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Eu quero falar sobre o jogo.

Talvez ele seja mais comum entre mulheres


codependentes, ou entre mulheres em geral. Nã o sei. O que sei é que a maioria das
mulheres que conheço já o jogou, e diria que cerca de 90% delas obteve resultado.
Eu nunca joguei o jogo sem vencer.
O que se requer sã o dois jogadores, de sexos opostos. Um homem e uma
mulher.
Violeta Parra dizia que a mulher é a galinha e o homem é o gaviã o, este
perseguindo aquela, a quem, por sua vez, hipnotiza e assassina. Entre seres
humanos nã o vejo diferença.
A mulher codependente quer obter o que deseja, mesmo que custe a si
pró pria, e, portanto, talvez esteja habituada a implorar por isso. Talvez ela implore
com naturalidade, porque a maioria das coisas que obteve foram batalhadas,
especialmente o afeto.
Assim, ela implora pelo amor do homem. Porque ele faz seus hormô nios
funcionarem, ele fornece a ela a sensaçã o de adrenalina e amor de que precisa. E
ela nã o está disposta a abrir mã o disso simplesmente porque ele nã o deseja mais
dar.
Mas o homem quer conquistar. Quer ser o primeiro a pisar naquele
territó rio, daquela maneira. O mais especial dentre os especiais. E nisso consiste o
jogo. Se o que quer é livremente fornecido, nã o existe conquista, e, portanto, graça.
Conheço vá rias amigas e familiares que se entusiasmaram por um
homem, que parecia corresponder, e, depois de alguns encontros, perceberam que
ele havia esfriado. Elas nã o compreendiam como isso poderia ser possível – por
que é que no começo ele parecia orbitar ao seu redor, mas, de repente, estava
entediado?
Talvez seja o nosso sentimentalismo. A intensidade com que queremos
ser compreendidas e lidas, à qual eles pareciam corresponder, no começo das
coisas. Do que vi afastar o homem, creio que seja a carência o mais comum, porque
isso significa que a mulher está ganha. O homem quer conquistar.
Nã o significa que ele nã o possa estar com sua parceira há trinta anos e
nã o se interessar por ela. Coisas assim acontecem, porque ela ainda guarda um
mistério. Talvez nã o tenha a menor noçã o disso, mas ele sabe que há algo que nã o
foi mostrado, e quer descobrir do que se trata. Por isso, continuam.
Mas a mulher codependente talvez queira que ele saiba. Talvez queira
que ele vença as barreiras que ela mesma desconhece, e mostre a ela o que precisa
ser mostrado para que seja feliz. Isso nunca vai acontecer. O tipo de homem que
procura jamais saberia como. Mas ela ainda pode vencer o jogo.
Se o homem procura algo que nã o está disponível para ele em uma
bandeja, e se a mulher é, naturalmente, o gênero mais sá bio, basta que nã o mostre
nunca para que vença.
Se você é codependente e ele te rejeita, você sente que a culpa é
inteiramente sua, e que haveria algo que pudesse fazer para que as coisas nã o
fossem assim. Você se vê privada do prazer, a substâ ncia pela qual vive, algo que te
fez sentir-se desejada e importante como nunca antes, e é incapaz de suportar,
entã o implora a ele que lhe dê. Esse é o primeiro passo do jogo.
O homem sente repulsa se imploram-lhe. Ele quer se sentir especial por
ter aquele prêmio, aquela mulher. Se ela se oferece, fica fá cil demais e insosso.
Mesmo assim, talvez você implore, porque sente que, sem isso, tudo estará
perdido.
Certamente, é isso que faz com que tudo se perca. Cedo ou tarde, você
acabará percebendo, e estará cansada de implorar.
O segundo passo do jogo começa entã o. Se você nã o implora, se mostra
que pode muito bem viver sem ele, o homem novamente haverá de encará -la como
um desafio, um prêmio. Fica fá cil se abster de entrar em contato com ele se você
perceber que essa é a ú nica coisa que pode fazer para tê-lo.
Mas silêncios magoados e stories ostensivos nas redes sociais nã o
passam esse efeito. É necessá rio que ele acredite que ela está fora de alcance, que
nã o vai mais perturbá -lo, é isso que o fará voltar. Porque, depois de um tempo, seu
ego frá gil nã o será capaz de processar a informaçã o de que ela desistiu dele, e, se
no começo via-a como fonte de opressã o e chateaçã o, passará , agora, a vê-la
novamente como um desafio. Se cada passo dado pela mulher é no sentido de tê-lo
de volta, ele perceberá , e ela perderá o jogo.
Isto posto, é necessá rio que a mulher se faça acreditar, por pura força
de vontade, que está distante. Que nã o se importa. Talvez, se tiver sorte, ela
descubra que é o que é, o ser mais importante e poderoso da terra. Se nã o falar
com ele, se nunca mais implorar, ele saberá que está em desvantagem. Ela pode
chorar sozinha ou com qualquer pessoa que nã o seja dele, nã o há problema. Ela faz
o que for necessá rio para convencê-lo de que já nã o se lembra se ele existe. Talvez
se convença disso e permita-se ser encontrada por outro homem que valha a pena,
mas, seja como for, tem a ganhar a pró pria dignidade.
Assim, ela permanece distante. Com o tempo – uma quantidade
indeterminada de tempo, mas, geralmente, algumas semanas - ele sente sua falta,
percebe que ela desapareceu, e se pergunta como ela pode estar. Talvez ele nã o
fale nada entã o, mas o sentimento continuará na pontinha de sua cabeça, como um
piolho. Um piolho que se reproduz. Qualquer hora, ele nã o resistirá , e perguntará
por ela com intensidade. Seu instinto ancestral de homem das cavernas fará com
que a procure. Esta é a ú ltima etapa.
Repito: se tiver sorte, ela terá encontrado um homem que a mereça, ou,
ainda melhor, ao amor pró prio. Se nã o, poderá rejeitá -lo quando ele vier, ou ceder
a ele, sabendo que venceu. É o fim da quarta etapa, e foi nela que ganhei meu
marido.
Se você ganha o jogo, sabe que está no crédito, que é poderosa e pode
fazer qualquer coisa. Em muitos dos está gios da codependência, é o má ximo de
mérito e de prazer que se pode obter. A partir daí, talvez seja possível adquirir uma
centelha de amor pró prio, ou, no mínimo, experiência para nunca mais implorar.

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