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Reflexões sobre a

Comunhão
“Cristo está sempre vivo para interceder por nós”
– hebreus 7, 25

“Quando vires o sacerdote oferecer,


não consideres que é ele quem o faz,
mas vê ali a mão de Cristo invisivelmente estendida”
– são joão crisóstomo

“Quem agora se oferece pelo ministério dos sacerdotes


é o mesmo que então se ofereceu na cruz”
– concílio de trento

“Cristo sacerdote ofereceu-se como vítima pelos


pecados e continua a oferecer-se perpetuamente”
– papa pio xi
REFLEXÕES SOBRE A COMUNHÃO

Pe. Reginald Garrigou-Lagrange, O.P.,

As Três Idades da Vida Interior, I 2, c. XV

1. Quais são as condições para uma boa comunhão? — Estão indicadas


no decreto pelo qual S.S. São Pio X exortou todos os fiéis à comunhão
frequente (20/12/1905). Este decreto lembra inicialmente esse princípio:
“Os sacramentos da nova Lei, mesmo agindo ex opere operato, produzem
entretanto um efeito maior em razão das disposições mais perfeitas dos
que os recebem… É preciso, pois, cuidar para que uma atenta prepara-
ção preceda a santa comunhão e uma ação de graças conveniente se lhe
siga, levando-se em conta as possibilidades e a condição de cada um”.

Segundo o mesmo decreto, a condição primordial e indispensável para


tirar proveito da comunhão é a intenção reta e piedosa. Ali se diz: “A
comunhão frequente e cotidiana, muito desejada por Jesus Cristo e pela
Igreja, deve ser de tal modo acessível a todos os fiéis de toda classe e
condição, que qualquer um que, em estado de graça, se aproxime da
sagrada mesa com intenção reta e piedosa não possa ser afastado dela
por proibição alguma. Esta reta intenção consiste em que aquele que
– reflexões sobre a comunhão –

se aproxima da sagrada mesa não se deixe levar nem pelo hábito, nem
pela vaidade, nem por qualquer razão humana, mas queira agradar a
Deus, unir-se mais estreitamente a Ele pela caridade e, com esse divino
medicamento, remediar suas fraquezas e seus defeitos”.

A intenção reta e piedosa de que aqui se fala deve, evidentemente, ser


sobrenatural ou inspirada por um motivo de fé, como o desejo de ad-
quirir força para melhor servir a Deus e preservar-se do pecado. Se com
esta intenção principal houvesse uma intenção secundária de vaidade,
como o desejo de ser elogiado, este motivo secundário e não determi-
nante não impediria a comunhão de ser boa nem a tornaria má, mas
iria diminuir-lhe o fruto. Este fruto é tanto maior quanto mais forte e
pura for a intenção reta e piedosa. Estes princípios são muito claros.

Portanto, uma comunhão muito fervorosa é, por si só, mais frutuosa


que muitas comunhões tíbias.

2. Quais são as condições para uma comunhão fervorosa? — Santa Cata-


rina de Sena, em seu Diálogo, cap. 50, responde a esta pergunta por meio de
um símbolo muito tocante: “Suponhamos”, ali se diz, “que haja muitas pes-
soas que venham procurar luz com círios. Uma traz um círio de uma onça
(unidade de peso), outra de duas onças, uma terceira de três onças e aquela
outra ainda mais. Cada uma delas acende seu círio… Entretanto, a que traz
o círio de uma onça possui menos luz que aquela que tem um círio de uma
libra. Assim acontece àqueles que se aproximam desse sacramento. Cada
um traz seu círio, isto é, o santo desejo com que recebe esse sacramento”.

3. Como se manifesta esse desejo? — O santo desejo que é condição


para uma comunhão fervorosa deve manifestar-se primeiramente pelo
afastamento de todo apego ao pecado venial, à maledicência, ao ciúme,

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à vaidade, à sensualidade etc. Tal apego é menos repreensível nos cris-


tãos pouco esclarecidos do que naqueles que já receberam muito, e se
mostram mal-agradecidos. Se a negligência e a ingratidão se acentuam,
tornam a comunhão cada vez menos frutuosa.

Para que ela seja fervorosa, é necessário combater o apego às imperfei-


ções, isto é, a certa maneira imperfeita de agir, como ocorre com aque-
le que, tendo cinco talentos, age como se tivesse três (modo remisso) e
apenas fracamente luta contra seus defeitos. O apego às imperfeições é
também a busca de satisfações naturais permitidas, mas inúteis, como
tomar algum refresco que se poderia dispensar. O sacrifício dessas satis-
fações seria agradável a Deus e, mostrando-se a alma assim mais genero-
sa, receberia pela comunhão muito mais graças. Ela deve lembrar-se de
que tem por modelo o próprio Salvador, que se sacrificou até a morte de
cruz, e que deve trabalhar por sua salvação e pela salvação do próximo
com meios semelhantes aos que o Salvador empregou. O afastamento
do pecado venial e da imperfeição é uma disposição negativa.1

Quanto às disposições positivas para a comunhão fervorosa, estas são a hu-


mildade (Domine, non sum dignus), um profundo respeito pela Eucaristia,
uma fé viva, o desejo ardente de receber Nosso Senhor, o pão da vida. Todas
estas condições positivas se resumem em uma frase: ter fome da Eucaristia.

1 No sentido de afastar o que impede ou limita, em diferentes graus, os frutos da comu-


nhão. As disposições negativas se reduzem ao gênero das causas acidentais (removens
prohibens), às quais só impropriamente, por denominação extrínseca, se pode atribuir
o efeito produzido, em virtude da conexão incidental que guardam com a causa própria
(per se) dele. Nesse sentido, um medicamento pode ser causa própria da saúde, na medida
em que serve direta, embora instrumentalmente, à estabilidade das funções orgânicas, ao
passo que uma dieta, entendida como privação de certos alimentos, é causa acidental da
saúde, na medida em que afasta certos fatores nocivos (e.g. comidas gordurosas) ao bom
funcionamento do organismo (N.T.).

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– reflexões sobre a comunhão –

Quando se tem fome, todo alimento é bom. Uma pessoa rica, acidental-
mente privada de alimentos e com muita fome, fica feliz por encontrar
pão preto; é a melhor refeição de sua vida, e ela se sente refeita. Se temos
fome da Eucaristia, nossa comunhão será das mais frutuosas. Lembre-
mos o que era essa fome em Santa Catarina de Sena, a tal ponto que,
um dia, quando lhe recusaram duramente a comunhão, uma parcela
da grande hóstia separou-se no momento em que o sacerdote a partiu
em duas, e foi miraculosamente levada até a santa para corresponder a
seu ardente desejo.

4. Como ter fome da Eucaristia? — Para isso, é preciso convencer-se


de que ela é o alimento indispensável de nossa alma e, generosamente,
fazer todos os dias alguns sacrifícios.

Para os que estão fracos, procuramos um alimento substancioso que irá


restaurar-lhes a saúde; também procuramos “levantar o ânimo” dos de-
sanimados. O alimento por excelência que renova as forças espirituais é
a Eucaristia. Nossa sensibilidade, inclinada à sensualidade e à preguiça,
tem necessidade de ser vivificada pelo contato com o corpo virginal de
Cristo, que enfrentou os piores sofrimentos por amor a nós. Nosso espí-
rito, sempre inclinado ao orgulho, à inconsideração, ao esquecimento
das maiores verdades, à estupidez espiritual, tem necessidade de ser ilu-
minado pelo contato com a inteligência soberanamente luminosa do
Salvador, que é “o caminho, a verdade e a vida”. Também nossa vontade
tem suas indigências: falta-lhe energia, está fria, porque lhe falta amor;
esta é a causa de todas as suas fraquezas. Quem pode trazer-lhe ardor, a
chama necessária para sua vida, para que ela suba em vez de descer? O
contato com o Coração eucarístico de Jesus, fornalha ardente de caridade,
com sua vontade imutavelmente fixa no bem e fonte de méritos de infini-
to valor. De sua plenitude todos nós devemos receber graça sobre graça.

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– reflexões sobre a comunhão –

Grande é a necessidade que temos desta união com o Salvador, que é o


efeito principal da comunhão!

Se estivéssemos profundamente convencidos de que a Eucaristia é ali-


mento necessário à nossa alma, teríamos esta fome espiritual que se
nota entre os santos.

Para reencontrá-la, se porventura a perdemos, é preciso “fazer exercício”,


como se diz às pessoas acometidas pela doença do desânimo. O exercício
espiritual consiste aqui em oferecer a Deus alguns sacrifícios a cada dia. Em
particular, é preciso renunciar à busca de nós mesmos naquilo que fazemos,
e pouco a pouco, com o desaparecimento do egoísmo, a caridade assumirá
o primeiro lugar, inconteste, em nossa alma. Deixaremos de nos preocupar
com as ninharias que nos dizem respeito para pensar acima de tudo na
glória de Deus e na salvação das almas. Então, a fome da Eucaristia voltará.
Para bem comungar, peçamos também a Maria que nos faça participar
do amor com o qual ela mesma recebia a Eucaristia das mãos de São João.

5. Os frutos de uma comunhão fervorosa são proporcionais à generosi-


dade de nossas disposições. Lemos no Evangelho: Àquele que possui, será
dado em acréscimo e terá em abundância (Mt 13,12). Santo Tomás recorda,
no Ofício do Santíssimo Sacramento, que o profeta Elias, perseguido,
deteve-se no deserto e deitou-se sob um junípero como se esperasse a
morte, e dormiu; então um anjo o despertou, mostrou-lhe perto um pão
assado sob cinzas e um jarro d’água. Ele comeu e bebeu e, com a força
daquele alimento, caminhou quarenta dias até o Horeb, onde o Senhor
o esperava. Essa é uma figura dos efeitos da comunhão fervorosa.

Lembremos que cada uma de nossas comunhões deveria ser substan-


cialmente mais fervorosa que a anterior, pois cada uma deve não só

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conservar em nós a caridade, mas aumentá-la e, consequentemente,


dispor-nos para receber Nosso Senhor no dia seguinte com um amor
não apenas igual, mas ainda maior que o da véspera. Como a pedra cai
tanto mais rápido quanto mais se aproxima da terra que a atrai, assim
também, diz Santo Tomás, 2 as almas deveriam caminhar tanto mais
depressa para Deus quanto mais se aproximam dele e mais Ele as atrai.
Esta lei da aceleração, que é ao mesmo tempo uma lei da natureza e uma
lei da ordem da graça, deve ser verificada sobretudo pela comunhão
diária. Ela se daria se nenhum apego ao pecado venial ou à imperfeição
lhe oferecesse obstáculos. Nós a vemos realizar-se na vida dos santos,
que fazem progressos muito mais rápidos nos últimos anos de vida que
nos primeiros anos. Isto se vê notadamente no final da vida de Santo
Tomás. Essa aceleração na caminhada para Deus realizou-se sobretudo
em Maria, modelo de devoção eucarística; certamente, cada uma de
suas comunhões foi mais fervorosa do que a anterior.

Deus nos conceda ao menos uma semelhança remota desse progresso


espiritual, e que, se faltar o fervor sensível, não nos falte porém o fervor
substancial, que é a prontidão da vontade a serviço de Deus.

Como diz o autor da Imitação (IV, cap. 4): “Quem é que, ao se aproximar
humildemente da fonte da suavidade, não leva um pouco dessa doçura?
Ou que, mantendo-se perto de uma grande fogueira, não recebe dela
algum calor? Vós sois, meu Deus, essa fonte sempre plena e abundante,
esse fogo sempre ardente e que jamais se extingue”. Essa fonte de gra-
ças é tão elevada e tão fecunda, que podemos compará-la tanto com as

2 Cf. In Haeb. X 25: “O movimento natural (e.g. o da pedra que cai), quanto mais se aproxi-
ma do termo, tanto mais se intensifica. O contrário se dá com o movimento violento (e.g. o
da pedra jogada para cima). Ora, a graça inclina a modo de natureza. Logo, os que estão em
graça, quanto mais se aproximam do fim, mais devem crescer”.

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propriedades da água refrescante como com as qualidades opostas do


fogo ardente. Aquilo que está separado nas coisas materiais une-se na
vida espiritual, sobretudo na Eucaristia, que não somente contém graça
em abundância, mas o próprio Autor da graça.

6. Ao comungarmos, pensemos em São João, que repousou a cabeça


no Coração de Jesus, e em Santa Catarina de Sena, que mais de uma vez
pôde beber em sorvos longos da chaga de seu Coração sempre aberto,
para nos testemunhar seu amor. Estas graças extraordinárias foram con-
cedidas de tempos em tempos por Deus a fim de atrair nossa atenção
para o que existe de mais íntimo e fecundo na vida cristã de todos os
dias, para aquilo que existiria na nossa vida se soubéssemos responder
generosamente ao chamado de Deus.

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