DH – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
VITÓRIA DA CONQUISTA – BA
FEVEREIRO – 2006
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AGRADECIMENTOS
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DEDICATÓRIA
Dedico essa monografia a minha esposa Bela e aos meus filhos Ian Caio, Rebecca e
Iasmin, por terem compreendido a minha ausência do convívio familiar por motivo de
estudo e trabalho, temendo por minha vida na estrada, diariamente, nos seis anos que me
desloquei de Itapetinga para Vitória da Conquista. Muito obrigado.
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RESUMO
Palavras-chave:
Crise política - Modo de Produção – Formação Social – Coronelismo – Classes – Bloco
Ideológico – Região – Micro-Região Agro-Pastoril – Discurso Lacunar – Sindicalismo –
Conflito – Hegemonia – História Social – Idéias Políticas.
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SUMÁRIO
Pág.
APRESENTAÇÃO......................................................................................07
JUSTIFICATIVA.........................................................................................09
1.0. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICO-CONCEITUAIS....................09
1.1. METODOLOGIA DA PESQUISA......................................................09
1.1.1. MÉTODO DE ABORDAGEM.........................................................09
1.1.2. CATEGORIAS TEÓRICAS.............................................................10
1.1.3. MÉTODO DE INVESTIGAÇÃO: FONTES DE INFORMAÇÃO
E PROCEDIMENTOS................................................................................13
1.1.3.1. FONTES SECUNDÁRIAS............................................................13
1.1.3.2. FONTES PRIMÁRIAS..................................................................13
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3.2. A SOCIEDADE BENEFICENTE DOS ARTÍFICES E OPERÁRIOS..27
4.0. IDÉIAS E PRÁTICAS POLÍTICAS EM ITAPETINGA.................32
4.1. ANÁLISE DA PESQUISA MONOGRÁFICA: ORGANIZAÇÕES SO-
CIAIS, IDÉIAS E PRÁTICAS POLÍTICAS.................................................32
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APRESENTAÇÃO
No aspecto teórico, este estudo insere-se no debate sobre a crise do Estado Populista
e das idéias políticas que gravitaram em seu entorno, nas décadas de 40 e 50 do século XX.
Estudar a diversidade de idéias e suas manifestações, mesmo que num processo circunscrito
a um período que já dista mais de meio século, é de vital importância para a compreensão
do desenvolvimento do pensamento político no Brasil e de suas relações com as forças
sociais em atividade e interação nesse período.
As ideologias que nortearam os conflitos políticos no Brasil antes e após a
Revolução de 1930, aparentemente superadas pelos fatos históricos de envergadura, na
verdade, estiveram latentes e pouco à vista, até mesmo como estratégia de sobrevivência
dos grupos sociais que as carregavam. Essas ideologias são o sustentáculo dos grupos que
permeiam a estrutura econômica da sociedade e lhes confere a legitimidade da luta pelo
poder político.
Analisando as idéias políticas que foram introduzidas no Brasil, seja no seu
processo histórico endógeno, seja por influência de imigrantes, como no caso do
coronelismo e no das ideologias de esquerda, podemos compreender como os grupos
econômicos, ao planejarem e executarem um modelo de sociedade, utiliza-se da prática
política e escamoteia a idéia que direciona essa prática. A construção de um espaço
geográfico, a partir de todo um processo de expropriação violenta e predatório do espaço
natural, obedecendo uma lógica de re-ordenamento do modo de produção capitalista na
macro-região da Bahia, implicou na montagem de um projeto de espaço, economia, cultura,
sociedade e poder, no qual a participação dos setores populares nas decisões e
encaminhamentos estaria vetada, precisava de uma estratégia inteligente.
As relações sociais são produzidas, adotando-se a tática da coexistência pacífica, da
cooptação política e na utilização dos espaços sociais subalternos como apoio e
sustentação. Ao mesmo tempo, aspectos políticos que reproduzem o autoritarismo
coronelista, a cultura da perseguição e do apadrinhamento conduz à formação dos currais
eleitorais e do voto de cabresto. Permanências de um tempo considerado superado.
Espera-se, assim que este trabalho, limitado por inúmeros aspectos, possa constituir-
se uma modesta contribuição para o estudo das relações políticas e de poder na história.
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JUSTIFICATIVA
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1.0. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICO-CONCEITUAIS
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O caminho a ser percorrido, metodologicamente será pautado pelas categorias do
materialismo dialético, destacando-se a contradição (luta e unidade dos contrários) como
elemento necessário à análise das crises políticas, dos antagonismos sociais e de suas
veladas alianças visando a estabilidade e a governabilidade. Evidentemente que, em se
tratando de abordar a origem de uma entidade social, de caráter popular e artesão, com
denominação operária, estaremos caminhando, também, nos trilhos da História Social e da
História Política, com a instrumentação teórica forjada a partir da Escola dos Annales.
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Produção específico (MPC), obedecendo a lógica de re-acomodação, consolidação e
expansão do sistema, trata-se, agora, de perceber na Formação Social se os agrupamentos
humanos se constituíram em classes com interesses distintos e divergentes e quais as idéias
político-ideológicas permearam suas práticas e discursos. O surgimento da Sociedade
Beneficente dos Artífices e Operários de Itapetinga aponta a presença de uma autêntica
classe operária em Itapetinga, na década de 1940?
Estudemos a categoria classe social. Para Marta Harnecker, Marx não formulou um
conceito fechado, definitivo sobre o tema, mas arriscou formular que seriam grupos sociais
antagônicos em que um se apropria do trabalho do outro por causa do lugar diferente que
ocupam na estrutura econômica de um Modo de Produção determinado´. Essa conceituação
emana, fundamentalmente do pressuposto econômico e coloca as classes sociais como
realidades estruturadas, a posteriori, pelas relações econômicas.
Buscando uma definição mais elaborada, numa visão mais estruturalista, Georges
Gurvitch entende as classes sociais como “ agrupamentos particulares de fato e à distância,
caracterizados por sua supra-funcionalidade, a sua tendência para uma estruturação
elaborada, sua resistência à penetração pela sociedade global e sua incompatibilidade
radical com as outras classes”. Ou seja, Gurvitch apreende classe enquanto estrutura que se
particulariza e possui hierarquização interior.
Segundo Thompson, “classe é um fenômeno histórico, que unifica uma série de
acontecimentos díspares, aparentemente desconexos, tanto na matéria-prima da
consciência, como na experiência”. Para ele “classe evoca uma relação histórica não-
estática, que impede a imobilização da categoria para eventuais análises, uma vez que não
pode ser decomposta. O exame das classes sociais só se torna possível em períodos de
efervescência política, de mudanças sociais”. (...) “ A classe se define pelos homens
enquanto vivem sua própria história”.
Poulantzas busca uma aproximação do conceito de classes sociais a partir do estudo
de alguns textos do próprio Marx, acentuando o aspecto político na sua definição. A classe
operária somente se torna classe para si, enquanto partido político organizado e ativo na
luta pela conquista do poder.
Outra categoria que se apresenta para análise do contexto físico em que se
processou a história dos grupos sociais e de suas respectivas idéias políticas, é a de região.
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Estamos esboçando trabalhos monográficos que se inserem, no quadro da produção
acadêmica do sudoeste da Bahia como História Regional. À medida em que esse trabalho
expande seu leque de objetos cada vez mais cheio de especificidades, o horizonte da
história se amplia, abrindo espaços nunca dantes sonhados para a realização de pesquisas
que, pouco a pouco, vão preenchendo espaços vazios, silêncios. O historiador ou estudante
de história passa a reconhecer no vocábulo regional, o chão de sua reflexão, a demarcação
geográfica do espaço, mais que físico, cultural, econômico, político, ecológico e, sobretudo,
social de seu trabalho.
O conceito de região vai ganhando uma nova dimensão, a partir da contribuição dos
adeptos da geografia crítica, que negam categoricamente as premissas do determinismo
geográfico no processo de formação e consolidação das sociedades, afirmando a
importância da ação humana na transformação do espaço. Entenda-se até aqui, região como
espaço tanto físico como de múltiplas relações. Região, enquanto demarcação espacial das
relações, não é uma realidade a priori, um mero dado objetivo, mas algo que se objetiva
com abstrações construídas no seio das contradições da sociedade, a partir dos interesses
das classes ou grupos sociais dominantes, sempre numa perspectiva da lógica da
acumula~]ao do capital. De uma trajetória particularizada, até sua incorporação sistêmica
na Divisão Nacional do Trabalho, a região se impõe como parte vital e dinâmica num todo
articulado que, no decurso histórico, solicita e absorve ações governamentais voltadas para
a sua consolidação. O Modo de Produção, mesmo sofrendo alterações significativas no
direcionamento das prioridades para a aceleração da acumulação capitalista em outros
pontos regionais mais centrais, não abandona a complementariedade das regiões periféricas
tradicionais em construção. Itapetinga se insere nessa lógica, quando da montagem de sua
micro-região pastoril, nas décadas iniciais do século passado.
Outra categoria a ser abordada é a de Formação Social. Para os marxistas, trata-se
de uma formulação que indica a existência real de uma sociedade historicamente
determinada, num momento específico, sendo uma unidade complexa na qual domina um
certo modo de produção, mesmo que esta possua restos de antigos modos de produção,
formas embrionárias de novos modos, bem como as relações sociais e idéias que lhes
pertencem. Para estudarmos uma formação social, devemos dirigir nossa atenção para ao
forma como se produzem os bens materiais, quais as relações de produção que ocorrem,
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qual destas relações é a dominante, que efeitos produzem nos níveis político, ideológico e
jurídico.
Ao estudarmos as idéias que predominaram em Itapetinga nas décadas de 40 e 50,
precisamos levar em conta a categoria Formação Social, em busca de uma possível
identificação de elementos mentais oriundos de um período histórico anterior, em que
predominavam relações pré-capitalistas de produção e a política se assentava no
mandonismo autoritário do coronelismo imperial e da República Velha.
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2.0. CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL HISTÓRICO: DINÃMICA DO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DA MICRO-REGIÃO PASTORIL DE ITAPETINGA
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aparentemente de pouca ou nenhuma diferenciação, em duas décadas começam a se
delinear.
Alguns fatos históricos indicam uma forte mobilização social, suscitando a
necessidade de uma reflexão sobre as forças que se constituem antagônicas no jogo do
poder político local, mesmo que um tanto quanto dissimulado. Trata-se das fundações de
entidades como a ACI (Associação Cultural Itapetinguense), na década de 1930 e, quase
uma década depois, da SBAOI (Sociedade Beneficente dos Artífices e Operários de
Itapetinga).
A dinâmica social, pouco percebida pela população local, vai imprimindo um ritmo
mais acelerado ao desenvolvimento da Vila e da sociedade. As transformações físicas e
populacionais vão determinar uma maior estratificação social e a economia, inicialmente
assentada na criação local e comercialização do gado com outras regiões, propicia o
surgimento de atividades ligadas ao fabrico de subprodutos do leite e do couro. A demanda
por habitações atrai trabalhadores da construção civil (pedreiros), bem como carpinteiros,
serralheiros e pintores. O comércio se abastece de produtos vindos de Salvador e outras
regiões da Bahia.
A sociedade, agora socialmente mais complexa, constituída por categorias sociais
diferenciadas nas posses e nos interesses, necessitava de um controle mais efetivo, menos
distante daquele emanado pelo governo de Itambé, localizado a 60 km. Nesse contexto, os
representantes maiores dos proprietários rurais, denominados “coronéis”, mesmo após a
queda da República Velha, encaminham a fundação de uma Associação Cultural. A partir
daí, essa instituição esteve à frente de todas as ações voltadas para o controle social e a
consolidação do poder político do grupo que a constituiu. O primeiro sistema de
comunicação, biblioteca, cursos, a luta pela emancipação do município, a primeira sessão
da Câmara. A ação cultural, diga-se, ideológica e política construiu as condições, na
opinião pública, para garantir a conquista e manutenção do poder político para os
pecuaristas de Itapetinga.
A vocação econômica da Vila de Itatinga, a bem da verdade, correspondeu a uma
necessidade exógena, do sistema capitalista periférico, no Estado da Bahia,
descentralizando a pecuária extensiva de Feira de Santana, através do incentivo a abertura
de novas áreas criatórias. Procurava-se espaços em que houvessem grandes áreas
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disponíveis para o desmatamento imediato, com vistas ao plantio de gramíneas e Abertura
de pastos para o gado bovino. A atividade demandava quantias altas para o investimento na
aquisição dos rebanhos e, de resto, a infra-estrutura natural minimizaria os custos.
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Em seguida, observa-se uma tendência ao fortalecimento do poder central
metropolitano, que procura restringir a influência da nobreza rural da colônia, expressa nas
Câmaras Municipais. No século XVIII, período em que o sistema colonial está sendo
contestado pela intelectualidade iluminista, a partir na fase de Mineração do Brasil, os
cargos dirigentes serão diretamente exercidos por mandatários metropolitanos,
independentemente das Câmaras Municipais aqui existentes. A afirmação do poder
metropolitano tinha em vista o enfraquecimento das elites coloniais e o esvaziamento no
sentimento autonomista. A Guerra dos Emboabas foi um momento que caracterizou a
postura da Coroa, frente aos conflitos e interesses existentes entre os colonos nativos e
estrangeiros.
Somente após o 7 de Abril, com a abdicação de D. pedro I, nota-se que a
Aristocracia agrária se apossa, efetivamente, do poder no Brasil. No período Regencial, o
Ato Adicional promove uma tentativa de descentralização e a criação da Guarda Nacional é
um marco na instituição do Coronelismo quando, em virtude das dificuldades de defesa e
aplicação da justiça em todo o país, se delega aos chefes políticos locais essa tarefa,
concedendo-lhes o título de coronéis. Ainda nesse momento, percebe-se uma oposição das
Assembléias Estaduais para a concessão de maior autonomia para os municípios.
Na República Velha, as coisas não evoluem muito. Mas, justamente nesse período, a
força política do coronelismo emerge, em meio às revoltas messiânicas, ao Cangaço e à
resistência das oligarquias locais em serem substituídas. Nesse período da história do
Brasil, pode-se ver uma relação estreita e simbiótica do poder central e regional com as
localidades dominadas pelas oligarquias e pelos coronéis. Na verdade, a Política dos
Governadores, sustentada pelo Coronelismo, dava sustentação, no plano nacional, à Política
do Café-com-Leite.
A Revolução de 1930 coloca no poder central, as forças industriais que haviam se
desenvolvido no período da República Oligárquica, à revelia desta, evidentemente. Getúlio
Vargas personifica as classes dominantes e intermediárias que desejam a modernidade do
país, nem que isto seja feito a força. O incentivo à industrialização, a proteção da indústria
nacional e controle estatal de setores estratégicos da economia brasileira são iniciativas do
governo de Getúlio Vargas em todas as suas fases. Nesse momento, desmontar a máquina
da República Velha é prioridade nacional. Os interventores nomeados por Vargas nos
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Estados da federação tratam de se impor e, aos poucos, os coronéis vão perdendo o antigo
excesso de poder.
Em diversos momentos da história do Brasil, vemos o controle do voto, em
benefício das oligarquias locais e regionais, que convivem harmoniosamente, contra todo o
risco de oposição e de possibilidade de arrebatamento do poder. Na República Velha, o
“voto de cabresto” era uma prática comum, adotada pelos coronéis, principalmente no
sertão nordestino. Ainda hoje, a força econômica, oriunda da posse da terra, ao conceder
espaço para trabalho, favores ocasionais às famílias de camponeses sem terra, resultam na
cobrança de fidelidade eleitoral, nos moldes do clássico coronelismo.
Para a compreensão de certos fenômenos políticos deslocados no tempo, como os
que acontecem na Bahia, no Maranhão, em Pernambuco e em outros Estados menos
desenvolvidos da Federação, onde os índices de analfabetismo, desemprego e pobreza são a
regra. Importante destacar que, o grande inibidor histórico do coronelismo revelou ser,
justamente, a cura dos males sociais citados; a saber: a educação e conscientização do
cidadão, a atividade econômica que lhe tire da dependência de outrem, enfim, a
modernização.
A construção do espaço micro-regional agro-pastorial de Itapetinga realizou-se nos
marcos do declínio da República Velha, sendo os pioneiros desse processo, identificados
com o título e as práticas mandonistas, concedidos pelo papel econômico que
representavam, como grandes latifundiários. Os fatores inibidores dessas práticas, citadas
anteriormente, não são, de forma alguma, perseguidos como metas pelos donos do poder
econômico local e, posteriormente, donos da política. Suas idéias políticas caminham na
direção da subordinação subserviente da população em formação na conciliação forjada
pela concessão de benefícios menores ou pela perseguição política aberta aos indóceis.
A cidade alcança a maturidade política, emancipando-se de Itambé, durante o
governo de Régis Pacheco (1951-1955). É o período em que a efervescência política, no
plano nacional, se dá sob a batuta do Populismo e os novos partidos aglutinam setores
sociais específicos, guiados pelas ideologias em conflito no plano internacional. O governo
de Régis Pacheco é marcado por investimentos em infra-estrutura no Estado e pelo
incentivo às atividades econômicas.
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No período anterior, os resquícios de autoritarismo da República Velha se fazem
perpetuar após a Revolução de 1930, com a política de intervenção da Era Vargas, tanto das
fases provisória e constitucional, quanto da fase do Estado Novo. Entretanto, no período
dominado por Getúlio Vargas, diferentemente do que ocorria na República Oligárquica, os
trabalhadores se tornam o centro das atenções e das políticas governamentais e um espírito
corporativo, um senso de organização classista e setorial passa a grassar na sociedade
brasileira, atingindo, de forma confusa, o interior.
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A Tarifa Alves Branco, no Segundo Reinado, sob o pretexto de incentivo e proteção
às nossas indústrias, na verdade, sobre-taxou os produtos importados, como medida de
melhoramento do tesouro do Império, em grande dificuldade financeira. Até mesmo o surto
industrializante da Era Mauá não lançou raízes mais profundas, frustrando as espectativas
de uma parcela da população que desejava a modernização de nossa economia.
O declínio da atividade agrícola no Brasil, encontra um grande vácuo, até o início
da industrialização, o que provoca conseqüências muito negativas, dado a ausência de uma
mão-de-obra especializada para a indústria que só tardiamente chegará.
Outra grande dificuldade para a industrialização do Brasil foi a ausência, no século
XIX, de fontes de energia modernas, como o carvão mineral. As jazidas eram escassas, de
baixo teor calorífico e de difícil acesso, além de distante dos grandes centros urbanos,
potencialmente industrializáveis. Além disso, o país carecia de uma ativa siderurgia, apesar
de termos em nosso território, matérias-primas em abundância, como o ferro. Agrega-se a
tantas dificuldades para a industrialização, a extensão territorial do país, com sua precária
rede de transportes e comunicação, além de um deficiente mercado consumidor, resultante
da manutenção, por muito tempo, do escravismo.
Somente em fins do século XIX, os fatores favoráveis à industrialização do Brasil
se farão notar, com a produção de algodão em larga escala, como matéria-prima das
indústrias têxteis e a disponibilização de mão-de-obra livre e barata, em razão da absorção
do trabalho dos ex-escravos pela lavoura monocultora. No dizer de Caio Prado Júnior:
“São estas as circunstâncias principais que condicionarão o desenvolvimento
de uma pequena indústria, sobretudo têxtil, na segunda metade do século passado.
Ela terá um caráter local limitado a pequenos mercados de curto rais(...) O número
de estabelecimentos industriais, de pouco mais de 200, em 1881, ascende para mais
de 600. O capital invertido sobe então a 400.000 contos (cerca de 20 milhões de li-
brás), sendo 60% na indústria têxtil, 15% na de alimentação, 10% na de produtos
químicos e análogos, 4% na indústria de madeira, 3% na de vestuário e objetos de
toucador, 3% na metalurgia. (...) Em, 1907 realiza-se o primeiro censo geral e com-
pleto das indústrias brasileiras. Serão encontrados 3.258 estabelecimentos industri-
ais com 665.663$000 de capital, e empregando 150.841 operários”.
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desenvolvimento da lavoura cafeeira, a concentração de capitais e o grande contingente
populacional. A imigração vai contribuir com a habilitação técnica do trabalhador europeu,
muito superior ao nacional, recém saído da escravidão. Ademais, o recente aproveitamento
da energia elétrica.
A indústria de maior significação é a têxtil, caracterizada pela concentração. Os
demais ramos fabris estão dispersos e com poucos investimentos de capitais.
A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) será outro grande fator de expansão e
consolidação industrial, principalmente pelo reforço das exportações para as nações
beligerantes. No primeiro censo realizado após a Guerra, em 1920, os estabelecimentos
industriais somarão 13.336, com 1.815.156 contos de capital e 275.512 operários. O caráter
da indústria, entretanto, permanece inalterado. A mudança fica por conta da passagem da
indústria de alimentos para primeiro lugar, em função da introdução da técnica de
congelamento de carnes.
No período da Guerra e no pós-Guerra, o crescimento industrial brasileiro se
processa de forma intensa, tanto pelo afluxo de capitais oriundos das exportações, como
das políticas cambiais. A partir de 1924, até 1930, a indústria brasileira sofre um
decréscimo. Os produtos importados invadem o país, retraindo a produção nacional. Grande
número de empresas fecha. A indústria nacional somente ganhará novo impulso a partir da
Era Vargas, entre 1930-45 e 1950-54, com o estabelecimento de uma grande indústria de
base e o controle estatal de importantes setores da economia.
O operariado brasileiro surge com a indústria. De caráter heterogêneo, as massas
camponesas, oriundas das plantações de café, somente aos poucos vão se incorporando às
indústrias urbanas. De forma mais imediata, a mão-de-obra imigrante em maior número e a
nacional livre, em menor escala, constitui o operariado inicial do Brasil. A origem da classe
operária brasileira, remonta aos fins do século XIX e se vincula ao processo de
transformação de nossa economia.
As primeiras formas de organização da classe operária nacional foram as
Sociedades de Socorro e Auxílio Mútuo (beneficentes), que objetivavam ajudar
materialmente os operários nos momentos mais difíceis, como nas greves ou em épocas de
dificuldades econômicas. Essas associações mutualistas tinham caráter economicista e, de
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certa forma, filantrópica, uma vez que existiam fundamentadas na solidariedade de classe,
sem possuir qualquer programa político.
A corrente de pensamento socialista atuou no seio da classe operária brasileira
pouco antes do predomínio do anarquismo. Esse movimento socialista, reflexo do
socialismo europeu, foi introduzido por imigrantes de origem européia, nas últimas décadas
do século XIX. A fase inicial do movimento operário no Brasil, foi virtualmente dominada
por um movimento socialista de caráter reformista, onde se misturavam idéias
proudhonianas (anarquistas), saint-simoniana, cristãs e marxistas. O destaque dado, na
história do anarquismo, dá-se pela radicalidade de suas idéias e propostas que ameaçavam
mais de perto as classes dominantes e que resultaram em legislações mais repressivas.
Quando a ideologia socialista chega ao Brasil, a classe operária mal havia surgido. É em
1890 q ue irão surgir os três primeiros partidos operários: o Partido Operário do RS, o
Partido Operário de São Paulo e o Partido Operário ou Partido Socialista Brasileiro, no Rio
de Janeiro. Tratavam-se de partidos reformistas, baseados em uma plataforma mais de
classe média, do que do operariado. Suas propostas visavam diminuir os conflitos entre o
Capital e o Trabalho e a melhoria das condições de vida das classes média e operária. É no
decorrer da década de 90 que as modernas teorias socialistas européias começam a
influenciar. É a partir da fundação do segundo Partido Socialista Brasileiro que este deixa
clara a sua condição de seguidor das doutrinas marxistas. Defende a luta econômica da
classe operária através da greve e a luta eleitoral, além de propor, em seu programa, a
socialização da assistência médica, eletricidade, água e educação. Recomendava a leitura
das principais obras de Marx e Engels. A tentativa do PSB de espalhar suas influências
pelos demais Estados frutificou em São Paulo, onde surgiu o Centro Socialista
Internacional, que tinha como interesse central, organização de cooperativas, ligas de
resistência, greves e outras formas de organização da classe trabalhadora. A intenção de
formação de um grande partido é frustrada pelos anarquistas que, em 1906, no 1º
Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro, derrota essa proposta.
O Anarquismo no Brasil, chega também com os imigrantes europeus. Por volta de
1890, o sul do país assistiria a uma fracassada experiência de comunidade anarquista, a
Colônia Cecília, fundada por Giovanni Rossi e imigrantes italianos, em terras doadas por D.
Pedro II, exclusivamente para uma experiência comunitária. Em fins do século XIUX e
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início do século XX, a influência anarquista no movimento operário passou a ser crescente.
A greve de 1917 foi, em grande parte, comandada pelos anarquistas. O movimento
anarquista somente admitia a greve como forma de organização das lutas operárias.
Desfavoráveis a qualquer tipo de organização e controle, os anarquistas atuavam junto aos
operários brasileiros exercendo uma influência mais qualitativa do que quantitativa.
Extremamente combativos e radicais, causavam uma comoção junto aos industriais, que
solicitavam ao Estado uma ação repressiva mais eficiente.
Os anarco-sindicalistas que atuavam no movimento operário, negavam a importância da
luta política, privilegiando, exclusivamente, a luta dentro das fábricas, através do que eles
chamavam de ação direta. Repudiavam a necessidade da constituição de um partido político
para a classe operária e via nos sindicatos o modelo de organização para a sociedade
anarquista. Os grandes levantes grevistas de 1917 a 1920, mostraram a força da ação
anarco-sindicalista no Brasil. As limitações do movimento anarco-sindicalista se refletiam
em suas reivindicações exclusivamente econômicas, negando a luta política e não exigindo
do Estado uma legislação trabalhista, porque os anarquistas eram contra as leis do Estado.
Não admitiam a existência de um partido político para a classe operária, nem a aliança
desta com outros setores subalternos da sociedade, o que isolava o operariado, tornando-o
presa fácil do Estado e da repressão policial. Além desses fatores, que demonstravam a
incapacidade teórica, ideológica e política da direção anarquista na condução das greves
desse período, a vitória, no plano mundial, das idéias socialistas marxistas na Revolução
Russa, enfraqueceram, de forma abrupta o anarco-sindicalismo e o movimento anarquista
no Brasil.
A influência dos comunistas no movimento operário torna-se crescente, após a
fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922. No início, a preocupação dos
membros do PCB era estudar o marxismo-leninismo, formar quadros e formular uma linha
política para dirigir o processo da revolução brasileira. Atuantes no movimento sindical,
onde predominavam os anarco-sindicalistas, os comunistas criaram a Federação Regional
do Rio de Janeiro em 1929 e realizaram o Congresso Sindical Nacional, com representantes
de sindicatos de todo o país, de onde se originou a Confederação Geral dos Trabalhadores
do Brasil, congregando sindicalistas de influência comunista. Por influência dos comunistas
foi fundado o Bloco Operário e Camponês e, na década de 30, a Aliança Nacional
24
Libertadora (ANL). A atuação dos comunistas se dá num âmbito social mais geral, em
virtude de ter o Estado pós-Revolução de 1930, incorporado a sindicalismo dentro de sua
influência e estrutura oficial, via Ministério do Trabalho.
25
3.0. CAPÍTULO 2 –
GÊNESE E PAPEL DA SOCIEDADE BENEFICENTE DOS ARTIFICES E
OPERÁRIOS DE ITAPETINGA NO PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA
MICRO-REGIÃO.
26
de Itatinga, trazia consigo, várias formas de ver a comunidade, a política e o poder. A
ambientação política da Vila, na década de 1930 é a do domínio de Getúlio Vargas e sua
prática intervencionista autoritária, desestruturante dos fundamentos da República
Oligárquica. Isso não significa que os detentores do poder econômico local, dominantes na
esfera política, mesmo que sem o arcabouço institucional desta, comunguem com o projeto
getulista. Pelo contrário; aparentemente, o grande interior do país, incluindo-se a região de
Itatinga, é o palco da resistência renitente do coronelismo tradicional. Protegidos pelas
dificuldades de acesso e pela grande dimensão territorial, alimentados pelo receio de perder
o controle patrimonial e político, os latifundiários buscam encontrar formas de não-
enfrentamento direto com seus oponentes e não chamar a atenção repressiva de instâncias
estaduais e nacionais.
Segundo depoimentos, muitos profissionais liberais trouxeram consigo, idéias que
rompiam com os silêncios políticos próprios de áreas isoladas, colocando em discussão, os
fatos e decisões em vigor no plano nacional. O levante comunista de 1935 e o
anticomunismo institucional que se seguiu, o golpe do Estado Novo, a Segunda Guerra
Mundial, tudo era razão de discussões nas praças, bares , vendas e rodas de amigos. O fim
do Estado Novo, a redemocratização, a Constituinte, o banimento do Partido Comunista, o
governo Dutra, entre outros fatos e acontecimentos, encontram a Vila de Itatinga e sua
comunidade em plena campanha pela autonomia político-administrativa.
Alguns aspectos, de caráter mais local são determinantes na mobilização da
população de Itatinga, capitaneada, evidentemente pelo fazendeiros, maiores interessados
em continuar à frente do futuro município, tais como: centralização dos serviços médico-
hospitalares em Itambé ou Vitória da Conquista; falta de estrutura urbana mais completa
por não possuir caráter de cidade emancipada; necessidade de locomoção em péssimas
condições para resolver problemas de ordem jurídica, etc.
A grande iniciativa, ainda na década de 1930, partiu de ruralistas, tendo à frente,
Jovino Oliveira, com a fundação da Associação Cultural Itapetinguense (ACI). Como
entidade de caráter cultural, a entidade atuou como centro propagador das idéias políticas
de seu grupo fundador, aglutinando forças através de ações estrategicamente planejas, com
vistas a convencer a sociedade a cerrar fileiras em torno da idéia da emancipação política
de Itatinga. O primeiro serviço de som público, com músicas, noticiário, propagandas foi
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montado e ativado pela ACI. A luta pela construção do Colégio Alfredo Dutra e inúmeras
reuniões, campanhas de fundos, tudo foi direcionado para o grande projeto da
independência administrativa, em mais de uma década.
A leitura que se pode fazer desses eventos é de que o elemento político, o interesse
de grupo, a idéia de poder autônomo utilizou-se do víeis cultural e ideológico para o triunfo
jurídico-institucional. A dimensão cultural ganha um caráter universalista e unifica o
discurso, relegando para as margens, eventuais diferenças ideológicas e conflitos de
interesse econômico ou político. O bem maior passa a ser a emancipação, com todas as
vantagens que isso possa trazer ao nível de disponibilizar serviços e ganhos para todos, sem
esclarecer quem seria o destinatário do prejuízo político.
O momento que antecede a emancipação política de Itatinga, ao nível das idéias
políticas, delineia o que se seguirá após esse fato. O pano de fundo das relações sociais é o
do escamoteamento do discurso político definido, das ideologias em conflito nos planos
regional e nacional, tudo em benefício do interesse econômico local e em detrimento da
democracia, negação maior dos ranços de coronelismo das elites fundadoras da micro-
região. O discurso unificador, na época, foi o do progresso, da organização, da unidade dos
interesses de toda a comunidade, negando as diferenças sociais e políticas e as contradições
latentes.
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acontecimentos próximos ou não, exercendo um papel fundamental na sociedade,
conduzindo-a, sem a dirigir. Esse fato não deixou de despertar a atenção do grupo
hegemônico da Vila, certamente colocando-o em discussão aberta em suas reuniões.
A Ata de Fundação da Sociedade Beneficente dos Artífices e Operários de
Itapetinga elucida as razões subjetivas de seu surgimento. A necessidade de se criar uma
entidade que organizasse os trabalhadores autônomos, ocorria, principalmente, pela
carência de recursos na comunidade, pelas demandas de caráter médico-hospitalar, jurídico
e financeiras, pelo desejo de uma certa proteção, uma vez não advinda do Estado, na base
da ajuda mútua, entre outras razões.
O aspecto objetivo, comentamos de passagem, um pouco antes. O discurso
populista, inaugurado por Vargas, colocava as massas trabalhadoras do Brasil no centro das
atenções. O personagem principal dos discursos de Getúlio eram os “trabalhadores do
Brasil”, o que criava uma cultura política e social de caráter proletário e estimulava um
certo orgulho do status de operário. Entretanto, os trabalhadores aos quais Vargas e o
Estado Populista se dirigiam eram aqueles submissos pela legislação estadonovista,
agregados oficialmente ao Ministério do Trabalho, beneficiários dos direitos trabalhistas.
Havia uma mentalidade difundida pelo DIP e outros instrumentos de propaganda
governamental de que, trabalhador beneficiado é trabalhador organizado, sindicalizado.
Para os trabalhadores autônomos, esse discurso não era uma realidade tangível, uma vez
que, não vinculados à iniciativa privada ou estatal, não auferiam vantagens das leis
trabalhistas em vigor e, tendo ajudantes em suas oficinas, corriam riscos de serem
obrigados a, como empregadores, pagar os custos dos salários e obrigações.
No interior do país, a situação do trabalhador autônomo era, diferentemente do que
ocorria nos grandes e médios centros urbanos, praticamente proletarizada. Poucos serviços,
preços proporcionais à renda das populações locais, criavam contextos que deixavam esses
profissionais em dificuldades de sobrevivência. Sua situação social era observável pelo seu
nível de consumo: oficinas alugadas; renda mensal baixa e variável; alimentação com
pouca ou nenhuma diversificação do cardápio, apenas com produtos acessíveis e
produzidos na região; vestuário simplificado; baixa ou nenhuma vida social em festas,
bailes; sem posse de meio de transporte próprio; residências simples e reduzidas, na maioria
alugadas, etc.
29
Tratando-se de um grupo social de caráter heterogêneo, uma vez que seus
integrantes possuíam ofícios diferenciados, com demandas específicas oriundas de cada
ofício, no momento histórico em foco, o elemento comum que os congrega é a autonomia e
a carências de assistência para suas necessidades mais imediatas numa vila relativamente
distante e isolada dos grandes centros do Estado e do país.
No dia 15 de Novembro de 1948, num feriado nacional, dá-se a fundação da
Sociedade Beneficente dos Artífices e Operários de Itapetinga. Conforme a Ata de
fundação, após abertura da sessão, vários participantes fazem uso da palavra, justificando a
importância da criação da entidade, já esperada há um certo tempo pelos trabalhadores
artesãos e da construção civil, ao tempo em que fazem referência aos objetivos centrais da
mesma, relacionados à ajuda mútua e assistência. Conforme os estatutos:
“& único – A Sociedade aqui referida pelas iniciais SBAOI, reger-se-á pelos presentes estatutos que a definirá como
beneficente e protetora dos seus filiados.
Art 2º. – Tendo em vista as suas finalidades, a SBAOI deverá: a) Cooperar e tudo fazer ao seu alcance para a melhoria das
condições de vida de seus associados, primando sempre pela união e a solidariedade humana, pelo progresso e pela
compreensão mútua entre seus associados; b)Ter em vista a promoção de intercâmbio cultural e associativo entre as
Sociedade congêneres existentes no país, bem como promover o congraçamento com os sindicatos operários, no sentido
de esclarecer os trabalhadores a respeito de seus deveres e direitos; c) Tudo fazer e sugerir no sentido de atender os
interesses da SBAOI, tendo sempre em vista a harmonia e a união; d) Manter, na medida do possível, assistência médica,
dentária e judiciária em favor dos associados; e) Manter escola para os filhos dos associados e dar aulas noturnas de
alfabetização de adultos entre os associados que desejarem alfabetizar-se; f) Manter a biblioteca da SBAOI, tendo em
vista o aprimoramento cultural dos associados, adotando-se o critério sadio da seleção de livros e obras todos dedicados
aos verdadeiros princípios políticos da confraternização humana, recomendando-se os tratados referente à legislação
trabalhista e outros de interesse do trabalhador; g) Na medida do possível, manter uma escola de corte e costura e outros
cursos práticos de real valor para as esposas e filhas dos associados, que venham preferir tais habilitações, estendendo
esses ofícios às esposas e filhas dos trabalhadores; h) Manter, assim que seja possível, uma cooperativa de consumo para a
melhoria do nível de vida dos seus associados.
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A eleição de uma diretoria, tendo à frente o sr. Ismael Cruz Lima, alfaiate,
determina a continuidade da ação da Sociedade como instituição viva e dinâmica, presente
na vida da comunidade itatinguense.
O que chama a atenção para uma reflexão mais profunda do evento em foco, ou
seja, o surgimento de uma agremiação ligada aos trabalhadores, com discurso associativo e
sindical, mas esvaziado no conteúdo da luta classista, é o contexto nacional e local, em que,
no primeiro caso, observa-se uma investida conservadora do governo Dutra contra os
sindicatos e partidos combativos, seu alinhamento total com os interesses americanos na
Guerra Fria e, no segundo caso, no âmbito local, o discurso defensivo, conservador e
unificador dos coronéis da política, em busca do triunfo de seu projeto de autonomia
político-administrativo para Itatinga.
A sociedade, mais estratificada, especifica suas demandas a partir dos pólos sociais
que buscam se afirmar. Num momento anterior, na década de 30, o surgimento da ACI
correspondia a uma demanda das camadas altas e médias da sociedade itatinguense, mas no
final da década seguinte, exatamente em fins de 1948, as camadas mais populares se dão
conta de suas dificuldades específicas e buscam se agregar em volta de um projeto
alternativo que, se não nega o projeto do outro grupo social, aponta para não depositar sua
confiança exclusivamente nele .
Podemos, com base nessa observação, inferir que, antes mesmo que a sociedade
política se organizasse em Itatinga, a sociedade civil buscou afirmar-se para apresentar um
modelo social e solucionar seus problemas imediatos.
A Sociedade Beneficente dos Artífices e Operários de Itapetinga, organizada em
meio a uma conjuntura permeada de contradições, surge como um símbolo da contradição.
Não significa um referencial combativo da luta de classes, por não possuir dirigentes
filiados a nenhuma corrente ideológica do pensamento sindical do Brasil, pretende ser uma
entidade apolítica, mas aferra-se ao discurso da união classista, da luta por direitos, da
referência à legislação trabalhista, etc.
O papel importante que se coloca para o desempenho dessa entidade é o de centro
de debate e discussão da realidade local, formador da opinião pública e presença nítida de
um setor popular organizado na Vila e no processo político em curso. Os setores mais
privilegiados da região já não podem ignorar o poder de influência e de mobilização dos
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trabalhadores locais. É uma nova força social que, de forma direta ou indireta, contribuirá
na evolução política do município que surgirá independente, a partir de 12 de Dezembro de
1952.
Retomando alguns pontos importantes, a gênese da Sociedade dos Artífices,
independente dos discursos de seus integrantes e dirigentes, aponta para a compreensão de
que, num período posterior, a entidade cumpre mais um papel de serviço aos interesses das
classes proprietárias em ascensão do que aos próprios filiados. Constitui-se de artesãos e
trabalhadores autônomos que, individualmente, em pequeno número, buscam aglutinar-se
para ganhar expressão social e direcionar suas parcas demandas.
Na concepção do movimento operário brasileiro do início do século, as sociedades
beneficentes e de auxílio mútuo eram condenáveis por se constituírem em instrumentos
arrefecedores das lutas, desmobilizadores, sendo assim, indiretamente colocadas a serviço
do patronato. Num momento posterior à emancipação política do município de Itapetinga,
podemos ver que o papel da Sociedade dos Artífices não foi o de colocar o conflito de
interesses, idéias ou práticas na ordem do dia, mas o de permitir um trânsito tranqüilo e
superficial de alguns de seus dirigentes pela esfera de poder das oligarquias locais.
Curiosamente, o discurso do consenso é fortalecido pelo silêncio que se faz a
respeito das agremiações políticas criadas no período pós-emancipação da cidade. Não há
registro algum sobre a identificação dos partidos políticos organizados para concorrer à
administração das instâncias públicas de poder, antes de 1957.
32
4.0. CAPITULO 3 – IDÉIAS E PRÁTICAS POLÍTICAS EM ITAPETINGA
33
Os trabalhadores de Itapetinga, dispersos em atividades manufatureiras, da
construção civil e da prestação de serviços, constituía-se num grupo social que não possuía
a organicidade e a consciência coletiva capaz de formular um projeto de poder alternativo.
Suas demandas se limitavam a aspectos de satisfação mínima de algumas necessidades,
diluídas no anseio da própria comunidade, tais como a assistência médico-hospitalar,
escolar, jurídica e ao abastecimento a um custo menor.
As ideologias políticas que perpassavam a esfera nacional entre 1930 e 1952,
oscilantes enquanto idéias hegemônicas, chegavam à Vila de Itatinga com seus conteúdos
muito diluídos, não somente porque a discussão intelectual era muito simplificada pela
pouca presença de profissionais liberais de formação superior, como também pelas rápidas
mudanças da política nacional que grassava ora no terreno do autoritarismo do Estado
Novo, ora na onda conservadora de anticomunismo da guerra fria e do governo Dutra.
Entretanto alguns cidadãos, advindos de grandes centros urbanos do país, traziam
consigo, idéias presentes na disputa ideológica mais geral. É conhecida a filiação
integralista de notáveis dirigentes políticos da futura emancipada Itapetinga, como José Vaz
Sampaio Espinheira e Renato Oliveira Leite. Por outro lado, figuras populares conhecidas
como Vi Pereira, Milton Santos, entre outros, eram identificados como partidários do
comunismo.
Antes de 1964, apesar de coexistirem campos políticos radicalmente opostos,
filiados do facismo tupiniquim e do comunismo stalinista não travavam uma guerra aberta
na afirmação de seus interesses. Também não se pode afirmar, pelos testemunhos, que
havia uma colaboração estreita entre esses grupos.
O comportamento político dos grupos mais conservadores, capitaneados por ex-
adeptos do integralismo indicava, justamente, uma fidelidade aos princípios dessa
ideologia, demonstrando-se isso pela tendência, na prática, ao controle absoluto do poder
político; pelas decisões centradas na figura do chefe, líder maior; pelo culto à personalidade
do supremo mandatário; pelo uso da perseguição política e, às vezes, da coerção física de
opositores. Percebe-se uma afinidade entre aspectos personalistas do poder na ideologia
facista e nas práticas mandonistas do coronelismo local, bem como no populismo que
caracterizou a república brasileira até o golpe civil-militar de 1964.
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Os resquícios do autoritarismo político se faziam sentir a cada disputa eleitoral, após
o processo que culminou com a emancipação política de Itapetinga e nas relações do poder
executivo local com o legislativo e com a própria comunidade.
Mais que descrever as relações de poder presentes na história de Itapetinga, nossa
intenção é contribuir para o resgate do pensamento político-ideológico das camadas
colocadas à margem do processo histórico. A ausência da fala, da expressão escrita, por si
só indica uma potencialidade silenciada. No silêncio ou nos laconismos, as forças ou
sujeitos históricos demonstram suas discordâncias (ou não) quanto à reconhecida razão
hegemônica. No específico desse trabalho monográfico, trata-se do projeto esboçado e
levado a efeito pelas camadas sociais abastadas, para a construção do espaço geográfico
que identificamos como micro-região agro-pastoril de Itapetinga, sua configuração
espacial, funcionalidade econômica, relações culturais, jurídicas, político-ideológicas,
sociais e de poder.
A organização de setores pertencentes às camadas populares em associações ou
sindicatos, indica uma movimentação social na direção de uma demarcação de espaço,
independentemente da filiação partidária específica. Começa a se esboçar um esforço
coletivo para agremiar alguns trabalhadores dispersos e, sem o discurso explícito, forjar um
certo espírito corporativo, de identidade social e arregimentação de força para o exercício
da pressão.
Quando voltamos o olhar para esse período histórico e observamos essa
movimentação, não podemos esquecer o impacto e a influência, mesmo que silenciosos,
exercidos pela religiosidade, seja sob sua expressão católica ou protestante, interferindo nas
relações sociais e políticas, no sentido de minimizar possíveis contendas e enfrentamentos
de caráter mais radical. O catolicismo atuou de forma mais aberta, pela proximidade do
padre João Félix com os tradicionais dirigentes políticos, obtendo certos benefícios
materiais para o sustento de sua atividade pastoral local. Sua contrapartida na relação
promíscua com o poder econômico em político, se expressava no conteúdo de seus
sermões, no aconselhamento pessoal ou em diálogos informais com os fiéis. O discurso
pode não ter sido político ou politizado, mas servia para esvaziar a reflexão, desviar a
atenção das polêmicas locais e, conseqüentemente, influenciar a ação dos homens,
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sedimentando, destarte, uma certa concórdia social, bem ao gosto das camadas
hegemônicas do latifúndio conservador local.
Quanto à influência protestante, pereceu-nos circunscrita à dimensão pessoal dos
adeptos dessa corrente religiosa. A Primeira Igreja Batista, nos primórdios da cidade,
possuía pequeno número de participantes, sendo estes instruídos para o comportamento
social recatado, marcado pela austeridade e seriedade moral nos costumes. Não há
registros, testemunhos ou indícios de orientação política interna das agremiações
protestantes por parte de pastores, mas uma completa alienação face aos problemas sociais
e políticos. Marcadamente anticomunistas, sua formação e postura sempre tenderam para o
alinhamento com setores conservadores, tanto no exercício da política, como na
participação eleitoral.
A partir de uma análise mais acurada da documentação disponível, tanto nos anais
da Câmara Municipal, ano de 1957, como em atas de entidades associativas de classes e
culturais, observa-se um discurso voltado para escamotear a dimensão política e os
conflitos sociais.
Poulantzas define o campo jurídico-político das relações sociais, sob o Modo de
Produção Capitalista, como “campo dominante, sobrepondo-se ao fator econômico
que é determinante, em última instância, porém não-dominante, justamente com o
objetivo de respaldá-lo”. Segundo Poulantzas, “as leis, as determinações sociais
formais e a moral se organizam para moldar uma sociedade, aparentemente
amparada em conflitos superficiais ou sem conflitos”. (POULANTZAS, 1977, pág. 74).
A realidade de Itapetinga, no período em foco, presencia a existência de indivíduos
conscientes da conjuntura política nacional, bastante conflitiva e marcada pelo avanço do
discurso populista, paralelo ao discurso anti-popular e conservador dos partidários da UDN
e do PSD de Eurico Gaspar Dutra. Há toda uma preocupação em não se permitir os
acirramentos dos discursos, pela não manifestação das posições políticas, ao menos em
ambientes sociais.
No livro de Atas da Associação Profissional dos na Indústria da Construção Civil,
anos de 1954 a 1960, encontram-se registros de falas proibindo a manifestação política
dentro das organizações sociais, presenças constantes de políticos ligados ao poder local,
como Jovino Oliveira, palestrando sobre igualdade social, conclamando todos à concórdia,
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transmitindo notícias de benefícios trabalhistas, prometendo escola gratuita aos filhos de
trabalhadores, além de registros de membros da Sociedade dos Artífices, assinando como
vereadores (Rozalvo Cipriano de Souza, Otávio Lacerda Rolim e Ismael Cruz Lima).
Em Ata de 1957, a Câmara Municipal de Itapetinga registra, num discurso do sr.
Ismael Cruz Lima, a primeira referência a partidos políticos.
O discurso lacunar é freqüente na história da configuração espacial política de
Itapetinga. Objetiva esconder o conflito, as divergências, para manter seguro o poder.
Lideranças oriundas de organizações de trabalhadores e populares são cooptadas pelo poder
político local e se transformam em políticos que gravitam em torno do núcleo de
latifundiários dirigentes, ex-integralistas e udenistas de plantão.
As idéias políticas oriundas do integralismo, das práticas coronelistas, do
mandonismo autoritário do Estado Novo e do populismo se impõem no modelo transposto
para a região de Itapetinga. As idéias que emanavam do movimento socialista, anarquista,
do sindicalismo livre e do comunismo, não conseguiram encontrar ressonância nos grupos
sociais populares da sociedade itapetinguense, apesar de alguns indivíduos possuírem tais
idéias, sem vínculos orgânicos externos ou internos. É uma época de crise e da hegemonia
do capitalismo em expansão. Triunfa o poder econômico. Triunfa o latifúndio.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Outra constatação que se verificou pela mediação da teoria foi a de que o setor que
se aglutinou em torno da instituição denominada Sociedade Beneficente dos Artífices e
Operários de Itapetinga, em nenhum momento se constituiu, de fato, uma classe operária.
Nunca existiu um operariado, no sentido exato do termo, na Micro-Região Agro-Pastoril de
Itapetinga. Isso devido ao caráter econômico agro-pastoril da região, inibidor de qualquer
atração industrial, naquele momento histórico e pelo fato de que a classe operária não
possui as mesmas características dos artífices (artesãos) e trabalhadores da construção civil
presentes na entidade. Nenhuma das formulações teóricas sobre classe social se aplica aos
trabalhadores urbanos que fundaram a Sociedade dos Artífices. Neste sentido, ajuda-nos a
formulação de Duarte Pereira.
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