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ELLA – UMA PROPOSTA DECOLONIAL DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA

INGLESA A DISTÂNCIA
ELLA - A DECOLONIAL PROPOSAL OF DISTANCE ENGLISH TEACHING-LEARNING

FAGUNDES, Isabella Zaiden Zara1; AMADO, Giselly Tiago Ribeiro2

Grupo Temático 2: Conteúdos educacionais – da produção à exibição


Subgrupo 2.1: Produção de materiais didáticos: diferentes mídias diferentes olhares

Resumo:
Este artigo tem o objetivo de problematizar a produção de material didático, explicitando
algumas atividades criadas por um viés decolonial, dentro do ELLA: English Language
Learning Laboratory, um laboratório virtual dotado de inteligência artificial voltado ao
ensino de língua inglesa a distância para instituições federais de ensino superior. O ELLA
está ligado ao grupo de pesquisa Linguagem Natural e Inteligência Artificial, do qual
fazemos parte, formado por uma equipe transdisciplinar, principalmente das áreas de
Linguística Aplicada e Ensino de Inglês e Ciência da Computação. O ELLA é responsivo às
questões sociais emergentes e se preocupa em oportunizar para que a(o) sua(seu)
estudante possa se legitimar no aprendizado em língua inglesa. Utilizamos para esse
artigo uma metodologia qualitativa de cunho bibliográfico decolonial que perpassa pela
Linguística Aplicada Crítica no contexto da produção de material didático. Temos
trabalhado em uma perspectiva epistemológica que questiona o silenciamento das vozes
do Sul como produtora de conhecimento e de saberes e é nesse aspecto que o ELLA está
sendo desenvolvido, colocando-se como meio de produção de saberes em alinhamento às
questões de relevância social. O resultado esperado é que as(os) estudante consigam
tomar a palavra e se posicionarem em uma língua outra.
Palavras-chave: Inteligência artificial. Translinguismo. Inteligibilidade. Tomada da
palavra.

Abstract:
This paper aims to problematize the production of teaching material, explaining some
activities created by a decolonial bias, within ELLA: English Language Learning Laboratory,
a virtual laboratory with artificial intelligence that teaches English language from a
distance learning to federal institutions of higher education. ELLA is linked to the research
group Natural Language and Artificial Intelligence, of which we belong, formed by a
transdisciplinary team, mainly in the areas of Applied Linguistics and English Teaching and
Computer Science. ELLA is responsive to emerging social issues and is concerned with
providing opportunities for its student can legitimize herself/himself in English language.
In this paper, we used a qualitative methodology of decolonial bibliographic that
permeates Critical Applied Linguistics in the context of teaching material production. We
have been working in an epistemological perspective that questions the silence of southern 1
voices as a producer of knowledge and it is in this aspect that ELLA is being developed,

1
Mestranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia. Bolsista CAPES. E-mail:
izaiden@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9495-7422 Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0229096247950294
2
Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: giselly@ufu.br Orcid:
https://orcid.org/0000-0002-8962-2230 Lattes: http://lattes.cnpq.br/5771970287386431
placing itself as a means that produces knowledge in alignment with social issues. The
expected result is that the students can get the tomada da palavra and position
themselves in another language.
Keywords: Artificial intelligence. Translinguism. Intelligibility. Tomada da palavra.

1. Introdução
Aprender uma língua é sempre, um pouco,
tornar-se um outro.
(Christine Revuz)

Tradicionalmente o ensino de língua inglesa tem utilizado materiais didáticos


importados, os quais apresentam como língua padrão aquela falada nos Estados Unidos, ou
na Inglaterra, apagando a língua inglesa falada em outros países. Isso implica em um modelo
idealizado de língua inglesa que desliza para o imaginário de uma língua perfeita e inatingível.
À medida em que não se considera os regionalismos e a diversidade linguística privilegia-se
um modelo hegemônico que institucionaliza a língua dando-lhe um caráter homogêneo.
Tal caráter vem sendo reforçado por representações sócio-histórico-culturais que
recaem no/pelo corpo e na/pela língua, o que de certa maneira impede o aparecimento de
temas de relevância social, evitando assim um tipo de problematização que leva a refletir
sobre as pessoas que estão à margem, e com isso, podendo impossibilitar uma certa tomada
da palavra3 por parte da(o) estudante, pois o que se vê, geralmente, são práticas
monologizadas, da ordem do controle, do previsível, da língua como produto, havendo a
necessidade de se promover práticas que possibilitem uma desconstrução.
Aliada a essa necessidade de desconstrução, bem como para o favorecimento de um
ensino da língua mediada pela tecnologia, voltada ao ensino a distância, foi criado o ELLA:
English Language Learning Laboratory4, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
associado ao grupo de pesquisa LIA - Linguagem Humana e Inteligência Artificial, do qual
fazemos parte. O ELLA foi concebido dentro de uma perspectiva da Linguística Aplicada Crítica
(LAC) “responsiva à vida social” (MOITA LOPES, 2006, p. 100), a qual, dedica atenção aos
problemas sociais e a soluções de conflitos que envolvam a linguagem.
Nessa perspectiva todo o material didático do ELLA foi elaborado a fim de contemplar
a necessidade de aprendizagem das(os) estudante, pois consideramos que a aprendizagem
perpassa pela capacidade da solução de problemas e/ou conflitos e não apenas no
aprendizado da língua pela língua. Para tal, a temática trabalhada envolve problemas sociais
emergentes, nos quais as(os) estudante terão oportunidade de refletir e problematizar,
enquanto aprendem a língua.
Propomos neste artigo abordar a produção de material didático referente a uma das
unidades do ELLA. Nosso intuito é apresentar as soluções encontradas dentro das 2

3
A tomada da palavra é aquela que excede a ordem da instrumentalidade da língua e os sentidos excedem a
ordem da proposição lógica, é a tomada da palavra que afeta e transforma o sujeito como tal, pois linguagem e
constituição subjetiva estão intimamente ligadas (SERRANI-INFANTI, 1998, p. 146).
4
Laboratório de Aprendizagem de Língua Inglesa. Projeto financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – CAPES, conforme proposta aprovada no Edital CAPES/UAB nº 03/2015 de inovação
tecnológica. Tal projeto foi idealizado e é coordenado pela Profa. Dra. Simone Tiemi Hashiguti.
possibilidades do sistema tecnológico e assim, trabalharmos as questões que envolvam o
processo de ensino-aprendizagem que são atreladas a diferentes temas do cotidiano,
possibilitando que a(o) estudante se legitime no aprendizado e se posicione em uma língua
outra.
Utilizamos para esse artigo uma metodologia qualitativa de cunho bibliográfico
decolonial que perpassa pela LAC no contexto da produção de material didático. Inicialmente,
para a compreensão da área, apresentamos alguns aspectos da LAC, no que tange o processo
de ensino-aprendizagem da língua com um viés social, o que possibilita o deslocamento
epistemológico eurocêntrico para uma valorização do que é local. Em seguida, descrevemos
o ELLA, mediante a unidade Matters of health5 (AMADO; FAGUNDES, 2019), para
problematizarmos a elaboração de material didático na perspectiva decolonial.

2. Linguística aplicada crítica e o viés decolonial


Educação não transforma o mundo.
Educação muda as pessoas.
Pessoas transformam o mundo.
(Paulo Freire)

Afinal, o que é Linguística Aplicada? Esse é um questionamento que permeia o meio


acadêmico e que já foi respondido por Celani (1992, p.18) como sendo “um mediador entre
descrições teóricas e atividades práticas diversas”, a linguista ainda complementa que seria
“uma atividade, e não um estudo teórico, que usa os resultados de estudos teóricos para o
ensino de línguas” (CELANI, 1992, p. 18). Moita Lopes também dá voz à essa questão e
compreende que se trata de:
uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na
resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem
de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento
teórico, e que utiliza métodos de investigação de natureza positivista e
interpretativista (MOITA LOPES, 1996, 22-23).
Entendemos que a Linguística Aplicada, doravante LA, é fluida e não pode ser pensada
como algo homogêneo, bem como não pode ser vista como uma teoria, e sim como um campo
de estudos em que há várias teorias em movimento que se entrelaçam, e até mesmo se
contradizem. A LA sustenta nuances que abrangem uma gama de discussões outras, que não
são somente as voltadas para a sala de aula, e mesmo que sejam moldadas para esse
ambiente, trazem todas as problemáticas da perspectiva das minorias, como por exemplo,
teorias feministas, discussões sobre gênero, teorias queer6, narrativas raciais e étnicas, entre
outras.
Tais temáticas, oriundas das Ciências Sociais e Humanas, passam a ter visibilidade a
3
partir do momento em que a LA se apodera delas e faz emergir as vozes do Sul (MOITA LOPES,
2006), isto é, minorias que até então estavam silenciadas passam a ter visibilidade. A partir do
momento em que essas vozes são ouvidas, são abertas possibilidades de se perceber o mundo

5
Problemas de saúde.
6
Termo usado para se dirigir a pessoas que não se enquadram no seu gênero, seja por orientação sexual ou
identidade.
contemporâneo e renarrar as questões sociais, para que haja um rearranjo e uma
reconstrução de uma agenda anti-hegemônica, o que faz com que os linguistas aplicados
sejam desafiados e se reposicionem passando a produzir conhecimento que seja pertinente e
com expressão, no qual o sujeito é olhado por um prisma sócio-histórico.
A LA é uma área mestiça, pelo fato de conseguir dialogar com diversas áreas, em uma
busca permanente por soluções a respeito do uso da língua, uma vez que, não há uma área
que não seja permeada pela linguagem. Por esse motivo, podemos dizer que existem várias
vertentes ou discursos formadores, sejam eles de caráter crítico (PENNYCOOK, 2001),
transgressivo (PENNYCOOK, 2004, 2006) ou indisciplinar (MOITA LOPES, 2006, 2009), que se
inscrevem nessas teorias e ressoam nas discussões atuais.
Quando nos referimos a uma LAC, a compreendemos como “uma abordagem mutável
e dinâmica para as questões da linguagem em contextos múltiplos, em vez de como um
método, uma série de técnicas, ou um corpo fixo de conhecimento” (PENNYCOOK, 2006, p.
67). A LAC abre precedentes para se discutir, em uma perspectiva auto reflexiva, diversos
assuntos que, a priori, não tinham sido explorados e nem eram de interesse da LA, essa
criticidade, obrigatoriamente, “envolve um ceticismo constante, um questionamento
permanente, de premissas reguladoras da linguística aplicada” (PENNYCOOK, 2001, p. 10).
Os assuntos, hoje abordados pela LA, que tocam o ser humano mediado pela
linguagem, eram da ordem do indizível, do não enunciável, e apenas tratados por ela de forma
tradicional, discreta, sem um compromisso com a responsabilidade social, na tentativa de
manter o caráter de objetividade e neutralidade. Na perspectiva crítica, a busca é pela
pluralidade, pela inclusão, pois a LAC entende que é preciso ouvir as vozes dissonantes para
que haja a movimentação e a fluidez indispensáveis para que as outras vozes também sejam
ouvidas.
Nesse mesmo aspecto, a decolonialidade pode ser compreendida como um
movimento de resistência à lógica da modernidade/colonialidade. Esta lógica funciona mesmo
após o fim do colonialismo em que as ex-colônias já são estados-nação, porém, estas ainda
mantêm uma certa dependência sócio-histórico-político-econômico-cultural com os países
colonizadores que são os produtores que exportam o conhecimento no exercício da
dominação do outro.
Essa dominação pode ocorrer separadamente ou pelo imbricamento dos três tipos de
colonialidades, isto é, do poder, do saber e do ser (MIGNOLO, 2003). No âmbito da
colonialidade do poder (MIGNOLO, 2010; QUIJANO, 2000) há o exercício do controle da
economia, da autoridade, da natureza e dos recursos naturais, do gênero, da sexualidade, da
subjetividade e do conhecimento, sendo que este último recai diretamente sobre a
colonialidade do saber. No que tange a colonialidade do ser (MIGNOLO, 2003; MALDONADO-
TORRES, 2007) recai sobre essa o controle do gênero, da sexualidade e da subjetividade
juntamente com o controle da raça, a qual é “uma ficção útil, uma construção fantasmática 4
ou uma projeção ideológica, cuja função é desviar a atenção de conflitos [...] mais genuínos”
(MBEMBE, 2018, p. 28-29).
Os três tipos de colonialidades funcionam de forma entrelaçada, por isso, faz-se
necessário que a produção de material didático os leve em consideração, a fim de
problematizá-los e promover uma reflexão que possa deslocá-los para a virada decolonial, em
que a história é protagonizada pelos povos antes colonizados. No ELLA essa é uma premissa
que fundamenta todas as unidades e a programação da inteligência artificial. Neste artigo,
iremos nos concentrar em algumas atividades da unidade Matters of health, de nossa autoria,
para abordarmos a produção do material didático para o ensino-aprendizagem de língua
inglesa dentro da perspectiva decolonial.

3. O ELLA na prática decolonial


A diversidade promove a tolerância.
Quando você não encontra pessoas diferentes,
não percebe coisas, não percebe
o quanto tem em comum com elas.
(Malala Yousafzai)

O ELLA é um freeware7 dotado de inteligência artificial e tem sido desenvolvido com o


apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. O
laboratório virtual tem como objetivo auxiliar nos processos de ensino-aprendizagem do
inglês como língua estrangeira e é formado por uma equipe transdisciplinar, em especial, das
áreas da Linguística Aplicada e Ensino de Inglês e Ciência da Computação vinculadas(os) à
Universidade Federal de Uberlândia - UFU e também ao Instituto Federal do Triângulo Mineiro
– IFTM.
O ELLA tem como finalidade principal propor práticas de oralidade em língua inglesa
que envolvam a interação humano-máquina, em que a inteligência artificial será capaz de
analisar a pronúncia juntamente com a expressão facial para dar feedback8 sobre a
inteligibilidade (RAJAGOPALAN, 2009; 2010) das produções da(o) estudante. É possível
também trabalhar as quatro habilidades da língua no ELLA, que a longo prazo tornar-se-á um
sistema de inteligência artificial capaz de estabelecer interações mais consistentes com as(os)
estudantes.
As práticas de oralidade no ELLA englobam temas variados e de relevância social e
estão divididos em oito unidades nas quais as(os) estudantes terão a oportunidade de refletir
sobre as questões e solucionar conflitos que estão presentes no dia a dia, além de uma
unidade específica sobre a estrutura da língua. Em cada uma das oito unidades há uma
animação que funciona como tema central e direciona o percurso da elaboração das demais
atividades, sempre com uma preocupação que preconiza os estudos desenvolvidos pelo grupo
de pesquisa, os quais envolvem os temas de relevância social.
Apresentamos a unidade Matters of health, figura 1, a qual lidamos com uma situação
de emergência médica em que um dos personagens precisou ir para o hospital. Nessa unidade
são trabalhadas atividades que envolvem escuta e repetição de diálogos, verbos modais,
expressões idiomáticas, vocabulário ligado à alimentação, esporte e saúde, leitura e escrita de
textos. 5

7
Programa gratuito.
8
É a resposta retornada do sistema para a(o) estudante.
Figura 1. Animação da unidade Matters of health9

Fonte: EduCapes10

A animação refere-se a um campeonato mundial de caratê que acontece em


Uberlândia. Uma carateca brasileira se dispõe a acompanhar as(os) colegas estrangeiras(os)
durante a estadia na cidade, levando-as(os) a restaurantes e pontos turísticos, elas(eles) já se
conhecem de longa data pelos diversos encontros promovidos pela prática das artes marciais,
o que as(os) deixam muito à vontade. Em um determinado momento, um carateca estrangeiro
sente-se indisposto e precisa de atendimento médico.
Após assistir à animação a(o) estudante é convidada(o) a realizar as atividades que
remetem aos cuidados com a saúde, por meio da alimentação e da prática de esporte,
trabalhando com vocabulário específico. Além disso, abordamos questões sobre problemas
de saúde, para possibilitar à(ao) estudante lidar com os imprevistos. Essa unidade conta com
quinze atividades elaboradas em alinhamento com as questões decoloniais que podem
permitir às(aos) estudantes se legitimarem na aprendizagem e tomarem a palavra em língua
inglesa.
Apresentamos alguns dos enunciados do material didático produzido, a fim de
abordarmos como trabalhamos as questões decoloniais. Os enunciados são expostos aqui em
língua portuguesa. O ELLA é um site bilíngue, sendo assim a(o) estudante pode escolher o
idioma para o acesso das atividades, porém, para as suas produções orais ou escritas bem
como para a interação com a inteligência artificial, as(os) estudantes são orientadas(os) a
usarem a língua inglesa, com a liberdade de técnicas linguageiras de translinguismo
(CANAGARAJAH, 2013), isto é, podem mesclar as duas línguas como uma maneira de
desenvolver a aprendizagem. Este processo pode colaborar com as participações das(os)
estudantes e facilitar a tomada da palavra, o que para nós é o mais importante pois, a partir
disso as habilidades linguísticas podem ser aprimoradas.
6
O ELLA preconiza em suas atividades o respeito à(ao) estudante, à medida em que
esta(este) participa do processo ensino-aprendizagem compreendendo-o, o que pode

9
ELLA: English Language Learning Laboratory. Disponível em: <https://labvirtual.ileel.ufu.br/lab/>. Acesso em:
11 mai. 2020.
10
Animação disponível no site EduCapes: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/433891. Acesso em: 11
mai. 2020.
fomentar a construção de sentidos em língua inglesa. Desta maneira, o diferencial de nosso
material didático está no modo pelo qual as atividades são pensadas e apresentadas. Logo,
faremos um contraponto entre o modo tradicional e o decolonial, por meio de enunciados de
algumas atividades que estão na unidade Matters of health do ELLA, a fim de
problematizarmos sobre a inclusão da(o) estudante no processo de ensino-aprendizagem.
Consideramos, por exemplo, que atividades de escuta e repetição são importantes
para o desenvolvimento de habilidades, por isso, a nossa proposta para esse tipo de atividade,
figura 2, foi a de levar a(o) estudante a compreender os efeitos de sentido possibilitados a
partir do que é dito, juntamente com o modo de se dizer.

Figura 2: Atividade 1

Fonte: ELLA - English Language Learning Laboratory.

Nossa perspectiva de linguagem é a da não transparência, uma vez que a mesma está
propensa ao equívoco, ao lapso, a falhas, “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de
tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para
derivar para um outro [...], oferecendo lugar a interpretação” (PÊCHEUX, 2006, p. 53). Por essa
razão, ao ensinar a língua inglesa, a importância está na equação pronúncia + expressão facial
+ modos de dizer. Do mesmo modo que a(o) estudante não deve considerar a língua materna
como neutra, também não deve fazê-lo em língua estrangeira.
Na atividade 2, figura 3, usualmente os modelos tradicionais se restringem ao uso de
encenações para a prática comunicativa. Nossa proposta foi problematizar uma situação
comunicativa em que o agradecimento ressoou como uma forma de se evitar um possível
conflito.

7
Figura 3: Atividade 2

Fonte: ELLA - English Language Learning Laboratory.

Em uma situação discursiva, como a retratada na tirinha, nem sempre um


agradecimento pode ser compreendido com o sentido das palavras em si. Se considerarmos
apenas a concordância de todas(os) as(os) amigas(os), tratamos a língua pela língua e
deixamos de analisar quais as possíveis especificidades discursivas estão envolvidas na
interação, que é o lugar de construção discursiva das posições e/ou relações. Há um
funcionamento na linguagem que
fornece [...] evidências que fazem com que uma palavra ou um enunciado 8
"queiram dizer o que realmente dizem" e que mascaram, assim, sob a
"transparência da linguagem", aquilo que chamaremos o caráter material do
sentido das palavras e dos enunciados (PÊCHEUX, 1995, p. 160, grifos do
autor).
Sendo assim, por esse funcionamento há a movência de sentidos que lhe atribui a opacidade,
portanto na atividade 2 ao enunciarem “thank you”, pode não ser um simples agradecimento,
mas um enunciado para mascarar uma situação de desconforto.
A atividade 4, figura 4, apresenta à(ao) estudante a oportunidade de criar um novo
desfecho, momento em que está aberta a ela(ele) a possibilidade de se posicionar e se
legitimar em uma língua outra, ao passo que pelo modelo tradicional, geralmente, a atividade
se restringe a uma escrita pré-estabelecida.

Figura 4: Atividade 4

Fonte: ELLA - English Language Learning Laboratory.

Compreendemos que há um estranhamento ao enunciar em uma língua estrangeira,


por isso, a proposta da atividade tenta afastar o pensamento da(o) estudante sobre o
funcionamento da língua, ao mesmo tempo em que está ocupada(o) com a criação da própria
atividade, visto que “uma língua é melhor aprendida quando o foco não está na língua, quando
a atenção dos aprendizes está focada na compreensão, no dizer e no fazer algo com a língua,
mesmo se eles não estão explicitamente preocupados com as propriedades formais”
(KUMARAVADIVELU, 2012, p. 28).
Entendemos que “o conhecimento, a aprendizagem acontece no interior do ser, que
pelas palavras, desenhos, músicas, pinturas consegue se expressar e externalizar o 9
conhecimento, a aprendizagem” (AMADO, 2018, p.72). Ao criar o novo desfecho a(o)
estudante estará externalizando o seu conhecimento que é um tipo de desabrochar do
processo ensino-aprendizagem, o qual compreendemos que não pode ser encarado como
tranquilo, pois, “a educação é uma forma de violência, uma vez que interfere na soberania do
sujeito propondo questões difíceis e criando encontros difíceis” (BIESTA, 2017, p. 49). Neste
sentido a educação tem um viés de violência transcendental (DERRIDA, 2002) pois, a
aprendizagem de uma língua estrangeira marca o sujeito que é atravessado pela língua
materna em um embate com a língua outra.
As atividades 5 e 6, figuras 5 e 6 respectivamente, foram criadas para mostrar a
possibilidade de substituição dos diálogos por expressões idiomáticas durante a interação.
Utilizamos essa alternativa para abordarmos o ensino das expressões idiomáticas, que de
modo geral são associadas ao falante nativo e a uma historicidade.

Figura 5: Atividade 5

Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory

Figura 6: Atividade 6

Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory


10

O ensino de expressões idiomáticas, nas referidas atividades, tem como premissa o


aprendizado de aspectos culturais, pois, pelo contato com a cultura do outro é possível fazer
comparações com a própria cultura. Essas comparações podem divergir ou convergir, o que
de qualquer maneira contribui com o aprendizado. No aspecto linguístico, as associações são
realizadas e, em muitos momentos, há o reconhecimento na língua do outro daquilo que lhe
é familiar, o que pode levar a língua estrangeira a ser “ao mesmo tempo, próxima e
radicalmente heterogênea em relação à primeira língua. O encontro com a língua estrangeira
faz vir à consciência alguma coisa do laço muito específico que mantemos com nossa língua”
(REVUZ, 1998, p. 215, grifos da autora). Quando ocorre esse encontro, figura-se em um
reconhecimento enunciativo na/pela língua outra, o que pode facilitar a tomada da palavra e
o posicionamento do sujeito nessa língua.
A atividade 9, figura 7, retoma uma canção previamente estudada, em que a(o)
estudante além de apreciar a música, é convidada(o) a refletir sobre a temática musical e a
problematizar sobre as questões as quais a cantora se refere. Indo além do que comumente
observamos em propostas do modelo tradicional, em que basta ouvir e preencher as lacunas.
Já na atividade 11, figura 8, é trabalhado um texto que associa questões emocionais à
alimentação, em que a(o) estudante poderá pensar a respeito dos problemas apresentados e
responder algumas questões pessoais, em contraposição, com o que ocorre tradicionalmente,
quando os textos a serem interpretados requerem respostas de acordo com o que foi lido.

Figura 7: Atividade 9

Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory

Figura 8: Atividade 11

11

Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory


As atividades propostas trabalham a subjetividade da(o) estudante, pois, estamos na
contramão de qualquer possibilidade de apagamento e/ou silenciamento da(o) mesma(o), a
partir do momento em que compreendemos que a língua estrangeira precisa ser constitutiva
do sujeito, para que não seja um aprendizado mecânico, da língua pela língua. Subjetivar-se
é, em outras palavras, fazer com que a língua tenha sentido na prática.
Tanto na atividade 13, quanto na 15, figuras 9 e 10 respectivamente, a(o) estudante
tem novas oportunidades de trabalhar com questões culturais e de subjetividade, pois,
sugerimos um resgate de saberes populares valorizando assim os conhecimentos locais. Com
relação ao esporte há a tentativa de recuperar um evento pessoal que tenha uma ligação
afetiva. No modelo tradicional, tais atividades poderiam ser propostas por meio de leitura e
de questionário de pesquisa.

Figura 9: Atividade 13

Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory

Figura 10: Atividade 15

12
Fonte: ELLA – English Language Learning Laboratory

É muito importante oportunizar a discussão sobre o saber local (KUMARAVADIVELU,


2012), para que possa haver um deslocamento do poder hegemônico e consequentemente
uma valorização de relevância social, a fim de tentar influenciar diretamente no processo
ensino-aprendizagem, pois, faz com que emerjam situações corriqueiras que a(o) estudante
está habituada(o) a lidar no seu dia a dia em sua própria língua. A partir do momento que
utilizamos estratégias de ensino que englobam os saberes locais, oportunizamos uma
expansão desses saberes.

4. Considerações finais
Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito,
impor minha existência numa sociedade
que insiste em negá-la.
(Djamila Ribeiro)

O ELLA é um espaço de acolhimento à medida em que as(os) estudantes são


recebidas(os) com respeito, ética e valorização do conhecimento prévio de cada uma(um). Há
uma preocupação de que a(o) estudante se perceba como um ser ontológico, inserido em
uma sociedade que muitas vezes não o valoriza como tal. Em uma sociedade em que o ter
constantemente se sobressai ao ser, podendo gerar conflitos pessoais e problemas de
identificação, pelo fato de que há um funcionamento sócio-histórico-político-econômico-
cultural que apaga e silencia o sujeito. É na contramão desse funcionamento que o ELLA está
sendo desenvolvido, para promover meios a fim de que a(o) estudante possa se posicionar e
se legitimar ao tomar a palavra em língua inglesa.
Compreendemos que o espaço acadêmico é um lugar em que devemos problematizar
as questões que circulam na sociedade, para que elas possam retornar e voltar a circular de
uma forma ressignificada. Sendo assim, o ELLA é responsivo às questões sociais emergentes
provocadas principalmente por políticas neoliberais, o que o configura em um ambiente
interdisciplinar e decolonial.
O ensino não se furta das tendências neoliberais e no caso do ensino de língua inglesa,
tais tendências exaltam a hegemonia dos Estados Unidos e da Inglaterra, que se mantêm
como sempre-colonizadores do poder, do saber e do ser sobre os demais países. Observamos
nos moldes tradicionais de ensino essa tendência neoliberal, que por meio do uso de
incentivos e recompensas motivacionais em suas atividades, exalta a competitividade. O que
lança questionamentos sobre que tipo de aprendizagem é essa? Até que ponto a
competitividade é saudável e efetiva para que se aprenda uma nova língua?
Tais perguntas têm motivado novas perspectivas epistemológicas que questionam o
silenciamento das vozes do Sul como produtoras de conhecimento e de saberes. É nesse
aspecto que o ELLA está sendo desenvolvido e se coloca como meio de produção de saberes,
alinhado às questões de relevância social, a fim de não perder de vista a oportunidade de um
problematizar e de um ressignificar constantes, promovendo a movência necessária ao ensino
da língua inglesa, bem como da linguagem como prática social.
13

5. Referências bibliográficas

AMADO, G. T. R. EAD - entre a ferramenta e a língua perfeita: um estudo discursivo sobre


aprendizagem de língua inglesa como língua estrangeira a distância. Dissertação (Mestrado
em Estudos Linguísticos) – Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia-MG, p. 132.
2018.
AMADO, G. T. R.; FAGUNDES, I. Z. Z. Matters of health. 2019. (Desenvolvimento de material
didático ou instrucional - (Lições, personagens, exercícios, textos).
BIESTA, G. Para além da aprendigagem: educação democrática para um futuro humano.
Tradução: Rosaura Eichenberg. 1ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
CANAGARAJAH, S. Translingual Practice. New York: Routeledge, 2013.
CELANI, M. A. A. Afinal o que é Linguística Aplicada? In: PASCHOAL, M. S. Z. de; CELANI, M. A.
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DERRIDA, J. Writing and Difference. London: Routledge & Kegan, 2002. Tradução de: Alan
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KUMARAVADIVELU, B. Language Teacher Education for a Global Society: a modular model
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MALDONADO-TORRES, N. “Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un
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para uma diversidad epistêmica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre
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