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Linguagem, estilo e estrutura

O discurso conceptual

O discurso conceptual caracteriza-se pelo recurso a conceitos abstratos, a


noções filosóficas, metafísicas e abstratas, de maior ou menor densidade,
que apresenta nos seus poemas.

Passemos, então, à análise dos poemas, começando por um texto que


apresenta uma progressão narrativa ao nível temporal e espacial, numa clara
dicotomia entre sonho/realidade.

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.


Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino (1) do amor, busco anelante (2)
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura... 
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d’ouro com fragor...(3)
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
(1) cavaleiro andante, defensor obstinado.

(2) ofegante.

(3) estrondo.

• Através da metáfora de um “cavaleiro andante”, o sujeito poético imagina-


se, qual D. Quixote, a corajosamente enfrentar as adversidades até
encontrar “O palácio encantado da Ventura!”. Este defensor incansável do
Amor universal parece determinado em encontrar o local que lhe trará a tão
ansiada calma e que significará o fim da sua demanda.

• A segunda estrofe, contudo, a partir da adversativa “Mas”, desvenda já o


final inglório deste cavaleiro, que desmaia e está “exausto e vacilante”, e a
frustração das suas intenções, pois os símbolos de luta – a espada e a
armadura, que o poderiam proteger – estão inutilizados. O desafio é inumano
e as forças teimam em falhar. Porém, subitamente, esse “palácio” do domínio
onírico é avistado, “fulgurante”, com “pompa e aérea formosura”, o que faz
renascer a esperança.

• Chegado ao local, o poeta exige nele entrar, apresentando-se como “o


Vagabundo, o Deserdado”, aquele que lutou, que superou provas e que
precisa de se acolher de tão dura travessia.

• No entanto, quando as portas se abrem, apenas encontra “Silêncio e


escuridão – e nada mais!”. Acentuando a desilusão do sujeito poético, o
último terceto revela a tomada de consciência de que os desejos e as
expectativas são inatingíveis. Aspirando ao absoluto, o “eu” lírico só a si
próprio se encontra, numa luta constante para alcançar a felicidade
inatingível.

• Não é neste local que o poeta poderá exorcizar os seus medos, os seus
desesperos, as suas angústias.
Um dos mais conhecidos poemas de Antero, “O Palácio da Ventura” é a
expressão metafórica do balanço de vida do sujeito poético, pressagiando já
o desalento que marcará poemas posteriores.
Após a sua análise, é possível distinguir diferentes momentos:

• vv. 1-4: entusiasmo inicial;


• vv. 5-6: desalento;
• vv. 7-11: renascimento da esperança;
• vv. 12-14: expectativa e desilusão final.

Ao nível dos recursos de estilo, podemos apontar:

• a metáfora: vv. 2, 4, 6, 9;


• a imagem: vv. 1-2, 4-6, 11-12;
• a adjetivação expressiva e conotativa do imaginário de luta
(“andante”, “escura”, “anelante”, “exausto”, “vacilante”, “Quebrada”, “rota”, “f
ulgurante”, “aérea”, “grandes”);
• a antítese: v. 2;
• a apóstrofe: v. 11;
• a dupla adjetivação: v. 5;
• a enumeração: v. 2.

Hino à Razão

Razão, irmã do Amor e da Justiça,


Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre, só a ti submissa.
Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.
Por ti, na arena trágica, as nações
Buscam a liberdade entre clarões;
E os que olham o futuro e cismam, mudos,
Por ti, podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos, que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos! 

É possível distinguir dois momentos neste poema: 

• na primeira quadra, o sujeito poético, através da apóstrofe, interpela a


Razão, a “irmã do Amor e da Justiça”, revelando os laços indissociáveis que
unem estes valores universais;

• nas estrofes seguintes, é explicitada a invocação da Razão, através de uma


estrutura anafórica – “Por ti” –, porque só através desta é possível:
› compreender o funcionamento do Mundo (vv. 5-6);
› que haja valores nobres, como a virtude e o heroísmo (vv. 7-8);
› aos povos oprimidos conquistarem a sua liberdade, ainda que com guerras
trágicas, derrotando a tirania e a opressão (vv. 9-10);
› aos oprimidos do presente terem esperança num futuro melhor, não se
deixando abater (vv. 12-13).

• Retomando a apóstrofe inicial, Razão, “Mãe de filhos robustos”  (v. 13), o “eu”


lírico exalta os que combatem em sua defesa.

Para o poeta, a tríade Razão, Amor e Justiça é una e indivisível, o que nos
permite caracterizá-lo como um profeta dos valores universais.

A Razão é essencial para o conhecimento humano, sendo de notar a


influência de Hegel, filósofo alemão, que influencia o pensamento anteriano.
Os recursos expressivos em destaque são:
• a apóstrofe: reiterada ao longo do soneto, mas explícita nos vv. 1 e 13;
• a personificação: vv. 1-2 e 13;
• a metáfora: vv. 3-4, 5-6, 8-10, 14;
• a imagem: vv. 5-6, 9-10;
• a anáfora: vv. 5, 7-9, 12;
• a adjetivação
expressiva: “livre”, “submissa”, “movediça”, “trágica”, “mudos”, “robustos”;
• a enumeração: v. 6.

Despondency

Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram


Ninho e filhos e tudo, sem piedade...
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram...
Deixá-la ir, a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram...
Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa...
Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo... e a última esperança...
E a vida... e o amor... deixá-la ir, a vida!

Partindo de imagens-símbolo, Antero reflete sobre a desesperança:


• em primeiro lugar, apresenta um ser frágil, uma ave “a quem
roubaram/Ninho e filhos e tudo,” e que fica, portanto, sem razão para existir.
O tom de sofrimento atroz está instalado, pois tudo lhe foi tirado, “sem
piedade”, e “as asas partidas” estão;

• em segundo lugar, refere a vela que os tufões arrojaram, isto é,


arremessaram, na escuridão, “Quando a noite surgiu da imensidade”. Esta
vela, levada pelos ventos do Sul, não tem qualquer hipótese de salvação;

• em terceiro lugar, apresenta a “alma lastimosa”, condenada à “morte queda,


à morte silenciosa”, porque perdeu “fé e paz e confiança”, ou seja, os pilares
da vida. A abdicação é a única saída para quem perdeu os princípios
orientadores da vida;

• em quarto lugar, é a nota que concretiza o spleen, o tédio existencial, a


tendência romântica do mal du siècle, com a representação do cansaço e do
desespero, sendo a morte a derradeira felicidade.

Podemos apontar, enquanto recursos expressivos:

• o paralelismo anafórico, a reforçar a fragilidade da vida e o desejo de


abandono;
• a repetição da conjunção coordenativa copulativa, evidente no último
terceto, a enfatizar a ideia de comoção e de abandono;
• o recurso a formas verbais de tom disfórico
(“roubaram”, “leve”, “levaram”, “arrojaram”, “perdeu”);
• os adjetivos que realçam a ideia de tristeza
(“lastimosa”, “queda”, “silenciosa” e “desprendida”);
• os nomes que reforçam o pessimismo que percorre o poema
– “tufões”, “escuridade”, “morte”;
• o uso de reticências a intensificar a emoção pungente e o desprendimento
da vida.
O soneto

O que há no soneto? Uma unidade perfeita: desenha-se cada ideia parcial


de per si, mas não tão independente das outras que não haja entre elas
relação, até que, afinal, juntando tudo num só se apresenta por todos os
lados simultaneamente como em resumo, o fecho – chave de ouro! Daí, a
unidade. E simplicidade? Toda: as partes conservam estreito laço entre si, é
só um sentimento, só uma ideia; não são várias, mas vários lados: a unidade
final funde-os num todo.

Nuno Júdice, “Prefácio à Edição dos Sonetos de 1861”, in Antero de Quental, Sonetos (organização, introdução e
notas de Nuno Júdice), INCM, 2002

O soneto acaba por ser o intérprete perfeito da Ideia anteriana, pois a


apresentação e o desenvolvimento da tese são apresentados nas duas
quadras e no primeiro terceto, sendo o último a chave de ouro, isto é, a
conclusão do tema apresentado, à boa maneira de Petrarca ou do nosso
Camões.

É de assinalar, igualmente, o uso da adjetivação de cunho latinizante


(“mesto”, “gélido”, “rudo”), por vezes utilizada em formas duplas (“largo e
fundo”, “pálido e triste”).

Os sonetos são, em Antero, um testemunho de um estado de alma em


agonia, de que o poema “Despondency”, analisado anteriormente, é um belo
exemplo.

Recursos expressivos: a apóstrofe, a metáfora, a personificação

Analisemos os recursos predominantes na poesia de Antero de Quental, a


partir da exploração do poema “Lacrimae Rerum”, um dos seus sonetos mais
pessimistas.

Lacrimae Rerum (1)
(A Tommaso Cannizzaro)

Noite, irmã da Razão e irmã da Morte,


Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!
Aonde vão teus sóis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vão busca a certeza que o conforte?
Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas...
É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas... 

(1) “Lágrimas das coisas”.

• Através da apóstrofe inicial, são convocados conceitos que regem o


discurso conceptual do poeta, sendo a Noite símbolo e personificação da
própria morte. Embora questione a Noite, o sujeito poético não obtém a
resposta desejada.

• A metáfora “Aonde vão teus sóis” configura o acolhimento que as “almas


inquietas” podem encontrar na Noite, embora essa esperança logo se
apresente como vã.

• O “eu” lírico busca uma resposta que lhe dê conforto, mas a Noite arrasta-se
lentamente, enquanto interlocutora muda, como a tripla adjetivação
acentua (v. 10).
• “E, perdido num sonho imenso” (v. 13), o sujeito poético apenas ouve o
suspiro das “coisas tenebrosas”, que acentuam o drama de uma existência
vazia.

• O anseio por respostas conduz o “eu” poético a locais noturnos e solitários,
onde espera encontrar a chave para a sua angústia existencial.
Filho de um comerciante com uma loja de ferragens em Lisboa e uma
exploração agrícola em Linda-a-Pastora, Cesário Verde passou a sua infância
entre os ambientes citadino (cidade de Lisboa) e rural (Linda-a-Pastora),
binómio que marcou a sua obra. 

A questão social 

Denúncia da atmosfera conflituosa dos grandes centros urbanos: 

• problemas subjacentes ao urbanismo (a precária saúde pública, a miséria,


os vícios, o sofrimento, a poluição) 
• problemas sociais (opressão social, ausência ou perversão do amor) ≠ •
sinais de prosperidade (os candeeiros a gás e a eletricidade, a água
canalizada).
Admiração pela força física e pela energia do povo trabalhador e afetividade
pelo que é rústico e natural. Exemplos: 'Num Bairro Moderno', 'Cristalizações',
e 'O Sentimento de um Ocidental'. 
  

Imagética feminina

A poesia de Cesário apresenta dois tipos opostos de mulher: 

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