Você está na página 1de 68

Setembro 2015 www.sciam.com.

br

ANO 14 | no 160 | R$ 13,90 | Portugal € 4,90

00160

9 771676 979006
ISSN 1676-9791
Outras espécies
humanas habitaram
o planeta, mas só a

Como
nossa o dominou.
Uma nova hipótese
explica por quê

CONQUISTAMOS
o PLANETA
EXOPLANETAS EDUCAÇÃO NEUROCIÊNCIA
Astrônomos buscam Estudos propõem avaliações Os ruídos do dia a dia
imagens de novos gigantes que evitam ansiedade e podem gerar danos
fora do Sistema Solar prejuízos ao aprendizado auditivos irreparáveis
N A C A PA

Há cerca de 70 mil anos, nossos ancestrais Homo sapiens deixaram


20 iam.com.br

ANO 14 | no 160 | R$ 13,90 | Portugal € 4,90

seu continente natal, a África, e deram início à sua expansão pelo

-9791
planeta. Outras espécies de hominídeos, como os neandertais, já
Outras espécies
humanas habitaram
o planeta, mas só a
haviam se estabelecido na Ásia e na Europa, mas a nossa sobrevi-
Como
BRASIL
nossa o dominou.
Uma nova hipótese
veu e colonizou toda a Terra. Paleoantropólogos têm novas explica-
Setembro 2015 | N o 160
explica por quê

CONQUISTAMOS
o PLANETA ções para esse processo.
Imagem: Pavel Suprun
EXOPLANETAS EDUCAÇÃO NEUROCIÊNCIA
Astrônomos buscam Estudos propõem aval ações Os u dos do dia a dia
imagens de novos gigantes que ev tam ansiedade e podem gerar danos
fora do Sistema Solar p ejuízos ao aprend zado audit vos irreparáve s

sumário

26

EVOLUÇ Ã O
26 A espécie mais invasiva de todas
Outras espécies de hominídeos habitaram a Terra.
Mas a nossa é a única que colonizou todo o planeta.
35 43
Uma nova hipótese explica por quê.
Curtis W. Marean
C IÊNC IA ES PAC IA L
35 Procurando jupiteres
Duas equipes rivais de astrônomos competem para
obter imagens inéditas de planetas gigantes ao redor
de outras estrelas. Suas descobertas poderão mudar o
futuro da busca por planetas.
Lee Billings
NEUROC IÊNC IA
49
43 A perda auditiva oculta
Britadeiras, shows e outras fontes de ruídos
podem provocar danos irreparáveis aos
ouvidos de maneiras inesperadas.
M. Charles Liberman
C L IMA
49 Mudança de estado
Seca pode fazer a Califórnia ficar como o Arizona.
Dan Baum
PA R A FORMA R O ESTUDA NTE D O S ÉCULO 2 1
57
57 Uma nova visão para exames
Muitas vezes avaliações escolares aumentam a ansie-
dade e atrapalham o aprendizado. Uma nova pesquisa
mostra como reverter essa tendência.
Annie Murphy Paul
SE Ç ÕE S

5 Carta do editor
7 6 Cartas
C IÊNC IA EM PAUTA
07 Médicos, armas e balas perdidas
Leis que impedem médicos de discutir a posse e
a segurança de armas de fogo com pacientes são
prejudiciais à saúde pública.
Pelo Conselho de Editores da Scientific American
FÓRUM
8 Caubóis do espaço
Chauvinismo corrompe nos EUA a retórica sobre
voos espaciais tripulados.
Linda Billings
9 Avanços
15 Memória
C IÊNC IA DA S A ÚD E
18 Balé e vertigem
9 Pesquisas com bailarinos podem ajudar a desenvolver
novas tentativas para amenizar problema que atormenta
milhões de pessoas durante anos.
David Noonan
TEC NOLOGIA
20 A geração da tela sensível ao toque
Os dispositivos móveis estão prejudicando as crianças?
A ciência avalia.
David Pogue
OBS ERVATÓRIO
21 A teoria da relatividade métrica
Cada corpo tem sua geometria particular na qual ele é
um corpo livre de ações externas.
Mario Novello
D ES A FIOS D O COS MOS & C ÈU D O MÊS
22 A caçada às ondas gravitacionais
23 Eclipse lunar total será visível em todo o Brasil
22 Salvador Nogueira
C IÊNC IA EM GRÁ FICO
66 Bactéria resistente no estômago
Uma cepa difícil de combater a Shigella fincou
âncora nos Estados Unidos.
Rebecca Harrington
OS 2
DIN OSSAUR
ESPECIAL
EDIÇÃO
IÇÃO ESPE
CIAL DIN
OSSAUR
OS 1

.br
iam.com
www.sc

ESPECIAIS
AU
S ER R OSS SAURO
DBIN O SES VA D O S
EM P R
E
NORTE
CHAS DO
Continuam à venda pela internet os dois volumes de “Dinossauros”, artigos sobre os desafios climáticos en- mister oso
Assassino cova coletiva,
produziu es de anos
EM RO ESTE DO BRA
NORD
SIL

há 70 milhõ

edição especial da Scientific American Brasil. Entre os artigos, há o frentados por dinossauros da Austrália, China prese
de seus
em dese
Armadilha rva o estilo
antigos
rto da

ocupantes
m
s questiona os
Paradoxo primeiro — 2 9

penas?
16 95

o que veio I SN

ou suas
que demonstra a relação entre as alterações causadas pelo nascimento as descobertas recentes de sangu pássaros
Sangue
emer ge de rocha
teoria sobre
e questiona o orgânica
espaço
para os
titãs
Nº 65 R$
13,90 € 4,50

a fossilizaçã
ntico abriu
do Atlâ
Formação
do Oceano Atlântico e a preservação dos fósseis na região equatorial bra- desses animais e ainda o possível conv I SN
16 9
22 9

N º 64 R$
13,90 € 4,50

sileira. Na Bacia do Araripe, em Pernambuco, as condições de mineraliza- vio entre eles e aves. Estudos sobre a
ção especialmente favoráveis de espécimes animais têm permitido obser- evolução das penas e um relato da história da paleontologia no Brasil
var detalhes da paleofauna. Mas a região convive com o comércio clan- também fazem parte da edição, que pode ser adquirida na Loja Segmen-
destino de fósseis que ameaça os esforços de conhecimento. Há também to. Basta entrar no site site http://www.lojasegmento.com.br
CARTA DO EDITOR
$Dùà `Ÿ¹ 5ù‡D´Ÿ é editor
da SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL.

Quem não somos nós?

A
propensão geneticamente deter- rir, sua abordagem não consiste em legiti-
minada para a cooperação é uma mar deuses e crenças. A obra, na verdade,
hipótese considerada já há algum percorre os avanços de áreas do conheci-
tempo por estudiosos da evolu- mento essenciais para a evolução humana
ção humana para explicar como nossa espé- – entre elas a paleontologia, a genética, as
cie conseguiu se expandir para todo o plane- neurociências e a psicologia evolutiva —
ta. O artigo do paleoantropólogo Curtis para compreender as condições de origem
Marean, da Universidade Estadual do Arizo- da religião e sua função no contexto do
na, destacado na capa da presente edição de desenvolvimento e da manutenção de
Scientific American Brasil, apresenta um comportamentos de altruísmo e de reci-
dos mais recentes desdobramentos dessa procidade essenciais para a preservação do
hipótese, que é sua vinculação à consistente Homo sapiens. Esse modelo explicativo
conjectura referente à habilidade desenvol- não tem como consequência o que poderia
vida pelo Homo sapiens para produzir lan- ser chamado de propensão humana para a
ças, dardos, flechas e outras armas de arre- religião, que tornaria o ateísmo pratica-
JON FOSTER

messo. O autor, que também é diretor mente impossível. Na verdade, trata-se de


associado do Instituto de Origens Humanas compreender a configuração evolutiva,
em sua universidade, atuou durante muitos anos em sítios paleon- assimilada geneticamente em nossa estrutura psíquica, relacio-
tológicos no litoral da África do Sul, região que cada vez mais tem nada a esses comportamentos que são essenciais para a fé.
sido apontada como palco de uma etapa decisiva do desenvolvi- Uma excelente e sintética apresentação em português dessa
mento das habilidades cognitivas de nossa espécie. obra de Hinde foi feita pelo físico Eduardo Rodrigues Cruz,
Entre as hipóteses apresentadas anteriormente sobre a coo- professor de ciências da religião da Pontifícia Universidade Ca-
peração, vale destacar o trabalho desenvolvido no final do século tólica de São Paulo, em seu livro A persistência dos deuses (Edi-
20 pelo etólogo britânico Robert Hinde, professor de neurociên- tora Unesp, 2004).
cia comportamental da Universidade de Cambridge, cuja abor- Enfim, da mesma forma que para Marean, para Hinde a coope-
dagem é certamente não só compatível, mas também comple- ração foi decisiva para nossa espécie ter sobrevivido. Ambos os tra-
mentar à tese de Marean, apesar de ter sido formulada em outro balhos são importantes para sabermos quem somos nós. Ao levar
contexto. Em 1999 esse pesquisador consolidou e divulgou seus em consideração esses e outros fatores evolutivos que foram essen-
estudos sobre o tema em seu livro Why gods persist: a scientific ciais para chegarmos aonde chegamos, torna-se cada vez mais
approach to religion (“Por que os deuses persistem: uma aborda- importante compreender melhor outros hominídeos que desapa-
gem científica da religião”, em inglês). Nessa obra, o autor ressal- receram e hoje sabemos não terem sido nossos ancestrais , como
ta que as chamadas “características psicológicas panculturais” os neandertais. Como bem disse o paleoantropólogo espanhol
são biologicamente adaptativas. Juan Luis Arsuaga em seu livro O colar do neandertal (Editora
Diferentemente do que o título do livro de Hinde possa suge- Globo, 2005), “quem não somos nós?”.

ALGUNS COLABORADORES
´´Ÿy $ùàÈ›Ă 0Dù¨ é colaboradora frequen- D´
Dù® é escritor; sua obra mais recente é "yy
Ÿ¨¨Ÿ´‘å é editor associado da IY_[dj_ÒY $DàŸ¹ %¹ÿy¨¨¹ é pesquisador emérito do
te do The New York Times, e das revistas Time Gun guys: A road trip. Ex-redator da equipe da American. Ele é autor de Five billion years of Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
e Slate. É autora de The cult of personality revista The New Yorker, já fez reportagens em solitude: The search for life among the stars
testing e de Origins, que foi incluído na lista cinco continentes. (Current/Penguin Group, 2013). $Î ›Dà¨yå "ŸUyà®D´ é professor de otologia
dos 100 Livros Notáveis de 2010 do The New e laringologia na Escola de Medicina de
York Times. DÿŸm %¹¹´D´j autor de “Epidemia não tão "Ÿ´mD
Ÿ¨¨Ÿ´‘å tem doutorado e faz Harvard e diretor dos Laboratórios Eaton-Pea-
silenciosa”, 3`Ÿy´ïŸŠ` ®yàŸ`D´
àD埨, ed. pesquisas sobre ciência das comunicações body no Hospital de Olhos e Ouvidos de
ùàïŸå =Î $DàyD´ é professor da Escola de 158, julho de 2015, é escritor freelance em Washington, D. C. Escreve sobre história Massachusetts.
Evolução Humana e Mudança Social da especializado em ciência e medicina. de astrobiologia, voos espaciais tripulados e
Universidade Estadual do Arizona, onde operações de relações públicas da Nasa. 3D¨ÿDm¹à %¹‘ùyŸàD é jornalista de ciência
também é diretor associado do Instituto de DÿŸm 0¹‘ùy é colunista-âncora do Yahoo Tech especializado em astronomia e astronáutica.
Origens Humanas. e apresentador das minisséries NOVA na PBS.

www.sciam.com.br 5
CARTAS REDACAOSCIAM@EDITORASEGMENTO.COM.BR
Michael Moyer, George Musser,
Gary Stix, Kate Wong
Agosto 2015 www sc am c m br

DESIGN DIRECTOR: Michael Mrak


Brasil
DO LOBO AO CÃO ANO 13 | no 159
59 | R$ 13,90
3 90 | Portugal
Po tugal € 4,90
4 0
PHOTOGRAPHY EDITOR: Monica Bradley
PRESIDENTE Edimilson Cardial PRESIDENT: Steven Inchcoombe
Adorei o artigo “Do lobo ao cão” , da edição de EXECUTIVE VICE-PRESIDENT: Michael Florek
DIRETORIA Carolina Martinez,
agosto [159]. São impressionantes os aspectos evoluti- Marcio Cardial, Rita Martinez e

5
SCIENTIFIC AMERICAN ON-LINE

6
Rubem Barros

7
76
vos apresentados nessa matéria.

7
DO LOBO AO CÃO Visite nosso site e participe de
Mariana Salles, São Bernardo do Campo (SP), por e-mail
Novas pistas sobre como o melhor amigo do homem
evoluiu a partir de uma espécie feroz e selvagem

MATEMÁTICA
A luta para um teorema
ENERGIA
Subst tuto do s lício
ASTROFÍSICA
Matéria escura pode
ANO 14 – Nº 160 nossas redes sociais digitais.
gigantesco não se tornar
ncompreensível
promete cé ulas solares
­Džä UDßDîDä x x‰`žx³îxä
ser ma s estranha do que
ísicos imaginam
SETEMBRO DE 2015 www.sciam.com.br
ISSN 1676979-1 www.facebook.com/sciambrasil
EDIÇÃO 159 www.twitter.com/sciambrasil
TAMANHO DAS LETRAS  
DIRETOR EDITORIAL Rubem Barros
Muito oportunas, tanto a sugestão do prof. William Daher [carta pu- EDITOR Maurício Tuffani REDAÇÃO
blicada na ed. 159], quanto a decisão da Editora em aumentar o corpo da EDITOR DE ARTE  João Marcelo Simões Comentários sobre o conteúdo
ESTAGIÁRIA Jullyanna Salles (redação) editorial, sugestões, críticas às
letra da Scientific American. Também sou leitor assíduo da publicação, COLABORADORES Luiz Roberto matérias e releases.
Malta e Maria Stella Valli (revisão); redacaosciam@editorasegmento.com.br
e já estava notando cansaço visual. Espero que a mudança permaneça. Aracy Mendes da Costa, Marcio G. tel.: 11 3039-5600
Eduardo Higino da Silva Filho, Recife (PE), por e-mail B. Avellar, Regina Cardeal, Suzana fax: 11 3039-5610
Schindler (tradução)
CARTAS PARA A REVISTA
LUZ DO UNIVERSO PROCESSAMENTO DE IMAGEM  SCIENTIFIC AMERICAN:
Paulo Cesar Salgado Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
Sou graduando em física pela Universidade Federal de Itajubá e me PRODUÇÃO GRÁFICA  São Paulo/SP – CEP 05421-001
sinto absolutamente encantado pela revista. E sou sincero quando digo Sidney Luiz dos Santos Cartas e mensagens devem trazer
  o nome e o endereço do autor. Por
que o artigo “Toda a Luz que Sempre Existiu”, da edição de julho [ed. PUBLICIDADE E PROJETOS ESPECIAIS razões de espaço ou clareza, elas
158], é maravilhoso, me senti fascinado com a abordagem da medição GERENTE Almir Lopes poderão ser publicadas de forma
almir@editorasegmento.com.br reduzida.
da luz extragaláctica de fundo utilizando a radiação gama emitida por
ESCRITÓRIOS REGIONAIS: PUBLICIDADE
blazares. Parabéns aos pesquisadores e à equipe de edição! Brasília – Sonia Brandão Anuncie na Scientific American
Daniel Ferreira, Itajubá (MG), por e-mail (61) 3225-0944/ 3321-4304/ 9973-4304 e fale com o público mais
sonia@editorasegmento.com.br qualificado do Brasil.
Paraná – Marisa Oliveira almir@editorasegmento.com.br
Sou licenciado em física pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (41) 3027-8490/9267-2307
parana@editorasegmento.com.br CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR
(UVA), professor da rede estadual do Ceará, representante da Olimpía- Para informações sobre sua
da Brasileira de Astronomia e Astronáutica pela EEM Maria Menezes TECNOLOGIA assinatura, mudança de endereço,
GERENTE Paulo Cordeiro renovação, reimpressão de
Cristino, assinante de Sciam Brasil desde 2009 e leitor desde 2005. O ANALISTA PROGRAMADOR  boleto, solicitação de reenvio de
Diego de Andrade exemplares e outros serviços
artigo “Toda a Luz que Sempre Existiu” mostra o quanto é grande a
curiosidade do homem que o faz mergulhar através de imensidões es- MARKETING/WEB São Paulo (11) 3039-5666
DIRETORA Carolina Martinez De segunda a sexta das 8h30 às 18h,
paciais e temporais até os confins do Cosmos para descobrir seus misté- GERENTE Fabiana Gama atendimento@editorasegmento.com.br
rios Parabéns a todos que fazem a revista. EVENTOS Lila Muniz www.editorasegmento.com.br
DESENVOLVEDOR Jonatas Moraes Brito
Paulo Souza, Coreaú (CE), por e-mail ANALISTAS WEB Lucas Carlos Lacerda Novas assinaturas podem ser
e Lucas Alberto da Silva solicitadas pelo site
COORDENADOR DE CRIAÇÃO www.lojasegmento.com.br
CORREÇÕES E DESIGNER Gabriel Andrade  ou pela CENTRAL DE ATENDIMENTO
Excelente o artigo “O Incrível Cérebro Adolescente” publicado na edi- AO LEITOR
ASSINATURAS
ção de julho [158]. Apenas um pequeno detalhe: na teoria dos grafos, o GERENTE Mariana Monné Números atrasados podem ser
VENDAS AVULSAS Cinthya Müller  solicitados à CENTRAL DE
termo “edge” , em inglês, é traduzido como “aresta” e não “borda”, como EVENTOS ASSINATURAS ATENDIMENTO AO LEITOR pelo e-mail
aparece no texto. Arestas representam as ligações entre dois vértices. Ana Lúcia Souza atendimentoloja@editorasegmento.
VENDAS GOVERNO Cláudia Santos  com.br ou pelo site
Renato Tinós, Ribeirão Preto (SP), por e-mail VENDAS TELEMARKETING ATIVO www.lojasegmento.com.br
Cleide Orlandoni
MARKETING
Caros amigos, na edição de julho acredito haver um erro na Carta ao FINANCEIRO Informações sobre promoções,
Editor na grafia do hormônio do amor. O correto seria “ocitocina” ou COORDENADORA Melissa Ramos eventos, reprints e projetos especiais.
CONTAS A PAGAR Simone Melo  marketing@editorasegmento.
“oxitocina”, e não “citoxina”. O novo design ficou muito melhor e mais FATURAMENTO Weslley Patrik com.br
RECURSOS HUMANOS Cláudia Barbosa  
agradável de ler. Parabéns pelo excelente trabalho. Vocês são reforma- PLANEJAMENTO Roseli Santos EDITORA SEGMENTO
dores sociais. CONTAS A RECEBER Viviane Carrapato Rua Cunha Gago, 412 – 1o andar
São Paulo/SP – CEP 05421-001
Diego Adão Fanti Silva, São Paulo (SP), por e-mail SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL é www.editorasegmento.com.br
Nota da Redação: Agradecemos pela atenciosa colaboração do pro- uma publicação mensal da Editora
Segmento, sob licença de Scientific Distribuição nacional: DINAP S.A.
fessor Renato Tinós, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ri- American, Inc. . Rua Kenkiti Shimomoto, 1678.
beirão Preto, da USP, e do médico Diego Adão Fanti Silva, da Universi- SCIENTIFIC AMERICAN INTERNATIONAL IMPRESSÃO Edigráfica
dade Federal de São Paulo. O nome do hormônio foi corretamente grafa- EDITOR IN CHIEF: Mariette DiChristina
EXECUTIVE EDITOR: Fred Guterl
do como “oxitocina” na pág. 33, mas não notamos a alteração do mesmo MANAGING EDITOR: Ricki L. Rusting
termo pelo corretor ortográfico na Carta do Editor. CHIEF NEWS EDITOR: Philip M. Yam
SENIOR EDITORS: Mark Fischetti,
Christine Gorman, Anna Kuchment,
POR RESTRIÇÃO DE ESPAÇO, A REDAÇÃO TOMA A LIBERDADE DE ABREVIAR CARTAS MAIS EXTENSAS. $662&,$d®2 1$&,21$/ '( (' 725(6 '( 5(9,67$6

6 Scientific American Brasil | Setembro 2015


CIÊNCIA EM PAUTA PELOS EDITORES
Opinião e análise do Conselho Editorial da 2_w²íˆ_ Ĉ¬wޝ_C²

assinou a lei da Privacidade dos Portadores de Armas, que


autorizava os pacientes a entrar com queixa contra o Esta-
do se entendessem que os médicos estavam sendo muito
enxeridos. Robert Young, do grupo Médicos pela Proprie-
dade Responsável de Armas, que apoiou a lei, afirmou:
“Muitos cidadãos da Flórida já tiveram más experiências
com médicos que os aconselharam a se livrar de suas
armas de fogo, quando muitos pacientes que possuem e
usam armas sabem que isso não está correto”. E acrescen-
tou que “muitos donos de armas também temem pela cria-
ção de bases de dados de proprietários porque isso poderia
ser mais um passo para facilitar o confisco, no futuro”.
Os médicos da Flórida contra-atacam afirmando que a
lei os priva de seu direito constitucional, que a Primeira
Emenda garante, de liberdade de expressão e que essa pri-
vação os impede de ajudar os pacientes. Essa objeção con-
ta com o apoio da Associação Médica Americana e outros grupos
Médicos, armas e de médicos. A Primeira Emenda tem papel importante nisso: um
juiz que ouviu o caso observou que tribunais têm afirmado reitera-

balas perdidas damente que a comunicação livre e aberta entre médico e paciente
é essencial para a medicina e o bem comum. (O juiz também
comentou que, ao criar a lei, legisladores da Flórida se basearam
Leis que impedem médicos de discutir a em relatos informais e não em dados ou estudos concretos.)
É dever de médicos oferecer aconselhamento não apenas sobre
posse e a segurança de armas de fogo com regimes e exercícios, mas também sobre prevenção de acidentes
pacientes são prejudiciais à saúde pública relacionados ao uso de embarcações, bicicletas e motocicletas,
observou Stuart Himmelstein, num processo judicial, quando foi
Nós, nos EUA, nos queixamos de que nossos médicos não diretor do Conselho Regional de Medicina da Flórida. Aconselhar
conhecem seus pacientes: consultas médicas no consultório um motociclista a usar capacete não é diferente de aconselhar um
duram poucos minutos, as conversas são rápidas e exames de alta dono de arma de fogo a guardá-la em segurança. Comportamento
tecnologia substituem a interlocução. Agora, perversamente, um seguro com armas se refletirá na saúde, não só de seus proprietá-
estado aprovou uma lei que proíbe expressamente os médicos de rios: segundo um estudo publicado no JAMA Pediatrics em 1996,
fazer certas perguntas sobre saúde ou estilo de vida dos pacientes. 89% dos ferimentos acidentais associados a armas de fogo com
As questões se referem a uso de armas e segurança. Este ano o crianças acontecem em casa, geralmente quando um jovem apanha
Tribunal de Apelações da 11ª Jurisdição dos EUA ouviu o argumen- uma arma carregada sem a devida atenção de pessoas autorizadas.
to do estado da Flórida de que médicos não podem perguntar ao Preocupações de que médicos poderiam criar bases de dados
paciente se ele é dono de algum tipo de arma — inclusive questões de donos de armas também são descabidas; eles já são explicita-
de segurança e acesso a crianças — a menos que acreditem que mente proibidos de manter registros desse tipo por uma lei federal
essa informação será relevante para o atendimento do paciente. Se sobre assistência médica economicamente acessível.
a lei for aprovada, médicos não poderão conversar com pacientes O processo sobre as leis da Flórida, que se chamou “Médicos vs.
sobre uma das maiores ameaças à saúde pública nos EUA — armas Glock”, tem circulado por vários tribunais nos últimos anos, com
de fogo estavam envolvidas em mais de 11 mil homicídios, 21 mil alguns juízes cumprindo a lei e outros a contrariando. Enquanto
suicídios e 500 mortes acidentais em 2013, segundo os Centros de isso, Indiana e Texas examinaram suas próprias versões no último
Prevenção e Controle de Doenças dos EUA. Excluir esse tópico das trimestre. A 11ª Jurisdição deveria seguir as evidências e derrubar
conversas entre médico e paciente é um passo perigoso. a lei da Flórida este ano, uma atitude que poderia evitar que outros
A posse de arma de fogo nos EUA é um direito protegido por legisladores se intrometessem entre pacientes e seus médicos.
lei, na Segunda Emenda da Constituição. Em 2011 o governador da Ninguém quer tirar direitos constitucionais dos donos de
Flórida, Rick Scott, e a Assembleia Legislativa do estado entende- armas. Mas a Segunda Emenda não protege nem eles, nem pes-
ram que esse direito estava sendo infringido por médicos. Scott soas inocentes de balas.

Ilustração de Thomas Fuchs www.sciam.com.br 7


FÓRUM LINDA BILLINGS

Fronteiras da ciência comentadas por especialistas


"Ÿ´mD
Ÿ¨¨Ÿ´‘åtem doutorado e faz pesquisas sobre
ciência das comunicações em Washington D. C. Ela
escreve sobre história de astrobiologia, voos espaciais
tripulados e operações de relações públicas da Nasa.
Possui um blog em http://doctorlinda.wordpress.com

Eu ouvi uma autoridade da Casa Branca defender a ideia de


uma industrialização em larga escala da Lua como “uma visão de
longo prazo fenomenalmente inspiradora” para o programa espa-
cial. Aberta só para convidados em fevereiro, em Washington, a
Cúpula Nacional sobre Pioneirismo Espacial rendeu uma declara-
ção de que “o objetivo de longo prazo do programa de voo e explo-
ração espacial tripulado dos EUA é expandir a presença humana
permanente além da órbita baixa da Terra e fazer isso para permi-
tir a colonização humana e uma próspera economia espacial”. Um
dos grupos participantes da reunião, o Tea Party in Space, defende
a “aplicação dos princípios fundamentais de responsabilidade fis-
Ilustração de Ross MacDonald

cal, governo limitado e mercados livres para a rápida e permanen-


te expansão da civilização americana na fronteira espacial”.
A retórica importa. Mais de 30 anos de observações próprias,
juntamente com resultados de pesquisas de opinião pública em
tantos anos, indicam que a comunidade de defensores da explora-
ção humana dos EUA é predominantemente branca e masculina.
A retórica da conquista e exploração de fronteiras pode atrair essa

Caubóis do espaço faixa demográfica, mas duvido que exerça um fascínio mais amplo.
As mulheres constituem metade da população mundial. A
maioria da população da Terra não é norte-americana, europeia ou
Chauvinismo corrompe nos EUA a retórica “branca”. Em meus muitos anos de críticas à ideologia conhecida
sobre voos espaciais tripulados desde o século 19 nos EUA como Destino Manifesto, pessoas de
outros países me disseram reiteradas vezes como a retórica dessa
Na história dos voos espaciais tripulados dos EUA, uma retóri- crença os deixa desconcertados, quando não ofendidos.
ca tipicamente norte-americana, baseada no ideário do destino Outras nações exploradoras do espaço adotam uma postura
expansionista, tem dominado o discurso público e oficial. Tome-se mais pragmática em seus projetos. No prefácio do Catálogo Espa-
como exemplo a Space Frontier Foundation, grupo sem fins lucra- cial Europeu 2015, Jean-Jacques Dordain, diretor-geral da Agência
tivos “dedicado à abertura das fronteiras do espaço à colonização Espacial Europeia, escreveu que o objetivo do órgão é “manter seu
o mais rapidamente possível... criando uma vida mais livre e prós- papel como uma das principais instituições espaciais do mundo,
pera para cada geração com o uso dos recursos materiais e energé- com foco nas relações-chave com seus parceiros e na eficiência”. O
ticos ilimitados do espaço”. Essa retórica revela uma ideologia slogan da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão é “explo-
sobre os voos espaciais – a crença no direito da nação de expandir rar para alcançar”, expressando sua “filosofia de se tornar uma
seus limites, colonizar outras terras e explorar seus recursos. agência para alcançar uma sociedade segura e afluente”.
Essa ideologia se baseia em alguns pressupostos sobre o papel Em um momento em que os Estados Unidos precisam cons-
dos EUA na comunidade global e o caráter nacional norte-ameri- truir parcerias sustentáveis com outros países para continuar ex-
cano. Segundo ela, o país precisa continuar sendo o “número um” plorando o espaço, “EUA, Número Um!” não é uma boa maneira
na comunidade mundial, desempenhando o papel de líder políti- de iniciar conversações produtivas. Em um estudo de 2012, Jac-
co, econômico, científico, tecnológico e moral, disseminando o ques Blamont, diretor fundador da agência espacial francesa
capitalismo democrático. A metáfora da fronteira, com sua ima- CNES, argumentou que as pessoas estão perdendo o interesse na
gem associada ao pioneirismo na demarcação de terreno, cultivo e exploração tripulada do espaço “porque países exploradores e, so-
domesticação, se agiganta dentro desse sistema de crenças. bretudo, os EUA se apegaram a modelos de pensamento ultrapas-
A retórica da viagem espacial humana fortalece a concepção sados da Guerra Fria. A atitude de o país ‘comandar’ seus parcei-
do espaço sideral como um lugar livre e recursos ilimitados – uma ros internacionais não vai mais funcionar”. Está na hora de os de-
fronteira espacial. De John F. Kennedy a Barack Obama, os presi- fensores dos voos espaciais tripulados reexaminarem sua retórica
dentes dos EUA abraçaram essa retórica de conquista e expansão. – para refletir sobre o que essas palavras significam para a vasta
Da mesma forma o fizeram administradores da Nasa, membros maioria das pessoas que não são americanas, brancas, do sexo
do Congresso e comissões de especialistas ao longo das décadas. masculino nem estão interessadas em se mudar para Marte.

8 Scientific American Brasil | Setembro 2015


AVANÇOS
Conquistas em ciência, tecnologia e medicina

Terremotos no Himalaia (fotos acima) poderiam romper barragens e levar a cenários


catastróficos como os vistos em 2013 no povoado indiano de Kedarnath, quando as
chuvas de monções levaram uma represa a transpor suas margens (fotos abaixo).
G EOLOGI A
cerca de 200 metros de altura que se aba-

Desastre à vista no Himalaia teria violentamente sobre duas pequenas


cidades. Ao todo, a inundação afetaria seis
centros urbanos com uma população com-
China e Índia, os países mais populosos do mundo, constroem centenas
binada de dois milhões de pessoas.
de barragens em uma zona geológica violentamente ativa
LORENZO MOSCIA Redux Pictures (acima, à esquerda); BULENT DORUK Getty Images

De fato, modelos sismológicos mostram


(acima, à direita); GETTY IMAGES (abaixo, à esquerda); CORBIS (abaixo, à direita)

No início deste ano, terremotos no mente ativa do Himalaia, porém muitas que terremotos mais poderosos possivel-
Nepal destruíram milhares de edifícios, provavelmente não são nem foram proje- mente abalarão o Himalaia nas próximas
mataram mais de 8.500 pessoas e feriram tadas para resistir aos piores terremotos décadas. O subcontinente indiano está se
outras centenas de milhares. Os sismos, de que poderiam atingir a região, de acordo empurrando à razão de 1,8 metro por sécu-
magnitude de 7,8 e 7,3 na Escala Richter, com vários sismólogos e engenheiros civis. lo sob o planalto do Tibete, mas encontra
também danificaram ou provocaram Se uma dessas barragens ceder, reservató- resistência e fica “preso” regularmente;
rachaduras em diversas hidrelétricas, des- rios enormes, do tamanho de lagos, pode- quando a obstrução cede, uma parte da
tacando outro perigo iminente: o rompi- riam se esvaziar sobre povoados e cidades placa tectônica tibetana avança alguns
mento de barragens. Mais de 600 dessas rios abaixo. Um colapso da barragem de metros para o sul e libera a energia acu-
massivas estruturas foram construídas ou Tehri, na região central do Himalaia, por mulada em um terremoto. Os abalos sís-
estão em algum estágio de construção ou exemplo, construída sobre uma falha geo- micos no Nepal também desestabilizaram
planejamento na cordilheira geologica- lógica, liberaria um paredão de água de a região a oeste, observa Laurent Bollinger,

www.sciam.com.br 9
AVANÇOS

sismólogo na Comissão de Energia Atômi-


ca e Energias Alternativas (CEA) da Fran- A barragem de Tehri,
ça. Essa instabilidade geológica provavel- na Índia, bloqueia o
Rio Bhagirathi, um dos
mente acabará produzindo mais cedo que
principais afluentes
tarde um grande terremoto, definido como
do Ganges.
um sismo de magnitude de 8,0 ou mais.
Outros estudos indicam que os terremotos
recentes só liberaram uma pequena fração ções para padrões estruturais. A Probe abaixo do padrão ou se desviem dos parâ-
do estresse, ou da pressão desta falha geo- International, uma organização de pesqui- metros obrigatórios. Um estudo de 2011,
lógica, que deverá se acomodar com abalos sa ambiental canadense, relata que os pro- publicado na Nature, concluiu que a esma-
de magnitude igual ou maior. “Não se jetistas da hidrelétrica chinesa das Três gadora maioria das mortes decorrentes do
pode prever se eles irromperão agora [com Gargantas se basearam “na interpretação colapso de construções em terremotos
magnitude] 8 ou se esperarão mais 200 mais otimista possível” de abalos sísmicos. ocorre em países corruptos. (A Scientific
anos para então explodir com 8,7”, salienta Da mesma forma, a barragem de Tehri, na American integra a Springer Nature.)
Vinod K. Gaur, sismólogo do Instituto Índia, nunca passou por simulações realis- Escândalos envolvendo projetos de
CISR Fourth Paradigm (CSIR-4PI, em tas, de acordo com Gaur, que atuou em seu hidrelétricas agitaram tanto a Índia quan-
inglês), em Bangalore, na Índia. comitê de supervisão, juntamente com o to a China, ao ponto de que o ex-premiê
Essas regiões sismicamente ativas se engenheiro civil R. N. Iyengar, anterior- chinês, Zhu Rongji, cunhou o sugestivo
localizam exatamente onde centenas de mente do Instituto Indiano de Ciência, em termo “construção tofu” para descrever
barragens de 15 metros ou mais estão em Bangalore. Cientistas e engenheiros asso- um dique defeituoso.
construção ou planejamento; a maioria ciados ao governo alegam que a estrutura Um pequeno grupo de cientistas assu-
para fornecer energia hidrelétrica à Índia de Tehri pode sobreviver a um terremoto miu a liderança dos argumentos em prol
ou à China. Qualquer estrutura que esteja de magnitude 8,5, mas especialistas inde- de avaliações realistas e explícitas para
sendo erguida nesse boom financiado pelo pendentes não são tão otimistas. Qualquer proteger a população da região, embora
governo, assim com as já concluídas, preci- uma de centenas de barragens poderia somente com sucesso limitado. Em uma
sa ser capaz de resistir ao forte tremor do correr o risco de se romper quando ocorrer ação judicial movida por ambientalistas
solo no caso de um terremoto extremo, o próximo grande abalo. contra a barragem de Tehri, a Suprema
adverte Martin Wieland da Comissão A corrupção local pode complicar ain- Corte da Índia apoiou cientistas do gover-
Internacional de Grandes Barragens, um da mais as coisas ao permitir que emprei- no por descartarem preocupações de segu-
grupo de engenheiros que faz recomenda- teiros utilizem, impunemente, materiais rança. E, em 2012, o sismólogo Roger
Bilham da Universidade do Colorado, em
Boulder, foi deportado do aeroporto de
B¹´Då my àùÈïùàD my ïà{å ïyàày®¹ï¹å 埑´ŸŠ`DïŸÿ¹å Nova Délhi, em parte, segundo ele, por sua
(1905, 1934 e 1950) previsão indesejada de que o Himalaia
"D`ù´D å å®Ÿ`D
1905: Magnitude 7,9 pode sofrer um terremoto de magnitude
®È¹àïD´ïy †D¨›D ‘y¹¨º‘Ÿ`D
9,0. Bilham sustenta que, desde então, o

DààD‘y´å åy¨y`Ÿ¹´DmDå Ê`¹´`¨ù mDåj Èà¹È¹åïDåË
governo indiano tem desencorajado cola-
CHINA borações estrangeiras em sismologia.
1950: Magnitude 8,6
25 de abril de 2015: Por enquanto, tudo o que as partes
Barragem Magnitude 7,8 interessadas podem fazer é chamar a aten-
de Tehri
Kathmandu ção para o problema. “Luz solar é o melhor
N E PA L desinfetante”, diz Peter Bosshard da Inter-
BUTÃO national Rivers em Berkeley, na Califórnia.
ÍNDIA 12 de maio de 2015: “Sem escrutínio público, é muito mais fácil
Magnitude 7,3
escapar das consequências de optar pelo
HANS GEORG ROTH Corbis (acima)

1934: Magnitude 8,0 caminho mais fácil.” Em vista dos riscos,


BANGLADESH
será necessário mais que transparência ou
Sismólogos esperam futuros terremotos de magnitude 8,0 ou mais no Himalaia. O risco de “luz solar”: o próximo terremoto na área
grandes abalos é muito elevado em falhas geológicas não afetadas recentemente por terremo- pode resultar em um tsunami “feito pelo
tos. Um subconjunto de barragens é mostrado acima. homem”. —Madhusree Mukerjee

10 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Mapa de Terra Carta


PALAVRAS DE
SOBREVIVENTES

[Após o bombardeio de Hiroshima], decidi-


mos deixar a cidade. Nós nos refugiamos
em vinhedos. Como não havia alimentos,
`¸³äø­ž­¸äøþDäþxßlxäjx‰`D­¸ä`¸­
febre, diarreia e vômitos. Minha mãe pen-
sou que era disenteria. Agora acho que foi
por envenenamento radioativo... Muitas
O mundo testemunhou um nível de
Çxää¸DäþžßD­äxø䉧š¸ä­¸ßßxßlx§xø`x-
destruição nunca visto antes com o bom-
mia ou câncer muito jovens, na casa dos
bardeio nuclear de Hiroshima em 6 de
40 anos. Eu me preocupo comigo, e tam-
agosto de 1945.
Uy­`¸­­xø䉧š¸äxDäDùlxlx§xä. –
Tamiko Nishimoto tinha quatro anos quando
a bomba caiu a apenas 2,3 km de sua casa

E N E RG I A N UCL E A R Em 8 de agosto a bomba foi jogada em


Nagasaki. Eu trabalhava para o Estaleiro

GETTY IMAGES (vista aérea e nuvem em forma de cogumelo); AP PHOTO (vista do chão); ELIENE AUGENBRAUN (retratos de sobreviventes)
Relembrando a explosão Nagasaki. Às 11h02 parecia que havia um
grande sol ardente sobre o edifício. Cinco
ou seis segundos depois uma enorme
Sobreviventes dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki na 2ª Guerra
explosão sacudiu o prédio e lançou esti-
Mundial dão depoimentos por ocasião do 70º aniversário das detonações
lhaços de vidro por toda parte. As pesso-
as que estavam perto das janelas foram
Em agosto, há 70 anos, bombas atômicas dos EUA destruíram as cidades de Hiroshima atingidas por vidro. Elas tinham tantos
e Nagasaki, matando cerca de 200 mil japoneses no até agora único uso bélico de armas buracos nelas que pareciam romãs... Mui-
nucleares do mundo. Muitos dos que sobreviveram às explosões iniciais morreram pouco tas pessoas se moviam laboriosa e lenta-
após ferimentos, queimaduras e doenças provocadas pela radiação. A escala da destruição mente para a frente. Seus rostos estavam
gerou um debate persistente sobre se o uso dessas armas jamais seria justificável e até que tão queimados que pareciam bolas de
ponto cientistas são moralmente responsáveis por consequências de suas descobertas. rúgbi. Suas mãos estavam inchadas, e
Hoje há cerca de 22 mil bombas atômicas em pelo menos oito países, segundo a ONU. parecia que elas usavam luvas de beise-
Mais de 65 nações apoiam uma proibição mundial de armas nucleares. Muitos dos países U¸§ÍxäøDä…D`xäx­T¸äÇx³lžDÇx§x‹E-
que têm esses armamentos, inclusive os EUA, reduziram seus arsenais, embora conti- `žlDÍ1øD³l¸‰³D§­x³îx`šxøxžD¸­xø
nuem aprimorando sua tecnologia nuclear. dormitório em Urakami, ele estava com-
Vários hibakusha (sobreviventes da explosão), e seus familiares visitaram o escritório pletamente queimado, e todas as pesso-
da Scientific American em Nova York durante uma viagem para participar da conferên- as lá dentro tinham sido mortas.
cia 2015 de revisão do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1970. Ao lado, – Takamitsu Nakayama tinha 16 anos na
trechos editados da conversa traduzida por intérprete. —Clara Moskowitz ocasião do bombardeio

www.sciam.com.br 11
AVANÇOS

E N G E N H AR I A 1 Por que há mais câmara em busca de


matéria que antima- partículas de matéria
A câmara com o campo téria no Universo? escura “parecidas com

magnético mais fraco da Terra Os físicos observarão


se as propriedades
axônios”, que pode-
riam afetar os spins de
Cinco perguntas que ela poderia responder magnéticas de um alguns átomos.
nêutron se compor- 4 Como animais
Recentemente pesquisadores iniciaram experimentos em um recinto (abaixo) que tam de maneira uni- usam campos mag-
tem o campo magnético mais fraco em nosso Sistema Solar — e estão empolgados. forme na presença de néticos para se
Construída por físicos da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, a câmara campos elétricos orientar?
reduz a um milionésimo a intensidade de campos magnéticos ambientes, um aprimo- intensos e aqueles pre- Ao criar organismos
ramento 10 vezes superior a qualquer estrutura feita pelo homem, registrando até cisamente controla- em um ambiente com
menos atividade desse tipo que no vasto espaço vazio entre planetas. O isolamento, ou dos. Discrepâncias pouquíssima atividade
blindagem, da instalação consiste em camadas de um metal altamente magnetizável acentuadas no equilí- magnética, os pesqui-
que “prende”, ou captura campos magnéticos para que não consigam passar para o brio de partículas, sadores talvez consi-
interior da estrutura. Lá dentro podem ocorrer experimentos ultraprecisos, com interfe- como diferença de gam discernir se o uso
rência mínima dos efeitos da Terra. Portanto, a câmara oferece uma oportunidade única carga, poderiam indi- desses campos é uma
para investigar questões importantes em física, biologia e medicina. —Sarah Lewin car como ocorreu a característica aprendi-
assimetria entre maté- da ou inata.
ria e antimatéria. 5 O que o magne-
2 Monopolos mag- tismo pode revelar
néticos existem? sobre a saúde
Se houver partículas humana?
com um único polo lá Qualquer espaço com
fora, elas poderão muito pouco ruído
atravessar o escudo magnético abre a pos-
CORTESIA DE ASTRID ECKERT Universidade Técnica de Munique

protetor da câmara. sibilidade de diagnós-


Sem interferência, ticos mais detalhados:
sensores registrariam a por exemplo, distin-
atividade magnética guir o campo magné-
ž³îx³äž‰`DlDÍ tico do coração de
3 Do que é feita a uma gestante do de
matéria escura? äxø …øîø߸ ‰§š¸ ÇDßD
Os pesquisadores pre- detectar
tendem monitorar a irregularidades.

G E NÉ TI C A
A boa notícia remonta às origens de cervejas tipo lager no

Atenção, cervejeiros lager! século 15. O fungo S. pastorianus teria sido cultivado após um
cruzamento acidental de duas outras espécies em uma caverna
Cientistas conseguem produzir novas leveduras fria e escura na Baviera, Alemanha, quando monges começaram a
praticar o “lagering”, ou armazenamento de cervejas. Na década
Cervejas tipo lager são sem graça. Quando você abre uma lata, de 80, cientistas identificaram um dos pais originais: S. cerevisiae,
saboreia o produto de cepas estreitamente aparentadas de Sac- a mãe de todas as leveduras usadas na panificação e produção de
charomyces pastorianus. Sua variedade genética empalidece em cerveja. O outro permaneceu desconhecido até 2011, quando Die-
comparação com o grupo pequeno, mas diverso, de leveduras go Libkind, microbiólogo da Argentina, identificou o fungo S.
usadas para produzir cerveja tipo ale e vinho, que resultam em eubayanus nas florestas da Patagônia como o elo perdido, que em
vários sabores. Lagers têm mantido sua aparência e sabor basica- estado selvagem não era bem adaptado para a fermentação
mente inalterados há séculos porque o cultivo de cepas com industrial de cerveja, mas sua descoberta abriu a possibilidade de
novas características de fermentação e sabores provou ser difícil; desenvolver novos cruzamentos de levedura. “Uma vez que o
os híbridos eram estéreis. Mas isso está prestes a mudar. eubayanus foi descoberto, as coisas de repente ficaram muito

12 Scientific American Brasil | Setembro 2015


COMPORTAM E N TO A N I M AL essas atividades”,
argumenta Holt, e
Podem me ouvir agora? animais que vivem
em ambientes rui-
¸§‰³š¸äِߞîD­ÚÇDßDäøǧD³îD߸ßøŸl¸lxUDß`¸ä
dosos, com alimen-
tos limitados, que
§ž`¦ƒ §ž`¦`§ž`¦žîā`§ž`¦`§ž`¦Í7³ššššÍ §žžžžžžžžž`¦ƒ7­¸§‰³š¸ dependem de sons
nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) tenta se comunicar com ami- para se comunicar, caçar
gos próximos, mas eles não conseguem escutar seus chamados. Há ou procriar podem não ser
navios demais na água fazendo barulho. CLICK! Para serem escuta- capazes de encontrar sustento
l¸äDÇxäDßl¸äßøŸl¸äÇ߸løąžl¸äÇx§¸š¸­x­jUD§xžDäx¸§‰³š¸ä äø‰`žx³îxÇDßD`¸­Çx³äDßDlž…x-
precisam, efetivamente, levantar suas vozes, o que fazem ao alterar a rença. O risco para a saúde é maior ainda para animais jovens e
frequência, amplitude ou duração de suas vocalizações, ou simples- fêmeas lactantes, que já precisam, naturalmente, de recursos ali-
mente ao repetirem sem parar seus chamados. Infelizmente, essa mentares adicionais para obter toda a nutrição de que necessitam.
alteração acústica também afeta a saúde dos animais. Os resultados foram divulgados nesta primavera boreal na publica-
Para descobrir como, a bióloga Marla M. Holt e seus colegas da cT¸`žx³îŸ‰`DJournal of Experimental Biology.
Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, em inglês) Ruídos subaquáticos criados pelo homem, tanto faz se são pro-
xäîølDßD­ø­ÇDßlx¸§‰³š¸ä³DߞąlxDßßD…Dl¸"DU¸ßDî¹ßž¸ vocados pela rotação das pás de um navio, pelo zumbido de um
Marinho Joseph M. Long da Universidade da Califórnia em Santa motor, o tilintar de uma construção ou pelos estrondos de explora-
Cruz. Os animais foram treinados para produzir uma vocalização ções sísmicas, fazem mais que forçar os odontocetos (subordem dos
discreta, de baixa amplitude, sob comando, assim como um chama- cetáceos que têm dentes) a erguer a voz. Outra pesquisa mostra
do de alta amplitude, 10 decibéis mais alta. Os pesquisadores moni- ÔøxUD§xžDäx¸§‰³š¸ääD§îD­Z…¸ßDlDEøD[jäxxߐøx­þxßîž`D§-
î¸ßDßD­¸`¸³äø­¸lx¸Āžz³ž¸l¸ä¸§‰³š¸äløßD³îx¸äl¸žäîžÇ¸ä mente para dar uma olhada nas redondezas (spy-hop, em inglês) e
de chamados e descobriram que quanto mais alta a vocalização, batem a cauda na superfície com mais frequência quando há
mais oxigênio necessitavam. embarcações por perto, e todas essas atividades sugam mais ener-
Em seguida, a equipe combinou suas observações de consumo gia. Sonares militares também perturbam a audição de cetáceos e
lx¸Āžz³ž¸`¸­lDl¸älx¸§‰³š¸ääx§þDx³äÇDßD`D§`ø§DßÔøD³îDä alteram seus comportamentos de mergulho, levando muito prova-
calorias a mais os animais precisariam consumir para compensar a velmente a doenças e encalhamentos.
energia que queimam ao fazerem chamados mais altos. As estimati- Agora, Holt e seus colegas querem investigar ações que podem
þDä­¸äîßD­Ôøx¸§‰³š¸ääx§þDx³äîxߞD­lx`¸³äø­žßløDä`D§¸- ser tomadas para mitigar efeitos de ruídos gerados por humanos em
rias nutricionais extra de peixes para cada dois minutos que passam ¸§‰³š¸ä x ¸øîßDä `ߞDîøßDä ­Dߞ³šDäj `¸­¸ xĀžžß Ôøx ³Dþž¸ä lxäD-

LEE ROGERS Getty Images


assobiando, clicando e guinchando para superar o ruído de barcos. celerem motores quando entram em um porto ou manter barcos de
Embora essa sobrecarga metabólica seja pequena, ela se soma (avo- observação de baleias a uma distância mínima dos mamíferos mari-
luma) com o tempo.“Para sobreviver e se reproduzir, você precisa nhos que procuram. Além disso, humanos não deveriam ser mais
DßD³îžß Ôøx îx­ `D§¸ßžDä äø‰`žx³îxä î¸l¸ä ¸ä lžDä ÇDßD äøäîx³îDß educados? Interromper uma conversa é rude. – Jason G. Goldman

interessantes”, observa Brian Gibson, que estuda leveduras de cer- mas talvez seja algo que nem sempre queremos.
veja no Centro VTT de Pesquisa Técnica da Finlândia, em Espoo. A ideia é ter toda uma gama de cepas, e você só
Amantes de cervejas lager agora podem brindar oficialmente seleciona e escolhe.” Agora, a busca voltou-se
porque Gibson e seus colegas recentemente registraram o sucesso para encontrar novas uniões de leveduras que
de recriar o antigo “caso” entre S. cerevisiae e S. eubayanus. “Ago- consomem açúcar com mais eficiência, criando
ra é possível produzir leveduras lager que são muito diferentes potencialmente cervejas menos calóricas.
umas das outras”, comemora Gibson. Todos os híbridos resultan- Gibson observa que desenvolver uma gran-
tes superaram seus pais, produzindo álcool mais depressa e em de variedade de cepas saborosas de lagers deve
concentrações mais elevadas, além de resultarem em produtos ser relativamente fácil, o que é favorável para as
mais saborosos, como foi documentado em um artigo no Journal cervejarias ainda não divulgadas que estão ado-
LEE ROGERS Getty Images

of Industrial Microbiology & Biotechnology. Em particular, eles tando os novos fermentos. De acordo com uma
produziram 4-vinil-guaiacol, o que resultou em sabores mais estimativa de 2012, cervejas tipo lager respon-
característicos de cervejas de trigo belgas. “As cervejas têm um dem por mais de 75% do mercado de cerveja dos
aroma que lembra cravo”, explica Gibson. “Isso é bem agradável, EUA. —Peter Andrey Smith

Ilustração de Thomas Fuchs www.sciam.com.br 13


AVANÇOS

REINO UNIDO NORUEGA


FAZENDO NOTÍCIAS 7® ¨DU¹àDïºàŸ¹ Dyà¹yåÈD`ŸD¨ y® 3ïyÿy´D‘yyåïE ´¹ ®yŸ¹ my 7®D†à¹ïDmy‹Ĉ®Ÿ¨`Dàà¹åy¨zïàŸ`¹åD‘¹àDïàD†y‘Dȹà
ù® Èà¹`yåå¹ my yāïyà® ´Ÿ¹ my ®Ÿ`à¹à‘D´Ÿå®¹å ȹà `D¨¹àj my yåïàDmDåmD%¹àùy‘Djù®D®yïDyåïŸÈù¨DmDÈy¨¹‘¹ÿyà´¹
Notas ïà{å ®yåyå my mùàDcT¹j y® ÈàyÈDàDcT¹ ÈDàDD `¹´åïàùcT¹ m¹
ā¹$Dàå 2¹ÿyà mD ‘{´`ŸD åÈD`ŸD¨ ùà¹ÈyŸDÎ ' ÿy `ù¨¹
yD¨`D´cDmDm¹ŸåD´¹åD´ïyåm¹ÈàyÿŸåï¹Î'åÿy `ù¨¹åmy
y®ŸååÇyåĆyà¹àyÈàyåy´ïD®ÕùDåy÷‹Ímyï¹m¹å¹å
rápidas à¹UºïŸ`¹ yåïE È๑àD®Dm¹ ÈDàD ȹùåDà ´¹ 0¨D´yïD <yà®y¨›¹
y® ÷ĈÀµj åy® `¹´ïD®Ÿ´D´ïyå ïyààyåïàyåj `¹®¹ åy yåÈyàDÎ
`Dàà¹åÿy´mŸm¹å´¹ÈD åj‘àDcDåDŸ´`y´ïŸÿ¹å`¹®¹
yåïD`Ÿ¹´D®y´ï¹‘àDïùŸï¹ y Ÿ®È¹åï¹ Ćy๠å¹Uày ÿy´mDåÎ

CAZAQUISTÃO
ESTADOS UNIDOS yåmy¦ù´›¹jù®Dm¹y´cD
7®DyÕùŸÈymy† åŸ`¹å myå`¹´›y`ŸmD¦E®Dï¹ù®DŸå
D®yàŸ`D´¹åyD¨y®Tyå myÀ÷Ĉ®Ÿ¨åDŸ‘DåjD´ï ¨¹Èyå
®ymŸùDàDmŸDcT¹ y®ŸïŸmD `àŸïŸ`D®y´ïyD®yDcDm¹åÕùy
ȹàù®ú´Ÿ`¹ y¨zï๴ ÿŸÿy®ȹàï¹mDDåŸD
¹àUŸïD´ïy Èy¨D ÈàŸ®yŸàD ÿyĆÎ y´ïàD¨j¹Õùy`¹ààyåȹ´myD
`yà`Dmy®yïDmymyåùD
FRANÇA
ȹÈù¨DcT¹‘¨¹UD¨Î
"y‘Ÿå¨Dm¹àyåÈDàŸåŸy´åyåyåïT¹àyÈàŸ®Ÿ´m¹D
ȹ¨ùŸcT¹å¹´¹àDÎ7®D´¹ÿDmyïyட´DcT¹i
DȨŸ`DcT¹myù®D®D´ïDDå†E¨ïŸ`DÈDàD ANTÁRTIDA
Ÿå¹¨D®y´ï¹D`úåïŸ`¹´Dà¹m¹ÿŸDÈyàŸ†zàŸ`D BRASIL ¨Ÿ®D﹨¹‘ŸåïDåD´D¨ŸåDàD®D
mD`ŸmDmyj¹ÕùyȹmyàŸDàymùƟà¹åàù m¹å 7®D`DàïDyå`àŸïDȹà ¨UyàåïyŸ´y®Àµ‹À†¹Ÿy´`¹´ïàDmDy® `¹®È¹åŸcT¹Õù ®Ÿ`Dmyù®D
y®éj‹my`ŸUzŸåÊyÕùŸÿD¨y´ïyDù®DàymùcT¹ ù®`¹†àyy®ù®Dyå`¹¨D¦yåù ïDy®0¹àï¹ ¨y‘àyÎŸàŸ‘Ÿ´m¹žåyD D®¹åïàDmyDàmy®Ÿ¨›ÇyåmyD´¹åmy
myù®åyāï¹m¹ïàE†y‘¹ËÎ D¨ù´¹åj¹¨DùàyDm¹%¹Uy¨yå`àyÿyùiÚ0y´åDàzÈDàD¹›¹®y®¹Õùy ŸmDmyj¹®DŸåD´ïŸ‘¹¦Eày`ùÈyàDm¹
ÿ¹DàzÈDàD¹åÈEååDà¹åÎ%T¹埑D®¹yāy®È¨¹myù®D‘D¨Ÿ´›D myU¹¨åÇyåD¨¹¦Dm¹åÈๆù´mD®y´ïy
ÕùD´m¹ÿ¹`{åȹmyàŸD®åyàù®D`¹ï¹ÿŸDÛÎ my´ïà¹myù®D‘y¨yŸàDÎ

M I C RO B I O LO GI A
Os usuários tinham cerca de três vezes a como a pressão que exercem sobre o olho,
Olhar proporção típica de bactérias Methylobacte- também poderiam estimular um crescimen-
rium, Lactobacillus, Acinetobacter e Pseudo- to bacteriano.
descontaminado monas. Embora os três primeiros microrga- žî¸îøl¸žää¸j¸äÇxäÔøžäDl¸ßxäžlx³îž‰
Lentes de contato determinam o nismos geralmente sejam inofensivos, Pseu- caram cerca de 10 mil cepas distintas de
que vive na superfície dos olhos domonas que penetram numa córnea bactérias em suas amostras. Conhecer a
arranhada podem resultar em uma infecção, comunidade microbiana precisa no olho de
Pessoas que usam lentes de contato mui- provocando vermelhidão, dor e visão turva. um paciente poderia ajudar médicos a tratar
tas vezes adquirem hóspedes microbianos Quando não tratada, essa condição pode infecções com antibióticos direcionados,
indesejáveis juntamente com a conveniên- levar à cegueira. Esses mesmos grupos bac- sugere Jack Gilbert, microbiólogo da Uni-
cia oferecida por esse auxílio visual. De fato, terianos tendem a existir inofensivamente versidade de Chicago, que não esteve envol-
a superfície dos olhos de usuários de lentes sobre a nossa pele, explica Lisa Park, da vido no estudo.
hospeda uma diversidade maior de bacté- %Í?Í7Íää¸䞐³ž‰`DÔøxx§xä­øžî¸Ç߸þDþx§ Para evitar infecções por completo, no
rias que a do pessoal dos “olhos nus”, de mente pegam uma carona nos dedos de entanto, usuários de lentes de contato deve-
D`¸ßl¸`¸­ø­xĀîx³äžþ¸x䅸ßc¸`§Dä䞉`D usuários durante o ato de inserir as lentes, riam seguir assiduamente as melhores práti-
tório de microbiólogos do Centro Médico sugerindo uma mudança instantânea no cas recomendadas com seus auxílios visuais:
Langone da Universidade de Nova York microbioma regional. lavar bem as mãos antes de manusear as
BURADAKI SHUTTERSTOCK

(N.Y.U.). Essa diferença talvez ajude a expli- Resultados adicionais do estudo susten- §x³îxäjøäDßä¸ß¸‰䞸§¹ž`¸…ßxä`¸ÇDßDšžžx
car por que os primeiros desenvolvem infec- tam essa conclusão: os pesquisadores cons- nizar e armazená-las e substituir os estojos,
ções oculares com uma frequência até sete tataram que a composição de bactérias que ou porta-lentes a cada três meses. Desse jei-
vezes maior do que teriam sem lentes. vivem sobre os olhos de pessoas que usam to, pelo menos, o “tapete de boas-vindas”
Em uma tentativa para mapear o micro- lentes descartáveis era mais semelhante à de para minúsculos e ameaçado-
bioma ocular, os pesquisadores sequencia- suas peles que entre pessoas que não preci- res hóspedes orbitais deveria
ram centenas de esfregaços (amostras) äD­lx§x³îxäÍÙä丳T¸yø­D`¸³xĀT¸lx‰ encolher. —
colhidos dos olhos e pálpebras de 11 pessoas nitiva”, salienta Park, “mas é muito intrigante.” Kat Long
que não usam lentes e de nove que as usam. As características físicas das próprias lentes,

14 Scientific American Brasil | Setembro 2015


50, 100 & 150 ANOS DE MEMÓRIA COMPILADO POR DANIEL C. SCHLENOFF
Inovações e descobertas narradas pela SCIENTIFIC AMERICAN

Setembro 1965 enquanto a cavalaria passava por ali’. Isso Setembro 1865
nunca teria acontecido em outras épocas,
Ascensão urbana pois as aves logo teriam apanhado todos Nitroglicerina
“Sociedades urbaniza- os grãos que tivessem sobrado no solo.” para explosão
das, nas quais a maioria “A glicerina, como
da população vive concen- Contra o mar todos nós sabemos, é um
trada em cidades e metró- “Em seus treze anos de existência, o princípio delicado deri-
poles, representam um novo e fundamen- grande muro de concreto da zona portuá- vado do petróleo, e intensamente usado
tal passo na evolução social do homem. ria de Galveston sofreu dois furiosos ata- como produto de higiene, mas agora pas-
Embora as primeiras cidades só tenham ques do mar varrido por furacões, mas o sou a ter uma aplicação de natureza bas-
surgido há cerca de 5.500 anos, eram quebra-mar resistiu perfeitamente. Na tante inusitada. Em 1847 Ascânio Sobre-
pequenas e rodeadas por uma maioria última tempestade o dano causado à cida- ro descobriu que a glicerina, quando tra-
esmagadora de habitantes rurais e facil- de foi principalmente na área comercial, tada com ácido nítrico, se convertia
mente permaneciam no status de vilarejos ao norte da Broadway, onde o plano de ele- numa substância altamente explosiva,
ou pequenas cidades. As sociedades urba- vação do nível nunca foi concretizado. O que ele chamou nitroglicerina. Ela é
nas atuais, por outro lado, não só forma- autor, a pedido do Tribunal de Comissários oleosa, mais pesada que a água, solúvel
ram aglomerações de dimensões nunca de Galveston, inspecionou a estrutura logo em álcool e éter e age tão poderosamente
antes atingidas, mas também mantinham após as duas grandes tempestades de 1909 no sistema nervoso que uma única gota
uma alta concentração populacional. No e 1915, e em nenhum dos casos encontrou depositada na ponta da língua provoca
entanto, esse desenvolvimento evolutivo qualquer avaria do quebra-mar, por menor dores de cabeça violentas que persistem
quer por sua velocidade, quer por ser um que fosse, embora pesadas toras e pedaços por várias horas. Esse líquido parece ter
fenômeno recente, nem sempre é muito de madeira tivessem passado por cima sido praticamente esquecido pelos quí-
apreciado. Antes de 1850, nenhuma socie- dele e danificado seriamente a avenida”. — micos, e somente agora Mr. Nable (sic —
dade poderia ser descrita como predomi- General-brigadeiro Henry M. Robert. Alfred Nobel), engenheiro sueco, teve
nantemente urbanizada, e por volta de O autor também escreveu Regras de Ordem de sucesso ao aplicá-la a um importante
1900 somente uma — a Grã-Bretanha — Robert, originalmente publicadas em 1876. ramo de sua arte, isto é, explosivos.”
poderia ser assim considerada. Atualmen-
te, após somente 65 anos, todas as nações Invenção sensacional(ista)
industriais são altamente urbanizadas.” “Senhores editores — Tenho a
ousadia de submeter para publica-
ção um projeto, para mim aparen-
Setembro 1915 temente simples e factível, mas
nunca submeti o experimento a tes-
Guerra e aves te. Ele está relacionado ao que o
“A guerra tem causado homem já fez na Terra — usar a for-
grande impacto às aves da ça de animais inferiores que lhes
Europa, principalmente foram oferecidos para serem seus
SCIENTIFIC AMERICAN, VOL. XIII, NO 13 (NOVA SÉRIE); 23 DE SETEMBRO DE 1865

às migratórias. Esses pás- servos e atender seus propósitos.


saros foram observados onde nunca Há muitas aves que se destacam
tinham sido vistos antes e desapareceram pela força das asas e resistência de
completamente de locais onde estavam voo. A águia-marrom e o cisne ame-
sendo travadas batalhas. Em Luxemburgo, ricano, particularmente, por si sós
onde era comum milhões de aves se reuni- são sugestivos. Eu proponho conse-
rem nas florestas de árvores copadas, ago- guir algumas dessas aves e prendê-
ra é raro vê-las ou ouvi-las. Um apreciador -las por meio de coletes ajustados
da natureza da região escreveu que ‘cam- ao corpo e amarrá-las a uma estru-
pos inteiros de aveia surgiram nas estradas tura que poderá sustentar uma ces-
e praças de mercados de pequenas cidades SONHO DO VOO: Projeto “criativo” para escapar ta suficientemente grande para aco-
e vilarejos onde cavalos foram alimentados dos vínculos da Terra, 1865. modar um homem.”

www.sciam.com.br 15
BOA EDUCAÇÃO
COMEÇA COM
BONS PROFESSORES.
O desenvolvimento da educação passa, em primeiro lugar,
pela valorização dos professores. Por isso, o Governo do Estado
de São Paulo vem investindo na qualificação e ampliação do corpo
docente da rede estadual de ensino.

• Desde 2011, mais de 72 mil novos professores


foram contratados.

• Nos últimos quatro anos, o piso salarial teve aumento


nominal de 45%, sendo 21% de aumento real.

• Nesse mesmo período, mais de 400 mil profissionais


receberam treinamento na Escola de Formação
e Aperfeiçoamento de Professores, a EFAP.

• 110 mil docentes foram promovidos, desde 2010,


pelo Programa de Valorização pelo Mérito.

E isso não é tudo. Muito mais ainda está por vir.


CIÊNCIA DA SAÚDE por DAVID NOONAN

DÿŸm%¹¹´D´jautor de “Epidemia não


tão silenciosa”, 3`Ÿy´ïŸŠ` ®yàŸ`D´
àDž
埨, ed. 158, julho de 2015, é escritor free-
lance especializado em ciência e medicina.

Balé e vertigem
Pesquisas com bailarinos podem ajudar a
desenvolver novas tentativas para
amenizar problema que atormenta
milhões de pessoas durante anos

Bailarinos saltam com facilidade e giram sem sair do lugar


como um pião. Seus cérebros parecem ser especiais, capazes de
contornar a tontura que piruetas rápidas normalmente produ-
zem. No entanto, um estudo publicado no início deste ano indi-
cou que partes do cérebro de bailarinos, envolvidas na percep-
ção do giro, seriam menos sensíveis que as de não praticantes.
Para os milhões de pessoas que não são bailarinos, é o mun-
do todo ao redor, e não apenas eles, que de repente começa a
girar. Até a tarefa mais simples, como caminhar por uma sala,
pode ser impossível quando a vertigem ataca, e a doença pode
durar meses ou anos. Entre adultos dos EUA com mais de 39
anos, 35% — 69 milhões de pessoas — sofreram ou sofrem de
vertigem geralmente por mau funcionamento de partes do
ouvido interno ligadas à percepção da posição corporal ou à
transmissão dessa informação para o cérebro. Embora medica-
mentos e fisioterapia ajudem muitos pacientes, dezenas de
milhares não melhoraram com tratamentos. “A resposta que
nossos pacientes com graves perdas de equilíbrio ouvem repe-
tidamente é que não há nada que se possa fazer”, diz Charles
Della Santina, otorrinolaringologista que estuda distúrbios do bilidade. “Qualquer que seja o mecanismo do cérebro que deter-
ouvido interno e diretor do Laboratório de Neuroengenharia Ves- mina quando seu pé toca o chão para mantê-lo na posição ereta,
tibular da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. tenho certeza de que esse mecanismo não está funcionando 100%
A vertigem também pode provocar ansiedade e depressão gra- no meu caso”, comenta Bach.
ve, comprometer a memória de curto prazo, perturbar a vida fami- Problemas de vertigem como esses estão estimulando médicos
liar e prejudicar carreiras. a testar novos tratamentos para os casos mais graves, comenta
O pesadelo de Steve Bach começou em novembro de 2013. O Della Santina. Ele está começando um teste clínico para implante
chefe de obras estava em casa em Parsippany, Nova Jersey, quan- de próteses do ouvido interno. Outros médicos estão experimen-
do, de repente, sentiu a sala “girar como um disco de 78 rotações”, tando terapia genética. E o trabalho com bailarinos está começan-
diz ele, hoje com 57 anos. Bach estava enrolado no chão da sala em do a revelar novos aspectos da anatomia do cérebro envolvida no
posição fetal quando sua filha o encontrou e ligou para 192. Ele equilíbrio, que poderão ser alvo de futuros tratamentos.
passou cinco dias no hospital. “Sentar-se na cama”, ele lembra, Os ouvidos são essenciais para manter a estabilidade de nosso
“era como estar no topo de uma escada de dois metros.” O médico corpo na posição ereta porque neles está o sistema vestibular peri-
de Bach explicou que seu ouvido interno estava inflamado devido férico, formado por minúsculos tubos circulares cheios de líquido,
a uma infecção viral. Ele se submeteu a seis meses de fisioterapia bulbos e células ciliadas microscópicas. Na ponta dos cílios dessas
para treinar o cérebro e o ouvido saudável a compensar a perda de células existe uma membrana onde estão incrustados cristais de
função do ouvido direito. Com isso ele melhorou e em maio de carbonato de cálcio ainda menores. Quando nossa cabeça se move,
2014 voltou ao trabalho, mas ainda passa por momentos de insta- os cristais distendem os cílios e se combinam com outras peque-

18 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Ilustração de Bernard Lee


nas partes do sistema para transmitir ao nervo vestibular informa- interno. Durante o desenvolvimento embrionário, o gene ATOH1
ções sobre movimento, direção e velocidade. O nervo retransmite age na criação dessas células, que são fundamentais para a audi-
essas informações para o cerebelo e outras áreas neurais, ativando ção e o equilíbrio. O gene para de funcionar após o nascimento,
vários músculos e o sistema visual para manter o equilíbrio. deixando as pessoas com um número fixo de cílios — e com proble-
A lista de anomalias que podem ocorrer nesse sistema delicado mas, se os cílios forem danificados. Num teste clínico anterior
é longa. Entre as causas de vertigem atribuídas ao ouvido interno aprovado pela FDA que visava equilíbrio e audição, Hinrich Stae-
estão tumores, infecções bacterianas e virais, danos causados por cker, otorrinolaringologista da Universidade de Kansas, e colegas
certos antibióticos e doença de Meniere, uma afecção crônica que injetaram o gene no ouvido de 45 pacientes com perda severa de
afeta mais de cinco milhões de pessoas, caracterizada por recor- audição, usando anestesia geral. Em camundongos com dano gra-
rentes crises de vertigem, perda da audição e zumbido. O distúrbio ve no ouvido interno, o composto recuperou as células ciliares em
vestibular mais comum é a vertigem posicional paroxística benig- 50%, com alguma melhoria na audição. Se o composto experimen-
na (BPPV, na sigla em inglês). Ela ocorre quando cristais rebeldes tal chamado CGF166 tiver efeitos similares em humanos, poderá
se soltam, ficam flutuando nos arcos do vestíbulo e geram falsa surgir uma nova era no tratamento de distúrbios vestibulares.
sensação de movimento. Felizmente, esse tipo de problema geral- A terapia genética precisa ser manipulada com extremo cuida-
mente é tratado com eficácia com fisioterapia envolvendo uma do. Ela pode provocar graves reações do sistema imunológico. Em
série repetitiva de movimentos lentos de cabeça que fazem os cris- outros experimentos houve óbito de pacientes. Nesse teste, fatores
tais saírem dos tubos arqueados. ligados à segurança do método incluem um gene
Mas fisioterapia não é a solução para todos, que pode ser ativado somente nas células-alvo,
ou, como no caso de Bach, não oferece cura defi- Sessenta e diz Staecker, e são aplicados em doses mínimas
nitiva. Alguns pacientes perderam a função ves- nove milhões que não chegam a circular pelo corpo. Além dis-
tibular dos dois ouvidos. Para eles, Della Santina
de pessoas so, diz ele, o revestimento viral em torno do gene,
que o ajuda a penetrar nas células, já havia sido
e seus colegas da Johns Hopkins desenvolveram
um implante que substitui componentes mecâ- com mais de inoculado antes com genes diferentes em cerca
nicos danificados da anatomia do ouvido inter- 39 anos nos de 1.500 pessoas “sem problemas adversos”.
no. Assim que os pesquisadores obtiverem o EUA sofrem Mesmo que essa pesquisa seja bem-sucedida,
sinal verde da Administração de Alimentos e ainda restam grandes lacunas no conhecimento
Medicamentos dos EUA (FDA, na sigla em
de vertigem e básico sobre deficiências relacionadas à tontura.
inglês), eles começarão a testar essa invenção, dezenas de Em primeiro lugar, os médicos ainda não sabem
chamada implante vestibular multicanal, em milhares não por que cristais do ouvido se soltam. Para preen-
humanos. O dispositivo é modelado sobre
melhoraram cher essas lacunas alguns cientistas estudam os
implantes cocleares que recuperaram a audição bailarinos. A ideia é estudar sistemas vestibula-
de milhares de pessoas desde que o primeiro fazendo res particularmente robustos para entender
aparelho foi usado em 1982. Esses implantes tratamentos melhor os mistérios dos sistemas anormais.
usam um microfone para captar vibrações sono- Uma equipe do Imperial London College utili-
ras e transmiti-las para o cérebro via nervo audi- zou uma série de testes e análise de imagens de
tivo. Em vez de um microfone, o implante vestibular contém dois cérebros para investigar a capacidade de bailarinos profissionais
minissensores de movimento que acompanham o movimento da de resistir à tontura quando realizam sucessivas piruetas. Os cien-
cabeça. Um deles é um giroscópio que mede o movimento da cabe- tistas estudaram 29 bailarinas que praticavam balé em média há
ça quando a pessoa olha para cima ou para baixo e em torno de 16 anos — elas começaram aos seis anos, ou antes — e as compara-
uma sala. O outro, um acelerômetro linear, mede o movimento ram com remadoras. As mais experientes e extremamente treina-
direcional, como andar para a frente em linha reta ou descer um das apresentavam menor densidade de neurônios em partes do
lance de escada. Em vez de separar o som em diferentes compo- cerebelo onde a tontura é percebida, o grupo relatou este ano na
nentes de frequência e enviá-los ao nervo auditivo, os sensores de revista Cerebral Cortex. Segundo o estudo, a redução é devida à
movimento enviam sinais para o nervo vestibular informando a luta contínua contra a sensação de tontura nas piruetas, nas quais
posição da cabeça e o movimento. os bailarinos focam os olhos num ponto fixo pelo maior tempo
Resultados de testes com outro tipo de implante vestibular em possível, o que limita os sinais sensoriais enviados ao cérebro. Esse
quatro pacientes com doença de Meniere realizados pela Universi- “esforço efetivo para resistir à tontura” também deixou essas baila-
dade de Washington não foram conclusivos. Embora tenha funcio- rinas com uma rede de conexões neurais menor e mais lenta numa
nado bem no início, o efeito desapareceu após alguns meses. Mas o parte do lado direito do cérebro que processa esses sinais.
dispositivo da Johns Hopkins tem design diferente e será usado Essa resistência à sensação de tontura poderá, algum dia, miti-
em pacientes com outros distúrbios, que não a doença de Meniere, gar o problema em pacientes com vertigem crônica, se forem
por isso os médicos esperam resultados mais promissores. encontrados caminhos para desenvolvê-la em não bailarinos,
Outra estratégia que está sendo testada em humanos envolve usando fisioterapia, sugerem os cientistas. Para milhares de
um gene que controla o crescimento de células ciliares no ouvido pacientes seria uma guinada para melhor.

www.sciam.com.br 19
TECNOLOGIA DAVID POGUE
DÿŸm 0¹‘ùy é colunista-âncora do Yahoo
Tech e apresentador das minisséries NOVA
na rede pública de tevê PBS.

A geração da tela sensível ao toque


Os dispositivos móveis estão prejudicando as crianças? A ciência avalia

Você conhece os rabugentos que acamparam. Depois disso, o primeiro


reclamam automaticamente de qual- grupo se saiu melhor na leitura de
quer tecnologia nova. “Todas essas emoções humanas em fotografias.
engenhocas ultramodernas estão des- Em 2009, um estudo na Universi-
truindo nosso cérebro”, eles dizem, “e dade Stanford ligou hábitos de adoles-
arruinando nossas crianças.” centes modernos de executarem multi-
Toda geração desaprova a seguinte; tarefas no computador (que parecem
isso é previsível e humano. Os apare- ter se estendido a telefones e tablets) à
lhos digitais estão aparentemente mi- perda da capacidade de concentração.
nando nossa juventude, da mesma for- Seu resultado assusta um pouco.
ma como o rock arruinou nossos pais, E sobre câncer cerebral e celulares?
a televisão, nossos avós e os carros, Bem, em primeiro lugar, não é preciso
nossos bisavós. Estamos sendo arrui- um estudo para dizer que raramente
nados há gerações. Mas devo pergun- os jovens estão com o telefone na ore-
tar: o que a ciência diz sobre os efeitos lha; eles mais digitam mensagens que
nocivos da mais recente tecnologia? fazem ligações. De qualquer forma, os
Parte da resposta depende da defi- estudos não comprovaram nenhuma
nição de “arruinar”. As coisas são dife- relação entre o uso de celular e câncer.
rentes agora. A maioria das crianças É hora de começar a reclamar? Não
dos EUA não “sai para brincar” desa- necessariamente; nem todos os estu-
companhada por horas (a indústria do dos chegaram a conclusões alarman-
beisebol pode nunca mais se recupe- tes. Em 2012 o grupo sem fins lucrati-
rar). Elas não precisam mais decorar nomes de presidentes e a vos de estudos sobre mídias e tecnologia Common Sense Media
tabela periódica pois estão a apenas uma tecla de distância do descobriu que mais da metade dos adolescentes dos EUA acham
Google. Estamos perdendo velhas destrezas. Poucos sabem agora que as mídias sociais – agora acessíveis em qualquer lugar graças
como usar um papel-carbono ou cuidar de cavalos; escrever à mão às telas sensíveis ao toque – ajudaram em suas amizades (apenas
e dirigir podem ser as próximas habilidades a desaparecer. 4% acham que prejudicaram). Em 2014 o National Literacy Trust,
Mas diferente não é o mesmo que pior. E é surpreendentemen- do Reino Unido, descobriu que crianças pobres com aparelhos de
te difícil encontrar estudos ligando aparelhos modernos à ruína da tela sensível ao toque têm o dobro de probabilidade de lerem todos
juventude. A pesquisa leva tempo e a era das telas sensíveis é mui- os dias. Um estudo na Computers in Human Behavior também
to recente. O iPad, por exemplo, surgiu em 2010. descobriu que enviar mensagens é benéfico para o bem-estar emo-
Mas as pesquisas já começaram – e lançam alguma luz sobre cional dos adolescentes – especialmente os introvertidos.
como esses repentinamente onipresentes dispositivos podem afe- Precisamos claramente de estudos mais amplos e de mais lon-
tar as crianças. Um estudo publicado na edição de fevereiro de go prazo antes de começarmos uma nova rodada de reclamações.
Pediatrics descobriu que crianças que têm aparelhos de tela peque- E eles estão a caminho; por exemplo, os resultados do Estudo de
na em seus quartos dormem em média 21 minutos a menos que as Cognição, Adolescentes e Telefones Móveis (Scamp, na sigla em
que não têm. (Quanto à razão: os pesquisadores supõem que as inglês), do reino Unido, com 2.500 crianças, sairão em 2017.
crianças ficam acordadas até tarde para usar seus dispositivos ou, Enquanto isso, os sinais de alerta das pesquisas iniciais não são
talvez, que a luz das telas produza “atrasos no ritmo circadiano”.) altos o suficiente para tirarmos aparelhos de nossas crianças e
E quanto às habilidades sociais? No outono (do Hemisfério mudarmos para território Amish. Mas eles já são suficientes para
Norte) passado, um estudo na Universidade da Califórnia em Los sugerir a prática de uma muito sábia e antiga precaução: a mode-
Angeles examinou 51 alunos de sexto ano que passaram cinco dias ração. O excesso de qualquer coisa é ruim para as crianças, sejam
em um acampamento na natureza sem eletrônicos e 54 que não eletrônicos modernos, televisão ou beisebol.

20 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Ilustração de Harry Campbell


OBSERVATÓRIO
Céu do Mês
POR MARIO NOVELLO
JANEIRO

$DàŸ¹%¹ÿy¨¨¹é pesquisador emérito


do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.

A teoria da relatividade métrica


Cada corpo tem sua geometria particular na qual ele é um corpo livre de ações externas

Uma das consequências mais notáveis da teoria da relatividade metade do século 20, produziu uma descrição eficiente e elegante
especial foi a substituição de um único tempo comum a todos os desse processo de aceleração da luz no interior de dielétricos em
corpos por uma infinidade de tempos próprios, um para cada movimento e descreveu as propriedades dessa métrica efetiva que
corpo ou observador. Como consequência, a tradicional geometria substitui o efeito de aceleração do fóton no meio dielétrico por
euclidiana da física foi substituída pela geometria de Minkowski. uma equivalente alteração da geometria. Dessa forma o fóton,
Cada observador possui assim seu tempo próprio, e a noção de si- nessa geometria, segue uma geodésica; sua aceleração se esconde
multaneidade passou a depender de seu estado de movimento. na expressão variável da geometria que o fóton reconhece como a
Essa passagem para uma miríade de tempos relativos a cada ob- do espaço-tempo onde ele se propaga.
servador retirou de cena o tempo absoluto newtoniano. Embora à primeira vista se trate do mesmo procedimento reali-
Anos depois, o aparecimento de uma nova teoria da gravitação, zado na relatividade geral, há uma diferença notável: no caso gra-
a relatividade geral, retirou o caráter imutável, rígido, estático da vitacional essa mudança da geometria é universal, independe de
estrutura minkowskiana, passando a considerar que o espaço- qualquer característica do corpo em questão, enquanto no caso do
-tempo possui uma geometria variável. A universalidade da gravi- fóton no interior de um meio dielétrico em movimento, as altera-
tação – isto é, o fato observado de que todos os corpos interagem ções espaçotemporais só seriam experimentadas pela luz.
gravitacionalmente -- mudou a geometria do mundo ao afirmar Recentemente, esse mecanismo de transformar a descrição de
que toda matéria, tudo que existe, cada observador, está imerso processos dinâmicos exercidos por forças de qualquer natureza por
em uma única e global estrutura geométrica, variável, com uma di- alterações na geometria por onde o corpo se movimenta mostrou
nâmica controlada pela distribuição de energia e matéria. A carac- ser geral. Isso leva a afirmar um modo novo de descrever processos
terística importante a reter é precisamente a univocidade, ou seja, dinâmicos naquilo que eu chamaria de relatividade métrica.
existe somente uma geometria no mundo. O caráter universal da A evolução da estrutura da geometria do espaço-tempo pode
interação gravitacional fixa a geometria onde “tudo que existe” ser sintetizada da forma seguinte. A relatividade especial se funda-
está mergulhado, ou seja, a totalidade espaço-tempo. mentou no início do século 20 sobre o princípio de que cada obser-
A partir do reconhecimento de que a universalidade dos pro- vador possui um tempo próprio e se movimenta em um espaço-
cessos gravitacionais modifica a geometria do mundo, concluiu-se -tempo único, tendo uma geometria comum. Na década seguinte ,
que a física havia consagrado uma nova descrição absoluta, pois a relatividade geral alterou essa geometria, tornando-a variável e
qualquer outra força de caráter não gravitacional exerce uma ação universal. A relatividade métrica se baseia no princípio de que
sobre o corpo que o desvia da geodésica, a curva que um corpo cada observador, sobre o qual atuam diferentes forças, institui sua
livre de qualquer força seguiria. Nesse contexto se poderia afirmar própria geometria onde as forças que atuam sobre ele são formal-
que um corpo é livre se sobre ele atuam somente forças gravitacio- mente eliminadas. Como a geometria resultante (aquela onde o
nais (pois elas atuam como se os corpos sob sua ação seguissem ca- corpo está livre de qualquer ação e se movimenta ao longo de uma
minhos livres, as geodésicas, em um espaço-tempo de geometria geodésica nessa geometria associada) depende do movimento,
variável). Por outro lado, um corpo sob ação de qualquer outra concluímos que cada corpo instaura sua geometria particular na
força não é livre. Tal descrição permitiria caracterizar de um modo qual ele é um corpo livre, isento de qualquer ação externa. Essa eli-
absoluto o que chamaríamos “liberdade na física”. minação da força pela caracterização de uma geometria específica
Recentemente descobriu-se que esse não é o caso e que a noção para cada corpo é uma simples questão de escolha de representa-
de “corpo livre” depende da estrutura métrica do espaço onde esse ção. Adquire-se assim uma novidade inesperada: a liberdade dos
corpo é descrito. Dito de outro modo: um corpo submetido a uma corpos na física depende da representação escolhida.
força em um dado espaço-tempo pode ser descrito como se esti-
vesse livre de qualquer força desde que ele seja descrito, de modo
PA R A C O N H E C E R M A I S
equivalente, como mergulhado em uma outra geometria. Isso sig-
nifica que cada corpo possui uma “sua” geometria na qual o efeito àD‘‘ym ®yïàŸ`åÎ Mario Novello e Eduardo Bittencourt, em General Relativity and
Gravitation, vol. 45, pág. 1005, 2013.
da força externa que sobre ele atua é substituído pelas proprieda-
des da geometria onde o corpo é descrito. W. Gordon na primeira

www.sciam.com.br 21
DESAFIOS DO COSMOS de SALVADOR NOGUEIRA

3D¨ÿDm¹à%¹‘ùyŸàD é jornalista de ciência especializado em


astronomia e astronáutica. É autor de oito livros, dentre eles Rumo ao
_dÒd_je0FWiiWZe[\kjkheZWWl[djkhW^kcWdWdWYedgk_ijWZe[ifW‚e
e Extraterrestres: Onde eles estão e como a ciência tenta encontrá-los.

A caçada às ondas gravitacionais


Busca vale a pena para compreender corpos supermassivos e até mesmo o espaço-tempo
É uma das previsões mais incríveis da teoria da relatividade pelas ondas – é um problema e tanto. Nas últimas décadas, diver-
geral: objetos com massa que se movem pela ação da gravidade, ao sos projetos de detectores foram desenvolvidos, mas nada foi de-
se deslocar, produzem marolinhas no próprio tecido do espaço- tectado. Há inclusive um no Brasil, batizado em homenagem ao
-tempo. É como se o vazio cósmico se encurtasse e se esticasse, físico Mário Schenberg (1914-1990), e instalado na USP.
num padrão ondulatório que se propaga em todas as direções, a Nos EUA, pesquisadores tentam mudar essa sorte a partir de
partir do objeto que o gerou, na velocidade da luz. São as chama- setembro. É quando voltará a operar o ambicioso LIGO (Laser In-
das ondas gravitacionais. terferometer Gravitational-wave Observatory). Composto por
Einstein já sabia que elas deviam existir, e há evidências indire- duas instalações gêmeas nos estados de Washington e da Louisia-
tas de que seja mesmo esse o caso em astros binários de alta massa. na, o sistema usa lasers correndo em circuitos perpendiculares de
Em 1974, os astrofísicos Russell Alan Hulse e Joseph Hooton 4 km e interagindo uns com os outros. Qualquer minúscula varia-
Taylor, Jr., dos Estados Unidos, descobriram o primeiro exemplar ção no comprimento de um dos braços, provocada por uma onda
desse tipo. Conhecido pela sigla PSR B1913+16, ele consiste basica- gravitacional, geraria um padrão de interferência detectável. E,
mente em duas estrelas de nêutrons orbitando velozmente em quando falamos em “minúscula”, é algo como um décimo de milé-
torno de um centro de gravidade comum. simo do tamanho de um próton.
Estrelas de nêutrons são o que resta de astros muito maiores, O LIGO começou a colher dados em 2002 e só parou em 2010 –
depois que eles esgotaram sua capacidade de produzir energia por sem detecção. Desde então, passou por uma reforma, para expan-
fusão nuclear e explodiram violentamente como supernovas. dir sua sensibilidade. Se antes o alcance máximo estava limitado a
Quando o material que sobra da explosão é superior a três ou fontes – como, por exemplo, um par de estrelas de nêutrons em co-
quatro vezes a massa do Sol, não há lei física conhecida que impeça lisão – a cerca de 70 milhões de anos-luz de distância, ele agora
seu colapso completo – o objeto se torna um buraco negro. Contu- poderá captar sinais vindos de mais de 210 milhões de anos-luz.
do, se a massa é menor que essa e pelo menos 40% maior que a do Será que bastará? Só saberemos testando. De toda forma, a
Sol, o resultado final é uma estrela de nêutrons. busca por ondas gravitacionais vale a pena. Não só para a compre-
Em alguns casos, esses objetos em rotação produzem pulsos de ensão dos objetos supermassivos, mas também para a investiga-
rádio e, por isso, recebem a denominação de pulsares. Em 1974, ção da natureza do próprio espaço-tempo. Quem sabe, no futuro,
foram as emissões de rádio que chamaram a atenção de Hulse e até mesmo os sinais gravitacionais produzidos pelo Big Bang
Taylor, e então eles descobriram que o objeto era binário – um possam ser investigados, oferecendo incríveis lampejos sobre a
deles era um pulsar e o outro uma estrela de nêutrons sem os ca- origem do Universo?
racterísticos pulsos de rádio. Mas o mais interessante é
que medições do período orbital desses dois objetos suge-
riam que eles estavam espiralando para dentro, gradual-
mente se aproximando um do outro. É exatamente o “sin-
toma” de que o sistema está perdendo energia na forma de
ondas gravitacionais. A descoberta valeu aos cientistas dos
Estados Unidos o Nobel de Física em 1993.
Graças a isso, sabemos que ondas gravitacionais muito
provavelmente existem. Agora, detectá-las diretamente –
medir a sutil vibração no próprio espaço-tempo causada

ASTROFOTOGRAFIA
1ærÍ èrÍ ÒæD DÒÜÍ«{«Ü«†ÍDD §D 3Z”D¡Ã
VISÃO AÉREA DO LIGO,
ÒZÍrèD µDÍD DÒÜÍ«{«Ü«†ÍDDNrf”Ü«ÍDÒr†¡r§Ü«»Z«¡»OÍ detector de ondas
LIGO/CALTECH

As fotos precisam ser em alta resolução, com no mínimo 300 dpi, gravitacionais, em Livingston,
para serem publicadas. Louisiana (EUA).

22 Scientific American Brasil | Setembro 2015


CÉU DO MÊS SETEMBRO

Eclipse lunar total


será visível em
todo o Brasil
Fenômeno completa a segunda sé-
rie tétrade, de um total de oito que
teremos no século 21. A próxima só
acontece entre 2032 e 2033.

A Lua é o único objeto celeste que revela alguns


detalhes de sua superfície mesmo a olho nu. Poluição atmosféri- sível logo após o poente, na direção oeste, atingindo sua
ca e luminosa não são capazes de ofuscar sua beleza e, para quem máxima elongação (maior afestamento relativo do Sol) no dia
tem céus limpos e telescópios, os detalhes de seu solo acidentado 4. Mas não perca tempo para vê-lo, pois até o fim do mês ele
são um show à parte. Para fechar a conta, em setembro teremos voltará a se esconder no brilho cegante do astro-rei.
um eclipse lunar total, observável em todo o Brasil. Por sua vez, Vênus, que nos últimos meses tem dado show após
O fenômeno, que ocorre quando a Terra se interpõe entre o o poente, atinge seu brilho máximo no dia 20 (-4,5 magnitudes).
Sol e a Lua, acontecerá na virada do dia 27 para 28. Às 22h07 Bons céus a todos! (S.N.)
(a referência é São Paulo), o astro começa a entrar na sombra
terrestre e estará totalmente encoberto às 23h10. A saída da
sombra começa à 0h23 e à 1h27 já não se vê mais sinal aparen-
te do eclipse, embora a Lua ainda se encontre na penumbra,
recebendo apenas iluminação parcial do Sol.
Durante a fase de totalidade, a Lua ganha um tom avermelha-
do, explicado pelo fato de que a única luz que chega até sua su-
perfície é a que passou de raspão pela atmosfera terrestre. Origi-
nalmente branca, a luz é “filtrada” e só consegue sair do outro
lado a porção avermelhada do espectro (por essa mesma razão, o
poente e o nascente têm aquele tom avermelhado).
O eclipse é o quarto e último de uma série que se iniciou em
2014. Essas tétrades, em que o fenômeno se repete quatro vezes
num espaço de dois anos, são relativamente raras. Durante o
século 21, estamos vivenciando a maior sequência de tétrades
GUSTAVO ANDERSON GUERRA BATISTA

dos últimos mil anos. São oito ao todo. A primeira ocorreu em


2003-2004, a segunda se fecha neste mês, e a próxima será
apenas em 2032-2033.
Mesmo se considerarmos apenas a ocorrência de eclipses lu-
nares totais, sem levar em conta a raridade adicional de séries
sequenciais tétrades, é bom aproveitar esta chance. O próximo
acontecerá somente em 2018. GUSTAVO ANDERSON GUERRA BATISTA registra a Lua
Além disso, o fugidio Mercúrio volta a se destacar no céu, vi- quase cheia em Campina Grande (PB).

www.sciam.com.br 23
N
Visibilidade
dos planetas
MERCÚRIO
Visível ao anoitecer na direção do pôr do sol,
em Virgem. Máxima elongação em 4, a 26°
ESE do Sol, e em conjunção inferior com o Sol
em 30. Próximo da Lua em 15.
VÊNUS
Primeiramente em Câncer e depois em Leão.
Visível ao amanhecer, na direção do nascer do
Sol. Próximo da Lua em 10.
MARTE
Visível ao amanhecer na direção do pôr do
sol. Inicialmente em Câncer, depois em Leão.
Próximo da Lua em 10 e em conjunção com
Regulus (alfa de Leão) em 24.
JÚPITER
Visível em Leão, ao amanhecer, na direção do
nascer do Sol. Próximo da Lua em 12.
SATURNO
Em Libra, visível ao anoitecer, na direção do
pôr do sol. Próximo da Lua em 17.
URANO O
Visível em Peixes. Começa a ser visto a partir
das 19-20h no começo do mês e depois
durante quase toda a noite. Próximo da Lua
em 1o e 28.
NETUNO
Em Aquário, visível durante toda a noite. Em
oposição ao Sol em 1o, próximo da Lua em 26.

DESTAQUES DO MÊS

Q Máximo da chuva de meteoros


Alfa Aurigíades
Q Oposição de Netuno com o Sol
Q Mercúrio em máxima elongação a
leste do Sol. Visível ao anoitecer PASSAGEM DO SOL
PELAS CONSTELAÇÕES *
Q Máximo da chuva de meteoros
épsilon Perseidas Leão de 11/08/2015 a 17/09/2015
Virgem de 17/09/2015 a 31/10/2015
Q Início da primavera no Hemisfério Sul
* O limite das constelações foi estabelecido pela União
Q Eclipse lunar. Visível no Brasil Astronômica Internacional em 1930, o que permite estabelecer, com
Q Mercúrio em conjunção inferior com o So grande precisão, o instante de entrada e saída do Sol de cada uma das 13
constelações que são atravessadas pela trajetória anual aparente do Sol, a eclíptica. S
24 Scientific American Brasil | Setembro 2015
CARTA CELESTE PARA O MÊS DIA HORA EVENTO
Mapa mostra céu visível às 22h00 de 1º de setembro, às 21h00 1 o
- Máximo da chuva de meteoros Alfa Aurigíades.
de 15 de setembro e às 20h00 de 30 de setembro a partir da
latitude de 23°27’ Sul (Trópico de Capricórnio). 1o 08h40 Netuno em oposição ao Sol.
1o 13h25 Urano a 0,7°N da Lua.
4 05h40 Lua passa pelo aglomerado de Plêiades (M 45).
Mercúrio em máxima elongação ortiva (a leste do Sol). Visível ao
4 07h06
anoitecer a 27°ESE do Sol.
5 00h36 Lua passa a 0,9°N de Aldebarã (alfa de Touro).
5 06h55 Lua em quarto minguante.
9 17h52 Lua a 5,5°S do aglomerado estelar de Praesepe (M 44).
10 - Máximo da chuva de meteoros épsilon Perseidas.
10 01h25 Lua em conjunção com Vênus.
$r›«Í«ZDҔõ«µDÍDè”ÒæD›”îDÍ«O͔›«fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZr
10 03h58 escura da Lua minguante falcada (luz cinérea). O horário refere-se
ao nascer da Lua em São Paulo.
10 20h47 Lua em conjunção com Marte.
12 01h57 Lua em conjunção com Júpiter.
13 03h42 Lua nova.
13 03h56 Eclipse parcial do Sol. Não visível no Brasil.
Lua no apogeu, maior distância com a Terra, 406.569 km. Diâme-
14 08h23
tro aparente = 29,6’.
15 02h35 Mercúrio em conjunção com a Lua.
15 22h42 Lua em conjunção com Spica (alfa de Virgem).
$r›«Í«ZDҔõ«µDÍDè”ÒæD›”îDÍ«O͔›«fD5rÍÍDÍrrܔf«§D{DZr
L 16 20h30 escura da Lua crescente falcada (luz cinérea). O horário refere-se
ao ocaso da Lua em São Paulo.
17 00h47 Lua em conjunção com Saturno.
19 16h52 Lua ultrapassa Antares (alfa de Escorpião).
20 17h41 Vênus atinge seu brilho máximo de -4,5 magnitudes.
21 06h00 Lua em quarto crescente.
23 05h21 Equinócio de setembro. Início da primavera no Hemisfério Sul.
24 08h33 Asteroide 4 Vesta a menor distância da Terra, 213,4 milhões de km.
24 13h39 Júpiter em conjunção com Regulus (alfa de Leão).
26 07h52 Netuno em conjunção com a Lua.
27 02h44 Asteroide (4) Vesta atinge seu brilho máximo de 6 magnitudes.
Lua no perigeu, menor distância com a Terra, 356.879 km. Diâme-
27 23h11
tro aparente = 34,0’.
27 23h47 Eclipse total da Lua. Visível no Brasil.
27 23h51 Lua cheia. (*)
28 20h40 Urano a 0,8°N da Lua.
30 11h31 Mercúrio em conjunção inferior com o Sol. Planeta entre o Sol e a Terra.
(*) A lua cheia próxima da data do seu perigeu tem sido chamada, pela mídia, de super lua.

 '3 '  "03 "7% 2  ÷éž÷~  35$


2'  ÷ĈÀ‹ Ê3 ' 0 7"'j 30Ëi
DURAÇÃO DO ECLIPSE: 5h 13min | DURAÇÃO DA FASE DE SOMBRA: 3h 21min | DURAÇÃO DA FASE DE TOTALIDADE: 1h 11min
21h10 Lua entra na penumbra 00h23 Fim da totalidade
22h07 Lua entra na sombra 28 01h27 Lua deixa a sombra
27
23h10 Início da totalidade 02h24 Lua deixa a penumbra
23h47 Máximo do eclipse

www.sciam.com.br 25
EVO LU Ç Ã O

A
ESPÉC E
MAIS
INVASI A
DE TOD AS 'ùïàDå yåÈz`Ÿyå my ›¹®Ÿ´ my¹å ›DUŸïDàD® D 5yààDÎ $Då D
´¹ååD z D ú´Ÿ`D Õùy `¹¨¹´ŸĆ¹ù ï¹m¹ ¹ ȨD´yïDÎ 7®D ´¹ÿD
›ŸÈºïyåyyāȨŸ`DȹàÕù{
Curtis W. Marean

Ilustração de Jon Foster www.sciam.com.br 27


ùàïŸå=Î$DàyD´ é professor da Escola de Evolução
Humana e Mudança Social da Universidade Estadual do
Arizona, onde também é diretor associado do Instituto de
Origens Humanas. É professor honorário da Universidade
Metropolitana Nelson Mandela, na África do Sul. Sua
µrÒÂæ”ÒD÷§D§Z”DfDµr›Dæ§fD]õ«%DZ”«§D›fr ”ù§Z”DÒf«
Estados Unidos e pelas Fundações da Família Hyde.

E M ALGUM MOMENTO POSTERIOR A 70 MIL ANOS ATRÁS, NOSSA ESPÉCIE, HOMO SAPIENS, SAIU
da África para começar sua inexorável propagação por todo o globo. Outras espé-
cies de hominídeos tinham se estabelecido na Europa e na Ásia, mas apenas nos-
sos ancestrais H. sapiens acabaram conseguindo se dispersar para todos os gran-
des continentes e muitas cadeias insulares. Sua dispersão, porém, não foi nada
comum. Todos os lugares para onde o H. sapiens migrou passaram por massivas
mudanças ecológicas. Os humanos arcaicos que encontraram foram extintos,
assim como uma infinidade de espécies animais. Esse foi, sem dúvida, o evento
migratório mais significativo na história do nosso planeta.

Paleoantropólogos debateram por muito tempo como e por


que só humanos modernos conseguiram essa surpreendente
façanha de propagação e dominância. Alguns especialistas
argumentam que a evolução de um cérebro maior, mais sofisti-
cado, permitiu que nossos ancestrais avançassem para novas
para registros de atividade de H. sapiens em determinadas
regiões, como a Europa Ocidental. Essa abordagem fragmentá-
ria para estudar como ele colonizou a Terra tem induzido cien-
tistas a erros. A grande diáspora humana foi um evento multi-
fásico que, portanto, precisa ser investigado como somente
terras e enfrentassem os desafios desconhecidos que encontra- uma questão de pesquisa.
ram ali. Outros sustentam que uma tecnologia inédita impul- Escavações que conduzi ao longo dos últimos 16 anos em
sionou a expansão de nossa espécie fora da África ao permitir Pinnacle Point, no litoral austral da África do Sul, somadas a
que humanos modernos caçassem presas, e liquidassem inimi- avanços teóricos em ciências biológicas e sociais, recentemente
gos, com uma eficiência sem precedentes. Um terceiro cenário me levaram a um cenário alternativo para explicar como o H.
postula que mudanças climáticas enfraqueceram as popula- sapiens conquistou o mundo. Acredito que a diáspora ocorreu
ções de neandertais e outras espécies arcaicas de hominídeos quando um novo comportamento social evoluiu em nossa espé-
que ocupavam os territórios fora da África, permitindo que os cie: uma propensão geneticamente codificada para cooperar
humanos modernos conquistassem uma posição dominante e com indivíduos não aparentados. O acréscimo dessa tendência
assumissem o controle de seus domínios. Mas nenhuma dessas única às avançadas habilidades cognitivas de nossos ancestrais
hipóteses oferece uma teoria abrangente capaz de explicar ple- permitiu que eles se adaptassem agilmente a novos ambientes.
namente a extensão do alcance do H. sapiens. De fato, essas Isso também fomentou a inovação, dando origem a uma tecno-
teorias têm sido apresentadas quase sempre como explicações logia revolucionária que mudou tudo: armas avançadas de lon-

EM SÍNTESE

y ï¹mDå Då yåÈz`Ÿyå de hominídeos que Ÿy´ïŸåïDå åy Èyà‘ù´ïDÿD® ›E ïy®È¹å como 7®D ´¹ÿD ›ŸÈºïyåy sustenta que duas 7®D my¨Då z D Èà¹Èy´åT¹ ‘y´zïŸ`D para
viveram na Terra, apenas o Homo sapiens só a nossa espécie conseguiu se dispersar tão inovações exclusivas do H. sapiens o apare- cooperar com pessoas não aparentadas. A
conseguiu colonizar todo o globo. amplamenteeparalugarestãolongínquos. lharam para dominar o mundo. outra são armas avançadas de arremesso.

28 Scientific American Brasil | Setembro 2015


go alcance. Equipados assim, eles partiram da África, prontos TEORIA
para subjugar o mundo inteiro de acordo com sua vontade.
Territorialidade compensa
DESEJO DE EXPANSÃO
Para apreciar o quanto a colonização do planeta por H. 7­D îx¸ßžD `§Eääž`D lD Už¸§¸žD D‰ß­D Ôøx D äx§xcT¸ ³DîøßD§ …Dþ¸ßx
cerá uma defesa agressiva de fontes alimentares (territorialidade)
sapiens foi extraordinária, precisamos retroceder cerca de 200
quando os benefícios de acesso exclusivo a elas superam os custos
mil anos, para o alvorecer de nossa espécie na África. Durante
de patrulhá-las. Entre humanos que vivem em pequenas socieda-
dezenas de milhares de anos, esses humanos anatomicamente des, a territorialidade compensa quando os recursos são densos e
modernos, pessoas que se pareciam conosco, permaneceram previsíveis. Na África, certas áreas costeiras têm fontes alimentares
dentro dos limites do continente-mãe. Há uns 100 mil anos, um densas e previsíveis em forma de viveiros subaquáticos de molus-
grupo deles fez uma breve incursão no Oriente Médio, mas apa- cos e crustáceos. Esses ambientes provavelmente despertaram a
rentemente foi incapaz de prosseguir. Esses humanos precisa- noção de territorialidade em grupos primitivos de H. sapiens.
vam de uma vantagem que ainda não tinham. Então, em algum
momento depois de 70 mil anos atrás, uma pequena população

Alta
fundadora transpôs os limites da África e iniciou uma campa- àD`D®y´ïyïyààŸï¹àŸD¨ ¹àïy®y´ïy ïyààŸï¹àŸD¨
nha mais bem-sucedida rumo a novas terras. Quando se expan-
diu para a Eurásia, esse grupo encontrou outra espécie humana Recursos costeiros
Ambientes
intimamente aparentada: os neandertais, na Europa Ocidental, terrestres

Densidade de recursos
africanos
e membros da linhagem denisovana descoberta recentemente
na Ásia. Pouco depois da invasão dos modernos, os arcaicos
foram extintos, embora um pouco de seu DNA persista até hoje
em humanos como resultado de miscigenações ocasionais
entre os diferentes grupos.
Uma vez que chegaram às costas do Sudeste Asiático, eles se
viram diante de um mar aparentemente ilimitado e desprovido
de terras. Ainda assim, continuaram avançando destemidos.
Como nós, essas pessoas eram capazes de vislumbrar e desejar
%T¹ ïyààŸï¹àŸD¨ %T¹ ïyààŸï¹àŸD¨
Baixa

novas terras para explorar e conquistar; por isso, construíram


embarcações aptas a navegar e se lançaram ao mar, chegando às Baixa Alta
costas da Austrália há pelo menos 45 mil anos. Primeira espécie Previsibilidade de recursos
humana a entrar nessa parte do mundo, o H. sapiens rapidamen-
te se dispersou pelo continente, correndo através dele com lança-
dores de dardos e fogo. Muitos dos maiores entre os estranhos
marsupiais, que há muito haviam dominado a Austrália, conhe- lugares. Como em outras partes do mundo onde o H. sapiens se
cida como “a terra lá embaixo” [devido à sua posição geográfica], estabeleceu, essas ilhas também sofreram a devastação de sua
foram extintos. Então, há aproximadamente 40 mil anos, os des- ocupação, com ecossistemas queimados, espécies extermina-
bravadores encontraram e cruzaram uma ponte terrestre para a das e ambientes remodelados para os propósitos de nossos
FONTE: CURTIS W. MAREAN, COM BASE EM “HUMAN TERRITORIALITY: AN ECOLOGICAL REASSESSMENT”, DE RADA

Tasmânia, embora as inclementes águas dos oceanos mais aus- antecessores. A colonização humana da Antártida, por sua vez,
trais lhes negassem passagem para a Antártida. só aconteceu na era industrial.
DYSON-HUDSON E ERIC ALDEN SMITH, EM AMERICAN ANTHROPOLOGIST, VOL. 80, NO 1; MARÇO DE 1978

Bem mais ao norte, uma população de H. sapiens que viaja-


va na direção nordeste chegou à Sibéria e se irradiou pelas ter- JOGADORES DE EQUIPE
ras que circundam o Polo Norte. Durante algum tempo, gelos Mas como o H. Sapiens fez isso? Como, após dezenas de
terrestres e marinhos frustraram sua entrada nas Américas. milhares de anos de confinamento ao seu continente de ori-
Quando, exatamente, conseguiram enfim fazer a travessia para gem, nossos ancestrais finalmente saíram de lá e conquistaram
o Novo Mundo é uma questão de acirrado debate científico, não só as regiões colonizadas por espécies humanas anteriores,
mas pesquisadores concordam que eles romperam essas bar- mas o mundo inteiro? Uma teoria útil para essa diáspora preci-
reiras há uns 14 mil anos, invadindo um continente cuja vida sa fazer duas coisas: Primeiro, explicar por que o processo
selvagem nunca tinha visto caçadores humanos. Em apenas começou quando começou, e não antes. Segundo, ela tem de
alguns milhares de anos, eles chegaram aos confins austrais da fornecer um mecanismo para uma rápida dispersão por terra e
América do Sul, deixando em sua esteira um rastro de extinção mar, que teria exigido a capacidade de se adaptar prontamente
em massa das grandes feras da Era do Gelo, como mastodontes a novos ambientes e desalojar quaisquer humanos arcaicos
e preguiças-gigantes. encontrados neles. Proponho que o surgimento de característi-
Madagascar e muitas ilhas do Pacífico permaneceram livres cas que nos tornaram colaboradores inigualáveis, por um lado,
de humanos por outros 10 mil anos, mas, em um avanço final, e concorrentes implacáveis, por outro, é o que melhor explica a
“marinheiros” descobriram e colonizaram quase todos esses súbita ascensão de H. sapiens à dominância do mundo.

Gráfico de Jen Christiansen www.sciam.com.br 29


Humanos modernos tinham esse atributo determinado e Caçadores-coletores tendem a viver em bandos de aproxi-
infatigável; os neandertais e nossos outros primos extintos não. madamente 25 indivíduos, casar-se com “gente de fora” e se
Creio que foi essa última grande adição ao conjunto de caracte- agrupar em “tribos” vinculadas por intercâmbio de parceiros,
rísticas que constituiu o que o antropólogo Kim Hill, da Univer- troca de presentes, e uma língua e tradições em comum. Às
sidade Estadual do Arizona, chamou “singularidade humana”. vezes, eles também lutam contra outras tribos, o que os expõe a
Nós, humanos modernos, cooperamos em um grau extraor- grandes riscos. Isso suscita a pergunta: o que provoca essa dis-
dinário. Nos envolvemos em atividades grupais coordenadas de posição para se envolver em combates arriscados?
forma altamente complexa com pessoas que não são nossos Insights sobre quando vale a pena lutar vieram da clássi-
parentes e que podem até ser completos estranhos. Imagine, ca teoria da “defensabilidade econômica”, proposta em 1964
em um cenário sugerido pela antropóloga Sarah Blaffer Hrdy, por Jerram Brown, agora na Universidade Estadual de Nova
da Universidade da Califórnia em Davis, em seu livro Mothers York em Albany, para explicar a variação de agressividade
and Others, de 2009, uns 200 chimpanzés fazendo fila, embar- entre aves. Brown argumentou que indivíduos agem agressi-
cando em um avião, ficando sentados de modo extremamente vamente para atingir certos objetivos que maximizarão sua
passivo durante horas, para depois desembarcarem sob coman- sobrevivência e reprodução. A seleção natural favorecerá
do, como robôs. Isso seria impensável — eles lutariam entre si lutas quando elas facilitarem essas metas. Um dos principais
sem parar. Mas nossa natureza cooperativa é uma “faca de dois objetivos de todos os organismos vivos é garantir um esto-
gumes”. A mesma espécie que corre em defesa de um estranho que de alimentos; portanto, se o alimento pode ser defendi-
perseguido também se juntará a indivíduos desconhecidos, não do, segue-se que um comportamento agressivo em sua defe-
aparentados, para travar uma guerra contra outro grupo, sem sa deveria ser selecionado. Se ele não pode ser defendido, ou
nenhuma consideração ou piedade quanto à competição. Mui- for muito oneroso para ser patrulhado, então o comporta-
tos de meus colegas e eu acreditamos que essa tendência para a mento agressivo é contraproducente.
Em um artigo clássico publicado em 1978, Rada
Dyson-Hudson e Eric Alden Smith, ambos então na
¹®¹D`àzå`Ÿ®¹myDà®Dåmy Universidade Cornell, aplicaram a defensabilidade
econômica a humanos que vivem em sociedades
Dàày®yåå¹Dù®`¹®È¹àïD®y´ï¹ pequenas. Seu trabalho mostrou que faz sentido a

›ŸÈyàÈພå¹`ŸD¨j´Då`yùù®D defesa de recursos quando estes são densos e previsí-


veis. Gostaria de acrescentar que os recursos em ques-

yåÈyïD`ù¨Dà`àŸDïùàD´¹ÿDÎ tão têm de ser cruciais para o organismo; nenhum ser


vivo defenderá um bem de que não necessita. Esse
princípio se mantém até hoje: grupos étnicos e Esta-
colaboração, que chamo de hiperpró-sociabilidade, não é uma dos-nações lutam acirradamente por recursos densos, previsí-
tendência adquirida, mas um traço geneticamente codificado, veis e valiosos como petróleo, água e terras agrícolas produtivas.
encontrado apenas em H. sapiens. Alguns outros animais Uma implicação desse “princípio da territorialidade” é que os
podem exibir sinais sutis disso, mas o que humanos modernos ambientes que teriam fomentado conflitos intergrupais, e, por-
têm é algo diferente. tanto, os comportamentos cooperativos que teriam possibilitado
A pergunta de como adquirimos essa predisposição genética essa luta, não eram universais no mundo de H. sapiens primiti-
para nosso tipo extremo de cooperação é complicada. Mas vos. Eles estavam restritos aos locais onde recursos de alta quali-
modelos matemáticos de evolução social produziram algumas dade eram densos e previsíveis. Na África, as riquezas terrestres
pistas valiosas. Sam Bowles, economista do Instituto Santa Fe, são, em geral, escassas e imprevisíveis, o que explica por que a
no Novo México, mostrou que uma condição ideal para a hiper- maioria dos caçadores-coletores que vivem ali e têm sido estuda-
pró-sociabilidade geneticamente codificada se propagar é, dos investem pouco tempo e energia na defesa de limites ou
paradoxalmente, quando grupos estão em conflito. Grupos que fronteiras territoriais. Mas há exceções a essa regra. Certas áreas
têm um número maior de pessoas pró-sociais trabalharão com costeiras têm reservas alimentares muito ricas, densas e previsí-
mais eficiência em conjunto e, portanto, superarão outros, veis em forma de “leitos” subaquáticos de moluscos e crustáceos.
além de repassarem seus genes para esse comportamento para E os registros etnográficos e arqueológicos de guerras entre caça-
a próxima geração, o que resulta na disseminação dessa ten- dores-coletores ao redor do mundo mostram que os níveis mais
dência. Um estudo realizado pelo biólogo Pete Richerson, da intensos, ou elevados, de conflito ocorreram entre grupos que
Universidade da Califórnia em Davis, e pelo antropólogo Rob usavam esses recursos litorâneos, como os que existem na região
Boyd, da Universidade Estadual do Arizona (ASU), indica adi- costeira norte-americana do Pacífico.
cionalmente que esse comportamento se propaga melhor quan- Quando os humanos adotaram inicialmente recursos den-
do começa em uma subpopulação e a competição entre grupos sos e previsíveis como pilar de sua dieta? Durante milhões de
é intensa, e quando os tamanhos populacionais gerais são anos, nossos ancestrais forragearam, alimentando-se de plan-
pequenos, como a população original de H. sapiens na África, tas e animais terrestres, e, ocasionalmente, também de alguns
da qual descendem todas as pessoas da atualidade. alimentos aquáticos interiores. Todos esses comestíveis ocor-

30 Scientific American Brasil | Setembro 2015


rem em baixas densidades, e a maioria é imprevisí-
vel. Por essa razão, nossos antecessores viviam em
grupos altamente dispersos, que se locomoviam
constantemente em busca de sua próxima refeição.
Mas, à medida que a cognição humana se tornou
cada vez mais complexa, uma população descobriu
como sobreviver ao longo da costa alimentando-se de
mariscos. As escavações de minha equipe nos sítios
em Pinnacle Point indicam que essa mudança teve
início há 160 mil anos, nos litorais austrais da África.
Foi ali que, pela primeira vez na história da humani-
dade, as pessoas começaram a visar um recurso den-
so, previsível e altamente valorizado, desenvolvimen-
to que levaria a uma grande mudança social.
Evidências genéticas e arqueológicas sugerem que
o H. sapiens passou por um declínio populacional
pouco depois de ter se originado, devido a uma fase
de resfriamento global, que se estendeu de aproxima-
damente 195 mil a 125 mil anos atrás. Ambientes lito-
râneos lhe proporcionaram um refúgio dietético
durante os inclementes e rigorosos ciclos glaciais que
tornavam plantas e animais comestíveis difíceis de
encontrar em ecossistemas terrestres interiores; por-
tanto eles foram vitais para a sobrevivência de nossa
espécie. Esses recursos marinhos costeiros também
constituíam uma razão para conflitos. Experimentos
recentes na costa austral da África, conduzidos por
Jan De Vynck, da Universidade Metropolitana Nel-
son Mandela, na África do Sul, mostram que concen-
trações de mariscos podem ser extremamente produ-
tivas, com um rendimento de até 4.500 calorias por
hora de forrageio. Minha hipótese, em essência, é
que alimentos litorâneos eram um recurso alimentar
denso, previsível e valioso. E, como tal, provocavam
elevados níveis de territorialidade entre humanos,
que acabavam levando a conflitos intergrupais. Esses
confrontos regulares proporcionaram condições
seletivas de comportamentos pró-sociais em grupos
— trabalhar em conjunto para defender os leitos de
mariscos e, com isso, manter acesso exclusivo a esse
precioso recurso — que posteriormente se propaga-
ram por toda a população. DIMINUTAS LÂMINAS LÍTICAS, ou micrólitos, de Pinnacle Point, na
África do Sul (acima), mostram que humanos inventaram armas arremes-
CORTESIA DE SIMEN OESTMO (acima); CORTESIA DE BENJAMIN SCHOVILLE (abaixo)

ARMAS DE GUERRA sáveis há 71 mil anos. Eles fixavam os micrólitos em cabos de madeira para
Com a capacidade de operar em grupos de indiví- formar flechas ou dardos como os reconstituídos aqui (abaixo).
duos não aparentados, o H. sapiens estava no caminho
certo para se tornar uma força imbatível. Mas supo-
nho que ele precisasse de uma nova tecnologia, em forma de arremesso alavancado (chamadas atlatl), a arcos e flechas, e
armas arremessáveis, para alcançar seu pleno potencial de con- finalmente, para toda a gama altamente criativa que os humanos
quistador. O desenvolvimento dessa invenção foi um processo contemporâneos inventaram para lançar objetos mortais.
longo. Tecnologias são aditivas: elas se baseiam em experimen- A cada nova repetição, a tecnologia tornou-se mais letal.
tos e conhecimentos prévios e assim se tornam cada vez mais Lanças, ou dardos simples de madeira com pontas afiadas ten-
complexas. A criação de armas de arremesso teria seguido a mes- dem a produzir uma perfuração, mas essa lesão tem impacto
ma trajetória, evoluindo, provavelmente, de hastes de madeira limitado porque não dessangra o animal rapidamente. Equipar
pontudas, usadas para perfurar, para dardos manuais, lanças de a lança com uma lasca de pedra afiada aumenta o trauma da

www.sciam.com.br 31
ferida. Mas essa elaboração envolve várias tecnologias interli- tradas em um sítio paleoantropológico sul-africano, chamado
gadas: a pessoa tem de ser capaz de “esculpir” uma ferramenta Kathu Pan 1, foram usadas como pontas de lanças há cerca de
em forma pontiaguda, que penetre um animal, e moldar uma 500 mil anos.
base que possa ser fixada em uma lança. Isso também requer A antiguidade do achado de Kathu Pan 1 implica que ele é
algum tipo de tecnologia conectiva para prender essa ponta de trabalho artesanal do último ancestral comum de neandertais e
pedra lascada à haste de madeira, seja com cola ou um material humanos modernos, e vestígios mais tardios, datados de uns
para amarrar (atar), às vezes os dois. Jayne Wilkins, atualmente 200 mil anos atrás, mostram que, como seria de esperar, as
na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e seus duas espécies descendentes também confeccionavam tais tipos
colegas mostraram que algumas ferramentas de pedra encon- de ferramentas. Essa tecnologia compartilhada significa que,

N OVO C E NÁ R I O

Invasor definitivo E`yà`Dmy


ñ‹ÎĈĈĈD´¹å
O Homo sapiens não se limitou meramente a seguir as Dispersão
para
pegadas de seus antecessores. Ele desbravou caminhos E`yà`Dmy o Ártico
para terras inteiramente novas, e transformou ecossis- Ž‹ÎĈĈĈD´¹å
temas onde quer que fosse. Chegada à
Após a estreia do nosso gênero Homo, na África Europa ocidental
(violeta), alguns ancestrais humanos primitivos come- Seguida da extinção
çaram a se dispersar de suas terras natais por volta de de neandertais
dois milhões de anos atrás. Eles avançaram para várias
regiões da Eurásia e acabaram evoluindo em Homo
erectus, neandertais e denisovanos (verde).
Há 200 mil anos, H. sapiens anatomicamente mo- E`yà`Dmy
dernos já haviam evoluído. Quando as condições cli- ‹‹ÎĈĈĈD´¹å
máticas deterioraram, por volta de 160 mil anos atrás, Chegada ao
deixando grande parte do interior da África inabitável, Sudeste Asiático
alguns membros dessa espécie procuraram refúgio na Seguida da extinção
yéĈÎĈĈĈD dos denisovanos
costa sul e aprenderam a explorar os ricos viveiros (“lei-
tos”) subaquáticos de moluscos e crustáceos da região ‹‹ÎĈĈĈD´¹åDïàEå
como fontes de alimentos. O autor propõe que essa Humanos
mudança de estilo de vida levou à evolução de uma modernos saem
da África
Ç߸Çx³äT¸x³xîž`D­x³îx`¸lž‰`DlDÇDßD`¸¸ÇxßDß
`¸­ž³lžþŸlø¸äxäîßD³š¸äj³T¸DÇDßx³îDl¸äjD‰­lx
melhor defender os depósitos de mariscos contra intru-
sos. Singularmente colaborativos e socialmente conec-
tados, nossos ancestrais se tornaram cada vez mais E`yà`Dmy
engenhosos. Seu desenvolvimento de armas arremes- éÀÎĈĈĈD´¹å
sáveis foi uma inovação revolucionária. Armas
arremessáveis
Com o surgimento dessas duas características,
Cooperação
cooperação extrema e projéteis avançados, o H. sapiens intra e
estava pronto para partir da África e conquistar o intergrupal E `yà`D my
mundo (setas vermelhas). Ele se espalhou além da (tribal) Ž‹ÎĈĈĈ D´¹å
Seleção para
Europa e da Ásia, e chegou a continentes e cadeias comportamentos Chegada à
insulares que nunca antes tinham abrigado hiperpró-sociais Austrália
humanos de qualquer espécie (marrom claro). Elevada Seguida da extinção
territorialidade da megafauna
y`¹´ŒŸï¹
yÀêĈÎĈĈĈ
DÀ÷ĈÎĈĈĈ
D´¹åDïàEå Consequências
H. sapiens aprende Importantes mudanças ecológicas acompanharam a dispersão de nossa espécie. Na Europa e na
como explorar ricos Ásia, a chegada de humanos modernos condenou os arcaicos residentes humanos ao
y÷ĈĈÎĈĈĈ recursos costeiros
DÀêĈÎĈĈĈ desaparecimento; quando essas pessoas modernas entraram em regiões que nunca antes haviam
D´¹åDïàEå abrigado humanos de qualquer espécie, elas rapidamente caçaram à extinção muitos dos animais
Origem do de grandes proporções, ou megafauna, que viviam nesses lugares. (A megafauna na Eurásia foi mais
Homo sapiens e da capaz de sobreviver à chegada do Homo sapiens, provavelmente porque a presença de longa data
cognição complexa de humanos arcaicos ali havia produzido um equilíbrio entre predador e presa.)
na África FONTE: “GLOBAL LATE QUATERNARY MEGAFAUNA EXTINCTIONS LINKED TO HUMANS, NOT CLIMATE CHANGE”, CHRISTOPHER SANDOM ET AL., EM PRO-
CEEDINGS OF THE ROYAL SOCIETY B, VOL. 281, Nº. 1787; 22 DE JULHO DE 2014 (ÁREA DE EXPANSÃO DE HOMINÍNEOS E MAPA DE EXTINÇÃO DA MEGAFAUNA)

32 Scientific American Brasil | Setembro 2015


durante algum tempo, houve um equilíbrio de poder entre lhadas em osso ou madeira para criar armas que podiam ser
neandertais e H. sapiens primitivos. Mas essa situação estava arremessadas a alta velocidade e a longa distância. Os exem-
prestes a mudar. plos mais antigos conhecidos dessa chamada tecnologia micro-
Especialistas concordam que o surgimento de ferramentas lítica vêm justamente do sítio de Pinnacle Point. Ali, em um
miniaturizadas de pedra no registro arqueológico sinaliza o abrigo rochoso conhecido simplesmente como PP5-6, minha
advento da verdadeira tecnologia de arremesso, para a qual equipe descobriu um longo histórico de ocupação humana.
leveza e balística são cruciais. Essas ferramentas são demasia- Empregando uma técnica chamada datação por luminescência
damente pequenas para serem empunhadas à mão. Em vez dis- opticamente estimulada, a geocronóloga Zenobia Jacobs, da
so, elas devem ter sido montadas em fendas, ou aberturas enta- Universidade de Wollongong, na Austrália, determinou que a
sequência arqueológica em PP5-6 abrange o período de 90 mil
a 50 mil anos atrás. As mais antigas ferramentas microlíticas
do sítio datam de cerca de 71 mil anos.
Esse timing sugere que uma mudança climática pode ter pre-
E`yà`Dmy cipitado a invenção dessa nova tecnologia. Antes de 71 mil anos
ÀŽÎĈĈĈD´¹å atrás, os habitantes de PP5-6 confeccionavam grandes pontas e
Chegada à lâminas de pedra lascada de um tipo de rocha chamada quartzi-
América do Norte to. Naquela época, a linha costeira ficava perto de Pinnacle Point,
Seguida da extinção como mostrou Erich Fisher da Universidade Estadual do Arizo-
da megafauna
na (ASU) e membro da equipe. E reconstruções climáticas e
ambientais feitas por Mira Bar-Matthews, do Serviço Geológico
de Israel, e Kerstin Braun, agora uma pesquisadora de pós-dou-
torado na ASU, indicam que as condições eram semelhantes às
que prevalecem atualmente na área, com fortes chuvas de inver-
no e vegetação arbustiva. Mas há uns 74 mil anos, o clima do
E`yà`Dmy
mundo começou a mudar para condições glaciais. O nível do
Àñ΋ĈĈD´¹å mar baixou e expôs uma planície costeira; e as chuvas de verão
Chegada à aumentaram, resultando na propagação de gramíneas altamen-
América do Sul te nutritivas e florestas dominadas por acácias. Acreditamos que
Seguida da extinção isso levou ao desenvolvimento de um grande ecossistema de
da megafauna
Origem do gênero Homo migração, em que animais de pastagem se deslocavam para o les-
Espécies primitivas de Homo arcaicos, te no verão e para o oeste no inverno, acompanhando as chuvas
inclusive o H. erectus e, portanto, a relva fresca, no litoral antes submerso.
Espécies tardias de Homo arcaicos, Por que, exatamente, os habitantes de PP5-6 começaram a
inclusive neandertais e denisovanos
confeccionar armamentos pequenos e leves depois que o cli-
Espécies periféricas de Homo arcaicos
ma mudou não está claro. Talvez para visar animais à medida
H. sapiens
que eles migravam pela nova planície. Qualquer que tenha
Expansão de H. sapiens sido a razão, os habitantes locais desenvolveram um meio
engenhoso para produzir suas minúsculas ferramentas:
Humanos modernos não são os
explorando uma nova matéria-prima, uma rocha chamada sil-
primeiros a chegar; extinção hominínea
creto, cujos fragmentos aqueciam com fogo para facilitar o
Humanos modernos são os primeiros
a chegar; extinção da megafauna trabalho de “esculpi-los” em pequenas pontas afiadas. Somen-
te com a mudança climática que ocorreu esses primitivos
humanos modernos poderiam ter tido acesso a um estoque
suficientemente estável de lenha das acácias para tornar a
manufatura dessas ferramentas microlíticas, termotratadas,
em uma tradição duradoura.
Ainda não sabemos para que tipo de tecnologia de lança-
mento esses micrólitos eram utilizados. Minha colega Marlize
Lombard, da Universidade de Johanesburgo, na África do Sul,
estudou peças ligeiramente mais tardias de outros sítios e
argumenta que elas representam a origem do arco e flecha,
dado que os padrões de danos nelas são similares aos observa-
Taxa de extinção de espécies de Dados
mamíferos de grandes proporções 0% 78% não disponíveis dos em pontas de flechas conhecidas. Não estou totalmente
convencido, porque seu estudo não testou os danos criados por
atlatls. Seja em Pinnacle Point ou em outro lugar, acredito que

Mapas de Terra Carta www.sciam.com.br 33


o atlatl mais simples precedeu o arco e flecha mais complexo. os predadores alfa em terra e, por fim, também no mar. Essa
Também suspeito que, como caçadores-coletores recentes capacidade de dominar qualquer ambiente foi a chave que
na África, cujas vidas foram documentadas em relatos etnográ- finalmente lhes abriu a porta para migrarem da África para o
ficos, H. sapiens primitivos teriam descoberto a eficácia de resto do mundo.
venenos e os teriam utilizado para aumentar o poder letal de Grupos humanos arcaicos, incapazes de se unir e arremes-
projéteis. Os momentos finais de matança em uma caça com sar armas, não tinham a menor chance contra essa nova espé-
lança são caóticos, com corações disparados, pulmões arfando, cie. Cientistas vêm debatendo há tempos por que nossos pri-
poeira e sangue, e o fedor de suor e urina. Os perigos são mui- mos neandertais foram extintos. Acho que a explicação mais
tos. Um animal perseguido até cair, derrubado de joelhos por perturbadora também é a mais provável: eles eram percebidos
exaustão e perda de sangue, tem um último truque: imperioso, como concorrentes e como uma ameaça, e os humanos moder-
o instinto leva a fera a se levantar mais uma última vez, “zerar” nos invasores os exterminaram. Foi para isso que evoluíram.
a distância, e investir, enterrando seus chifres nas entranhas Às vezes penso sobre como esse fatídico encontro entre
humanas. As vidas curtas e os corpos quebrados de neandertais humanos modernos e neandertais transcorreu. Imagino as
indicam que eles sofreram as consequências de caçar animais bravatas que os neandertais devem ter contado ao redor de
de grande porte a pouca distância com lanças de mão. Agora, suas fogueiras sobre batalhas titânicas contra ursos-das-ca-
considere as vantagens de um projétil lançado a distância e vernas e mamutes inacreditavelmente enormes, travadas sob
embebido em veneno, que paralisa esse animal, permitindo que os céus cinzentos da Europa glacial, descalços sobre o gelo
o caçador se aproxime e ponha fim à perseguição com pouca escorregadio com o sangue de presa e irmão. Então, um belo
ameaça. Essa arma foi uma inovação revolucionária. dia, a tradição deu uma guinada sombria e os gabolas viraram
medrosos. Contadores de anedotas neandertais

àùȹå›ù®D´¹åDà`DŸ`¹åj
começaram a falar da chegada de uma nova gente
em suas terras; pessoas inteligentes e rápidas, que

Ÿ´`DÈDĆyåmyåyù´Ÿày¨D´cDà arremessavam suas lanças a distâncias impossíveis,


com espantosa e terrível precisão. Esses estranhos
Dà®Dåj´T¹›D®D®y´¹à vinham até de noite, em grandes grupos, massacra-
vam homens e crianças, e levavam as mulheres.
`›D´`y`¹´ïàDyååDyåÈz`ŸyÎ A triste história dessas primeiras vítimas da enge-
nhosidade e cooperação de humanos modernos, os
neandertais, ajuda a explicar por que atos hediondos
FORÇA DA NATUREZA de genocídio e xenocídio ocorrem de vez em quando no mundo
Com o acréscimo de armas arremessáveis a um comporta- atual. Quando recursos e terras se tornam escassos, designa-
mento hiperpró-social, nasceu um espetacular novo tipo de mos os que não se parecem conosco, ou falam como nós, como
criatura, cujos membros formavam equipes que operavam, “os outros”, e então usamos essas diferenças para justificar o
cada uma, como um único e insuperável predador. Nenhuma extermínio ou a expulsão deles para eliminar qualquer concor-
presa, ou inimigo humano, estava seguro. Munidos dessa rência. A ciência revelou os gatilhos que acionam nossas incli-
potente combinação de características, seis homens, que falam nações “embutidas” para classificar pessoas como “outros” e
seis idiomas diferentes, podem remar unidos, com toda força, tratá-las de modo temerário. Mas só porque o H. sapiens evo-
enfrentando ondas de 10 metros de altura, para que o arpoador luiu para reagir à escassez desse jeito cruel não significa que
possa avançar até a proa quando o chefe mandar e arremessar estamos irremediavelmente “presos” a essa resposta. A cultura
um ferro letal no arquejante corpo de um leviatã, um animal é capaz de substituir até os mais arraigados instintos biológi-
que deve ver humanos como nada mais além de diminutos pei- cos. Espero que o reconhecimento de por que nos voltamos uns
xinhos. Da mesma forma, uma tribo de 500 pessoas, dispersa- contra os outros em tempos de vacas magras nos permita supe-
das em 20 bandos conectados em rede, pode formar um peque- rar nossos impulsos malévolos e seguir uma de nossas mais
no exército para desfechar uma ação retaliatória contra uma importantes diretivas culturais: “Nunca mais”.
tribo vizinha por causa de uma incursão territorial.
O surgimento dessa estranha combinação de matador e
cooperador pode muito bem explicar por que, quando as con-
dições glaciais voltaram a reinar entre 74 mil e 60 mil anos PA R A C O N H E C E R M A I S

atrás, deixando grandes faixas da África inóspitas mais uma 5›y ¹àŸ‘Ÿ´å D´m 埑´ŸŠ`D´`y ¹† `¹DåïD¨ àyå¹ùà`y ùåy Ÿ´ †àŸ`D D´m Āyåïyà´ ùàDåŸDÎ
vez, as populações humanas modernas não se contraíram Curtis W. Marean em Journal of Human Evolution, Vol. 77, págs. 17–40; dezembro de 2014.
´ yDà¨Ă D´m y´mùàŸ´‘ DmÿD´`ym ïy`›´¹¨¹‘Ă ¹àŸ‘Ÿ´D‘ éÀjĈĈĈ ĂyDàå D‘¹ Ÿ´ 3¹ùï›
como antes. De fato, elas se expandiram na África do Sul e †àŸ`DÎ Kyle S. Brown et al., em Nature, Vol. 491, págs. 590–593; 22 de novembro de 2012.
prosperaram com uma ampla variedade de ferramentas avan-
D E N OSSOS A RQU I VOS
çadas. A diferença foi que, dessa vez, os humanos modernos
1ùD´m¹ ¹ ®Dà åD¨ÿ¹ù D ›ù®D´ŸmDmyÎ Curtis Marean; edição nº 100, setembro de 2010.
estavam equipados para responder a qualquer crise ambiental
com conexões sociais flexíveis e tecnologia. Eles se tornaram

34 Scientific American Brasil | Setembro 2015


LENTE GIGANTE:
Montado no telescópio
Gemini Sul, no alto dos
Andes chilenos, o sensor
GPI busca enormes exo-
planetas gasosos.

C I Ê N C I A E S PA C I A L

PROCURANDO JUPITERES
Duas equipes
rivais de
astrônomos
competem para
obter imagens
inéditas de
planetas gigantes
ao redor de
outras estrelas.
Suas descobertas
poderão mudar o
futuro da busca
por planetas
Lee Billings

www.sciam.com.br 35
"yy
Ÿ¨¨Ÿ´‘å÷rf”Ü«ÍDÒÒ«Z”Df«fD3Z”r§Ü”Z ¡r͔ZD
Ele é autor de Five billion years of solitude: The search f
life among the stars (Current/Penguin Group, 2013).

Nos pontos mais altos dos Andes, no Chile


central, o céu noturno é tão escuro que é
difícil de ver as constelações, engolidas por
enxames de estrelas mais fracas. Essa visão
familiar, mas ainda alienígena, pode ser
desconcertante, mas é algo diferente que
perturba Bruce Macintosh quando ele olha
para o alto em uma noite de maio de 2014.
Mesmo aqui, a 2.700 metros acima do nível
do mar, ele ainda está olhando através de
um oceano de ar, e o vento está
aumentando. As estrelas no céu estão
cintilando muito para seus propósitos.

Macintosh está aqui para procurar por outras Terras – ou, Além do vento, há outra razão para Macintosh se preocupar:
mais precisamente, por outros jupiteres, que alguns cientistas a 600 quilômetros ao norte, em outro árido pico chileno, o as-
pensam serem necessários para que planetas rochosos e habi- trônomo Jean-Luc Beuzit tenta fazer exatamente a mesma coi-
táveis como a Terra possam existir. Ele não está interessado em sa. Beuzit, astrônomo do Instituto de Planetologia e Astrofísica
encontrar planetas do mesmo modo que a maioria dos astrôno- de Grenoble, na França, é seu amigo e também seu rival. Destino
mos faz, ou seja, observando durante meses, ou mesmo anos, e financiamento trouxeram esses dois homens para as monta-
para que mudanças sutis no movimento ou brilho de uma es- nhas ao mesmo tempo para vasculhar os céus por planetas, para
trela gradualmente revelem a presença de um mundo invisível. saber se corpos celestes como a Terra são tão comuns como su-
Ele procura gratificação instantânea: pretende tirar fotos reais jeira ou cosmicamente raros.
de planetas distantes, para vê-los como pontos de luz circulan- A ferramenta escolhida por Macintosh para esta corrida
ESTA PÁGINA: CORTESIA DE G. HÜDEPOHL/EUROPEAN SOUTHERN OBSERVATORY

do em torno de suas estrelas distantes, olhar em seus rostos ga- astronômica é um complexo aparato óptico e de sensores do
PÁGINAS PRECEDENTES: CORTESIA DO GEMINI OBSERVATORY/AURA;

sosos através dos vários anos-luz de distância. Macintosh, um tamanho de um carro, de muitos milhões de dólares, chamado
astrônomo da Universidade Stanford, chama isso de “imagea- Imageador de Planetas Gemini (GPI, na sigla em inglês). Esse
mento direto”. aparato está montado no imenso espelho de oito metros do te-

EM SÍNTESE

åïà»´¹®¹å `¹´›y`y® milhares de plane- ®D‘yDà ù® ȨD´yïD permite aprender so- ®D‘yDà ȨD´yïDå `¹®¹ D 5yààD está além ååyå ´¹ÿ¹å Ÿ´åïàù®y´ï¹å nos ajudarão a
tas orbitando outras estrelas, mas fotografa- bre a sua composição, clima e condições do alcance dos telescópios atuais. Uma nova aprender como os planetas gigantes se for-
ram apenas poucos. Eles descobriram e estu- para vida. Mas é difícil fazê-lo, pois eles são geração de instrumentos está agora captu- mam e moldam seus arredores, preparando
daram todo o resto basicamente por meio de menores que suas estrelas-mães e ofuscados rando imagens de mundos maiores, mais o caminho para que futuras instalações tirem
medições indiretas. pela luz muito mais brilhante delas. brilhantes, que se assemelham a Júpiter. fotos de Terras alienígenas.

36 Scientific American Brasil | Setembro 2015


ALTO E SECO:
SPHERE, outro
imageador planetário,
busca jupiteres em outros
sistemas estelares com o
Very Large Telescope
no árido deserto do
Atacama, no Chile.

lescópio Gemini Sul, um disco de vidro recoberto com prata ainda têm brilho muito fraco e aparecem muito perto de seus
altamente polido cuja área, aproximadamente 52 metros qua- sóis muito mais brilhantes, como os vemos de tão longe. Tire
drados, é comparável a um oitavo da área de uma quadra de uma foto de um planeta – mesmo que seja uma pequena man-
basquete oficial. Macintosh e outros astrônomos pronunciam cha de pixels – e você aprenderá muito sobre a composição
o acrônimo do instrumento “gee pie!” como se estivessem cla- desse mundo, sobre o clima e as possibilidades para a vida. A
mando por tortas (em inglês, pie é um tipo de torta, e gee é busca do GPI e do SPHERE por mundos semelhantes a Júpi-
uma exclamação comum, como o nosso “uau!”). A resposta de ter é o estado da arte da tecnologia; nós ainda não consegui-
Beuzit ao GPI é ainda maior: uma coleção de aparelhos que, mos construir telescópios grandes e sofisticados o suficiente
juntos, são quase do tamanho de uma minivan chamada para destilar a luz tênue de um planeta como a Terra do bri-
SPHERE, para o instrumento Spectro-Polarimetric High-con- lho irresistível de sua estrela parental. Mas quando, e se as
trast Exoplanet Research. O SPHERE está montado em outro construirmos, as instalações para esses estupendos telescó-
telescópio de oito metros, no ESO-VLT (European Southern pios quase certamente utilizarão instrumentos desenvolvidos
Observatory Very Large Telescope array). Ambos os projetos a partir destes dois projetos.
estiveram em desenvolvimento por mais de uma década, mas Em astronomia, como na vida cotidiana, é ver para crer. Em-
estrearam com diferença de meses um do outro. De seus re- bora imageamento direto seja extremamente difícil, pode tam-
motos poleiros nas montanhas, eles examinam basicamente bém ser muito mais rápido do que as técnicas de detecção de
as mesmas estrelas, cada um procurando ser o primeiro a re- planetas dominantes de hoje, potencialmente entregando des-
velar fotos bombásticas de jupiteres além do Sistema Solar. cobertas por fotos que levam horas ou dias para serem obtidas,
Dos mais de 5.000 mundos descobertos orbitando outras em vez de meses ou anos de meticulosas análises sobre conjun-
estrelas ao longo das últimas duas décadas, quase nenhum foi tos de dados estelares arcanos. É por isso que, nesta corrida
realmente imageado diretamente. Tirar fotografias é difícil, para tirar as primeiras fotos dos Jupiteres de além do Sistema
porque até mesmo os maiores (e menos habitáveis) planetas Solar, não é exagero dizer que cada minuto conta.

www.sciam.com.br 37
CONSTRUINDO JUPITERE S

O nascimento de um gigante gasoso: dois cenários


Os planetas se formam a partir dos mesmos discos de gás e poeira que dão à luz sóis. Um processo chamado de acreção nuclear
pode fazer planetas gigantes “de baixo para cima”, conforme objetos minúsculos se aglutinam para construir gradualmente ob-
jetos maiores, montando grandes núcleos que varrem uma espessa atmosfera. Mas existe um caminho “de cima para baixo”
mais rápido chamado instabilidade de disco em que aglomerados de gás colapsam diretamente em planetoides. Em média, gi-
gantes jovens formados por acreção nuclear devem ser mais frios do que aqueles feitos pela instabilidade de disco. Ao me-
dir as temperaturas de jovens planetas gigantes por meio de imagens no infravermelho, o GPI e o SPHERE pode-
riam revelar se a maioria dos gigantes são formados “de baixo para cima” ou “de cima para baixo”. Ÿå`¹ my ‘Eå y ȹyŸàD
åïày¨D ¦¹ÿy®
INSTABILIDADE DE DISCO
7®D ÿyĆ Õùy ù®D yåïày¨D ´Då`yj ¹ ày¨º‘Ÿ¹ yåïE `¹àày´m¹ ÈDàD D †¹à®DcT¹myù® ȨD´yïD ‘Ÿ‘D´ïy  D ¨ùĆ mD yåïày¨D
ÿDààyàE ÈDàD ¨¹´‘y ¹ ‘Eå my´ï๠my ®Ÿ¨›Çyå my D´¹åj ¹†yày`y´m¹ ù®ïy®È¹¨Ÿ®ŸïDm¹ ÈDàD ¹ ´ú`¨y¹ m¹ †ùïù๠ȨD´yïD
‘Ÿ‘D´ïy `àyå`yà y `¹¨yïDà ‘Eå ÿŸD D`àycT¹Î ® `¹´ïàDåïyj ù® D‘¨¹®yàDm¹my‘Eåmy´å¹ y †àŸ¹ ȹmy y´ïàDà y® `¹¨DÈå¹
ÈDàD †¹à®Dà ù® ȨD´yïD ‘Ÿ‘D´ïy y® DÈy´Då ®Ÿ¨›Dàyå my D´¹åÎ ååy`¹¨DÈå¹àEȟm¹ y yŠ`Ÿy´ïy ‘yàDàŸD y DÈàŸåŸ¹´DàŸD
Ÿ´ïy´å¹ `D¨¹à my´ï๠m¹ ȨD´yïD ày`z®ž´Då`Ÿm¹j mD´m¹ž¨›y ù® ȹmyà¹å¹UàŸ¨›¹Ÿ´†àDÿyà®y¨›¹ È¹à ®Ÿ¨›Çyå my D´¹åÎ

Ÿå`¹my‘EåyȹyŸàD åïày¨D¦¹ÿy®

2¹`›Då`¹¨Ÿmy®yåyD‘¨ùD®
y®ù®´ú`¨y¹à¹`›¹å¹

7®D‘¨¹®yàDm¹‘Då¹å¹†àŸ¹
`¹¨DÈåDj`àŸD´m¹ù®ȨD´yïD
‘Ÿ‘D´ïyÕùy´ïy

EååyD`ù®ù¨D´¹´ú`¨y¹j
D`y´my´m¹¹ȨD´yïD®ùŸï¹
Õùy´ïyy®†¹à®DcT¹

'ȨD´yïD‘Ÿ‘D´ïy¨y´ïD®y´ïy
yå†àŸDjŸààDmŸD´m¹¹`D¨¹à
D`ù®ù¨Dm¹ȹட¨›ÇyåmyD´¹å

'ȨD´yïD‘Ÿ‘D´ïyàDȟmD®y´ïy
yå†àŸDjDȺå¹Dù®y´ï¹m¹UàŸ¨›¹
mùàD´ïyD†¹à®DcT¹mDD﮹å†yàD

Ÿ†yày´cDåïzட`Dåy´ïàyȨD´yïDå
‘Ÿ‘D´ïyååT¹DÈD‘DmDåmyȹŸåmy
`y´ïy´Dåmy®Ÿ¨›ÇyåmyD´¹å
AGLOMERAÇÃO CENTRAL
%D `›D®DmD D`àycT¹ ´ù`¨yDàj Œ¹`¹å my ȹyŸàD y ‘y¨¹ `¹¨Ÿmy® y åy D‘¨ùD® y® ‘àT¹åj
myȹŸå y® åyŸā¹å y Èymày‘ù¨›¹åj †¹à®D´m¹ ¹ ´ú`¨y¹ my ù® ȨD´yïD ‘Ÿ‘D´ïyÎ ' UàŸ¨›¹
Ÿ´ïy´å¹ myååy ´ú`¨y¹ ¹å`Ÿ¨D `¹´†¹à®y ¹´mDå my `›¹Õùy Èù¨åD® DïàDÿzå m¹ ‘Eå
D`ù®ù¨Dm¹ D¹ åyù àym¹àÎ Uàyÿy y Ÿ´ïy´åD ÕùyŸ®D D¦ùmDàŸD D yå†àŸDà ¹ ´¹ÿ¹ ȨD´yïD Èy¨D
àEȟmD ŸààDmŸDcT¹ my `D¨¹àj myŸāD´m¹ž¹ ®DŸå †àŸ¹ y ®y´¹å ¨ù®Ÿ´¹å¹ m¹ Õùy ù® ȨD´yïD
†¹à®Dm¹ Èy¨D Ÿ´åïDUŸ¨ŸmDmy my mŸå`¹ `¹® D ®yå®D ŸmDmyÎ

Ilustração de Ron Miller


A TARTARUGA E A LEBRE lhões de anos, e carrega um planeta gigante cinco vezes mais
O tempo pesa sobre Macintosh enquanto ele trabalha até muito massivo do que Júpiter, orbitando a aproximadamente duas
tarde na sala de controle do Gemini Sul naquela noite em maio de vezes a distância que Plutão orbita o Sol. Aparatos de image-
2014. Ele tem um rosto jovial, com um crescente de cabelo e olhos amento direto menos capazes já viram esse planeta antes – a
castanhos vivos que espiam por trás dos óculos de lentes grossas. equipe calibrará o GPI comparando suas novas imagens com
Ele estava funcionando a Diet Coke e adrenalina, e ainda sob o efei- os resultados anteriores.
to do jet-lag causado por uma série de voos em conexão da Califór- Como todos os mundos que o GPI procura, esse planeta em
nia ao Chile. Um de seus sapatos está desamarrado, e um leve chei- particular mal se resfriou desde sua formação. Ele brilha inten-
ro de fumaça paira no ar, advindo de um jantar esquecido de pizza samente no infravermelho. Em termos de brilho, a maioria dos
congelada, agora carbonizada em uma torradeira nas proximida- planetas são milhões ou bilhões de vezes mais fracos do que
des. Conforme ele olha para as várias telas de computador que mo- suas estrelas, flocos de poeira perto de bolas de fogo termonu-
nitoram os sinais vitais do GPI, parece que só o seu corpo está na cleares. Jupiteres jovens são diferentes. Eles são mais como
sala – sua mente está em outro lugar, na cúpula adjacente do teles- brasas incandescentes se resfriando longe de uma fogueira, e é
cópio de oito metros, seguindo feixes de luz que saltam através das precisamente por isso que tanto o GPI quanto o SPHERE têm
entranhas de seus instrumentos. esperanças de vê-los e aprender exatamente como eles se for-
Antes que o GPI comece a encontrar novos planetas, ele deve maram e evoluíram.
passar pelo “comissionamento”, uma sequência es-
tendida de testes e calibrações que começaram no
final de 2013 e está nos estágios finais nestes dias A luz dos planetas é muito mais
(maio de 2014). O trabalho é tedioso e sem glamour
– ninguém nunca ganhou um prêmio por certificar fraca do que a de suas estrelas.
que um instrumento funciona corretamente. Em
uma corrida medida em minutos, o GPI tem uns
§xääT¸‹¸`¸älxǸxžßDD¸ßxl¸ß
seis meses de vantagem sobre o SPHERE que, nes- de bolas de fogo nucleares. Jovens
te momento, apenas começou o processo de comis-
sionamento. Isso é um pequeno conforto para Ma-
Jupiteres são diferentes. Eles são
cintosh, porque o SPHERE tem instrumentos mais mais como brasas incandescentes
potentes e mais tempo garantido de telescópio que
o GPI, o que deve permitir ao SPHERE observar se resfriando longe da fogueira, e é
um maior número de estrelas em um maior campo
de visão com maior resolução espectral e em um
por isso que o GPI e o SPHERE
maior intervalo de comprimento de onda. Em ou- têm expectativa de observá-los.
tras palavras, mesmo que o GPI saia na frente,
como a lebre na famosa fábula de Esopo, o SPHE-
RE ainda poderia vir por trás, como a tartaruga, e ser o primeiro a ORIGEM SECRETA DE JÚPITER
encontrar os planetas procurados. Entre os especialistas, é um segredo aberto embaraçoso que
O cintilar das estrelas vem de turbulência atmosférica, o que ninguém realmente sabe como o maior objeto orbitando nosso
atrasou um pouco a equipe do GPI. Esperando que o vento es- Sol se formou. Mas é exatamente isso que os especialistas que-
morecesse, Macintosh me contava histórias de anos atrás, quan- rem desesperadamente descobrir, já que Júpiter, e outros plane-
do ele, Beuzit e outros membros do alto escalão do GPI e do tas gigantes, são os arquitetos dos sistemas planetários, mol-
SPHERE festejavam em conferências de astronomia ao redor do dando tudo o que os rodeia.
mundo, quando o conflito entre as equipes ainda estava longe A maioria dos planetas gigantes conhecidos em torno de
de suas mentes. Esse tempo agora é um passado distante. “Nós outras estrelas não são, realmente, como Júpiter. Muitos exis-
ficávamos juntos, bebíamos muito e trocávamos muitas histó- tem em órbitas escaldantes com meia-semana de duração dife-
rias”, Macintosh diz. “Mesmo agora, eles não são realmente o rente de qualquer coisa em nosso próprio Sistema Solar. A teo-
inimigo – as nuvens são o inimigo. E o vento também.” ria prevalecente é que esses mundos infernais nasceram muito
Depois de meia hora, os ventos diminuíram. “O.k., vamos mais longe, espiralando em direção ao centro do sistema pla-
olhar para HD 95086”, diz Macintosh, girando em sua cadei- netário para abraçar seus sóis, provavelmente por causa de in-
ra para abordar aquela dúzia de membros da equipe que es- terações gravitacionais com outros planetas ou fluxos de gás.
tavam na sala. Eles logo entraram em ação, digitando co- Essa migração seria uma má notícia para a habitabilidade – ao
mandos nos computadores que controlam o telescópio na longo do caminho, o campo gravitacional de um planeta gigan-
cúpula ao lado. Dentro de instantes o telescópio apontou te espiralando para dentro do sistema provavelmente lançaria
para o alvo, uma estrela-anã branco-azulada a 300 anos-luz quaisquer planetas pequenos e rochosos para fora, na escuri-
da Terra, na constelação de Carina. HD 95086 é uma estrela dão interestelar, ou para dentro, no fogo de sua estrela. Esses
jovem em termos astronômicos, com somente cerca de 17 mi- mundos gigantes estão muito próximos de suas estrelas para

www.sciam.com.br 39
serem fotografados diretamente com a tecnologia atual. Felizmente, existe outra maneira de testar se planetas gigan-
Assim como seus primos exoplanetários muito mais quentes, tes se formam pelo processo bottom-up ou top-down: você pode
Júpiter provavelmente também migrou no início de sua vida, tirar suas temperaturas. A formação top-down diretamente do
mas por razões pouco claras, sua migração foi apenas temporária colapso de uma nuvem de gás aconteceria tão rapidamente que
e não trouxe o planeta gigante para muito perto do Sol. Em vez uma enorme quantidade de calor ficaria presa dentro do planeta.
disso, talvez tenha se aventurado até perto da atual órbita de A formação bottom-up produziria planetas gigantes que, embora
Marte, antes de migrar de volta para o sistema solar exterior, ainda inicialmente quentes, seriam relativamente mais frios. “À
onde permanece desde então. E, embora o movimento de um medida que mais e mais gás cai sobre um núcleo rochoso, esse
planeta gigante possa sabotar a habitabilidade de um sistema excesso de gás é obstruído pelo gás que se acumula sobre o nú-
planetário, no caso de Júpiter, ele pare- cleo, ou seja, pela atmosfera em forma-
ce ter feito do Sistema Solar um lugar ção em torno do núcleo”, diz Mark Mar-
mais hospitaleiro. Pelo menos, pensa-se ley, colaborador do GPI, com quem eu
que as peregrinações de Júpiter tenham conversei mais tarde, um teórico de for-
lançado cometas e asteroides ricos em mação planetária no Ames Research
água de encontro com nosso já formado Center, da Nasa, que também ajudou a
planeta, formando os oceanos vivifican- modelar o processo. “Um choque se de-
tes da Terra. No máximo, o mergulho de senvolve conforme o gás é desacelerado,
Júpiter no interior do Sistema Solar po- e a maior parte da energia desse gás que
deria até mesmo ter “limpado” outros vai se acumulando é irradiada para fora,
planetas preexistentes, permitindo que que resfria rapidamente o planeta se for-
a Terra se formasse, em primeiro lugar. mando. Então, quando você para de des-
Mesmo assim, o que Júpiter dá, ele pejar gás, o planeta já é muito mais frio
OLHO QUE NÃO PISCA: a luz da
pode tirar. Milhões de anos a partir de do que teria sido se tivesse se formado
estrela HR 4796A foi filtrada dessa ima-
agora, Júpiter pode surrar nosso plane- de um colapso direto.”
gem do SPHERE, revelando um fraco
ta novamente com mais asteroides gi- anel de poeira que talvez tenha sido Assim, a temperatura de um planeta
gante ou cometas, gerando impactos esculpido por um planeta invisível. gigante é, efetivamente, uma memória
cataclísmicos que ferveriam nossos de seu nascimento. Quanto mais velho o
oceanos e vaporizariam nossa biosfera. planeta fica, mais ele esfria, e quanto
Todos esses detalhes, até certo pon- frio, mais sua memória desaparece. Com
to, podem ser atribuídos à natureza e ao momento da formação quatro bilhões e meio de anos, Júpiter há muito tempo já se es-
misteriosa de Júpiter. Uma coisa é certa: pouco mais de quatro queceu de como se formou. Mas planetas gigantes mais jovens
bilhões e meio de anos atrás, uma nuvem fria de gás e poeira co- do que algumas centenas de milhões de anos – exatamente os
lapsou para formar o Sol. Os remanescentes da nuvem que não planetas que o GPI e o SPHERE estão tentando imagear no infra-
caíram em nossa estrela nascente formaram um disco, a partir vermelho – devem ter ainda suas memórias térmicas intactas.
do qual os planetas foram formados. Mundos rochosos, sendo re- Vasculhando centenas de estrelas brilhantes e jovens nas proxi-
lativamente pequenos, são fáceis de montar em um processo “de midades, ambos os projetos podem sondar as temperaturas e
baixo para cima” (bottom-up, em inglês) chamado acreção nu- histórias de dezenas de planetas gigantes, desvendando o segre-
clear (core accretion, em inglês), onde rochas em colisão gradual- do de sua formação e lançando luz sobre como sistemas habitá-
mente se juntaram ao longo de 100 milhões de anos. A maioria veis como o nosso próprio se formaram.

CORTESIA DE JEAN-LUC BEUZIT ET AL. / EUROPEAN SOUTHERN OBSERVATORY / SPHERE CONSORTIUM


dos pesquisadores suspeita que Júpiter tenha se formado dessa
maneira. Mas, para isso, ele teria de ter se formado muito mais IMAGEANDO OUTRO JÚPITER
rápido, construindo caroços do tamanho da Terra em talvez 10 Conforme a equipe do GPI se prepara para observar HD
milhões anos, tempo suficiente para varrer grandes atmosferas 95086, um círculo monocromático se materializa em uma das
antes que a matéria-prima gasosa fosse varrida para fora pela luz telas de Macintosh. Parece conter um fluido fortemente pixeli-
intensa de nossa estrela jovem. zado, como um close-up digitalizado de um rio correndo ou uma
Existe uma outra possibilidade. Planetas gigantes poderiam tela de televisão não sintonizada inundada com estática.
também se formar como as estrelas fazem, em um processo “de “Você está olhando para o vento”, diz Macintosh. “Essa é a luz
cima para baixo” (top-down, em inglês) chamado instabilidade das estrelas brilhando através da turbulência atmosférica e
de disco. Nesse cenário, algo como Júpiter atingiria a “planetari- caindo em um detector que realiza nossa óptica adaptativa.” Óp-
dade” através do colapso direto e rápido de uma nuvem fria e tica adaptativa é o conjunto de espelhos deformáveis controla-
densa de gás e poeira na região externa de um disco circum-es- dos por computador que mudam suas formas centenas ou mes-
telar. É quase impossível distinguir entre esses dois cenários mo milhares de vezes por segundo para combater as distorções
olhando para Júpiter hoje, porque essencialmente todas as evi- atmosféricas, permitindo que os astrônomos capturem imagens
dências foram, literalmente, se enterrando abaixo da densa e es- de objetos celestes que rivalizam com aquelas obtidas com teles-
pessa atmosfera do planeta gigante. cópios espaciais. Com algumas combinações de teclas e coman-

40 Scientific American Brasil | Setembro 2015


dos verbais para a sua equipe, Macintosh aciona a óptica adap- Nem todos os alvos são tão difíceis de ver; estrelas mais brilhan-
tativa do GPI. Montados por baixo do telescópio de oito metros, tes e próximas podem fornecer alguns dos seus segredos muito mais
os dois espelhos deformáveis do GPI – um “alto-falante” para prontamente. Mais cedo, a equipe do GPI precisou de apenas uma
frequências graves de vidro padrão e um espelho menor que é única exposição de 60 segundos para capturar uma imagem de Beta
um “alto-falante” para frequências agudas customizado embala- Pictoris b, um planeta gigante quente e jovem a 63 anos-luz da Terra
do com mais de 4.000 atuadores – estão agora se ondulando e que orbita a sua estrela em quase duas vezes a distância Júpiter-Sol.
deformando em sincronia, combinando cada pacote de man- A facilidade de ver esse planeta sugere que o imageamento direto, fi-
chas de luz transitória e fluxos de ar sobrepostos com um corres- nalmente, está se tornando rotina: um gerador de imagens diretas
pondente aumento ou diminuição nas suas superfícies, escul- ligeiramente mais velho no Gemini Sul tinha, anteriormente, obtido
pindo os raios de luz das estrelas de volta quase à perfeição. O uma imagem semelhante de Beta Pictoris b, embora exigisse mais
resultado parece mágico: o círculo turbulento na tela de Macin- de uma hora de observação e extenso pós-processamento. As novas
tosh torna-se suave e plácido, como se a atmosfera de repente imagens permitiram que a equipe do GPI estimasse a órbita de Beta
desaparecesse. HD 95086 é agora uma figura brilhante na tela. Pictoris b com mais precisão do que nunca, revelando que em 2017
Não há nenhum sinal de planeta. ele transitará em frente da face de sua estrela, como vista da Terra –
Para revelar o planeta conhecido da estrela, Macintosh envol- um raro alinhamento que seria um benefício para os cientistas que
ve outro dispositivo, um coronógrafo, que retira a maior parte da procuram aprender mais sobre o gigante distante.
luz das estrelas: a luz encontra uma série de más-
caras que filtram 99% dos fótons. Os que passam
são focalizados em um espelho com um orifício
central, polido em escala atômica. “A luz da estre-
“Este é o primeiro planeta que
la cai no buraco”, explica Macintosh, enquanto a alguém já descobriu que se parece
luz de um planeta se reflete no espelho e vai mais
fundo no instrumento, atingindo um espectrógra- com uma versão quente de
fo super-resfriado que divide a luz em seus com- Júpiter”, diz o astrônomo Bruce
primentos de onda constituintes (ou cores).
A imagem na tela é, agora, um halo irregular Macintosh. “Este planeta pode ser
de luz branca circundando uma profunda sombra
central onde HD 95086 deveria estar. As protube-
¸äø‰`žx³îxÇDßD§x­UßDßlxäxø
râncias – chamadas salpicos – são formadas pela processo de formação.”
luz indesejada da estrela que vaza através do coro-
nógrafo. Os salpicos podem obscurecer um plane-
ta nas imagens do GPI ou mesmo se parecer com um. Para distin- Antes do nascer do sol, a equipe do GPI imageou estrelas bi-
guir entre salpicos e planetas, a equipe leva uma sequência de ex- nárias, fracos discos de detritos, e até mesmo a lua de Saturno,
posições em vários comprimentos de onda infravermelhos. “A Titã, penetrando sua espessa e nebulosa atmosfera cheia de hi-
separação entre uma estrela e um salpico é proporcional ao com- drocarbonetos até a superfície manchada. Perto do amanhecer,
primento de onda da luz em uma imagem”, diz James Graham, com o brilho do Sol a se aproximar no horizonte, Macintosh se
cientista do projeto do GPI, e professor da Universidade da Cali- inclinou para trás na cadeira e suspirou, exausto mas satisfeito.
fórnia, Berkeley, conforme olhamos para a tela. Em comprimen- Na noite final do prazo de seis dias, a equipe do GPI encontrou
tos de onda mais curtos, mais azuis, um salpico aparece mais seu primeiro planeta, que orbita uma estrela de 20 milhões de
perto da estrela; em comprimentos de onda mais longos, mais anos, ao dobro da distância Júpiter-Sol. Macintosh não é o primei-
vermelhos, esse mesmo salpico aparece mais longe, Graham ex- ro a notar. Robert de Rosa, pós-doutorando na Universidade da
plica. “Então, quando você vê toda a sequência [de comprimento Califórnia em Berkeley, espia um ponto cintilante ao olhar sobre o
de onda], as manchas se moverão. Um planeta não.” ombro de outro colega em algumas imagens do GPI que passa-
Macintosh rola para trás e para frente através das exposições, riam despercebidas. Observações seguintes mostrariam duas a
empilhados como quadros de um filme, e o halo parece respirar, três vezes a massa de Júpiter, com uma atmosfera com metano
se ampliando e contraindo conforme todas as protuberâncias se quente o suficiente para derreter chumbo. Está a 100 anos-luz da
movem em uníssono. Todos os nódulos, exceto um: um ponto so- Terra, mas é a coisa mais parecida com Júpiter já vista.
litário, fixo, de luz planetária pescado de um mar de manchas es- “Este é o primeiro planeta que alguém já descobriu que se
telares. Em menos de meia hora, passamos de ver apenas o vento parece com uma versão quente de Júpiter, em vez de uma estre-
para um mundo distante em torno de outra estrela. Uma análise la muito fria”, diz Macintosh. “Esse planeta pode ser jovem o su-
mais aprofundada do espectro do planeta advindo dos dados do ficiente para ainda lembrar de seu processo de formação. Com
GPI sugere que o planeta é extremamente vermelho, talvez resul- observações suficientes, poderíamos determinar melhor sua
tado de um excessivo espalhamento da luz pela poeira em sua at- massa e idade e descobrir se se formou pelo processo bottom-up,
mosfera superior. É um detalhe pequeno, mas emocionante, como pensamos que Júpiter se formou, ou pelo processo top-
aprender sobre um mundo que está a 300 anos-luz de distância. -down, como uma estrela.”

www.sciam.com.br 41
Enquanto conversamos, Macintosh me pede sigilo até que a anos, e nós dois sabemos como isso é difícil. Nós celebramos
equipe do GPI possa escrever e submeter um artigo. “O SPHERE nossos sucessos e compartilhamos nossas dificuldades para me-
poderia ver isso muito facilmente também”, diz ele. “Não sabe- lhorar nossos sistemas, para preparar o caminho para a próxi-
mos se eles já olharam para essa estrela. Estamos todos nervo- ma geração de observatórios e imageadores.”
sos em sermos superados.” “Estamos entrando em uma nova era com todas essas facili-
dades funcionando quase ao mesmo tempo”, diz Dimitri Mawet,
PRIMEIRA LUZ PARA O FUTURO professor do California Institute of Technology e, na época, um
Pouco depois do amanhecer, deixo o Gemini Sul, pego um dos cientistas principais da instrumentação do SPHERE. “Nós
avião para o norte, alugo um carro e viajo mais de 600 quilôme- vamos descobrir muitas coisas maravilhosas, mas também esta-
tros em uma estrada solitária através do alto e seco Deserto do mos empurrando significativamente a tecnologia da óptica
Atacama, Chile, para chegar ao SPHERE antes que a noite caia. adaptativa para a frente. Isso será fundamental para a próxima
Chego ao observatório do SPHERE, o Very Large Telescope, logo geração de telescópios, o que exigirá esse tipo de controle ape-
após o pôr do sol. nas para manter seus enormes espelhos alinhados.”
Em uma sala de controle apertada, Beuzit, o líder do projeto, Um desses novos telescópios está sendo planejado a apenas 20
está manejando suas tropas conforme o comissionamento come- km a nordeste do SPHERE, no pico de 3.000 metros de Cerro Ar-
ça. Os astrônomos estão debruçados sobre telas de computador, mazones. Pouco depois de minha visita, explosões dinamitaram o
conversando calmamente em francês, alemão e inglês, tentando topo do pico, abrindo terreno para a construção do European Ex-
ignorar as câmeras e microfones da equipe de filmagem do docu- tremely Large Telescope, um dos três observatórios gigantescos
mentário em visitação. Beuzit, com o seu cabelo escuro despen- previstos para estrear em cerca de uma década. Emparelhado com
teado e barba, parece um pouco com o falecido diretor de cinema o poder de captação de luz sem precedentes do gigantesco espelho
Stanley Kubrick. Ele vai de estação em estação, bebericando café de 30 ou 40 metros desses observatórios gigantes, um sistema se-
expresso, parando aqui e ali para ouvir e aconselhar. Uma recen- melhante ao SPHERE ou ao GPI seria capaz de imagear não só ju-
temente esvaziada garrafa de champanhe Laurent-Perrier está piteres autoluminosos, mas também planetas potencialmente ha-
em uma estante próxima, “SPHERE 1st Light” está rabiscado bitáveis 1.000 vezes mais tênues que orbitam estrelas vizinhas
com marcador preto em seu rótulo. mais frias próximas do Sol. Uma missão de imageamento direto
O desempenho do SPHERE foi admirável durante o comis- dedicada no espaço poderia então sondá-los ainda mais, buscando
sionamento, produzindo belíssimas fotos de diversos alvos ce- sinais de vida. Desde que mundos estejam ainda lá para serem vis-
lestes, incluindo um fraco anel de poeira em torno de HR 4796A, tos. A perspectiva de obter essas imagens, vislumbrando Terras
uma estrela de oito milhões de anos a 237 anos-luz da Terra, na alienígenas, é o que motiva muitas das pessoas por trás de projetos
constelação Centaurus (ver ilustração na página 40). Mais tar- como o GPI e o SPHERE.
de, quando eu olhei para o anel com a estrela obturada em seu Macintosh disse isso muitas vezes durante as nossas conversas
centro, eu me senti como se estivesse sendo observado – a ima- no Gemini Sul: “Eu vejo tudo o que estamos fazendo agora como
gem se parece com um enorme olho, olhando através das pro- passos ao longo da estrada em direção a uma foto de outra Terra.
fundezas do espaço. Mas, apesar dessas fotos lindas na noite de Algum dia vamos ter essa foto. Se nós finalmente obtivermos re-
minha visita, o SPHERE não está completamente pronto para sultados sobre aquela fração dos pequenos planetas rochosos que
descobrir novos planetas, Beuzit me diz. Não está tudo bem com possuem coisas realmente relevantes – como os que têm oceanos,
a óptica adaptativa do sistema: alguns dos atuadores do espelho oxigênio atmosférico, e assim por diante – e esse número acabar
deformável de € 1 milhão e 1.377 elementos estão falhando, e por ser muito pequeno, bem, isso é provavelmente muito impor-
ninguém na equipe sabe o porquê. A solução definitiva, Beuzit tante. Isso pode não fazer nenhuma diferença prática para a pro-
diz, pode ser substituir todo o espelho por um novo que use uma gressão da nossa civilização por um tempo muito longo, mas, filo-
tecnologia diferente para os atuadores. Mesmo assim, ele está soficamente, ela será capaz de dizer que ‘o nosso [planeta] é o úni-
otimista que tanto o SPHERE quanto o GPI vão atender e supe- co lugar como esse dentro de 1.000 anos-luz’, e talvez isso nos leve
rar suas metas. Nesse meio tempo, o comissionamento deveria a tentar com um pouco mais de afinco não estragar tudo”.
continuar – o comissionamento foi concluído no início deste
ano, gerando seu próprio primeiro lote de observações científi-
PA R A C O N H E C E R M A I S
cas iniciais, produzindo imagens de vários sistemas planetários
302 å`Ÿy´`y ÿyàŸŠ`D´Î Bruno Leibundgut et al. em Messenger, no 159, págs. 2 a 5,
previamente fotografados.
março de 2015.
Quando eu perguntei a ele sobre a rivalidade do SPHERE Ÿàåï ¨Ÿ‘›ï ¹† ï›y y®Ÿ´Ÿ 0¨D´yï ®D‘yàÎ Bruce Macintosh et al. em Proceedings of the National
com o GPI, a primeira resposta de Beuzit foi apenas um sorriso e Academy of Sciences USA, vol. 111, no 35, págs. 12.661 a 12.666, 2 de setembro de 2014.
um gole de seu café. Depois de um momento, o astrônomo fran- ā¹È¨D´yï myïy`´ ïy`›´ŸÕùyåÎ Debra Fischer et al. em Protostars and Planets VI. University
of Arizona Press, 2014.
cês falou com cuidado.
D OS N OSSOS A RQU I VOS
“Uma vez que ambos começarem a descobrir novos planetas,
ninguém se lembrará de quem foi o primeiro”, diz Beuzit. “Eu 3yDà`›Ÿ´‘ †¹à ¨Ÿ†y ¹´ ¹ï›yà ȨD´yïåÎ J. Roger P. Angel e Neville J. Woolf, abril de 1996.
' D®D´›y`yà my `zùå ®ùŸï¹ mŸåïD´ïyåÎ Michael D. Lemonick, agosto de 2013.
não estou dizendo que não vamos competir e lutar, nós e os
americanos. Mas Bruce Macintosh e eu nos conhecemos há 15

42 Scientific American Brasil | Setembro 2015


$Î ›Dà¨yå"ŸUyà®D´ é professor de otologia e
laringologia na Escola de Medicina de Harvard e diretor dos
Laboratórios Eaton-Peabody no Hospital de Olhos e
Ouvidos de Massachusetts. Ele se especializa em estudar os
caminhos entre a parte interna do ouvido e o cérebro.

NEUROCIÊNCIA

A PERDA AUDITIVA

Britadeiras, shows e outras fontes de


ruídos podem provocar danos irreparáveis
aos seus ouvidos de maneiras inesperadas
M. Charles Liberman

ÃS DE FUTEBOL AMERICANO DO SEATTLE SEAHAWKS


e do Kansas City Chiefs rotineiramente com-
petem em jogos disputados “em casa” para
estabelecer o recorde de estádio mais ruidoso
do mundo no Livro Guinness dos Recordes.
No dia 1o de outubro de 2014, os torcedores
do Chiefs atingiram o mais recente pico: 142,2
decibéis (dB). Esse nível equivale ao insuportável rugido de um
motor a jato acelerado a 30,5 metros de distância, um típico exem-
plo citado por especialistas para um barulho mais que suficiente-
mente alto para causar danos auditivos. Após o jogo, os fãs esta-
vam extáticos. Eles “curtiram” a experiência, salientando o
zumbido em seus ouvidos ou a sensação de que seus tímpanos
BRIAN STAUFFER

estavam prestes a explodir. Mas o que acontecia dentro de seus


ouvidos estava longe de ser maravilhoso.
www.sciam.com.br 43
Um teste de audição, se aplicado antes e MARAVILHA SENSORIAL uma célula ciliada atravessa uma estreita
imediatamente após o jogo, poderia ter A vulnerabilidade do ouvido resulta de fissura para se ligar a receptores na extre-
acusado uma acentuada deterioração. O sua impressionante sensibilidade, que lhe midade, ou terminal, de uma fibra nervo-
som mais sutil que um fã poderia ter escu- permite funcionar em uma vasta gama de sa auditiva. Cada terminal se encontra em
tado antes do apito inicial, digamos pala- níveis sonoros. A nossa capacidade de dis- uma extremidade de uma célula nervosa
vras sussurradas, talvez não fosse mais de- cernir um som baixo, sutil, em frequên- que estende uma longa fibra, um axônio,
tectável até o meio tempo. Até o apito final, cias de cerca de mil oscilações por segun- até a sua outra extremidade, no tronco ce-
os limiares de audição poderiam ter au- do, ou 1.000 hertz (Hz) — em outras pala- rebral. O glutamato ligado a fibras nervo-
mentado em até 20 a 30 dB. À medida que vras, o limite em que podemos perceber sas dispara um sinal elétrico que percorre
o zumbido nos ouvidos dos fãs diminuiu ao esse som — é definido como zero decibel. todo o comprimento do nervo auditivo até
longo de alguns dias, o resultado do teste Utilizando essa medida logarítmica, cada o tronco cerebral. De lá, os sinais passam
de audição, chamado audiograma, pode aumento de 20 dB no nível de um som por uma série de circuitos neurais parale-
muito bem ter voltado à linha de base, ou corresponde a um aumento de 10 vezes na los que atravessam várias regiões, do tron-
basal, enquanto a capacidade de escutar amplitude das ondas sonoras. A zero dB, co cerebral ao mesencéfalo e o tálamo, ter-
sons fracos retornava. os ossos do ouvido médio, cujas vibrações minando sua jornada no córtex auditivo.
Durante muito tempo cientistas julga- estimulam o processo auditivo, se movem Em conjunto, esse complexo circuito ana-
ram que assim que limites auditivos volta- menos que o diâmetro de um átomo de hi- lisa e organiza nosso ambiente acústico
vam ao normal, o ouvido também deveria drogênio. No extremo oposto, como nos em uma série de sons reconhecíveis, seja
fazer o mesmo. Recentemente, porém, níveis recordes de mais de 140 dB do jogo uma melodia familiar ou o som estridente
meus colegas e eu demonstramos que essa do Kansas City Chiefs, que simplesmente de uma sirene.
suposição não é verdadeira. Exposições induzem dor, o ouvido é forçado a lidar Células ciliadas são de dois tipos: exter-
que levam a um aumento apenas temporá- com ondas sonoras 10 milhões de vezes nas e internas. As externas amplificam os
rio de limiares podem, sim, causar dano superiores em amplitude. movimentos induzidos por som no ouvido
imediato e irreversível a fibras do nervo au- A audição começa quando o ouvido ex- interno, enquanto as internas traduzem es-
ditivo, que transmite informações sonoras terno canaliza ondas sonoras através do ses movimentos nos sinais químicos que
para o cérebro. canal auditivo até o tímpano, que vibra e estimulam o nervo auditivo. As células in-
Esse dano pode não afetar a detecção de aciona os ossos do ouvido médio. Em se- ternas são as mais diretamente atuantes no
tons, como mostra o audiograma, mas ele guida, as vibrações resultantes prosse- processo que consideramos ser “audição”,
pode dificultar a capacidade de processar guem até a cóclea, o tubo cheio de fluido porque 95% das fibras nervosas auditivas
sinais mais complexos. Essa condição re- do ouvido interno, onde se localizam célu- só formam sinapses com células ciliadas
cém-identificada é chamada perda auditi- las ciliadas que ocupam uma faixa espira- internas. Por que tão poucas fibras conec-
va “oculta” porque um audiograma normal lada de tecido chamada órgão de Corti, ou tam as células ciliadas externas ao cérebro
pode esconder o dano neural e a deficiên- órgão espiral. Essas células recebem seu continua sendo um mistério, mas já foi teo-
cia auditiva associada a ele. nome de saliências semelhantes a pelos rizado que as fibras ligadas a células cilia-
À medida que uma pessoa continua a conhecidos como estereocílios, que se pro- das externas talvez sejam a fonte da dor
abusar de seus ouvidos, o estresse sobre jetam em feixes de uma extremidade das que todos nós sentimos quando a altura de
as fibras nervosas pode aumentar. De células. As células ciliadas mais sensíveis uma onda sonora se aproxima de 140 dB.
fato, essa perda de integridade pode con- a baixas frequências ficam em uma das ex- Historicamente, a perda auditiva tem
tribuir para a deterioração gradual da ca- tremidades da espiral coclear, e as mais sido avaliada principalmente por meio de
pacidade de pessoas de meia-idade e ido- sensíveis a altas frequências se localizam audiogramas. Os otologistas, médicos es-
sos discriminarem as sutilezas da fala. na outra ponta. À medida que ondas sono- pecializados em ouvidos e audição, sabem
No entanto, a perda auditiva oculta não ras flexionam esses “pelos”, as células con- há muito tempo que operários que mol-
é, de forma alguma, restrita a adultos vertem vibrações em sinais químicos, emi- dam chapas metálicas em caldeiras por
mais velhos. A mais recente pesquisa su- tindo uma molécula neurotransmissora, percussão frequentemente apresentavam
gere que ela está ocorrendo em idades glutamato, na outra extremidade, onde as perda permanente de audição para tons
cada vez mais tenras na sociedade indus- células ciliadas formam sinapses com as na região de frequência média. Audiogra-
trial devido à maior exposição a sons al- fibras do nervo auditivo. mas registram nossa capacidade de detec-
tos; alguns evitáveis, outros não. Na sinapse, o glutamato liberado por tar tons a intervalos de oitavas de fre-

EM SÍNTESE

åDUym¹àŸD `¹´ÿy´`Ÿ¹´D¨ sustenta que ruí- % ÿyŸå my àù m¹ y¨yÿDm¹å podem produzir ÈyàmD DùmŸïŸÿD ¹`ù¨ïD que resulta pode 7® ®ymŸ`D®y´ï¹ ÈDàD ày`ùÈyàDà ŠUàDå
dos altos provocam som abafado ou zumbido mD´¹å Èyà®D´y´ïyå D ŠUàDå ´yàÿ¹åDå DùmŸ- permitir que alguém ouça sons sem dis- ´yàÿ¹åDå mD´ŸŠ`DmDå ȹmy åyà ù®D 幨ùcT¹
nos ouvidos, mas que eles se recuperam logo. tivas que conduzem os sons ao cérebro. cernir o que um orador está dizendo. para esse problema amplamente difundido.

44 Scientific American Brasil | Setembro 2015


Fibra nervosa auditiva
T R AU M A AU D I T I VO (verde)
Caminho para
o cérebro
O estrago pelo som em altos volumes 2ù m¹D¨ï¹mD´ŸŠ`Dïyட´DŸåmyŠUàDå´¹
nervo auditivo. Como resultado, as conexões
Quando ondas sonoras viajam através do canal auditivo, além do tímpano, elas
com o ouvido interno são perdidas e a
chegam ao ouvido interno. Ali, no chamado órgão de Corti, vibrações induzi- audição é prejudicada
das por som estimulam as células ciliadas externas (detalhe)Í ­Ç§ž‰`DlDä
por essas células externas, essas vibrações são então detectadas por outras
internas, também ciliadas, que as traduzem em sinais químicos que serão
x³þžDl¸äÇDßD‰UßD䳸³xßþ¸Dølžîžþ¸Í 3DUxäx
há tempos que danos às células ciliadas pro-
vocam perda de audição. Mas foi constatado
ÔøxDä‰UßDäîD­Uy­Ǹlx­ äxß lD³ž‰`D
das por ruídos altos, levando a uma perda
auditiva mesmo quando as células cilia-
das permanecem intactas.

Células ciliadas
Nervo auditivo internas (azul)

Canal auditivo
Órgão de Corti
Células ciliadas
Tímpano externas (vermelho)

quência: por exemplo, 250, 500, 1.000, de Saúde e Segurança Ocupacional a 95 dB por mais de quatro horas ou a 100
2.000, 4.000 e 8.000 Hz. Nos estágios ini- (OSHA), mas diversas agências sugerem dB por mais de duas horas por dia. Por es-
ciais da perda auditiva induzida por ruí- limites diferentes. A falta de concordância sas medidas, a exposição a 142 dB ou mais
do, o audiograma exibe o que é chamado precisa reflete os desafios na avaliação dos de fãs de futebol americano que disputam
“doença do caldeireiro”, uma incapacida- riscos de danos provocados por ruídos. E o recorde Guinness de ruído excederia as
de de detectar sons nas frequências mé- o problema é duplo. orientações da OSHA em cerca de 15 se-
dias da faixa de audição humana. Primeiro, existem enormes diferenças gundos. É claro que a entidade não regula-
Nas décadas de 50 e 60, estudos epide- individuais em suscetibilidade a ruídos: há menta os níveis de ruídos para fãs em jogos
miológicos de operários em fábricas baru- o que poderia ser descrito como ouvidos de futebol, nem para fazendas dos EUA,
lhentas mostraram uma clara relação entre “duros ou resistentes” e ouvidos “delica- onde adolescentes que dirigem tratores e
o tempo no emprego e um declínio da acui- dos”. Isso significa que os reguladores pre- colheitadeiras durante o dia todo correm
dade auditiva. O déficit inicial de aproxi- cisam decidir que porcentagem da popula- sério risco de perda auditiva.
madamente 4.000 Hz tendeu a se espalhar ção querem proteger e que nível de perda Nos últimos 60 anos, otologistas pre-
para outras frequências com o tempo. Mui- auditiva é aceitável. O segundo problema é sumiram que leituras ou interpretações
tos trabalhadores mais velhos perderam a que os efeitos de ruídos na audição resul- rotineiras de um audiograma revelam
audição completamente acima de 1.000 ou tam de uma complexa combinação de tem- tudo o que é preciso saber sobre danos
2.000 Hz. Uma perda sonora tão alta causa po de duração, intensidade e frequência de induzidos por ruídos na audição. De fato,
uma deficiência auditiva grave porque sons a que uma pessoa é exposta. o audiograma mostrará se houve danos
grande parte das informações na fala se si- Atualmente, a OSHA determina que os às células ciliadas do ouvido interno, e
tua na faixa de frequência que se tornou níveis sonoros não devem exceder 90 dB estudos das décadas de 40 e 50 revelaram
“surda”, ou deixou de responder. para uma jornada de trabalho de oito ho- que essas células estavam entre as mais
Na década de 70, estudos humanos ras. O risco de danos provocados por ruí- vulneráveis do ouvido interno a sobre-ex-
como esses inspiraram o governo dos Es- dos acima de 90 dB é mais ou menos pro- posições acústicas.
tados Unidos a estabelecer diretrizes para porcional à energia total aplicada ao ouvi- Experimentos em animais, alguns con-
níveis de ruídos a fim de limitar as exposi- do. Para cada 5 dB adicionais acima do duzidos em nosso laboratório, mostraram
ções no local de trabalho. Hoje, várias padrão de oito horas, as diretrizes da que as células ciliadas externas são mais
agências federais regulam esses níveis, in- OSHA recomendam uma redução de 50% vulneráveis que as internas, que células ci-
clusive o Instituto Nacional de Saúde e Se- do tempo de exposição; em outras pala- liadas na seção da cóclea, que detecta tons
gurança Ocupacional e a Administração vras, um trabalhador não deve ser exposto de alta frequência, são mais vulneráveis

Ilustração de Bryan Christie www.sciam.com.br 45


A L G U M A S M E D I DA S S I M P L E S que as da região de baixa frequência, e
que, uma vez perdidas, ou muito danifica-
Como proteger sua audição das, elas jamais se regeneram. Antes mes-
mo de degenerarem, ruídos altos podem
Em várias espécies animais diferentes, os goso do que colocar fones de ouvido intra- danificar os feixes de estereocílios sobre
danos neurais no ouvido são irreversíveis -auriculares (também chamados “earbuds”).
as células, e esse dano também é irreversí-
após duas horas de exposição contínua a ruí- Deixe-os expandir lentamente e, em um
vel. Quando ocorrem danos ou morte de
dos de 100 a 104 decibéis (dB). Tudo leva a minuto você está pronto para qualquer ação.
crer que isso vale para humanos. A maioria Se estiver assistindo a um show, esses
células ciliadas, os limiares auditivos são
das exposições diárias em nossas vidas não tampões de espuma abafam demais o som. elevados, o volume do rádio precisa ser
duram tanto tempo. Ainda assim, é prudente Quando você quiser escutar o som, mas só aumentado, ou um colega do outro lado
evitar uma exposição desprotegida a quais- em um nível mais seguro, use protetores au- da mesa tem de erguer a voz.
quer sons que ultrapassem 100 dB. ditivos para músicos. Há várias marcas dis- Um estudo mais incisivo de lesão co-
Muitos sons na vida cotidiana nos levam poníveis on-line por US$ 10 a US$ 15 por par. clear em humanos tem sido dificultado
a uma zona de perigo. Locais de shows Eles são projetados para fornecer uma ate- pelo fato de que as diminutas células cilia-
musicais e boates rotineiramente produzem nuação sonora de 10 a 20 dB, com igual aba-
das não podem ser submetidas a biópsias
picos que chegam a 115 dB e níveis médios famento para sons de baixa e alta frequência
com segurança, nem imageadas em uma
superiores a 105 dB. Sopradores de folhas para não afetar o timbre da música.
movidos a gasolina e máquinas de cortar Mais importante: preste atenção a o que
pessoa viva com qualquer técnica existen-
grama atingem os ouvidos dos usuários a seus ouvidos estão lhe dizendo. Se você dei- te. Danos associados à perda auditiva indu-
níveis de 95 a 105 dB, assim como serras cir- xou um evento ou uma atividade sentindo zida por ruído em humanos só têm sido es-
culares. A frequência dos sons é importante. que os sons parecem abafados, como se tudados em pessoas que doaram seus ouvi-
O ruído mais agudo ou estridente de uma tivesse algodão nos ouvidos, ou se sente um dos para estudos científicos após a morte.
lixadeira de cinta é mais perigoso ao mesmo zumbido neles, pode ser que tenha destruído Em parte, devido a essas limitações, a
nível de decibéis que o rugido menos estre- algumas sinapses do nervo auditivo. Não se pergunta se a perda auditiva é inevitável
pitoso de uma motocicleta com escapamen- desespere, mas tente evitar que isso aconte-
no processo de envelhecimento, ou se é
to aberto ou mal regulado. Britadeiras produ- ça novamente. —M.C.L.
uma consequência da reiterada exposição
zem níveis de 120 dB até para transeuntes, e
o contínuo som de “disparos de metralhado- 140 decibéis Motor a jato ao clamor da vida moderna, continua sen-
ras”, ou impulsos rápidos da broca de metal do um mistério para cientistas auditivos.
no concreto produzem muitos dos perigosos Uma sugestão tentadora veio de um estudo
sons agudos e estridentes. realizado na década de 60, em que os pes-
O que podemos fazer? Atualmente qua- quisadores selecionaram grupos que vi-
se todos nós temos acesso a medidores sur- 130 Tiros viam em ambientes excepcionalmente si-
preendentemente precisos de níveis sonoros lenciosos, como a tribo dos mabaan no de-
em nossos bolsos ou bolsas. Existem inúme-
serto sudanês. Os testes de audição em
ros aplicativos gratuitos ou de baixo custo
homens mabaan de 70 a 79 anos foram sig-
para iOS e Android que fornecem leituras 120 Britadeira
`¸³‰Eþxžä lx ÇßxääT¸ 丳¸ßD Ç߸løąžlD Ǹß
nificativamente melhores em comparação
um instrumento musical ou um motor de com norte-americanos da mesma idade.
carro que “explode” e que se situam em uma 110 Local de show/boate Evidentemente, esses estudos não têm
faixa de precisão de 1 a 2 dB do mais caro como detectar outras diferenças entre um
xÔøžÇD­x³î¸ Ç߸‰ä䞸³D§ lx ­¸³žî¸ßD­x³î¸ Perda auditiva com norte-americano médio e um típico maba-
de sons. O app para iOS que melhor funcio- 100 2 horas de exposição
Cortador de grama a gasolina
an, como as associadas a uma herança ge-
nou para mim, o Sound Level Meter Pro, cus- nética ou à dieta.
ta menos de US$ 20 e me forneceu leituras
Perda auditiva com
com uma precisão de menos de 0,1 dB. 90 8 horas de exposição DANO PROFUNDO
Uma vez que você se conscientiza de Motocicleta
quais sons em seu ambiente são potencial-
Investigações recentes conduzidas por
mente perigosos, a boa notícia é que prote- meus colegas e mim sobre os efeitos de ruí-
î¸ßxä x‰`Dąxä lx ¸øþžl¸ä äT¸ UDßDî¸äj …E`xžä dos na audição acresceram uma dimensão
de usar e portáteis. Se bem inseridos, tam- 80 Tráfego urbano nova e preocupante à nossa compreensão
pões ou plugues de espuma podem atenuar dos perigos da sobre-exposição acústica.
o nível de som em 30 dB nas regiões de fre- 70 Aspirador de pó Cientistas e médicos sabem há muito tem-
quência mais perigosas. Pressione um entre po que parte da deficiência auditiva decor-
os dedos para espremê-lo no cilindro mais 60 Conversa normal rente da exposição a ruídos é reversível e
‰³¸ Ôøx `¸³äxøžß xj x­ äxøžlDj ¸ ž³äžßD
50 Chuva parte não é. Em outras palavras, às vezes os
rapidamente o mais fundo que pode em seu
canal auditivo. Isso não é mais difícil ou peri-
limiares de audição voltam ao normal pou-
cas horas ou dias após uma exposição, ou-
tras vezes a recuperação será parcial, ou in-

46 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Gráfico de Amanda Montañez


completa, e o limiar mais alto persistirá há pessoas na imagem, mas não consegue dar a estrutura molecular dessas sinapses.
para sempre. Cientistas auditivos costuma- mais identificá-las. Similarmente, teoriza- Anticorpos capazes de se ligar a estruturas
vam acreditar que se a sensibilidade limiar mos que a perda difusa de neurônios não de cada lado da sinapse entre a célula ci-
se recuperava, o ouvido também se recupe- precisa afetar necessariamente sua capaci- liada interna e a fibra nervosa auditiva e
rava completamente. Agora sabemos que dade de detectar um som, mas poderia fa- “etiquetá-las” com diferentes marcadores
isso não é verdadeiro. cilmente degradar a compreensão da fala fluorescentes tinham se tornado disponí-
O estalar alto dos fogos de artifício em em um restaurante barulhento. veis. As etiquetas nos permitiram contar
4 de julho ou o rugido da multidão em um Quando começamos a investigar os da- as sinapses facilmente sob um microscó-
jogo de futebol não só afeta as células ci- nos induzidos por ruídos em nervos, na dé- pio de luz. E rapidamente acumulamos
liadas, mas também danifica as fibras ner- cada de 80, a única maneira de contar as si- dados que mostravam que alguns dias
vosas auditivas. Na década de 80, nós e napses entre fibras nervosas auditivas e cé- após a exposição a ruídos, quando o limiar
outros mostramos que ruídos excessiva- lulas ciliadas internas era com uma técnica auditivo havia retornado ao normal, até
mente altos causam danos aos terminais chamada microscopia eletrônica de corte 50% das sinapses nervosas auditivas ti-
das fibras nervosas, onde elas formam si- em série, um processo altamente laborioso nham sumido e nunca mais se regenera-
napses com células ciliadas. O inchaço e que requer cerca de um ano de trabalho ram. A perda do resto dos neurônios – os
por fim a ruptura dos terminais provavel- para analisar as sinapses neurais em ape- corpos celulares e axônios que se projetam
mente ocorre em resposta a uma liberação nas algumas poucas células ciliadas de para o tronco cerebral– tornou-se evidente
excessiva da molécula sinalizadora de glu- uma cóclea. em poucos meses. Após dois anos, metade
tamato pelas células ciliadas superestimu- Vinte e cinco anos depois, minha colega dos neurônios auditivos havia desapareci-
ladas. De fato, uma liberta- do totalmente. Assim que
ção excessiva de glutamato as sinapses foram destruí-
em qualquer parte do sis-
tema nervoso é tóxica. A A PERDA AUDITIVA OC das, as fibras afetadas per-
deram sua utilidade e não
sabedoria convencional
sustentava que essas fibras TAMBÉM PODE AJUD reagiram mais a sons de
qualquer intensidade.
danificadas por ruído ti-
nham de se recuperar ou A EXPLIC
CAR OUTRA Nos últimos anos, docu-
mentamos a degeneração
regenerar após uma expo-
sição a sons intensos por- QUEIXAS ASSOCIADA de sinapses induzida por
ruídos em camundongos,
que limiares auditivos po-
dem voltar ao normal em AUDIÇÃO, IN
NCLUSIV cobaias e chinchilas, e em
tecido humano post mor-
tem. Mostramos, tanto nos
ouvidos que apresentavam
um inchaço massivo ime- ZUMBIDDO NO OUVI estudos animais como em
diatamente após o evento. ouvidos humanos, que a
Em meu laboratório es- perda de conexões entre fi-
távamos céticos de que sinapses tão severa- Sharon G. Kujawa do Hospital de Olhos e bras nervosas auditivas e células ciliadas
mente danificadas podiam se regenerar no Ouvidos de Massachusetts e eu estávamos ocorre antes das elevações limiares associa-
ouvido adulto. Também sabíamos que da- tentando determinar se um episódio de su- das à perda dessas células. A ideia de que
nos induzidos por ruído ao nervo não se- perestímulo acústico nos ouvidos de jovens danos neurais auditivos causam uma espé-
riam refletidos necessariamente nos testes camundongos podia acelerar o início da cie de perda auditiva oculta, um importan-
padrão porque estudos com animais que perda auditiva associada à idade. O nível te componente da deficiência auditiva in-
remontavam à década de 50 mostraram de ruído a que expusemos os animais foi duzida por ruídos e associada à idade, ago-
que a perda de fibras nervosas auditivas, projetado para produzir apenas uma eleva- ra é amplamente aceita e muitos cientistas
sem prejuízo de células ciliadas, não afeta o ção temporária dos limiares auditivos e, e médicos auditivos estão trabalhando
audiograma até que a perda se torne catas- portanto, nenhum dano permanente às cé- para desenvolver testes para determinar se
trófica, ou superior a 80%. Parece que não é lulas ciliadas. Como esperado, as cócleas o problema é generalizado e se os nossos
necessário ter uma densa população de fi- dos roedores pareciam normais poucos estilos de vida ruidosos estão levando a da-
bras nervosas para detectar a presença de dias após a exposição. Mas, à medida que nos auditivos epidêmicos em pessoas de to-
um tom em uma silenciosa cabine de teste. examinamos os animais ao longo de um das as idades.
Por analogia, pegue uma imagem digital de período de seis meses a dois anos depois,
um grupo de pessoas e a processe repetida- observamos uma perda cumulativa de fi- CONSERTANDO NERVOS
mente com uma resolução cada vez mais bras nervosas auditivas, apesar da presen- Colocado em termos simplificados, o
baixa. À medida que você reduz a densida- ça de células ciliadas intactas. audiograma, o teste padrão-ouro de audi-
de de pixels, os detalhes da imagem se tor- Felizmente, muito tinha sido aprendi- ção, mede limiares auditivos e é um “ter-
nam menos nítidos. Você ainda sabe que do desde a década de 80 sobre como estu- mômetro” sensível de danos em células ci-

www.sciam.com.br 47
liadas cocleares. No entanto, ele é um indi- na força de trabalho dos EUA estão to- em um grupo de estudantes universitários
cador muito fraco, ou insatisfatório, de das baseadas na suposição de que, se os britânicos com audiogramas normais e
danos causados em fibras nervosas auditi- limiares pós-exposição voltam ao nor- constatou amplitudes de respostas meno-
vas. Nossa pesquisa mostrou que a lesão mal, o ouvido também se recuperou res entre os voluntários que relataram ter
neural da perda auditiva oculta não afeta a completamente. Como vimos, essa pre- sido expostos repetidamente à barulheira
capacidade de detectar a presença de sons, missa é equivocada; portanto, segue-se de boates e shows musicais.
mas muito provavelmente degrada nosso naturalmente que os atuais regulamen- Em busca de potenciais tratamentos
potencial para entender a fala e outros tos para ruídos podem ser inadequados para a perda auditiva oculta, agora esta-
sons complexos. De fato, ela pode ser um para evitar amplos danos neurais indu- mos considerando se podemos reverter a
significativo fator contribuinte para a quei- zidos por barulho e a deficiência auditi- degeneração induzida por ruído ao tratar-
xa clássica dos idosos: “Posso escutar as va que provocam. mos os neurônios sobreviventes com subs-
pessoas falando, mas não consigo discernir Para resolver essa questão, precisa- tâncias químicas destinadas a regenerar
o que estão dizendo”. mos de testes diagnósticos melhores para fibras nervosas, restabelecendo suas cone-
Audiologistas sabem há tempos que determinar danos neurais auditivos, xões com células ciliadas internas. Embo-
duas pessoas com audiogramas similares principalmente em vista das limitadas ra as próprias sinapses sejam destruídas
podem ter um desempenho muito dife- possibilidades de contar sinapses em te- imediatamente após a exposição ao ruído,
rente nos chamados testes de fala na pre- cidos post mortem. a lentidão da degeneração do restante do
sença de ruído, que medem o número de Uma abordagem promissora se baseia nervo – seu corpo celular e axônios – nos
palavras identificadas corretamente à em uma medida já existente da atividade deixa otimistas de que a função normal
medida que o nível de barulho de fundo elétrica em neurônios auditivos, chamada pode ser restaurada em muitos voluntá-
aumenta. Antigamente, eles atribuíam potencial evocado auditivo de tronco ence- rios humanos. Obtivemos resultados ani-
essas diferenças ao processamento cere- fálico (ABR). O ABR pode ser medido em madores em estudos com animais ao mi-
bral, mas nossa pesquisa sugere que uma pessoa desperta ou adormecida, po- nistrarmos diretamente ao ouvido interno
grande parte delas surgem devido a dife- rém equipada com eletrodos aplicados ao neurotrofinas, que são proteínas que pro-
renças na população sobrevivente de fi- couro cabeludo para medir a atividade elé- movem o crescimento de nervos.
bras nervosas auditivas. trica em resposta à apresentação de estí- A perda auditiva oculta em breve po-
A perda auditiva oculta também pode mulos tonais de frequências e níveis de derá ser tratável por injeção, através do
ajudar a explicar outras queixas comuns pressão sonora diferentes. Historicamente, tímpano, de géis que liberam lentamente
associadas à audição, inclusive o tinido – o o teste ABR tem sido interpretado em gran- neurotrofinas para restaurar sinapses
zumbido nos ouvidos – e a hiperacusia ou de parte numa base de “passa ou falha”: a meses ou anos após uma agressão por ru-
acuidade auditiva exacerbada, que é a in- presença de uma resposta elétrica clara ídos altos e persistentes. As injeções se-
capacidade de tolerar até mesmo sons de evocada por um som é interpretada como riam aplicadas imediatamente após uma
intensidade moderada. Essas condições uma audição normal, e a ausência de uma exposição a ruídos fortes, como as explo-
frequentemente persistem mesmo quan- reação é evidência de deficiência auditiva. sões das duas bombas na linha de chega-
do um audiograma não acusa um proble- Em trabalhos com animais, mostramos da da Maratona de Boston, em 2013, que
ma. No passado, cientistas e clínicos apon- que a amplitude do ABR em níveis de som danificaram a audição de mais de 100
tavam para o audiograma normal de um altos é muito informativa: ela aumenta espectadores.
portador de tinido ou hiperacusia e con- proporcionalmente em relação ao número Algum dia, um otologista talvez seja ca-
cluíam, mais uma vez, que o problema de- de fibras nervosas auditivas que retêm paz de ministrar drogas à cóclea, por meio
via surgir no cérebro. Nós, em vez disso, uma conexão viável com as células cilia- de um procedimento minimamente invasi-
sugerimos que o dano pode ter ocorrido das internas. vo, e de tratar de danos auditivos induzidos
no nervo auditivo. Da mesma forma, um recente estudo por ruído com a mesma facilidade com que
Nossa pesquisa levanta questões so- epidemiológico inspirado por nossa pes- um oftalmologista corrige um olho míope
bre os riscos da exposição rotineira a quisa aplicou uma variante do teste ABR por cirurgia a laser do cristalino.
música alta em shows e boates e através
de dispositivos pessoais de som. Embora
a perda auditiva induzida por ruído seja
claramente um problema entre músicos PA R A C O N H E C E R M A I S

profissionais, inclusive os que tocam 3Ă´DÈï¹ÈDï›Ă Ÿ´ ï›y ´¹Ÿåyžyāȹåym D´m D‘Ÿ´‘ `¹`›¨yDi ÈàŸ®DàĂ ´yùàD¨ my‘y´yàD´ Ÿ´ D`ÕùŸàym åy´å¹àŸ´yùàD¨
›yDàŸ´‘ ¨¹ååÎ Sharon G. Kujawa e M. Charles Liberman em Hearing Research. Publicado on-line em 11 de março de 2015.
música clássica, estudos epidemiológi-
mmŸ´‘ Ÿ´åù¨ï ï¹ Ÿ´¦ùàĂi `¹`›¨yDà ´yàÿy my‘y´yàD´ D†ïyà Úïy®È¹àDàĂÛ ´¹ŸåyžŸ´mù`ym ›yDàŸ´‘ ¨¹ååÎ Sharon G. Kujawa
cos de ouvintes casuais falharam consis- e M. Charles Liberman em Journal of Neuroscience, vol. 29, nº 45, págs. 14,077–14,085; 11 de novembro de 2009.
tentemente em encontrar um impacto
D OS N OSSOS A RQU I VOS
substancial em seus audiogramas. As di-
y ÿ¹¨ïD D¹ yÕùŸ¨ UàŸ¹ `¹® ¹ày¨›Då UŸ»´Ÿ`DåÎ Charles C. Della Santina, edição nº 96, maio de 2010.
retrizes federais desenvolvidas para mi-
nimizar os danos provocados por ruídos

48 Scientific American Brasil | Setembro 2015


CLIMA

MUDANÇA
DE ESTADO
Seca pode fazer a Califórnia ficar como o Arizona – Dan Baum
Em 1860, um naturalista chamado William
Brewer partiu para fazer o primeiro levantamento geológico do
jovem estado da Califórnia. Ao chegar ao pequeno vilarejo de Los
Angeles, com suas construções de tijolos de adobe, em 2 de
dezembro, ele anotou em seu diário que “tudo o que é desejável
do ponto de vista natural para tornar o lugar um paraíso é água,
mais água”. Três semanas depois uma furiosa torrente de água, a
pior tempestade de chuva em 11 anos, destruiu grande parte dos
edifícios. Assim é o clima na Califórnia.
O registro secular, gravado em anéis de árvores, mostra padrões
similares aos de hoje: longos episódios de secas pontuados por pas-
sageiros anos chuvosos. No ano de 1130, a chuva foi diminuindo
gradualmente e não recomeçou para valer por outros 40 anos.
Secas de várias décadas de duração aparecem regularmente em
anéis de árvores ao longo de toda a história da Califórnia.
Mas a simples falta de chuva registrada nesses anéis já não é
mais uma definição prática de seca. Existe outra melhor, porém
mais subjetiva: a diferença entre a umidade existente e a umida-
de necessária. Por esse padrão, a seca atual não tem precedentes.
Sim, a Califórnia está mais seca do que em qualquer época desde
1895, quando as pessoas começaram a fazer registros meteoroló-
gicos. Mas o estado também está anormalmente quente, 2014 foi
quase 1o C mais quente que o ano mais quente anterior, e 2015
parece estar caminhando para ser mais quente ainda, o que
aumenta cruelmente a sede da terra por água, justamente em um
TODAS AS FOTOGRAFIAS DE JUSTIN SULLIVAN Getty Images

momento em que há pouca disponível. Além disso, as expectati-


vas humanas em relação às suas terras são diferentes de quais-
quer outras na história. Quase 40 milhões de pessoas agora cha-
mam a Califórnia de “lar”, e o resto do país e grande parte do
mundo dependem dos alimentos cultivados ali.
Californianos podem recitar com precisão as secas que
suportaram: 1977, 1986-1991, 2001-2002, 2006-2007 e esta, que
começou em 2011. É possível que futuros cientistas de anéis de
árvores não interpretem todos eles como uma sequência de
APÓS TRÊS ANOS da pior seca já registrada da Califórnia, o eventos distintos, mas como o início de uma dessas megassecas
Lago Oroville, fotografado em julho de 2011 (acima) e em agosto de ao estilo medieval; porém mesmo aquelas tinham alguns anos
2014 (abaixo), caiu para 32% de sua capacidade. chuvosos intercalados.
D´
Dù® é escritor; sua obra mais recente
Gun guys: A road trip. Ex-redator da equipe da
Se a superlotada cultura de hortaliças do vale central da Cali-
revista The New Yorker, já fez reportagens em
fórnia de fato estiver se encaminhando para décadas de baixa cinco continentes.
precipitação em uma era de calor sem precedentes, o chamado
Estado Dourado poderá acabar se tornando um lugar muito dife-
rente. No pior caso, ele poderia ser despojado de sua exuberante
agricultura e imponentes florestas. No melhor, sua população
poderia recorrer às inovações pelas quais o estado é famoso e
transformá-lo no laboratório do mundo para conservação e reú- nos polos, parece estar emperrando as engrenagens meteorológi-
so de água. Seja como for, uma penosa adaptação ao novo “nor- cas. Uma “crista” de alta pressão atmosférica estacionou sobre o
mal” está em pleno andamento. Pacífico oriental, bem na rota da corrente de jato úmida e, como
um gigantesco bloco de pedra que foi parar em um riacho, está
Para entender a seca da Califórnia, é preciso seguir o cami- deslocando o fluxo e empurrando a corrente de jato para o norte.
nho da água. Essa jornada é cheia de surpresas, a começar pelo O que teria sido água de chuva da Califórnia está se precipitando
fato de que seu ponto de partida fica a mais de 9.600 quilômetros em enormes quantidades sobre o Alasca e o noroeste do Canadá,
de distância, no meio dos verdejantes arquipélagos do Pacífico e isso pode ter contribuído para as históricas nevascas, de Chica-
ocidental de Fiji, Vanuatu e das Ilhas Salomão. go a Boston, no inverno boreal passado, e para as inundações no
Normalmente, o sol aquece o Oceano Pacífico ao longo da Reino Unido.
linha do equador, e os ventos superficiais prevalecentes, de leste Essas cristas que bloqueiam a corrente de jato de alta pressão
a oeste, empurram as águas cálidas para o mar pontilhado de são comuns ao largo da costa californiana, mas normalmente se
ilhas a oeste da Linha Internacional de Data (LID). Ali, a água dissipam em poucas semanas, quando são “rompidas”, ou desfei-
literalmente se acumula em um enorme “monte”, ou “colina”, que tas por tempestades. A crista atual, porém, vem persistindo des-
não só é alguns graus mais quente que o mar ao largo da costa da de o inverno de 2013-2014, diminuindo apenas ligeiramente de
América do Sul, mas também cerca de 1,2 metro mais elevado. tempos em tempos, para então, estranha e incomumente, se rea-
Todo esse calor alimenta trovoadas que lançam umidade a gran- grupar de novo e impedir a passagem da umidade do ar. Daniel
des altitudes na atmosfera, onde a corrente de jato, os ventos de Swain, um aluno de doutorado de 25 anos da Universidade Stan-
alta altitude que sopram para o leste em vez de para o oeste, a ford, deu à anomalia o nome que “pegou”: Crista Ridiculamente
incorpora em sua viagem rumo à América do Norte. Resiliente (Ridiculously Resilient Ridge), ou Triplo R. Várias
Quando a massa de água quente equatorial permanece mais tempestades menores perfuraram a Triplo R no inverno passado,
ou menos a oeste da LID, ocorre o fenômeno La Niña, que é asso- inclusive uma chuvarada torrencial em fevereiro, mas em vez de
ciado a secas no sudoeste dos EUA. Se os ventos equatoriais na se dispersar, a crista estranhamente coalesceu (se aglutinou de
superfície do oceano enfraquecerem ou se inverterem, ela se des- novo). Ninguém sabe quanto tempo ela durará.
loca para leste da linha de data e, se o efeito for suficientemente
pronunciado, temos o El Niño, que traz mais chuva para o oci- A maior parte da água trazida do Pacífico ocidental cai pri-
dente. O que acontece agora realmente não parece ser nem El meiro no alto das montanhas da Serra Nevada, uma cordilheira
Niño, nem La Niña. Durante alguns invernos boreais passados, que se estende por mais de 600 quilômetros ao longo da fron-
aquele ponto a oeste da LID estava meio grau Celsius acima da teira oriental do estado. Foi ali que comecei a procurar pela
média dos últimos 30 anos, o que é muito em termos climáticos. água sumida da Califórnia, mais especificamente, no Lago
A área também recebeu cerca de 300 mm de chuvas adicionais Echo, muito acima do Lago Tahoe, na fronteira com o estado de
no inverno de 2013-2014, além de um ciclone de categoria 5, que Nevada. Em anos chuvosos, a água é trazida pela corrente de
lançou uma enorme quantidade de calor do oceano incomumen- jato e precipita ali em quantidades titânicas. Um homem que
te quente na atmosfera superior. No início de 2015, dois outros conheço certa vez esquiou até a área para encontrar sua cabana
ciclones, mais gigantescos ainda na região, fizeram o mesmo. à margem do lago, cavou buracos na neve por toda a encosta da
Cientistas detestam afirmar exatamente o que causa o quê em montanha para tentar encontrar sua casa e não a achou; ele
um clima mutante, mas alguma coisa relacionada àquela massa teve de voltar de lá esquiando no escuro. Comparativamente,
de água quente no Pacífico ocidental, talvez em combinação com este ano praticamente não nevou no Lago Echo. A sotavento, o
um diferencial decrescente entre as temperaturas no equador e lado protegido da crista Triplo R, o inverno norte-americano de

EM SÍNTESE

åy`D ´D D¨Ÿ†ºà´ŸD não tem precedente. ' yåïDm¹ yåïE ®ùmD´m¹ como resultado ' DÕù †y๠m¹ <D¨y y´ïàD¨ está colapsando ' yåïDm¹ ȹmyàŸD Š`Dà como o Arizona.
Registros em anéis de árvores mostram que disso. Na Serra Nevada, árvores grandes e com o descontrolado bombeamento de Mas há esperança. O pensamento criativo já
episódios de estiagem, de décadas de dura- velhas estão morrendo, sendo substituídas águas subterrâneas. Lavouras estão se tor- começou, e muitos veem a seca como uma
ção, já atingiram o estado antes, mas nunca por outras menores. Mesmo as icônicas se- nando ociosas, fruticulturas são consumidas oportunidade para resgatar a Califórnia, e
com tanta pressão populacional. quoias podem estar em risco. por fogo e as torneiras estão secando. ganhar dinheiro no processo.

50 Scientific American Brasil | Setembro 2015


FAZENDEIROS do município de Firebaugh, no Vale Central, inspecionaram suas lavouras (acima, à esquerda); amendoeiras próximas mur-
charam (acima, à direita), e placas foram usadas em protesto contra os cortes de água impostos a fazendeiros (abaixo, à direita). Em Portervil-
le, centenas de domicílios estão sem abastecimento (abaixo, à esquerda).

2013-2014 viu níveis historicamente baixos de neve acumulada enquanto olhava para a encosta arborizada sob a aba de seu cha-
na Serra Nevada e, neste último inverno, a situação foi ainda péu do USGS. “Só estamos em abril”, comentou exasperado.
pior, com apenas 5% da média. Em abril, os acúmulos em Lago Entramos novamente em seu Subaru e subimos a montanha
Echo normalmente atingem a altura de um humano, mas quan- até um bosque de ciprestes, ou cedros-do-incenso-da-califórnia,
do cheguei lá, no chamado “Dia do Imposto” (prazo final para a permeado de espécimes de cor acentuadamente amarelo-amar-
entrega da declaração anual do imposto de renda), só havia ronzada. “Eles são centenários e muito resistentes, hospedeiros
alguns pequenos amontoados de branco embaixo das árvores. de poucos insetos”, observou Stephenson. “De brincadeira,
Do lago, dirigi uns 320 quilômetros rumo ao sul, passando pelo temos chamado essas árvores de ‘as imortais’ porque elas pare-
Parque Nacional Yosemite, para visitar Nathan Stephenson, ecolo- cem nunca morrer.” Ele parou e esticou uma mão para apalpar
gista de plantas do Serviço Geológico dos EUA (USGS), que traba- as agulhas marrons de um cedro. “Agora acho que são mortais.”
lha entre as icônicas árvores gigantes da Califórnia, no Parque Por fim, subimos ao reino das próprias gigantes, as magníficas
Nacional das Sequoias. A reserva se avulta acima do condado Tula- sequoias, muitas das quais se erguiam em meio a montes de
re, no Vale Central, o “ponto zero” da seca. O Rio Kaweah flui do suas próprias agulhas mortas; testemunhas de como a seca está
parque para o extremamente depauperado Lago Kaweah e de lá afetando suas extremidades.
para o vale mais abaixo. Em seus 35 anos de trabalho no parque, Aqui, há 33 anos o USGS monitora 20 mil árvores de várias
Stephenson viu secas chegarem e partirem, mas nunca uma como espécies em 30 trechos bem espaçados. As árvores, inclusive se-
esta. “Só de olhar, eu estimaria que 30% dos carvalhos nas encos- quoias, estão morrendo e também de modo imprevisível. Em
tas estão mortos ou morrendo”, avaliou, examinando uma área flo- tempos normais, um fio ininterrupto de água se estende das raí-
restal que, mesmo para o olho destreinado, parecia pálida e “can- zes de uma árvore para cada folha ou agulha, sendo “sugada”
sada”, pontilhada de árvores marrons. Stephenson é alto e magro, para cima através de diminutos capilares à medida que a árvore
com uma barba grisalha e a disposição bem-humorada de um transpira água no ar. Mas agora, exemplares de todas as espécies
homem que é pago para passar seu tempo ao ar livre em um par- estão morrendo de cavitação: quando o fio de água se rompe e
que nacional. Mas ele estava “de cara fechada”, com ar sombrio, bolhas de ar entram nos capilares, precipitando o fim.

www.sciam.com.br 51
EM NÚMEROS

Uma seca sem precedentes


ȟåºmŸ¹ú®Ÿm¹
DîøD§ äx`D ³D D§ž…¹ß³žD y šžäî¹ßž`D ä¸U ÔøD§Ôøxß DäÇx`î¸Í ' ßE‰`¸ DUDžĀ¸ y UDäxDl¸ ³¸ ³lž`x lx Recentes anos de estiagem têm sido
Severidade de Seca de Palmer (PDSI, na sigla em inglês), um algoritmo de umidade do solo concebido intercalados por anos excepcionalmente
para medir o impacto de longo prazo de uma seca, considerando níveis de reservatórios, dados de águas chuvosos, mas essa umidade não
äøUîxßßF³xDäj x ¸øîß¸ä ž³lž`Dl¸ßxä lx §x³îD ­¸þž­x³îDcT¸Í 'ä lDl¸ä lxžĀD­ `§D߸ Ôøxj x­U¸ßD `¸³lž compensou a tendência geral de
cÆxä xĀîßx­Däj îD³î¸ äx`Dä `¸­¸ ù­žlDäj äx î¸ß³DßD­ ­Džä …ßxÔøx³îxä lxälx D ly`DlD lx èćj î¸lDä Dä ressecamento. Padrões similares
ocorreram há séculos; as megassecas
ßxžÆxä lD D§ž…¹ß³žD xĀÇxߞ­x³îDßD­ ø­D îx³lz³`žD xßD§ lx ßxääx`D­x³î¸ ³Dä ù§îž­Dä ly`DlDäÍ
medievais, de décadas de duração, que
aparecem nos registros de anéis de
árvores californianas também incluíam
娟´›DåÿyàïŸ`DŸåÈàyïDå´yåïy‘àEŠ`¹Dȹ´ïD® ocasionais anos chuvosos.
casos de condições extremamente úmidas ou
secas (com um desvio de +4 a –4 da média).
8
Extremamente úmido

4
Úmido

0
Seco

–4
Extremamente seco

FONTE: CENTROS NACIONAIS PARA INFORMAÇÕES AMBIENTAIS DA ADMINISTRAÇÃO NACIONAL OCEÂNICA E ATMOSFÉRICA (NOAA)
–8

1895 1905 1915 1925 1935 1945 1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015

´mŸ`ymy3yÿyàŸmDmymy3y`Dmy0D¨®yà 'åD´¹åmDÚùåï
¹Ā¨Û 5y´m{´`ŸDÈDàD åy`Då 3y`D‘y´yàD¨ŸĆDmDy
A Califórnia foi poupada, em As curvas sólidas são linhas de my¨¹´‘DmùàDcT¹
DmD ȹ´ï¹ ´¹ ‘àEŠ`¹ D`Ÿ®D àyÈàyåy´ïD ù® ÿD¨¹à grande parte, dos efeitos tendência polinomial que Uma característica incomum e
mensal do Índice de Severidade de Seca de Palmer calamitosos da chamada “Dust my¨Ÿ´yŸD®DåŒùïùDcÇyå‘yàDŸåmy desagradável da atual
para cada uma de sete divisões regionais. Os pontos Bowl” (a seca, com enormes condições nas sete divisões estiagem é que tantas regiões
que estão dentro da faixa “normal” (de +4 a -4) tempestades de poeira, que regionais da Califórnia. A crescente diferentes nesse estado grande
aparecem mais apagados ao fundo. atingiu 400 mil km2 do país densidade de linhas cor de cinza y‘y¹‘àDŠ`D®y´ïyÿDàŸDm¹
Drenagem da costa norte nos anos 30). Por essa razão os verticais após 1975 indica um estão passando por ela em um
Drenagem do distrito de Sacramento fazendeiros desalojados das aumento na frequência de nível extremo.
Bacias do interior nordeste Grandes Planícies fugiram para extremas condições secas e úmidas.
Drenagem da costa central lá em busca de trabalho. Em termos gerais, porém, todas as
Drenagem do distrito de San Joaquin linhas de tendência se curvam para
Drenagem da costa sul baixo durante esse período,
Bacias dos desertos do sudeste indicando que todas as regiões no
estado estão tendendo à seca.

52 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Gráfico de Pitch Interactive


Outras árvores fecham os poros em suas folhas durante perío- águas superficiais da Califórnia. Água liberada por reservatórios
dos de estiagem para reter água. Mas nesse caso elas não podem localizados no norte do estado para fazendas e cidades no sul
absorver dióxido de carbono (CO2). Em geral a umidade retorna tem de passar por ali. Levei horas zanzando entre estradas de
e os poros se abrem novamente antes que as árvores morram terra e vias elevadas pavimentadas para encontrar o pequeno
asfixiadas, mas essa seca está sendo tão longa, persistente e canto do delta conhecido como Clifton Court Forebay, um reser-
quente que muitas estão sendo fatalmente pressionadas a vatório artificial, onde avultam as casas de bombas que transpor-
“optar” entre reter sua água ou respirar. E depois há os besouros tam água pelo amplo canal revestido de concreto, chamado
atraídos para árvores estressadas pela seca, que estão devastan- Aqueduto da Califórnia, rumo a Los Angeles, a 547 quilômetros
do vastas faixas de pinheiros em toda a região oeste. Uma vez que de distância, e através do aqueduto Delta-Mendota Canal para as
uma árvore morre, os besouros voam para a próxima. Às vezes, esparramadas fazendas do Vale Central.
durante essa seca, eles voam em “enxames” tão densos que é pos- A água de superfície da Califórnia é tão intensamente gerencia-
sível colhê-los em pleno ar com um boné de beisebol. Na prima- da que parece mais um produto industrial que um recurso natu-
vera passada, um levantamento aéreo de uma enorme faixa de ral. Uma rede de reservatórios estaduais e federais; uma complexa
florestas da Serra Nevada californiana, inclusive o parque das grade de canais e aquedutos; e um enorme emaranhado de leis de
sequoias, identificou mais de 10 milhões de árvores mortas, 10% água, direitos à água, regulamentos ambientais, ordens judiciais e
da área pesquisada, a maioria delas mortas no ano anterior. Se a pareceres jurídicos dividem, ou parcelam, a água de um jeito que
estiagem persistir por tempo suficiente, ela poderia secar e matar certamente enfurece a todos. Cerca de metade da água de superfí-
as majestosas florestas das terras altas da Califórnia e aniquilar cie é deixada nas córregos, rios e no delta para garantir a manuten-
as sequoias gigantes, que incluem a “general Sherman”, um colos- ção de terras úmidas e hábitats de peixes, cumprir os termos da
so de quase 84 metros de altura e mais de 11 metros de diâmetro Lei de Espécies Ameaçadas, e impedir o refluxo de água salina
na base, a maior árvore do mundo por volume. através do delta para os canais e aquedutos.
Uma perda florestal massiva seria um enorme prejuízo para o A outra metade abastece humanos: 20% para as cidades que,
estado, mas também poderia ser calamitosa para o planeta, e não em abril deste ano receberam ordem do governador Jerry Brown
só porque isso liberaria incontáveis toneladas adicionais de CO2 para reduzir o consumo, em média, em 25%, e 80% para fazen-
em uma atmosfera que já está mesmo esquentando. No ano passa- deiros. Pelo menos em teoria. Este ano e no ano passado, a água
do, Stephenson foi autor principal de um amplo estudo, sobre de superfície está tão escassa que o abastecimento para a maio-
673.046 árvores de 403 espécies em seis continentes, que chocou a ria dos agricultores foi zero.
comunidade botânica ao constatar que, ao contrário da crença Devido à microgestão das águas superficiais da Califórnia, é
popular, árvores crescem mais rápido quanto maiores e mais chocante que seja quase completamente desregulada a utilização
velhas ficam. Se a floresta da Serra Nevada continuar morrendo, de lençóis freáticos, de longe a maior parte dos recursos hídricos
ela será repovoada por árvores muito jovens, que provavelmente do estado. A Califórnia é a unica unidade federativa dos EUA em
absorverão menos CO2, o gás do aquecimento global, da atmosfera que alguém pode bombear tanta água subterrânea quanto qui-
que a atual floresta de exemplares de muitas idades diferentes. ser, desde que não seja desperdiçada ou vendida. A atual seca
precipitou uma espécie de “corrida aquática” no Vale Central,
Em anos chuvosos, a neve que se acumula na Serra Nevada com todos os fazendeiros empenhados em cavar mais fundo que
contém água suficiente para encher os reservatórios do estado. A seus vizinhos, “como um bando de crianças de quatro anos com
cada primavera e verão, ela escorre lentamente por sua encosta um milk shake e um monte de canudos”, nas palavras de um
ocidental e, sem interferência humana, encontra seu caminho agroeconomista. Ninguém sabe quanta água está sendo bombea-
para a próxima parada em nossa busca pela água ausente da da para fora, mas os níveis dos lençóis freáticos estão historica-
Califórnia, um gigantesco atributo desse estado “abarrotado”, mente baixos. O fazendeiro com o poço mais profundo em uma
que se esconde em plena vista: o delta dos rios Sacramento e San determinada área vai usando a água, e se isso significar que os
Joaquin, de 2.850 quilômetros quadrados. poços de seus vizinhos secam, que assim seja.
Esse delta está localizado pouco a leste da Baía de São Fran- Alguns já estão perfurando a uma profundidade de quase 460
cisco. Antes da chegada dos colonizadores, ele era um pântano metros para acessar água que pode ter caído em forma de chuva
de água doce, cheio de canais, lamaçais e ilhas, mas agora grande há 10 mil anos. Uma água “fossilizada” desse tipo, que ficou em
parte é cultivada e até abriga mais de meio milhão de pessoas em contato com substratos geológicos por tanto tempo, frequente-
cidades como Antioch e Rio Vista. No entanto, vastas extensões mente está contaminada com arsênio, cromo, sal e outras subs-
continuam sendo uma grande planície aluvial natural, não tâncias tóxicas. Além disso, perfurar tão fundo é caro. Os fazen-
desenvolvida; uma área um tanto assustadora, coberta por densa deiros que conseguem encontrar alguém que faça o trabalho, as
vegetação tropical e perfeitamente plana, que a multidão frenéti- listas de espera chegam a um ano, talvez gaste US$ 500 mil no
ca dificilmente chega a ver, entrecortada por mais de 1.125 quilô- projeto, e isso não inclui o elevado custo de bombear a água des-
metros de emaranhadas vias navegáveis. Este é o maior estuário sas profundezas “abissais” para a superfície.
na Costa Oeste americana, ponto de confluência dos rios que dre- Certa tarde, a uns 300 quilômetros ao sul do delta, perto da
nam os vastos vales de Sacramento e San Joaquin, além de ser a cidade rural de Visalia, segui uma coluna de fumaça até uma plan-
grande “central de coleta” para o escoamento gerenciado das tação cheia de laranjeiras mortas que tinham sido empilhadas por

www.sciam.com.br 53
escavadeiras em montes enormes, do tamanho de
casas grandes, e incendiadas. O proprietário, que esta-
va lá de pé olhando com expressão sombria e triste, me
contou que tinha arrendado os pouco mais de 32 hec-
tares e suas 10.600 árvores saudáveis para um agricul-
tor que, na primavera passada, tinha instalado tubula-
ções ilegais e vendido a água do poço da fazenda a um
vizinho, deixando as árvores morrerem.
Não são só os proprietários de terras que estão sen-
do prejudicados. Yolanda Serrato, de East Porterville,
uma cidadezinha pobre, sem governo municipal e
habitada por trabalhadores rurais no condado de
Tulare, estava regando seu pequeno gramado em
dezembro passado, quando a mangueira começou a
“cuspir” e parou de sair água, definitivamente. Os
EM PORTERVILLE, os residentes cujas torneiras haviam secado
poços rasos de cerca de 400 de seus vizinhos também
encheram tambores com água não potável na frente da unidade do corpo de
secaram mais ou menos à mesma época, deixando-os bombeiros de Doyle County.
dependentes de um misto de assistência pública e
caridade. Quando conheci Serrato, ela estava encosta-
da à sua cerca de tela de arame, olhando rua abaixo à procura da de glória como estrela científica. Quando estávamos sentados em
picape que talvez lhe trouxesse algumas garrafas de água. Foi difí- seu escritório, em Sacramento, à margem nordeste do delta, ela
cil não ver East Porterville como uma possível precursora do dia virou suas palmas para cima, entrelaçou os dedos e explicou que
em que muitos californianos serão forçados a deixar suas casas a estrutura microscópica da argila consiste em minúsculas pla-
por falta de água. cas inclinadas ao acaso. “Imagine quanta água caberia na pia de
sua cozinha se você colocasse ali um monte de pratos de jantar e
A primeira lei da hidrodinâmica é a água fluindo na direção os deixasse se inclinando uns sobre os outros de qualquer jeito”,
de dinheiro. É provável que leve muito tempo antes que a maioria sugeriu. Então ela girou as mãos para pressionar suas palmas.
dos californianos, especialmente nas cidades litorâneas, confronte “Agora imagine empilhar esse pratos ordenadamente e o que isso
torneiras secas. São Francisco, por exemplo, extrai sua água do faria com o espaço para água entre eles.” Essencialmente é isso o
antigo Reservatório Hetch Hetchy, a uns 270 quilômetros de dis- que acontece quando uma quantidade excessiva de água é bom-
tância, no Parque Nacional Yosemite. Los Angeles, como qualquer beada muito rapidamente do solo; as placas microscópicas que
um que tenha visto o filme Chinatown sabe, secou o Vale Owens, a constituem a argila deslizam para uma posição sobreposta. Em
mais de 300 quilômetros, na década de 20, e agora obtém a maior outras palavras, a camada de argila colapsa.
parte de sua água de reservatórios localizados ainda mais ao norte. Centenas de metros acima, a terra desmorona junto. Desde a
Enquanto a Califórnia tiver um pingo de água, ela sem dúvida flui- década de 20, vastas áreas do Vale Central sofreram uma subsi-
rá na direção dos ricos moradores de áreas costeiras. dência, de aproximadamente nove metros. Em apenas dois anos,
No Vale Central, porém, o problema está apenas começando. de 2008 a 2010, mais de um décimo do vale afundou cinco centí-
Para entender por que, precisamos seguir o caminho das águas metros. Isso significa trabalho para equipes de manutenção, que
no subsolo profundo. O Vale Central é essencialmente uma enor- consertam rachaduras em rodovias e pontes, e para trabalhado-
me depressão de 51,8 mil quilômetros quadrados de camadas de res ferroviários que renivelam trilhos. Esse afundamento tam-
argila, cascalho, sedimentos e areia, encravada entre cadeias de bém dificulta o fornecimento de água em todo o estado. Canais e
montanhas de “rochas duras”. Em camadas de cascalho e areia, a aquedutos podem se estender por centenas de quilômetros sem
água corre lateralmente com facilidade. Um fazendeiro que bom- bombas, porque se inclinam muito sutilmente para baixo. Não é
beia águas subterrâneas consegue surrupiá-la de um vizinho. preciso uma subsidência acentuada para interferir no fluxo, que
Mas a umidade está armazenada principalmente em camadas de foi o que aconteceu no ano passado, entre outros lugares, no pon-
argila, que gotejam sua carga lentamente nas camadas de casca- to de junção onde um grande canal encontra o Reservatório San
lho e areia. É o modo como a argila armazena água que torna o Luis, na região central da Califórnia. Mas as interrupções no
atual frenesi de bombeamento preocupante. abastecimento dificilmente são o pior de tudo. Uma vez que uma
Desastres têm um jeito peculiar de catapultar cientistas da camada subterrânea de argila desmorona, ela nunca mais pode
obscuridade à fama da noite para o dia. Michelle Sneed, jovem armazenar água. Portanto, os fazendeiros californianos que
geóloga do USGS, batalhou durante anos para se especializar em bombeiam água freneticamente não estão apenas depauperando
um campo bem pouco empolgante, subsidência ou afundamento o aquífero de que dependem, mas também o estão destruindo.
do solo, que subitamente se tornou crucial para o futuro da Cali- A única esperança é recarregar o que resta do aquífero o mais
fórnia. Com olhos azuis surpreendentemente francos e longos rápido possível. O problema é que nem todo subsolo é igualmen-
cabelos ondulados, ela parecia estar desfrutando seu momento te recarregável. Sob cerca da metade do Vale Central predomina

54 Scientific American Brasil | Setembro 2015


a chamada argila Corcoran, resquícios de um leito lacustre mile- tinha sido incumbido com a ingrata tarefa de criar uma GSA com
nar, que pode ser perfurada por poços, mas que, ao contrário da a cidade de Visalia e um distrito local de irrigação. “É como escre-
maioria das argilas, permanece em grande parte impermeável à ver uma nova linguagem”, queixou-se ele.
água. Geólogos conseguem identificar áreas permeáveis, sem a Vinte e quatro quilômetros mais adiante, Denise Atkins, analis-
Corcoran, e, portanto, geologicamente adequadas para serem ta administrativa de recursos hídricos do condado, admitiu que só
inundadas para o reabastecimento dos lençóis freáticos. Mas conseguir que todos concordem sobre quem terá voz ativa na GSA
algumas são cobertas por subdivisões, shopping centers ou local é um pesadelo; quanto mais fazer com que as pessoas acei-
fazendas; e identificar solo permeável e obter permissão para tem compartilhar dados. “Há cinco anos, se você quisesse pergun-
inundá-lo é uma tarefa formidável. tar a um produtor ‘Como você se sente em relação a um medidor
Cientistas da Universidade da Califórnia em Davis estão condu- em seu poço?’, seria melhor usar Kevlar”, observou ela referindo-se
zindo um experimento com o Conselho da Amêndoa da Califórnia ao material usado em coletes à prova de bala. “Agora os fazendei-
para verificar se pomares de amendoeiras situados sobre solo geo- ros estão ficando entusiasmados em saber quanta água conso-
logicamente apropriado podem ser inundados no inverno, quan- mem.” Atkins se inclinou sobre sua mesa bagunçada, revirou os
do as árvores estão dormentes, a fim de realimentar o aquífero. No olhos e acrescentou, em voz baixa: “Embora a resposta geralmente
entanto, isso não suscita apenas questões geológicas, mas também seja ‘Meu vizinho está bombeando demais’”.
jurídicas: a lei da Califórnia exige que os fazendeiros utilizem a
água que recebem do estado somente para “usos benéficos”, e o Cientistas divergem sobre a explosiva questão de se a seca é
reabastecimento de lençóis freáticos pode ser proibido como “irri- causada por mudanças climáticas antropogênicas. No ano passa-
gação excessiva”. Depois, há a questão sobre se um agricultor que do, a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA
(NOOA) disse que não, o Painel Intergovernamen-
tal sobre Mudanças Climáticas (IPCC) opinou que
A seca está transformando a Califórnia é possível, e uma equipe de cientistas climáticos
da Universidade Stanford, que incluiu Daniel
em quase todos os aspectos concebíveis – Swain – que batizou a anomalia Triplo R –, afir-
meteorológico, geológico, biológico, mou que sim. O grupo modelou climas atuais e
pré-industriais e determinou que as condições
agrícola, social, econômico e político. associadas ao fenômeno Triplo R são três vezes
mais prováveis agora. Independentemente de as
mudanças climáticas estarem ou não provocando
armazena água desse jeito tem direito a receber uma quantidade a seca, todo mundo parece concordar que o calor adicional está
igual mais tarde. E, para inundar uma lavoura ou um pomar visan- exacerbando os efeitos da baixa umidade, das florestas da Serra
do reabastecer águas subterrâneas, é necessário mais que permis- Nevada às fazendas do Vale Central.
são e direitos legais; é preciso água. Ultimamente, porém, não há Após anos de algo um tanto parecido com o fenômeno La Niña,
água suficiente nem para alimentar as culturas atuais, quanto a NOAA anunciou em março o início de um fraco El Niño, mas
mais “estocá-la” para as futuras. Qualquer esquema massivo de advertiu que ele provavelmente não afetará o clima na Califórnia
recarga terá de esperar por um ano chuvoso. significativamente tão cedo. O estado talvez tenha alguns anos
A crise tem sido suficientemente grave para dar ao governador chuvosos em seu futuro próximo, mas o solo do alto da Serra Neva-
Brown e ao Legislativo cobertura para mudar as leis de água da da até o fundo do Vale Central está tão ressecado, tão desidratado,
Califórnia, de 150 anos, em um pequeno passo rumo à regulamen- que levará anos para reidratá-lo adequadamente e muito mais
tação de lençóis freáticos. De acordo com uma lei aprovada em tempo para começar a recarregar o lençol freático. A Califórnia
novembro passado, os departamentos para recursos hídricos locais pode optar por considerar as atuais condições como uma anoma-
em cada uma das 515 bacias de águas subterrâneas distintas do lia e “gerenciar isso como um desastre”, mas isso seria um terrível
estado terão cinco anos para apresentar planos para seu uso sus- engano, alertou Noah Diffenbaugh, fellow sênior do Instituto
tentável e outros 25 para alcançá-los. Isso sacudirá o estado politi- Woods para o Meio Ambiente da Universidade Stanford. “Está cla-
camente porque departamentos municipais de água, distritos de ro que a Califórnia tem um clima diferente agora.”
irrigação gerenciados por fazendeiros, comissões distritais de Se esse clima envolve, digamos, uma seca de 30 anos seme-
água, e outras agências relacionadas à gestão desse recurso, todas lhante às que ocorreram na Idade Média, as florestas das monta-
mergulhadas em seus próprios mundos, com seus próprios dados nhas morrerão porque sua água não é gerenciada, e as próximas
proprietários e interesses concorrentes, terão de se reunir em agên- vítimas serão as fazendas e os pomares do Vale Central que têm
cias para a sustentabilidade de águas subterrâneas – ou GSAs na sido tão emblemáticos da Califórnia nos últimos 100 anos.
sigla em inglês – para compartilharem seu bem mais valioso. Uma linha de raciocínio sobre o fim da agricultura california-
Em um prédio de escritórios temporários, revestido de pai- na é mais ou menos assim: E daí? A agricultura só representa
néis baratos de madeira, que serve como escritório do Distrito de cerca de 2% da economia do estado, e a enxurrada de alimentos
Água do condado de Tulare, mais ou menos no meio do Vale de baratos, intensivos em água, de que o mundo desfrutou talvez
San Joaquin, conheci um jovem chamado Benjamin Siegel, que sempre tenha sido a ilusão irreal de pessoas sem uma perspecti-

www.sciam.com.br 55
va abrangente de milênio. “A Califórnia ficaria bem” sem agricul- A tecnologia de dessalinização também tem o potencial de
tura, disse para mim Richard Howitt, um agroeconomista britâ- abastecer o litoral com água praticamente ilimitada, mas ela é
nico da Universidade da Califórnia em Davis com acentuado incrivelmente cara, tem uma enorme pegada de carbono porque
humor seco. “Nós nos transformaríamos em uma economia do consome tanta energia e gera quantidades imensuráveis de água
Arizona. Eliminaríamos progressivamente a agricultura irrigada intensamente salina, difícil de ser eliminada com segurança. O
e passaríamos para filmes [a indústria cinematográfica da Cali- verdadeiro potencial da gestão de secas reside na conservação e
fórnia responde por 2,1% do produto interno bruto do estado], reciclagem de água. O Instituto Pacific, um think tank ambiental
tecnologia de informação [8%] e tudo mais.” com sede em Oakland, estima que simplesmente conseguir que
Sem dúvida alguma, frutas, nozes e legumes ficariam mais as pessoas usem água de forma mais eficiente dentro e fora de
caros para todos, mas a própria Califórnia poderia facilmente casa poderia economizar à Califórnia 3,7 trilhões de litros por
sobreviver à base de indústrias, saúde, finanças e educação que ano, quase 30% de seu consumo de água urbana.
fazem de sua economia a sétima maior do mundo, especialmente A Proposição-1 inclui US$ 725 milhões para a reciclagem, sete
se não estivesse desviando quatro quintos de sua água utilizável vezes mais que o estado já destinou para essa finalidade. Isso cor-
para a agricultura irrigada. responde a apenas cerca de 20% do que a divisão californiana da
Realisticamente, porém, é difícil imaginar um estado tão ino- Associação WateReuse, o grupo comercial para a indústria de
vador como a Califórnia simplesmente permitindo que o orgulho reciclagem de água, acredita seria necessário para maximizar o
de suas lavouras desapareça. Mais de 30% da agricultura no Vale potencial dessa tecnologia no estado, mas o dinheiro estadual se
Central se destina ao cultivo de uvas e frutos como amêndoas, destina a atrair fundos municipais, distritais e privados para pro-
nozes, pistache e frutas cítricas, que representam um investi- jetos de reúso de água. A modernização de parques municipais,
mento enorme que, após o plantio, pode levar até sete anos para campos de golfe, fábricas, edifícios de escritórios e até domicílios
se tornar lucrativo. Fazendeiros do Estado Dourado já estão se com as chamadas “tubulações violeta”, que transportam água
voltando para uma vigorosa indústria de alta tecnologia que pro- reciclada suficientemente limpa para utilização em paisagismo,
duz irrigadores equipados com GPS, irrigação baseada em mete- vasos sanitários e outros propósitos não potáveis, está prestes a
orologia, sensores de umidade do solo e outros dispositivos agro- se tornar um setor multimilionário da economia.
eletrônicos projetados para reduzir o consumo de água. Em A transição já começou em Orange County que, desde 2008,
junho, em uma medida ainda mais radical, o estado deu o impen- vem tratando e recuperando mais de 30% de suas águas residuais
sável passo de impor restrições hídricas à “realeza” agrícola cali- para padrões potáveis, injetando-as no aquífero. O município lim-
forniana, àqueles que detêm direitos sobre água ribeirinha nos pa outros 17% de suas águas residuais o bastante para processos
vales dos rios Sacramento e San Joaquin, que remontam à época industriais, paisagismo e usos domésticos como descargas de vasos
“corrida ao ouro” e que durante muito tempo eram considerados sanitários. A infraestrutura foi cara, mas a maior parte da água tra-
invioláveis. Viajando pela Califórnia, é fácil perceber que o sofri- tada custa ao distrito um pouco mais da metade do que custaria
mento, mas também o pensamento criativo, apenas começaram. importar água do Rio Colorado, que também está sendo rapida-
mente depauperado. Em novembro passado, o conselho municipal
A seca está transformando a Califórnia em quase todos os de San Diego aprovou o investimento de US$ 3 bilhões no equipa-
aspectos concebíveis – meteorológico, geológico, biológico, agríco- mento que permitirá à cidade reciclar água suficiente para um ter-
la, social, econômico e político. A combinação de um baixo índice ço de seus cidadãos. A WateReuse insiste que a purificação de
de umidade e temperaturas elevadas muito provavelmente será a águas residuais poderia suprir todas as necessidades municipais de
condição climática do futuro. Mesmo quando ocorrem esporádi- oito milhões de pessoas, 20% da população da Califórnia, além de
cos anos chuvosos, o inexorável aquecimento global garante que a criar um número sem precedentes de empregos no processo.
precipitação não ocorra mais em forma de intensas nevascas, e, O novo “normal” é um pouco assustador, mas isso é a Califór-
portanto, densas camadas de neve que distribuem água lentamen- nia. Problemas, sim, mas há ouro nessas soluções.
te, mas como furiosas torrentes de chuva. É por isso que em
novembro passado os californianos votaram a favor da Proposi-
ção-1, a destinação de mais de US$ 7 bilhões para a infraestrutura PA R A C O N H E C E R M A I S
hídrica, quase 50% dos quais irão para a construção de novas bar- ¨Ÿ®Dïy `›D´‘y D´m D¨Ÿ†¹à´ŸD mà¹ù‘›ï Ÿ´ ï›y ÷Àåï `y´ïùàĂÎ Michael E. Mann e Peter H.
ragens e reservatórios, um projeto de obras públicas de propor- Gleick em Proceedings of the National Academy of Sciences USA, vol. 112, no 13, págs. 3858–
ções enormes. E é aí que reside o otimismo velado da seca califor- 3859; 31 de março de 2015.
7´Èày`ymy´ïym ÷Àåï `y´ïùàĂ mà¹ù‘›ï àŸå§ Ÿ´ ï›y ®yàŸ`D´ 3¹ùï›Āyåï D´m y´ïàD¨
niana: o ônus de uma pessoa é a oportunidade de outra. 0¨DŸ´åÎ Benjamin I. Cook, Toby R. Ault e Jason E. Smerdon em Science Advances, vol. 1, nº
O Corpo de Engenheiros do Exército quer extrair o concreto 1, artigo nº e1400082; 1º de fevereiro de 2015.
de um trecho de quase 18 quilômetros do Rio Los Angeles, atual- āȨDŸ´Ÿ´‘ yāïày®y yÿy´ïå ¹† ÷ĈÀñ †à¹® D `¨Ÿ®Dïy ÈyàåÈy`ïŸÿyÎ Editado por Stephanie
C. Herring et al. em Bulletin of the American Meteorological Society, vol. 95, nº 9, págs. S1–
mente um horroroso sistema de drenagem de águas pluviais que S104; setembro de 2014
pouco faz além de canalizar cerca de 783,5 milhões de litros de
D E N OSSOS A RQU I VOS
água por dia para o oceano. O projeto permitiria que pelo menos
parte dessa água reabastecesse ou recarregasse o aquífero e inje- `¹àày´ïy my ¦Dï¹ yåïE Š`D´m¹ yåïàD´›DÎ y‡ $Dåïyàåj ymŸcT¹ À‹÷j ¦D´yŸà¹ my ÷ĈÀ‹Î

tasse mais de US$ 1 bilhão na economia local.

56 Scientific American Brasil | Setembro 2015


PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21

UMA OVA
VI ÃO
PARA EXAME
Muitas vezes avaliações escolares aumentam a ansiedade e atrapalham o
aprendizado. Uma nova pesquisa mostra como reverter essa tendência
Annie Murphy Paul

EM SÍNTESE

yåmy D DÈà¹ÿDcT¹ da lei Nenhu- à ïŸ`¹å Dà‘ù®y´ïD® Õùy exa- 0yåÕùŸåDå y® `Ÿ{´`ŸD `¹‘´ŸïŸÿD e zir uma recordação melhor de fa- aprendizado profundo testes em
ma Criança Deixada para Trás, em mes provocam ansiedade em alu- psicologia mostram que testar, tos e uma compreensão mais pro- desenvolvimento para avaliar com
÷ĈĈ÷j ïy® åy Ÿ´ïy´åŸŠ`Dm¹ D ¹È¹åŸž nos transformando escolas em fá- quando feito corretamente, pode funda do que uma educação que que grau de sucesso alunos aten-
ção de pais e professores a testar bricas de preparação para testes, åyà ù® ¦yŸï¹ yŠ`DĆ my DÈày´myàÎ não inclui exames. 0Dày`y® åyà dem aos padrões de referência
crianças da terceira à oitava séries. prejudicando a aprendizagem. Submeter-se a provas pode produ- È๮Ÿåå¹àyå como avaliações de adotados em 43 estados.

Ilustrações de Mario Wagner August 2015, ScientificAmerican.com 57


PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21
´´Ÿy$ùàțĂ0Dù¨é colaboradora frequente do The New
York Times, e das revistas Time e Slate. É autora de The cult of
personality testing e de Origins, que foi incluído na lista dos
100 Livros Notáveis de 2010 do The New York Times. Seu
próximo livro, a ser lançado pela Crown, é intitulado Brilliant:
The science of how we get smarter.

Quem foi o primeiro americano


a orbitar a Terra?
A NEIL ARMSTRONG B YURI GAGARIN
C JOHN GLENN D NIKITA KRUSHCHEV

Em escolas dos Estados Unidos, questões de múltipla escolha que chamam “dedos espirituosos”. Este é o caso com a questão so-
como essa, acima, provocam ansiedade e até pavor. Seu surgimen- bre a Baía dos Porcos: todos acertam.
to significa que é hora de avaliação, e provas são eventos impor- “Muito bem!”, Bain elogia entusiasmada. “Esse é nosso quinto
tantes, de peso, e excruciantemente desagradáveis. ‘dedos espirituosos’ hoje!”
Mas não na escola de ensino fundamental Columbia Middle Os gracejos na sala de aula de Bain estão a um mundo de dis-
School, em Illinois, na sala de aula da oitava série da professora de tância da atitude tensa e defensiva em escolas públicas de todo o
história Patrice Bain. Ela tem olhos azuis vivazes, um sorriso rápi- país. Desde a aprovação da lei Nenhuma Criança Deixada para
do e cabelos platinados espetados que têm simultaneamente uma Trás (NCLB, na sigla em inglês), em 2002, a oposição de pais e pro-
aparência meio punk e meio “duendesca”. Depois de apresentar a fessores à sua determinação de avaliar “toda criança, todos os
pergunta em uma lousa digital, ela espera enquanto seus alunos anos” da terceira à oitava série, vem se intensificando. Um número
teclam suas respostas em dispositivos eletrônicos numerados, co- crescente de pais está tirando seus filhos dos testes estaduais anu-
nhecidos como clickers. ais; o epicentro do movimento “opt-out” (“opte não”, em tradução
“O.K., todo mundo já respondeu?”, pergunta ela. “Número 19, literal) pode ser o estado de Nova York, onde até 90% dos alunos
estamos esperando por você!” Apressadamente, 19 digita uma op- em alguns distritos teriam se recusado a fazer o exame de fim de
ção e, juntos, Bain e seus alunos repassam as respostas da classe, ano no semestre passado. Críticos da acentuada ênfase de escolas
agora exibidas na parte inferior da lousa inteligente. “A maioria de americanas em testes reclamam que as avaliações por meio de
vocês acertou, John Glenn, muito bom.” Ela dá um risinho e balan- exames provocam ansiedade em alunos e professores, transfor-
ça a cabeça diante da resposta de três de seus alunos. “Oh, meus mando salas de aula em fábricas preparatórias para exames, em
queridos”, diz Bain com uma reprimenda brincalhona. “Khrush- vez de laboratórios de aprendizagem genuína e significativa.
chev não era um astronauta!” No debate sempre polarizador sobre como estudantes america-
Bain passa para a próxima pergunta, repetindo rapidamente o nos deveriam ser educados, a aplicação de testes tornou-se a ques-
processo de perguntar, responder e explicar, à medida que ela e tão mais controversa de todas. No entanto, um elemento crucial
seus alunos avançam pela década dos anos 60. tem estado largamente ausente da discussão até agora. Pesquisas
Quando todos respondem corretamente, os alunos levantam as em ciência cognitiva e psicologia mostram que, quando ministra-
mãos e mexem os dedos simultaneamente, um gesto exuberante dos corretamente, os testes podem ser uma forma excepcional-
mente eficaz de aprender. Submeter-se a provas, e participar de
atividades bem elaboradas antes e após os testes, pode produzir
A fracassada invasão da Baía dos Porcos
uma recordação melhor de fatos, assim como um entendimento
envolveu os Estados Unidos e qual outro país?
mais profundo e complexo que uma educação sem exames. Mas
A HONDURAS
uma metodologia de avaliação que apoia ativamente a aprendiza-
B HAITI gem, além de simplesmente avaliar, seria muito diferente do jeito
C CUBA como escolas americanas aplicam testes atualmente.
D GUATEMALA O que Bain está fazendo em sua sala de aula é chamado prática
de recuperação. Esse método tem uma bem estabelecida base de

58 Scientific American Brasil | Setembro 2015


suporte empírico na literatura acadêmica, que remonta a quase em áreas específicas do cérebro. Essas regiões estão associadas à
100 anos, mas Bain, por desconhecer essas pesquisas, desenvolveu chamada consolidação, ou estabilização, de memórias e com a ge-
algo muito similar por si só ao longo de uma carreira de 21 anos ração de sinais que as tornam prontamente acessíveis mais tarde.
em sala de aula. Pesquisadores demonstraram em vários estudos que quanto mais
“Já me falaram que sou uma professora maravilhosa, o que é ativas essas regiões estiverem durante uma sessão inicial de apren-
agradável de ouvir, mas ao mesmo tempo sinto a necessidade de di- dizagem, mais bem-sucedida é a recordação dos participantes do
zer às pessoas: ‘Não, não sou eu, é o método’”, conta Bain em uma estudo semanas ou meses mais tarde.
entrevista após o término de sua aula. “Tateei meu caminho até De acordo com Karpicke, recordar ou recuperar é a principal
essa abordagem e vi que opera tantas maravilhas que tenho vonta- maneira como a aprendizagem acontece. “Recordar informações
de de subir no topo de uma montanha e gritar para que todos pos- que já armazenamos na memória é um evento de aprendizado
sam me escutar: ‘Vocês também deveriam estar fazendo isso!’ Mas mais poderoso do que armazená-las em primeiro lugar”, enfatiza.
tem sido difícil persuadir outros professores a tentarem”. “Em última análise, a recuperação é o processo que faz com que
Então, há oito anos, ela chegou a Mark McDaniel através novas memórias se fixem.” A prática da recordação não só ajuda os
de um conhecido comum. Ele é professor de psicologia na alunos a lembrar de informações específicas que resgatam; ela
Universidade Washington, em St. Louis, Missouri, a meia hora também melhora a retenção de informações relacionadas que não
de distância de carro da escola de Bain. McDaniel havia come- foram testadas diretamente. Pesquisadores teorizam que, enquan-
çado a descrever sua pesquisa sobre a prática de recuperação to vasculhamos nossa mente em busca de uma determinada infor-
para Bain quando ela o interrompeu com uma exclamação. mação, estamos tentando relembrar; ou seja, acessamos memórias
“Patrice disse: ‘Eu faço isso na minha sala de aula! E funcio- associadas e, ao fazermos isso, as reforçamos também. A prática
na!’”, relembra McDaniel. Ele prosseguiu para lhe explicar que de recuperação também ajuda a evitar que alunos confundam as
o que ele e seus colegas denominam prática de recordação [ou matérias que estão aprendendo atualmente com outras que apren-
processo de recuperação de informações] é, essencialmente, deram anteriormente, e até parece preparar suas mentes para ab-
testar. “Costumávamos chamar isso ‘o efeito-teste’ até ficar- sorver o material ainda mais profundamente quando o encontram
mos espertos e percebermos que nenhum professor ou pai se novamente depois de serem avaliados (um fenômeno que pesqui-
envolveria com uma técnica que contivesse a palavra ‘teste’”, sadores chamam “aprendizagem potenciada por testes”).
admite McDaniel agora. Centenas de estudos demonstraram que a prática da recorda-
A prática de recapitulação, ou recuperação, não emprega testes ção é melhor para aprimorar a retenção do que praticamente qual-
como uma ferramenta de avaliação. Pelo contrário, ela os trata quer outro método que estudantes poderiam usar. Para citar um
como ocasiões de aprendizagem, o que só faz sentido assim que re- exemplo: em um estudo publicado em 2008 por Jeffrey Karpicke e
conhecemos que não entendemos corretamente a natureza de tes- seu mentor, Henry Roediger III, da Universidade Washington, os
tar. Consideramos os testes como uma espécie de sonda que autores relataram que alunos que se testavam por conta própria
“inserimos na cabeça de um estudante”, um indicador que nos diz em vocábulos lembravam 80% das palavras mais tarde, ao passo
o quanto o nível de conhecimento aumentou ali dentro, quando, que os que estudavam os termos lendo-os repetidamente só lem-
de fato, toda vez que um aluno acessa conhecimento de memória, bravam de cerca de 30% deles. A prática da recuperação é especial-
essa mesma memória muda. Sua representação mental se torna mente poderosa em comparação com as estratégias de estudo
mais forte, mais estável e mais acessível. favoritas de alunos em geral: destacar textos e reler suas anotações
Por que isso seria assim? Faz sentido, considerando que seria e livros didáticos; exercícios que uma recente revisão considerou
humanamente impossível lembrarmos de tudo o que encontra- estarem entre os menos eficientes.
mos, observa Jeffrey Karpicke, professor de psicologia cognitiva Além disso, testar não se limita apenas a reforçar a memoriza-
na Universidade Purdue, em Indiana. Dado que nossa memória é ção de fatos isolados. O processo de resgatar informações da me-
necessariamente seletiva, a utilidade de um fato ou ideia, como é mória também promove o que pesquisadores chamam de
demonstrado pela frequência com que fomos levados a recordar aprendizado profundo. Estudantes que praticam a aprendiza-
ou recuperá-la, constitui uma base sólida para a seleção. “Nossas gem profunda são capazes de fazer inferências e estabelecer co-
mentes são sensíveis à probabilidade de que precisaremos de co- nexões entre os fatos que sabem, e são capazes de aplicar seus
nhecimento em algum momento futuro, e se recuperamos uma in- conhecimentos em contextos variados (um processo de aprendi-
formação agora, há uma boa chance de que precisaremos dela zagem que cientistas denominam transferência). Em um artigo
novamente”, explica Karpicke. “O processo de resgatar uma me- publicado em 2011 no periódico Science, Karpicke e sua colega
mória altera ela mesma em antecipação de demandas que pode- Janell Blunt, da Universidade Purdue, compararam explicita-
mos encontrar no futuro.” mente a prática de recuperação com uma técnica de estudo co-
Estudos que empregam sistemas de imageamento por resso- nhecida como mapeamento de conceito. Atividade favorecida
nância magnética funcional do cérebro estão começando a revelar por muitos professores como meio de promover o aprendizado
os mecanismos neurais subjacentes ao efeito-teste. Nas poucas profundo, esse mapeamento pede a alunos que desenhem um
análises conduzidas até agora, cientistas constataram que acessar diagrama que ilustra o corpo de conhecimento que estão apren-
ou recuperar informações da memória, em comparação com sim- dendo com as relações entre conceitos representadas por liga-
plesmente reestudá-las, produz níveis mais elevados de atividade ções entre nodos, como estradas que ligam cidades em um mapa.

www.sciam.com.br 59
PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21

AVALIAÇÃO DO Em 2008, os gigantes da indústria de tecnolo-


gia Cisco, Intel e Microsoft, preocupados com o

MEMBRO DE EQUIPE fato de receberem candidatos a empregos mal


ÇßxÇDßDl¸äÇDßDîDßx…Dä`ßø`žDžäj`¸­xcDßD­D‰
nanciar suas próprias pesquisas através de um
O teste mais observado do mundo, o PISA, se aventura em um
grupo chamado Avaliação e Ensino de Habilida-
novo domínio: mensagens instantâneas – Peg Tyre
des do Século 21 (ATC21S, na sigla em inglês) para
Quando dezenas de milhares de adolescen- escolas precisam se adaptar, e o novo domínio žlx³îž‰`DßxÇ߸­¸þxßDä`šD­DlDäٚDUž§žlDlxä
tes de 15 anos de todo o mundo se sentarem fornece a essas instituições um roteiro para fazer do século 21”; ou seja, basicamente a capacidade
diante de seus computadores para fazer o exa- isso, explica Jenny Bradshaw, gerente de projeto de raciocinar crítica e criativamente, trabalhar em
me Programa Internacional de Avaliação de sênior do PISA, que supervisiona o teste: “Traba- cooperação com outros e se adaptar à crescente
Alunos (PISA, na sigla em inglês) neste ano, lhar com parceiros invisíveis, especialmente on-li- incorporação da tecnologia em negócios e na so-
eles serão testados em leitura, matemática e ne, se tornará uma habilidade-pilar para o suces- ciedade. Durante anos, o grupo persuadiu o PISA
ciências. Os estudantes também terão de resolver so de carreira. Cada vez mais, essa será a forma a começar a testar estudantes de todo o mundo
uma nova e controversa série de questões desen- como o local de trabalho e o mundo funcionarão”. em algumas dessas habilidades, e encontrou aca-
volvidas para medir “habilidades colaborativas Trata-se de um importante desvio do exame dêmicos para fornecer uma estrutura conceitual
para solucionar problemas”. Em vez de respostas de 15 anos de existência, dirigido pela Organiza- de pesquisa para como isso poderia ser feito.
curtas ou explicações mais longas, o examinando ção para a Cooperação e Desenvolvimento Eco- Há três anos, o exame PISA incluiu questões
registrará resultados de jogos, resolverá quebra- nômico (OCDE). Desde sua estreia em 2000, o destinadas a avaliar as habilidades de alunos de
-cabeças e realizará experimentos com a ajuda de PISA mediu a capacidade de alunos de aplicar lei- 15 anos de todo o mundo para resolver proble-
um parceiro virtual com o qual poderá se comu- tura, matemática e ciência a situações da vida mas. (De acordo com autoridades do PISA os es-
nicar ao digitar texto em uma caixa de bate-papo real. Os rankings do PISA e as manchetes que tudantes chineses são bons solucionadores de
(chat). Embora o novo domínio de teste ainda seja eles geram tornaram-se rapidamente um ponto problemas. Israelenses, nem tanto. E os america-
experimental, autoridades do PISA acreditam que crítico, ou de referência para formuladores de po- nos se situam em algum lugar na faixa mediana.)
os resultados desses problemas inéditos levarão líticas preocupados com a competitividade inter- No entanto, os formuladores do teste decidiram
governos a equipar melhor suas populações jo- nacional. O ranking do PISA estimulou, pelo me- que uma economia global conectada requer um
vens para que prosperem na economia global. nos em parte, uma grande variedade de esforços `¸³¥ø³î¸lxšDUž§žlDlxäDž³lD­DžäxäÇx`Ÿ‰`¸iD
Os críticos da nova modalidade alegam que o de reformas escolares nos Estados Unidos e na solução de problemas em grupo mediada pela in-
PISA deu um passo atrás em um debate antigo e Europa. O desempenho medíocre dos EUA no ternet. Por essa razão, o PISA deste ano escrutina-
cáustico sobre se habilidades como raciocínio crí- 03 §xþ¸ø¸Çßxäžlx³îx
DßD`¦'UD­DDD‰ß­Dßj rá a habilidade de estudantes de 51 países de re-
tico e colaboração podem ser ensinadas e se o em 2009, que os estudantes do país precisam solverem problemas em colaboração.
podem independentemente do conteúdo. “avançar do meio para a parte superior do ‘bando’ As próprias questões do teste são alternada-
Em vista do ritmo da inovação tecnológica, as em ciências e matemática” em uma década. mente divertidas e frustrantes. Embora pesquisa-

Em seu estudo, Karpicke e Blunt orientaram grupos de volun- “domínio de conhecimento”, nesse caso, o uso de ondas sonoras
tários ainda não graduados, 200 ao todo, a ler um trecho extraído por morcegos para se orientar. Uma semana depois, os alunos fo-
de um livro didático de ciência. Em seguida, um grupo foi solicita- ram solicitados a transferir o que haviam aprendido sobre morce-
do a criar um mapa conceitual referindo-se ao texto; o outro tinha gos para um segundo domínio de conhecimento: a utilização
de recuperar, de memória, o máximo de informações que podia do navegacional de ondas sonoras por submarinos. Os estudantes
excerto que haviam acabado de ler. Em um teste dado a todos os que tinham se sabatinado sobre o texto original sobre morcegos
estudantes uma semana mais tarde, o grupo da prática de recupe- foram mais capazes de transferir seu aprendizado para a situação
ração foi mais capaz de recordar os conceitos apresentados no tex- dos submarinos.
to do que a turma de mapeamento de conceitos. Mais interessante: Por mais robustas que sejam essas descobertas, até recente-
o primeiro grupo também se saiu melhor em fazer inferências, ou mente elas foram feitas quase exclusivamente em laboratórios,
tirar conclusões e fazer conexões entre múltiplos conceitos conti- com estudantes universitários como objetos de estudo. McDa-
dos no texto. Karpicke e Blunt concluíram que, em termos gerais, a niel queria há muito tempo aplicar práticas de recuperação em
prática de recuperação era cerca de 50% mais eficaz para promo- escolas no mundo real, mas obter acesso a salas de aula K-12 (a
ver tanto a aprendizagem profunda como factual. somatória dos anos de ensino fundamental e médio no sistema
Transferência, a capacidade de aplicar conhecimento aprendi- educacional básico dos Estados Unidos e Canadá) foi um desafio.
do em um contexto a outro, é o objetivo culminante do aprendiza- Com a ajuda de Bain, McDaniel e dois de seus colegas da Univer-
do profundo. Em um artigo publicado em 2010, o psicólogo sidade Washington, Roediger e Kathleen McDermott, criaram
Andrew Butler , da Universidade do Texas em Austin, demonstrou um ensaio randômico controlado na Columbia Middle School
que a prática de recuperação promove a transferência melhor do que, em última análise, envolveu nove professores e mais de
que a abordagem convencional de estudar por meio de reler. No 1.400 alunos. No decorrer do experimento, alunos das sexta, séti-
experimento de Butler, estudantes se dedicavam à releitura ou à ma e oitava séries estudaram ciências e estudos sociais de uma
prática de recordação após lerem um texto que pertencia a um de duas maneiras: 1) o material era apresentado uma vez e de-

60 Scientific American Brasil | Setembro 2015


Sistemas escolares que querem preparar estu-
dantes para o futuro deveriam ajudá-los a alcan-
çar pleno domínio de matemática complexa,
ciência e alfabetização em vez de investir recursos
na promoção de conceitos nebulosos.
Jenny Bradshaw, do PISA, reconhece que per-
sistem questões sobre os domínios inovadores,
mas argumenta que ela e sua equipe acreditam
tratar-se de um experimento que vale a pena ten-
tar. Enquanto pesquisadores do PISA conduzem
estudos de validação e concentram grupos na so-
lução de problemas em colaboração, outros já es-
tão trabalhando na próxima meta do PISA. Em
2018, informa ela, sua equipe já terá divisado um
jeito válido para medir a “competência global”.
Como em educação é verdade que o que é
testado é ensinado, o ATC21S está se preparando
para a ansiedade internacional dos países mal co-
locados no ranking ao oferecer vídeos de salas de
aula onde, segundo os pesquisadores, professores
dores do ATC21S acreditem que seja melhor tes- informações de ensaios e sintetizar os resultados
e alunos estão fazendo tudo certo. O grupo tam-
tar problemas colaborativos através de uma coo- para chegar à resposta correta.
bém ofereceu um Massivo Curso Aberto On-line
peração real, os examinandos do PISA Muitos críticos argumentam que novos domí-
(MOOC, em inglês) para treinar professores em
trabalharão com uma parceira virtual apelidada nios são um equívoco. “Existe um conjunto inde-
como levar às suas salas de aula a solução cola-
“Abby”. Juntos, o aluno e Abby deverão, por pendente de habilidades – a colaboração para re-
borativa de problemas; 30 mil professores se ins-
exemplo, determinar as melhores condições para solver problemas –, que é transferível entre domí-
creveram no programa, e 25% deles o concluíram.
peixes que vivem em um aquário, em uma situa- nios de conhecimento?”, pergunta Tom Loveless,
ção em que o testador controla a água, o cenário pesquisador do Instituto Brookings. “A solução de
e a iluminação, e Abby regula alimentos, popula- problemas entre dois biólogos é igual à solução Peg Tyre é jornalista especializada em assuntos
ção de peixes e temperatura. Para resolver a tare- entre dois historiadores? Ou ela é diferente? Edu- de educação e autora do livros The good school e
fa, o aluno precisa construir um consenso sobre `Dl¸ßxäÇ߸ßxääžäîDälxälx ¸š³xÿxāZ‰§¹ä¸…¸ The trouble with boys. Ela também é diretora de
como resolver o problema, responder a preocu- xÇxlD¸¸j¿}Š´¿´Šö[îz­ž³äžäîžl¸Ôøxx§Dy estratégia da Fundação Edwin Gould, que investe
pações, esclarecer mal-entendidos, compartilhar igual, mas nós simplesmente não sabemos isso.” em entidades de apoio à educação.

pois os professores o revisavam três vezes com os alunos; 2) o


material era apresentado uma vez, e os estudantes eram sabati- Quanto tempo você gastou em revisões com
nados sobre o assunto três vezes (usando clickers como os da cada um dos seguintes itens:
atual sala de aula de Bain).
Quando os resultados dos testes regulares de matérias indivi-
• Lendo anotações de aula? _____ MINUTOS
duais foram calculados, a diferença entre as duas abordagens fi- • Refazendo antigos problemas de lição de casa?
cou clara: os alunos obtiveram a nota média C+ (de 5,85 a 6,68 no _____ MINUTOS
Brasil) no material que haviam revisado e A- (de 8,34 a 9,17) no • Trabalhando em problemas adicionais?
que tinha sido sabatinado (testado em aula). Em um teste de _____ MINUTOS
acompanhamento aplicado oito meses depois, os alunos ainda se • Lendo o livro? _____ MINUTOS
lembravam muito melhor de informações para as quais tinham
sido testados do que das que só tinham revisado. Agora que revisou seu exame, estime a
“Eu sempre havia considerado testes como uma forma de ava- porcentagem de pontos que perdeu devido a
liar, não como uma forma de aprender, então estava cética de iní- cada um dos seguintes fatores:
cio”, admite Andria Matzenbacher, ex-professora da escola
Columbia, que agora trabalha como designer instrucional. “Mas fi-
• ___ % POR NÃO ENTENDER UM CONCEITO
quei impressionada com a diferença que a prática de recuperação • ___ % POR NÃO SER CUIDADOSO (I.E., ERROS DE DISTRAÇÃO)
teve no desempenho dos alunos.” Mas Bain, por exemplo, não fi- • ___ % POR SER INCAPAZ DE FORMULAR UMA
cou surpresa. “Eu sabia que esse método funciona, mas foi bom vê- ABORDAGEM PARA UM PROBLEMA
-lo ser comprovado cientificamente”, observa ela. McDaniel,
Roediger e Mc Dermott acabaram estendendo o estudo à Colum-
• ___ % POR OUTRAS RAZÕES (POR FAVOR, ESPECIFIQUE)
bia High School (de ensino médio, antigo colegial), onde a prática

www.sciam.com.br 61
PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21

Existe mais um aspecto nos zes eles só olham de relance para a nota e depois enfiam a
prova em algum lugar e nunca mais olham para ela”, observa
testes estaduais padronizados Lovett. “Mais uma vez, essa é uma oportunidade de aprendi-
que os impede de serem zagem realmente importante que estamos perdendo.”
Há alguns anos, Lovett descobriu um jeito para fazer alunos re-
empregados de forma mais fletirem após uma prova. Ela chama seu método “exam wrapper”,
x‰`DąÇDßDDDÇßx³lžąDx­Í ä ou “invólucro de exame”. Quando o professor devolve um teste
avaliado com nota a um aluno, junto com ele vem, literalmente,
perguntas que formulam são um pedaço de papel enrolado em volta da prova em si. Nesse papel
predominantemente de natureza há uma lista de questões: um exercício curto que os estudantes de-

äøÇx߉`žD§j¸Ôøx§xþDjÔøDäx vem completar e devolver. O invólucro que Lovett desenvolveu


para um exame de matemática incluiu questões como:
inevitavelmente,
Com base nas estimativas acima, o que você fará de modo dife-
a um aprendizado rente quando se preparar para o próximo teste? Por exemplo: você
žøD§­x³îxäøÇx߉`žD§Í mudará seus hábitos de estudo ou tentará aprimorar habilidades
específicas? Por favor, seja específico. Além disso, o que podemos fa-
zer para ajudar?
de sabatinas em aula produziu resultados igualmente impressio-
nantes. Em um esforço para tornar a prática de recuperação uma A ideia, explica ela, é fazer com que os alunos reflitam sobre o
estratégia comum nas salas de aula em todo o país, a equipe da que não sabiam ou não entenderam, por que não conseguiram
Universidade Washington (com a ajuda da pesquisadora associa- captar essa informação e como poderiam se preparar de modo
da Pooja K. Agarwal, agora na Universidade Harvard) desenvolveu mais eficiente antes do próximo teste. Ela vem promovendo a
um manual para professores intitulado Como Usar a Prática de utilização de invólucros de exames junto aos membros do corpo
Recuperação para Melhorar a Aprendizagem (How to Use Retrie- docente da Universidade Carnegie Mellon há alguns anos, e vá-
val Practice to Improve Learning). rios professores, especialmente os de ciências, incorporaram a
Mesmo sendo apoiados pelo peso das evidências, no entan- técnica em seus cursos. Eles entregam “invólucros” junto com
to, os defensores da prática de recuperação ainda lutam contra exames graduados, os recolhem assim que foram preenchidos e,
uma reação reflexivamente negativa à aplicação de testes entre mais esperto que tudo, devolvem os papéis na época em que os
muitos professores e pais. Eles também enfrentam uma obje- alunos estão se preparando para a próxima prova.
ção mais ponderada, que argumenta mais ou menos o seguinte: Essa prática faz uma diferença? Em 2013, Lovett publicou
os estudantes americanos já são testados excessivamente, com um estudo de invólucros de exames em forma de um capítulo
frequência muito maior que alunos de outros países, como a no volume editado Using reflection and metacognition to im-
Finlândia e Cingapura, que se classificam regularmente bem prove student learning [Usando reflexão e metacognição para
mais à frente dos americanos em avaliações internacionais. Se melhorar a aprendizagem de alunos]. De acordo com sua análi-
testar é um jeito tão ótimo de aprender, por que nossos alunos se, as habilidades metacognitivas de alunos em classes que uti-
não estão se saindo melhor? lizavam os invólucros se desenvolveram melhor ao longo do
Marsha Lovett tem uma resposta na ponta da língua para essa semestre do que as de seus colegas em cursos que não se valiam
pergunta. A diretora do Centro Eberly para Excelência no Ensino e deles. Além disso, uma pesquisa de fim de semestre constatou
Inovação Educativa, da Universidade Carnegie Mellon, é especia- que entre os estudantes que receberam invólucros de exames,
lista em “metacognição”, a capacidade de pensar sobre a nossa mais da metade citou mudanças específicas que haviam feito
própria aprendizagem, de estar ciente do que sabemos e não sabe- em suas abordagens de aprender e estudar como resultado do
mos, e de usar essa consciência para gerenciar com eficiência o preenchimento do papel.
processo de aprendizagem. A prática de usar invólucros de exames está começando a
Sim, diz Lovett, estudantes americanos fazem muitos tes- se espalhar para outras universidades e escolas K-12. Lorie Xi-
tes. É o que acontece depois, ou, mais precisamente, o que não kes leciona na escola de ensino médio Riverdale High School,
acontece, que faz com que esses testes deixem de funcionar em Fort Myers, na Flórida, e tem usado os papéis em sua aula
como oportunidades de aprendizagem. Os alunos frequente- de biologia avançada (AP Biology é um curso para alunos que
mente recebem poucas informações sobre o que acertaram e querem seguir carreira nesse campo). Quando ela devolve
erraram. “Esse tipo de retroalimentação item por item é es- provas, o papel do invólucro inclui questões como:
sencial para o aprendizado, e nós estamos jogando essa opor-
tunidade fora”, critica. Além disso, os alunos raramente são Com base em suas respostas às perguntas acima, cite pelo me-
instados a refletir de forma ampla e abrangente sobre sua pre- nos três coisas que você fará de maneira diferente ao se preparar
paração para os exames e seu desempenho neles. “Muitas ve- para o próximo exame. SEJA ESPECÍFICO.

62 Scientific American Brasil | Setembro 2015


R E CA P I T U L AÇÃO

Aproximadamente quanto tempo você passou


se preparando para o teste? (SEJA HONESTO) Testes que ensinam
Sabatinas, ou quizzes, podem fazer mais que avaliar a aprendiza-
TV/rádio/computador estavam ligados? Você
gem, elas podem reforçá-la. Em um estudo elaborado para comparar a
esteve em qualquer site de mídia social diferença de desempenho entre estudar e testar, publicado em 2008
enquanto estudava? Você estava jogando no periódico Science, psicólogos pediram a quatro grupos de estudan-
videogames? (SEJA HONESTO) tes universitários que aprendessem 40 palavras do vocabulário suaíli.
O primeiro grupo estudou os vocábulos e foi testado repetidamente.
Agora que revisou o teste, marque as Os outros grupos falaram as palavras que tinham memorizado por
äxøž³îxä EßxDä x­ Ôøx îxþx lž‰`ø§lDlxäi meio de estudos posteriores ou testes, ou ambos. Uma semana depois,
os estudantes que foram repetidamente sabatinados sobre todas as
• APLICAR DEFINIÇÕES ________ palavras lembraram 80% delas, ao passo que os voluntários que ape-
• FALTA DE COMPREENSÃO DE CONCEITOS ______ nas estudaram as palavras só recordaram cerca de 30% dos vocábulos.

• ERROS DESCUIDADOS ________ Benefícios claros de testes repetidos


• LER/INTERPRETAR UMA TABELA OU GRÁFICO ________ Participantes estudaram e foram testados sobre toda a lista
em cada intervalo de estudo e exame

“Alunos geralmente só querem saber sua nota, e nada mais”, diz


Xikes. “Fazer com que preencham o papel do invólucro do exame Participantes foram testados sobre toda a lista
em cada exame, mas frases corretamente memorizadas foram
faz com que parem e reflitam sobre como se preparam para um subtraídas de estudos posteriores
teste e se a sua abordagem está funcionando ou não para eles.”
Além de distribuir invólucros de exames, Xikes também dedica
Participantes estudaram toda a lista, em cada intervalo
tempo de aula para revisar a prova, questão por questão, uma re- de estudo, mas frases corretamente memorizadas foram
troalimentação que ajuda os estudantes a desenvolver a capacida- subtraídas de testes posteriores
de crucial de “monitoramento metacognitivo”; isto é, controlar o
que sabem e o que ainda precisam aprender. Pesquisas sobre a
prática de recuperação mostram que testar pode identificar lacu- Frases lembradas corretamente foram tiradas de
estudos e testes posteriores
nas específicas nos conhecimentos dos alunos, além de “esvaziar”
a excessiva e generalizada confiança a que são suscetíveis, mas só
FONTE: “THE CRITICAL IMPORTANCE OF RETRIEVAL FOR LEARNING”, JEFFREY D. KARPICKE E HENRY L. ROEDIGER III, EM SCIENCE, VOL. 310; 19 DE FEVEREIRO DE 2008

se um feedback imediato é fornecido como um corretivo. 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100


Com o tempo, a reiterada exposição a esse ciclo de testes-retro-
Frases em língua estrangeira memorizadas corretamente
alimentação pode motivar alunos a desenvolver a capacidade de (porcentagem, uma semana após a conclusão do período integral de estudos e testes)
monitorar seus próprios processos mentais. Estudantes de origem
abastada, que recebem uma educação privilegiada, de primeira li-
nha, podem adquirir essa habilidade naturalmente por uma ques- lhor em seus outros cursos durante o semestre em que estavam
tão de educação, mas essa mesma capacidade muitas vezes é matriculados na aula de Pennebaker e Gosling, assim como nos se-
inexistente entre estudantes de baixos níveis de renda, que fre- mestres subsequentes, o que sugere que as frequentes sabatinas
quentam escolas fracas, que lutam por sua sobrevivência, acenan- acompanhadas de uma retroalimentação tiveram o efeito de me-
do com a promissora possibilidade de que a prática de recuperar lhorar suas habilidades gerais de autorregulação.
poderia, de fato, começar a fechar as lacunas de desempenho entre O aspecto que foi mais empolgante para os professores é que os
os mais e menos favorecidos. questionários diários levaram a uma redução de 50% na lacuna de
É exatamente isso o que James Pennebaker e Samuel Gosling, conhecimentos, medidos por meio de notas, entre alunos de dife-
professores da Universidade do Texas em Austin, constataram rentes classes sociais. “A repetida aplicação de testes é uma pode-
quando instituíram sabatinas diárias no amplo curso de psicolo- rosa prática que reforça, ou melhora diretamente as habilidades
gia que lecionam juntos. Os testes eram postados on-line, com um de aprendizagem e raciocínio, e pode ser especialmente útil para
software que informava os alunos se tinham respondido a pergun- estudantes que começam com uma formação acadêmica mais fra-
ta corretamente assim que davam uma resposta. As notas obtidas ca”, observa Gosling.
pelos 901 estudantes do curso, que incluía quizzes, ou questioná- Ele e Pennebaker, que publicaram com o estudante de gradua-
rios diários foram, em média, cerca de meia nota mais altas que as ção Jason Ferrell, da Universidade do Texas, suas constatações so-
obtidas por um grupo de comparação de 935 ex-alunos de Penne- bre os efeitos de sabatinas diárias em 2013 no periódico científico
baker e Gosling, que haviam feito um curso de concepção mais tra- PLOS ONE, atribuíram ao “feedback rápido, direcionado e estrutu-
dicional sobre o mesmo assunto, ou material. rado” que os estudantes receberam a melhoria da eficácia de testes
Surpreendentemente, os estudantes que faziam os testes diá- repetidos. E é nisso que reside um dilema para alunos de escolas
rios em sua aula de psicologia também tiveram desempenho me- públicas americanas, que fazem em média 10 testes padronizados

Gráfico de Jen Christiansen www.sciam.com.br 63


PARA FORMAR
O ESTUDANTE
DO SÉCULO 21

Se os próprios testes estaduais e zero % em aprendizado mais profundo em matemática.


“O que testes medem é importante porque o que consta neles
atualmente em curso nos tende a impulsionar a instrução”, salienta Linda Darling-Ham-
Estados Unidos fossem avaliados mond, professora emérita na Escola de Educação Graduada da
Universidade Stanford e autoridade nacional em aprendizagem e
de acordo com a mesma avaliação. Ela frisa que isso é especialmente verdadeiro quando há
lž‰`ø§lDlxxD­xä­D recompensas e punições associadas aos resultados dos testes,
como é o caso sob a lei Nenhuma Criança Deixada para Trás e as
profundidade das questões medidas de “responsabilidade” dos próprios estados.
que apresentam, quase todos De acordo com Darling-Hammond, as disposições da lei NCLB

seriam reprovados. efetivamente forçaram os estados a empregar testes de múltipla


escolha de baixo custo, que podem ser assinalados por máquina, e
é praticamente impossível que eles meçam o aprendizado profun-
por ano da terceira à oitava séries, de acordo com um recente estu- do, argumenta ela. Mas outros tipos de testes poderiam fazer isso.
do realizado pelo Centro para o Progresso Americano. Em colaboração com seu colega de Stanford Frank Adamson, Dar-
Ao contrário dos exames elaborados e aplicados pelos professo- ling-Hammond escreveu o livro Beyond the bubble test (Além do
res e docentes perfilados aqui, as provas padronizadas geralmente teste de bolinhas, em tradução livre), de 2014, que descreve uma vi-
são vendidas às escolas por editoras comerciais. As notas desses são muito diferente de avaliação: testes que apresentam perguntas
testes frequentemente chegam semanas ou até meses depois de te- “abertas”, cujas respostas são avaliadas por professores e não má-
rem sido feitos pelos alunos. E para manter o sigilo e a segurança quinas; que estimulam os alunos a desenvolver e defender um ar-
das questões desses testes, e poder usá-las novamente em provas gumento; e que pedem aos examinandos que realizem um
futuras, as empresas especializadas nesses exames não fornecem experimento científico ou elaborem um relatório de pesquisa.
uma retroalimentação para todas as questões, mas apenas uma Darling-Hammond salienta que, na década de 90, alguns esta-
nota numérica sem grandes explicações. dos americanos haviam começado a ministrar testes desse tipo,
Existe mais um aspecto nos testes estaduais padronizados mas que esse esforço acabou com a aprovação da lei Nenhuma
que os impede de serem empregados de forma mais eficaz como Criança Deixada para Trás. Ela reconhece que o interesse por tes-
ocasiões de aprendizagem. As questões que formulam são predo- tes mais sofisticados também acabou devido a preocupações de lo-
minantemente de natureza superficial, o que leva, quase inevita- gística e custo.
velmente, a um aprendizado igualmente superficial. Ainda assim, avaliar os alunos dessa forma não é um sonho
Se os próprios testes estaduais atualmente em uso nos Esta- fantástico: outros países, como a Inglaterra e a Austrália, já estão
dos Unidos fossem avaliados de acordo com a mesma dificuldade fazendo isso. “Seus alunos estão realizando o trabalho de cientis-
e a mesma profundidade das questões que apresentam, quase to- tas e historiadores reais, enquanto os nossos estão preenchendo
dos seriam reprovados. Essa é a conclusão a que chegaram Kun bolinhas”, queixa-se Darling-Hammond. “É lamentável.”
Yuan e Vi-Nhuan Le, ambas então cientistas comportamentais Mas ela vê alguns motivos para otimismo: uma nova geração
na RAND Corporation, um think tank sem fins lucrativos. de testes está sendo desenvolvida nos EUA para avaliar com que
Em um relatório publicado em 2012, Yuan e Le avaliaram os taxa de sucesso os estudantes atendem aos critérios dos Common
testes de matemática e língua inglesa oferecidos por 17 estados, Core State Standards, padrão baseado em um conjunto de pontos
classificando cada questão de acordo com seu desafio cognitivo de referência acadêmicos em alfabetização e matemática que fo-
para os alunos testados. Para isso, as duas pesquisadoras da ram adotados por 43 estados.
RAND usaram uma ferramenta chamada Webb’s Depth of Know- Dois desses testes, o Consórcio Smarter Balanced Assessment
ledge (Profundidade de Conhecimento de Webb), abreviado (Smarter Balanced) e o Parceria para Avaliação de Prontidão para
DOK, criada por Norman Webb, cientista sênior do Centro para a Faculdade e Carreiras (PARCC, na sigla em inglês) parecem pro-
Pesquisa Educacional de Wisconsin, que identifica quatro níveis missores como provas de aprendizado profundo, opina Darling-
de rigor mental, de DOK1 (recordação simples), a DOK2 (aplica- -Hammond, apontando para uma recente avaliação conduzida
ção de habilidades e conceitos), até DOK3 (raciocínio e inferên- por Joan Herman e Robert Linn, pesquisadores no Centro Nacio-
cia), e DOK4 (planejamento e investigação estendida). nal de Pesquisa em Avaliação, Padrões, e Avaliação de Estudantes
A maioria das perguntas das provas estaduais examinadas por (CRESST), da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Yuan e Le estava nos níveis DOK1 ou DOK2. As autoras utiliza- Herman salienta que os dois testes pretendem enfatizar ques-
ram o nível DOK4 como ponto de referência para as questões que tões de nível DOK2 e acima de profundidade de conhecimentos de
medem o aprendizado mais profundo e, por este padrão, os testes Webb, com pelo menos um terço da pontuação total possível de
estão falhando completamente. Apenas de 1% a 6% dos alunos um estudante vindo de questões de nível DOK3 e DOK4. “O PARCC
eram avaliados quanto ao seu aprendizado mais profundo em lei- e o Smarter Balanced podem não ir tão longe quanto gostaríamos”,
tura através de testes estaduais, relatam as pesquisadoras; 2% a admitiu Herman em uma postagem em seu blog no ano passado,
3% eram avaliados em aprendizado mais profundo em redação; mas “eles provavelmente produzirão um grande passo à frente”.

64 Scientific American Brasil | Setembro 2015


LIVROS

A enciclopédia que
mudou o curso da história
Obra dirigida por Diderot e d’Alembert sob a opressão
absolutista e religiosa ganha tradução brasileira

“Esta obra produzirá certamente, com projeto editorial foi totalmente reformu-
o tempo, uma revolução nos espíritos, e lado, passando de uma tradução à elabo-
espero que os tiranos, os opressores, os ração de uma obra original. Até 1772 foram publicados 35 volumes,
fanáticos e os intolerantes não ganhem Entre as primeiras exigências de Dide- cerca de metade deles com ilustrações.
nada com isto.” Com essas palavras em rot a Breton, destacou-se “a escolha dos Publicada em cinco volumes – Dis-
uma carta à sua amiga e confidente colaboradores segundo seus conhecimen- curso preliminar, O sistema dos conhe-
Sophie Volland, em setembro de 1762, às tos, liberdade completa para os autores e cimentos, As ciências da natureza, Polí-
vésperas da publicação do oitavo volume independência diante dos poderes consti- tica e Sociedade e artes –, a edição
de sua Enciclopédia, o escritor e filósofo tuídos”, conforme destacou Maria das brasileira também traz 170 do total de
francês Denis Diderot (1715-1797) sinteti- Graças de Souza, professora de filosofia da cerca de 600 imagens da obra original.
zou o espírito desse seu trabalho que, em USP, na introdução à edição brasileira, da Na nova versão as gravuras estão nos
coautoria com o físico e matemático Jean qual é também uma das tradutoras. mesmos tomos em que estão os verbetes
d’Alembert (1717-1783), se tornou um dos aos quais se referem.
principais ícones do Iluminismo. Além do importante trabalho de intro-
“... POIS A ENCICLOPÉDIA
A ideia de compilar conhecimentos em dução e contextualização da obra – por
obras preparadas especificamente para DEVE TUDO AOS TALENTOS, meio de textos dos professores da USP
esse fim já havia sido posta em prática NADA AOS TÍTULOS, ELA É A Maria das Graças de Souza, Pedro Paulo
desde a Antiguidade greco-romana, inclu- HISTÓRIA DO ESPÍRITO Pimenta e Franklin de Matos –, outro pon-
sive por Aristóteles (c. 384-322 a.C.). O pri- HUMANO, E NÃO DA to forte da edição brasileira é a versão
meiro projeto efetivamente proposto em bilíngue (francês-português) do “Discurso
VAIDADE DOS HOMENS.”
moldes enciclopédicos só veio a ser for- preliminar dos editores”, redigido por
mulado no início do século 17 pelo filósofo (JEAN D’ALEMBERT) d’Alembert, que está no primeiro volume.
inglês Francis Bacon (1561-1626) em seu Mais que uma obra de difusão do
livro Sobre a proficiência e o avanço do A publicação da Enciclopédia começou conhecimento à disposição de cada cida-
conhecimento divino e humano (1605). em 1751. A elaboração da obra contou com dão, e que um baluarte de combate ao
O projeto de Bacon inspirou a produ- o trabalho de colaboradores, entre eles absolutismo e ao pensamento medieval, a
ção de obras como o Dicionário histórico intelectuais então já consagrados, como Enciclopédia é também o ponto de encon-
e crítico (1697), do francês Pierre Bayle Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Voltai- tro desse espírito de libertação com um
(1647-1706), e a Ciclopédia ou dicionário re (1694-1778), Montesquieu (1689-1755) e dos melhores estilos literários de crítica e
universal de artes e ciências (1728), do o médico e filósofo Louis de Jacourt (1704- do exercício vigoroso, inteligente e criati-
inglês Ephraim Chambers (1680-1740). 1779), autor de cerca de um quarto dos vo da razão. – Maurício Tuffani
A iniciativa de elaborar a Enciclopé- verbetes de toda a coleção.
dia surgiu da ideia de publicar em fran- A obra também se caracterizou por Enciclopédia, ou dicionário razoado das
cês a Ciclopédia – que chegou a ser edita- seu projeto, fundado nos ideais ilumi- ciências, das artes e dos ofícios
da até o final do século 19. O convite para nistas de valorização da razão e de Denis Diderot e Jean d’Alembert
traduzir a obra de Chambers foi feito a reforma da organização da sociedade, (organização de Pedro Paulo Pimenta e
Diderot pelo editor parisiense André- baseada no poder da religião e do abso- Maria das Graças de Souza).
-François Le Breton. Depois de muitas lutismo e do conhecimento herdado da Editora Unesp. 5 volumes. 2015.
manifestações do pensador ao editor, o tradição medieval. Preço: R$ 78,00 cada volume.

www.sciam.com.br 65
CIÊNCIA EM GRÁFICO

Bactéria resistente no estômago


Uma cepa difícil de combater de Shigella‰³`¸øF³`¸ßD³¸ääîDl¸ä7³žl¸ä
Tipos de bactérias que podem causar diarreia, como nas intoxi- Os CDC confirmaram 275 casos de Shigella resistente à cipro-
cações alimentares, nos espreitam de todos os lados. Microrganis- floxacina entre maio de 2014 e maio de 2015 e liberaram dados um
mos como Escherichia coli e Shigella podem ser facilmente trans- pouco mais detalhados sobre ocorrências confirmadas em cada
mitidos em viagens internacionais e lugares como creches, onde é estado à Scientific American (gráficos abaixo). Embora pare-
difícil manter a limpeza o tempo todo. Em abril os Centros para çam baixos, os números quase certamente representam apenas
Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na uma pequena fração dos casos de bactérias resistentes a esse
sigla em inglês) registraram um surto de Shigella sonnei que se medicamento. Todas as infecções por Shigella devem ser notifica-
tornou resistente à ciprofloxacina – um dos últimos antibióticos das aos CDC, mas muitas pessoas contaminadas não vão ao médi-
na forma de comprimido capaz de matar esse patógeno. Pesquisa co. E aquelas que vão nem sempre são submetidas a exames para
da Scientific American mostra que a preocupante cepa continua verificar a presença de Shigella e muito menos a resistência ao
circulando no país um ano após seu aparecimento. medicamento. – Rebecca Harrington

Casos de Shigella em alta


131
ALASCA ARIZONA ARKANSAS CALIFÓRNIA CAROLINA CAROLINA DO SUL
Då¹å ´¹ïŸŠ`Dm¹å my Shigella
5¹ïD¨ my `Då¹å DO NORTE
(total cumulativo por semana*)
àyåŸåïy´ïyå K 1,042
`ŸÈ์¹āD`Ÿ´D 25 604
ALABAMA 401 12 345
(24 de maio de 2014 – 0 9 9 180
4 0† 0 0† 0† 0† 1
1º de maio de 2015)

CIDADE DE COLORADO CONNECTICUT DAKOTA DAKOTA DO SUL DELAWARE FLÓRIDA


406 2,045
NOVA YORK DO NORTE
1 1
24 de maio 3 de maio 679 73
de 2014 de 2015 364
67 2 67 11 0 12 1 17 68 1
0 0 † 1 0† 6 0†

GEÓRGIA HAVA͇ IDAHO ILLINOIS INDIANA IOWA‡ KANSAS KENTUCKY LOUISIANA

1,277
839 778
27 0 37 383
1 29 0 11 1 0 153 0 61 0† 0 116 2
1 2 1 0†

MAINE MARYLAND MASSACHUSETTS MICHIGAN MINNESOTA MISSISSIPPI MISSOURI MONTANA NEBRASKA


1,405
45
272 393 20
2 162 7 154 0† 45 220
0 25 0† 6 6 2 0 0 4 6 0† 0 4 0 0†

NEVADA NEW HAMPSHIRE NOVA JERSEY NOVO MÉXICO FONTE: CENTROS PARA CONTROLE E PREVENÇÃO DE DOENÇAS
NOVA YORK OHIO OKLAHOMA OREGON PENSILVÂNIA

289 359 574


36 2 0 0 59 0† 1 19 196 43 3 4 203 18
0 7 1 3 0 1 0† 4 0† 2
2,652
PORTO RICO RHODE ISLAND TENNESSEE TEXAS UTAH VERMONT VIRGÍNIA VIRGÍNIA WASHINGTON
OCIDENTAL

625 33
23 204 6 2 122 5
0 15 3 0 21 7 0† 2 1 31 1 0 4 0† 2 0 12 2

WASHINGTON D.C. WISCONSIN WYOMING Eid‘c[heiZe]h|ÒYed€eh[fh[i[djWcWjejWb_ZWZ[ZeiYWieiZ[i^_][bei[idei;K7fehgk[d[cjeZeii€edej_#


ÒYWZei$EijejW_ii[cWdW_ii€eYWbYkbWZeiikXjhW_dZe#i[eWYkckbWZedWi[cWdWWdj[h_ehZeZWi[cWdWi[]k_dj["
Yed\ehc[eH[bWjŒh_eI[cWdWbZ[CehX_ZWZ[[CehjWb_ZWZ[Zei9:9$;ii[ijejW_ifeZ[cckZWhYecXWi[[c
delWi_d\ehcW‚[i$
336 •;ijWZeii[cYWieih[i_ij[dj[i}Y_fheÓenWY_dWekgk[d€e\Wp[chej_d[_hWc[dj[j[ij[iZ[h[i_ij…dY_WWeWdj_X_Œj_Ye$
1 39 7 0 30 2
2
Ô:WZeid€eYedÒhcWZei$

66 Scientific American Brasil | Setembro 2015 Gráfico de Nigel Hawtin

Você também pode gostar