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ROBERTE METRING SIMAIA SAMPAIO Organizadores NEUROPSICOPEDAGOGIA E APRENDIZAGEM Andrea Sandoval Padovani Andressa Moreira Antunes Beatriz Scoz Claudia Estevam Lara Coetho Daniel Donadio de Mello Daniela de Souza Costa Débora Marques de Miranda Debora Patricia Medeiros Santos Rios Deisiane Oliveira Souto Gabriele Chequer de Castro Paiva vana Braga de Freitas LL Jonas Jardim de Paula Lais Regina Rocha Retamoso Leandro Fernandes Malloy-Diniz Luiza Elena L. Ribeiro do Valle Maria Helena Cursino Santos Rocha Maristela Viana Lima Marta Pires Relvas Nora Cavaco Rita de Céssia Saldanha de Lucena Thalita Karla Flores Cruz Vitor Geraldi Haase wal we Rio de Janeiro 2016 © 2016 by Roberte Metring e Simaia Sampaio Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Capa e Projeto Grifico: 2ébom Design Capa: Eduardo Cardoso Diagramagio: Flavio Lecorny livro foi revisado por duplo parecer, mas a editora tem a politica de reservar a privacidade. Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacic , Roberte Neuropsicopedagogia ¢ aprendizagem/ Roberte Metring, Simaia Sampai Rio de Janeiro: Wak Editora, 2016. Inclui Bibliografi ISBN 978-85-7854-371-6 1. Neuropsicopedagogia. 2. Cérebro. 3. Aprendizagem. 4, Psicopedagogia. 1. Sampaio, Sima. IL. Titulo, 16-3281 DD 153 CDU 159.95 2016 tos desta edigdo reservados Wak Editora Proibida a reproducao total e parcial WAK EDITORA Av. N. Sra. de Copacabana 945 — sala 107 ~ Copacaban: Rio de Janeiro — CEP 2060-001 ~ RJ 3208-6095 e 3208-6113 Fax (21) 3208-3918 wakeditora@uol.com.br www.wakeditora.com.br 5 - Aprendizagem e neuroplasticidade Vitor Geraldi Haase Thalita Karla Flores Cruz Deisiane Oliveira Souto Andressa Moreira Antunes © termo neuroplasticidade tem sido usado de diferentes manei- ras, referindo-se a fenémenos descritos em multiplos niveis de orga- nizagao: da regulaco genético-molecular & reorganizacao de redes neurais (BERLUCCHI e BUCHTEL, 2009). Cramer e cols. (2011) definem neuroplasticidade como a habilidade do sistema nervoso de respo! der a estimulos intrinsecos ou extrinsecos, reorganizando sua estrutu ra, funcao ou conexées, Na maioria das vezes, 0 constructo neuroplasticidade é inferido a partir de modificagdes comportamentais (BERLUCCHI e BUCHTEL, 2009), mas os fendmenos subjacentes, tais como: neurogénese (AIMO- NE et al, 2014), modificagdes da forca e dos padrées de conectivida- de sinéptica (CITRI e MALENKA, 2008, KANDEL, 2000) e reorganizacées de representacdes anatomofuncionais em diversas estruturas cerebrais (CHEN; EPSTEIN e STERN, 2010), podem ser investigados diretamente por meio de técnicas de laboratério e de neuroimagem. Analisando a formagao de habitos, William James (1890) foi um s primeiros autores a chamar a atengdo para as propriedades plas- ticas do sistema nervoso. Segundo Berlucchi e Bucthel (2009), a ideia de que as reconfiguracées sindpticas constituem 0 mecanismo neu: ‘oplastico primordial remonta a Santiago Ramon y Cajal (1852-1934), sendo posteriormente retomada por Eugenio Tanzi (1856-1934) e Emesto Lugaro (1870-1940). A concepgao atual é de que a sinapse nstitui tanto o lécus de integracao funcional do sistema nervoso 81 central - SNC (SHERRINGTON, 1906) quanto dos fendmenos adapta- tivos neuroplasticos (HEBB, 1949; KONORSKI, 1948). ‘A neurogénese ou formagao de novos neurénios no cérebro adul to é um fendmeno que tem despertado interesse nas tltimas décadas. E crescente o ntimero de estruturas cerebrais nas quais foi observada neurogénese na fase adulta (GOULD, 2007). Ha evidéncias de que os neurdnios recém-formados no giro denteado do hipocampo se incor- poram funcionalmente as redes neurais preexistentes (AIMONE et al. 2014). As pesquisas indicam também que os farmacos antidepressivos promovem a neurogénese no giro denteado (KIM; KIM e KONG, 2013) Um dos fenémenos mais investigados é o remapeamento cortical que ocorre, por exemplo, apés manipulacées periféricas. Amputacoes e sindactilias cirdrgicas dos dedos de macacos levam ao remapeamen- to dos mapas corticais sensorio-motores. Se um dedo é amputado, as reas somatossensoriais que o representavam no cértex sdo recrutadas para representar os dedos vizinhos (MERZENICH et al, 1984). Se dois dedos so fundidos cirurgicamente (sindactilia), suas representacdes corticais também se fundem (ALLARD et al,, 1991). Fenémenos semelhantes foram descritos também em humanos adultos (CHEN; EPSTEIN e STERN, 2010; MERCADO, 2008), tais como: © aumento da representacao cortical dos dedos em violinistas (EL BERT et al,, 1995) e apés a aprendizagem de malabares (DRAGANSK et al,, 2006). Um fendmeno adicional que sugere reorganizaco das representacées corticais somatossensoriais € 0 membro fantasma Aglioti, Cortese e Franchini (1994) observaram mulheres mastecto mizadas que a sensacao de mama fantasma poderia ser desencade ada a partir da estimulacdo tatil de uma série de regides do corp (sensacao referida, veja Figura 1). Figura 1 ~ Sencacio referida de mama fantasma, Em mulheres mastectomizadas, a estimulagso tatl de algumas regices sencadela sensacoes de mama fantasma, sugerindo processo de remapeamento cortical somatossensorial(Redesenhado a partir de Agliot, Corte: © mecanismo proposto para o dinamismo observado nas repre- sentagSes corticais de varias estruturas e funcdes cerebrais é a reati- 40 de aferéncias/sinapses previamente nao ativas ou até mesmo a formacdo de novas sinapses conforme proposto originalmente por Do: nald Hebb (1949). Hebb formulou em termos puramente tedricos que, quando dois neurénios descarregam em sincronia, ocorrem fenémenos tréficos, fa- zendo com que aumente a probabilidade de um neurénio B responder sempre que 0 outro neurénio A for ativado. Este insight, conhecido como lei ou sinapse de Hebb, teve um impacto duradouro nas Neurociéncias, contribuindo para a abertura de novas perspectivas A formulagao de Hebb representou um resgate do associacionismo nas Neurociéncias, contribuindo para a construc de um modelo mais dinamico das representagdes neurais, as quais exibem a importante propriedade de plasticidade dependente de atividade. A ideia original 83 de Hebb deu origem também a todo um novo campo de investigacao, as redes neurais (ROBERTSON e MURRE, 1999). O fenémeno reverso, anti-hebbiano, é 0 enfraquecimento das conexdes sinépticas quando as mesmas nao so ativadas em sincronia. A possibilidade de configu: rar distintos padrées de associacao entre unidades neurais permitiu 0 desenvolvimento do conceito de assembleia neural como unidade fun cional basica do SNC (SINGER, 1990). funcionamento da sinapse de Hebb se fundamenta em duas pressuposicdes basicas. A primeira delas € que haja mecanismos de detecco da coincidéncia das descargas. A segunda é que haja algums espécie de sinalizacao retrégrada que indique para o neurénio A que o neurénio B esté ativo (veja Figura 2). Mensageiro retrogrado ~~ Detecedo de simultaneidade nas descargas Figura 2 Sinapse de Hebb. De acordo com Hebb (1949, p. 62), “Quando um axinio da ce cesta suficientemente perto para exctar a céula 8 e contibuipersistentemente e repetidar para descarregar a céula B, ocorre e entdo algum processo de crescimento ou ateracae met Je modo que a eficiéncia de A como uma das células que faz 8 descarregar ¢ aumentad © funcionamento da sinapse de Hebb requer um mecanismo de deteccio de simultaneidade descargas e um mensageiro retrograde, Um passo importante na caracterizacao da plasticidade hebbians como mecanismo subjacente ao desenvolvimento, a aprendizagem € & recuperacdo funcional foi a descoberta do fendmeno da potenc go de longa duracao ~ LTP, do inglés long-term potentiation (BLI LOMMO, 1973). 0 experimento consistiu na aplicacao de pulsos breves (20 a 30ms) e de alta frequéncia (100 Hz) na via perfurante de secs do hipocampo de coelhos, a qual conecta 0 cértex entorrinal a0 gifs 84 denteado por meio de sinapses glutamatérgicas. Foi observada uma facilitagdo das descargas nas células granulosas do giro denteado, a qual pode durar horas in vitro e até dias in vivo. Posteriormente se descobriu que a LTP apresenta diversas carac- teristicas hebbianas, como sua obtengdo rapida, o reforgamento e pro longamento por meio da repeticio, a cooperatividade, associatividade e especifidade de input (CITRI e MALENKA, 2008). Cooperatividade sig nifica que a LTP pode ser obtida a partir da ativacao coincidente de um certo nimero de sinapses. A associatividade é a capacidade de ampli ficar um estimulo fraco, oriundo de um pequeno nimero de sinapses, quando 0 mesmo é emparelhado com um estimulo forte, derivado de um numero maior de sinapses. Finalmente, especificidade de input sig- nifica que a LTP é eliciada apenas das sinapses ativadas e nao de sinap- ses adjacentes inativas. Por outro lado, a estimulacdo lenta de sinapses glutamatérgicas produz um fenémeno inverso, chamado depresséo de longa duracio ou LTD, 0 qual também tem caracteristicas hebbianas e esta envolvido na plasticidade, aprendizagem de desenvolvimento (MALENKA e BEAR, 2004). A neuroplasticidade parece depender de um equilibrio fino entre excitagao e inibigo, ou seja, entre LTP e LTD, uma vez que a ativacao glutamatérgica excessiva é neurotéxica (BREDT e SNYDER, 1992) As evidéncias indicam, portanto, que as representacdes cerebrais de estruturas do corpo e das fungdes so objeto de consideravel di- namismo e plasticidades. Os fenémenos subjacentes a reconfi plastica das conexdes sinapticas séo apreendidos pelo conceito de sinapse de Hebb, da qual existem modelos neuroquimicos razoavel- mente fundamentados. Os fenémenos de plasticidade dependente de atividade sé importantes também para o desenvolvimento cerebral. A maior capacidade de plasticidade ocorre no desenvolvimento precoce quando o sistema nervoso central é menos rigidamente especializado (HUTTENLOCHER e DABHOLKAR, 1997), e as sinapses e conexdes den- driticas estdo inespecificas. De acordo com Huttenlocher e Dabholkar (1997), durante o de senvolvimento do cértex cerebral em criancas, € possivel verificar um intenso processo de sinaptogénese, o qual contribui para a plasticidade cortical, fornecendo um excesso de sinapses que podem ser selecio- nadas com base na experiéncia adquirida pela crianga. Estudos com 85 s e animais mostram que cérebros de mamiferos sofrem nfancia, perdendo cerca de metade das suas (CHECHILK; MEILUSON e RUPPIN 1999). dadas, enquanto as sinapses mais esté- jor conexdo funcional (SCHLAGGAR: seres humano: poda sindptica durante a i sinapses até a puberdade conexées nao utilizadas s40 por veis representam aquelas com mai FOX e O'LEARY, 1993). Assim, a partir das experiéncias ambientais ¢ sue associacao aos fatores genéticos, as sinapses so aprimoradas, Evidéncias tam mostrado que a inteligéncia pode ser um fa tor influente sobre os processos de plasticidade do sistema nervoso Criangas com um nivel intelectual superior apresentam um cortex mais plastico. Elas apresentam uma fase inicial de aumento na es pessura cortical mais acelerada e prolongada em comparagao com as criancas com inteligéncia normal e baixa, principalmente no cor tex pré-frontal (SHAW et al, 2006). Tais achados apoiam a hipotese de que um longo periodo com alta producao sinaptica contribui sig nificativamente para a capacidade de plasticidade e de aprendiza gem em criancas. Consideracées finais sticas e, assim, estéo em constantes mu dancas em resposta a estimulos internos e externos. O processo a aprendizagem pode ser visto como uma mudanca de comportamen to em resposta a estimulos ambientais, sendo dependente da caps cidade de plasticidade no sistema nervoso. Portanto, a neuroplast cidade permite que os seres humanos aprendam novas habilidad e se recuperem de lesées no Sistema Nervoso Central ao reorgan! redes neurais em resposta a estimulos ambientais. O entendimente dos mecanismos relacionados 8 reorganizacao neural fornece ut e melhores estratégias de aprendiz As vias neurais sao plas! base para o desenvolvimento di gem e intervencao. Referéncias AGLIOTL S; CORTESE, F. & FRANCHINL C. Rapid sensory remapping in the adult hu- ‘man brain as inferred from phantom breast perception. Neuroreport, v. 5, n. 4, . 473-476, 1994, IMONE, 18. et al. Regulation and function of adult neurogenesis: from genes te tion. Physiological reviews, v. 94,n. 4, p. 991-1026, 2014. ALLARD, Tet al. 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