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Resumo Abstract
Este trabalho apresenta uma leitura do romance This article presents an analysis on the novel
Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino, written by Italo Calvino If on a Winter’s Night a
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no qual o autor materializa textualmente a teoria Traveler, through which the author materializes the
literária. Interessa-nos, aqui, mostrar que, através de theory of literature. It is intended to demonstrate that
um hiper-romance, o processo de releitura crítica da the process of critical rereading of the narrative
tradição narrativa acontece envolvendo o autor e o tradition through a hyper-novel occurs involving the
leitor numa mistura de papéis que se situam entre o author and the reader, both in a mixture of roles situated
mundo da realidade e da ficção. Nesse processo, between reality and fiction. In this process the
questiona-se o romanesco, isto é, o imaginário do texto, novelistic style is questioned ie, the imaginary of the
buscando a essência através da descontinuidade text, in search of the essence through both narrative
narrativa e da multiplicidade do narrável. descontinuity and multiplicity of the narratable.
fragmento de um quebra cabeça (pois os títulos Nas próximas histórias a tensão existencial
formarão uma outra história) e desenvolvem a é projetada através da história, da política e da
paródia intertextual. São dez tipos de romances ação “Sem temer o vento e a vertigem” e uma
de autores imaginários que expressam estilos avalanche brutal se apodera de “Olha para baixo
diferentes. Um exercício mimético apresentando na espessura das sombras”.
textos que vão do pastiche do romance negro “Em uma rede de linhas entrelaçadas”
norte-americano ao modelo revolucionário da explode o sentimento insustentável de desejo e
história címbrica, à constante invenção, de tipo de angústia enquanto que “Em uma rede de linhas
borgeano, de espaços mistificatórios. O diálogo entrecruzadas” o estilo é lógico, geométrico.
instaurado com o leitor pode ser entendido como “Sobre o tapete das folhas iluminadas pela
uma antecipação do caráter paródico do leitor lua” descreve as sensações complexas das folhas
pós-moderno, tão envolvido na história a ponto do gingko caindo dos galhos “como chuva
de não querer nada mais que uma reorganização miúda” ou “asas suspensas em vôo no ar”. “Em
de histórias já lidas: um pastiche que é a paródia torno da fossa vazia” imita o realismo mágico de
de todos os títulos possíveis. Borges e é chamado pelo próprio Calvino de
Na primeira história “Se um viajante numa telúrico-primordial. “Que história aguarda, lá
noite de inverno” a realidade é exposta em embaixo, seu fim?” é um típico romance
névoas, cujo efeito ao mesmo tempo atrai e apocalíptico: “O mundo é tão complexo, tão
confunde o Leitor: “As luzes da estação e as emaranhado, tão sobrecarregado que para ver
frases que lês parecem incumidas da tarefa e um pouco claro é necessário podar, podar.” (p.
dissolver as coisas, mais que mostrá-las: tudo 297).
emerge de um véu de obscuridade e nevoeiro.” Os dez inícios de romances, que podem
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(CALVINO, 1982, p. 18). O narrador aqui é ser lidos independentemente como contos, se
claro quanto ao estilo do livro e as estratégias colocados os títulos uns a seguir dos outros,
usadas que ao mesmo tempo que tenta previnir formam uma longa frase sinuosa e ambígua: “Se
o Leitor deixa-o mais confuso. um viajante numa noite de inverno/ fora da
Em “Distanciando de Malbork” tenta-se povoação de Malbork/ debruçado na borda da
passar uma sensação mais concreta , objetos se costa escarpada/ sem temer o vento e a vertigem/
apresentam com características corpóreas e olha para baixo na espessura das sombras/ em
sensuais: “Tudo é concreto aqui, denso, definido uma rede de linhas entrelaçadas/ em uma rede
com uma competência segura - tal ao menos é de linhas entrecruzadas/ sobre o tapete das folhas
sua impressão, Leitor...”. O leitor é envolvido eliminadas pela lua/ em torno de uma fossa vazia/
em uma “sinfonia de odores, sabores e palavras” que história, lá embaixo, aguarda o fim?”.
até que o narrador interfere para alertá-lo: “...essa Em um texto que é escrito com o
sensação de presença concreta que propósito de desviar a leitura para um ordenado
experimentaste desde as primeiras linhas do texto divertimento, o autor deixa emergir uma série de
é também uma sensação de perda, a vertigem sinais que se interrompem e figuras simbólicas
de uma dissolução; e disso te dás conta no que desnudam o aspecto negativo do universo
momento em que o experimentaste, Leitor em crise. Portanto, Se um viajante numa noite
avisado (...)”. (id. ibdem, p. 65) de inverno apresenta um duplo aspecto: um
A terceira história “Debruçado na borda patente, literário, não apócrifo, sustentado por
da costa escarpada” apresenta-se em forma de uma narrativa estilística de relevo, e aquela que
diário e lembra a obra Palomar, revelando se constitui como uma grande alegoria do caos
introspecção, reflexão: “Há dias onde tudo que que abrange todo o real.
vejo me parece carregado de significação: são No processo de desleitura, podemos dizer
mensagens que eu teria dificuldade em que o autor mostra a interdependência entre vida
comunicar, em definir, traduzir em palavras, mas e livro. Para o autor, o texto nada mais é que um
por essa razão me parecem decisivas.” intertexto, um remeter contínuo a uma cadeia de
(p.65, ,66) fatos infinita. Calvino expressa o seu interesse
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No capítulo VI, em uma carta de Marana, preenchendo estes intervalos textuais, é que o
fala-se de um velho índio conhecido como “Pai processo de leitura se completará. A
das Histórias”, cego e analfabeto, que conta sem concretização do texto é individual pois depende
interrupção histórias passadas em países e do horizonte de expectativas que, por ser um
épocas completamente desconhecidos dele: “O sistema subjetivo de referências, varia de um
velho índio seria então, segundo alguns, a fonte leitor a outro. Os “não-ditos” fragmentam a
universal da matéria narrativa, o magma estrutura de significação do texto em segmentos
primordial de onde partem as manifestações que serão ordenados em grupos pelo leitor, que
individuais.” (p. 140) estabelecerá uma relação entre eles, segundo
Podemos dizer que a nova concepção da uma perspectiva própria.
literatura que enfatiza a leitura, no mundo O leitor opera a dinâmica do texto que
cibernético e lógico da contemporaneidade, assume vários significados dependendo do
retoma elementos míticos (como o velho índio) contexto, re-utiliza os códigos do repertório
inspirando uma fusão entre o processo de narrar extratextual e interpreta os dados internos da
e o conto maravilhoso, pois a literatura não deve produção textual. Quem fornece os limites de
se sentir prisioneira de uma máquina, sua tarefa interpretação é o co-texto (o texto em si mesmo,
consiste em justamente ultrapassar os limites da relacionados com as unidades sintáticas e
linguagem. Ela adquire sua função naquele vazio semânticas). O leitor pode ler o que quiser desde
da linguagem que se relaciona com o que o co-texto permita. A interpretação, portanto,
inconsciente, que fala nos sonhos, nos atos falhos, cobre os vazios contidos no espaço que se forma
nas associações. Nesse sentido, a literatura, entre a afirmação de um e a réplica do outro
livrando-se da obrigação de representar a ordem No romance de Italo Calvino as próprias
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existente, adquire a possibilidade de colocá-la interrupções das histórias formando elipses
em discussão. dentro do texto já possibilita as interpretações
Assim, podemos definir Italo Calvino do leitor quanto ao seu final. É a expectativa
como um escritor “leitor dos clássicos” e quanto ao que vem depois que marca a liberdade
preocupado com o “próximo milênio”, de imaginarmos a continuação da história. Outras
lembrando a evolução e o amadurecimento das vezes o narrador sugere a escolha ao leitor de
suas obras da primeira para a segunda fase. maneira mais explícita através do uso de
Significa a materialização da consciência do autor parênteses, de reticências ou de uma
quanto a sua tradição (os antepassados que interrogação:
marcaram sua obra) arriscando a aproximação
com o futuro através de um experimento, como Este bar (ou “restaurante da estação”,
foi feito com o romance Se um viajante numa como quiser chamá-lo) (p.19)
noite de inverno, que como uma redefinição de
No lugar do vidente índio que contava
texto, coloca em evidência o leitor, de forma a
todos os romances do mundo, te vês
valorizá-lo como categoria de interpretação e
diante de um romance-armadilha
enriquecimento da obra. preparado por um tradutor desleal,
com os inícios dos romances deixados
O Leitor e o Texto em suspenso... Como é deixado em
suspenso a revolta, já que os
Toda obra, segundo a estética da conjurados esperam em vão
recepção, deixa espaços vazios decorrentes da comunicar-se com sua ilustre
ambigüidade, do dialogismo, do discurso irônico, cúmplice, e o tempoplana imóvel sobre
da pluridiscursividade, enfim, de estratégias as costas lisas da Arábia. Será que tu
textuais as mais diversas que configuram as lês? Será que devaneias? Têm tanto
poder sobre ti as fabulações de um
estruturas de apelo do romance e orientam a
grafômano? Será que sonhas tu
presentificação da mensagem ficcional.
também com uma sultana petrolífera?
Entretanto, somente com a participação do leitor, [...] (p. 149)
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que parecia significar. As perspectivas dos oito modelo a imitar cada vez que ela quer
leitores são contraditórias, mas participam de acionar sua virtude especulativa.
uma única alegoria: a de um mundo vivido por (p.195)
meio da leitura.
Na verdade, o que se escreve neste Com o discurso na primeira pessoa, o
romance é o modo de escrever/ler. A atitude de narrador, que se define do sexo masculino e com
desvendar essa escritura acaba por refazer, aptidão para decisões práticas, relata fatos que
criticamente, a tradição narrativa: questionar o o levaram a atrair-se por elementos catóptricos
“romanesco”, isto é, o imaginário do texto. Esse que acabaram por influenciar a reconstrução de
“imaginoso mundo” confunde-se o tempo todo um projeto do “teatro polidíptico”, “no qual
com o material utilizado para levá-lo adiante: a sessenta espelhinhos forrando o interior de uma
palavra, a frase, o parágrafo, o capítulo, a grande caixa transformavam um ramo em uma
metáfora, o mito do eu autor, do narrador, a idéia floresta, um soldado de chumbo em um exército,
concretizada de leitor, etc (é uma confusão em biblioteca um caderno de notas” (p. 196)
crítica, auto-consciente). O narrador sugere Em meio a histórias o narrador confessa:
explicações incertas ao leitor que fica confuso e
É minha imagem que quero
impedido de orientar-se. Na verdade é o autor
multiplicar. Não por narcisismo ou
que conhece o raciocínio do seu leitor e o megalomania, como se poderia
manipula o tempo todo. Mas ele também é facilmente pensar: ao contrário, para
personagem dessa narrativa labiríntica e a esconder, no meio de todas estas
tentativa de fuga consiste em fazer uma viagem ilusórias duplicações de mim mesmo,
que o transporte ao “lugar da multiplicidade das o verdadeiro eu que as faz mover-se.
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coisas possíveis”, acumulando suposições sobre (p. 196)
suposições. Para Calvino, a experiência
verdadeira surge quando a certeza deixa espaço ...compreendi que apenas me
à incerteza. Quanto mais estes espaços se multiplicando, multipliacando minha
pessoa, minha presença, minhas
alargam mais aumenta o poder da experiência.
saídas e meus retornos, em suma,
Calvino procura estes espaços dentro das
multiplicando as ocasiões das ciladas,
interrupções, do não-finito, das contradições. O é que eu tornaria improvável minha
estilo do pensamento do autor não é dialético queda em mãos inimigas. (p. 198)
mas “antinômico”: a sua atenção se concentra
sempre numa relação de dependência e A narrativa, na verdade, articula-se de
condicionamento, numa interdependência entre forma a conduzir o protagonista e o leitor em um
termos opostos que se entrelaçam podendo jogo de espelhos produzindo labirintos. Após
revelar-se uma prisão, um labirinto inextricável. refletir sobre conceitos entre “falso” e
“verdadeiro” em várias situações e referir-se a
O Jogo de Espelhos história antiga dos espelhos o narrador
protagonista é preso em uma câmara catóptrica
O conto “Em uma rede de linhas que “remetiam ao infinito” sua imagem. A figura
entrecruzadas”, do escritor personagem Silas do espelho corresponde à reduplicação textual.
Flannery inicia com uma comparação entre a Calvino reaproveita a idéia do labirinto para
atividade de refletir e os espelhos, na qual um lubridiar o seu leitor que se vê inserido na
narrador masculino expressa a seguinte narrativa, onde as imagens e os acontecimentos
afirmação: se multiplicam, o leitor se perde no labirinto
construído pelo autor.
Daí, sem dúvida, a necessidade que
Na literatura o espelho pode simbolizar,
eu tenho de espelhos para pensar: não
posso me concentrar sem a ajuda das entre outras coisas, a multiplicação dos
imagens refletidas, como se minha significados ou sua inversão. Introduzido aqui de
alma tivesse necessidade de um forma simbólica mais ou menos no meio do livro,
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a citação do espelho serve para que o texto O romance que tenho mais vontade
aumente o efeito da parte tratada pelo capítulo de ler neste momento - explica ela - é
sétimo que, como o livro inteiro, se divide entre aquele que tirasse toda a sua força
uma parte do texto onde se fala do Leitor e a motriz da única vontade de contar, de
acumular história sobre história, sem
Leitora à procura do livro escrito e um trecho
pretender impor uma visão do mundo;
(ou capítulo) em que se mostram histórias
um romance que simplesmente
relacionadas com esta procura mas que, fizesse você assistir a seu próprio
aparentemente, pertencem sempre a livros crescimento, como uma planta, com
diferentes. De fato os livros procurados serão o seu intrincado de ramos de ramos e
de Italo Calvino (ou seja, o próprio Se um folhas... (p. 109)
viajante numa noite de inverno), o livro escrito
por Silas Flannery e sua tradução (ou falsificação) Ludmilla dá as costas à leitura acadêmica
pelo tradutor espião Ermes Marana. Este último, buscando a condição da leitura inocente, natural,
verdadeiro anti-herói do livro, defende posições primitiva, o prazer do texto. É ela que reflete
de vanguarda: como se ele representasse as sobre o papel do autor que “não se encarnam
posições de um crítico borgiano pós-moderno nunca em indivíduos de carne e osso, para ela
que sonha com uma literatura de apócrifos, uma só existem nas páginas publicadas, vivos ou
literatura de falsa atribuições, de imitações e mortos, lá estão, sempre prontos a se comunicar
pastiches. O objeto da luta travada por Marana com ela, seduzi-la, a maravilhá-la, e ela sempre
são os autores, mais especificamente, sua função. pronta a segui-los, com essa leveza volúvel que
O texto cria uma ilusão de verossimilhança se tem nas pessoas incorpóreas” (p. 191) É
no leitor real que parece fazer parte da narrativa. através dela que se dá o questionamento da
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A preocupação com o leitor ideal é sobretudo relação entre autor e leitor, pois ela é a leitora
sensível na forma como se constitui a que busca e reflete sobre o prazer da leitura,
personagem da leitora, aquela que melhor objetivo que o texto também procura expressar.
corresponde às qualidades de penetração, de
empatia com, de capacidade para a reescrever. Conclusão: A multiplicidade potencial do
Mas a leitora tem quase sempre o estatuto de narrável e a essência do Romanesco
personagem na terceira pessoa, só
episódicamente o Eu-narrador lhe dirá tu. Foi Em Seis propostas para o próximo
íntima namorada do tradutor falsário, o inventivo milênio, Calvino confessa que sempre teve a
Marana, cujas manobras e inverossímeis viagens ambição de representar a multiplicidade das
se entrelaçam na corrente das narrações. relações, em ato e potencialidade, pois o grande
Conhece Silas Flannery e parece ser a mulher desafio para a literatura “é o de saber tecer em
que lê na espreguiçadeira do vale, a leitora conjunto os diversos saberes e os diversos
desejada, a que deveria fazer não só uma leitura códigos numa visão pluralística e
projetiva (em que se lê a si mesma no texto) mas multifacetada”.(1990)
uma leitura total, com o entendimento profundo O conhecimento como multiplicidade é o
e perfeito do autor e da sua solidão repartida fio que ata as obras maiores, tanto que se vem
em palavras. Tem ela, por tudo isso direito a um chamando de modernismo quanto do que se vem
nome: Ludmilla. Diz por vezes o que Calvino chamando de pós-modernismo, um fio que - para
pensa e deseja como romance diferente: além de todos os rótulos - segundo o autor,
gostaria de ver desenrolando-se ao longo do
Porém eu gostaria de que as coisas milênio: “Os livros modernos que mais admiramos
que leio não estivessem todas aí, nascem da confluência e do entrechoque de uma
maciças a ponto de as poder tocar, multiplicidade de métodos interpretativos,
mas que se sentisse à volta a presença
maneiras de pensar, estilos de expressão” (id.
de uma outra coisa que ainda não se
ibdem, p.131)
sabe o que é, o sinal não sei de que.
(p. 56) Defendendo um ideal estético que visa a
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A Essência do Romanesco - A Materialização Textual da Teoria Literária na Obra Se um viajante numa noite de inverno, de Ítalo Calvino
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ainda está por vir, é um desejo, um sonho, uma um mundo fantástico, o que antes, em algumas
fantasia ou uma lembrança recalcada que espera de suas obras, criava alguns problemas de
encontrar espaço no mundo da ficção, afinal a verossimilhança. Nesse sentido, a agilidade do
ficção se situa num espaço entre nossa vida real autor sempre se fez presente em relação à
e nossos desejos e fantasias. narrativa que questiona a própria existência
Italo Calvino não só questiona o próprio incluindo a função do próprio autor.
texto enquanto artefato, mostrando uma Parece que o que resta de objetivo, de
consciente eficiência na maneira de escrever (ou não ficcional é apenas o caráter material da
narrar), mas também desnuda uma teoria da escrita fixado pela marca da tinta que “corre e
literatura riquíssima, resultado de uma intensa corre e floresce e envolve um último cacho
atividade de leitura de toda uma vida. Frente ao insensato de palavras idéias sonhos e acaba”
mundo capitalista o mundo da ficção funciona (CALVINO, 1991, p. 254), pois todo o resto
como um espelho mágico que refaz a realidade se torna mutável, transitório, parte de um
de maneira menos explícita. É nela que os autores imaginário que remete ao contexto das
materializam suas angústias ou “obssessões”. interpretações.
Concluímos que através da multiplicidade
do narrável a atitude por questionar o romanesco, Referências Bibliográficas
ou seja, o imaginário do texto, se deu de forma
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1980.
a parodiar o cenário literário que ganhou outra Roland.
interpretação, uma versão própria do autor que, BORGES, Jorge Luis. O aleph. Trad. de Flávio J.
através da descontinuidade narrativa, chama a Cardoso. Porto Alegre: Globo, 1982.
atenção do leitor para as questões literárias, pois _______. Ficções. Trad. Carlos Nejar. São Paulo:
o leitor é induzido a refletir. Circulo do Livro, 1995.
CALVINO, Italo. Se um viajante numa noite de
A multiplicidade nada mais é que um inverno. Trad. de Margarida Salomão. Rio de Janeiro:
disfarce, uma máscara que representa uma única Nova Fronteira, 1982.
essência: a vida. Por isso, o romance oferece _______. O barão nas árvores. Trad. Nilson Moulin.
dois caminhos ao leitor, como na vida: o que há São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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Notas
1
“Escreve-se para tentar preservar um pedaço do
universo - não maior do que a página que se escreve -
da degradação geral. Mas nesse momento é tão diícil
dizer para onde vai a literatura quanto dizer para onde
vai o mundo...”. Pier Paolo Pasolini. Empirismo eretico.
Milano: Garzanti, 1981, p. 36.
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