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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

João Batista Freitas Souza

NICÉIA E SEUS DESDOBRAMENTOS: UM ESTUDO DOS EVENTOS PRECEDENTES E


SUBSEQUENTES AO CONCÍLIO.

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA


Faculdade de Teologia

História do Cristianismo Antigo

29.12.2021
ÍNDICE

INTRODUÇÃO .................................................................................................................

O EMERGIR DA CLANDESTINIDADE: DA PERSEGUIÇÃO À PAZ .....................................

NICÉIA E SUAS CAUSAS: A FRÁGIL PAZ .........................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................
INTRODUÇÃO

O I Concílio (Ecumênico) de Nicéia, convocado pelo Imperador


Constantino I em 325 d.C., foi, sem sombra de dúvidas, um dos acontecimentos mais
singulares de todo o IV século. Diga-se, em função do notável acento que o (imprevisível)
imperador dá ao período em questão.
Isto, por razões demasiado claras (que podemos expressar):
primeiro, por ter sido a primeira reunião em que se pretendeu pôr em diálogo (e,
certamente, atingiu tal fim - mesmo não se tendo obtido a unanimidade acerca do objeto)
os representantes de toda a cristandade, isto é, os bispos; segundo, por ter resolvido o
problema relativo à natureza divina de Cristo (problema de ordem cristológica); e,
terceiro, pela construção do Credo Niceno (primeira parte do que hoje temos por Credo
Niceno-Constantinopolitano).
Diante de tal acontecimento para a “Igreja”, antecedida por
tamanha controvérsia (o apoio do Imperador) torna-se bastante caro (mister) debruçarmo-
nos sobre esse acontecimento para bem compreendermos seus desdobramentos
(precedentes e subsequentes).
O presente escrito tem por objetivo, portanto, (de modo
demasiado sintético – em função da proposta que lhe é própria) delinear o horizonte de
sentido em que se fixam esses acontecimentos.
Não tão somente ao que concerne ao comportamento de
Constantino para com os cristãos (de maneira a que percebamos que a sua conduta –
demasiado benévola – não fora um evento desassociado – ou, por assim dizer,
descontinuado –, mas que havia um possível movimento de progressão – uma certa
tendência – ao modo como lidou com o cristianismo. Bem como aos acontecimentos que
fizeram acontecer Nicéia que, por sua vez, apesar de ter definido certos elementos da fé
cristã não cessou as dissonâncias entre os representantes da cristandade. Note-se, também,
que um ou outro pormenor poderá receber certo acento.
O EMERGIR DA CLANDESTINIDADE: DA PERSEGUIÇÃO À PAZ

Parece-nos prudente trazer à luz neste escrito (e para ele, uma vez
que é também um de seus objetos) alguns elementos históricos precedentes ao governo
de Constantino, que disporemos a seguir.
O primeiro elemento a ser considerado (nesta particular
abordagem) é que a história do cristianismo é marcada – e, porque não dizer, manchada
e fecundada –, pelo sangue derramado pelos mártires (isto é, os atletas de Cristo). Estes
tiveram de provar, incontáveis vezes, sua fé em Cristo Jesus, nas mais atrozes mortes. É
bem verdade (e isto vale ser ressaltado) que os mártires acreditavam fazer parte da batalha
mística entre Cristo e o Diabo, a modo que, tanto mais morriam (dito de outro modo, tanto
mais suportavam os suplícios em fidelidade à Ele) tanto mais vencia o Senhor.
O segundo elemento a ser considerado é que o Imperador
Diocleciano - o primeiro Tetrarca – (anterior, mas não propriamente predecessor dele, a
Constantino) promoveu a que ficara conhecida como a mais sangrenta perseguição aos
cristãos. O fez pelo meio de quatro Editos, cronologicamente dispostos: confiscação dos
livros e vasos tidos como sagrados para os cristãos, bem como a destruição das igrejas;
prisão aos considerados chefes das igrejas; libertação dos prisioneiros que aceitassem
participar nas libações e sacrifícios; e, por fim, obrigatoriedade a todos os habitantes a
sacrificarem aos deuses.
Os elementos acima mencionados (a fé inquebrantável dos
cristãos, face a perseguição feroz aos crentes, por parte de Diocleciano) são suficientes
para tornar-nos patente que o ambiente (do império) romano dos fins do III século e início
do IV é, por demais, dividido, caótico e violento.
Interessa-nos, aqui, ademais, neste horizonte de sentido, trazer à
claridade que os editos impostos Diocleciano não foram, a modo idealizado, aplicados de
modo efetivo por todos os tetrarcas (nomeadamente, Constâncio Cloro). E, diga-se,
quando aplicados, com frouxidão (ou, de modo ameno) como escreve-nos Daniélou: «Na
Gália e na Bretanha, colocadas sob a autoridades do César Constâncio Cloro, o pai do
futuro imperador Constantino, só o primeiro edito concernente aos edifícios sagrados foi
aplicado e ainda, ao que parece, com moleza».
Os historiadores não chegam a explicitar as motivações de
Constâncio Cloro para tal comportamento (que, certamente, não esperado). Basta-nos,
entretanto, para perceber que a relação estabelecida entre Constantino e a cristandade
pode ter tido seu gérmen (elevada a outro patamar) com seu pai. É-nos possível
conjecturar que, tanto da parte de um quanto de outro, já havia certo simpatismo (acento
nosso) ou política de não violência para com os cristãos.
Não nos é permitido, em função do espaço, descrever a chegada
ao poder por Constantino; antes, as medidas benéficas em favor da cristandade que por
ele foram tomadas desde o início de seu governo, que a seguir disporemos.
Licínio formula em comum acordo com Constantino, após a
vitória sobre Maximino Daia, «uma resolução concedendo em termos particularmente
benévolos em favor dos cristãos plena e inteira liberdade de culto, a restituição imediata
de todos os bens confiscados..., por ocasião da entrevista que os reuniu em Milão para o
casamento de Licínio com a irmã de Constantino».
Tal fórmula possibilita, anos mais tarde, a ascensão de cristãos a
altos cargos da organização romana, tais como: o consulado em 323, a prefeitura de Roma
em 325 e a prefeitura do pretório em 329.
Ademais, duas coisas devem ser notadas a esse respeito, a saber:
se chega a uma altura em que estão de tal modo unidos o poder temporal e o espiritual
que, mesmo pelo meio de violência, não se é mais possível qualquer separação que seja,
como aponta-nos Daniélou: «Apesar de tantas violências o Império não consegue
apropriar-se da alma de toda de seus súditos, pois numa época tão impregnada das
preocupações religiosas o homem não se imagina apenas como cidadão do estado ao
serviço de uma pátria terrestre, mas também, e quem sabe sobretudo, como um cidadão
do céu, membro de uma sociedade espiritual em cujo seio encontra a solução o problema
fundamental a seus olhos, a saber, suas relações com Deus»; ou, como sugere-nos
Pierrard: «Ademais, no século IV, era impossível a separação do temporal e do espiritual.
Assim, o imperador não se contenta em se interessar pela Igreja cristã; quis ser também
sua “eminência parda” preocupando-se ao mesmo tempo com os interesses do Estado e
com os dos fiéis de Cristo».
A outra coisa a que se deve dar certo (ou talvez demasiado) relevo
é que a paz constantiniana possibilita surgir penosos embates no seio da cristandade
(igreja), ora de ordem teológica ora de cunho pessoal; dentre os quais se faz surgir a
necessidade de se por em diálogo os representantes da Igreja, com o Concílio de Nicéia.
Dá-se adeus ao oneroso período de perseguições externas (por
parte dos pagãos e dos imperadores romanos) e dá-se início as demasiadas perseguições
internas que, por sua vez, carecem de uma força externa, a do imperador que não apenas
convoca o Concílio, bem como faz aplicarem-se suas resoluções: «Ora, com a paz
constantina abre-se na história da igreja um período de violentos debates teológicos em
que a definição mesmo do dogma vai ser posta em questão; em consequência se
levantarão graves questões de ordem pessoal, concernentes à validade deposições de
bispos, de excomunhões... Não esqueçamos que no estado em que os encontramos, os
organismos dentro da igreja ainda não se encontram aparelhados para formularem a
solução procurada, com a nitidez e a autoridade necessárias para se imporem a todos os
fiéis de boa vontade. com toda a naturalidade, serão os imperadores levados a tomarem
partido, embora sua autoridade se choque com as resistências e mais nenhuma vez se veja
posta em xeque pelas convicções nascidas de uma região por demais profunda da alma
religiosa, para se submeter à uma autoridade imposta de fora».
É bem verdade que Daniélou demonstra-nos a fragilidade de tal
estrutura, dado que, a medida em que muda o imperador ou, muda este de partido, dá-se
início a uma nova (des)organização no seio da igreja. Onde os que antes foram exilados
(por determinação do próprio) acabam por tornarem-se os favorecidos e, não obstante,
perseguidores.

NICÉIA E SUAS CAUSAS: A FRÁGIL PAZ

Interessa-nos aqui, tão somente, descrever o que conduziu ao


Concílio de Nicéia, dado que, se o avançarmos para além cairemos num problema de
ordem cristológica que, não nos interessa a nós em nada. Entretanto podemos
minimamente mencionar que a convocação do concílio foi um segundo movimento,
precedido de uma negociação falhada. Quem nos explica isso é Lamelas: «Recordamos
apenas que o concílio se reuniu sobretudo para responder à crise provocada pela
controvérsia ariana. Esta fora suscitada pelas ideias de Ário que se poderiam resumir nos
seguintes pontos: partindo de um rígido monoteísmo, Ário concebia Deus pai,
absolutamente único e transcendente, como o “princípio não gerado” que não pode
dividir-se nem comunicar-se a outro. Todos os demais seres que existem, foram, portanto,
chamados ao ser a partir Do Nada. Se a essência de Deus consiste em ser “não gerado”
(ἀγεννεσία), o Verbo, sendo “gerado”, é “criatura” e, portanto, teve um começo. Por
conseguinte, “houve um tempo em que não era”. Sendo assim o Filho não é coeterno nem
da mesma essência divina do Pai, isto é, não é Deus».
Diz-nos, ainda, Giuseppe Alberigo sobre Nicéia: El acto más
importante del concilio, el que habría de asegurar su éxito histórico, fue la redacción y
aprobación de la definición de fe en la forma de un «símbolo» o compendio de las
verdades esenciales, profesadas por la Iglesia».

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O obra, acima desenvolvida, torna patente duas coisas: que havia


da parte de Constantino certa simpatia para com a cristandade que, todavia, não começa
por ele; e, não menos importante, que Nicéia não encerra em si todos os cismas da Igreja.
Os desencontros no foro interno estenderam-se por muito, de modo que cai nas graças do
imperador, porco depois, Ário e seu grupo, de modo a não somente haverem novas
perseguições como também o surgimento de diversas outras fórmulas para o Credo.
BIBLIOGRAFIA

PIERRARD, Pierre, «História da igreja», trad. Álvaro cunha, São Paulo: Edições
Paulinas, 1982.
DANIÉLOU, Jean e MARROU, Henri, «Nova História da igreja: dos primórdios a São
Gregório Magno», trad. Dom Frei Paulo Evaristo Arns, O. F. M., Petrópolis: Editora
Vozes, 1973.
GALLI, A. e GRANDI, D. «História da Igreja» trad. Manuel Alves da Silva, S. J.,
Lisboa: Edições Paulinas, 1963.
I-LAMELAS, Isidro Perreira «Sim, cremos: O Credo explicado pelos Padres da Igreja»,
Lisboa: Universidade Católica Editora, 2013.

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