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O INTERREGNO DE 1383 A 1385.

 CRISE OU REVOLUÇÃO? 
A HISTÓRIA NUMA PERSPECTIVA NACIONALISTA OU MARXISTA.

A crise dinástica provocada pela morte de D. Fernando em 1383, deixando como sucessora a
filha D. Beatriz, casada poucos meses antes com o rei de Castela D. João, e entregando a
regência do reino a D. Leonor Teles, é um dos casos mais interessantes da historiografia
portuguesa do século XX. A revolução provocada pelo assassinato do conde Andeiro pelo
mestre de Aviz, a fuga da rainha para Santarém, a invasão de Portugal pelo rei de Castela, e a
nomeação de D. João como defensor do Reino, que vai provocar o nascimento de uma nova
Dinastia, e o aparecimento de uma nova nobreza, foi interpretada à luz da política
contemporânea desde muito cedo.

Quem provocou a polémica foi Jaime Cortesão, em 1930, escrevendo 4 anos depois do Golpe
de Estado de 28 de Maio de 1926, e três anos depois do exílio devido à sua participação numa
tentativa de golpe de estado em Fevereiro de 1927.

As posições vão-se agrupar, em termos genéricos, em torno das teses revolucionárias e


das teses nacionalistas. Para os primeiros a resolução da crise dinástica tem como pano de
fundo uma Revolução burguesa - uma revolução social; para os últimos, é o aparecimento de
uma consciência nacional que caracteriza as convulsões, e por isso não devem ser
consideradas mais do que uma Crise, sendo que se pode apelidá-la de revolução nacional.

Repare-se por isso nos textos de Marcelo Caetano e de Álvaro Cunhal, que simbolizam bem a
importância política do debate. Marcelo Caetano, que será Presidente do Conselho de
Ministros de 1968 até ao 25 de Abril, em substituição de Salazar, é já, na época em que
escreve os artigos aqui apresentados, uma personagem importante do regime salazarista. Era
Presidente da Câmara Corporativa, cargo que exercia desde 1949, e o único cargo político ou
administrativo que exercerá até 1952, ano em que foi nomeado para o Conselho de Estado.
Para ele a crise dinástica provocou uma revolução, mas que é Nacional e Corporativa, e por
isso completamente integrada nas perspetivas do regime vigente na altura.

A polémica regressou pela mão de Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP desde Abril de
1961, que aplicou no livro aqui apresentado os princípios da nova política do partido que dirigia,
contra o «desvio de direita». De facto, o texto explicita as suas teses sobre a política nacional, e
aplica-as ao campo, mais restrito da historiografia, defendendo a tese marxista da luta de
classes, em confronto tanto com a tese nacionalista de Marcelo Caetano, como com a
tese burguesa representada por Cortesão, Sérgio e Joel Serrão.

Este debate, foi, como quase sempre na historiografia portuguesa até 1974/75, uma discussão
fundamentalmente política, e por isso sem grande preocupação com a investigação histórica,
ou mesmo com a verdade.  O debate quase que se resumiu à interpretação da fonte existente -
a Crónica de D. João I de Fernão Lopes, que é, ela também, uma espécie de manifesto político
legitimador de atos acontecidos num período posterior aos de 1383-85.

Neste aspeto, é interessante ler o texto de António Borges Coelho, historiador marxista, a
defender a "reputação" de Fernão Lopes das críticas à imparcialidade da crónica e do seu
autor. O ataque dirigido a todos os que escreveram emitindo uma opinião diferente da sua, e
que como verá quem ler, apresentam análises fundamentadas como investigadores
profissionais que eram, como é o caso de Oliveira Marques e de António José Saraiva, visa
defender evidentemente a sua posição. É que, se se pusesse em causa a validade do cronista,
punha-se em causa, naturalmente, a teoria da Revolução social, já que a tese da Revolução
baseava-se na interpretação dos factos relatados pela crónica e considerados absolutamente
fidedignos.

Da mesma época, o texto de Veríssimo Serrão é um bom resumo das teses nacionalistas, por
alguém que, em 1976, acabava de ser saneado da Faculdade de Letras, e era amigo pessoal
de Marcelo Caetano.

Apresentam-se aqui alguns trechos de obras que abordam o assunto, nas duas perspetivas
interpretativas, mas também as de Oliveira Martins e Damião Peres, que não participaram
nesta polémica porque publicadas anteriormente, mas que são as primeiras interpretações
sobre os factos, e que já são em alguns pontos divergentes, e de Oliveira Marques e
de António José Saraiva, que sendo contemporâneos da polémica, só participam
indiretamente, com a sua interpretação sobre a validade do documento e do seu autor. 
Finalmente, apresenta-se o artigo fundamental, baseado numa investigação
das Chancelarias dos monarcas da altura, de Maria José Pimenta Ferro Tavares que, sem
entrar em polémica, destruiu a tese da luta de classes e apresentou o problema à luz da
organização política e social da época, e os artigos de José Mattoso, resumindo as diferentes
posições, eliminando também a tese da luta de classes, e apresentando a visão política  e
social da época, mas de um ponto de vista diferente do de Maria José Ferro Tavares, e que
acabaram com a polémica. Definitivamente? Claro que sim. A história, numa sociedade
democrática, não precisa de ser invocada para dar ânimo às diferentes hostes políticas, que é o
que parece ter sido o objetivo desta polémica.

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