INÉDITO?
RESUMO
O presente artigo teve a finalidade de verificar como em contexto de poucos
atendimentos, a psicanálise aplicada pode provocar, para além dos efeitos
terapêuticos rápidos, também uma implicação subjetiva, um movimento para algo
inédito, resgatando algo de suas premissas fundamentais. Para isso buscou-se
através de uma pesquisa teórica em psicanálise, nos textos de Freud, Lacan e
Miller, que quais são as premissas são essenciais para que a técnica não se
sobreponha à ética. Assim, abordou-se o conceito de psicanálise pura, percorreu-
sepercorreram-se formas de expansão da psicanálise ao longo da história e por fim,
tentou-se pensar sobre o que seria ou não psicanálise. A experiência de Barreto e
de Célio Garcia completam o arsenal teórico que nos permitiu concluir ser
necessário não ceder de marcar a falta, e levar o discurso analítico para tais campos
promovendo uma articulação que contemple a extensão e a intenção
analíticapsicanalítica.
1
Psicólogo (Unileste); Membro da Cidadela Analítica do Vale do Aço.
2
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicanálise Aplicada a Saúde Mental (Unileste); Membro do
Centro de Estudos e Pesquisa em Psicanálise do Vale do Aço (CEPP); Psicóloga da Secretaria
Municipal de Saúde de Coronel Fabriciano; Mestranda em Gestão Integrada do Território pela
Univale, Coordenadora do Curso de Pós-graduação lato sensu em Clínica Psicanalítica na
Contemporaneidade (Unileste), Docente do Curso de Psicologia do Unileste.
3
ABSTRACT
The following arcticle has the purpose of checking how few calls in the context of the
applied psychoanalysis can cause, besides the rapid therapeutic effect, also a
subjective implication, an unprecedented move, recovering something of its
fundamental assumptions. We seek through theoretical research in psychoanalysis,
in the writings of Freud, Lacan and Miller, assumptions that are essential for the
technique does not overlap with ethics. So, we approach the concept of pure
psychoanalysis, we used forms of expansion of psychoanalysis throughout history
and finally, we tried to think about what would or would not psychoanalysis. The
experience Barreto and Celio Garcia complete the theoretical arsenal that allowed us
to conclude the necessity to mark the fault and take the analytic discourse to other
fields promoting articulation covering the extension and analytical intent.
Introdução
2 Psicanálise pura
Sei que não apenas para o analisando, mas também para o médico significa
pedir muito abandonar as ideias conscientes intencionais, durante o
tratamento, e entregar-se totalmente a uma orientação que sempre nos
parece “casual”. Mas posso garantir que somos recompensados cada vez
que nos decidimos a ter fé em nossas afirmações teóricas e nos
convencemos a não disputar à direção do inconsciente o estabelecimento
das conexões (FREUD, 1911/2010, pp.128-129).
Temos, portanto, no conjunto denominado “Artigos sobre técnica”, indicações
suficientemente claras do que para Freud seria a psicanálise pura: uma psicanálise
que tenha sua condução pautada na rigorosa observância da regra áurea da
associação livre, acompanhada de uma abstenção de intervenções no campo das
sugestões (MÉGRE, 2013).
Neste momento, iremos recorrer ao ensino de Lacan, buscando localizar o
conceito de psicanálise pura. Por ocasião do ato de fundação da Escola Francesa
de Psicanálise, na proposição de 1967, Lacan (1967), afirma que psicanálise pura é
a práxis e doutrina da psicanálise propriamente dita, psicanálise didática. Ou seja,
aquela que tem como objetivo último, a formação do analista. Ainda neste texto, o
autor faz críticas à formação do analista nos moldes da IPA (Associação
Psicanalítica Internacional), onde o candidato à analista se submete a uma análise
didática, com um analista escolhido pela Associação. Nesse modelo o final de
análise, segundo Lacan, coincide com a identificação ao analista didata (LACAN,
1967/2003).
Para Lacan (1967/2003) o fim da análise se dá através de uma destituição
subjetiva do analisando, configurando sua passagem para a posição de analista. “A
passagem de psicanalisante a psicanalista tem uma porta cuja dobradiça é o resto
que constitui a divisão entre eles, porque esta divisão não é outra senão a do sujeito,
da qual esse resto é a causa” (LACAN, 1967/2003, p. 259).
Assim, a falta que angustia pode paralisar o sujeito, como também pode
causar o movimento. A dobradiça de que fala Lacan é justamente a falta que divide
e deixa sempre um resto.
Para Lacan (1967/2003), “Nessa reviravolta em que o sujeito vê soçobrar a
segurança que extraia da fantasia em que se constituiu, para cada um, sua janela
para o real, o que se percebe é que a apreensão do desejo não é outra senão a de
um des-ser” (Lacan, 1967/2003, p. 259). Sendo assim, o sujeito não mais se
reconhece como aquilo que é, mas como uma falta-a-ser, sempre em movimento e
com a possibilidade de se tornar algo que ainda falta.
Miller (1993) traz considerações interessantes, ao nosso tema, em seu
seminário “A lógica na direção da cura” realizado em Belo Horizonte, por ocasião do
IV Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Segundo ele, o fim da análise nada tem
a ver com o fim do sofrimento. A vida é sofrida, sempre haverá desejos impossíveis
de se realizar, mas, o sujeito chega a um ponto onde dá conta de continuar sua
análise, agora sem um sujeito-suposto-saber. Afinal ele é o sujeito que sabe sobre
si; o único, aliás, ele é o analista.
Lacan (1967/2003) chama de travessia do fantasma o momento em que o
analisante chega ao cerne da questão. Este, nada mais é que a falta-a-ser, ou seja,
ocorre uma destituição subjetiva. Destituição esta que vem acompanhada do que se
pode chamar de desaparição do Outro, Este Outro que o sujeito até então creditava
a função de nomeá-lo, dizê-lo, torná-lo plenamente feliz, completo. E do
desvanecimento da demanda.
O fim da análise é marcado, não apenas, pelo consentimento da castração, é,
na verdade, o desaparecimento da demanda. Não se tem mais o que pedir ao
analista; aliás, porque pedi-lo, se sabe que ele não poderá atender? Ele não é o
Outro. Parece desesperador pensar que neste ponto o sujeito está desamparado.
Podemos dizer que na falta-a-ser não há Outro que lhe faça ser e nem mesmo há a
demanda a direcionar a este que não existe. Por isso, torna-se necessário um Outro
substituto. Um paradoxo! Um Outro para quem já sabe de sua inexistência (MILLER,
1993).
Mas, o que temos é isto: psicanalistas discutindo psicanálise. A Escola torna-
se assim o Outro para os desamparados analistas. Uma questão importante é que o
sujeito frente o desaparecimento do Outro, não se pense a si como sendo o próprio
Outro, pois neste caso seria impossível conduzir uma análise (MILLER, 1993).
Outra forma da psicanálise entrar no social é o que Célio Garcia (2000) nos
propõe: a Clínica do Social. Não uma psicanálise aplicada ao social, atendendo a
seus “pedidos”. Mas, uma psicanálise implicada pelo social. Trazendo o discurso
analítico para fora do consultório, deitando o social no divã. Pois, se por um lado a
psicanálise responsabiliza o sujeito, por outro, não raramente o social abstém-se de
suas responsabilidades, criminalizando, excluindo e adoecendo os sujeitos. Na
Clínica do Social o discurso psicanalítico é introduzido nas discussões políticas. A
psicanálise tem algo a dizer. Em seu dizer silencioso o discurso psicanalítico tem por
finalidade quebrar a dinâmica e fazer surgir algo novo; não ser mais um para entrar
no consenso, mas ocupar exatamente o lugar do menos um (LAURENT, 1999). Pois
não se pretende a boa governança, mas sim a apontar para o impossível que o
consenso e a gestão dos possíveis faz questão de desconsiderar (LEBRUN, 2009).
Podemos então trabalhar com a hipótese de que a psicanálise pura é aquela
que deita o sujeito no divã, e a Clínica do Social a que deita o social no divã, sendo
ela uma clinica psicanalítica implicada pelo social e não aplicada a ele. Neste
sentido, podemos interrogar: seria esta psicanálise aplicada à terapêutica com
pressa de resultados, uma psicanálise aplicada ao social e, portanto, atendendo a
demanda do social? Parece-nos, ainda, uma incógnita, precisamos ir além para
verificar se ela deita mesmo alguém no divã e se realmente há uma escuta do
cidadão/sujeito. Destas questões, percebemos a necessidade de que, não só os
psicanalistas, mas, também a psicanálise esteja sempre em análise.
4 Psicanálise ou não...
Talvez tamanha tensão política, sucedida por uma vitória, tenha provocado
em Miller um mal súbito de otimismo. Ao ponto de declarar a seguinte proposta:
4
"Eu trato, Deus cura", diz Freud, citando Ambroise Paré.
Acho que, já nessas instituições que se abriram em Paris, em Barcelona e
em outros lugares, podemos pensar que nossa missão seja levar o sujeito
até o fechamento de seu primeiro ciclo, que pode ser breve. A questão a
trabalhar é como definir o primeiro ciclo (MILLER, 2008, p. 83).
Pensar que a psicanálise tem a missão de fechar algo, seja onde for, é ir
contra sua premissa fundamental. A falta, o impossível. Seria na verdade a missão
de fazer o sujeito passar pelo primeiro ciclo, na esperança de que o desejo ocupe o
lugar do gozo do sintoma, fazendo abrir um novo ciclo, agora sem a pressão dos
sintomas? Fazendo a expansão em função da intenção? Liberando o efeito
revolucionário que há no sintoma? Garcia (2011) diz que:
Essa orientação de Garcia (2011) nos propõe que se provoque ainda mais
movimento, diferente do que nos leva a pensar Miller (2008) quando diz que nossa
missão é a de fechar; o que nos leva a pensar em uma inércia.
Torna-se necessário que pensemos na estrutura dos três tempos da análise.
O primeiro é o momento de olhar, no qual se estabelece a transferência; o segundo
é tempo para compreender, em que o analista compreende a queixa e a devolve
para que o sujeito compreenda, compreensão esta diferente do conceito de
compreensão empática, podemos dizer que é onde se acontece a interpretação; e o
terceiro é momento de concluir, o corte lacaniano, conclusão que paradoxalmente
não fecha, abre ainda mais o sujeito em sua fenda, em sua falta e lhe devolve a
duvida para que se movimente (BARRETO, 2010).
Assim, pode-se inferir que fechar o primeiro ciclo esteja na dimensão do
tempo de compreender e que no limite pontual entre a interpretação e o corte, o
analista se satisfaça com o alívio do sujeito ao eleger um novo significante para
sustentar um imaginário, do lado do analista, bem-estar. Abstendo-se de marcar a
falta. E deixando o sujeito ir embora feliz. Agora lembramo-nos de Barreto (2010)
dizendo que os analistas estão fazendo acting out. Parece que neste caso, os
analistas estão mesmo cuidando da felicidade do Outro, o social. Outro que o
analista não tem, ou não deveria ter. Vejamos em Lacan como este cuidado nem
sempre funciona e que a melhor das intenções pode ser desastrosa.
Lacan (1967/2003) diz que se retirarmos o Édipo, a psicanálise em extensão
torna-se inteiramente da alçada do delírio de Schreber. Façamos um breve uso do
mito para pensarmos esta psicanálise aplicada à terapêutica rápida.
Se todos nós já fomos um pequeno Édipo um dia, poderíamos ter seu mesmo
destino? Pode-se pensar que isso depende das escolhas que tomamos, dos
caminhos que trilhamos, afinal, do tratamento a que nos infligimos.
Édipo, num certo sentido não fez complexo de Édipo, é preciso recordar
isso, e ele se pune por uma falta que não cometeu. Ele apenas matou um
homem que ignorava ser seu pai, e que ele encontrou na estrada – para
utilizar um modo verossímil segundo o qual o mito nos é apresentado –
onde ele fugia por ter ouvido falar de algo nada bom que era prometido em
relação ao pai. Foge daqueles que acredita serem seus pais, e querendo
evitar o crime, ele o encontra. Tampouco sabe que atingindo a felicidade, a
felicidade conjugal, e a de seu ofício de rei, de ser o guia de uma
comunidade feliz, é com sua mãe que ele dorme. Pode-se portanto colocar
a questão do que significa o tratamento que ele se inflige. Que tratamento?
Ele renuncia àquilo mesmo que o cativou. Ele foi, propriamente, ludibriado,
tapeado, por seu próprio acesso à felicidade. Para além do serviço dos
bens, e até mesmo do pleno êxito de seus serviços, ele entra na zona onde
procura seu desejo (LACAN, 1959-1960/1991, p. 365).
Lacan (1959 – 1960 / 1991) afirma que a priori os sujeitos trazem uma
demanda de felicidade. Os sujeitos procuram a clínica porque algo os impede de
serem felizes, a saber, a não satisfação de todos os seus desejos que, por vezes,
culmina em sintomas. O que fazer com os sintomas? Muitos decidem, outros são
encaminhados, como nos serviços públicos, a suprimi-los, seja pela medicação, pela
sugestão, ou por algum artifício que promova um alívio imediato. Mas, não
poderíamos pensar que esta escolha, muito se parece com a de Édipo em fugir de
seus pais? Ora, o verdadeiro perigo não estava no mais aparente, seus pais
adotivos. Assim como o sintoma, apenas diz de algo muito mais profundo. Édipo se
acovarda e foge. Mais tarde, percebe que esta estratégia não funcionou. A
prevenção não garante que o mal esteja excluído da vida do sujeito. Neste sentido,
suprimir os sintomas dos analisantes e deixá-los partirem aliviados, sem marcar a
falta, não seria como preparar suas “matutagens” e dizê-los que estão prontos para
fazer a grande viagem, garantindo-lhes que o caminho é seguro? Afinal, continuar
em análise é perigoso?
Como poderíamos garantir aos nossos analisantes que o caminho é seguro?
Os chamamos de analisantes e não de analisados. Ainda que cheguemos ao ponto
de nomeá-los analisados, eles não caminharão em um mundo sem barras, sem
outros. Talvez, esta seja a missão da psicanálise aplicada à terapêutica: Além de
provocar os efeitos terapêuticos rápidos, nossa ética não é muito cômoda, cabe ao
analista dar a triste notícia de que a vida é sofrida. Não só para determinado sujeito,
mas para todos. Fugir de tal sofrimento é uma opção, por vezes, desastrosa. A outra
opção é enfrentá-la. A primeira pode ser seguida por muitos tipos de tratamentos,
mas no método psicanalítico trata-se da segunda. Esta enunciação de que o que se
obteve não é a cura, nos parece necessária para que depois do fechamento do
primeiro ciclo, abra-se o segundo. Assim, o sujeito pode até ir embora, mas não
alienado e pensando-se curado, mas sim sabendo de uma falta radical e irredutível
inerente ao sujeito falante. Talvez seja este o discurso, nada prazeroso, a que o
analista é incumbido e que muda radicalmente a posição, antes confortável, do
sujeito pós-efeitos terapêuticos. Colocando a dúvida como o ponto de partida para o
caminho do sujeito. Isto seria um ato analítico (LACAN, 1969-1970/1992).
Considerações Finais
Referências
FORBES, Jorge. Você quer o que deseja? Rio de Janeiro: Best Seller, 2003.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2002.
MÉGRE, Ricardo.