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06/03/2016

Matrizes Históricas da
Psicologia Social
Profª. Dra. Rosana Carneiro Tavares

A Psicologia Científica e as
precondições socioculturais para o
seu surgimento
Nenhuma sociedade cria práticas ou modo vivendis
que não sejam demandados por condições
socioculturais antecedentes.
O conhecimento psicológico científico tem sua
origem na demanda sociocultural da época de seu
surgimento (final do sec. XIX):

O que se destaca como condição


sociocultural precedente à
emergência da Psicologia Científica?
• Experiência de uma subjetividade privatizada
(uma individualidade construída a partir da
transformação do modelo socioeconômico).

• A Crise dessa experiência da subjetividade


privatizada.

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Perguntas disparadoras para


discussão
• O que é a Experiência da Subjetividade Privatizada?
• Qual é a relação entre a Experiência da Subjetividade
Privatizada e a Psicologia como ciência?
• O que é a Crise da Experiência da Subjetividade
Privatizada?
• A Crise da Experiência da Subjetividade Privatizada
pode ser considerada uma decepção necessária?

O que é a experiência da
subjetividade privatizada?
• Vivência de experiências íntimas e inacessíveis a outros.
• Oportunidades de divagações, sonhos, fantasias.
• Experiências de fazer escolhas individuais, de tomar
decisões sem precisar dar satisfação a ninguém.
• Oportunidades de esconder sentimentos, pensamentos,
atitudes.
• Exercício da individualidade, da liberdade de ser sujeito
independente.

A experiência da subjetividade
privatizada
Só emerge em sociedades com determinadas
características:
• Situações de crise social (a tradição é contestada e
surgem novas formas de vida)

• Tomadas de decisões individuais pelos sujeitos,


pois não têm o apoio de toda a sociedade.

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A Sociedade em Crise

• Exige a busca do “Foro Íntimo” – uma tomada de


posição que não é comum a um sentimento geral.
• Conceitos de “Certo” e “Errado” – torna-se mais
subjetivo, pois há critérios diversos e divergentes.

• Referências internas – Experiência da


Subjetividade Privatizada (quem sou eu? Como sinto?
O que considero justo? Etc)

Sentido da Tragédia

• Conflito entre duas obrigações fortes, mas incompatíveis.


• Busca da própria consciência dos sujeitos sobre as questões
morais de “certo” e “errado”.
• A tragédia emerge nas artes – poesia lírica (auto exposição
do poeta, amores fora dos padrões sociais etc).
• Com a sociedade em crise, cada vez mais a arte expressa a
subjetividade do artista.

A religião nesse processo de


subjetivação e individualização
• A crise sociocultutral faz emergir sistemas religiosos
que enaltecem a responsabilidade individual.
• Enfatiza-se a consciência individual e supervalorizam
as intenções em detrimento da própria ação.
• O desenvolvimento social deu à consciência
individual do sujeito um lugar de importância para a
compreensão da existência humana.

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Nas Sociedades primitivas ou


nas Feudais
• Poucos sujeitos gozavam da experiência da
subjetividade privatizada, do reconhecimento de si
como sujeito autônomo, de ser capaz de tomar
decisões e de ser livre para as escolhas.
• Atualmente, essa é a experiência de ser gente: temos
a “consciência” de que somos livres, sujeitos de
escolhas e poder de decisão. Resistimos à ideia de que
não temos controle sobre nossas vidas.

A experiência da subjetividade
privatizada no mundo moderno
• Crença na Liberdade como elemento básico
para a Democracia e para a Sociedade de
Consumo.

• “Essa imagem é completamente ilusória, e uma


das tarefas da Psicologia é revelar essa ilusão”.

Passagem do Renascimento à Idade


Moderna (Sec. XVI ao Sec. XVIII)

Antropocentrismo: ênfase no homem, na


ciência e na razão.
Renascimento : marcado por várias
inovações, como o surgimento da bússola,
da pólvora, do papel, gravura e imprensa.
Desenvolvimento da Ciência: separa-se
ciência de religião.

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Do Renascimento à Modernidade
Surge uma Nova Classe Social: burguesia

• O mundo passa a girar em torno do


homem: leva a um novo modelo de Estado.
• Desenvolvimento das ciências:
Razão torna-se o centro: tudo passa a ter uma
explicação científica.
A física e a química se separam da filosofia.

Da Idade Média à Modernidade


Mundo Feudal
O Homem sente-se Renascimento
parte de uma ordem Perda da comunhão Modernidade
superior, ao mesmo com a ordem
tempo amparado e superior. Sensação de Emergem muitos
regulado. liberdade e ao mesmo personagens que
tempo de desamparo. expressam um mundo
Sentimento de interno rico (na pintura,
comunhão com uma Novos modos de Ser na literatura).
ordem superior. vão surgindo.
A religião passa a ser
Antropocentrismo religiosidade (questão
íntima).

A Formação do Sujeito Moderno

• Trabalho intelectual passa a ser um ato individual.


• Religiosidade desvincula-se da instituição e torna-se foro
intimo – emergência da Reforma Protestante.
• Valorização da construção de cada individualidade única.
• O antropocentrismo supervaloriza o homem e ao mesmo
tempo coloca em xeque a onipotência desse sujeito –
contradição denunciada pelas artes (literatura)

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A Formação do Sujeito Moderno

• Crença • Religiosi- • Ausência


na dade de
Mundo institui- individual
ção Renasci Moder- referência
Medie- mento • Mundo nidade • Mundo é
val religiosa
cada vez objeto de
• Mundo menos uso
Sagrado sagrado

• Racionalismo
Ceticismo
• Empirismo

Crença na Liberdade Humana

• Os Homens são livre – Igrejas realçavam a condição


do livre arbítrio.

• A liberdade precisa ser exercida com muita disciplina.


• Desvalorização dos desejos e controle dos corpos.
• Disciplinarização.
• Religião Estado Instituições Diversas

Dispersão Controle dos


sujeitos
Liberdade
Disciplinari-
Individualidade zação

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Racionalismo – Descartes

• Marca o fim de todo um conjunto de crenças que


fundamentavam o conhecimento – coloca em dúvida
todo o conhecimento do ser humano.
• A verdade não é transcendental, mas sim uma
representação correta da realidade. A representação é
interna (Razão).
• O ser humano é sujeito do conhecimento – sem
desejos ou corpo.
• Supervalorização da Razão.

Empirismo – Francis Bacon

• O conhecimento válido é uma Razão obtida


por meio das experiências subjetivas.
• Mas essas experiências devem ser livres de
ilusões ou de erros. Ocorrem no campo das
sensações.
• Bacon e Descartes – considerados pioneiros
na preocupação com o método de obtenção
do conhecimento no sec. XVII.

Iluminismo no Sec. XVII - Kant


• Critica a crença de que o ser humano pode
atingir a verdade absoluta e indubitável.
• Critica o Método Racionalista e o Empirista.
• Realça a ofuscação do conhecimento a partir
do próprio conhecimento - o conhecimento
da realidade deixa de ser domínio dos objetos
e passa a ser uma interação da subjetividade
humana com a objetividade da realidade.

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O Conhecimento para Kant


• Representa o desejo dos seres humanos de
obter autonomia, mas ao mesmo tempo, indica
a falsa ideia de se conhecer a verdade absoluta
de algo incognoscível.
• A autonomia depende de um excessivo controle
dos sujeitos sobre os próprios impulsos e
desejos, a fim de que a razão prevaleça –
portanto, nem sempre possível.
• O Homem como ser racional é colocado em
xeque – exigência de método para esse fim.

Iluminismo no Século XVIII


Movimento de ideias: um conjunto de mudanças
graduais no pensamento religioso, científico, social
e político que ocorreram na França.
Tarefa: eliminar o obscurantismo que impedia o
progresso do homem.
Compromisso: investigações abertas não
reprimidas por dogmas ou pelas autoridades.
Enciclopédia: documento mais representativo do
iluminismo. Rousseau é um nome que se destaca.

Sendo assim...

• A ciência moderna funda-se na busca de um


método capaz de resolver uma nova questão
metodológica: a relação entre o homem
que conhece, que é o sujeito e o objeto de
conhecimento, que é exterior e independente
desse sujeito, mas que deve ser conhecido e
dominado por ele.

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Crise da Experiência da
Subjetividade Privatizada
• O Romantismo representa um desejo de retorno ao
homem sensível e não racional, denuncia a potência
dos instintos humanos e a força da natureza sendo
superior à consciência do homem.
• A possibilidade de o Ser Humano ser o centro de todas
as coisas é colocada em xeque, bem como suas
possibilidades de conhecimento de toda a realidade
(Nietzsche).
• O ser humano tem necessidade de ter controle sobre o
devir, mas não tem a possibilidade (Nietzsche).

PRECONDIÇÕES SOCIOCULTURAIS PARA


O APARECIMENTO DA PSICOLOGIA
COMO CIÊNCIA DO SÉCULO XIX

Sob o olhar da condições


socioeconômicas:

Transição do modo de produção


econômica
Feudalismo

Capitalismo
Transição lenta e gradual, desde o os primeiros
sinais de derrocada do feudalismo nos séculos
XIV e XV até o triunfo definitivo do capitalismo
no final do século XVIII.

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Quadro Comparativo
Mundo feudal Mundo capitalista

Comunidade Sociedade
Troca por produtos Trocas mais complexas
excedentes (simples) Fetiche da mercadoria: não é
Valor de uso por valor de só o uso que define o valor
uso
Homem pleno Papéis diversos, status etc.
Princípio organizativo da princípio organizativo da vida
vida social: Religião social: Estado/direito
Sobrevive em espaços que Progresso: ideia de melhor
não são regidos pelo capital

A experiência da subjetividade
privatizada (E.S.P.)
E.S.P. só se desenvolve numa sociedade com
determinadas características: o interesse de
conhecer o psicológico.
Crise da Experiência da subjetividade privatizada:
Crise social: liberdade colocada em xeque,
descoberta da ilusão da liberdade.
Recorrer ao “foro íntimo”.
Homem: tomar e ser responsável por decisões.
Consequências: reflexão moral.

Do Feudalismo ao Capitalismo...

Primórdios da cultura: poucos elementos


podiam gozar de liberdade para se reconhecerem
como seres moralmente autônomos.

Hoje: somos capazes de iniciativas, somos


dotados de sentimentos e de desejos próprios.
Imagem ilusória
Tarefa da Psicologia: revelar essa ilusão

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Sistema mercantil e individualização


• Sistema mercantil: produz carga de conflitos e
transformações que aprofunda e universaliza as
E.S.P.
Produtos devem ser levados ao mercado
Mercado de trabalho
Economia mercantil reforça a individualização
Trabalhador “livre”:
• Liberdade negativa
• Sociedade fica atomizada

Crise da Subjetividade privatizada


Liberdade e diferença são ilusões - Presença forte da
disciplina em todas as esferas da vida.
Crença na fraternidade versus interesses particulares.
Liberdade para cada um desenvolver o seu negócio:
crises, lutas e guerras.
Surgimento dos sindicatos e partidos: trabalhadores
reconheceram que seriam mais forte se estivesse unidos.
Estado e administração pública combatem os
movimentos operários: Burocracia e forças armadas.
Crescimento da grande indústria (produção padronizada
e mecanizada - consumo de massa).

Onde ficam as ideias do


Iluminismo e do Romantismo?

• “Cada um é único e diferente dos


demais”

• “Todos os sujeitos são livres e têm


direitos iguais”

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A crise da subjetividade privatizada


• Promove a emergência de projetos de
psicologia científica
E.S.P. (conhecer o psicológico)
Crise dessa experiência
• Fazer ciência é sempre ir além das
aparências
Desconfie delas
Não são compreendidas facilmente

Psicologia como campo de conhecimento

Necessidade que emerge no contexto das


existências individuais
Estado tem a necessidade de lidar melhor
com os sujeitos individuais: práticas de
previsão e controle
Existe um sujeito individual e há a
esperança de que é possível padronizá-lo

Ideologia Liberal Iluminista e


Romantismo
• Século XVIII e XIX formas de pensamento que
refletem a E.S.P. numa sociedade mercantil em pleno
desenvolvimento.
• Ideologia liberal (Revolução Francesa)
Homens são iguais em capacidades e devem ser iguais
em direitos, sendo assim, todos devem ser livres.
Prega a Solidariedade.
Reflete a impossibilidade da fraternidade.

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Romantismo (início do séc. XIX)


• Artes e filosofia se separam da ciência.
• Reconhece-se a diferença entre os indivíduos.
• Liberdade = liberdade de ser diferente.
• Apesar de todos serem diferentes e únicos, é
possível buscar uma comunicação entre estes
sujeitos diferentes.
• Nas artes, religião e patriotismo as diferenças se
anulam.

OS PROJETOS DE
PSICOLOGIA COMO
CIÊNCIA
INDEPENDENTE

O projeto de Wundt (1832-1920)


Alemão; pioneiro na formulação de um projeto de
Psicologia independente: criador de instituições de ensino e
de pesquisa em Psicologia.
Da psicologia fisiológica experimental à psicologia social
Objeto da Psicologia: experiência imediata dos sujeitos, mas
pretende ir além da descrição desta experiência subjetiva.
Metodologia: método experimental e método comparativo da
antropologia (análise dos fenômenos culturais)
Duas Psicologias: psicologia fisiológica experimental e
psicologia social ou “dos povos”

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O projeto de Titchener (1867-1927)


• Objeto da Psicologia: estudo da estrutura da
consciência. O caráter ativo e criativo da
subjetividade é desconsiderado (puro organismo –
sistema nervoso).
• Paralelelismo psicofísico: atos mentais ocorrem
lado a lado a processos psicofisiológicos.
• Usa exclusivamente os métodos das ciências
naturais: observação (auto-observação ou
instrospecção) e experimentação.

O Projeto de James: Psicologia funcional (EUA)


Estudos psicológicos = ciências naturais: Oposição à
psicologia titcheneana.
Psicologia = ciência biológica interessada em estudar os
processos mentais como formas de adaptação ao ambiente.
Partem dos pressupostos da biologia evolutiva
Objeto - os processos e operações mentais para a adaptação
ao ambiente.
Métodos:
Não confiam totalmente na auto-observação
Não aprovam a introspecção
Observação dos comportamentos adaptativos

O comportamentalismo
(início do séc. XX)
Oposição à Psicologia Estruturalista de Titchener.
Relativa oposição ao funcionalismo de James.
EUA - J. B. Watson (1878-1958)
Objeto: não é a mente, mas o comportamento e suas
interações com o ambiente
Método: observação e experimentação, mas sempre
envolvendo comportamentos publicamente observáveis e
evitando a auto-observação.
Psicologia como ciência natural e objetiva.

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Sendo assim...

Tudo aquilo que faz parte da experiência


subjetiva individualizada deixa de ter lugar
na ciência, seja porque não tem importância,
seja porque não é acessível aos métodos
objetivos da ciência.
Sujeito do comportamento: não é um sujeito
que sente, pensa, decide, deseja e é responsável
por seus atos, é apenas um organismo.

 Alguns Projetos da Psicologia científica que não


negam a experiência subjetiva: a reconhecem
e/ou procuram compreendê-la e explicá-la:

- Psicologia da Gestalt
- Comportamentalismo diferenciado de Skinner
- A Teoria Psicanalítica de Freud
- A Psicologia Sócio-histórica de Vigotski

A Psicologia da Gestalt
• M. Wetheimer (1880-1943); K. Koffka (1886-1941) e W.
Kohler (1887-1967)
• Alemanha, começo do século XX.
• Partiam da experiência imediata e adotavam, como
procedimento para captação da experiência tal
como se dava no sujeito, o método
fenomenológico
• Método fenomenológico = descrição ingênua
dos fenômenos tais como aparecem na consciência

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Psicologia da Gestalt
A Percepção é o primeiro dado da consciência.

Todos os fenômenos da percepção são vividos pelo


sujeito sob a forma de estruturas: relações entre partes
que faziam com que a forma resultante fosse mais que a
mera soma das suas partes.
Projeto de psicologia científica: reconhecimento da
experiência imediata e a preocupação de relacionar esta
experiência com a natureza física e biológica e com o
mundo dos valores culturais (não separa mundo interno
e externo).

O comportamentalismo diferenciado:
o behaviorismo radical de Skinner

• B. F. Skinner (1904-1990)
• Se afasta de Watson
• Adota de forma rigorosa os métodos
experimentais
• Importante quando se põe a falar da
subjetividade e que deve-se investigar em que
condições a vida privatizada se desenvolve

A Psicologia cognitivista de Piaget e a


psicanálise freudiana
J. Piaget (1896-1980) e S. Freud (1856-1939).
Os une a perspectiva de estudar a gênese do sujeito,
levando em consideração sua experiência imediata, na
busca de compreensões e explicações mais profundas
Piaget e Freud: do ser biológico ao ser moral
Piaget # Freud
Piaget: estuda o desenvolvimento das funções cognitivas e
da moralidade pelo “método clínico”
Freud clínica psicanalítica (histeria). Inconsciente: objeto
da psicanálise

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Teoria Sócio-Histórica de Vigotski


• Questiona a existência da natureza humana:
Condição humana sócio-historicamente constituída.
• Supera as dicotomias: interno X externo; indivíduo X
sociedade; objetividade X subjetividade.
• Defende a existência de um homem ativo: a
consciência se forma no trabalho social.
• Ênfase na linguagem como instrumento de
mediação: de constituição da subjetividade/consciência.

Questões importantes:
1- Todas as teorias pretendem o mesmo?
2- Todas as teorias são epistemologicamente
iguais?
3- Qual é a teoria verdadeira?
4- Por que as teorias mudam e há crises
teóricas?
5- Existe alguma relação entre a teoria, a crise
e a crítica?

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