Organizadora
PRÁTICAS DISCURSIVAS
E PRODUÇÃO DE SENTIDOS
NO COTIDIANO
Aproximações teóricas e
metodológicas
Rio de Janeiro
2013
Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais – www.bvce.org
ISBN: 978-85-7982-068-7
1
necessariamente interdisciplinar. Buscando responder à pergunta: como
damos sentido ao mundo em que vivemos?, tornou-se imprescindível
estabelecer uma interface com a História e com a Antropologia – como
resultado da necessária reflexão sobre o contingente e o universal –, e também
com a Filosofia (e mais especificamente com a Epistemologia), a partir da
reflexão sobre as formas possíveis de concretizar uma proposta metodológica.
Essas interfaces serão expostas e discutidas ao longo dos capítulos seguintes.
1
Hilgard, E. (1953), Introduction to Psychology. London: Methuen.
2
Bunge. 2 Emerge, desse contexto, a influente vertente da Psicologia
Experimental3 com suas ressonâncias na Psicologia Social Experimental. 4
Com raras exceções, falava-se pouco em bases filosóficas.5 É isso é o
que aponta Rom Harré,6 em recente reavaliação da Psicologia Social
contemporânea, quando afirma, de forma maliciosa, que os psicólogos são
avessos à metafísica, visto que a ciência moderna define-se sobretudo pela
contraposição à metafísica. Harré, ao usar o termo metafísica, faz um jogo
de palavras; emprega-o no sentido de “reflexão crítica sobre a natureza do
‘mundo’ a ser investigado”. Diz ele:
ao contrário dos físicos, poucos psicólogos, com exceção de figuras
notáveis como Jerome Bruner (...), Michael Billig (...) e John Shotter
(...), engajam-se em investigações filosóficas de sua prática ou no
exame crítico das bases metafísicas implícitas de suas teorias (1993:24).
Eram essas as forças hegemônicas que empurravam os psicólogos
sociais para o laboratório, abandonando as raízes mais sociais dos
fundadores da disciplina (entre eles George Mead e Kurt Lewin) e
fortalecendo a perspectiva individualista em Psicologia Social. 7 O estudo
das atitudes é um excelente exemplo desse movimento de progressiva
individualização dos conceitos centrais da disciplina. Exploradas
inicialmente por sociólogos e psicólogos, na tradição inaugurada em 1918
2
Bunge, M. (1980), Epistemologia. São Paulo: T.A. Queiroz, p. 19.
3
Veja-se, por exemplo: Woodworth, R. & Schlosberg, H. (1938). Experimental Psychology.
London: Methuen (revisado em 1954); Osgood, C. (1953). Method and Theory in Experimental
Psychology. New York: Oxford University Press (já na sétima edição em 1962).
4
Em livro publicado em 1966, Robert Zajonc afirmava: “A Psicologia Social não é um ‘tipo’
ou uma ‘escola’ da Psicologia. É decididamente um ramo da Psicologia, e reconhece
integralmente as leis da Psicologia Geral e Experimental”. Zajonc, R. (1966). Social
Psychology: an Experimental Approach. Califórnia: Wadsworth, p. 2.
5
Por exemplo, Piaget, J. (1970). L'Épistémologie Génétique. Paris: Presses Universitaires de
France (traduzido para o português pela Editora Vozes).
6
Psicólogo e filósofo que contribuiu para as obras iniciais de psicologia crítica.
7
A esse respeito, ver Farr, R. (1996). The Roots of Modern Social Psychology. Oxford:
Blackwell (traduzido para o português pela Editora Vozes, 1998).
3
pelo estudo de William Thomas e Florian Znaniecki 8 sobre camponeses
poloneses emigrados para os Estados Unidos, passaram primeiramente por
uma purgação nominal, deixando de ser denominadas de atitudes sociais
para adotar apenas a qualificação de atitudes. 9 Passaram, a seguir, a ser
estudadas preferencialmente por meio de escalas e situações experimentais
em laboratório, abandonando, em larga medida, os estudos de campo.
No final dos anos cinquenta e na década de sessenta, esboçava-se uma
reação ao paradigma dominante de fazer ciência em Psicologia Social,
impulsionada inicialmente em duas direções: a valorização da observação dos
comportamentos em situações naturais e o estudo de comportamentos em seu
ambiente natural. A valorização da observação minuciosa dos
comportamentos pode ser exemplificada com o fortalecimento do ensino da
Etologia nos cursos de graduação10 e com as pesquisas sobre comportamento
infantil da Psicologia do Desenvolvimento. 11 Já a perspectiva naturalista do
estudo de comportamentos em seu ambiente natural tem na obra de Edwin
Willems e Harold Rauch12 um marco importante.
Inevitavelmente, sair do laboratório implicava acatar a visão do
outro, o que levou a uma revalorização do estudo dos processos sociais –
inspirada, por exemplo, no trabalho de Erving Goffman 13 sobre dramaturgia
8
Thomas, W. & Znaniecki, F. (1958). The Polish Peasant in Europe and America. New
York: Dover Publ.
9
Estamos nos referindo, aqui, ao artigo de G. W. Allport sobre atitudes, publicado em C. A.
Murchinson (org.) (1935). Handbook of Social Psychology. Worcester, Mass.: Clark
University Press.
10
O fortalecimento do ensino de Etologia foi impulsionado pelo trabalho de Lorenz e
Tinbergen, entre outros. Por exemplo, Lorenz, K. (1966). On Aggression. London: Methuen.
11
Nesse contexto destaca-se John Bolwby como precursor. Ver Ferreira, M.C.R. (1986).
Mães e Crianças – separação e reencontro. São Paulo: Edicon.
12
Willems, E. P. & Rauch, H. L. (1969). Naturalistic Viewpoints in Psychological Research.
New York: Holt.
13
Os trabalhos de Goffman marcam uma distinção na produção do conhecimento em
Psicologia Social, fazendo parte de uma vertente denominada Psicologia Social Sociológica
que se constituiu em contraposição à Psicologia Social Experimental. Dentre eles
destacamos: The Presentation of Self in Everyday Life. New York: Doubleday Anchor, 1959
(traduzido para o português pela Editora Vozes), e Stigma. New Jersey, USA: Prentice Hall,
1963 (traduzido pela Editora Zahar)
4
e de Serge Moscovici14 sobre o conhecimento do senso comum. Tratava-se,
antes de mais nada, de uma virada metodológica, que reagia contra a
psicologia de laboratório.
Obviamente o impulso metodológico tem implicações para a própria
definição do que vem a ser o objeto da Psicologia Social. A partir dos anos
sessenta, e especialmente na década de setenta, surgiram importantes
reflexões críticas focando tanto a naturalização do fenômeno psicológico (que
faz perder de vista o fato de que os conceitos e teorias são produtos culturais,
socialmente construídos e legitimados) como a despolitização da disciplina
(que faz perder de vista o papel da disciplina, entendida como domínio de
saber, na legitimação da ordem social). Dentre as obras importantes para esta
reflexão destacamos (no contexto Europeu): The Context of Social
Psychology, organizado por Joachim Israel e Henri Tajfel e publicado em
1972; Reconstructing Social Psychology, organizado por Nigel Armistead e
publicado em 1974; Radical Perspectives in Psychology, de Nick Heather,
publicado em 1976. Essas obras congregam muitos dos autores que, na
Europa, definiram as bases para a Psicologia Social Crítica, solo em que se
ancoraram os teóricos pós-modernos da Psicologia Social.15 Um pouco mais
tarde, com forte influência na América Latina, foram publicadas as obras de
Ignacio Martín Baró (Acción e Ideología, 1983; e Sistema, Grupo y Poder,
1989 e o livro Psicologia Social: o Homem em Movimento, organizado por
Silvia Lane e Wanderley Codo, publicado pela primeira vez em 1984. São
obras que focalizam, tal como os antecessores europeus, a naturalização e
despolitização da Psicologia, mas que adquirem uma conotação singular por
serem reflexões feitas a partir do ponto de vista dos dominados.
É esse, portanto, o contexto histórico em que se apoia a proposta de
estudo da produção de sentido por meio das práticas discursivas. Antes de
adentrar a caracterização dos posicionamentos construcionistas e suas
14
La Psychanalise – son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961
(traduzido para o português pela Editora Zahar).
15
Ver, por exemplo, Parker, I. (1989). The Crisis in Modern Social Psychology – and how to
end it. London: Routledge.
5
implicações para o trabalho com linguagem, é importante frisar que, como
em tantos outros domínios de nossa vida, o novo e o velho convivem, lado a
lado, na Psicologia Social. Nem toda a Psicologia Social é uma psicologia
crítica; e também a psicologia crítica apresenta-se polissêmica: muitos são
os seus sentidos. Nas palavras de Harré:
A história da psicologia social nos últimos vinte anos tem sido (...)
uma mistura desconcertante de desenvolvimentos e desapontamentos.
Ocorreram expansões e aplicações vigorosas do “novo paradigma”,
mas, paralelamente, em vários lugares, algumas das piores
características do antigo programa persistiram praticamente
inalteradas (1993:24).
Há, segundo Harré, duas fontes de conservadorismo na Psicologia
Social: uma filosófica e outra cultural. A primeira, como mencionamos
anteriormente, decorre da falta de reflexão filosófica entre os psicólogos. A
segunda, admite ele, é mais sutil e seus efeitos mais difíceis de identificar
sem cair em afirmações tendenciosas. Trata-se da longa hegemonia norte-
americana na psicologia acadêmica, a qual tem exercido uma pressão
contínua no sentido da incorporação do individualismo e do cientificismo
na Psicologia Social e, como consequência, a resistência às inovações.
6
Esses autores utilizam, preferencialmente, a expressão construção
social para falar da ação, e construcionismo para referir-se à abordagem
teórica. Há autores que empregam o termo construtivismo, como por exemplo
aqueles vinculados às correntes teóricas da terapia familiar sistêmica,
herdeiros de Gregory Bateson e Paul Watzlawick, da Escola de Palo Alto,
Califórnia.16 O uso desse termo pode, entretanto, gerar confusões conceituais,
uma vez que ele é empregado também pelos autores vinculados à escola
piagetiana para referir-se à centralidade da atividade do sujeito no
desenvolvimento cognitivo. O termo construtivismo, dessa forma, dá margem
à adesão (ainda que não intencional) a uma perspectiva individualista, mesmo
quando o indivíduo é concebido como um ser em sociedade; lembramos que,
para o construcionismo, a própria noção de indivíduo é uma construção
social.17 Decorre daí nossa opção por essa nomenclatura.
2.1. O construcionismo na perspectiva da Sociologia do Conhecimento
Quando falamos em construcionismo, vem à mente o nome de Peter
Berger e Thomas Luckmann, e de seu livro, já um clássico, intitulado A
Construção Social da Realidade, publicado originalmente em 1966. A
Sociologia do Conhecimento tem ancestrais imponentes: Karl Marx, pela
reflexão sobre a relação entre a atividade humana e a consciência, presente
sobretudo nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos; Friedrich Nietzsche,
pelo anti-idealismo ferrenho da Genealogia da Moral e de A Vontade de
Potência, e Wilhem Dilthey, pelo historicismo marcante de sua obra. Mas a
disciplina propriamente dita tem como fundadores Max Scheler, filósofo
alemão que cunhou o termo Sociologia do Conhecimento na década de
vinte, e Karl Mannheim, que lhe deu os contornos clássicos, centrados na
relação entre ideologia e verdade.
Em seus primórdios, a Sociologia do Conhecimento focalizava
questões epistemológicas utilizando, como campo empírico, a história das
16
Ver, por exemplo, Watzlawick, P.; Beavin, J. H. & Jackson, D. D. (1968). Pragmatics of
Human Communication. London: Faber and Faber.
17
Vide, por exemplo, a excelente análise de Nicholas Rose sobre o tema. Rose, N. (1992).
Individualizing Psychology. Em J. Shotter & K. J. Gergen: Texts of Identity. London: Sage.
7
ideias ou a história das ciências. Berger e Luckmann subvertem essa ordem
instituída partindo de uma reorientação da reflexão, centrando-se no
conhecimento do homem comum. A crítica que fazem é com relação à
compreensão intelectualista do conhecimento que o restringe ao
pensamento teórico, pois, nessa dimensão, não se leva em conta o
conhecimento que os homens comuns têm da realidade, ou seja, o
conhecimento do senso comum. Para esses autores, a importância de focar
essa dimensão do conhecimento se justifica à medida que “é precisamente
este ‘conhecimento’ que constitui o tecido de significados sem o qual
nenhuma sociedade poderia existir” (Berger & Luckmann, 1966/1976:30).
Berger e Luckmann são inovadores, mas pertencem a sua época.
Falam em homens para referirem-se às pessoas, não reconhecendo os
avanços da reflexão feminista; usam e abusam de conceitos problemáticos
como realidade e conhecimento, embora os usem entre aspas, e fazem uma
distinção, hoje suspeita, entre ideias – domínio dos homens sábios – e senso
comum – domínio do povo.
Na obra acima referida, os autores partem do pressuposto de que a
realidade é socialmente construída e que a Sociologia do Conhecimento
deve analisar como isso ocorre. Eles operacionalizam sua proposta a partir
da indagação: como é possível que os significados subjetivos se tornem
facticidades objetivas? Essa indagação é respondida a partir de três
conceitos centrais da proposta teórica dos autores: tipificação,
institucionalização e socialização. A partir do conceito de tipificação, eles
propõem que a sociedade é um produto humano (ou seja, a realidade é
construída socialmente). Essa é uma proposta interacionista, à medida que a
base da realidade da vida cotidiana são as interações face a face em que o
outro é apreendido a partir de esquemas tipificadores. As heranças de Mead
e Goffman são visíveis. Um exemplo de esquemas tipificadores são os
preconceitos (de gênero, de raça etc.).
Partindo do pressuposto de que a sociedade é uma realidade objetiva,
usam o conceito de institucionalização para situar como essa objetividade é
8
construída. Defendem que os esquemas tipificadores, a partir dos quais o
outro é apreendido, tornam-se habituais com o decorrer das gerações e,
como hábitos, adquirem autonomia e institucionalizam-se. É justamente
esse processo de institucionalização que gera a objetividade percebida. Essa
objetividade instituída é internalizada por meio de processos de
socialização primária e secundária. O pressuposto, aqui, é que o homem é
um produto social. Mas não se trata de um modelo estático pois, se a
socialização é um instrumento de conservação, os processos de
ressocialização e as rupturas decorrentes do enfrentamento do não familiar
possibilitam a ressignificação e a transformação social.
2.2. O construcionismo na Psicologia Social
Berger e Luckmann, como sociólogos, preocuparam-se sobretudo
com os processos de conservação e transformação social: daí focalizarem os
processos de tipificação, institucionalização e socialização. Já os autores da
Psicologia Social, que são porta-vozes dessa perspectiva no âmbito da
disciplina, tendem a focalizar justamente o momento da interação, ou seja,
os processos de produção de sentido na vida cotidiana. Kenneth Gergen, um
dos primeiros psicólogos sociais a focalizar o conhecimento nessa
perspectiva, será nosso principal interlocutor com base em um artigo
publicado no American Psychologist em 1985.18 Nesse artigo, ele define o
que vem a ser a investigação construcionista: “A investigação
socioconstrucionista preocupa-se sobretudo com a explicação dos processos
por meio dos quais as pessoas descrevem, explicam ou dão conta do mundo
(incluindo a si mesmos) em que vivem” (Gergen, 1985:266).
A investigação, sob essa perspectiva, difere do enfoque tradicional
por transferir o locus da explicação dos processos de conhecimento internos
à mente para a exterioridade dos processos e estruturas da interação
humana. Gergen afirma:
18
Para uma versão mais recente da posição de Gergen, ver: Gergen, K. (1994). Realities and
Relationships: soundings in social construction. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
9
Os termos em que o mundo é conhecido são artefatos sociais, produtos
de intercâmbios historicamente situados entre pessoas (...). Nesse
sentido, convida-se à investigação das bases históricas e culturais das
variadas formas de construção de mundo (...). As descrições e
explicações sobre o mundo são formas de ação social. Desse modo,
estão entremeadas com todas as atividades humanas (1985:267-268).
Essa forma de posicionar-se perante o conhecimento implica, por um
lado, abdicar da visão representacionista do conhecimento, a qual tem como
pressuposto a concepção de mente como espelho da natureza (Rorty,
1979/1994); e, por outro, adotar a concepção de que o conhecimento não é
uma coisa que as pessoas possuem em suas cabeças, e sim algo que constroem
juntas. A adoção plena da perspectiva construcionista exige, assim, um esforço
de desconstrução de noções profundamente arraigadas na nossa cultura.
O termo desconstrução é utilizado, aqui, para se referir ao trabalho
necessário de reflexão que possibilita uma desfamiliarização com
construções conceituais que se transformaram em crenças e, enquanto tais,
colocam-se como grandes obstáculos para que outras possam ser
construídas. Damos preferência ao termo desfamiliarização porque
dificilmente “des-construímos” o que foi construído. Criamos espaço, sim,
para novas construções, mas as anteriores ficam impregnadas nos artefatos
da cultura, constituindo o acervo de repertórios interpretativos disponíveis
para dar sentido ao mundo. Decorre daí a espiral dos processos de
conhecimento, um movimento que permite a convivência de novos e
antigos conteúdos (conceitos, teorias) e a ressignificação contínua e
inacabada de teorias que já caíram em desuso.
Para falar desses esforços de desfamiliarização nos apoiaremos nos
escritos de Tomás Ibáñez, psicólogo social da Universidade Autônoma de
Barcelona. Utilizaremos mais especificamente um texto publicado em 1994
no qual Ibáñez aborda quatro temáticas que estão no cerne do realismo
fundante da retórica da ciência na modernidade: a dualidade sujeito-objeto,
a concepção representacionista do conhecimento, a retórica da verdade e o
cérebro como instância produtora de conhecimento.
10
A crença na dualidade sujeito-objeto apoia-se em três posturas
epistemológicas: o empirismo, o idealismo e o interacionismo. Para o
empirismo, o objeto é a determinação última do conhecimento, de modo que o
projeto científico consiste em aproximações, cada vez mais precisas, a esse
objeto. Já para o idealismo, a possibilidade do conhecimento não se encontra
do lado do objeto, mas sim do sujeito. Trata-se das categorias do entendimento,
constitutivas da mente humana, as quais são universais e necessárias para o
conhecimento. Por fim, para o interacionismo, o conhecimento é produzido na
interação entre sujeito e objeto, apresentando, portanto, características de
ambos. Essa é, a bem dizer, uma versão fraca de construcionismo.
Na perspectiva construcionista, tanto o sujeito como o objeto são
construções sócio-históricas que precisam ser problematizadas e
desfamiliarizadas. Acatar essa afirmação, entretanto, implica problematizar
a noção de realidade. Alguns dos pensadores construcionistas acabam por
acatar uma dupla noção de realidade, pautada, por um lado, pelo realismo
ontológico (ou seja, a postulação da existência da realidade) e, por outro,
pelo construcionismo epistemológico, ou seja, a postulação de que a
realidade não existe independente de nosso modo de acessá-la.19 Isso
significa que é o nosso acesso à realidade que institui os objetos que a
constituem. Dito de outra forma, só apreendemos os objetos que se nos
apresentam a partir de nossas categorias, convenções, práticas, linguagem:
enfim, de nossos processos de objetivação.
Por sua vez, a crítica da concepção representacionista do
conhecimento é uma decorrência da desfamiliarização da dicotomia sujeito-
objeto. Se os objetos da natureza são constituídos por nossas categorias, se
essas categorias são artefatos humanos, produtos de interações
historicamente situadas, então a hegemonia dos sistemas de categorias
depende das vicissitudes dos processos sociais e não da validade interna dos
constructos. Isso significa dizer que o conhecimento não é uma
19
Por exemplo, Baskar, R. (1997). On the ontological status of ideas. J. for the Theory of
Social Behavior 27: 2/3.
11
representação nem uma tradução de algo que pertence à realidade externa.
Entretanto, essas construções não são ficções desenfreadas. Não se trata de
um vale-tudo, porque elas têm como limite as próprias características dos
humanos que as produzem, ou seja, as características sociais e biológicas de
pessoas historicamente situadas.
A obra Making Sex, de Thomas Laqueur (1990), é exemplar para
ilustrar o que acaba de ser dito. Nesse livro, o autor focaliza a mudança de
concepção que ocorreu nos últimos séculos sobre a anatomia dos órgãos
sexuais femininos. Desde Galeno (130 a 200 a.C.) acreditou-se que os órgãos
sexuais femininos eram, anatomicamente, iguais aos masculinos, só que
internalizados. Essa concepção anatômica implicava uma série de restrições à
vida da mulher, pois os exageros poderiam acarretar na expulsão desses
órgãos e na consequente mudança de sexo. Com o advento da anatomia e
com a dissecação sistemática de cadáveres, as evidências acabaram por mostrar
que essa concepção era infundada. Daí, então, outro modelo interpretativo
tornou-se possível. No entanto, apesar das evidências anatômicas, foi preciso
ainda quase um século para a construção de uma nova concepção. A antiga
desfez-se, perdendo sua coerência interna; entretanto, muitos de seus
elementos ainda hoje estão presentes, reconfigurados numa teoria de gênero.
Basta pensar no poder organizador da dualidade ativo-passivo.
A desfamiliarização da objetividade implícita na retórica da verdade
baseia-se na crítica da concepção de verdade como conhecimento absoluto.
Trata-se, aqui, de perceber que não há uma verdade absoluta. A verdade é a
verdade de nossas convenções, embora, nem por isso, menos impositiva.
Segundo Ibáñez, se os critérios de verdade são estabelecidos socialmente,
“não há portanto nada que seja verdade no sentido estrito da palavra”
(1994:45). No entanto, Ibáñez não propõe que vivamos num mundo sem
verdades; sugere apenas que elas são sempre específicas e construídas a partir
de convenções pautadas por critérios de coerência, utilidade, inteligibilidade,
moralidade, enfim, de adequação às finalidades que designamos
coletivamente como relevantes. É importante observar que essa mudança de
perspectiva sobre a verdade não significa que possamos abrir mão dela,
12
incondicionalmente, no sentido de que não existem diferenças entre
enunciados verdadeiros e falsos ou de que alguém pode estabelecer o que é
verdadeiro, de livre e espontânea vontade. O que a postura construcionista
reivindica é a necessidade de remeter a verdade à esfera da ética; pontuar
sua importância não como verdade em si, mas como relativa a nós mesmos.
A concepção do cérebro como a instância produtora do conhecimento
parte da constatação óbvia de que não podemos pensar se não possuímos um
cérebro e de que o pensamento fica prejudicado quando lesionamos
determinadas partes do cérebro. Com base nessas constatações, afirma-se,
frequentemente, que os mecanismos do pensamento estão situados apenas na
complexa estrutura de neurônios. Ibáñez procura mostrar que, embora o
cérebro constitua uma condição de possibilidade para o pensamento, essa não
é a única condição. O conhecimento é contingente, também, às ferramentas
disponíveis – como, por exemplo, a própria estrutura linguística –, as quais são
produções sociais. Entretanto, seria uma redução dizer que o pensamento é
produto apenas das práticas sociais. Para Ibáñez, o mais correto seria dizer que
o pensamento tem sua condição na interface entre cérebro e sociedade, “e,
portanto, não numa substância, mas num processo” (1994:47).
Consequentemente, se todo o corpo social se constitui a partir dos organismos
que lhe dão sustento, sendo esse o nível que cabe às ciências biológicas (por
exemplo, o estudo do cérebro), o pensamento, por se constituir na interface
cérebro-social, deve se situar no nível das ciências sociais.
Para entender a linha de argumentação utilizada por Ibáñez, basta
pensar no impacto das tecnologias da inteligência – a escrita, a imprensa, a
microinformática, entre outras. Entender o pensamento e o conhecimento
como fenômenos intrinsecamente sociais possibilita superar três premissas
que impedem uma adesão plena ao construcionismo: 1) o internalismo, que
situa os processos cognitivos dentro da cabeça e reduz a explicação aos
processos neurológicos; 2) o essencialismo, que faz da cognição um objeto
natural, e 3) o universalismo, que faz da nossa forma atual de pensar a
forma canônica de pensamento.
13
Os antipodianos, seres ficcionais que habitam um planeta em outra
galáxia, utilizados por Richard Rorty (1979/1994) para desnaturalizar a
perspectiva da mente como espelho da natureza, constituem bons exemplos
da possibilidade de outras formas de pensamento. Muito semelhantes a nós,
eles diferiam num aspecto fundamental: não sabiam que tinham mentes,
nem o que significavam os estados mentais. Como as disciplinas mais
avançadas eram a neurologia e a bioquímica, grande parte da conversação
entre as pessoas referia-se ao estado de seus nervos: diziam, “Isso faz o meu
feixe neurônico G-14 estremecer”, mas não tinham noções como “sentir-se
maravilhosamente bem”. Rorty imagina, então, a chegada de uma
expedição vinda da Terra, trazendo consigo alguns filósofos, e a polêmica
que se estabeleceria com a tentativa de traduzir os modos de apreensão
antipodianos para os terráqueos. A possibilidade de ruptura com o habitual,
de estranhamento, é, pois, o passo primeiro para a desfamiliarização de
noções que foram naturalizadas.
2.3. Objeções ao construcionismo
Como toda proposta que se contrapõe ao que nos parece óbvio,
natural e legítimo, a abordagem construcionista do conhecimento tende a
ser ou absolutamente ignorada ou violentamente contestada. A contestação
tem como principais alvos o relativismo e o reducionismo linguístico.
A crítica endereçada ao relativismo associado ao construcionismo
pauta-se numa definição específica do termo a partir da qual toda e
qualquer crença sobre um dado tópico é igualmente aceitável. Crítica
semelhante é endereçada ao pragmatismo, perspectiva filosófica
intrinsecamente associada ao construcionismo. Richard Rorty (1996)
comenta: “Os filósofos que são chamados de ‘relativistas’ são os que
afirmam que as razões para a escolha entre tais opiniões [referindo-se a
opiniões incompatíveis] são menos pautadas por algoritmos do que se
pensava” (Rorty, 1996:166). A querela, diz ele, não é entre pessoas que
acham que um ponto de vista é tão bom quanto qualquer outro e os que não
pensam assim. A querela é “entre aqueles que pensam que nossa cultura,
14
nossos objetivos (purpose) e instituições não podem ser sustentados a não
ser conversacionalmente, e as pessoas que ainda almejam outros tipos de
suporte” (Rorty, 1996:167). Trata-se, em suma, da querela entre os que
almejam atingir as essências, os princípios transcendentais – herdeiros de
Platão, ressignificado por Kant – e os que enfatizam a conversação como
princípio básico da liberdade – herdeiros da dialética,20 portanto.
Sendo uma vertente do historicismo – de Hegel, reinterpretado por
Dilthey –, o construcionismo incorpora a noção de que os critérios e
conceitos que utilizamos para descrever, explicar, escolher entre as opções
que se apresentam são construções humanas, produtos de nossas
convenções, práticas e peculiaridades. Como construções históricas e
culturais, elas não podem, por princípio, ser invariantes. Entretanto, esse
relativismo histórico e cultural só se torna claro numa perspectiva de análise
de “tempo longo”. No cotidiano de nossas vidas, somos, de fato, produtos
de nossa época e não escapamos das convenções, das ordens morais e das
estruturas de legitimação. A pesquisa construcionista é, portanto, um
convite a examinar essas convenções e entendê-las como regras socialmente
construídas e historicamente localizadas. É um convite a aguçar a nossa
imaginação e a participar ativamente dos processos de transformação social.
Impõe-se, em contrapartida, a necessidade de explicitação de nossas
posições: não a escolha arbitrária entre opções tidas como equivalentes, mas
a opção refletida a partir de nossos posicionamentos políticos e éticos.
Quanto ao reducionismo linguístico, não há dúvida de que, para o
construcionismo, algo adquire o estatuto de objeto a partir do processo de
construção linguístico-conceitual. Isso não quer dizer, entretanto, que todos
os fenômenos se reduzam à linguagem; que esse algo que adquire estatuto
de objeto a partir da linguagem seja de natureza linguística. Quer dizer,
apenas, que o construcionismo reconhece a centralidade da linguagem nos
processos de objetivação que constituem a base da sociedade de humanos.
Lembramos, ainda, que a centralidade da linguagem no pensamento não é
20
Tomado, aqui, no sentido de “arte da conversação”, conforme o termo grego.
15
absolutamente um privilégio do construcionismo. Outras correntes
focalizaram os processos linguísticos: por exemplo, Vygotsky, 21 importante
precursor de uma perspectiva que dá à linguagem papel central no
desenvolvimento cognitivo e que, sobretudo, conceitua a linguagem numa
perspectiva social. O próximo tópico busca, assim, situar a perspectiva
linguística com a qual nos propomos a trabalhar.
21
Vygotsky, L. S. (1989). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
16
regras gramaticais que governam a linguagem” (Bruner, 1984:969).
Trata-se da esfera da sintaxe cuja análise refere-se às relações entre
significantes, e que não busca entender o sentido dos enunciados ou
o uso que deles é feito.
2) Foco no sentido (meaningfulness): “(...) isso, como sabemos, é uma
dupla questão. Um enunciado refere-se a algo no mundo ‘real’, ou
em um mundo possível, e tem um sentido. Os dois aspectos juntos
constituem o sentido (meaning)” (1984:971). Estamos, aqui, na
esfera da semântica, cuja análise refere-se aos significados.
Estritamente falando, o debate histórico principal centra-se na
gênese primeira, se gramática (sintaxe) ou semântica. O contexto
não foi problematizado até o filósofo H. Grice22 publicar um artigo
em 1957 no qual propunha a existência de dois possíveis tipos de
sentido: o sentido a-histórico (timeless) e o sentido ocasional, preso
ao contexto de uso. Isso nos leva, assim, a um terceiro critério
possível para a análise linguística, o performático.
3) Foco na performática: “as regras da pragmática (ou melhor, as
máximas da pragmática) têm a ver com quando, em que condições,
com que intenção e, obviamente, de que modo devemos falar”
(1984:972). Essa é a esfera da pragmática da linguagem, a qual se
refere às condições de uso dos enunciados e que tem como figuras
fundantes dois filósofos: John Austin, que em 1962 publicou o
influente livro How to do Things with Words, e John Searle, que em
1969 publicou o livro Speech Acts: an essay in the philosophy of
language. Obviamente, são esses mesmos critérios que pautam as
reflexões de outro influente filósofo da linguagem, Wittgenstein,
cujo livro Philosophical Investigations foi publicado em 1953.
Essa tipologia é útil à medida que possibilita situar as contribuições de
filósofos e linguistas, contrapondo, por exemplo, Noam Chomsky, que
focaliza a gramática generativa, e Mikhail Bakhtin, que focaliza os aspectos
22
Grice, H. P. (1957). Meaning. Philosophical Review, 66.
17
performáticos subsumidos na perspectiva dialógica que será discutida mais
tarde. Entretanto, sendo nosso foco o uso da linguagem, são as tramas e
repercussões no âmbito das Ciências Humanas que mais nos interessam e,
nesse sentido, há duas correntes importantes, centradas na linguagem em uso,
que precisam ser mencionadas: a etnometodologia e a análise de conversação.
A etnometodologia é uma abordagem desenvolvida por um sociólogo
assaz hermético, de difícil leitura (o que, possivelmente, inibiu a difusão de
sua obra). Trata-se de Harold Garfinkel, que publicou seu livro Studies in
Ethnomethodology em 1967. A etnometodologia busca analisar a
racionalidade do senso comum; ou seja, procura entender como os atores
sociais obtêm uma apreensão compartilhada do mundo social. Garfinkel
parte do pressuposto de que o compartilhamento cognitivo, do qual depende
a interação e a comunicação, resulta de uma multiplicidade de métodos
tácitos de formas de raciocinar. Esses métodos são socialmente organizados
e compartilhados, e usados incessantemente no cotidiano para dar sentido a
objetos e eventos sociais. Garfinkel desenvolveu uma série de métodos para
estudar a compreensão compartilhada. Todos têm como cerne entender o
poder normativo e o conteúdo moral das regras subjacentes à ação social.
Como sair das normas gera raiva e frustração, tende a haver uma demanda
pela justificação – o que os etnometodólogos chamam de accountability.
Muitos dos métodos usados para entender essas normas consistem,
justamente, em observar episódios de quebra das regras.
A análise de conversação – uma derivação metodológica da
etnometodologia – tem por objetivo entender as estruturas normativas do
raciocínio que estão imbricadas na compreensão e produção de formas de
interação inteligíveis. 23 A análise visa a descrever os procedimentos usados
para sustentar e negociar as relações sociais, tendo como foco a sequência
de interações (turn of talk) na conversação, sobretudo as interações que
ocorrem, preferencialmente, sem a intervenção do pesquisador.
23
Por exemplo, Atkinson, J. & Heritage, J. (orgs.) (1984). Structures of Social Actions:
Studies in Conversational Analysis. Cambridge: Cambridge University Press.
18
No entanto, ambas são abordagens minimalistas que focalizam as
minúcias da interação linguística tão excessivamente que perdem de vista o
contexto da interação. Em contraste com esse tipo de análise, a segunda
corrente aqui considerada – a perspectiva discursiva – procura problematizar
o contexto discursivo, sem perder de vista a interação.
3.2. A perspectiva discursiva
A linguagem também se tornou foco de interesse para autores voltados
à compreensão do poder dos discursos emanados de diversas esferas de saber,
cunhando-se aí a expressão análise de discursos. Dois autores servem de
referência a essa área. O primeiro deles é Michel Foucault, que exerceu
grande influência nos debates e investigações sobre as relações entre saber e
poder, especialmente por meio de seus trabalhos de arqueologia, que têm no
livro A Arqueologia do Saber, publicado em 1969, uma sistematização dos
aspectos conceituais que orientaram suas obras anteriores: História da
Loucura, Nascimento da Clínica e As Palavras e as Coisas24. O segundo
autor, mais hermético, mas também essencial para entender o que vem a ser
um esforço de desconstrução do texto, é Jacques Derrida. É dele a afirmação
de que “não há nada além do texto”, o que o leva a um embate com as
vertentes interpretativas que buscam o sentido do texto privilegiando o que
está fora do texto, tomando o contexto como referente do sentido.
Embora os autores teóricos mencionados venham de uma tradição
pós-estruturalista, o termo análise de discurso tende a ser identificado com
o método introduzido por M. Pêcheux – a análise automática do discurso –,
que é essencialmente um empreendimento estruturalista. Para Pêcheux, um
discurso é determinado pelas condições de produção e por um sistema
linguístico. “Desde que se conheçam as condições de produção e o sistema
linguístico, pode-se descobrir a estrutura organizadora ou processo de
produção, através da análise da superfície semântica e sintática desse
discurso (ou conjunto de discursos)” (Bardin, 1979:214). As condições de
24
Publicação original em 1961, 1963 e 1966, respectivamente.
19
produção, para Pêcheux, são definidas pelos lugares ocupados pelo emissor
e receptor na estrutura de uma formação social.
Essa é uma proposta que se aproxima das configurações atuais da
Psicologia Social Discursiva, que tem em Jonathan Potter (Potter &
Wetherell, 1987; Potter, 1996a) e Ian Parker (Parker, 1989; Burman &
Parker, 1993) seus mais loquazes teóricos. Parker, com certeza, identifica-se
com a perspectiva pós-estruturalista, termo que ele emprega para referir-se às
diversas abordagens que suspeitam da pretensão de que é possível
experienciar um mundo que estaria para além da linguagem. Dentro dessa
perspectiva, os pesquisadores buscam, segundo Parker, entender como os
objetos (tais como personalidade, atitudes e preconceitos) são construídos no
discurso e como são aí construídos os sujeitos – como nós nos
experienciamos quando falamos e quando ouvimos outros falarem sobre nós.
Potter e colaboradores aproximam-se dessa perspectiva ao incluírem
entre os aspectos centrais de sua teoria a noção de repertórios interpretativos
– o conjunto de termos, lugares-comuns e descrições usado em construções
gramaticais e estilísticas específicas. Mas a ênfase de sua proposta é no uso
da linguagem e, para isso, ancoram-se na tradição da etnometodologia.
A análise de discurso, segundo Potter e colaboradores, focaliza três
temáticas: a função, a construção e a variação. A função refere-se ao discurso
tomado como ação, pois é tão produtor de realidade quanto qualquer ação
concreta. Esse aspecto de sua teoria tem forte influência de Austin, Searle e
Wittgenstein. Já a construção diz respeito ao uso dos recursos linguísticos
preexistentes – os repertórios interpretativos –, o que implica seleção e
escolha. Por fim, a variação é concebida como consequência da função e da
construção, ou seja: se o discurso é construído para a ação, diferentes
situações implicariam a construção de diferentes discursos.
As práticas discursivas, assim situadas, constituem o foco central de
análise na abordagem construcionista. Implicam ações, seleções, escolhas,
linguagens, contextos, enfim, uma variedade de produções sociais das quais
20
são expressão. Constituem, dessa forma, um caminho privilegiado para
entender a produção de sentido no cotidiano.
Para concluir, é importante retomar em seus diversos aspectos o
contexto histórico do qual emerge o projeto teórico-metodológico de estudo
da produção de sentido a partir das práticas discursivas, pois é esse o solo que
lhe dá sustentação e possibilita seus desenvolvimentos. Propor que a
produção de sentido é uma força poderosa e inevitável da vida em sociedade
e buscar entender como se dá sentido aos eventos do nosso cotidiano fez com
que novos horizontes se abrissem e novas perspectivas pudessem ser
consideradas. Quando a questão do sentido não pode mais ser respondida
somente no âmbito da língua, da sintaxe e da semântica; quando a produção
do conhecimento começa a ser questionada por desconsiderar, justamente,
aquilo que é sua base, o senso comum; quando a Psicologia Social começa a
fazer sua própria crítica quanto ao que produz e quanto à despolitização daí
resultante, tem-se, então, a configuração de um contexto propício para novas
buscas: conceitos, métodos, epistemologia, teoria, visão de mundo. É,
portanto, no bojo desse movimento que se vem construindo essa nova
proposta que denominamos práticas discursivas e produção de sentido.
21