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As crenças e as proposições de Carl Rogers 

Dentre estes pressupostos, há um essencialmente importante por


representar a crença central da TCC, que afirma que o ser humano possui,
dentro de si, vastos recursos para a auto-compreensão e para a
modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu
comportamento autônomo. De que nele há uma tendência natural para o
desenvolvimento completo. Essa crença, está diretamente relacionada
com a conclusão, conforme Rogers (1995c) inevitável, depois de anos de
experiência com psicoterapia, de que a natureza profunda do ser
humano, quando funciona livremente, é construtiva e digna de confiança.

Kinget (1977) esclarece esta questão, explicitando que não diz somente
respeito aos aspectos físicos e corporais, como tradicionalmente este
termo é compreendido, mas sim, ao entendimento de que o organismo é
aqui caracterizado como englobando o conjunto das funções
constitutivas do homem, tanto os aspectos físicos quanto a experiência da
pessoa, isto é, seus sentimentos, pensamentos e emoções. Assim sendo,
Rogers (1992, p.554) quando fala de organismo, relaciona-o a um
“sistema organizado total”, dentro de uma visão bio, psico e social.

Dessa forma, ao falar em confiança no organismo, Rogers (1992) parte de


uma concepção positiva de homem e da crença na tendência atualizante
ou realizadora existente em todo organismo e que move o indivíduo,
desde que em condições facilitadoras, na direção de uma independência
e auto responsabilidade maiores.

Essas condições facilitadoras são básicas para que o terapeuta possa


fornecer um clima no qual o cliente sinta-se livre para expressar-se como
realmente é. Rogers (1995b, p.20), quando fala de clima, refere-se a uma
atmosfera calorosa e permissiva, na qual o indivíduo esteja livre para
trazer qualquer atitude ou sentimento que possa ter, “não importando
quão absurdos, não-convencionais ou contraditórios sejam”. Se é
fornecida uma relação permeada de compreensão e segurança e de uma
aceitação da pessoa como ela é, então o cliente abandonará suas defesas
e utilizará este espaço para ir em busca de seu autoconhecimento
Tambara e Freire (1999) reforçam esta idéia, colocando que quanto maior
é a liberdade oferecida ao cliente para se expressar espontaneamente,
sem que seja guiado, conduzido ou orientado, maior é a rapidez e a
intensidade com que ele traz para o processo terapêutico as questões
realmente cruciais da sua existência.

A atitude não-diretiva, permeia todos esses aspectos, ou resulta deles,


pois ela facilita o processo de desabrochar do ser humano. O terapeuta,
através dela, não guia ou orienta o processo, e sim, segue o caminho
traçado pela única pessoa que realmente conhece o “mapa”, o cliente,
facilitando com isso, a busca de suas próprias respostas e verdades e,
conseqüentemente, uma atitude do cliente de responsabilizar-se pela sua
vida. Assim sendo, a atitude não-diretiva do terapeuta é anti-autoritária e
não paternalista (Brodley, 1997). É o cliente quem deve fazer suas próprias
descobertas, seguir o seu próprio caminho, encontrando as soluções que
lhe são mais adequadas (Rudio, 1987).

Na relação psicoterapêutica, a não-diretividade é expressa por meio de


três outras atitudes básicas do terapeuta. Atitudes estas, que envolvem
aspectos que podem ser denominados pré-requisitos para uma relação
não-diretiva entre terapeuta e cliente e, assim sendo, Bozarth (2000)
pontua que quando o terapeuta opera a partir da premissa destas
condições estará sendo inerentemente não-diretivo.

Atitudes:

 Autenticidade ou congruência: Bowen (1987, p.64), traz que


congruência não é sinônimo de revelar pensamentos e sentimentos
ao cliente, mas sim significa a “harmonia entre o que está
acontecendo na intimidade e o que transparece por fora”. Ser
congruente não significa, como coloca Bowen (1987), “lançar para
fora o que está na mente ou no coração, mas sim, relacionar-se
com o cliente de forma inteira e verdadeira. Expressar congruência
é diferente de comunicar sentimentos e pensamentos. Rogers
(1989; 1976), comentando os resultados desta atitude, expõe que
através da autenticidade ou congruência a probabilidade de o
cliente se modificar e crescer de uma maneira construtiva se
potencializa. À medida que ele sente que o terapeuta se permite
ser como é, tende a descobrir a mesma liberdade, indo ao encontro
da ampliação de sua própria congruência.
 Consideração positiva incondicional: Esta atitude diz respeito à
consideração integral e não condicional pelo cliente e envolve,
conforme Rogers (1997b), uma preocupação não possesiva do
terapeuta para com esse. Implica assim, que o cliente seja visto
como uma pessoa independente, numa relação em que possa
experienciar seus próprios sentimentos e descobrir o que sua
experiência significa. Nesse contexto, Freire (2000, p.43), citando
Patterson e Hidore, expressa que:
O cliente é considerado como uma pessoa de valor exatamente
pelo que ele é, simplesmente por ser. Não há condições para a
aceitação. O cliente não precisa mudar ou ser diferente para ser
aceito pelo terapeuta. Quando Rogers (1997a) refere-se à
aceitação, está falando de uma consideração afetuosa pelo cliente
enquanto uma pessoa de autovalia incondicional, ou seja,
possuidora de valor, independentemente de sua condição, de seu
comportamento ou de seus sentimentos. A relação de respeito e
apreço resultante da atitude de consideração positiva incondicional
do terapeuta, gera no cliente um sentimento de afeição e
segurança que são elementos facilitadores para que se mostre sem
defesas, não precisando esconder ou omitir aspectos seus. Dessa
forma, o cliente vai gradativamente entrando em contato com sua
experiência de forma mais completa, indo ao encontro de seu
desenvolvimento pessoal. Rogers (1989) coloca que esta atitude
não envolve julgamento ou avaliação e, dessa forma, para que
ocorra, conforme Kinget (1977), é preciso que o terapeuta saiba
fazer abstração de seus próprios valores, sentimentos e
necessidades e que se abstenha de aplicar os critérios realistas,
objetivos e racionais que geralmente o guiam. “Isso significa tirar o
se ‘eu’ do caminho do cliente” (Freire, 2000, p.43).
 Compreensão empática: a qual está diretamente relacionada à
capacidade do terapeuta de se colocar verdadeiramente no lugar
do outro e de ver o mundo como ele vê (Rogers e Kinget, 1977).
Esta capacidade é uma premissa da Terapia Centrada no Cliente,
uma vez que ela busca, de acordo com Rogers (1983, p.39), captar
com “precisão os sentimentos e significados pessoais que o cliente
está vivendo, comunicando-lhe esta compreensão”.  O terapeuta,
por meio dela, capta o mundo particular do outro, como se fosse
esta pessoa, sentindo a mágoa ou prazer como ele os sente e
percebendo as causas disso como ele os percebes. Sem, entretanto,
perder a noção de que é “como se” (Rogers, 1995a, p.167), ou seja,
durante a relação, o terapeuta não pára de experienciar seus
próprios sentimentos, mas os deixa de lado e vai até o mundo do
cliente para compreender as percepções e os sentimentos do seu
ponto de vista. Retornando ao próprio Rogers, numa palestra
proferida por ele em 1964, como comentam os mesmos autores,
pode-se constatar, por meio de sua própria experiência, o que para
ele é compreensão empática:
… Pessoas que foram capazes de perceber o significado do que eu
dizia um pouco além do que eu era capaz de dizer. Essas pessoas
me ouviram sem julgar, diagnosticar, apreciar, avaliar. Apenas me
ouviram, esclareceram-me, responderam-me em todos os níveis em
que eu me comunicava. (apud Tambara e Freire, 1999, p.85).

1. Respostas reflexo
A atitude não-diretiva, além de estar implícita nas atitudes de
autenticidade ou congruência, consideração positiva incondicional e
compreensão empática, também aparece, na relação terapêutica, através
das “respostas-reflexo” (Rogers e Kinget, 1975, p.55) do terapeuta. Estas
respostas são formas verbais de se comunicar com o cliente e têm como
objetivo, como colocam Rogers e Kinget (1975, p.55), “participar da
experiência imediata do cliente”, englobando o pensamento e os
sentimentos desse, devolvendo-os de forma a clarear e facilitar a
apreensão da sua experiência e respeitando seu processo. Por isso, a
denominação “respostas-reflexo”.

Tambara e Freire (1999, p.128) comentam que esta forma de comunicação


verbal do terapeuta visa os seguintes objetivos:
• Facilitar o movimento de auto-exploração do cliente;
• Propiciar ao cliente o sentimento de que está sendo compreendido;
• Verificar se a compreensão do terapeuta está sendo verdadeiramente
empática; e
• Indicar ao cliente que o terapeuta está presente na relação.
Para isso, há três tipos de resposta-reflexo: a reiteração ou reflexo
simples, o reflexo de sentimento ou reflexo propriamente dito e a
elucidação.

 Reiteração: segundo Tambara e Freire (1999, p.128), “é uma forma


de comunicação na qual o terapeuta não acrescenta nenhum
elemento verbal novo ao que fora comunicado anteriormente pelo
cliente”. De acordo com Rogers e Kinget (1975), dirige-se ao
conteúdo estritamente manifesto da comunicação, sendo
geralmente breve e consistindo em resumir o que foi expresso
verbalmente pelo cliente ou em assinalar um elemento significativo
desse ou, então, em repetir as últimas palavras do cliente de modo
a facilitar a continuação da sua comunicação. Este tipo de resposta-
reflexo, cria uma atmosfera de acolhida e de compreensão que
ajuda a diminuir as barreiras defensivas do cliente e facilita para
que este sinta-se compreendido e acompanhado pelo terapeuta, ao
invés de observado, analisado ou julgado (Tambara e Freire, 1999).
É justamente por apresentar essas qualidades que essa intervenção
se mostra tão eficaz na ativação das forças de crescimento e na
estimulação da autonomia do cliente.

 Reflexo de sentimentos: O reflexo de sentimentos, por sua vez, é


a intervenção através da qual “o terapeuta comunica ao cliente os
sentimentos que ele percebe nas “entrelinhas” de suas palavras”
(Tambara e Freire, 1999, p.131), os sentimentos presentes e
vivenciados pelo cliente no aqui-agora da relação. Esse tipo de
resposta, facilita o processo da pessoa, uma vez que procura,
conforme Rogers e Kinget (1975), ampliar, diferenciar ou deslocar o
centro da percepção do cliente, evidenciando certos elementos que
pertencem inegavelmente à experiência do mesmo naquele
instante, mas que são “evitados” pela pessoa, devido esta, muitas
vezes, não estar conseguindo expressá-los. Aqui está uma das
conseqüências positivas do reflexo de sentimento. Quando o
terapeuta está realmente empático com o cliente e aceitando-o
incondicionalmente, no momento em que lhe verbaliza os
sentimentos captados de sua experiência, facilita o processo de
reconhecimento e aceitação deles pelo cliente. Suas atitudes,
fornecem um ambiente livre de ameaças, sem julgamentos e
questionamentos. Assim, reflete os sentimentos, aceitando-os e
respeitando o momento do cliente, facilitando igualmente, através
disso, que a pessoa se aproprie de seus sentimentos em nível de
self.

 Elucidação: a elucidação, visa, como colocam Rogers e Kinget


(1975), tornar evidente sentimentos e atitudes que não decorrem
diretamente das palavras do indivíduo, mas que podem ser – por
via lógica, sem a intervenção de conhecimentos especializados
psicodinâmicos – deduzidos da comunicação ou de seu contexto. É
a comunicação, por parte do terapeuta, de sua compreensão de
sentimentos e significados que ainda não foram apreendidos pelo
cliente. Ou seja, aquele faz referência a experiências que este ainda
não integrou no seu auto conceito, como comentam Tambara e
Freire (1999). Os últimos autores, também chamam a atenção para
o fato de que, apesar da elucidação conter elementos que ainda
não fazem parte da consciência do cliente, ela se origina de uma
compreensão empática do terapeuta em relação à vivência desse,
permanecendo centrada na experiência do cliente e não no
conhecimento técnico do terapeut

A reiteração e o reflexo de sentimento, por sua vez, num


primeiro momento, podem parecer simples demais, principalmente
para quem nunca experienciou uma relação não-diretiva. Porém,
como comentam Tambara e Freire (1999, p.132),
esta simplicidade é apenas aparente, pois a reiteração e o reflexo
de sentimento exigem muito do terapeuta: uma profunda
sensibilidade empática e uma aceitação incondicional do
movimento do cliente, que são atitudes muito difíceis de serem
vivenciadas na prática.
A base da reiteração e do reflexo de sentimento está no nível
afetivo do cliente, nada acrescentando ao nível cognitivo do sujeito.
Este aspecto “não-intelectual”, como coloca Hannoun (1980, p.88),
está presente não só nas intervenções verbais do terapeuta, como
também na totalidade de suas atitudes. Estas, segundo o mesmo
autor, são feitas do vivido, não do concebido, o terapeuta vive a
situação perante o outro, não a pensa. Aqui, está mais um dos
pontos cruciais da abordagem de Rogers: “é preciso viver, não
pensar” (Hannoun, 1980, p.89).

Rogers (1989, p.10), falando sobre sua abordagem, a expressa


de forma simples, mas profunda de significado e que traz em
si, mais uma vez, a noção de não-diretividade, diz: “Não é que
esta abordagem dê poder à pessoa, ela nunca o tira”.

Como expressa Brodley (1997, p.19) “a atitude não diretiva é


intrínseca e necessária para o verdadeiro trabalho centrado no
cliente”, não há como, frente às condições necessárias de
autenticidade ou congruência, consideração positiva
incondicional e compreensão empática, falar de uma atitude
diretiva perante o cliente

Porém, como Rogers (1989) chama a atenção, o verdadeiro


sucesso não está no eficiente uso do poder do terapeuta, mas
na facilitação da expressão do poder do cliente. E,
provavelmente, é aqui que reside a dificuldade de muitas
pessoas, para compreender o que Rogers pretendeu
desenvolver quando propôs a noção de não-diretividade.

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