homo sapiens. Esse modelo explicativo
conjectura referente à habilidade desenvol- não tem como consequência o que poderia
vida pelo Homo sapiens para produzir lan- ser chamado de propensão humana para a
ças, dardos, flechas e outras armas de arre- religião, que tornaria o ateísmo pratica-
JON FOSTER
ALGUNS COLABORADORES
´´y $ùàÈĂ 0Dù¨ é colaboradora frequen- D´
Dù® é escritor; sua obra mais recente é "yy
¨¨´å é editor associado da IY_[dj_ÒY $D๠%¹ÿy¨¨¹ é pesquisador emérito do
te do The New York Times, e das revistas Time Gun guys: A road trip. Ex-redator da equipe da American. Ele é autor de Five billion years of Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
e Slate. É autora de The cult of personality revista The New Yorker, já fez reportagens em solitude: The search for life among the stars
testing e de Origins, que foi incluído na lista cinco continentes. (Current/Penguin Group, 2013). $Î Dà¨yå "Uyà®D´ é professor de otologia
dos 100 Livros Notáveis de 2010 do The New e laringologia na Escola de Medicina de
York Times. Dÿm %¹¹´D´j autor de “Epidemia não tão "´mD
¨¨´å tem doutorado e faz Harvard e diretor dos Laboratórios Eaton-Pea-
silenciosa”, 3`y´ï` ®yà`D´
àDå¨, ed. pesquisas sobre ciência das comunicações body no Hospital de Olhos e Ouvidos de
ùàïå =Î $DàyD´ é professor da Escola de 158, julho de 2015, é escritor freelance em Washington, D. C. Escreve sobre história Massachusetts.
Evolução Humana e Mudança Social da especializado em ciência e medicina. de astrobiologia, voos espaciais tripulados e
Universidade Estadual do Arizona, onde operações de relações públicas da Nasa. 3D¨ÿDm¹à %¹ùyàD é jornalista de ciência
também é diretor associado do Instituto de Dÿm 0¹ùy é colunista-âncora do Yahoo Tech especializado em astronomia e astronáutica.
Origens Humanas. e apresentador das minisséries NOVA na PBS.
www.sciam.com.br 5
CARTAS REDACAOSCIAM@EDITORASEGMENTO.COM.BR
Michael Moyer, George Musser,
Gary Stix, Kate Wong
Agosto 2015 www sc am c m br
5
SCIENTIFIC AMERICAN ON-LINE
6
Rubem Barros
7
76
vos apresentados nessa matéria.
7
DO LOBO AO CÃO Visite nosso site e participe de
Mariana Salles, São Bernardo do Campo (SP), por e-mail
Novas pistas sobre como o melhor amigo do homem
evoluiu a partir de uma espécie feroz e selvagem
MATEMÁTICA
A luta para um teorema
ENERGIA
Subst tuto do s lício
ASTROFÍSICA
Matéria escura pode
ANO 14 – Nº 160 nossas redes sociais digitais.
gigantesco não se tornar
ncompreensível
promete cé ulas solares
Dä UDßDîDä x x`x³îxä
ser ma s estranha do que
ísicos imaginam
SETEMBRO DE 2015 www.sciam.com.br
ISSN 1676979-1 www.facebook.com/sciambrasil
EDIÇÃO 159 www.twitter.com/sciambrasil
TAMANHO DAS LETRAS
DIRETOR EDITORIAL Rubem Barros
Muito oportunas, tanto a sugestão do prof. William Daher [carta pu- EDITOR Maurício Tuffani REDAÇÃO
blicada na ed. 159], quanto a decisão da Editora em aumentar o corpo da EDITOR DE ARTE João Marcelo Simões Comentários sobre o conteúdo
ESTAGIÁRIA Jullyanna Salles (redação) editorial, sugestões, críticas às
letra da Scientific American. Também sou leitor assíduo da publicação, COLABORADORES Luiz Roberto matérias e releases.
Malta e Maria Stella Valli (revisão); redacaosciam@editorasegmento.com.br
e já estava notando cansaço visual. Espero que a mudança permaneça. Aracy Mendes da Costa, Marcio G. tel.: 11 3039-5600
Eduardo Higino da Silva Filho, Recife (PE), por e-mail B. Avellar, Regina Cardeal, Suzana fax: 11 3039-5610
Schindler (tradução)
CARTAS PARA A REVISTA
LUZ DO UNIVERSO PROCESSAMENTO DE IMAGEM SCIENTIFIC AMERICAN:
Paulo Cesar Salgado Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
Sou graduando em física pela Universidade Federal de Itajubá e me PRODUÇÃO GRÁFICA São Paulo/SP – CEP 05421-001
sinto absolutamente encantado pela revista. E sou sincero quando digo Sidney Luiz dos Santos Cartas e mensagens devem trazer
o nome e o endereço do autor. Por
que o artigo “Toda a Luz que Sempre Existiu”, da edição de julho [ed. PUBLICIDADE E PROJETOS ESPECIAIS razões de espaço ou clareza, elas
158], é maravilhoso, me senti fascinado com a abordagem da medição GERENTE Almir Lopes poderão ser publicadas de forma
almir@editorasegmento.com.br reduzida.
da luz extragaláctica de fundo utilizando a radiação gama emitida por
ESCRITÓRIOS REGIONAIS: PUBLICIDADE
blazares. Parabéns aos pesquisadores e à equipe de edição! Brasília – Sonia Brandão Anuncie na Scientific American
Daniel Ferreira, Itajubá (MG), por e-mail (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304 e fale com o público mais
sonia@editorasegmento.com.br qualificado do Brasil.
Paraná – Marisa Oliveira almir@editorasegmento.com.br
Sou licenciado em física pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (41) 3027-8490/9267-2307
parana@editorasegmento.com.br CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR
(UVA), professor da rede estadual do Ceará, representante da Olimpía- Para informações sobre sua
da Brasileira de Astronomia e Astronáutica pela EEM Maria Menezes TECNOLOGIA assinatura, mudança de endereço,
GERENTE Paulo Cordeiro renovação, reimpressão de
Cristino, assinante de Sciam Brasil desde 2009 e leitor desde 2005. O ANALISTA PROGRAMADOR boleto, solicitação de reenvio de
Diego de Andrade exemplares e outros serviços
artigo “Toda a Luz que Sempre Existiu” mostra o quanto é grande a
curiosidade do homem que o faz mergulhar através de imensidões es- MARKETING/WEB São Paulo (11) 3039-5666
DIRETORA Carolina Martinez De segunda a sexta das 8h30 às 18h,
paciais e temporais até os confins do Cosmos para descobrir seus misté- GERENTE Fabiana Gama atendimento@editorasegmento.com.br
rios Parabéns a todos que fazem a revista. EVENTOS Lila Muniz www.editorasegmento.com.br
DESENVOLVEDOR Jonatas Moraes Brito
Paulo Souza, Coreaú (CE), por e-mail ANALISTAS WEB Lucas Carlos Lacerda Novas assinaturas podem ser
e Lucas Alberto da Silva solicitadas pelo site
COORDENADOR DE CRIAÇÃO www.lojasegmento.com.br
CORREÇÕES E DESIGNER Gabriel Andrade ou pela CENTRAL DE ATENDIMENTO
Excelente o artigo “O Incrível Cérebro Adolescente” publicado na edi- AO LEITOR
ASSINATURAS
ção de julho [158]. Apenas um pequeno detalhe: na teoria dos grafos, o GERENTE Mariana Monné Números atrasados podem ser
VENDAS AVULSAS Cinthya Müller solicitados à CENTRAL DE
termo “edge” , em inglês, é traduzido como “aresta” e não “borda”, como EVENTOS ASSINATURAS ATENDIMENTO AO LEITOR pelo e-mail
aparece no texto. Arestas representam as ligações entre dois vértices. Ana Lúcia Souza atendimentoloja@editorasegmento.
VENDAS GOVERNO Cláudia Santos com.br ou pelo site
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Caros amigos, na edição de julho acredito haver um erro na Carta ao FINANCEIRO Informações sobre promoções,
Editor na grafia do hormônio do amor. O correto seria “ocitocina” ou COORDENADORA Melissa Ramos eventos, reprints e projetos especiais.
CONTAS A PAGAR Simone Melo marketing@editorasegmento.
“oxitocina”, e não “citoxina”. O novo design ficou muito melhor e mais FATURAMENTO Weslley Patrik com.br
RECURSOS HUMANOS Cláudia Barbosa
agradável de ler. Parabéns pelo excelente trabalho. Vocês são reforma- PLANEJAMENTO Roseli Santos EDITORA SEGMENTO
dores sociais. CONTAS A RECEBER Viviane Carrapato Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
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Diego Adão Fanti Silva, São Paulo (SP), por e-mail SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é www.editorasegmento.com.br
Nota da Redação: Agradecemos pela atenciosa colaboração do pro- uma publicação mensal da Editora
Segmento, sob licença de Scientific Distribuição nacional: DINAP S.A.
fessor Renato Tinós, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ri- American, Inc. . Rua Kenkiti Shimomoto, 1678.
beirão Preto, da USP, e do médico Diego Adão Fanti Silva, da Universi- SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL IMPRESSÃO Edigráfica
dade Federal de São Paulo. O nome do hormônio foi corretamente grafa- EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina
EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl
do como “oxitocina” na pág. 33, mas não notamos a alteração do mesmo MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting
termo pelo corretor ortográfico na Carta do Editor. CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam
SENIOR EDITORS: Mark Fischetti,
Christine Gorman, Anna Kuchment,
POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO, A REDAÇÃO TOMA A LIBERDADE DE ABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS. $662&,$d®2 1$&,21$/ '( (' 725(6 '( 5(9,67$6
balas perdidas damente que a comunicação livre e aberta entre médico e paciente
é essencial para a medicina e o bem comum. (O juiz também
comentou que, ao criar a lei, legisladores da Flórida se basearam
Leis que impedem médicos de discutir a em relatos informais e não em dados ou estudos concretos.)
É dever de médicos oferecer aconselhamento não apenas sobre
posse e a segurança de armas de fogo com regimes e exercícios, mas também sobre prevenção de acidentes
pacientes são prejudiciais à saúde pública relacionados ao uso de embarcações, bicicletas e motocicletas,
observou Stuart Himmelstein, num processo judicial, quando foi
Nós, nos EUA, nos queixamos de que nossos médicos não diretor do Conselho Regional de Medicina da Flórida. Aconselhar
conhecem seus pacientes: consultas médicas no consultório um motociclista a usar capacete não é diferente de aconselhar um
duram poucos minutos, as conversas são rápidas e exames de alta dono de arma de fogo a guardá-la em segurança. Comportamento
tecnologia substituem a interlocução. Agora, perversamente, um seguro com armas se refletirá na saúde, não só de seus proprietá-
estado aprovou uma lei que proíbe expressamente os médicos de rios: segundo um estudo publicado no JAMA Pediatrics em 1996,
fazer certas perguntas sobre saúde ou estilo de vida dos pacientes. 89% dos ferimentos acidentais associados a armas de fogo com
As questões se referem a uso de armas e segurança. Este ano o crianças acontecem em casa, geralmente quando um jovem apanha
Tribunal de Apelações da 11ª Jurisdição dos EUA ouviu o argumen- uma arma carregada sem a devida atenção de pessoas autorizadas.
to do estado da Flórida de que médicos não podem perguntar ao Preocupações de que médicos poderiam criar bases de dados
paciente se ele é dono de algum tipo de arma — inclusive questões de donos de armas também são descabidas; eles já são explicita-
de segurança e acesso a crianças — a menos que acreditem que mente proibidos de manter registros desse tipo por uma lei federal
essa informação será relevante para o atendimento do paciente. Se sobre assistência médica economicamente acessível.
a lei for aprovada, médicos não poderão conversar com pacientes O processo sobre as leis da Flórida, que se chamou “Médicos vs.
sobre uma das maiores ameaças à saúde pública nos EUA — armas Glock”, tem circulado por vários tribunais nos últimos anos, com
de fogo estavam envolvidas em mais de 11 mil homicídios, 21 mil alguns juízes cumprindo a lei e outros a contrariando. Enquanto
suicídios e 500 mortes acidentais em 2013, segundo os Centros de isso, Indiana e Texas examinaram suas próprias versões no último
Prevenção e Controle de Doenças dos EUA. Excluir esse tópico das trimestre. A 11ª Jurisdição deveria seguir as evidências e derrubar
conversas entre médico e paciente é um passo perigoso. a lei da Flórida este ano, uma atitude que poderia evitar que outros
A posse de arma de fogo nos EUA é um direito protegido por legisladores se intrometessem entre pacientes e seus médicos.
lei, na Segunda Emenda da Constituição. Em 2011 o governador da Ninguém quer tirar direitos constitucionais dos donos de
Flórida, Rick Scott, e a Assembleia Legislativa do estado entende- armas. Mas a Segunda Emenda não protege nem eles, nem pes-
ram que esse direito estava sendo infringido por médicos. Scott soas inocentes de balas.
Caubóis do espaço faixa demográfica, mas duvido que exerça um fascínio mais amplo.
As mulheres constituem metade da população mundial. A
maioria da população da Terra não é norte-americana, europeia ou
Chauvinismo corrompe nos EUA a retórica “branca”. Em meus muitos anos de críticas à ideologia conhecida
sobre voos espaciais tripulados desde o século 19 nos EUA como Destino Manifesto, pessoas de
outros países me disseram reiteradas vezes como a retórica dessa
Na história dos voos espaciais tripulados dos EUA, uma retóri- crença os deixa desconcertados, quando não ofendidos.
ca tipicamente norte-americana, baseada no ideário do destino Outras nações exploradoras do espaço adotam uma postura
expansionista, tem dominado o discurso público e oficial. Tome-se mais pragmática em seus projetos. No prefácio do Catálogo Espa-
como exemplo a Space Frontier Foundation, grupo sem fins lucra- cial Europeu 2015, Jean-Jacques Dordain, diretor-geral da Agência
tivos “dedicado à abertura das fronteiras do espaço à colonização Espacial Europeia, escreveu que o objetivo do órgão é “manter seu
o mais rapidamente possível... criando uma vida mais livre e prós- papel como uma das principais instituições espaciais do mundo,
pera para cada geração com o uso dos recursos materiais e energé- com foco nas relações-chave com seus parceiros e na eficiência”. O
ticos ilimitados do espaço”. Essa retórica revela uma ideologia slogan da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão é “explo-
sobre os voos espaciais – a crença no direito da nação de expandir rar para alcançar”, expressando sua “filosofia de se tornar uma
seus limites, colonizar outras terras e explorar seus recursos. agência para alcançar uma sociedade segura e afluente”.
Essa ideologia se baseia em alguns pressupostos sobre o papel Em um momento em que os Estados Unidos precisam cons-
dos EUA na comunidade global e o caráter nacional norte-ameri- truir parcerias sustentáveis com outros países para continuar ex-
cano. Segundo ela, o país precisa continuar sendo o “número um” plorando o espaço, “EUA, Número Um!” não é uma boa maneira
na comunidade mundial, desempenhando o papel de líder políti- de iniciar conversações produtivas. Em um estudo de 2012, Jac-
co, econômico, científico, tecnológico e moral, disseminando o ques Blamont, diretor fundador da agência espacial francesa
capitalismo democrático. A metáfora da fronteira, com sua ima- CNES, argumentou que as pessoas estão perdendo o interesse na
gem associada ao pioneirismo na demarcação de terreno, cultivo e exploração tripulada do espaço “porque países exploradores e, so-
domesticação, se agiganta dentro desse sistema de crenças. bretudo, os EUA se apegaram a modelos de pensamento ultrapas-
A retórica da viagem espacial humana fortalece a concepção sados da Guerra Fria. A atitude de o país ‘comandar’ seus parcei-
do espaço sideral como um lugar livre e recursos ilimitados – uma ros internacionais não vai mais funcionar”. Está na hora de os de-
fronteira espacial. De John F. Kennedy a Barack Obama, os presi- fensores dos voos espaciais tripulados reexaminarem sua retórica
dentes dos EUA abraçaram essa retórica de conquista e expansão. – para refletir sobre o que essas palavras significam para a vasta
Da mesma forma o fizeram administradores da Nasa, membros maioria das pessoas que não são americanas, brancas, do sexo
do Congresso e comissões de especialistas ao longo das décadas. masculino nem estão interessadas em se mudar para Marte.
No início deste ano, terremotos no mente ativa do Himalaia, porém muitas que terremotos mais poderosos possivel-
Nepal destruíram milhares de edifícios, provavelmente não são nem foram proje- mente abalarão o Himalaia nas próximas
mataram mais de 8.500 pessoas e feriram tadas para resistir aos piores terremotos décadas. O subcontinente indiano está se
outras centenas de milhares. Os sismos, de que poderiam atingir a região, de acordo empurrando à razão de 1,8 metro por sécu-
magnitude de 7,8 e 7,3 na Escala Richter, com vários sismólogos e engenheiros civis. lo sob o planalto do Tibete, mas encontra
também danificaram ou provocaram Se uma dessas barragens ceder, reservató- resistência e fica “preso” regularmente;
rachaduras em diversas hidrelétricas, des- rios enormes, do tamanho de lagos, pode- quando a obstrução cede, uma parte da
tacando outro perigo iminente: o rompi- riam se esvaziar sobre povoados e cidades placa tectônica tibetana avança alguns
mento de barragens. Mais de 600 dessas rios abaixo. Um colapso da barragem de metros para o sul e libera a energia acu-
massivas estruturas foram construídas ou Tehri, na região central do Himalaia, por mulada em um terremoto. Os abalos sís-
estão em algum estágio de construção ou exemplo, construída sobre uma falha geo- micos no Nepal também desestabilizaram
planejamento na cordilheira geologica- lógica, liberaria um paredão de água de a região a oeste, observa Laurent Bollinger,
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AVANÇOS
GETTY IMAGES (vista aérea e nuvem em forma de cogumelo); AP PHOTO (vista do chão); ELIENE AUGENBRAUN (retratos de sobreviventes)
Relembrando a explosão Nagasaki. Às 11h02 parecia que havia um
grande sol ardente sobre o edifício. Cinco
ou seis segundos depois uma enorme
Sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki na 2ª Guerra
explosão sacudiu o prédio e lançou esti-
Mundial dão depoimentos por ocasião do 70º aniversário das detonações
lhaços de vidro por toda parte. As pesso-
as que estavam perto das janelas foram
Em agosto, há 70 anos, bombas atômicas dos EUA destruíram as cidades de Hiroshima atingidas por vidro. Elas tinham tantos
e Nagasaki, matando cerca de 200 mil japoneses no até agora único uso bélico de armas buracos nelas que pareciam romãs... Mui-
nucleares do mundo. Muitos dos que sobreviveram às explosões iniciais morreram pouco tas pessoas se moviam laboriosa e lenta-
após ferimentos, queimaduras e doenças provocadas pela radiação. A escala da destruição mente para a frente. Seus rostos estavam
gerou um debate persistente sobre se o uso dessas armas jamais seria justificável e até que tão queimados que pareciam bolas de
ponto cientistas são moralmente responsáveis por consequências de suas descobertas. rúgbi. Suas mãos estavam inchadas, e
Hoje há cerca de 22 mil bombas atômicas em pelo menos oito países, segundo a ONU. parecia que elas usavam luvas de beise-
Mais de 65 nações apoiam uma proibição mundial de armas nucleares. Muitos dos países U¸§ÍxäøDä
D`xäxT¸äÇx³lDÇx§xE-
que têm esses armamentos, inclusive os EUA, reduziram seus arsenais, embora conti- `lDÍ1øD³l¸³D§x³îx`xøxD¸xø
nuem aprimorando sua tecnologia nuclear. dormitório em Urakami, ele estava com-
Vários hibakusha (sobreviventes da explosão), e seus familiares visitaram o escritório pletamente queimado, e todas as pesso-
da Scientific American em Nova York durante uma viagem para participar da conferên- as lá dentro tinham sido mortas.
cia 2015 de revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1970. Ao lado, – Takamitsu Nakayama tinha 16 anos na
trechos editados da conversa traduzida por intérprete. —Clara Moskowitz ocasião do bombardeio
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AVANÇOS
G E NÉ TI C A
A boa notícia remonta às origens de cervejas tipo lager no
Atenção, cervejeiros lager! século 15. O fungo S. pastorianus teria sido cultivado após um
cruzamento acidental de duas outras espécies em uma caverna
Cientistas conseguem produzir novas leveduras fria e escura na Baviera, Alemanha, quando monges começaram a
praticar o “lagering”, ou armazenamento de cervejas. Na década
Cervejas tipo lager são sem graça. Quando você abre uma lata, de 80, cientistas identificaram um dos pais originais: S. cerevisiae,
saboreia o produto de cepas estreitamente aparentadas de Sac- a mãe de todas as leveduras usadas na panificação e produção de
charomyces pastorianus. Sua variedade genética empalidece em cerveja. O outro permaneceu desconhecido até 2011, quando Die-
comparação com o grupo pequeno, mas diverso, de leveduras go Libkind, microbiólogo da Argentina, identificou o fungo S.
usadas para produzir cerveja tipo ale e vinho, que resultam em eubayanus nas florestas da Patagônia como o elo perdido, que em
vários sabores. Lagers têm mantido sua aparência e sabor basica- estado selvagem não era bem adaptado para a fermentação
mente inalterados há séculos porque o cultivo de cepas com industrial de cerveja, mas sua descoberta abriu a possibilidade de
novas características de fermentação e sabores provou ser difícil; desenvolver novos cruzamentos de levedura. “Uma vez que o
os híbridos eram estéreis. Mas isso está prestes a mudar. eubayanus foi descoberto, as coisas de repente ficaram muito
interessantes”, observa Brian Gibson, que estuda leveduras de cer- mas talvez seja algo que nem sempre queremos.
veja no Centro VTT de Pesquisa Técnica da Finlândia, em Espoo. A ideia é ter toda uma gama de cepas, e você só
Amantes de cervejas lager agora podem brindar oficialmente seleciona e escolhe.” Agora, a busca voltou-se
porque Gibson e seus colegas recentemente registraram o sucesso para encontrar novas uniões de leveduras que
de recriar o antigo “caso” entre S. cerevisiae e S. eubayanus. “Ago- consomem açúcar com mais eficiência, criando
ra é possível produzir leveduras lager que são muito diferentes potencialmente cervejas menos calóricas.
umas das outras”, comemora Gibson. Todos os híbridos resultan- Gibson observa que desenvolver uma gran-
tes superaram seus pais, produzindo álcool mais depressa e em de variedade de cepas saborosas de lagers deve
concentrações mais elevadas, além de resultarem em produtos ser relativamente fácil, o que é favorável para as
mais saborosos, como foi documentado em um artigo no Journal cervejarias ainda não divulgadas que estão ado-
LEE ROGERS Getty Images
of Industrial Microbiology & Biotechnology. Em particular, eles tando os novos fermentos. De acordo com uma
produziram 4-vinil-guaiacol, o que resultou em sabores mais estimativa de 2012, cervejas tipo lager respon-
característicos de cervejas de trigo belgas. “As cervejas têm um dem por mais de 75% do mercado de cerveja dos
aroma que lembra cravo”, explica Gibson. “Isso é bem agradável, EUA. —Peter Andrey Smith
CAZAQUISTÃO
ESTADOS UNIDOS yåmy¦ù´¹jù®Dm¹y´cD
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FRANÇA
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M I C RO B I O LO GI A
Os usuários tinham cerca de três vezes a como a pressão que exercem sobre o olho,
Olhar proporção típica de bactérias Methylobacte- também poderiam estimular um crescimen-
rium, Lactobacillus, Acinetobacter e Pseudo- to bacteriano.
descontaminado monas. Embora os três primeiros microrga- î¸îøl¸ää¸j¸äÇxäÔøäDl¸ßxälx³î
Lentes de contato determinam o nismos geralmente sejam inofensivos, Pseu- caram cerca de 10 mil cepas distintas de
que vive na superfície dos olhos domonas que penetram numa córnea bactérias em suas amostras. Conhecer a
arranhada podem resultar em uma infecção, comunidade microbiana precisa no olho de
Pessoas que usam lentes de contato mui- provocando vermelhidão, dor e visão turva. um paciente poderia ajudar médicos a tratar
tas vezes adquirem hóspedes microbianos Quando não tratada, essa condição pode infecções com antibióticos direcionados,
indesejáveis juntamente com a conveniên- levar à cegueira. Esses mesmos grupos bac- sugere Jack Gilbert, microbiólogo da Uni-
cia oferecida por esse auxílio visual. De fato, terianos tendem a existir inofensivamente versidade de Chicago, que não esteve envol-
a superfície dos olhos de usuários de lentes sobre a nossa pele, explica Lisa Park, da vido no estudo.
hospeda uma diversidade maior de bacté- %Í?Í7Íää¸ä³`DÔøxx§xäøî¸Ç߸þDþx§ Para evitar infecções por completo, no
rias que a do pessoal dos “olhos nus”, de mente pegam uma carona nos dedos de entanto, usuários de lentes de contato deve-
D`¸ßl¸`¸øxĀîx³äþ¸xä
¸ßc¸`§Dää`D usuários durante o ato de inserir as lentes, riam seguir assiduamente as melhores práti-
tório de microbiólogos do Centro Médico sugerindo uma mudança instantânea no cas recomendadas com seus auxílios visuais:
Langone da Universidade de Nova York microbioma regional. lavar bem as mãos antes de manusear as
BURADAKI SHUTTERSTOCK
(N.Y.U.). Essa diferença talvez ajude a expli- Resultados adicionais do estudo susten- §x³îxäjøäDßä¸ß¸ä¸§¹`¸
ßxä`¸ÇDßDx
car por que os primeiros desenvolvem infec- tam essa conclusão: os pesquisadores cons- nizar e armazená-las e substituir os estojos,
ções oculares com uma frequência até sete tataram que a composição de bactérias que ou porta-lentes a cada três meses. Desse jei-
vezes maior do que teriam sem lentes. vivem sobre os olhos de pessoas que usam to, pelo menos, o “tapete de boas-vindas”
Em uma tentativa para mapear o micro- lentes descartáveis era mais semelhante à de para minúsculos e ameaçado-
bioma ocular, os pesquisadores sequencia- suas peles que entre pessoas que não preci- res hóspedes orbitais deveria
ram centenas de esfregaços (amostras) äDlx§x³îxäÍÙä丳T¸yøD`¸³xĀT¸lx encolher. —
colhidos dos olhos e pálpebras de 11 pessoas nitiva”, salienta Park, “mas é muito intrigante.” Kat Long
que não usam lentes e de nove que as usam. As características físicas das próprias lentes,
Setembro 1965 enquanto a cavalaria passava por ali’. Isso Setembro 1865
nunca teria acontecido em outras épocas,
Ascensão urbana pois as aves logo teriam apanhado todos Nitroglicerina
“Sociedades urbaniza- os grãos que tivessem sobrado no solo.” para explosão
das, nas quais a maioria “A glicerina, como
da população vive concen- Contra o mar todos nós sabemos, é um
trada em cidades e metró- “Em seus treze anos de existência, o princípio delicado deri-
poles, representam um novo e fundamen- grande muro de concreto da zona portuá- vado do petróleo, e intensamente usado
tal passo na evolução social do homem. ria de Galveston sofreu dois furiosos ata- como produto de higiene, mas agora pas-
Embora as primeiras cidades só tenham ques do mar varrido por furacões, mas o sou a ter uma aplicação de natureza bas-
surgido há cerca de 5.500 anos, eram quebra-mar resistiu perfeitamente. Na tante inusitada. Em 1847 Ascânio Sobre-
pequenas e rodeadas por uma maioria última tempestade o dano causado à cida- ro descobriu que a glicerina, quando tra-
esmagadora de habitantes rurais e facil- de foi principalmente na área comercial, tada com ácido nítrico, se convertia
mente permaneciam no status de vilarejos ao norte da Broadway, onde o plano de ele- numa substância altamente explosiva,
ou pequenas cidades. As sociedades urba- vação do nível nunca foi concretizado. O que ele chamou nitroglicerina. Ela é
nas atuais, por outro lado, não só forma- autor, a pedido do Tribunal de Comissários oleosa, mais pesada que a água, solúvel
ram aglomerações de dimensões nunca de Galveston, inspecionou a estrutura logo em álcool e éter e age tão poderosamente
antes atingidas, mas também mantinham após as duas grandes tempestades de 1909 no sistema nervoso que uma única gota
uma alta concentração populacional. No e 1915, e em nenhum dos casos encontrou depositada na ponta da língua provoca
entanto, esse desenvolvimento evolutivo qualquer avaria do quebra-mar, por menor dores de cabeça violentas que persistem
quer por sua velocidade, quer por ser um que fosse, embora pesadas toras e pedaços por várias horas. Esse líquido parece ter
fenômeno recente, nem sempre é muito de madeira tivessem passado por cima sido praticamente esquecido pelos quí-
apreciado. Antes de 1850, nenhuma socie- dele e danificado seriamente a avenida”. — micos, e somente agora Mr. Nable (sic —
dade poderia ser descrita como predomi- General-brigadeiro Henry M. Robert. Alfred Nobel), engenheiro sueco, teve
nantemente urbanizada, e por volta de O autor também escreveu Regras de Ordem de sucesso ao aplicá-la a um importante
1900 somente uma — a Grã-Bretanha — Robert, originalmente publicadas em 1876. ramo de sua arte, isto é, explosivos.”
poderia ser assim considerada. Atualmen-
te, após somente 65 anos, todas as nações Invenção sensacional(ista)
industriais são altamente urbanizadas.” “Senhores editores — Tenho a
ousadia de submeter para publica-
ção um projeto, para mim aparen-
Setembro 1915 temente simples e factível, mas
nunca submeti o experimento a tes-
Guerra e aves te. Ele está relacionado ao que o
“A guerra tem causado homem já fez na Terra — usar a for-
grande impacto às aves da ça de animais inferiores que lhes
Europa, principalmente foram oferecidos para serem seus
SCIENTIFIC AMERICAN, VOL. XIII, NO 13 (NOVA SÉRIE); 23 DE SETEMBRO DE 1865
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BOA EDUCAÇÃO
COMEÇA COM
BONS PROFESSORES.
O desenvolvimento da educação passa, em primeiro lugar,
pela valorização dos professores. Por isso, o Governo do Estado
de São Paulo vem investindo na qualificação e ampliação do corpo
docente da rede estadual de ensino.
Balé e vertigem
Pesquisas com bailarinos podem ajudar a
desenvolver novas tentativas para
amenizar problema que atormenta
milhões de pessoas durante anos
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TECNOLOGIA DAVID POGUE
Dÿm 0¹ùy é colunista-âncora do Yahoo
Tech e apresentador das minisséries NOVA
na rede pública de tevê PBS.
Uma das consequências mais notáveis da teoria da relatividade metade do século 20, produziu uma descrição eficiente e elegante
especial foi a substituição de um único tempo comum a todos os desse processo de aceleração da luz no interior de dielétricos em
corpos por uma infinidade de tempos próprios, um para cada movimento e descreveu as propriedades dessa métrica efetiva que
corpo ou observador. Como consequência, a tradicional geometria substitui o efeito de aceleração do fóton no meio dielétrico por
euclidiana da física foi substituída pela geometria de Minkowski. uma equivalente alteração da geometria. Dessa forma o fóton,
Cada observador possui assim seu tempo próprio, e a noção de si- nessa geometria, segue uma geodésica; sua aceleração se esconde
multaneidade passou a depender de seu estado de movimento. na expressão variável da geometria que o fóton reconhece como a
Essa passagem para uma miríade de tempos relativos a cada ob- do espaço-tempo onde ele se propaga.
servador retirou de cena o tempo absoluto newtoniano. Embora à primeira vista se trate do mesmo procedimento reali-
Anos depois, o aparecimento de uma nova teoria da gravitação, zado na relatividade geral, há uma diferença notável: no caso gra-
a relatividade geral, retirou o caráter imutável, rígido, estático da vitacional essa mudança da geometria é universal, independe de
estrutura minkowskiana, passando a considerar que o espaço- qualquer característica do corpo em questão, enquanto no caso do
-tempo possui uma geometria variável. A universalidade da gravi- fóton no interior de um meio dielétrico em movimento, as altera-
tação – isto é, o fato observado de que todos os corpos interagem ções espaçotemporais só seriam experimentadas pela luz.
gravitacionalmente -- mudou a geometria do mundo ao afirmar Recentemente, esse mecanismo de transformar a descrição de
que toda matéria, tudo que existe, cada observador, está imerso processos dinâmicos exercidos por forças de qualquer natureza por
em uma única e global estrutura geométrica, variável, com uma di- alterações na geometria por onde o corpo se movimenta mostrou
nâmica controlada pela distribuição de energia e matéria. A carac- ser geral. Isso leva a afirmar um modo novo de descrever processos
terística importante a reter é precisamente a univocidade, ou seja, dinâmicos naquilo que eu chamaria de relatividade métrica.
existe somente uma geometria no mundo. O caráter universal da A evolução da estrutura da geometria do espaço-tempo pode
interação gravitacional fixa a geometria onde “tudo que existe” ser sintetizada da forma seguinte. A relatividade especial se funda-
está mergulhado, ou seja, a totalidade espaço-tempo. mentou no início do século 20 sobre o princípio de que cada obser-
A partir do reconhecimento de que a universalidade dos pro- vador possui um tempo próprio e se movimenta em um espaço-
cessos gravitacionais modifica a geometria do mundo, concluiu-se -tempo único, tendo uma geometria comum. Na década seguinte ,
que a física havia consagrado uma nova descrição absoluta, pois a relatividade geral alterou essa geometria, tornando-a variável e
qualquer outra força de caráter não gravitacional exerce uma ação universal. A relatividade métrica se baseia no princípio de que
sobre o corpo que o desvia da geodésica, a curva que um corpo cada observador, sobre o qual atuam diferentes forças, institui sua
livre de qualquer força seguiria. Nesse contexto se poderia afirmar própria geometria onde as forças que atuam sobre ele são formal-
que um corpo é livre se sobre ele atuam somente forças gravitacio- mente eliminadas. Como a geometria resultante (aquela onde o
nais (pois elas atuam como se os corpos sob sua ação seguissem ca- corpo está livre de qualquer ação e se movimenta ao longo de uma
minhos livres, as geodésicas, em um espaço-tempo de geometria geodésica nessa geometria associada) depende do movimento,
variável). Por outro lado, um corpo sob ação de qualquer outra concluímos que cada corpo instaura sua geometria particular na
força não é livre. Tal descrição permitiria caracterizar de um modo qual ele é um corpo livre, isento de qualquer ação externa. Essa eli-
absoluto o que chamaríamos “liberdade na física”. minação da força pela caracterização de uma geometria específica
Recentemente descobriu-se que esse não é o caso e que a noção para cada corpo é uma simples questão de escolha de representa-
de “corpo livre” depende da estrutura métrica do espaço onde esse ção. Adquire-se assim uma novidade inesperada: a liberdade dos
corpo é descrito. Dito de outro modo: um corpo submetido a uma corpos na física depende da representação escolhida.
força em um dado espaço-tempo pode ser descrito como se esti-
vesse livre de qualquer força desde que ele seja descrito, de modo
PA R A C O N H E C E R M A I S
equivalente, como mergulhado em uma outra geometria. Isso sig-
nifica que cada corpo possui uma “sua” geometria na qual o efeito àDym ®yïà`åÎ Mario Novello e Eduardo Bittencourt, em General Relativity and
Gravitation, vol. 45, pág. 1005, 2013.
da força externa que sobre ele atua é substituído pelas proprieda-
des da geometria onde o corpo é descrito. W. Gordon na primeira
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DESAFIOS DO COSMOS de SALVADOR NOGUEIRA
ASTROFOTOGRAFIA
1ærÍ èrÍ ÒæD DÒÜÍ«{«Ü«ÍDD §D 3ZD¡Ã
VISÃO AÉREA DO LIGO,
ÒZÍrèD µDÍD DÒÜÍ«{«Ü«ÍDDNrfÜ«ÍDÒr¡r§Ü«»Z«¡»OÍ detector de ondas
LIGO/CALTECH
As fotos precisam ser em alta resolução, com no mínimo 300 dpi, gravitacionais, em Livingston,
para serem publicadas. Louisiana (EUA).
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N
Visibilidade
dos planetas
MERCÚRIO
Visível ao anoitecer na direção do pôr do sol,
em Virgem. Máxima elongação em 4, a 26°
ESE do Sol, e em conjunção inferior com o Sol
em 30. Próximo da Lua em 15.
VÊNUS
Primeiramente em Câncer e depois em Leão.
Visível ao amanhecer, na direção do nascer do
Sol. Próximo da Lua em 10.
MARTE
Visível ao amanhecer na direção do pôr do
sol. Inicialmente em Câncer, depois em Leão.
Próximo da Lua em 10 e em conjunção com
Regulus (alfa de Leão) em 24.
JÚPITER
Visível em Leão, ao amanhecer, na direção do
nascer do Sol. Próximo da Lua em 12.
SATURNO
Em Libra, visível ao anoitecer, na direção do
pôr do sol. Próximo da Lua em 17.
URANO O
Visível em Peixes. Começa a ser visto a partir
das 19-20h no começo do mês e depois
durante quase toda a noite. Próximo da Lua
em 1o e 28.
NETUNO
Em Aquário, visível durante toda a noite. Em
oposição ao Sol em 1o, próximo da Lua em 26.
DESTAQUES DO MÊS
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EVO LU Ç Ã O
A
ESPÉC E
MAIS
INVASI A
DE TOD AS 'ùïàDå yåÈz`yå my ¹®´ my¹å DUïDàD® D 5yààDÎ $Då D
´¹ååD z D ú´`D Õùy `¹¨¹´Ć¹ù ï¹m¹ ¹ ȨD´yïDÎ 7®D ´¹ÿD
ȺïyåyyāȨ`DȹàÕù{
Curtis W. Marean
E M ALGUM MOMENTO POSTERIOR A 70 MIL ANOS ATRÁS, NOSSA ESPÉCIE, HOMO SAPIENS, SAIU
da África para começar sua inexorável propagação por todo o globo. Outras espé-
cies de hominídeos tinham se estabelecido na Europa e na Ásia, mas apenas nos-
sos ancestrais H. sapiens acabaram conseguindo se dispersar para todos os gran-
des continentes e muitas cadeias insulares. Sua dispersão, porém, não foi nada
comum. Todos os lugares para onde o H. sapiens migrou passaram por massivas
mudanças ecológicas. Os humanos arcaicos que encontraram foram extintos,
assim como uma infinidade de espécies animais. Esse foi, sem dúvida, o evento
migratório mais significativo na história do nosso planeta.
EM SÍNTESE
y ï¹mDå Då yåÈz`yå de hominídeos que y´ïåïDå åy Èyàù´ïDÿD® E ïy®È¹å como 7®D ´¹ÿD Ⱥïyåy sustenta que duas 7®D my¨Då z D Èà¹Èy´åT¹ y´zï`D para
viveram na Terra, apenas o Homo sapiens só a nossa espécie conseguiu se dispersar tão inovações exclusivas do H. sapiens o apare- cooperar com pessoas não aparentadas. A
conseguiu colonizar todo o globo. amplamenteeparalugarestãolongínquos. lharam para dominar o mundo. outra são armas avançadas de arremesso.
Alta
fundadora transpôs os limites da África e iniciou uma campa- àD`D®y´ïyïyààï¹àD¨ ¹àïy®y´ïy ïyààï¹àD¨
nha mais bem-sucedida rumo a novas terras. Quando se expan-
diu para a Eurásia, esse grupo encontrou outra espécie humana Recursos costeiros
Ambientes
intimamente aparentada: os neandertais, na Europa Ocidental, terrestres
Densidade de recursos
africanos
e membros da linhagem denisovana descoberta recentemente
na Ásia. Pouco depois da invasão dos modernos, os arcaicos
foram extintos, embora um pouco de seu DNA persista até hoje
em humanos como resultado de miscigenações ocasionais
entre os diferentes grupos.
Uma vez que chegaram às costas do Sudeste Asiático, eles se
viram diante de um mar aparentemente ilimitado e desprovido
de terras. Ainda assim, continuaram avançando destemidos.
Como nós, essas pessoas eram capazes de vislumbrar e desejar
%T¹ ïyààï¹àD¨ %T¹ ïyààï¹àD¨
Baixa
Tasmânia, embora as inclementes águas dos oceanos mais aus- antecessores. A colonização humana da Antártida, por sua vez,
trais lhes negassem passagem para a Antártida. só aconteceu na era industrial.
DYSON-HUDSON E ERIC ALDEN SMITH, EM AMERICAN ANTHROPOLOGIST, VOL. 80, NO 1; MARÇO DE 1978
ARMAS DE GUERRA sáveis há 71 mil anos. Eles fixavam os micrólitos em cabos de madeira para
Com a capacidade de operar em grupos de indiví- formar flechas ou dardos como os reconstituídos aqui (abaixo).
duos não aparentados, o H. sapiens estava no caminho
certo para se tornar uma força imbatível. Mas supo-
nho que ele precisasse de uma nova tecnologia, em forma de arremesso alavancado (chamadas atlatl), a arcos e flechas, e
armas arremessáveis, para alcançar seu pleno potencial de con- finalmente, para toda a gama altamente criativa que os humanos
quistador. O desenvolvimento dessa invenção foi um processo contemporâneos inventaram para lançar objetos mortais.
longo. Tecnologias são aditivas: elas se baseiam em experimen- A cada nova repetição, a tecnologia tornou-se mais letal.
tos e conhecimentos prévios e assim se tornam cada vez mais Lanças, ou dardos simples de madeira com pontas afiadas ten-
complexas. A criação de armas de arremesso teria seguido a mes- dem a produzir uma perfuração, mas essa lesão tem impacto
ma trajetória, evoluindo, provavelmente, de hastes de madeira limitado porque não dessangra o animal rapidamente. Equipar
pontudas, usadas para perfurar, para dardos manuais, lanças de a lança com uma lasca de pedra afiada aumenta o trauma da
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ferida. Mas essa elaboração envolve várias tecnologias interli- tradas em um sítio paleoantropológico sul-africano, chamado
gadas: a pessoa tem de ser capaz de “esculpir” uma ferramenta Kathu Pan 1, foram usadas como pontas de lanças há cerca de
em forma pontiaguda, que penetre um animal, e moldar uma 500 mil anos.
base que possa ser fixada em uma lança. Isso também requer A antiguidade do achado de Kathu Pan 1 implica que ele é
algum tipo de tecnologia conectiva para prender essa ponta de trabalho artesanal do último ancestral comum de neandertais e
pedra lascada à haste de madeira, seja com cola ou um material humanos modernos, e vestígios mais tardios, datados de uns
para amarrar (atar), às vezes os dois. Jayne Wilkins, atualmente 200 mil anos atrás, mostram que, como seria de esperar, as
na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e seus duas espécies descendentes também confeccionavam tais tipos
colegas mostraram que algumas ferramentas de pedra encon- de ferramentas. Essa tecnologia compartilhada significa que,
N OVO C E NÁ R I O
àùȹåù®D´¹åDà`D`¹åj
começaram a falar da chegada de uma nova gente
em suas terras; pessoas inteligentes e rápidas, que
atrás, deixando grandes faixas da África inóspitas mais uma 5y ¹à´å D´m å´`D´`y ¹ `¹DåïD¨ àyå¹ùà`y ùåy ´ à`D D´m Āyåïyà´ ùàDåDÎ
vez, as populações humanas modernas não se contraíram Curtis W. Marean em Journal of Human Evolution, Vol. 77, págs. 17–40; dezembro de 2014.
´ yDà¨Ă D´m y´mùà´ DmÿD´`ym ïy`´¹¨¹Ă ¹à´Dï´ éÀjĈĈĈ ĂyDàå D¹ ´ 3¹ùï
como antes. De fato, elas se expandiram na África do Sul e à`DÎ Kyle S. Brown et al., em Nature, Vol. 491, págs. 590–593; 22 de novembro de 2012.
prosperaram com uma ampla variedade de ferramentas avan-
D E N OSSOS A RQU I VOS
çadas. A diferença foi que, dessa vez, os humanos modernos
1ùD´m¹ ¹ ®Dà åD¨ÿ¹ù D ù®D´mDmyÎ Curtis Marean; edição nº 100, setembro de 2010.
estavam equipados para responder a qualquer crise ambiental
com conexões sociais flexíveis e tecnologia. Eles se tornaram
C I Ê N C I A E S PA C I A L
PROCURANDO JUPITERES
Duas equipes
rivais de
astrônomos
competem para
obter imagens
inéditas de
planetas gigantes
ao redor de
outras estrelas.
Suas descobertas
poderão mudar o
futuro da busca
por planetas
Lee Billings
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"yy
¨¨´å÷rfÜ«ÍDÒÒ«ZDf«fD3Zr§ÜZ¡rÍZD
Ele é autor de Five billion years of solitude: The search f
life among the stars (Current/Penguin Group, 2013).
Macintosh está aqui para procurar por outras Terras – ou, Além do vento, há outra razão para Macintosh se preocupar:
mais precisamente, por outros jupiteres, que alguns cientistas a 600 quilômetros ao norte, em outro árido pico chileno, o as-
pensam serem necessários para que planetas rochosos e habi- trônomo Jean-Luc Beuzit tenta fazer exatamente a mesma coi-
táveis como a Terra possam existir. Ele não está interessado em sa. Beuzit, astrônomo do Instituto de Planetologia e Astrofísica
encontrar planetas do mesmo modo que a maioria dos astrôno- de Grenoble, na França, é seu amigo e também seu rival. Destino
mos faz, ou seja, observando durante meses, ou mesmo anos, e financiamento trouxeram esses dois homens para as monta-
para que mudanças sutis no movimento ou brilho de uma es- nhas ao mesmo tempo para vasculhar os céus por planetas, para
trela gradualmente revelem a presença de um mundo invisível. saber se corpos celestes como a Terra são tão comuns como su-
Ele procura gratificação instantânea: pretende tirar fotos reais jeira ou cosmicamente raros.
de planetas distantes, para vê-los como pontos de luz circulan- A ferramenta escolhida por Macintosh para esta corrida
ESTA PÁGINA: CORTESIA DE G. HÜDEPOHL/EUROPEAN SOUTHERN OBSERVATORY
do em torno de suas estrelas distantes, olhar em seus rostos ga- astronômica é um complexo aparato óptico e de sensores do
PÁGINAS PRECEDENTES: CORTESIA DO GEMINI OBSERVATORY/AURA;
sosos através dos vários anos-luz de distância. Macintosh, um tamanho de um carro, de muitos milhões de dólares, chamado
astrônomo da Universidade Stanford, chama isso de “imagea- Imageador de Planetas Gemini (GPI, na sigla em inglês). Esse
mento direto”. aparato está montado no imenso espelho de oito metros do te-
EM SÍNTESE
åïà»´¹®¹å `¹´y`y® milhares de plane- ®DyDà ù® ȨD´yïD permite aprender so- ®DyDà ȨD´yïDå `¹®¹ D 5yààD está além ååyå ´¹ÿ¹å ´åïàù®y´ï¹å nos ajudarão a
tas orbitando outras estrelas, mas fotografa- bre a sua composição, clima e condições do alcance dos telescópios atuais. Uma nova aprender como os planetas gigantes se for-
ram apenas poucos. Eles descobriram e estu- para vida. Mas é difícil fazê-lo, pois eles são geração de instrumentos está agora captu- mam e moldam seus arredores, preparando
daram todo o resto basicamente por meio de menores que suas estrelas-mães e ofuscados rando imagens de mundos maiores, mais o caminho para que futuras instalações tirem
medições indiretas. pela luz muito mais brilhante delas. brilhantes, que se assemelham a Júpiter. fotos de Terras alienígenas.
lescópio Gemini Sul, um disco de vidro recoberto com prata ainda têm brilho muito fraco e aparecem muito perto de seus
altamente polido cuja área, aproximadamente 52 metros qua- sóis muito mais brilhantes, como os vemos de tão longe. Tire
drados, é comparável a um oitavo da área de uma quadra de uma foto de um planeta – mesmo que seja uma pequena man-
basquete oficial. Macintosh e outros astrônomos pronunciam cha de pixels – e você aprenderá muito sobre a composição
o acrônimo do instrumento “gee pie!” como se estivessem cla- desse mundo, sobre o clima e as possibilidades para a vida. A
mando por tortas (em inglês, pie é um tipo de torta, e gee é busca do GPI e do SPHERE por mundos semelhantes a Júpi-
uma exclamação comum, como o nosso “uau!”). A resposta de ter é o estado da arte da tecnologia; nós ainda não consegui-
Beuzit ao GPI é ainda maior: uma coleção de aparelhos que, mos construir telescópios grandes e sofisticados o suficiente
juntos, são quase do tamanho de uma minivan chamada para destilar a luz tênue de um planeta como a Terra do bri-
SPHERE, para o instrumento Spectro-Polarimetric High-con- lho irresistível de sua estrela parental. Mas quando, e se as
trast Exoplanet Research. O SPHERE está montado em outro construirmos, as instalações para esses estupendos telescó-
telescópio de oito metros, no ESO-VLT (European Southern pios quase certamente utilizarão instrumentos desenvolvidos
Observatory Very Large Telescope array). Ambos os projetos a partir destes dois projetos.
estiveram em desenvolvimento por mais de uma década, mas Em astronomia, como na vida cotidiana, é ver para crer. Em-
estrearam com diferença de meses um do outro. De seus re- bora imageamento direto seja extremamente difícil, pode tam-
motos poleiros nas montanhas, eles examinam basicamente bém ser muito mais rápido do que as técnicas de detecção de
as mesmas estrelas, cada um procurando ser o primeiro a re- planetas dominantes de hoje, potencialmente entregando des-
velar fotos bombásticas de jupiteres além do Sistema Solar. cobertas por fotos que levam horas ou dias para serem obtidas,
Dos mais de 5.000 mundos descobertos orbitando outras em vez de meses ou anos de meticulosas análises sobre conjun-
estrelas ao longo das últimas duas décadas, quase nenhum foi tos de dados estelares arcanos. É por isso que, nesta corrida
realmente imageado diretamente. Tirar fotografias é difícil, para tirar as primeiras fotos dos Jupiteres de além do Sistema
porque até mesmo os maiores (e menos habitáveis) planetas Solar, não é exagero dizer que cada minuto conta.
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CONSTRUINDO JUPITERE S
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AGLOMERAÇÃO CENTRAL
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serem fotografados diretamente com a tecnologia atual. Felizmente, existe outra maneira de testar se planetas gigan-
Assim como seus primos exoplanetários muito mais quentes, tes se formam pelo processo bottom-up ou top-down: você pode
Júpiter provavelmente também migrou no início de sua vida, tirar suas temperaturas. A formação top-down diretamente do
mas por razões pouco claras, sua migração foi apenas temporária colapso de uma nuvem de gás aconteceria tão rapidamente que
e não trouxe o planeta gigante para muito perto do Sol. Em vez uma enorme quantidade de calor ficaria presa dentro do planeta.
disso, talvez tenha se aventurado até perto da atual órbita de A formação bottom-up produziria planetas gigantes que, embora
Marte, antes de migrar de volta para o sistema solar exterior, ainda inicialmente quentes, seriam relativamente mais frios. “À
onde permanece desde então. E, embora o movimento de um medida que mais e mais gás cai sobre um núcleo rochoso, esse
planeta gigante possa sabotar a habitabilidade de um sistema excesso de gás é obstruído pelo gás que se acumula sobre o nú-
planetário, no caso de Júpiter, ele pare- cleo, ou seja, pela atmosfera em forma-
ce ter feito do Sistema Solar um lugar ção em torno do núcleo”, diz Mark Mar-
mais hospitaleiro. Pelo menos, pensa-se ley, colaborador do GPI, com quem eu
que as peregrinações de Júpiter tenham conversei mais tarde, um teórico de for-
lançado cometas e asteroides ricos em mação planetária no Ames Research
água de encontro com nosso já formado Center, da Nasa, que também ajudou a
planeta, formando os oceanos vivifican- modelar o processo. “Um choque se de-
tes da Terra. No máximo, o mergulho de senvolve conforme o gás é desacelerado,
Júpiter no interior do Sistema Solar po- e a maior parte da energia desse gás que
deria até mesmo ter “limpado” outros vai se acumulando é irradiada para fora,
planetas preexistentes, permitindo que que resfria rapidamente o planeta se for-
a Terra se formasse, em primeiro lugar. mando. Então, quando você para de des-
Mesmo assim, o que Júpiter dá, ele pejar gás, o planeta já é muito mais frio
OLHO QUE NÃO PISCA: a luz da
pode tirar. Milhões de anos a partir de do que teria sido se tivesse se formado
estrela HR 4796A foi filtrada dessa ima-
agora, Júpiter pode surrar nosso plane- de um colapso direto.”
gem do SPHERE, revelando um fraco
ta novamente com mais asteroides gi- anel de poeira que talvez tenha sido Assim, a temperatura de um planeta
gante ou cometas, gerando impactos esculpido por um planeta invisível. gigante é, efetivamente, uma memória
cataclísmicos que ferveriam nossos de seu nascimento. Quanto mais velho o
oceanos e vaporizariam nossa biosfera. planeta fica, mais ele esfria, e quanto
Todos esses detalhes, até certo pon- frio, mais sua memória desaparece. Com
to, podem ser atribuídos à natureza e ao momento da formação quatro bilhões e meio de anos, Júpiter há muito tempo já se es-
misteriosa de Júpiter. Uma coisa é certa: pouco mais de quatro queceu de como se formou. Mas planetas gigantes mais jovens
bilhões e meio de anos atrás, uma nuvem fria de gás e poeira co- do que algumas centenas de milhões de anos – exatamente os
lapsou para formar o Sol. Os remanescentes da nuvem que não planetas que o GPI e o SPHERE estão tentando imagear no infra-
caíram em nossa estrela nascente formaram um disco, a partir vermelho – devem ter ainda suas memórias térmicas intactas.
do qual os planetas foram formados. Mundos rochosos, sendo re- Vasculhando centenas de estrelas brilhantes e jovens nas proxi-
lativamente pequenos, são fáceis de montar em um processo “de midades, ambos os projetos podem sondar as temperaturas e
baixo para cima” (bottom-up, em inglês) chamado acreção nu- histórias de dezenas de planetas gigantes, desvendando o segre-
clear (core accretion, em inglês), onde rochas em colisão gradual- do de sua formação e lançando luz sobre como sistemas habitá-
mente se juntaram ao longo de 100 milhões de anos. A maioria veis como o nosso próprio se formaram.
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Enquanto conversamos, Macintosh me pede sigilo até que a anos, e nós dois sabemos como isso é difícil. Nós celebramos
equipe do GPI possa escrever e submeter um artigo. “O SPHERE nossos sucessos e compartilhamos nossas dificuldades para me-
poderia ver isso muito facilmente também”, diz ele. “Não sabe- lhorar nossos sistemas, para preparar o caminho para a próxi-
mos se eles já olharam para essa estrela. Estamos todos nervo- ma geração de observatórios e imageadores.”
sos em sermos superados.” “Estamos entrando em uma nova era com todas essas facili-
dades funcionando quase ao mesmo tempo”, diz Dimitri Mawet,
PRIMEIRA LUZ PARA O FUTURO professor do California Institute of Technology e, na época, um
Pouco depois do amanhecer, deixo o Gemini Sul, pego um dos cientistas principais da instrumentação do SPHERE. “Nós
avião para o norte, alugo um carro e viajo mais de 600 quilôme- vamos descobrir muitas coisas maravilhosas, mas também esta-
tros em uma estrada solitária através do alto e seco Deserto do mos empurrando significativamente a tecnologia da óptica
Atacama, Chile, para chegar ao SPHERE antes que a noite caia. adaptativa para a frente. Isso será fundamental para a próxima
Chego ao observatório do SPHERE, o Very Large Telescope, logo geração de telescópios, o que exigirá esse tipo de controle ape-
após o pôr do sol. nas para manter seus enormes espelhos alinhados.”
Em uma sala de controle apertada, Beuzit, o líder do projeto, Um desses novos telescópios está sendo planejado a apenas 20
está manejando suas tropas conforme o comissionamento come- km a nordeste do SPHERE, no pico de 3.000 metros de Cerro Ar-
ça. Os astrônomos estão debruçados sobre telas de computador, mazones. Pouco depois de minha visita, explosões dinamitaram o
conversando calmamente em francês, alemão e inglês, tentando topo do pico, abrindo terreno para a construção do European Ex-
ignorar as câmeras e microfones da equipe de filmagem do docu- tremely Large Telescope, um dos três observatórios gigantescos
mentário em visitação. Beuzit, com o seu cabelo escuro despen- previstos para estrear em cerca de uma década. Emparelhado com
teado e barba, parece um pouco com o falecido diretor de cinema o poder de captação de luz sem precedentes do gigantesco espelho
Stanley Kubrick. Ele vai de estação em estação, bebericando café de 30 ou 40 metros desses observatórios gigantes, um sistema se-
expresso, parando aqui e ali para ouvir e aconselhar. Uma recen- melhante ao SPHERE ou ao GPI seria capaz de imagear não só ju-
temente esvaziada garrafa de champanhe Laurent-Perrier está piteres autoluminosos, mas também planetas potencialmente ha-
em uma estante próxima, “SPHERE 1st Light” está rabiscado bitáveis 1.000 vezes mais tênues que orbitam estrelas vizinhas
com marcador preto em seu rótulo. mais frias próximas do Sol. Uma missão de imageamento direto
O desempenho do SPHERE foi admirável durante o comis- dedicada no espaço poderia então sondá-los ainda mais, buscando
sionamento, produzindo belíssimas fotos de diversos alvos ce- sinais de vida. Desde que mundos estejam ainda lá para serem vis-
lestes, incluindo um fraco anel de poeira em torno de HR 4796A, tos. A perspectiva de obter essas imagens, vislumbrando Terras
uma estrela de oito milhões de anos a 237 anos-luz da Terra, na alienígenas, é o que motiva muitas das pessoas por trás de projetos
constelação Centaurus (ver ilustração na página 40). Mais tar- como o GPI e o SPHERE.
de, quando eu olhei para o anel com a estrela obturada em seu Macintosh disse isso muitas vezes durante as nossas conversas
centro, eu me senti como se estivesse sendo observado – a ima- no Gemini Sul: “Eu vejo tudo o que estamos fazendo agora como
gem se parece com um enorme olho, olhando através das pro- passos ao longo da estrada em direção a uma foto de outra Terra.
fundezas do espaço. Mas, apesar dessas fotos lindas na noite de Algum dia vamos ter essa foto. Se nós finalmente obtivermos re-
minha visita, o SPHERE não está completamente pronto para sultados sobre aquela fração dos pequenos planetas rochosos que
descobrir novos planetas, Beuzit me diz. Não está tudo bem com possuem coisas realmente relevantes – como os que têm oceanos,
a óptica adaptativa do sistema: alguns dos atuadores do espelho oxigênio atmosférico, e assim por diante – e esse número acabar
deformável de € 1 milhão e 1.377 elementos estão falhando, e por ser muito pequeno, bem, isso é provavelmente muito impor-
ninguém na equipe sabe o porquê. A solução definitiva, Beuzit tante. Isso pode não fazer nenhuma diferença prática para a pro-
diz, pode ser substituir todo o espelho por um novo que use uma gressão da nossa civilização por um tempo muito longo, mas, filo-
tecnologia diferente para os atuadores. Mesmo assim, ele está soficamente, ela será capaz de dizer que ‘o nosso [planeta] é o úni-
otimista que tanto o SPHERE quanto o GPI vão atender e supe- co lugar como esse dentro de 1.000 anos-luz’, e talvez isso nos leve
rar suas metas. Nesse meio tempo, o comissionamento deveria a tentar com um pouco mais de afinco não estragar tudo”.
continuar – o comissionamento foi concluído no início deste
ano, gerando seu próprio primeiro lote de observações científi-
PA R A C O N H E C E R M A I S
cas iniciais, produzindo imagens de vários sistemas planetários
302 å`y´`y ÿyà`Dï¹´Î Bruno Leibundgut et al. em Messenger, no 159, págs. 2 a 5,
previamente fotografados.
março de 2015.
Quando eu perguntei a ele sobre a rivalidade do SPHERE àåï ¨ï ¹ ïy y®´ 0¨D´yï ®DyàÎ Bruce Macintosh et al. em Proceedings of the National
com o GPI, a primeira resposta de Beuzit foi apenas um sorriso e Academy of Sciences USA, vol. 111, no 35, págs. 12.661 a 12.666, 2 de setembro de 2014.
um gole de seu café. Depois de um momento, o astrônomo fran- ā¹È¨D´yï myïy`ï¹´ ïy`´ÕùyåÎ Debra Fischer et al. em Protostars and Planets VI. University
of Arizona Press, 2014.
cês falou com cuidado.
D OS N OSSOS A RQU I VOS
“Uma vez que ambos começarem a descobrir novos planetas,
ninguém se lembrará de quem foi o primeiro”, diz Beuzit. “Eu 3yDà`´ ¹à ¨y ¹´ ¹ïyà ȨD´yïåÎ J. Roger P. Angel e Neville J. Woolf, abril de 1996.
' D®D´y`yà my `zùå ®ùï¹ måïD´ïyåÎ Michael D. Lemonick, agosto de 2013.
não estou dizendo que não vamos competir e lutar, nós e os
americanos. Mas Bruce Macintosh e eu nos conhecemos há 15
NEUROCIÊNCIA
A PERDA AUDITIVA
EM SÍNTESE
åDUym¹àD `¹´ÿy´`¹´D¨ sustenta que ruí- % ÿyå my àù m¹ y¨yÿDm¹å podem produzir ÈyàmD DùmïÿD ¹`ù¨ïD que resulta pode 7® ®ym`D®y´ï¹ ÈDàD ày`ùÈyàDà UàDå
dos altos provocam som abafado ou zumbido mD´¹å Èyà®D´y´ïyå D UàDå ´yàÿ¹åDå Dùm- permitir que alguém ouça sons sem dis- ´yàÿ¹åDå mD´`DmDå ȹmy åyà ù®D 幨ùcT¹
nos ouvidos, mas que eles se recuperam logo. tivas que conduzem os sons ao cérebro. cernir o que um orador está dizendo. para esse problema amplamente difundido.
Células ciliadas
Nervo auditivo internas (azul)
Canal auditivo
Órgão de Corti
Células ciliadas
Tímpano externas (vermelho)
quência: por exemplo, 250, 500, 1.000, de Saúde e Segurança Ocupacional a 95 dB por mais de quatro horas ou a 100
2.000, 4.000 e 8.000 Hz. Nos estágios ini- (OSHA), mas diversas agências sugerem dB por mais de duas horas por dia. Por es-
ciais da perda auditiva induzida por ruí- limites diferentes. A falta de concordância sas medidas, a exposição a 142 dB ou mais
do, o audiograma exibe o que é chamado precisa reflete os desafios na avaliação dos de fãs de futebol americano que disputam
“doença do caldeireiro”, uma incapacida- riscos de danos provocados por ruídos. E o recorde Guinness de ruído excederia as
de de detectar sons nas frequências mé- o problema é duplo. orientações da OSHA em cerca de 15 se-
dias da faixa de audição humana. Primeiro, existem enormes diferenças gundos. É claro que a entidade não regula-
Nas décadas de 50 e 60, estudos epide- individuais em suscetibilidade a ruídos: há menta os níveis de ruídos para fãs em jogos
miológicos de operários em fábricas baru- o que poderia ser descrito como ouvidos de futebol, nem para fazendas dos EUA,
lhentas mostraram uma clara relação entre “duros ou resistentes” e ouvidos “delica- onde adolescentes que dirigem tratores e
o tempo no emprego e um declínio da acui- dos”. Isso significa que os reguladores pre- colheitadeiras durante o dia todo correm
dade auditiva. O déficit inicial de aproxi- cisam decidir que porcentagem da popula- sério risco de perda auditiva.
madamente 4.000 Hz tendeu a se espalhar ção querem proteger e que nível de perda Nos últimos 60 anos, otologistas pre-
para outras frequências com o tempo. Mui- auditiva é aceitável. O segundo problema é sumiram que leituras ou interpretações
tos trabalhadores mais velhos perderam a que os efeitos de ruídos na audição resul- rotineiras de um audiograma revelam
audição completamente acima de 1.000 ou tam de uma complexa combinação de tem- tudo o que é preciso saber sobre danos
2.000 Hz. Uma perda sonora tão alta causa po de duração, intensidade e frequência de induzidos por ruídos na audição. De fato,
uma deficiência auditiva grave porque sons a que uma pessoa é exposta. o audiograma mostrará se houve danos
grande parte das informações na fala se si- Atualmente, a OSHA determina que os às células ciliadas do ouvido interno, e
tua na faixa de frequência que se tornou níveis sonoros não devem exceder 90 dB estudos das décadas de 40 e 50 revelaram
“surda”, ou deixou de responder. para uma jornada de trabalho de oito ho- que essas células estavam entre as mais
Na década de 70, estudos humanos ras. O risco de danos provocados por ruí- vulneráveis do ouvido interno a sobre-ex-
como esses inspiraram o governo dos Es- dos acima de 90 dB é mais ou menos pro- posições acústicas.
tados Unidos a estabelecer diretrizes para porcional à energia total aplicada ao ouvi- Experimentos em animais, alguns con-
níveis de ruídos a fim de limitar as exposi- do. Para cada 5 dB adicionais acima do duzidos em nosso laboratório, mostraram
ções no local de trabalho. Hoje, várias padrão de oito horas, as diretrizes da que as células ciliadas externas são mais
agências federais regulam esses níveis, in- OSHA recomendam uma redução de 50% vulneráveis que as internas, que células ci-
clusive o Instituto Nacional de Saúde e Se- do tempo de exposição; em outras pala- liadas na seção da cóclea, que detecta tons
gurança Ocupacional e a Administração vras, um trabalhador não deve ser exposto de alta frequência, são mais vulneráveis
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liadas cocleares. No entanto, ele é um indi- na força de trabalho dos EUA estão to- em um grupo de estudantes universitários
cador muito fraco, ou insatisfatório, de das baseadas na suposição de que, se os britânicos com audiogramas normais e
danos causados em fibras nervosas auditi- limiares pós-exposição voltam ao nor- constatou amplitudes de respostas meno-
vas. Nossa pesquisa mostrou que a lesão mal, o ouvido também se recuperou res entre os voluntários que relataram ter
neural da perda auditiva oculta não afeta a completamente. Como vimos, essa pre- sido expostos repetidamente à barulheira
capacidade de detectar a presença de sons, missa é equivocada; portanto, segue-se de boates e shows musicais.
mas muito provavelmente degrada nosso naturalmente que os atuais regulamen- Em busca de potenciais tratamentos
potencial para entender a fala e outros tos para ruídos podem ser inadequados para a perda auditiva oculta, agora esta-
sons complexos. De fato, ela pode ser um para evitar amplos danos neurais indu- mos considerando se podemos reverter a
significativo fator contribuinte para a quei- zidos por barulho e a deficiência auditi- degeneração induzida por ruído ao tratar-
xa clássica dos idosos: “Posso escutar as va que provocam. mos os neurônios sobreviventes com subs-
pessoas falando, mas não consigo discernir Para resolver essa questão, precisa- tâncias químicas destinadas a regenerar
o que estão dizendo”. mos de testes diagnósticos melhores para fibras nervosas, restabelecendo suas cone-
Audiologistas sabem há tempos que determinar danos neurais auditivos, xões com células ciliadas internas. Embo-
duas pessoas com audiogramas similares principalmente em vista das limitadas ra as próprias sinapses sejam destruídas
podem ter um desempenho muito dife- possibilidades de contar sinapses em te- imediatamente após a exposição ao ruído,
rente nos chamados testes de fala na pre- cidos post mortem. a lentidão da degeneração do restante do
sença de ruído, que medem o número de Uma abordagem promissora se baseia nervo – seu corpo celular e axônios – nos
palavras identificadas corretamente à em uma medida já existente da atividade deixa otimistas de que a função normal
medida que o nível de barulho de fundo elétrica em neurônios auditivos, chamada pode ser restaurada em muitos voluntá-
aumenta. Antigamente, eles atribuíam potencial evocado auditivo de tronco ence- rios humanos. Obtivemos resultados ani-
essas diferenças ao processamento cere- fálico (ABR). O ABR pode ser medido em madores em estudos com animais ao mi-
bral, mas nossa pesquisa sugere que uma pessoa desperta ou adormecida, po- nistrarmos diretamente ao ouvido interno
grande parte delas surgem devido a dife- rém equipada com eletrodos aplicados ao neurotrofinas, que são proteínas que pro-
renças na população sobrevivente de fi- couro cabeludo para medir a atividade elé- movem o crescimento de nervos.
bras nervosas auditivas. trica em resposta à apresentação de estí- A perda auditiva oculta em breve po-
A perda auditiva oculta também pode mulos tonais de frequências e níveis de derá ser tratável por injeção, através do
ajudar a explicar outras queixas comuns pressão sonora diferentes. Historicamente, tímpano, de géis que liberam lentamente
associadas à audição, inclusive o tinido – o o teste ABR tem sido interpretado em gran- neurotrofinas para restaurar sinapses
zumbido nos ouvidos – e a hiperacusia ou de parte numa base de “passa ou falha”: a meses ou anos após uma agressão por ru-
acuidade auditiva exacerbada, que é a in- presença de uma resposta elétrica clara ídos altos e persistentes. As injeções se-
capacidade de tolerar até mesmo sons de evocada por um som é interpretada como riam aplicadas imediatamente após uma
intensidade moderada. Essas condições uma audição normal, e a ausência de uma exposição a ruídos fortes, como as explo-
frequentemente persistem mesmo quan- reação é evidência de deficiência auditiva. sões das duas bombas na linha de chega-
do um audiograma não acusa um proble- Em trabalhos com animais, mostramos da da Maratona de Boston, em 2013, que
ma. No passado, cientistas e clínicos apon- que a amplitude do ABR em níveis de som danificaram a audição de mais de 100
tavam para o audiograma normal de um altos é muito informativa: ela aumenta espectadores.
portador de tinido ou hiperacusia e con- proporcionalmente em relação ao número Algum dia, um otologista talvez seja ca-
cluíam, mais uma vez, que o problema de- de fibras nervosas auditivas que retêm paz de ministrar drogas à cóclea, por meio
via surgir no cérebro. Nós, em vez disso, uma conexão viável com as células cilia- de um procedimento minimamente invasi-
sugerimos que o dano pode ter ocorrido das internas. vo, e de tratar de danos auditivos induzidos
no nervo auditivo. Da mesma forma, um recente estudo por ruído com a mesma facilidade com que
Nossa pesquisa levanta questões so- epidemiológico inspirado por nossa pes- um oftalmologista corrige um olho míope
bre os riscos da exposição rotineira a quisa aplicou uma variante do teste ABR por cirurgia a laser do cristalino.
música alta em shows e boates e através
de dispositivos pessoais de som. Embora
a perda auditiva induzida por ruído seja
claramente um problema entre músicos PA R A C O N H E C E R M A I S
profissionais, inclusive os que tocam 3Ă´DÈï¹ÈDïĂ ´ ïy ´¹åyyāȹåym D´m D´ `¹`¨yDi Èà®DàĂ ´yùàD¨ myy´yàDï¹´ ´ D`Õùàym åy´å¹à´yùàD¨
yDà´ ¨¹ååÎ Sharon G. Kujawa e M. Charles Liberman em Hearing Research. Publicado on-line em 11 de março de 2015.
música clássica, estudos epidemiológi-
mm´ ´åù¨ï ï¹ ´¦ùàĂi `¹`¨yDà ´yàÿy myy´yàDï¹´ Dïyà Úïy®È¹àDàĂÛ ´¹åy´mù`ym yDà´ ¨¹ååÎ Sharon G. Kujawa
cos de ouvintes casuais falharam consis- e M. Charles Liberman em Journal of Neuroscience, vol. 29, nº 45, págs. 14,077–14,085; 11 de novembro de 2009.
tentemente em encontrar um impacto
D OS N OSSOS A RQU I VOS
substancial em seus audiogramas. As di-
y ÿ¹¨ïD D¹ yÕù¨ U๠`¹® ¹ày¨Då U»´`DåÎ Charles C. Della Santina, edição nº 96, maio de 2010.
retrizes federais desenvolvidas para mi-
nimizar os danos provocados por ruídos
MUDANÇA
DE ESTADO
Seca pode fazer a Califórnia ficar como o Arizona – Dan Baum
Em 1860, um naturalista chamado William
Brewer partiu para fazer o primeiro levantamento geológico do
jovem estado da Califórnia. Ao chegar ao pequeno vilarejo de Los
Angeles, com suas construções de tijolos de adobe, em 2 de
dezembro, ele anotou em seu diário que “tudo o que é desejável
do ponto de vista natural para tornar o lugar um paraíso é água,
mais água”. Três semanas depois uma furiosa torrente de água, a
pior tempestade de chuva em 11 anos, destruiu grande parte dos
edifícios. Assim é o clima na Califórnia.
O registro secular, gravado em anéis de árvores, mostra padrões
similares aos de hoje: longos episódios de secas pontuados por pas-
sageiros anos chuvosos. No ano de 1130, a chuva foi diminuindo
gradualmente e não recomeçou para valer por outros 40 anos.
Secas de várias décadas de duração aparecem regularmente em
anéis de árvores ao longo de toda a história da Califórnia.
Mas a simples falta de chuva registrada nesses anéis já não é
mais uma definição prática de seca. Existe outra melhor, porém
mais subjetiva: a diferença entre a umidade existente e a umida-
de necessária. Por esse padrão, a seca atual não tem precedentes.
Sim, a Califórnia está mais seca do que em qualquer época desde
1895, quando as pessoas começaram a fazer registros meteoroló-
gicos. Mas o estado também está anormalmente quente, 2014 foi
quase 1o C mais quente que o ano mais quente anterior, e 2015
parece estar caminhando para ser mais quente ainda, o que
aumenta cruelmente a sede da terra por água, justamente em um
TODAS AS FOTOGRAFIAS DE JUSTIN SULLIVAN Getty Images
EM SÍNTESE
åy`D ´D D¨ºà´D não tem precedente. ' yåïDm¹ yåïE ®ùmD´m¹ como resultado ' DÕù y๠m¹ <D¨y y´ïàD¨ está colapsando ' yåïDm¹ ȹmyàD `Dà como o Arizona.
Registros em anéis de árvores mostram que disso. Na Serra Nevada, árvores grandes e com o descontrolado bombeamento de Mas há esperança. O pensamento criativo já
episódios de estiagem, de décadas de dura- velhas estão morrendo, sendo substituídas águas subterrâneas. Lavouras estão se tor- começou, e muitos veem a seca como uma
ção, já atingiram o estado antes, mas nunca por outras menores. Mesmo as icônicas se- nando ociosas, fruticulturas são consumidas oportunidade para resgatar a Califórnia, e
com tanta pressão populacional. quoias podem estar em risco. por fogo e as torneiras estão secando. ganhar dinheiro no processo.
2013-2014 viu níveis historicamente baixos de neve acumulada enquanto olhava para a encosta arborizada sob a aba de seu cha-
na Serra Nevada e, neste último inverno, a situação foi ainda péu do USGS. “Só estamos em abril”, comentou exasperado.
pior, com apenas 5% da média. Em abril, os acúmulos em Lago Entramos novamente em seu Subaru e subimos a montanha
Echo normalmente atingem a altura de um humano, mas quan- até um bosque de ciprestes, ou cedros-do-incenso-da-califórnia,
do cheguei lá, no chamado “Dia do Imposto” (prazo final para a permeado de espécimes de cor acentuadamente amarelo-amar-
entrega da declaração anual do imposto de renda), só havia ronzada. “Eles são centenários e muito resistentes, hospedeiros
alguns pequenos amontoados de branco embaixo das árvores. de poucos insetos”, observou Stephenson. “De brincadeira,
Do lago, dirigi uns 320 quilômetros rumo ao sul, passando pelo temos chamado essas árvores de ‘as imortais’ porque elas pare-
Parque Nacional Yosemite, para visitar Nathan Stephenson, ecolo- cem nunca morrer.” Ele parou e esticou uma mão para apalpar
gista de plantas do Serviço Geológico dos EUA (USGS), que traba- as agulhas marrons de um cedro. “Agora acho que são mortais.”
lha entre as icônicas árvores gigantes da Califórnia, no Parque Por fim, subimos ao reino das próprias gigantes, as magníficas
Nacional das Sequoias. A reserva se avulta acima do condado Tula- sequoias, muitas das quais se erguiam em meio a montes de
re, no Vale Central, o “ponto zero” da seca. O Rio Kaweah flui do suas próprias agulhas mortas; testemunhas de como a seca está
parque para o extremamente depauperado Lago Kaweah e de lá afetando suas extremidades.
para o vale mais abaixo. Em seus 35 anos de trabalho no parque, Aqui, há 33 anos o USGS monitora 20 mil árvores de várias
Stephenson viu secas chegarem e partirem, mas nunca uma como espécies em 30 trechos bem espaçados. As árvores, inclusive se-
esta. “Só de olhar, eu estimaria que 30% dos carvalhos nas encos- quoias, estão morrendo e também de modo imprevisível. Em
tas estão mortos ou morrendo”, avaliou, examinando uma área flo- tempos normais, um fio ininterrupto de água se estende das raí-
restal que, mesmo para o olho destreinado, parecia pálida e “can- zes de uma árvore para cada folha ou agulha, sendo “sugada”
sada”, pontilhada de árvores marrons. Stephenson é alto e magro, para cima através de diminutos capilares à medida que a árvore
com uma barba grisalha e a disposição bem-humorada de um transpira água no ar. Mas agora, exemplares de todas as espécies
homem que é pago para passar seu tempo ao ar livre em um par- estão morrendo de cavitação: quando o fio de água se rompe e
que nacional. Mas ele estava “de cara fechada”, com ar sombrio, bolhas de ar entram nos capilares, precipitando o fim.
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EM NÚMEROS
4
Úmido
0
Seco
–4
Extremamente seco
FONTE: CENTROS NACIONAIS PARA INFORMAÇÕES AMBIENTAIS DA ADMINISTRAÇÃO NACIONAL OCEÂNICA E ATMOSFÉRICA (NOAA)
–8
1895 1905 1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015
´m`ymy3yÿyàmDmymy3y`Dmy0D¨®yà 'åD´¹åmDÚùåï
¹Ā¨Û 5y´m{´`DÈDàD åy`Då 3y`Dy´yàD¨ĆDmDy
A Califórnia foi poupada, em As curvas sólidas são linhas de my¨¹´DmùàDcT¹
DmD ȹ´ï¹ ´¹ àE`¹ D`®D àyÈàyåy´ïD ù® ÿD¨¹à grande parte, dos efeitos tendência polinomial que Uma característica incomum e
mensal do Índice de Severidade de Seca de Palmer calamitosos da chamada “Dust my¨´yD®DåùïùDcÇyåyàDåmy desagradável da atual
para cada uma de sete divisões regionais. Os pontos Bowl” (a seca, com enormes condições nas sete divisões estiagem é que tantas regiões
que estão dentro da faixa “normal” (de +4 a -4) tempestades de poeira, que regionais da Califórnia. A crescente diferentes nesse estado grande
aparecem mais apagados ao fundo. atingiu 400 mil km2 do país densidade de linhas cor de cinza yy¹àD`D®y´ïyÿDàDm¹
Drenagem da costa norte nos anos 30). Por essa razão os verticais após 1975 indica um estão passando por ela em um
Drenagem do distrito de Sacramento fazendeiros desalojados das aumento na frequência de nível extremo.
Bacias do interior nordeste Grandes Planícies fugiram para extremas condições secas e úmidas.
Drenagem da costa central lá em busca de trabalho. Em termos gerais, porém, todas as
Drenagem do distrito de San Joaquin linhas de tendência se curvam para
Drenagem da costa sul baixo durante esse período,
Bacias dos desertos do sudeste indicando que todas as regiões no
estado estão tendendo à seca.
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escavadeiras em montes enormes, do tamanho de
casas grandes, e incendiadas. O proprietário, que esta-
va lá de pé olhando com expressão sombria e triste, me
contou que tinha arrendado os pouco mais de 32 hec-
tares e suas 10.600 árvores saudáveis para um agricul-
tor que, na primavera passada, tinha instalado tubula-
ções ilegais e vendido a água do poço da fazenda a um
vizinho, deixando as árvores morrerem.
Não são só os proprietários de terras que estão sen-
do prejudicados. Yolanda Serrato, de East Porterville,
uma cidadezinha pobre, sem governo municipal e
habitada por trabalhadores rurais no condado de
Tulare, estava regando seu pequeno gramado em
dezembro passado, quando a mangueira começou a
“cuspir” e parou de sair água, definitivamente. Os
EM PORTERVILLE, os residentes cujas torneiras haviam secado
poços rasos de cerca de 400 de seus vizinhos também
encheram tambores com água não potável na frente da unidade do corpo de
secaram mais ou menos à mesma época, deixando-os bombeiros de Doyle County.
dependentes de um misto de assistência pública e
caridade. Quando conheci Serrato, ela estava encosta-
da à sua cerca de tela de arame, olhando rua abaixo à procura da de glória como estrela científica. Quando estávamos sentados em
picape que talvez lhe trouxesse algumas garrafas de água. Foi difí- seu escritório, em Sacramento, à margem nordeste do delta, ela
cil não ver East Porterville como uma possível precursora do dia virou suas palmas para cima, entrelaçou os dedos e explicou que
em que muitos californianos serão forçados a deixar suas casas a estrutura microscópica da argila consiste em minúsculas pla-
por falta de água. cas inclinadas ao acaso. “Imagine quanta água caberia na pia de
sua cozinha se você colocasse ali um monte de pratos de jantar e
A primeira lei da hidrodinâmica é a água fluindo na direção os deixasse se inclinando uns sobre os outros de qualquer jeito”,
de dinheiro. É provável que leve muito tempo antes que a maioria sugeriu. Então ela girou as mãos para pressionar suas palmas.
dos californianos, especialmente nas cidades litorâneas, confronte “Agora imagine empilhar esse pratos ordenadamente e o que isso
torneiras secas. São Francisco, por exemplo, extrai sua água do faria com o espaço para água entre eles.” Essencialmente é isso o
antigo Reservatório Hetch Hetchy, a uns 270 quilômetros de dis- que acontece quando uma quantidade excessiva de água é bom-
tância, no Parque Nacional Yosemite. Los Angeles, como qualquer beada muito rapidamente do solo; as placas microscópicas que
um que tenha visto o filme Chinatown sabe, secou o Vale Owens, a constituem a argila deslizam para uma posição sobreposta. Em
mais de 300 quilômetros, na década de 20, e agora obtém a maior outras palavras, a camada de argila colapsa.
parte de sua água de reservatórios localizados ainda mais ao norte. Centenas de metros acima, a terra desmorona junto. Desde a
Enquanto a Califórnia tiver um pingo de água, ela sem dúvida flui- década de 20, vastas áreas do Vale Central sofreram uma subsi-
rá na direção dos ricos moradores de áreas costeiras. dência, de aproximadamente nove metros. Em apenas dois anos,
No Vale Central, porém, o problema está apenas começando. de 2008 a 2010, mais de um décimo do vale afundou cinco centí-
Para entender por que, precisamos seguir o caminho das águas metros. Isso significa trabalho para equipes de manutenção, que
no subsolo profundo. O Vale Central é essencialmente uma enor- consertam rachaduras em rodovias e pontes, e para trabalhado-
me depressão de 51,8 mil quilômetros quadrados de camadas de res ferroviários que renivelam trilhos. Esse afundamento tam-
argila, cascalho, sedimentos e areia, encravada entre cadeias de bém dificulta o fornecimento de água em todo o estado. Canais e
montanhas de “rochas duras”. Em camadas de cascalho e areia, a aquedutos podem se estender por centenas de quilômetros sem
água corre lateralmente com facilidade. Um fazendeiro que bom- bombas, porque se inclinam muito sutilmente para baixo. Não é
beia águas subterrâneas consegue surrupiá-la de um vizinho. preciso uma subsidência acentuada para interferir no fluxo, que
Mas a umidade está armazenada principalmente em camadas de foi o que aconteceu no ano passado, entre outros lugares, no pon-
argila, que gotejam sua carga lentamente nas camadas de casca- to de junção onde um grande canal encontra o Reservatório San
lho e areia. É o modo como a argila armazena água que torna o Luis, na região central da Califórnia. Mas as interrupções no
atual frenesi de bombeamento preocupante. abastecimento dificilmente são o pior de tudo. Uma vez que uma
Desastres têm um jeito peculiar de catapultar cientistas da camada subterrânea de argila desmorona, ela nunca mais pode
obscuridade à fama da noite para o dia. Michelle Sneed, jovem armazenar água. Portanto, os fazendeiros californianos que
geóloga do USGS, batalhou durante anos para se especializar em bombeiam água freneticamente não estão apenas depauperando
um campo bem pouco empolgante, subsidência ou afundamento o aquífero de que dependem, mas também o estão destruindo.
do solo, que subitamente se tornou crucial para o futuro da Cali- A única esperança é recarregar o que resta do aquífero o mais
fórnia. Com olhos azuis surpreendentemente francos e longos rápido possível. O problema é que nem todo subsolo é igualmen-
cabelos ondulados, ela parecia estar desfrutando seu momento te recarregável. Sob cerca da metade do Vale Central predomina
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va abrangente de milênio. “A Califórnia ficaria bem” sem agricul- A tecnologia de dessalinização também tem o potencial de
tura, disse para mim Richard Howitt, um agroeconomista britâ- abastecer o litoral com água praticamente ilimitada, mas ela é
nico da Universidade da Califórnia em Davis com acentuado incrivelmente cara, tem uma enorme pegada de carbono porque
humor seco. “Nós nos transformaríamos em uma economia do consome tanta energia e gera quantidades imensuráveis de água
Arizona. Eliminaríamos progressivamente a agricultura irrigada intensamente salina, difícil de ser eliminada com segurança. O
e passaríamos para filmes [a indústria cinematográfica da Cali- verdadeiro potencial da gestão de secas reside na conservação e
fórnia responde por 2,1% do produto interno bruto do estado], reciclagem de água. O Instituto Pacific, um think tank ambiental
tecnologia de informação [8%] e tudo mais.” com sede em Oakland, estima que simplesmente conseguir que
Sem dúvida alguma, frutas, nozes e legumes ficariam mais as pessoas usem água de forma mais eficiente dentro e fora de
caros para todos, mas a própria Califórnia poderia facilmente casa poderia economizar à Califórnia 3,7 trilhões de litros por
sobreviver à base de indústrias, saúde, finanças e educação que ano, quase 30% de seu consumo de água urbana.
fazem de sua economia a sétima maior do mundo, especialmente A Proposição-1 inclui US$ 725 milhões para a reciclagem, sete
se não estivesse desviando quatro quintos de sua água utilizável vezes mais que o estado já destinou para essa finalidade. Isso cor-
para a agricultura irrigada. responde a apenas cerca de 20% do que a divisão californiana da
Realisticamente, porém, é difícil imaginar um estado tão ino- Associação WateReuse, o grupo comercial para a indústria de
vador como a Califórnia simplesmente permitindo que o orgulho reciclagem de água, acredita seria necessário para maximizar o
de suas lavouras desapareça. Mais de 30% da agricultura no Vale potencial dessa tecnologia no estado, mas o dinheiro estadual se
Central se destina ao cultivo de uvas e frutos como amêndoas, destina a atrair fundos municipais, distritais e privados para pro-
nozes, pistache e frutas cítricas, que representam um investi- jetos de reúso de água. A modernização de parques municipais,
mento enorme que, após o plantio, pode levar até sete anos para campos de golfe, fábricas, edifícios de escritórios e até domicílios
se tornar lucrativo. Fazendeiros do Estado Dourado já estão se com as chamadas “tubulações violeta”, que transportam água
voltando para uma vigorosa indústria de alta tecnologia que pro- reciclada suficientemente limpa para utilização em paisagismo,
duz irrigadores equipados com GPS, irrigação baseada em mete- vasos sanitários e outros propósitos não potáveis, está prestes a
orologia, sensores de umidade do solo e outros dispositivos agro- se tornar um setor multimilionário da economia.
eletrônicos projetados para reduzir o consumo de água. Em A transição já começou em Orange County que, desde 2008,
junho, em uma medida ainda mais radical, o estado deu o impen- vem tratando e recuperando mais de 30% de suas águas residuais
sável passo de impor restrições hídricas à “realeza” agrícola cali- para padrões potáveis, injetando-as no aquífero. O município lim-
forniana, àqueles que detêm direitos sobre água ribeirinha nos pa outros 17% de suas águas residuais o bastante para processos
vales dos rios Sacramento e San Joaquin, que remontam à época industriais, paisagismo e usos domésticos como descargas de vasos
“corrida ao ouro” e que durante muito tempo eram considerados sanitários. A infraestrutura foi cara, mas a maior parte da água tra-
invioláveis. Viajando pela Califórnia, é fácil perceber que o sofri- tada custa ao distrito um pouco mais da metade do que custaria
mento, mas também o pensamento criativo, apenas começaram. importar água do Rio Colorado, que também está sendo rapida-
mente depauperado. Em novembro passado, o conselho municipal
A seca está transformando a Califórnia em quase todos os de San Diego aprovou o investimento de US$ 3 bilhões no equipa-
aspectos concebíveis – meteorológico, geológico, biológico, agríco- mento que permitirá à cidade reciclar água suficiente para um ter-
la, social, econômico e político. A combinação de um baixo índice ço de seus cidadãos. A WateReuse insiste que a purificação de
de umidade e temperaturas elevadas muito provavelmente será a águas residuais poderia suprir todas as necessidades municipais de
condição climática do futuro. Mesmo quando ocorrem esporádi- oito milhões de pessoas, 20% da população da Califórnia, além de
cos anos chuvosos, o inexorável aquecimento global garante que a criar um número sem precedentes de empregos no processo.
precipitação não ocorra mais em forma de intensas nevascas, e, O novo “normal” é um pouco assustador, mas isso é a Califór-
portanto, densas camadas de neve que distribuem água lentamen- nia. Problemas, sim, mas há ouro nessas soluções.
te, mas como furiosas torrentes de chuva. É por isso que em
novembro passado os californianos votaram a favor da Proposi-
ção-1, a destinação de mais de US$ 7 bilhões para a infraestrutura PA R A C O N H E C E R M A I S
hídrica, quase 50% dos quais irão para a construção de novas bar- ¨®Dïy `D´y D´m D¨¹à´D mà¹ùï ´ ïy ÷Àåï `y´ïùàĂÎ Michael E. Mann e Peter H.
ragens e reservatórios, um projeto de obras públicas de propor- Gleick em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 112, no 13, págs. 3858–
ções enormes. E é aí que reside o otimismo velado da seca califor- 3859; 31 de março de 2015.
7´Èày`ymy´ïym ÷Àåï `y´ïùàĂ mà¹ùï àå§ ´ ïy ®yà`D´ 3¹ùïĀyåï D´m y´ïàD¨
niana: o ônus de uma pessoa é a oportunidade de outra. 0¨D´åÎ Benjamin I. Cook, Toby R. Ault e Jason E. Smerdon em Science Advances, vol. 1, nº
O Corpo de Engenheiros do Exército quer extrair o concreto 1, artigo nº e1400082; 1º de fevereiro de 2015.
de um trecho de quase 18 quilômetros do Rio Los Angeles, atual- āȨD´´ yāïày®y yÿy´ïå ¹ ÷ĈÀñ ๮ D `¨®Dïy ÈyàåÈy`ïÿyÎ Editado por Stephanie
C. Herring et al. em Bulletin of the American Meteorological Society, vol. 95, nº 9, págs. S1–
mente um horroroso sistema de drenagem de águas pluviais que S104; setembro de 2014
pouco faz além de canalizar cerca de 783,5 milhões de litros de
D E N OSSOS A RQU I VOS
água por dia para o oceano. O projeto permitiria que pelo menos
parte dessa água reabastecesse ou recarregasse o aquífero e inje- `¹àày´ïy my ¦Dï¹ yåïE `D´m¹ yåïàD´DÎ y $Dåïyàåj ymcT¹ À÷j ¦D´y๠my ÷ĈÀÎ
UMA OVA
VI ÃO
PARA EXAME
Muitas vezes avaliações escolares aumentam a ansiedade e atrapalham o
aprendizado. Uma nova pesquisa mostra como reverter essa tendência
Annie Murphy Paul
EM SÍNTESE
yåmy D DÈà¹ÿDcT¹ da lei Nenhu- à ï`¹å Dàù®y´ïD® Õùy exa- 0yåÕùåDå y® `{´`D `¹´ïÿD e zir uma recordação melhor de fa- aprendizado profundo testes em
ma Criança Deixada para Trás, em mes provocam ansiedade em alu- psicologia mostram que testar, tos e uma compreensão mais pro- desenvolvimento para avaliar com
÷ĈĈ÷j ïy® åy ´ïy´å`Dm¹ D ¹È¹å nos transformando escolas em fá- quando feito corretamente, pode funda do que uma educação que que grau de sucesso alunos aten-
ção de pais e professores a testar bricas de preparação para testes, åyà ù® ¦yï¹ y`DĆ my DÈày´myàÎ não inclui exames. 0Dày`y® åyà dem aos padrões de referência
crianças da terceira à oitava séries. prejudicando a aprendizagem. Submeter-se a provas pode produ- È๮åå¹àyå como avaliações de adotados em 43 estados.
Em escolas dos Estados Unidos, questões de múltipla escolha que chamam “dedos espirituosos”. Este é o caso com a questão so-
como essa, acima, provocam ansiedade e até pavor. Seu surgimen- bre a Baía dos Porcos: todos acertam.
to significa que é hora de avaliação, e provas são eventos impor- “Muito bem!”, Bain elogia entusiasmada. “Esse é nosso quinto
tantes, de peso, e excruciantemente desagradáveis. ‘dedos espirituosos’ hoje!”
Mas não na escola de ensino fundamental Columbia Middle Os gracejos na sala de aula de Bain estão a um mundo de dis-
School, em Illinois, na sala de aula da oitava série da professora de tância da atitude tensa e defensiva em escolas públicas de todo o
história Patrice Bain. Ela tem olhos azuis vivazes, um sorriso rápi- país. Desde a aprovação da lei Nenhuma Criança Deixada para
do e cabelos platinados espetados que têm simultaneamente uma Trás (NCLB, na sigla em inglês), em 2002, a oposição de pais e pro-
aparência meio punk e meio “duendesca”. Depois de apresentar a fessores à sua determinação de avaliar “toda criança, todos os
pergunta em uma lousa digital, ela espera enquanto seus alunos anos” da terceira à oitava série, vem se intensificando. Um número
teclam suas respostas em dispositivos eletrônicos numerados, co- crescente de pais está tirando seus filhos dos testes estaduais anu-
nhecidos como clickers. ais; o epicentro do movimento “opt-out” (“opte não”, em tradução
“O.K., todo mundo já respondeu?”, pergunta ela. “Número 19, literal) pode ser o estado de Nova York, onde até 90% dos alunos
estamos esperando por você!” Apressadamente, 19 digita uma op- em alguns distritos teriam se recusado a fazer o exame de fim de
ção e, juntos, Bain e seus alunos repassam as respostas da classe, ano no semestre passado. Críticos da acentuada ênfase de escolas
agora exibidas na parte inferior da lousa inteligente. “A maioria de americanas em testes reclamam que as avaliações por meio de
vocês acertou, John Glenn, muito bom.” Ela dá um risinho e balan- exames provocam ansiedade em alunos e professores, transfor-
ça a cabeça diante da resposta de três de seus alunos. “Oh, meus mando salas de aula em fábricas preparatórias para exames, em
queridos”, diz Bain com uma reprimenda brincalhona. “Khrush- vez de laboratórios de aprendizagem genuína e significativa.
chev não era um astronauta!” No debate sempre polarizador sobre como estudantes america-
Bain passa para a próxima pergunta, repetindo rapidamente o nos deveriam ser educados, a aplicação de testes tornou-se a ques-
processo de perguntar, responder e explicar, à medida que ela e tão mais controversa de todas. No entanto, um elemento crucial
seus alunos avançam pela década dos anos 60. tem estado largamente ausente da discussão até agora. Pesquisas
Quando todos respondem corretamente, os alunos levantam as em ciência cognitiva e psicologia mostram que, quando ministra-
mãos e mexem os dedos simultaneamente, um gesto exuberante dos corretamente, os testes podem ser uma forma excepcional-
mente eficaz de aprender. Submeter-se a provas, e participar de
atividades bem elaboradas antes e após os testes, pode produzir
A fracassada invasão da Baía dos Porcos
uma recordação melhor de fatos, assim como um entendimento
envolveu os Estados Unidos e qual outro país?
mais profundo e complexo que uma educação sem exames. Mas
A HONDURAS
uma metodologia de avaliação que apoia ativamente a aprendiza-
B HAITI gem, além de simplesmente avaliar, seria muito diferente do jeito
C CUBA como escolas americanas aplicam testes atualmente.
D GUATEMALA O que Bain está fazendo em sua sala de aula é chamado prática
de recuperação. Esse método tem uma bem estabelecida base de
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PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21
Em seu estudo, Karpicke e Blunt orientaram grupos de volun- “domínio de conhecimento”, nesse caso, o uso de ondas sonoras
tários ainda não graduados, 200 ao todo, a ler um trecho extraído por morcegos para se orientar. Uma semana depois, os alunos fo-
de um livro didático de ciência. Em seguida, um grupo foi solicita- ram solicitados a transferir o que haviam aprendido sobre morce-
do a criar um mapa conceitual referindo-se ao texto; o outro tinha gos para um segundo domínio de conhecimento: a utilização
de recuperar, de memória, o máximo de informações que podia do navegacional de ondas sonoras por submarinos. Os estudantes
excerto que haviam acabado de ler. Em um teste dado a todos os que tinham se sabatinado sobre o texto original sobre morcegos
estudantes uma semana mais tarde, o grupo da prática de recupe- foram mais capazes de transferir seu aprendizado para a situação
ração foi mais capaz de recordar os conceitos apresentados no tex- dos submarinos.
to do que a turma de mapeamento de conceitos. Mais interessante: Por mais robustas que sejam essas descobertas, até recente-
o primeiro grupo também se saiu melhor em fazer inferências, ou mente elas foram feitas quase exclusivamente em laboratórios,
tirar conclusões e fazer conexões entre múltiplos conceitos conti- com estudantes universitários como objetos de estudo. McDa-
dos no texto. Karpicke e Blunt concluíram que, em termos gerais, a niel queria há muito tempo aplicar práticas de recuperação em
prática de recuperação era cerca de 50% mais eficaz para promo- escolas no mundo real, mas obter acesso a salas de aula K-12 (a
ver tanto a aprendizagem profunda como factual. somatória dos anos de ensino fundamental e médio no sistema
Transferência, a capacidade de aplicar conhecimento aprendi- educacional básico dos Estados Unidos e Canadá) foi um desafio.
do em um contexto a outro, é o objetivo culminante do aprendiza- Com a ajuda de Bain, McDaniel e dois de seus colegas da Univer-
do profundo. Em um artigo publicado em 2010, o psicólogo sidade Washington, Roediger e Kathleen McDermott, criaram
Andrew Butler , da Universidade do Texas em Austin, demonstrou um ensaio randômico controlado na Columbia Middle School
que a prática de recuperação promove a transferência melhor do que, em última análise, envolveu nove professores e mais de
que a abordagem convencional de estudar por meio de reler. No 1.400 alunos. No decorrer do experimento, alunos das sexta, séti-
experimento de Butler, estudantes se dedicavam à releitura ou à ma e oitava séries estudaram ciências e estudos sociais de uma
prática de recordação após lerem um texto que pertencia a um de duas maneiras: 1) o material era apresentado uma vez e de-
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PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21
Existe mais um aspecto nos zes eles só olham de relance para a nota e depois enfiam a
prova em algum lugar e nunca mais olham para ela”, observa
testes estaduais padronizados Lovett. “Mais uma vez, essa é uma oportunidade de aprendi-
que os impede de serem zagem realmente importante que estamos perdendo.”
Há alguns anos, Lovett descobriu um jeito para fazer alunos re-
empregados de forma mais fletirem após uma prova. Ela chama seu método “exam wrapper”,
x`DąÇDßDDDÇßx³ląDxÍä ou “invólucro de exame”. Quando o professor devolve um teste
avaliado com nota a um aluno, junto com ele vem, literalmente,
perguntas que formulam são um pedaço de papel enrolado em volta da prova em si. Nesse papel
predominantemente de natureza há uma lista de questões: um exercício curto que os estudantes de-
A enciclopédia que
mudou o curso da história
Obra dirigida por Diderot e d’Alembert sob a opressão
absolutista e religiosa ganha tradução brasileira
“Esta obra produzirá certamente, com projeto editorial foi totalmente reformu-
o tempo, uma revolução nos espíritos, e lado, passando de uma tradução à elabo-
espero que os tiranos, os opressores, os ração de uma obra original. Até 1772 foram publicados 35 volumes,
fanáticos e os intolerantes não ganhem Entre as primeiras exigências de Dide- cerca de metade deles com ilustrações.
nada com isto.” Com essas palavras em rot a Breton, destacou-se “a escolha dos Publicada em cinco volumes – Dis-
uma carta à sua amiga e confidente colaboradores segundo seus conhecimen- curso preliminar, O sistema dos conhe-
Sophie Volland, em setembro de 1762, às tos, liberdade completa para os autores e cimentos, As ciências da natureza, Polí-
vésperas da publicação do oitavo volume independência diante dos poderes consti- tica e Sociedade e artes –, a edição
de sua Enciclopédia, o escritor e filósofo tuídos”, conforme destacou Maria das brasileira também traz 170 do total de
francês Denis Diderot (1715-1797) sinteti- Graças de Souza, professora de filosofia da cerca de 600 imagens da obra original.
zou o espírito desse seu trabalho que, em USP, na introdução à edição brasileira, da Na nova versão as gravuras estão nos
coautoria com o físico e matemático Jean qual é também uma das tradutoras. mesmos tomos em que estão os verbetes
d’Alembert (1717-1783), se tornou um dos aos quais se referem.
principais ícones do Iluminismo. Além do importante trabalho de intro-
“... POIS A ENCICLOPÉDIA
A ideia de compilar conhecimentos em dução e contextualização da obra – por
obras preparadas especificamente para DEVE TUDO AOS TALENTOS, meio de textos dos professores da USP
esse fim já havia sido posta em prática NADA AOS TÍTULOS, ELA É A Maria das Graças de Souza, Pedro Paulo
desde a Antiguidade greco-romana, inclu- HISTÓRIA DO ESPÍRITO Pimenta e Franklin de Matos –, outro pon-
sive por Aristóteles (c. 384-322 a.C.). O pri- HUMANO, E NÃO DA to forte da edição brasileira é a versão
meiro projeto efetivamente proposto em bilíngue (francês-português) do “Discurso
VAIDADE DOS HOMENS.”
moldes enciclopédicos só veio a ser for- preliminar dos editores”, redigido por
mulado no início do século 17 pelo filósofo (JEAN D’ALEMBERT) d’Alembert, que está no primeiro volume.
inglês Francis Bacon (1561-1626) em seu Mais que uma obra de difusão do
livro Sobre a proficiência e o avanço do A publicação da Enciclopédia começou conhecimento à disposição de cada cida-
conhecimento divino e humano (1605). em 1751. A elaboração da obra contou com dão, e que um baluarte de combate ao
O projeto de Bacon inspirou a produ- o trabalho de colaboradores, entre eles absolutismo e ao pensamento medieval, a
ção de obras como o Dicionário histórico intelectuais então já consagrados, como Enciclopédia é também o ponto de encon-
e crítico (1697), do francês Pierre Bayle Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Voltai- tro desse espírito de libertação com um
(1647-1706), e a Ciclopédia ou dicionário re (1694-1778), Montesquieu (1689-1755) e dos melhores estilos literários de crítica e
universal de artes e ciências (1728), do o médico e filósofo Louis de Jacourt (1704- do exercício vigoroso, inteligente e criati-
inglês Ephraim Chambers (1680-1740). 1779), autor de cerca de um quarto dos vo da razão. – Maurício Tuffani
A iniciativa de elaborar a Enciclopé- verbetes de toda a coleção.
dia surgiu da ideia de publicar em fran- A obra também se caracterizou por Enciclopédia, ou dicionário razoado das
cês a Ciclopédia – que chegou a ser edita- seu projeto, fundado nos ideais ilumi- ciências, das artes e dos ofícios
da até o final do século 19. O convite para nistas de valorização da razão e de Denis Diderot e Jean d’Alembert
traduzir a obra de Chambers foi feito a reforma da organização da sociedade, (organização de Pedro Paulo Pimenta e
Diderot pelo editor parisiense André- baseada no poder da religião e do abso- Maria das Graças de Souza).
-François Le Breton. Depois de muitas lutismo e do conhecimento herdado da Editora Unesp. 5 volumes. 2015.
manifestações do pensador ao editor, o tradição medieval. Preço: R$ 78,00 cada volume.
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CIÊNCIA EM GRÁFICO
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NEVADA NEW HAMPSHIRE NOVA JERSEY NOVO MÉXICO FONTE: CENTROS PARA CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS
NOVA YORK OHIO OKLAHOMA OREGON PENSILVÂNIA
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