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CLASSES SOCIAIS E EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA À MATURIDADE1

SOCIAL CLASSES AND EDUCATION FROM CHILDHOOD TO MATURITY


_________________________________________________________________

Sebastião Rodrigues Gonçalves


Professor de Filosofia, mestre em educação pela UFPR – Universidade do Paraná, Doutor em
Políticas Públicas Pela UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
srgbelem@gmail.com

RESUMO
Este trabalho foi apresentado em formato on-line, no Fórum em Defesa da Escola
Pública de Araucária, no dia 27 de agosto de 2020. É um trabalho resultado de
pesquisa sobre o processo de educação e o desenvolvimento cognitivo da criança
até o estágio de sua maturidade. Tem como objetivo promover um debate sobre a
necessidade de pensar a educação da infância à maturidade, mas levando em
consideração a contingência e a existência dos povos originários da América
Latina; a origem das classes sociais, a chegada do capitalismo e os interesses
dos capitalistas, bem como a necessidade de compreender as condições das
classes sociais despossuída do capital. Neste desafio será necessário que os
educadores levem em consideração, não apenas a dialética das lutas de classes,
mas também a concepção de justiça e as teorias do direito de propriedade,
conceito estes praticamente desconhecidos dos povos originários. Neste sentido,
educar uma criança no Brasil e na América Latina, hoje, significa projetar nela o
ser humano que se tem em mente para a sociedade futura. Sem essa concepção
a educação atende apenas os interesses dos exploradores. Tudo isso é
necessário porque o mercado disputa a concepção de seres humanos e
apresenta as formas e modalidades de educação através das televisões, inclusive
nos cultos religiosos está presente a produção da consciência de uma criança
desde os primeiros anos de sua existência. Eis o grande desafio dos educadores
que lutam pela superação deste modo de produção. Todavia, sem o
conhecimento das classes sociais, sem o entendimento da dialética da luta de
classe e a compressão da correlação de força este desafio será nulo. Por esta
razão, em tempos de banalização do conhecimento a ciência é o instrumento
eficaz para superação do fetichismo e da nebulosidade do momento.

Palavras-chaves: Classes Sociais. Interesse de Classes. Lutas de Classes;


Concepção Humana.

ABSTRACT
This work was presented in an online format, at the Forum for the Defense of the
Public School of Araucária, on August 27, 2020. It is a result of research on the
education process and the child's cognitive development up to the stage of its
maturity. It aims to promote a debate on the need to think about education from
childhood to maturity, but taking into account the contingency and the existence of

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Texto para conferência de Araucária em 27 de agosto de 2020
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peoples from Latin America; the origin of social classes, the arrival of capitalism
and the interests of capitalists, as well as the need to understand the conditions of
social classes dispossessed of capital. In this challenge, it will be necessary for
educators to take into consideration, not only the dialectic of class struggles, but
also the conception of justice and the theories of the right to property, a concept
virtually unknown to the original peoples. In this sense, educating a child in Brazil
and Latin America, today, means projecting the human being in mind for the future
society. Without this conception, education serves only the interests of the
explorers. All of this is necessary because the market disputes the conception of
human beings and presents the forms and modalities of education through
televisions, including in religious cults the production of a child's conscience has
been present since the first years of its existence. This is the great challenge for
educators who struggle to overcome this mode of production. However, without
the knowledge of the social classes, without the understanding of the dialectic of
the class struggle and the compression of the correlation of strength, this
challenge will be null. For this reason, in times of trivialization of knowledge,
science is the effective instrument for overcoming fetishism and the nebulosity of
the moment.

Keywords: Social Classes. Class Interest. Class Struggles. Human Conception.

INTRODUÇÃO

Educar uma criança, atualmente é disputar com o mercado mundial a


formação de sua consciência. É comum observar nas publicidades, que atende
interesses do capital sobre consumos desde a primeira infância. São publicidades
que, tem como finalidade formar a consciência da aparência e não da existência.
Enquanto há milhões de pessoas lutando apenas para sobreviver, por outro lado há
aqueles que negam os princípios da ética e disputam o mercado da estética,
projetando apenas o mundo da aparência. Como enfrentar essa realidade, se a
exposição do mundo da beleza é sedutora?
O princípio da moralidade está intimamente relacionado com a estética, que
movimenta a consciência apenas por juízo apriorístico2. Entender esse desafio é
para poucos educadores. Especialmente para aqueles que têm domínio da
concepção clássica do materialismo histórico e da dialética materialista. Porém, não
foi apenas os materialistas históricos que entenderam a necessidade de pensar a
educação da infância a maturidade. Pensadores da filosofia moderna já haviam

2
Conceito elaborado por Emmanuel Kant para explicar o significado de julgamento sem conhecimento.
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elaborados projetos acabados sobre o compromisso com a educação para formar


seres humanos no sentido pleno. Especialmente no entendimento de Locke e
Rousseau, educar uma criança, significa projetar nela a concepção de ser humano
que se tem para o futuro.
Neste sentido, o educador deve conhecer a história da sociedade, as formas
de organizações sociais, a concepção de ser humano e não apenas a ideia de
formar profissionais para o mercado. Se o educador não carrega consigo estas
concepções, estes conceitos ele apenas vai difundir, nos educandos conceitos que
interessas aos representantes do capital. Neste sentido, se o educador não
consegue entender tais princípios, ele apenas introduz conteúdos aleatórios nos
educandos que tem diante de si, apenas com objetivos de cumprir metas e tarefas
atribuídas pelas políticas educacionais, que, na essência representa os interesses
da sociedade burguesa. O poder político está organizado para atender os interesses
dos donos e representantes do capital. A educação não é apenas uma tarefa
aleatória de distribuição de conteúdos conforme os interesses do mercado e do
capital.
Educar uma criança é projetar nela o ser humano para sociedade futura. Há
um pensamento pitagórico que os representantes das classes dominantes adoram
que diz: “educai as crianças e não precisai punir os homens”. Este pensamento
seduz muitas pessoas, no sentido de entender que a educação é apenas para
introduzir no intelecto das crianças a obrigação de cumprir as leis pré-estabelecidas,
sem demonstrar que as leis escritas foram feitas sobre os princípios dos interesses
de classes. Por esta razão é fundamental compreender a dialética das contradições
entre fundamentos do direito e os fundamentos da justiça.
Contradição entre direito e justiça. Aqui está o desafio para os educadores
em desconstruir o conceito de unidade entre direito e justiça. É necessário ter o
conhecimento que o direito, especialmente o direito romano, surgiu como
instrumento de apropriação da propriedade privada das terras. A terra produz tudo o
que o ser humano precisa para viver; através do trabalho a humanidade tira tudo da
terra, mas o direito de propriedade de uma parcela da população que se apropriou
das terras e estabeleceu a teoria do direito de propriedade excluiu a maioria desse
direito e se justifica que a proteção da propriedade é questão de justiça. A lei da

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terra3 – da expropriação – no Brasil foi editada em 1850 para proteger os donos de


escravos.
A partir dos princípios do direito os interesses de uma classe fica garantido
com a proteção do poder do Estado. Neste sentido, a luta pela superação das
desigualdades sociais significa lutar por justiça, mas se a educação projeta nas
crianças a ideia de cidadania, apenas está cumprindo a tarefa dos donos do capital
para formar sujeitos apenas cumpridores da lei. Que fazer então? Dizer para as
crianças não cumprir a lei? Desde cedo as crianças precisam conhecer esse
paradoxo entre o que é direito e o que é justo. O que é estético e o que é ético. Não
é difícil fazer uma criança entender esses princípios. A criança começa dominar pelo
choro, diz Rousseau em “O Emilio”. Ela cresse e pensa que pode mandar na mãe.
No mercado fazem as mães comprar o que elas querem porque estão educadas
pelo mercado.
Mas historicamente, desde os antigos se consolidou essa confusão da
unidade entre direito e justiça, especialmente em Aristóteles que aponta que o
cumpridor da lei é “probo” e “justo”. A partir desses princípios as pessoas são
educadas para cumprir a lei e não para questioná-la. A primeira contradição é o
direito da propriedade privada dos meios de produção. A propriedade privada dos
meios de produção exclui a maioria da população o direito de produzir sua existência
através do trabalho. Esses fundamentos são liberais, está em Locke, não esta em
Marx, nem Lenin, Mão Tse-tung. Esses pensadores, especialmente Marx e Engels
se apropriaram da tese do trabalho como atividade produtora da existência humana,
que está em Anaxágoras4.
Educar numa perspectiva emancipadora significa demonstrar desde cedo o
que é necessário para vida. Significa reconstruir novos conceitos que apontem as
contradições entre a justiça e o direito, principalmente o direito de propriedade, que
começa quando a criança formula o conceito do “meu” e do “teu”. O meu é intocável
o teu eu posso pegar. E neste sentido podes se evoluir para o direito de propriedade
dos meios de produção que serve para exploração da força de trabalho.

3
Lei 601 de setembro de 1850.
4
Pensador Grego Pré-socrático que afirmou: “O homem pensa porque tem mãos”. Essa máxima foi
refutada por Aristóteles, que era escravocrata e afirmava que escravo tinha as mãos para trabalhar, mas era
intelectualmente inferior ao homem livre.
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Este desafio é gigante por que foi construído historicamente e está petrificado
na consciência da classe trabalhadora, que de certa forma atuam no sentido de
legitimar ações dos exploradores. É gigante porque setores do trabalhismo ficam
tateando conceitos tendo encontrar relações justas entre capital e trabalho, tendo
encontrar relações de justiça entre patrão e empregado, salário justo e salário
injusto. Estes desafios foram superados já na sociedade escravistas, quando os
clássicos tentavam dizer que era injustiça maltratar escravos, quem tratava bem os
escravos eram justo. Ora, o fato da sociedade ser escravocrata indica que a
sociedade é injusta, assim como a sociedade capitalista é injusta porque não existe
relação justa entre que paga e quem recebe.
Se a sociedade é injusta é necessário conhecer que são responsáveis pela
reprodução das injustiças, necessário também conhecer quem são os oprimidos que
estão contribuindo para reprodução das desigualdades. Se os trabalhadores da
educação não tem conhecimento da dialética das lutas de classes, a educação se
transforma no objeto de reprodução dos interessas da classe dominante. Neste
sentido, somente trabalhadores organizados, com objetivos estratégicos definidos
farão a diferença.
Conhecer a história da América Latina – AL, conhecer as classes sociais, as
relações de poder, o massacre dos povos originários é um imperativo para
superação deste modo de produção que consome vidas humanas, com objetivo da
infinita acumulação do capital. Mas, na história da AL não será possível, apenas, o
entendimento da dialética das lutas entre burgueses e proletários. É necessário
conhecer profundamente a história dos povos originários deste continente, a história
da escravidão, para então compreender o momento da expansão do capitalismo na
Europa e a chegada deste modo de produção neste continente.
A ocupação da América se deu no momento da crise do modo de produção
feudal, situação tal, em que mercadores buscavam expandir o comércio de suas
mercadorias. Mas, ao contrário do que procuravam encontraram neste território
matéria prima em abundância e um povo que não valorizava riqueza, só conheciam
o significado do valor de uso e não sabiam o significado do valor de troca. Não tinha
em mente o conceito de propriedade privada e nem conheciam as teorias de
organização de Estado e de direito formulado pelos pensadores modernos. Estava

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aberto o caminho para exploração e massacre, se não fosse o conhecimento


geográfico por parte desses nativos eles tinham desaparecido deste continente.
Graças ao domínio das águas das florestas esses nativos conseguiram
resistir e evitar parte dos massacres, mas as riquezas, que não era valorizada por
eles foram escoada para o capital europeu. A resistência desses povos fez com que
os exploradores portugueses e espanhóis buscassem negros no continente africano
para explorar como escravos. Mas ainda não havia uma classe social organizada
para fazer a resistência ao sistema de exploração, embora os escravos resistindo de
várias formas, matando senhores, matando sinhazinha, ou senhora e fugindo para
floresta, organizando-se em quilombos, essas formas de resistência eram apenas
manifestações de resistência e defesa da vida sem projeto alternativo da superação
da exploração e na maioria das vezes sem contados e relação com os povos
indígenas.
Sem conhecimento científico, sem conhecimento da nossa história, não há
possibilidade de projetar a superação deste modo de produção. Assim a classe
produtora das riquezas se move numa tautologia de reafirmar o sistema que oprime
reivindicando apenas educação para ingresso no mercado de trabalho. Esse é o
reflexo de um capitalismo periférico, que se desenvolveu tardiamente, mas numa
relação de dependência com o capitalismo de ponta: Europa e Estados Unidos.

Educação Formal e Informal

A educação formal diz respeito aos planejamentos educacional organizado e


conduzido pelo Estado através das políticas educacionais e ações práticas para
atingir os fins de interesses do poder publico. Enquanto a educação informal é o
conhecimento adquirido ao longo da vida através da experiência e das relações
sociais. Esta última começa, na realidade com seus progenitores, ou com quem está
responsável pelo seu crescimento e desenvolvimento.
Uma criança começa aprender a partir do contato com o mundo esterno. O
desenvolvimento intelectual começa por necessidade natural. O desenvolvimento
físico se relaciona com o desenvolvimento dos órgãos sensoriais; é, portanto, nesse
momento que instinto será substituído pela razão. A necessidade de saciar a fome é
instinto de sobrevivência, através do choro ela resolve essa necessidade. Mas com o
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desenvolvimento físico ela aprende a utilidade do chore e tende a conquistar tudo


pelo choro. Assim pensava Jean Jacques Rousseau (1712-1778).

Essa educação vem-nos da natureza ou dos homens ou das coisas. O


desenvolvimento interno das nossas faculdades e dos nossos órgãos é a
educação da natureza; o uso que nos ensina a fazer desse
desenvolvimento é a educação dos homens; e a aquisição de nossa
própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das
coisas (ROUSSEAU, 2014, p. 09).

O desenvolvimento interno de uma criança está, portanto, segundo


entendimento dos empiristas, em especial John Locke, (1632-1704) “a capacidade é
inata, mas o conhecimento é adquirido” (1978, p. 146). Portanto, neste sentido o
desenvolvimento de uma criança está intimamente relacionado com o meio ambiente
e as condições materiais de sua própria existência, incluindo, neste caso as relações
sociais. A natureza é o desenvolvimento interno, o processo de contato com o
mundo externo é o primeiro passo para o discernimento, ou aquisição da razão.
Nos primeiros anos de vida a criança aprende as coisas consideradas mais
difíceis: caminhar, falar, identificar objetos. Aos poucos começa o processo de
curiosidade, interrogações através da linguagem. É nesse momento que a criança
vai adquirindo consciência do mundo externo e de sua realidade, mas ainda não tem
consciência plena para distinguir o certo o errado. É na prática que a criança vai
aprendendo que o fogo queima e que a água afoga. Por esta razão neste primeiro
estágio, embora a criança comece adquiri autonomia para locomoção, porém ainda
é necessária uma liberdade vigiada.

Nascemos sensíveis e, desde o nascimento somos afetados de diversas


maneiras pelos objetos que nos cercam. Assim que adquirimos por
assim dizer, a consciência de nossas sensações, estamos dispostos a
procurar ou a evitar os objetos que as produzem, em primeiro lugar
conforme elas sejam agradáveis ou desagradáveis, depois, conforme a
conveniência ou inconveniência que encontramos entre nós e esses
objetos, e, enfim, conforme os juízos que fazemos sobre a ideia de
felicidade ou de perfeição que a razão nos dá. Essas disposições
estendem-se e firmam-se à medida que nos tornamos mais sensíveis e
mais esclarecidos; forçadas, porém, por nossos hábitos, elas se alteram
mais ou menos segundo nossas opiniões. Antes de tal alteração, elas
são o que chamo em nós a natureza (ROUSSEAU, 2014, p. 10-11).

Essas premissas, no entendimento de Rousseau, indicam que educar uma


criança significa retirá-la do estado de natureza, dos movimentos instintivos e
conduzi-la para o estado da razão potencializando a capacidade do discernimento
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intelectual, com objetivo de torna-la humana com condições de entender a


sociedade em que vive. Mas, essas premissas não serão válidas para uma
sociedade que exclui parte da sociedade de produzir sua existência. Uma sociedade
em que joga crianças pelas ruas para retirar dos restos da sociedade alimento para
sua existência. Neste sentido o principio do liberalismo clássico de Rousseau e
Locke não tem mais validade, porque o liberalismo econômico assumiu o lugar da
concepção de homem livre projetado pelo liberalismo de Locke e Rousseau.
Em Locke, a educação começa na informalidade com o Pátrio poder e o
poder materno – o poder do pai e da mãe – como afirma: “Os pais tem sobre eles –
os filhos – uma espécie de regras e jurisdição quando vem ao mundo, e por algum
tempo depois, mas tal poder é apenas temporário” (1978, p.56). Rousseau e Locke
entendem que a educação é o processo de tirar o ser humano do estado de
natureza. Educar significa humanizar, no entendimento de Rousseau. “Nosso
verdadeiro estudo é o da condição humana” (1995, p. 15). Em que condições se
encontram as crianças que frequentam a escola pública atualmente?
Entendendo a educação como processo de formação humana, o modo de
produção capitalista, que retirou do clero o direito de educar, trazendo a
responsabilidade para o Estado, porém, com objetivo e reduzir a formação ao
processo de treinamento para instrumentalizar a razão ao sistema produtivo. O
século XVI e XVII foi o período em que pensadores: iluministas, racionalistas,
empiristas buscavam mecanismos de afirmação científica para formação humana de
seres racionais para viver, não mais de acordo com a natureza, ou a natureza divina,
mas de acordo com as regras das leis pré-estabelecidas pela sociedade civil,
conforme afirmava Locke:
Por conseguinte, o poder que os pais tem sobre os filhos resulta do
dever que lhes incumbe – cuidar da progênie durante o estado imperfeito
da infância. Informar o espírito e governar as ações dos menores ainda
ignorantes até que a razão venha ocupar o lugar que lhe compete,
aliviando-os dessa preocupação, é o que precisa os filhos e os pais
estão obrigados a fazer; porque Deus, tendo dado ao homem o
entendimento para dirigir-lhes as ações, concedeu-lhe liberdade de
vontade e de ação como a estas pertinentes, dentro dos limites da lei
sob o qual vive. Todavia, enquanto o filho se encontrar em um estado em
que não tenha entendimento próprio para dirigir-lhe a vontade, não
poderá ter qualquer vontade própria para seguir: quem por ele entende
terá também por ele querer; terá de prescrever-lhe a vontade e regular-
lhe as ações; mas quando o filho atingir o estado que fez do pai um
homem livre, também será livre.

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Segue Locke:

Tal se aplica a todas as leis sob as quais um homem vive, seja naturais
ou civis. Está um homem sob as leis da natureza? O que liberta dessa
lei? O que lhe dá liberdade de dispor da propriedade, conforme sua
própria vontade, dentro dos limites da lei? – diz Locke – Respondo: um
estado de maturidade no qual é possível supô-lo capaz de conhecer
aquela lei, de sorte que possa conservar as suas ações dentro dos
limites dela (LOCKE, 1978, p. 56-57).

Se o educador deve conhecer a história da sociedade, logo ele sabe que está
educando numa sociedade de classe. Que a maturidade do aluno de periferia, filho
de trabalhador urbano, ou o aluno do interior, filho de trabalhador rural, empregados
de fazendas, estes últimos vivem o mundo dos sonhos totalmente diferenciados da
vida do trabalhador urbano. Todavia, a classe que o oprime, também serve de
espelho para perseguir seus sonhos, suas utopias. Como resolver essa contradição?
Sem a perspectiva de uma educação para emancipação humana o educador não
consegue atuar no terreno da contradição.
Se a educação tem como finalidade projetar na criança o ser humano do
futura, este é o terreno ideológico da disputa na educação para o filhos de
trabalhadores que são nove décimo da população. Mas, hegemonicamente
educadores apenas cumprem metas traçadas pelas políticas educacionais. Os
liberais do passado retiraram dos pais o poder de educar para a sociedade, com
objetivo de formar seres livres para viver de acordo com as regras pré-estabelecidas
pela lei. Em outras palavras teriam como objetivos formar pessoas apenas para
cumprir a lei. Essa concepção foi superada pelo materialismo histórico com base na
dialética materialista da história. Mas ainda é um terreno de disputa neste momento
em que o ultraliberalismo, que chegou encapuçado emanado com o fascismo, busca
retirar dos educadores o direito da educação pública. Neste momento o Manifesto
Comunista se torna atualíssimo:

Você nos incrimina de querer terminar com a exploração das crianças


pelos pais? Deste crime, confessamo-nos culpados. Mas, dirão vocês,
estaremos destruindo a mais abençoada das relações a educação do lar
pelo social.
E a sua educação?! Não é ela também social e determinada por
condições sociais sob as quais você educa por intervenção , direta ou
indireta da sociedade, nas escolas etc.? Os comunistas não inventaram
a intervenção da sociedade na educação. Eles procuram alterar o caráter
dessa intervenção e resgatar a educação da influencia da classe
governante (MARX e ENGELS, 1998, p. 38-39).
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Educar, na sociedade de classe significa disputa de interesses de classes.


Educar para cidadania é formar cidadãos cumpridor da lei. Cidadão cumpridor da lei
é o que defende a classe que coloca seus representantes para fazer as leis inclusive
para a educação, com objetivo de produzir consciência que reproduz o sistema, com
a ilusão da “inclusão social” que em outras palavras, não é outra coisa senão o
fetiche da ascensão social.

Das finalidades da Educação

O poder político define as finalidades da educação formal. Todavia, se faz


necessário entender a relação orgânica entre o poder político e o poder econômico.
O capital é o poder econômico, embora os neomarxistas e os não marxistas, os pós-
modernos não aceitando essa interferência, mas no dia-dia de uma escola
professores têm que obedecer determinações dos organizmos internacionais que
tem o papel de vigiar o trabalho dos professores para cumprir as metas pré-
determinadas para alavancar a exploração e cumprir as metas da infinita
acumulação de capital e riquezas.
Entre as relações: capital e trabalho estão também às disputas pela formação
da mão de obra, através da educação para os filhos e filhas dos trabalhadores, com
objetivos específicos da reprodução do capital, formando mão de obra através de
uma educação fragmentada que projeta apenas uma profissão para o futuro na
consciência do educando. Essa concepção de educação remete uma visão a-
histórica, de sujeitos que observam a lei, mas não entendem da história da
concentração de riquezas, a exemplo da concentração de terras no Brasil. O sujeito
é explorado, mas nega sua própria exploração, defende seu explorador, entendendo
a propriedade privada como direito sagrado.
E, a contradição está nessas premissas. Os sujeitos que se apropriaram das
terras defendem a propriedade privada como um direito sagrado, um direito
universal, apresentando uma falácia lógica da conquista das riquezas através do
trabalho. Assim, o sujeito que só tem a força de trabalho também passa defender a
propriedade como direito sagrado, acreditando que com seu trabalho ele também
conquistará a propriedade, a riqueza e os meios de produção tal e qual seu
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explorador, seu patrão. Por não conhecer a história da concentração das terras parte
significativa dos trabalhadores urbanos que são explorados se posicionam
politicamente do lado dos latifundiários, do lado do sujeito que concentrou terra
através das extorsões, da grilagem do assassinato de posseiros etc.
A primeira lei da terra no Brasil foi publicada no dia 18 de setembro de 1850,
por Dom Pedro Segundo, a pedido dos donos de escravos, que temiam perder as
terras para os escravos com a possível libertação que estava em curso naquele
momento. Mas os filhos de trabalhadores não sabem, não precisa saber e não
devem saber a história da concentração da riqueza. Eis o dilema da chamada
“consciência de classe”. A palavra consciência, na sua origem significa estar com a
ciência; a ciência significa o conhecimento historicamente produzido com método
rigoroso. Mas a modernidade deformou a ciência tratando-a como conhecimento
transitório e relativo, com objetivo de produzir uma consciência instrumental para
alinhada com os objetivos do capital.

Desde o inicio, portanto, a consciência já é um produto social e continua


sendo enquanto existir homens – seres humanos. A consciência é,
naturalmente, antes de tudo a mera consciência do meio sensível mais
imediato e consciência do vínculo limitado com outras pessoas e coisas
exterior ao indivíduo que se torna consciente; ela é, ao mesmo tempo,
consciência da natureza que, inicialmente; se apresenta aos homens
como um poder totalmente estranho, onipotente e inabalável, com o qual
os homens se relacionam de um modo puramente animal e diante do
5
qual se deixam impressionar puramente como gado ; - e, por outro lado,
a consciência necessária de firmar relações com os indivíduos que
cercam constitui o começo da consciência de que o homem
definitivamente vive numa sociedade (Grifos no original. MARX e
ENGELS, 2007, p.35).

O homem, mulheres e crianças vivem numa sociedade. A questão principal


não está na divisão do sexo ou da idade, mas na composição das classes a que
pertencem tais pessoas. A consciência é construída a partir das relações com o
meio. Isso já estava presente nos clássicos empiristas modernos. No entanto, está
petrificada uma realidade invertida na consciência da classe trabalhadora pela
tradição religiosa, mítica e metafísica. Essa realidade é o real terreno da disputa por
uma concepção de educação que tenha como objetivo final a emancipação humana.
O que está posto através das políticas educacionais, coordenado pelo Estado que
representa os interesses do capital não é uma decadência, mas um projeto de

5
Nada mais atual e aplicável para o momento presente.
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produzir consciência útil para trabalhadores alienados, que acreditam apenas numa
carreira profissional; numa profissão hierarquicamente acima dos normais.
A concepção de sociedade e de mundo que está petrificada na consciência
da classe trabalhadora reforça o sistema de exploração. O próprio sistema
educacional condiciona a reprodução desse sistema, na medida em que propala a
hierarquia do conhecimento, induzindo o trabalhador buscar apenas uma profissão
rendosa. A relação entre a consciência do meio sensível significa o estágio
puramente animal. Por esta razão, “se deixam impressionar puramente como gado”.
Mas as necessidades impulsionam o relacionamento entre indivíduos. Porém, nos
primeiros momentos por ser um relacionamento natural, instintivo, ou seja, por
necessidade da produção da existência, cada individualidade vê no outro a
possibilidade de superação de suas necessidades. Este é o começo dos conflitos de
interesses.
Este é o momento em que o ser está deixando de ser criança, está entrando
na faze das responsabilidades, mas contraditoriamente entrando numa condição de
pensar exclusivamente na sua individualidade ou pensar também no outro. Esta faze
de bifurcação dos caminhos histórico vai depender da forma de se educar é,
portanto, o processo da construção do conhecimento para produção da própria
existência, mas também entender nesse processo de relacionamento humano a
existência do outro.
Nos primeiros momentos as individualidades ainda não sabem a existência
das classes sociais, não sabe nada sobre o modo de produção para existência
humana, não sabem as formas de organização políticas. Somente a partir do
momento em que são obrigados a trabalhar para produzir o que necessitam
começam ter contato com o mundo das relações de exploração. Mas, se não for
educado para cumprir a meta de sua existência, se transformara num desses que a
sociedade tem que carregar. Por exemplo, liberais como Locke e Rousseau
pensaram na organização política do Estado para garantir a liberdade, mas também
defenderam a concepção da educação para produzir na subjetividade humana a
responsabilidade e os valores da liberdade. Quais foram os problemas dos liberais?
Pensar apenas naqueles que tiveram acompanhamento de seus progenitores, como
segue diz Locke:

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Enquanto o filho se encontrar em um estado em que não tenha


entendimento próprio para dirigir-lhe a vontade, não poderá ter qualquer
vontade própria para seguir: quem por ele entende terá também de por
ele querer; terá de prescrever-lhe a vontade e regular-lhes as ações;
mas, quando o filho atingir o estado que fez do pai um homem livre,
também será livre (LOCKE, 1978, p. 57).

Atualmente não se pode pensar como os liberais clássicos pela quantidade de


crianças, jovens e adolescentes que não conhecem seus progenitores. Mesmo
assim, há quem continuem insistindo na concepção da família padrão, da família
com condições econômicas que possibilita as condições e cuidado com os filhos.
Por esta razão não será possível padronizar uma concepção de tratamento
psicológico para alunos. As condições econômicas e sociais são muito diferente, as
vezes dentro de uma sala de aula e neste sentido tem o risco do preconceito e
bullying. Nessas condições o professor precisa ser psicólogo, sociólogo, terapeuta,
farmacêutico, médico e algo a mais. E, se uma dessas funções falhar tem que estar
preparado para enfrentar: direção, pais, imprensa e secretários de educação que
não sabe o que é sala de aula, mas se acham no direito de saber mais que o
professor que teve anos de estudos para enfrentar a sala de aula.
Para aqueles que têm uma família estruturada vale lembrar os fundamentos
de Rousseau6. As relações com a família é questão prática, enquanto a educação
deve ser fundamentada em princípios teóricos, científico respeitando a natureza
humana. Mas como resolver essas condições num país onde parte dos pais desta
geração continuam analfabetos, analfabetos formais, analfabetos estruturais, cuja
maioria não se preocupou em obter conhecimento sobre educação dos filhos? Vale
a pena conferir o que disse Rousseau no livro II de “O Emilio ou da Educação”.

Retorno à prática. Já disse que vosso filho nada deve obter porque pede,
mas porque precisa, nem fazer nada por obediência, mas por
necessidade. Assim a palavra obedecer e mandar, serão proscrita de
seu dicionário, e mais ainda os termos dever e obrigação; mas as
palavras força, necessidade, impotência e constrangimento deve nele
ocupar um grande espaço. Antes da idade da razão, não se poderia ter
nenhuma ideia sobre os seres morais ou sobre as relações sociais.
Assim, deveremos evitar na medida do possível empregar palavras que
as exprimam, por medo de que a criança relacione a essas palavras de
início falsas ideias que não conheceremos ou que não poderemos mais
destruir. A primeira falsa ideia que entra em sua cabeça é o germe do
erro e do vício; deve-se prestar atenção sobre tudo a esse primeiro
passo (ROUSSEAU, 2014, p. 89).

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Embora havendo críticas ao Rousseau por este não conseguir conviver com seus filhos. Todavia, as críticas
nunca vêm acompanhadas das condições sociais e históricas em que viveu Rousseau.
Estudos IAT, Salvador, v.6, n.1, p. 106-120, jun., 2021.
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Deve-se observar, no entanto, que a natureza humana é o ponto de partida


para Locke e Rousseau. A tarefa da educação, segundo entendimento desses
naturalistas seria educar a criança, entendendo suas condições naturais para viver
em sociedade. Neste sentido a educação teria tarefa de frear os desejos individuais,
a ambição por tudo o que a criança exige, mas que não é necessário. No entanto, no
estágio de superação da infância, estágio este chamado pelos naturalistas de
emancipação da razão é o período considerado mais crítico. Porque é o momento
em que tem condições físicas para se movimentar, mas não tem consciência para
definir nem o que é bom para si, mas pensa ter mais conhecimento que seus
protetores.
Se a criança, neste estágio ainda não tem direcionamento para a vida, num
país de maioria analfabeto, faz-se necessário a intervenção do Estado. Mas no
Estado em que predomina o modo de produção capitalista essa não há
planejamento para educação que vislumbre a emancipação humana. Neste sentido
as atividades relativas aos projetos de educação, só serão realizadas numa
perspectivas de emancipação humana quando os educadores conhecem
profundamente os princípios do materialismo histórico e a dialética materialista,
porque suas atividades formais são direcionadas no terreno da contradição dos
projetos oficiais.

No Manifesto do Partido Comunista, depois de várias críticas sobre o modo


de produção capitalista e a educação como adestramento ao modo de produção,
condicionamento dos corpos e adaptação às maquinas está posto como projeção a
proposta nos países mais avançados. São dez pontos para colocar em prática. O
último é um projeto de educação que está relacionada com o trabalho e o sistema
produtivo. “Educação gratuita para todas as crianças em escolas públicas. Abolição
do trabalho infantil em fábricas do modo atual. Combinação da educação com
produção industrial etc.” (MARX e ENGELS, 1998, p. 45). Este seria o projeto que os
trabalhadores da educação que lutam pela superação do modo de produção
capitalista deveriam lutar para colocar em prática onde conseguem ganhar algumas
prefeituras. Mas a tragédia está na ausência do conhecimento do materialismo
histórico, infelizmente.

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Para concluir, sabe-se que não há como lutar contra do poder do grande
capital com aliados dos capitalistas a nosso lado. Na educação formal a tendência
será sempre cumprir as metas determinadas pelo poder político que, por sua vez,
cumpre as metas determinadas pelo sistema econômico, especialmente o financeiro
que está para o infinito acúmulo de capital, independente de quantas vidas custa.
Neste sentido, somente um paralelo entre educação formal e informal poderia
apontar os caminhos da superação, mas para esse desafio seria necessário
entidades de classes com uma tarefa histórica de lutar, não pela superação da
miséria, mas pelo fim da riqueza. Isso parece contraditório, mas a riqueza promove a
face trágica da pobreza, da miséria e da barbárie. Embora poucos se atentem para
essa realidade.

REFERÊNCIAS

LOCKE, John. Segundo tratados sobre o Governo. São Paulo: Abril Cultural,
1978.

MARX, Karl ; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 15.ed. Rio


de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

ROUSSEAU, Jean Jacques. O emilio ou da educação 4.ed. São Paulo: Martins


Fontes, 2014.

Recebido em Abril/2021
Aprovado em Maio/2021

Estudos IAT, Salvador, v.6, n.1, p. 106-120, jun., 2021.


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