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Contexto histórico
Faz-se necessário, preliminarmente, contextualizar o atual estágio de
desenvolvimento das forças produtivas no campo que, controladas pelo grande
capital, hegemonizam há duas décadas um projeto de agricultura - o
agronegócio. Com esse modelo, a burguesia, o Estado e os governos
assumem a posição de que não é mais necessária uma reforma agrária para o
desenvolvimento da agricultura brasileira.
No atual contexto, o capitalismo mundial, agora controlado pelo capital
financeiro (ver Financeirização) e pelas grandes empresas privadas
transnacionais, passa também a controlar a forma de produção das
mercadorias agrícolas. O capital financeiro e as grandes empresas não só
controlam a produção, mas também os preços e o volume das mercadorias
padronizadas (commodities), a circulação, os insumos, portando dominam os
mercados e ficam com a maior margem da renda agrícola e dos lucros. Com a
crise do próprio capitalismo, estamos assistindo, a partir de 2008, uma ofensiva
de capitais estrangeiros que migram para o hemisfério sul, investindo
sobretudo na agricultura, na apropriação privada da natureza, seja terra, água,
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Para uma abordagem mais geral da Reforma Agrária, consultar o Dicionário da Educação do Campo.
minérios (ferro, bauxita, ouro, cobre, etc) ou usinas de etanol, e no controle da
produção, sobretudo de soja, milho, laranja, cacau, aves, suínos, carne bonina,
entre outras.
No caso brasileiro, as mudanças econômicas que permitiram a
aproximação da empresa rural capitalista das empresas transnacionais que se
controlam diferentes pontos da cadeia produtiva (o mercado internacional de
grãos; a fabricação de tratores e colheitadeiras, entre outras máquinas
agrícolas; e a produção dos insumos agrícolas, especialmente venenos,
sementes transgênicas e adubos químicos solúveis), remontam ao ano de
1999. O Governo Cardoso, iniciando o seu segundo mandato,, desvalorizou a
moeda (real) em função da crise econômica, forçando o aumento de
exportações para gerar superávit na balança comercial, necessário para dar
segurança aos especuladores internacionais, atraindo-os para aplicações
financeiras de curto prazo (DELGADO, 2012; FILGUEIRAS, 2000).
Essa política econômica fez com que se constituísse uma nova força
política no campo: a empresa rural capitalista, associada aos interesses das
empresas transnacionais. Esta nova configuração passou a “blindar” o
latifúndio improdutivo, para que nestas áreas se avançasse nos cultivos e
criações destinados ao mercado externo. Neste contexto, a Reforma Agrária foi
bloqueada, impedindo que a população sem terra tivesse acesso aos
latifúndios, que passaram a ser áreas de futuros investimentos deste setor.
Os sucessivos governos deFHC, Lula e Dilma não romperam com o
capital financeiro e sua lógica parasitária, ficando reféns dos superávits da
balança comercial como forma de ampliar as reservas cambiais (dólar no
Banco Central), sinal de segurança ao capital especulativo. Por isto, as
políticas agrícolas, ao longo deste período, sempre foram de favorecimento à
grande fazenda e ao setor agroexportador, conformando assim o que se
denominou de Agronegócio.
Portanto, o Agronegócio, é expressão de uma nova alianças de classe
no campo, com enorme força política, econômica e ideológica, transformando-
se no principal inimigo das populações que vivem no campo e exigindo do
MST uma nova estratégia expressa na insígnia Reforma Agrária Popular.
Esse projeto evidentemente trouxe mudanças estruturais na propriedade
da terra, no emprego e na composição das classes sociais.
No tocante às mudanças estruturais na propriedade da terra, houve um
processo acelerado de concentração. Os grandes proprietários (acima de
1.000 ha) passaram de 68.585 imóveis (em 2003), para 95.030 em 2014 e a
área controlada passou de 195,7 para 428,6 milhões de hectares (DELGADO,
2016). Os grandes e médios proprietários que representam o agronegócio
controlam 85% das terras e praticamente toda a produção de grãos para
exportação. Além disso, estima-se que as empresas estrangeiras controlem
mais de 30 milhões de hectares no Brasil (STEDILE, 2013), revelando o grau
de desnacionalização da propriedade da terra em nosso país.
Houve um aumento significativo da produtividade agrícola, por hectare e
por trabalhador, em todos os ramos de produção, combinado com o aumento
de escala dos monocultivos, bem como com o uso intensivo de agrotóxicos e
máquinas agrícolas, o que revela que nossa agricultura é químico dependente,
de insumos e venenos importados.
Para continuar com a sanha de acumulação de riqueza através da
produção agrícola, esse capital procura se expandir incorporando novas áreas
ao agronegócio, sobretudo na região centro-oeste, no BIOMA CERRADO, no sul
da Amazônia e no chamado Matopiba (sul do Maranhão e do Piauí, norte de
Tocantins e oeste da Bahia).
Já os trabalhadores assalariados do agronegócio totalizam 2,2 milhões
(na década de 1980 eram de 6 a 10 milhões, segundo o IBGE). Além disso,
entre 2006 e 2017 houve uma redução de 1,5 milhões de pessoas ocupadas no
campo (IBGE, 2018). A conclusão é obvia: o agronegócio não gera emprego e
por isso é uma atividade rentável apenas para os grandes capitalistas. Na
condição social de camponeses, as estatísticas apontam o número de 4,8
milhões de agricultores familiares. Destes, apenas 1 milhão possuem renda
que garanta sua reprodução social . Os demais, 3,8 milhões de camponeses
pobres estão inviabilizados por esse modelo (STEDILE, 2013), produzem
basicamente para a subsistência e vendem um volume pequeno de produção.
Entre eles está a base social que lutaria pela terra e pela reforma agrária. Eles
estão à margem deste projeto de agricultura do agronegócio, excluídos de
políticas públicas e incluídos em parte nas políticas sociais do bolsa família.
Frente a esse modelo , não há mais espaço para uma reforma agrária do
tipo clássica, aquela que visa a democratização da propriedade da terra,
garantindo a reprodução dos camponeses com sua integração ao mercado
interno e geração de renda. Ela não cabe no atual projeto de agricultura que
está se estruturando em nosso país. Assim, a luta pela reforma agrária se
transformou numa luta contra o modelo do capital para a agricultura brasileira.
Esse novo novos posicionamentos do MST e dos movimentos sociais
como um todo, dentre os quais, defender um novo projeto de reforma agrária
que seja popular, isto é, construir alianças entre todos os movimentos
camponeses, com a classe trabalhadora urbana e com outros setores sociais
comprometidos com mudanças estruturais, de caráter popular. Uma mudança
que não interessa apenas aos camponeses, mas ao conjunto dos
trabalhadores. Evidentemente que não se trata de mudança de nome apenas.
A mudança é de conteúdo.
Referências
DELGADO, Guilherme Costa. Do capital financeiro na agricultura à economia
do Agronegócio: mudanças cíclicas em meio século [1965-2012]. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2012.
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2018.
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