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A Ação Humana

Acontecimentos e ações
Podemos definir acontecimento como sendo, em princípio algo que ocorre num
determinado tempo e lugar, que é suscetível de afetar o sujeito, mas que não depende da
sua vontade. Muitas das coisas que acontecem no mundo não podem ser consideradas
ações humanas. Terramotos, vulcões, secas constituem exemplos de fenómenos que
acontecem e que não são ações nem resultam, em princípio, da ação e da interferência
humanas.
Isso significa que o ser humano não é a causa de tais acontecimentos ou eventos, isto é,
não os origina e não detém poder ou controlo sobre eles. Nestes casos, o ser humano não é
o agente – aquele que pratica a ação, ou o sujeito da ação -, não é o ator, mas o que sofre
a ação – ou recetor.
No entanto, face aos vários acontecimentos, o ser humano pode fazer uma série de coisas.
Por exemplo, quando ocorre um terramoto, podemos prestar auxílio às vítimas, seja
através de donativos, seja pelo apoio direto aos feridos e necessitados.
Nestes casos, o ser humano já está a interferir e a tentar agir sobre a situação, tornando-se
um agente e um ator no âmbito de tais acontecimentos.
Devemos, no entanto, evitar estabelecer uma distinção rígida entre os acontecimentos e
as ações. Com efeito, os acontecimentos não se reduzem aos fenómenos físicos ou a
puros eventos independentes do ser humano.
Para além dos acontecimentos, muitas das coisas que fazemos são realizadas
inconscientemente.
Portanto, embora toda a ação seja algo que o ser humano faz, nem tudo o que o ser
humano faz é ação. Só estamos perante uma ação se esta for algo feito de modo
consciente.
A fim de se manter vivo, o sujeito não pode simplesmente optar, por exemplo, por não
respirar, pois esse é um mecanismo de sobrevivência independente da vontade humana.
Por isso, respirar é algo que fazemos involuntariamente. Para além da respiração, são
exemplos de atos realizados involuntariamente a digestão o batimento cardíaco, etc.
O que fazemos involuntariamente, consciente ou inconscientemente, está, assim,
excluído do domínio da ação humana, porque se refere a atos do Homem que não estão
dependentes da sua vontade.
Considera-se, pois, ação humana apenas o que fazemos de um modo voluntário e
consciente, isto é, aquilo que queremos efetivamente fazer por exercício de vontade e de
que realmente temos consciência, surgindo como algo livre, racional, intencional e, por
conseguinte, responsável: ir ao cinema, cozinhar, telefonar a um amigo, ajudar um cego a
atravessar a rua, etc., são atos que fazemos voluntariamente e de forma consciente, isto é,
resultaram da nossa vontade e de uma decisão de os realizar.

Intenções e desejos
O que é, pois, uma intenção? Podemos, pois, definir intenção como o curso da ação que
alguém pretende seguir ou como o objetivo que guia a ação. Ter uma intenção significa
ainda encontrar-se num estado mental que se orienta, ou que tende, para a concretização
(que até pode ser apenas a manutenção ou o evitamento) de um determinado de coisas.
Uma verdadeira ação humana é sempre uma ação intencional.
As ações intencionais são originadas por motivos, desejos, crenças, interesses,
aspirações, ou seja, são ações realizadas por alguém que as quer realizar e que acredita
que esse é o melhor meio de atingir um fim. Trata-se de um conjunto de movimentos
finalizados, dirigidos desta ou daquela forma e, em princípio, controlados por aquele que
age.
É possível estabelecer uma distinção entre ação básica – aquela que a pessoa faz direta e
intencionalmente sem ter em vista outra ação intencional – e ação não básica – aquela
que, para ser realizada, necessita de outras ações básicas.
O conceito de intenção revela alguma proximidade com o conceito de desejo. No
entanto, há diferenças a ter em conta. Ora, em que consiste o desejo? Classicamente,
considerava-se o desejo uma tendência acompanhada de consciência. Assim, o desejo
seria uma aspiração por algo que nos falta, mas o indivíduo teria inteira consciência disso.
A intenção, enquanto estado subjetivo de tender para algo ou aspiração por algo, pode ser
identificada com o desejo. Mas ela é mais do que mero desejo ou aspiração, uma vez que
é, em princípio, consciente, pressupondo também motivos conscientes e voluntários,
visando uma dada finalidade e inscrevendo-se num determinado projeto.

Motivos (ou razões), fins e projetos


Analisemos, pois, em que é que consiste o motivo. O motivo é tudo aquilo que é capaz
de mover a vontade a agir, é a razão consciente do agir. Distingue-se do móbil, que
significa um impulso da sensibilidade, um sentimento, um estado afetivo, por vezes
inconsciente.
No entanto no âmbito da psicologia moderna o conceito de motivo é extensível a toda a
necessidade ou desejo ligados a uma intenção de atingir determinado objetivo.
Ora, já vimos que o desejo pode ser consciente ou inconsciente. Da mesma forma, o
motivo pode ser voluntário, enquanto se refere a razões ou crenças, ou involuntário,
enquanto se aproxima do desejo, sobretudo do desejo inconsciente, e igualmente do móbil.
Crenças e desejos constituem dois elementos que nos ajudam a perceber os motivos. Por
exemplo, se vemos uma pessoa a tomar uma refeição, partimos do princípio de que ela tem
motivos para o fazer. Por um lado, acredita que essa é uma forma de matar a fome; por
outro, deseja alimentar-se.
É o motivo que torna inteligível a intenção. O motivo é a razão que torna a ação
intencional compreensível e racionalizável tanto para o agente como para os outros. O
conceito de motivo encontra-se, por isso, associado ao conceito de intenção. Se a intenção
responde à questão «o quê?», o motivo responde à questão «porquê?», procurando
explicar, esclarecer e tornar inteligível a ação.
O motivo serve, na maioria dos casos, como justificação da ação.
A razão de agir ou o motivo remete-nos ainda para os fins (a finalidade ou a meta) da
ação, que dizem respeito a tudo aquilo que ativa, orienta e dirige a ação. A finalidade
responde à pergunta «para quê?». Muitas vezes é difícil separar finalidade do motivo. É
como se o motivo antecipasse a finalidade ou como se esta fosse inerente ao próprio
motivo.
Motivos e fins podem ser ainda englobados pela noção de projeto. O projeto é aquilo que
alguém se propõe fazer. Neste sentido, trata-se de um conceito equivalente à noção de
finalidade. Todavia, o conceito de projeto pode ser igualmente aplicado ao ser humano,
na medida em que este, ao projetar e ao realizar algo, também se projeta e realiza a si
mesmo. Assim, o ser humano é um ser de projeto.
Como tal, podemos dizer que o conceito de projeto é, por vezes, mais abrangente do que
o de finalidade.
Ação: Colocar os CD na mochila
Intenção:
- Roubar os CD
- Comprar os CD
Motivos:
- Desejar ouvir os CD; não ter dinheiro para os pagar
- Pretender adquirir os CD; ser aquela a maneira mais cómoda de os transportar
Finalidade: Ouvir os CD
Projeto: Aumentar os seus conhecimentos de música clássica

A deliberação e a decisão
São muitas as situações do quotidiano que nos obrigam a ponderar, a refletir antes de
agir, a avaliar os prós e os contras de uma determinada opção.
Com frequência, há situações que nos colocam perante autênticos dilemas, sobretudo de
caráter moral, obrigando-nos a ponderar e a refletir de uma forma bastante mais cuidada
(desde que tenhamos tempo para isso).
As respostas variam naturalmente de pessoa para pessoa, o que nos mostra que a
ponderação das alternativas não é um processo isento de obstáculos.
Assim, a deliberação é o processo de reflexão que, em princípio, antecede a decisão.
À deliberação segue-se a decisão, que consiste na escolha de alternativas possíveis em
função de determinadas razões e motivações. A decisão é o momento da escolha e da
resolução, no qual é superado o conflito de motivos que impulsionavam o sujeito para a
ação.
Tendo triunfado um dos motivos sobre os demais, o sujeito estabelece desse modo um
juízo de valor ou de preferência, que lhe indica uma ordem, um caminho a seguir e os
movimentos a executar para que a ação se concretize.
Neste sentido, uma decisão deliberada não é apenas uma decisão voluntária, consciente e
intencional, que conduz a uma determinada execução da ação. É, sobretudo, uma decisão
refletida e pensada.
Após a ponderação da inteligência, a vontade do indivíduo escolhe ou decide executar a
ação preferida, isto é, a alternativa que lhe surge como sendo a melhor. Ao decidirmos, o
conflito gerado pela presença de alternativas opostas acabará, provavelmente, por
desaparecer. Deliberar é pensar sobre os meios que permitem atingir determinados
fins.
A deliberação e a decisão constituem, em muitos casos, experiências com elevado grau
de dificuldade. Quanto mais importante para as nossas vidas for a ação em questão, mais
difíceis se tornam a deliberação e a decisão, sobretudo se da decisão depender seriamente
o nosso futuro.
Sucede, no entanto, que nem todas as ações são deliberadas, isto é, planificadas e
ponderadas previamente.

O agente: liberdade e responsabilidade


Toda a ação tem um autor. O autor da ação é o agente. O agente, tendo realizado as
ações de forma consciente, voluntária e intencional, pode, assim, ser responsabilizado,
isto é, tem que assumir as suas ações e responder por elas.
Mas responsabilizar o agente por uma ação, qualquer que ela seja, é pressupor que ele é
livre, isto é, que tem o poder de escolher de entre alternativas possíveis aquela que quer
realizar, sem ser constrangido ou coagido.
Toda a ação pressupõe um sujeito, depende do poder do agente. É também este que tem
intenções, que delibera e que decide. O conceito de motivo pressupõe igualmente o de
agente: o motivo é a razão que leva alguém a agir daquela forma. E assim o agente é
aquele que pode responder pelos seus atos.
Mas será que somos efetivamente livres?
Agente (livre e responsável)
Deliberação
Decisão
Ação:
- Motivo – porquê?
- Intenção – o quê?
- Finalidade – para quê?
- Projeto – para quê?

Introdução ao determinismo e liberdade na ação humana


A noção de liberdade que nos interessa aqui é a que corresponde ao livre-arbítrio, isto é,
à possibilidade de escolha e de autodeterminação, ou ao ato voluntário, autónomo e
independente de qualquer constrangimento e coação externa ou interna. O livre-arbítrio
corresponde a uma vontade livre e responsável de um agente racional.
De facto, não fazemos tudo aquilo que temos vontade de fazer: há forças externas que
somos incapazes de contrariar, tal como, por exemplo, a força da gravidade, e forças
internas que não conseguimos controlar, nomeadamente as ligadas às necessidades
básicas: sentir fome e desejar comer, sentir sede e desejar beber, sentir frio e desejar
aquecer-se, etc. Além disso, a nossa constituição biológica e a nossa herança genética
definem largamente o modo como agimos e como reagimos a determinadas situações.
Já todos vivemos a experiência de ter feito algo com a perfeita convicção de que
poderíamos ter agido de maneira diferente. Por exemplo, quando mentimos, sabemos que
poderíamos ter dito a verdade. Se considerarmos que temos alternativa, que podíamos
evitar ter mentido, então a ação humana foi livre, e teremos de responsabilizar o agente
pelas suas ações.
Se considerarmos que as ações humanas são determinadas por forças externas e internas,
então teremos de negar a liberdade e a responsabilidade do agente.

As condicionantes da ação humana


O livre-arbítrio parece, pois, ser um facto da nossa experiência. Ela surge como a
condição para que se possa falar em ação intencional. É só mediante a afirmação do
livre-arbítrio que podemos atribuir responsabilidades e culpas ou decretar recompensas e
punições.
Assim, o livre-arbítrio constitui uma espécie de atmosfera conceptual no interior da
qual nos movemos. Se negarmos que haja livre-arbítrio, teremos de achar estranha a nossa
preocupação com as coisas, acabando por não fazerem sentido nem o esforço nem a
esperança. Mas é claro que, como veremos, a discussão acerca do livre-arbítrio é bem mais
profunda do que aquilo que nos pode garantir a experiência quotidiana.
Seja como for, a liberdade de que dispomos não é uma liberdade absoluta, no sentido de
se poder fazer tudo o que se quer. Trata-se, isso sim, de uma liberdade situada e
condicionada que se manifesta na capacidade de escolhermos entre várias alternativas
possíveis, no quadro da nossa existência singular e finita.
Designamos por condicionantes da ação humana o conjunto de constrangimentos e
obstáculos que impõem limites à nossa ação. As condicionantes da ação, ao mesmo tempo
que a limitam, abrem-lhe de igual modo um horizonte de possibilidades, assumindo-se
também, de certo modo, como condições do próprio agir.
Há várias condicionantes a ter em conta, relativas às dimensões biológica, psicológica e
cultural: aptidões espirituais e corporais, o meio que nos rodeia, as influências da
educação, o ambiente, a época, as circunstâncias nacionais, sociais, políticas e culturais,
etc.
Todos estes aspetos condicionam a nossa liberdade, assumindo-se também, no entanto,
como abertura para outras possibilidades.
No que se refere às condicionantes físico-biológicas, podemos dizer que todas as ações
estão, antes de mais, dependentes da nossa constituição morfológica e fisiológica. O
modo como nos relacionamos com tal meio depende das características desse corpo,
muitas das quias herdadas geneticamente.
As ações estão dependentes também das características psicológicas, nomeadamente da
personalidade do agente, do seu temperamento ou dos seus estados psicológicos
temporários, como a alegria, a tristeza, a depressão, etc.
Tais características, por sua vez, estão dependentes da situação e da circunstância em que
o indivíduo vive e, em parte, decorrem também da sua constituição genética. O próprio
clima e a paisagem podem ter efeito, se não sobre aspetos fundamentais da personalidade,
pelo menos sobre os estados de alma da pessoa.
As condicionantes histórico-culturais, por seu turno, são o conjunto de fatores
histórico, cultural, social, económico, científico, tecnológico, religioso, etc., que
influenciam o ser humano, a sua personalidade, o seu modo de ser e, consequentemente, a
sua ação.
O conjunto de regras sociais, de padrões, hábitos e costumes, os conhecimentos e os
avanços técnicos, o tipo de socialização que o agente sofre, o tipo de educação que recebe
constituem elementos que influenciam a ação humana, seja orientando-a num determinado
sentido, seja impondo limites, legais, morais ou outros, à sua realização.
A ação e a liberdade são, pois, sempre situadas e contextualizadas. Elas acontecem
num determinado ambiente historicamente marcado. A situação económica de um país,
por exemplo, tem reflexos ao nível das opções individuais a diversos níveis. Viver sob um
regime democrático é muito diferente de viver sob um regime ditatorial. A liberdade, as
escolhas e as possibilidades dos indivíduos são bem distintas em ambos os casos.
Concluímos, assim, que a existência de condicionantes não implica a inexistência de
livre-arbítrio. Pelo contrário, se dizemos que algo condiciona a liberdade, então estamos
a pressupor que esta, enquanto possibilidade de optar, existe. Mas será que existe mesmo?

A discussão acerca do livre-arbítrio

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