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Direito Penal

Parte Especial
Crimes contra a pessoa
(continuação)
Michelle Tonon
@michelle.tonon
Violência psicológica contra a mulher
Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e
perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e
autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta
não constitui crime mais grave.
Trata-se de inovação trazida pela Lei nº 14.188/2021, que igualmente prevê o
programa “Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica" como uma das
medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher
(CNJ, 2020); nova qualificadora para a lesão corporal simples cometida contra a
mulher por razões da condição do sexo feminino (art. 129, § 13, do CP); inserção
da integridade psicológica no art. 12-C da Lei Maria da Penha.
Desde 2006 a violência psicológica já constava dos artigos 5º e 7º da Lei Maria
da Penha como uma das formas de manifestação da violência doméstica e
familiar contra a mulher, mas não havia figura penal correspondente para punir
os indivíduos que assim agissem.
Dessa forma, não necessariamente haveria um crime nas situações de violência
psicológica, como nos casos de vigilância, humilhações, isolamento. Havia, por
consequência, dificuldades no deferimento de medidas protetivas de urgência.
Passa a ser crime causar dano emocional à mulher. As situações descritas
são um rol exemplificativo (ameaça, constrangimento, humilhação,
isolamento, chantagem, manipulação, ridicularização, limitação do direito
de ir e vir). Há possibilidade de analogia intra legem, isto é, o legislador
apresenta exemplos casuísticos seguidos de uma fórmula genérica
(“qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e
autodeterminação”).
Exemplo de violência psicológica é o GASLIGHTING, isto é, distorcer e
omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre a sua memória e
sanidade. Também são exemplos as diferentes formas de isolamento:
proibir de viajar, proibir de encontrar amigos ou familiares, proibir de
estudar, proibir de frequentar cursos ou academia.
O sujeito ativo do crime pode ser homem ou mulher. O crime é comum. Já o sujeito passivo é a mulher
ou pessoa identificada ao gênero feminino.
Trata-se de tipo misto alternativo, de conduta múltipla ou variado: a prática de mais de um
comportamento no mesmo contexto fático, contra a mesma vítima, enseja crime único.
O crime é praticado apenas a título doloso. Não há previsão de forma culposa. Ademais, trata-se de
crime material, pois exige o resultado naturalístico, ou seja, requer seja causado o dano emocional à
mulher, por meio de uma das condutas listadas. Em tese, seria possível a tentativa.
Embora seja frequente a repetição desses atos nos casos concretos, pois muitas mulheres encontram-se
inseridas no ciclo de violência, o tipo não exige reiteração ou habitualidade.
E se da violência psicológica resultar lesão à saúde mental da vítima? As lesões corporais se tipificam
quando a lesão é à saúde mental. Exemplos: quadros de depressão devidamente diagnosticados por
médico.
A conduta poderá ser enquadrada no art. 129, § 13 ou lesão de natureza grave, se a doença psicológica
gerar pensamentos suicidas, diante do risco à vida, por exemplo.
Seria necessária perícia para a constatação do dano emocional? O professor Márcio Cavalcante
(Dizer o Direito) defende que não. Outros meios de prova poderiam ser utilizados, além do
depoimento da vítima, como prova testemunhal, relatórios médicos e psicológicos.
A ação penal é pública incondicionada. Não é possível o ANPP (vedação expressa do art. 28, §
2º, inc. IV, do CPP).
Atente-se também para a subsidiariedade expressa revelada na expressão “se a conduta não
constitui crime mais grave”, no preceito secundário. Logo, deve ser observado o dolo do agente
e as circunstâncias fáticas.
Outras condutas menos graves serão absorvidas pelo art. 147-B, como a injúria ou o crime de
dano (objetos domésticos quebrados, por exemplo, como forma de demonstração de poder e
autoridade).
A vigência da lei ocorreu em 29 de julho de 2021. Por se tratar de novatio legis in pejus não
retroage.
O crime de perseguição (stalking) possui a pena mais grave, em razão da incidência da causa de
aumento de metade quando o crime é praticado por razões e condições do gênero feminino.
Dos Crimes Contra a Inviolabilidade dos Segredos
Artigo 154-A: Invasão de Dispositivo Informático
Trata-se do tipo penal criado pela Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina
Dieckmann, atriz que teve seu computador pessoal invadido em maio de 2012 e vários
fotos íntimas subtraídas. Também é chamado de crime de intrusão informática.
A Lei n.º 14.155/2021 deu nova redação ao art. 154-A, passando a prever o seguinte:
Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de
computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem
autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades
para obter vantagem ilícita:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
• Importa lembrar que a Lei n.º 12.965/2014 constitui o marco civil da
internet, definindo princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da
rede mundial de computadores no Brasil.
• O bem jurídico tutelado pela norma é a liberdade individual
(inviolabilidade dos segredos). O crime é bicomum, não se exigindo
características especiais do agente ou da vítima.
• O objeto material é dispositivo informático de uso alheio, conectado ou
não à rede computadores. Assim, incluem-se no conceito notebooks,
tablets, placas de vídeo, processadores de computadores, smartphones,
teclados, webcam, impressoras, monitores, pen drives, HDs e CDs.
Antes da Lei n.º 14.155/2021, o tipo penal fazia referência a invadir
dispositivo informático alheio. A partir da vigência da nova redação, em 28
de maio de 2021, o crime é invadir dispositivo informático de uso alheio.
Ademais, antes da mudança o tipo previa ser crime invadir sem
autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. Com as alterações,
passa a ser crime invadir sem autorização expressa ou tácita do usuário do
dispositivo.
O elemento subjetivo é o dolo, acrescido de especial fim de agir (“com o
fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização
expressa ou tácita do titular do dispositivo, instalar vulnerabilidades para
obter vantagem ilícita”). Não basta, portanto, devassar dispositivo
informático de uso alheio. Ausente as finalidades especiais, a conduta é
atípica.
O crime é formal, pois se consuma independentemente de se
alcançar a finalidade pretendida.
A pena também foi alterada pela Lei n.º 14.155/2021, passando a
ser de reclusão, de 1 a 4 anos. Verifica-se, assim, uma novatio
legis in pejus, já que a pena anterior era de detenção, de 3 meses
a 1 ano. O crime deixa de ser de menor potencial ofensivo.
Continua sendo possível a suspensão condicional do processo e o
acordo de não-persecução penal (ANPP).
A competência, em regra, é da Justiça Estadual. É irrelevante o fato de ter
sido cometido o crime pela internet. O crime praticado pela rede mundial
de computadores não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante
representação, salvo se o crime é cometido contra a administração pública
direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito
Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços
públicos. É o que dispõe o art. 154-B.
Crimes contra o patrimônio
Furto
Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel.
Tutela da propriedade e da posse legítima.
Patrimônio é bem jurídico disponível. Consentimento do ofendido, antes
ou durante a subtração, torna o fato atípico. Depois da subtração o
consentimento é ineficaz.
Ser humano não é coisa. Logo, não poderá ser furtado. O crime será de
sequestro (art. 148), extorsão mediante sequestro (art. 159) ou subtração
de incapaz (art. 249)
Subtração de cadáver: tipo do art. 211 do Código Penal (coisa fora
do comércio), salvo se ostentar valor econômico e estiver na posse
legítima de pessoa física ou jurídica (cadáver pertencente a uma
Faculdade de Medicina, por exemplo)
Não há furto nos casos de res nullius (coisas que nunca tiveram
dono) ou res derelicta (coisas abandonadas). Art. 1263 do CC
Furto de gado: abigeato
Elemento subjetivo: dolo. Animus furandi
Especial fim de agir: assenhoramento definitivo da coisa. Animus rem sibi
habendi. Agente se apossa da coisa e passa a se comportar como se fosse
seu proprietário.
Credor que subtrai bens do devedor para se ressarcir de dívida não paga:
exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 CP)
Furto de uso: agente quer usar a coisa, sem dela se apropriar. Não há o
animus rem sibi habendi. Requisitos: subtração de coisa alheia móvel
infungível, intenção de utilizar momentaneamente, restituição íntegra
depois do uso momentâneo ao possuidor originário. Conduta atípica,
limitando-se à esfera cível
Princípio da insignificância
• Terminologia cunhada por Claus Roxin.
• Klaus Tiedemann chama de princípio de bagatela
• A conduta, formalmente, amolda-se a um tipo penal. Porém, não apresenta
relevância concreta, material.
• Afasta-se a tipicidade, pois o bem jurídico tutelado não chegou a ser lesado.
• Causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Não tem previsão legal no
Brasil.
• A tipicidade penal é composta pela tipicidade formal e tipicidade material
• Tipicidade formal: juízo de subsunção do fato da vida à norma jurídica
• Tipicidade material: lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela
norma
Requisitos
• Periculosidade ausente
• Reprovabilidade reduzida
• Ofensividade mínima
• Lesão inexpressiva
• São conceitos abertos, que permitem ampla margem de
interpretação.
• Fator de política criminal. Peculiaridades do caso concreto.
Aplicação da insignificância
O valor do objeto material não é o único parâmetro
Condições pessoais do agente devem ser analisadas:
Em regra, não se aplica ao reincidente, portador de maus antecedentes e ao
criminoso habitual. Análise casuística. Críticas: adoção do direito penal do autor.
Desconsidera-se o fato em si, analisando-se a vida pregressa de seu autor.
Condição da vítima (condições econômicas, valor sentimental do bem,
consequências do crime)
Não há valor máximo (teto) a ser considerado. Análise casuística
Pode ser aplicado a atos infracionais, crimes ambientais, descaminho e crimes
tributários
Não se aplica a insignificância:
Crimes hediondos e equiparados
Crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa
Uso de entorpecentes (posse de drogas para consumo pessoal)
Crimes contra a fé pública (moeda falsa)
Crimes contra a Administração Pública (Súmula 599- STJ)
Contrabando (natureza ilícita da mercadoria importada ou exportada)
Violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha)

Furto famélico: situação comprovada de extrema penúria. Não há crime pela


incidência da excludente de ilicitude consistente no estado de necessidade (art.
24 CP)
Teorias quanto ao momento consumativo
.
Concretatio: contato com a mão (Direito Romano, Digesto)
Apprehensio: apreensão da coisa; o agente segura
Amotio: Carrara; inversão da posse do bem
Ablatio: apreensão e transporte a outro lugar
Súmula 582 do STJ: Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse
do bem mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por
breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação
da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou
desvigiada.
Adoção da teoria da amotio
Súmula 567 do STJ: Sistema de vigilância realizado por
monitoramento eletrônico ou por existência de segurança
no interior de estabelecimento comercial, por si só, não
torna impossível a configuração do crime de furto.
Repouso noturno
Art. 155, § 1º. A pena aumenta-se de um terço, se o furto é praticado durante o repouso
noturno.

Causa de aumento de pena, majorante (incidência na terceira fase da dosimetria)

Repouso noturno: intervalo entre o recolhimento para o descanso e o despertar. Variável de


acordo com os costumes locais. Não basta ser noite. Exemplo: 21h00 nas grandes cidades.

A vítima não necessariamente precisa estar dormindo ou repousando.

O objetivo da norma leva em conta a maior vulnerabilidade dos bens, sendo maiores as
possibilidades de êxito do agente.
É indiferente se a casa é habitada ou não, comércio ou via pública. A majorante irá incidir.

Historicamente, prevalecia o entendimento jurisprudencial no sentido de que a causa de


aumento somente incidia ao furto simples, em razão da localização topográfica (logo abaixo do
furto simples e antes do qualificado), bem como em razão das formas qualificadas já terem suas
penas aumentadas nos patamares mínimo e máximo.

Porém, mais recentemente, o STJ mudou o entendimento. Entendeu-se que, diante da


possibilidade de reconhecimento do privilégio (§ 2º) ao furto qualificado (§ 4º), não haveria óbice
ao reconhecimento da causa de aumento de pena (§ 1º) ao furto simples (caput)
Furto privilegiado
Art. 155, § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa
furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-
la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
Dois requisitos: primariedade do agente (não reincidente) e pequeno valor
da coisa furtada
Pequeno valor: não excede a um salário mínimo vigente na data do fato;
necessidade de auto de avaliação econômica
Pequeno valor é diferente de pequeno prejuízo
Pequeno valor é diferente de insignificante
Se presente os requisitos legais, o juiz deve aplicar o privilégio (direito
subjetivo do acusado)
Furto privilegiado-qualificado (híbrido)
Art. 155, § 4º. Furto qualificado
§ 4o - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é
cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
Súmula 511 do STJ: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no
§ 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se
estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e
a qualificadora for de ordem objetiva.
Qualificadoras objetivas (materiais ou reais): são aquelas que estão
relacionadas com o modo de execução, tempo, lugar do crime e
instrumentos utilizados.
Qualificadoras subjetivas ou pessoais: dizem respeito à pessoa do agente.
Todas as qualificadoras do furto são de ordem objetiva, com exceção do
abuso de confiança
STF tem o mesmo entendimento, admitindo o furto privilegiado-
qualificado
Furto mediante fraude x Estelionato
Art. 155, § 4º, inc. II versus art. 171 do CP
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo
ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento.
• No furto, a fraude é utilizada pelo agente com o fim de burlar a vigilância da vítima
que, desatenta, tem seu bem subtraído, sem que perceba.
• Já no estelionato, a fraude é usada como meio de obter o consentimento da vítima
que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente.
• No furto mediante abuso de confiança, tem-se o bem subtraído por desatenção, uma
vez que o agente, de forma fraudulenta, burla a vigilância da vítima para furtá-la. Já
no estelionato, a fraude é usada como meio para obter o consentimento da vítima
que, iludida, entrega voluntariamente o bem ao agente. (...) (HC 305.864/SC, Rel.
Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe
12/02/2015)
• ATENÇÃO!
• § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos
e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum.
• A Lei nº 13.964/19, o Pacote Anticrime, modificou a Lei nº
8.072/90 para tornar hedionda a figura do furto qualificado pelo
emprego de explosivos (art 1º, inc. IX).
• Por se tratar de uma lei nova mais severa, só tem aplicação aos
fatos ocorridos após a entrada em vigência, o que ocorreu em
23/01/2020.
§ 4º-B: Furto mediante fraude cometido por meio de dispositivo eletrônico
ou informático
A Lei n.º 14.155/2021 acrescentou ao art. 155 uma nova modalidade de
furto qualificado pela fraude, quando praticado por meio de dispositivo
eletrônico ou informático. Confira:
§ 4º-B. A pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se o
furto mediante fraude é cometido por meio de dispositivo eletrônico ou
informático, conectado ou não à rede de computadores, com ou sem a
violação de mecanismo de segurança ou a utilização de programa malicioso,
ou por qualquer outro meio fraudulento análogo.
Assim, se um indivíduo invade o computador da vítima, instala um programa e
consegue descobrir a senha bancária e subtrair valores de uma conta, a conduta não
mais será tipificada no art. 155, § 4º, inciso II, mas, sim, na nova figura específica do §
4º-B.
Segundo ensina Rogério Sanches, dispositivo eletrônico ou informático pode ser
conceituado como qualquer aparelho com capacidade de armazenar e processar
automaticamente informações/programas: computador, notebook, tablet, smartphone.
Como destaca o próprio dispositivo legal, é indiferente o fato de o dispositivo estar ou
não conectado à rede interna ou externa de computadores (intranet ou internet),
embora seja recorrente a prática do crime por meio de internet.
Vale ressaltar que a fraude empregada no furto é aquela que se destina a burlar a
vigilância da vítima, ocorrendo a subtração sem que ela perceba. Se a vítima fornece
informações ou é enganada para, voluntariamente, entregar o bem, haverá estelionato.
CUNHA, Rogério Sanches. Lei 14.155/21 e os crimes de fraude digital: primeiras
impressões e reflexos no CP e no CPP. Disponível em:
https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/05/28/lei-14-15521-e-os-crimes-
de-fraude-digital-primeiras-impressoes-e-reflexos-no-cp-e-no-cpp/. Acesso em: 15 jun.
2021.
§ 4º-C: Majorantes aplicáveis ao § 4º-B
Trata-se também de inovação trazida pela Lei n.º 14.155/2021.
A pena prevista no § 4º-B deste artigo, considerada a relevância do resultado gravoso:
I – aumenta-se de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado mediante a
utilização de servidor mantido fora do território nacional;
II – aumenta-se de 1/3 (um terço) ao dobro, se o crime é praticado contra idoso ou
vulnerável.
O conceito de vulnerável pode ser extraído do art. 217-A do Código Penal, isto é, menor
de 14 anos ou pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o
necessário discernimento para a prática de determinado ato.
Para a incidência das majorantes, é preciso que tenham ingressado na esfera de
consciência do agente, sob pena de se consagrar responsabilização penal objetiva.
Roubo
Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave
ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio,
reduzido à impossibilidade de resistência.
Crime complexo (fusão de outros delitos; furto e lesão ou furto e ameaça) e
pluriofensivo (ofensa a mais de um bem jurídico: patrimônio e integridade física;
patrimônio e liberdade individual)
Crime comum, de forma livre, instantâneo, de dano, unissubjetivo (regra)
Elemento subjetivo: dolo. Especial fim de agir: animus rem sibi habendi (fim de
assenhoramento definifivo)
Insignificância: incompatível, diante da pluriofensividade. Desvalor da ação
elevado.
Roubo privilegiado: incompatível
Grave ameaça: violência moral ou vis compulsiva. Promessa de mal grave,
por gestos, palavras ou símbolos. Potencial intimidatório deve ser verificado
no caso concreto.
Porte simulado de arma, arma defeituosa ou de brinquedo: caracterizam a
grave ameaça (não majoram o roubo)
Violência própria: vis corporalis ou vis absoluta. Emprego de força física
sobre a vítima. Lesão corporal ou vias de fato, para paralisar ou dificultar os
movimentos.
Trombada: furto ou roubo? Divergência doutrinária.
Contato físico para distração, sem ofensa à integridade corporal: furto
Contato físico intenso ou violento para eliminar ou reduzir a defesa: roubo
Violência imprópria: qualquer meio que reduza a vítima à
impossibilidade de resistência. Meio ardiloso ou sub-
reptício.
Exemplo: drogar ou embriagar completamente a vítima
(golpe do “Boa noite, Cinderela”)
Roubo impróprio
Caput do art. 157: roubo próprio
Roubo impróprio: § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída
a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a
impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
Também chamado de roubo por aproximação (Hungria)
No roubo próprio, a grave ameaça ou a violência (própria ou imprópria) é
empregada antes ou durante a subtração.
No roubo impróprio (§ 1º), a grave ameaça ou a violência (somente própria) é
utilizada posteriormente à subtração. A grave ameaça ou a violência são
utilizadas para o fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa
para si ou terceiro.
O roubo impróprio não admite a violência imprópria (qualquer meio que reduza
a vítima à impossibilidade de resistência), por ausência de previsão legal
Consumação
Posição atual dos Tribunais Superiores
Teoria da amotio
Súmula 582 do STJ. Consuma-se o crime de roubo com a
inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou
grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à
perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa
roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou
desvigiada.
Roubo majorado
Roubo circunstanciado, agravado ou majorado (roubo próprio ou
impróprio)
Art. 157, § 2º, CP (a pena aumenta-se de um terço até metade na terceira
fase da dosimetria)
Inc. I: se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma
(REVOGADO PELA LEI 13.654/18). Prevalecia a orientação de arma em
sentido amplo (própria ou imprópria)
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo;
Retroatividade da lei nova mais benéfica.
• NOVATIO LEGIS IN MELLIUS: a Lei 13.654/18 é benéfica, ou seja, deve
retroagir para retirar a majorante relativa a todos os roubos cometidos
com objetos outros que não armas de fogo até 23/01/2020 (vigência do
Pacote Anticrime).
• § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços):
• II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de
explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
• Rogério Sanches Cunha: caso em que um grupo criminoso invade um
estabelecimento comercial durante o expediente, subjuga as pessoas
presentes e instala um dispositivo explosivo para abrir um cofre. Imputa-se
o crime de roubo com pena majorada em dois terços.
A arma própria deve ser efetivamente empregada (porte ostensivo, exibição
à vítima)
A simulação do porte de arma e a arma de brinquedo caracterizam a
elementar da grave ameaça, mas não autorizam a incidência da causa de
aumento de pena. Cancelamento da Súmula 174 do STJ.
Concurso de agentes e apenas um emprega a arma: circunstância de caráter
objetivo que se comunica a todos os coautores e partícipes (arts. 29 e 30 CP)
Simulacro não apreendido: ônus da prova da defesa
STF: é desnecessária a apreensão e perícia da arma, podendo seu potencial
lesivo ser comprovado por outros meios.
• Caso a arma de fogo seja apreendida e constatada a sua
ineficácia absoluta, afasta-se a majorante.
• Se a ineficácia é apenas relativa, prevalece o entendimento da
incidência da causa de aumento de pena.
• Arma desmuniciada: meio relativamente ineficaz. Não há
entendimento consolidado sobre o tema. Julgados recentes do
STJ afastando a incidência da majorante.
Roubo com emprego de arma de fogo e incidência
no delito do art. 14 (ou 16) da Lei 10.826/03: não há
crime autônomo de porte de arma, pela aplicação
do princípio da consunção, uma vez que o porte
funciona como meio para a prática do roubo, que é o
crime-fim.
Art. 157, § 2º, inc. V, CP - se o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo sua liberdade.
Circunstância que impossibilita qualquer reação da vítima
Deve perdurar por tempo juridicamente relevante, isto é, por tempo
superior ao necessário à execução do roubo.
Trata-se de restrição e não privação da liberdade (sequestro ou cárcere
privado)
A Lei nº 13.964/19 modificou o texto da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes
Hediondos) e passou a prever essa modalidade de roubo majorado como
crime hediondo. Por se tratar de novatio legis in pejus, somente vai se
aplicar aos delitos cometidos a partir de 23/01/2020.
Art. 157, § 2º, inc. VI, CP - se a subtração for de substâncias
explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente,
possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego.
Aplicam-se, no geral, os mesmos comentários da
qualificadora do furto, com a diferença de que aqui a
subtração se dá mediante violência ou grave ameaça à
pessoa.
• Não é figura hedionda
Art. 157, § 2º, inc. VII: se a violência ou grave ameaça é
exercida com emprego de arma branca.
A causa de aumento pelo emprego de arma branca foi
restabelecida pela Lei nº 13.964/19, o Pacote Anticrime. Vai se
aplicar aos fatos praticados após a sua vigência. Arma branca é
todo objeto que, embora não tenha sido fabricado com
finalidade bélica, é capaz de intimidar e ferir, a exemplo das
ferramentas em geral.
Art. 157, § 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de
arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista
no caput deste artigo.
Tal previsão foi inserida pela Lei nº 13.964/19. Trata-se de majorante, que
incidirá na terceira fase da dosimetria.
A causa de aumento aplica-se tão somente às armas de fogo de uso restrito ou
proibido. Não se cogita da aplicação quando se tratar de arma de uso
permitido, nem mesmo se teve suas características originais modificadas ou
numeração raspada.
Vale lembrar que a Lei nº 13.964/19, o Pacote Anticrime, modificou a
Lei nº 8.072/90 para prever como hediondos quaisquer crimes de roubo
praticados com arma de fogo, sejam de uso permitido, restrito ou
proibido (§ 2º-A e § 2º-B).
Roubo qualificado
Art. 157 § 3º
Roubo qualificado pelo resultado lesão grave ou pela morte (latrocínio):
alteração nos patamares das penas em abstrato
§ 3º Se da violência resulta: (LEI 13.654/18)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e
multa;
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa."
Não se aplicam as causas de aumento de pena do § 2º
Inc. I: a lesão pode ser grave ou gravíssima. A lesão leve não se insere no § 3º.
Não é crime hediondo (somente é hediondo o roubo seguido de morte, o
latrocínio)
Tratando-se de crime qualificado pelo resultado, estará consumado com a
produção de lesão grave na vítima, ainda que a subtração não se aperfeiçoe.
Roubo qualificado
Art. 157 § 3º
Roubo qualificado pelo resultado lesão grave ou pela morte (latrocínio):
alteração nos patamares das penas em abstrato
§ 3º Se da violência resulta: (LEI 13.654/18)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e
multa;
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa."
Não se aplicam as causas de aumento de pena do § 2º
Inc. I: a lesão pode ser grave ou gravíssima. A lesão leve não se insere no § 3º.
Não é crime hediondo (somente é hediondo o roubo seguido de morte, o
latrocínio)
Tratando-se de crime qualificado pelo resultado, estará consumado com a
produção de lesão grave na vítima, ainda que a subtração não se aperfeiçoe.
• Inc. I: a lesão pode ser grave ou gravíssima. A lesão leve não se insere no §
3º. Não é crime hediondo (somente é hediondo o roubo seguido de morte,
o latrocínio)
• Tratando-se de crime qualificado pelo resultado, estará consumado com a
produção de lesão grave na vítima, ainda que a subtração não se
aperfeiçoe.
• Não necessariamente preterdoloso (dolo no antecedente e culpa no
consequente). Pode haver dolo no resultado.
• É possível a tentativa, desde que constatado o dolo quanto à lesão grave
(ex: disparo de arma contra o pé ou joelho da vítima)
• Anteriormente à Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime) essa figura não
tinha natureza hedionda, passando a ter em 23/01/2020.
Latrocínio
• Crime complexo (fusão de roubo e homicídio) e pluriofensivo (ofensa
ao patrimônio e vida)
• É hediondo (consumado ou tentado)
• É crime contra o patrimônio, pois a ofensa à vida é meio para a
subtração patrimonial.
• Competência do juízo singular (e não do Tribunal do Júri). Súmula 603
do STF.
• Para a caracterização do latrocínio é essencial que o agente empregue
dolosamente a violência contra a vítima e exista relação de
causalidade entre a subtração patrimonial e a morte.
• Será consumado quando:
• Subtração consumada e morte consumada
• Subtração tentada e morte consumada (Súmula 610 STF; política
criminal)
• Será tentado quando:
• Subtração tentada e morte tentada
• Subtração consumada e morte tentada
• Latrocínio e pluralidade de mortes: será crime único se o
roubo é voltado contra um único patrimônio, embora mais
de uma vítima seja morta. Magistrado poderá aumentar a
pena na primeira fase (art. 59, consequências do crime).
STF.
• Mais de um patrimônio atingido: concurso formal
impróprio (art. 70, parte final, CP). Desígnios autônomos.
• Concurso de agentes: se o roubo é praticado em concurso de pessoas e
somente um dos coautores provoca a morte, o latrocínio consumado é
imputado a todos os envolvidos (art. 29 do CP, teoria unitária ou monista
quanto ao concurso de pessoas).

• Teoria monista ou unitária Quem, de qualquer modo, concorre para o


crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.
STJ: impossibilidade de reconhecimento da continuidade
delitiva entre os crimes de roubo e latrocínio, por não
serem delitos da mesma espécie (embora do mesmo
gênero). Haverá concurso material de crimes.

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