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Empreendedorismo,  Inovação  e  Sustentabilidade:  uma  integração  dos  conceitos  


Vaz,  C.  R.;  Uriona  Maldonado,  M.  

básicas de todas as pessoas, com garantia de oportunidade para alcançar uma vida melhor; ii)
Estabelecimento de nível de consumo suportável pelo meio ambiente; iii) Suprimento
igualitário das aspirações dos indivíduos; iv) Compatibilização da evolução demográfica com
o potencial produtivo dos ecossistemas; v) Garantia de não degradação dos sistemas naturais
que suportam a existência dos seres na Terra; vi) Garantia de acesso justo aos recursos
ameaçados; vii) Uso dos recursos renováveis em conformidade aos parâmetros que possibilitam
sua regeneração natural; viii) Uso eficiente dos recursos não renováveis; ix) Minimização dos
danos sobre os recursos naturais, a fim de sustentar a integridade do sistema.
Entretanto, o problema está em desenvolver a consciência sobre o empreendedorismo
com a sustentabilidade, neste aspecto Dolabela (2003) explica que é necessário reconhecer a
importância da diversidade cultural e a indignação diante dos problemas socioambientais. Para
isso, na estratégia de educação empreendedora, deve-se explicar sua racionalidade,
entendimento e finalidade de tal processo, com foco no desenvolvimento sustentável. Pois, o
desenvolvimento econômico das empresas não é suficiente se não é sustentável. O
desenvolvimento sustentável está relacionado aos fatores humanos (capacidade de gerar e
transformar conhecimento em riqueza e desenvolvimento das potencialidades humanas),
sociais (capacidade da comunidade se organizar para a solução de problemas comunitários e
construção de prosperidade social e econômica, por meio dos laços de solidariedade e trabalho
em prol do desenvolvimento local), empresariais (capacidade de organizar-se para a produção
de bens e serviços e geração de valor para seus stakeholders) e naturais das organizações
(condições ambientais e físico-territoriais, referentes aos recursos naturais que contribuam para
a geração de valor por meio do trabalho).
O próximo tópico apresenta o tema de Inovação, para melhor entendimento de sua
origem, evolução e relação com o empreendedorismo.

3. INOVAÇÃO
A literatura que aborda o tema inovação é bastante ampla e, sem dúvida, trata-se de um
assunto que está ligado a preocupações da agenda política da maioria dos países desenvolvidos
e em desenvolvimento.
O significado do termo “inovação” tem sido discutido por décadas e várias têm sido as
definições propostas, uma das mais aceitas pela comunidade internacional é a que foi elaborada
pela OECD no chamado Manual de Oslo, que assume uma concepção expandida que possibilita
a sua adequação a diversos tipos de inovação.

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Sendo assim, o Manual de Oslo a define como “a implementação de um produto (bem


ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de
marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do
local de trabalho ou nas relações externas” (OECD, 2005). Esta definição é uma das mais
abrangentes, pois compreende um amplo conjunto de inovações possíveis, caracterizadas por
quatro tipos de inovação: de produto, de processo, de marketing e organizacional.
A inovação de produto introduz um “bem ou serviço novo ou significativamente
melhorado no que diz respeito à suas características ou usos previstos”. É a inovação
materializada em um artefato comercializado. Inovações de processo incluem “mudanças
significativas em técnicas, equipamentos e/ou softwares”, com a ressalva de que a menção a
software refere-se à sua introdução no processo produtivo e não à criação e comercialização de
um novo software (como produto) (OECD, 2005). A inovação de marketing implementa “um
novo método de marketing com mudanças significativas na concepção do produto ou em sua
embalagem, no posicionamento do produto, em sua promoção ou na fixação de preços” (OECD,
2005). Na inovação organizacional, a mudança acontece “nas práticas de negócios da empresa,
na organização do seu local de trabalho ou em suas relações externas”, como na introdução de
um novo programa de educação ou treinamento, e na criação de um programa de “lições
aprendidas” como prática de gestão (OECD, 2005).
Só é inovação, no contexto do Manual de Oslo, a mudança implementada – seja produto
introduzido no mercado ou novo processo, método organizacional ou de marketing posto em
uso nas operações da empresa. A inovação é caracterizada, também, por um grau de novidade
e difusão, por exemplo, pode ser nova para a empresa (ou seja, ainda que outras empresas já a
tenham implementado), nova para o mercado (quando outras empresas já a implantaram, mas
não no mesmo mercado), ou nova para o mundo.
A aceitação da existência de distintos tipos de inovação foi o resultado de uma evolução
conceitual do tema, evidenciada tanto qualitativa - no que se refere ao entendimento do que seja
inovar e dos atores que fazem parte deste processo - como quantitativamente – no sentido do
número de publicações do tema.
Cabe salientar que, em paralelo às discussões sobre a influência da inovação no
desenvolvimento econômico e inclusive anterior a elas, outros assuntos correlatos também eram
discutidos, tais como a mudança tecnológica e o empreendedorismo, assim, a seção a seguir
apresenta um levantamento histórico dos principais acontecimentos, autores e propostas que

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levaram à compreensão atual do que é inovação. O próximo item apresenta a origem da


Inovação.

3.1 Origem
A origem da inovação, como campo de estudo, encontra-se na própria história do
pensamento econômico, o qual começou a preocupar-se por identificar os fatores que
promovem o crescimento econômico das nações, a fins do Século XVIII, no contexto da
Revolução Industrial (Figura 1).

Figura 1 - Linha do tempo sobre a origem da inovação como campo de estudo

Fonte: Elaborado pelos autores, 2016.

A partir de trabalhos iniciais como os de David Ricardo e Adam Smith, começa a


perceber-se a importância dos fatores de produção bem como dos tipos de retorno para
promover a ‘riqueza das nações’ (NELSON, 2007), contudo, foi Joseph A. Schumpeter quem
iniciou, formalmente, a discussão da inovação como fator chave ao desenvolvimento
econômico.
Naquela época, Schumpeter estava interessado por entender as causas dos ciclos
econômicos (ondas de crescimento seguidas por ondas de estagnação). O autor teoriza que em

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épocas de estagnação econômica, certo tipo de indivíduo - conhecidos na atualidade como


empreendedores - se aventuravam a criar novos empreendimentos e/ou novas tecnologias, o
que levava a novas fontes de renda, atraindo a atenção de mais e mais agentes imitando tal
comportamento e ‘puxando a economia para cima’ (SCHUMPETER, 1927). Com o passar do
tempo, os retornos financeiros reduziam, pelo fato da saturação do mercado, o que levava,
novamente a uma era de estagnação, até que novamente, os empreendedores procurassem por
novos empreendimento e/ou novas tecnologias, iniciando uma nova onda de crescimento. A
este processo, Schumpeter chamou de ‘destruição criativa’ (PACHECO ET AL., 2016).
Neste sentido, J. Schumpeter acreditava que o motor do desenvolvimento econômico
estava centrado na busca por novas tecnologias e formas de produção - ou inovação - e que o
agente principal deste processo era o empreendedor. Com o passar do tempo, Schumpeter
percebeu também, que além do empreendedor, as grandes empresas também eram importantes
para o processo de inovação e para a ‘destruição criativa’, pois são elas as que investem em
atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e que levam ao progresso técnico.
Assim, J. Schumpeter contribui com a teoria da inovação ao identificar dois elementos
importantes para esse fim, o empreendedor, como ator que procura por novas formas de gerar
lucro e as empresas, principalmente as de maior porte, as quais têm mais possibilidades de
investir em P&D. Contudo, J. Schumpeter não influenciou apenas a compreensão da inovação
e sim a ciência econômica como um todo, em especial na discussão sobre desenvolvimento
econômico, com a publicação de vários livros, dentre eles por exemplo “The Theory of
Economic Development” de 1934.
Anos depois, o economista e possuidor do prêmio Nobel, R. Solow, identificou pela
primeira vez que há uma uma relação causa-efeito entre a mudança tecnológica - ou inovação
- e o crescimento econômico (SOLOW, 1956; 1957), ou seja, que de fato, a mudança
tecnológica - ou inovação - afeta positivamente o crescimento econômico das nações. Muito
embora, apesar do avanço teórico sobre essa relação, os estudos da inovação no crescimento
econômico permaneceram marginais ao corpo mais amplo de literatura econômica.
De qualquer forma, na década de 1960, pesquisadores e entidades internacionais como
a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) começam a procurar
novas explicações para o fenômeno da inovação, e principalmente, para a compreensão da sua
influência na economia das nações (UNGER; ZAGLER, 2003; GODIN, 2009).
A principal crítica ao modelo da época, denominado ‘modelo linear da inovação’ era
que os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nem sempre ofereciam os retornos

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esperados. Em outras palavras, investimentos em capital humano, tecnologia e atividades de


inovação nem sempre produziam inovações e nem retorno financeiro e que portanto, o
mecanismo de ‘equilíbrio de mercado entre oferta e demanda’ nem sempre funcionava
adequadamente. Este fenômeno foi conhecido como o de ‘falha de mercado’ e permeia até hoje
as pesquisas na área de inovação (AHRWEILER, 2016).
Anos depois, teóricos como Romer (1990) e Grossman e Helpman (1994) entre outros
desenvolveram a ‘Nova Teoria do Crescimento’, que incorporava suposições mais realistas aos
modelo linear, como por exemplo, à existência do conhecimento como fator de produção
(GODIN, 2009), porém, mantinha intactas as premissas mais básicas como a premissa do
equilíbrio de mercado (SHARIF, 2006).
Foi neste contexto que várias obras seminais foram publicadas, entre elas o livro
organizado por R. Nelson “The Rate and Direction of Inventive Activity” em 1962 (NELSON,
1962) e o livro do E. Rogers “Diffusion of Innovations” (ROGERS, 1962), com uma forte
tendência para estudos sobre o papel da ciência na P&D industrial, na alocação de recursos para
geração de novos conhecimentos e na difusão de inovações em setores estratégicos da época,
como o setor do agronegócio (FAGERBERG; VERSPAGEN, 2009).
Os 1960 também marcam o início da corrente neo-schumpeteriana, a partir da formação
de um dos centros de pesquisa mais influentes na área de inovação até nossos dias, o Science
Research Policy Unit (SPRU) da Universidade de Sussex no Reino Unido, fundado pelo
economista Christopher Freeman. Ambos, o SPRU e o próprio C. Freeman foram instrumentais
para a difusão das pesquisas na área da inovação nas décadas seguintes. Em 1974, Freeman
publica o primeiro livro que estuda amplamente o casos sucesso e insucesso de inovação e,
principalmente, os fatores que levaram a esses resultados (FREEMAN, 1974), considerado
como uma das obras seminais da corrente neo-schumpeteriana. A influência do SPRU também
foi importante para a elaboração de outra obra seminal da corrente neo-schumpeteriana, o livro
“Technical Change and Economic Theory”, editado por G. Dosi, C. Freeman, R. Nelson, G.
Silverberg e L. Soete (DOSI et al., 1988).
A corrente neo-schumpeteriana segue a influência do J. Schumpeter, no sentido da
inovação como motor do desenvolvimento e da ‘destruição criadora” por parte dos agentes
econômicos, mas contribuem com a teoria da inovação ao se apoiar também, em outros fatores
adicionais aos propostos originalmente por Schumpeter. Assim, os neo-schumpeterianos
apóiam seus argumentos, sendo eles: i) na importância das ‘instituições’, ou, mais precisamente,
na ‘teoria institucional’; ii) nos processos de aprendizado a nível firma, como os indutores da

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inovação e da mudança técnica e; iii) na importância do contexto geográfico para a geração de


inovações. A seguir apresentar-se-ão os argumentos em questão.
A teoria institucional traz como relevante a influência do marco institucional, ou seja,
da legislação, das normas de metrologia, de qualidade e de outras que ‘regulam’ um
determinado sistema econômico (nível macro) ou a firma (nível micro), como as normas e
rotinas internas de uma firma ou a própria ‘cultura organizacional’, particular a cada firma. Esta
contribuição a corrente neo-schumpeteriana, provém, inicialmente dos trabalhos do R. Nelson,
B.A. Lundvall e do próprio C. Freeman. Esta influência iniciou, também, na década de 1960-
1970, quando entidades como a OECD iniciavam a publicação de relatórios sobre e
desempenho inovativo dos seus países membros e sobre a necessidade de políticas públicas que
incentivassem a inovação nesses países.
Com relação aos processos de aprendizado a nível firma, são os trabalhos de E.
Penrose, principalmente o livro “The Theory of the Growth of the Firm” (PENROSE, 1959)
que chama a atenção sobre o pouco estudo e interesse, por parte dos teóricos da época, em
estudar o comportamento da firma para entender como e porque as firmas tomam as decisões
da forma que o fazem. Nesta linha, além das obras já citadas anteriormente, o trabalho intitulado
“An Evolutionary Theory of Economic Change” do Nelson e Winter (1982), também foi
seminal para o estudo da inovação, pois oferecia uma nova perspectiva sobre o comportamento
das firmas.
Neste trabalho produzido por Nelson e Winter (1982), o argumento do comportamento
da firma pode ser simplificado em dois aspectos: i) na geração de novas rotinas organizacionais
a partir dos processos de aprendizado, ou seja, da descoberta de novas e melhores formas de
produzir, o que leva a identificação e escolha das rotinas que levam a um maior crescimento da
firma e a eliminação de outras menos eficientes; e ii) na imitação das rotinas mais eficientes
por outras firmas, até que as mesmas não o sejam mais e seja necessário procurar por novas.
A contribuição do Nelson e Winter (1982) certamente foi seminal para os estudos da
inovação e para a corrente neo-schumpeteriana, mas também o foi para a própria corrente
evolucionária - o outro pilar dos estudos modernos sobre inovação. Do ponto de vista da
corrente evolucionária, os autores propuseram um comportamento dinâmico e evolutivo das
firmas num determinado sistema econômico, a partir do qual, algumas firmas sobrevivem e
‘crescem’ e outras estagnam e ‘morrem’, seguindo uma analogia com o comportamento
evolucionário dos seres vivos.

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Ainda nesta analogia, os organismos individuais (fenótipos) correspondem às firmas, as


populações aos mercados ou indústrias, o genes às rotinas organizacionais; as mutações às
inovações e a lucratividade (crescimento da firma) ao fitness ou aptidão (POSSAS, 2008). Além
dos mecanismos de variação e seleção, o primeiro, correspondendo ao processo de busca das
firmas, a partir do qual novos produtos, processos, métodos organizacionais e modelos de
negócio são buscados pelas firmas; e o segundo, correspondendo à seleção das rotinas mais
eficientes pelas firmas a partir da resposta do mercado.
Para isto, Nelson e Winter (1982) desenvolveram um modelo de simulação do tipo
agent-based modeling (ABM), no qual as firmas possuem comportamento heterogêneo e onde
as rotinas e regras de decisão dependem de informações limitadas do mercado (p.ex. a
probabilidade de aceitação do mercado a um novo produto, entre outras) afastando-se da
premissa de maximização de utilidade e do equilíbrio de mercado. Ou seja, as firmas não
conseguem maximizar a utilidade individual, simplesmente porque não possuem a informação
completa do mercado, e portanto, operam com regras de decisão sub-ótimas por meio de um
processo de racionalidade limitada (SIMON, 1959), esta última, considerada como uma
aproximação mais real do comportamento dos agentes dentro da firma.
Por fim, o terceiro argumento da corrente neo-schumpeteriana refere-se à importância
da territorialidade para o processo de inovação, no sentido do contexto sócio-político da
região ou país onde a firma encontra-se inserida. De fato, a principal abordagem - fundamentada
pela corrente neo-schumpeteriana - utilizada para a análise da inovação a nível internacional
sustenta que o processo de inovação depende de um conjunto de agentes - dos quais a firma é
apenas um deles - inseridos num contexto sócio-político dentro de um determinado território:
esta abordagem é conhecida como a dos sistemas de inovação (NIOSI, 2002).
Assim, a partir de Freeman (1974) e Dosi et al. (1988) dentre outros, a abordagem dos
sistemas de inovação começou a se estruturar sobre o foco do território, inicialmente concebida
para o foco nacional. Os sistemas nacionais de inovação integram todos os agentes públicos e
privados e as instituições dentro de uma nação que interagem com o objetivo de produzir
inovações, com especial interesse para a formulação de políticas que ajudem a incentivar a
inovação e resultem em desenvolvimento econômico (LUNDVALL, 1992).
A nível regional também encontraram-se evidências da importância de políticas que
ajudassem os agentes - principalmente as Universidades e as Firmas - a interagirem e a
produzirem inovações. Desta forma, boa parte das políticas a nível nacional e regional na

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Europa e em outras regiões industrializadas a partir da década de 1990, utilizaram como


conceito central, o do sistema de inovação.
O primeiro trabalho que utilizou a denominação de “Sistema Nacional de Inovação” foi
um artigo redigido por C. Freeman em 1982 no contexto de um conjunto de debates sobre as
políticas industriais, que estavam acontecendo na Europa e que eram promovidos
principalmente pela OECD (SHARIF, 2006). O artigo dirigido ao grupo de especialistas em
Ciência, Tecnologia e Competitividade da OECD, do qual Freeman era consultor, descrevia o
trabalho do Friedrich List sobre o “National System of Political Economy” de 1841
(FREEMAN, 1995), onde List aconselhava o governo alemão a desenvolver forças produtivas
ao invés de focalizar na alocação de recursos (LUNDVALL, 2004).
O trabalho de Freeman apontava também a fatores não considerados pela teoria
econômica neoclássica – as relações institucionais entre Estado, setor acadêmico e setor privado
- que influenciavam os processos de mudança tecnológica e consequentemente o processo de
inovação, fato pelo qual, conforme cita Sharif (2006), o paper em questão fosse percebido pela
OECD como polêmico demais - para a época - e portanto não publicado. Mais de vinte anos
depois, o artigo de C. Freeman foi finalmente publicado num número especial do periódico
Industrial and Corporate Change, precedido por uma introdução feita pelo B.A. Lundvall
(FREEMAN, 2004; LUNDVALL, 2004).
Alguns anos após o relatório dirigido ao grupo de especialistas em Ciência, Tecnologia
e Competitividade da OECD, C. Freeman - como líder do SPRU publicava o livro “Technology
policy and economic performance: lessons from Japan” em 1987, onde se discutiam os fatores
que levaram o Japão a se recompor da II Guerra Mundial e a se converter em potência
econômica. O autor sustentava no livro que esse crescimento deveu-se ao Sistema Nacional de
Inovação desse país (FREEMAN, 1987).
Paralelamente, em 1985, o acadêmico e economista Bengt Ake Lundvall publicava os
resultados de pesquisa do grupo que lidera até hoje, o IKE-Group da Universidade de Aalborg
na Dinamarca, vinculados às relações entre produtores e usuários dentro dos sistemas de
inovação. Posteriormente, o autor detalha com mais cuidado as idéias propostas naquele artigo
e publica o livro “National Systems of Innovation: Towards a Theory of Innovation and
Interactive Learning” (LUNDVALL, 1992), uma das obras mais citadas na literatura sobre
Sistemas de Inovação.
No mesmo ano, R. Nelson publica um artigo em Industrial and Corporate Change que
apresenta os resultados de um estudo comparativo dos sistemas nacionais de inovação de quinze

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países. A discussão do estudo é logo ampliada no livro de 1993, “National Innovation Systems:
A Comparative Analysis” [Vide Nelson (1992) e Nelson (1993)].
Devido à proximidade temporal e conceitual, as obras “Technology policy and
economic performance: lessons from Japan” de Freeman (1987), “National Systems of
Innovation: Towards a Theory of Innovation and Interactive Learning” de Lundvall (1992) e
“National Innovation Systems: A Comparative Analysis” de Nelson (1993) marcam o início da
abordagem conceitual dos Sistemas de Inovação. Neste contexto, o próximo tópico apresenta a
evolução que ocorreu com a área de Inovação.

3.2 Evolução
Desde a década de 1990, quando a inovação entrou formalmente como fator chave nas
hipóteses de desenvolvimento econômico e produtividade, tanto a nível macro (políticas
nacionais e regionais) quanto a nível micro (planejamento estratégico e tomada de decisão nas
firmas) (OECD, 2005), houveram importantes evoluções teórico-conceituais que permeiam até
hoje as principais questões de pesquisa no campo da inovação.
Contudo, dada a característica multidisciplinar do campo da inovação, várias sub-
comunidades científicas emergiram ao longo dos anos, cada uma interessada em um aspecto ou
dimensão distintos da inovação. De forma sintética, observam-se, na atualidade, três grandes
clusters ou agrupamentos dentro do campo da inovação: ‘economia da inovação’, ‘ciência,
tecnologia e sociedade’ e ‘gestão da tecnologia e inovação’ (FAGERBERG; VERSPAGEN,
2009; MORLACCHI; MARTIN, 2009).
O cluster ‘economia da inovação’ abriga a comunidade neo-schumpeteriana
(FAGERBERG; VERSPAGEN, 2009), fortemente dominada por economistas de formação,
que por sua vez pode ser subdividida em grupos menores, tais como os ‘evolucionários’: que
se reúnem em eventos como o Danish Research Unit for Industrial Dynamics (DRUID) e o
International Schumpeter Society (ISS), e que possuem um interesse mais específico no
aprofundamento da teoria evolucionária iniciada por Nelson e Winter (1982), como por
exemplo na construção de modelos ABM cada vez mais sofisticados e em pesquisas empíricas
sobre conceitos-chave para esta sub-comunidade, tais como o das rotinas organizacionais; os
‘lundvallianos1’ ou pesquisadores interessados no uso e aprofundamento teórico da abordagem
dos sistemas de inovação nas suas diferentes dimensões, principalmente as dimensões nacional,

1
 Esta  denominação  refere-­‐se  aos  pesquisadores  influenciados  pelo  B.A.  Lundvall  sobre  a  abordagem  do  
sistema  de  inovação  (vide  Lundvall,  1992).  

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regional e setorial, e que se reúnem em eventos como o Globelics ou o ISS; e ainda, os


interessados em economia industrial, também dominada por economistas e que têm como
principal foco de análise os setores industriais, porém com menor intensidade nas questões
específicas do campo da inovação.
O cluster ‘ciência, tecnologia e sociedade’, fortemente dominada por sociólogos,
historiadores e filósofos da ciência (MORLACCHI; MARTIN, 2009). O interesse principal de
pesquisa deste agrupamento é a interação entre a produção de conhecimento técnico e científico
com os impactos na sociedade bem como a mensuração desses impactos por meio de
indicadores de CTI e por sua vez, os impactos da sociedade na geração da ciência e tecnologia.
Entre as associações que agrupam este cluster, pode-se citar a Society for Social Studies of
Science e a European Association for the Study of Science and Technology (EASST). Em
termos de eventos, vários são compartilhados com o cluster dos neoschumpeterianos, entre eles
o ISS, o DRUID e o Globelics.
Por fim, o cluster ‘gestão da tecnologia e inovação’ está composto principalmente por
pesquisadores das ciências da administração, gestão e de engenharias como a engenharia de
produção. O principal interesse de pesquisa está relacionado com as atividades inovativas 2
dentro da firma (no nível individual e em menor medida no nível setorial) e em como gerenciar
adequadamente essas atividades (FAGERBERG; VERSPAGEN, 2009; MORLACCHI;
MARTIN, 2009). Do ponto de vista das associações que agrupam os pesquisadores deste
cluster, pode-se mencionar a Academy of Management (AoM) dos Estados Unidos e o
European Group of Organizational Studies (EGOS). Com relação aos eventos, pode-se
mencionar o International Association for Management of Technology (IAMOT) e o próprio
evento anual da AoM.
Os primeiros dois agrupamentos (‘economia da inovação’ e ‘ciência, tecnologia e
sociedade’) compartilham, em certa medida, os journals mais relevantes, tais como o Research
Policy, Technovation, Journal of Evolutionary Economics, Journal of the Economics of
Innovation and New Technology (EINT) e o Structural Change and Economic Dynamics
(SCED). Já o terceiro agrupamento (gestão da tecnologia e inovação) costuma publicar em
journals mais focalizados em aspectos da gestão, tais como o Journal of Product Innovation
Management (JPIM), Management Science (MS) e o Strategic Management Journal (SMJ).

2
 De  acordo  ao  Manual  de  Oslo  (OECD,  2005),  há  uma  ampla  variedade  de  atividades  inovativas,  desde  as  mais  
tradicionais  como  a  P&D  até  atividades  como  treinamentos,  compra  de  equipamentos,  entre  outras.  

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Embora, como foi visto anteriormente, cada uma das três comunidades está interessada
em aspectos distintos da inovação, pode-se observar uma maior convergência nos últimos anos,
principalmente nos aspectos relacionados com o desenvolvimento sustentável em geral e com
a sustentabilidade, em particular (Figura 2).

Figura 2. Relação das comunidades científicas no campo da inovação com a sustentabilidade

Fonte: Elaborado pelos autores, 2016

Do ponto de vista das pesquisas da economia da inovação, e em específico dos


‘lundvallianos’, recentemente têm surgido uma nova aproximação do conceito de sistema de
inovação, denominado ‘sistema tecnológico de inovação’ o qual refere-se ao conjunto de
agentes públicos e privados, às instituições e aos relacionamentos entre eles, necessários para
gerar e disseminar tecnologias (CARLSSON; STANKIEWICZ, 1991).
Nota-se neste recorte tecnológico, que o desenvolvimento de uma tecnologia em
particular independe da fronteira geográfica (dos sistemas nacionais e regionais de inovação) e
também da fronteira setorial (uma determinada tecnologia pode ser útil para mais de um setor,
de diversas formas). Assim, esta abordagem específica, tem sido utilizada para facilitar a
geração e difusão de tecnologias de energia renovável, inclusive, com a proposição de analisar
e gerenciar atividades específicas dentro do sistema tecnológico, com o objetivo de acelerar tal
difusão (HEKKERT ET AL, 2007; BERGEK ET AL, 2008). Este arcabouço tem se
disseminado rapidamente e conta com aproximadamente 200 trabalhos acadêmicos publicados
utilizado-o (GOSENS; LU; COENEN, 2015) para analisar as tecnologias solar fotovoltaica,
solar concentrada, eólica, biomassa e fontes alternativas de combustível, dentre outras.
Do ponto de vista da ciência, tecnologia e sociedade, diversas pesquisas têm surgido,
também, na perspectiva da sustentabilidade. Pelo perfil dos pesquisadores deste grupo, a
abordagem têm sido mais sociológica e histórica, considerando de forma ampla, a transição

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sociotécnica para a sustentabilidade. Nesta linha, têm se desenvolvido abordagens para analisar,
por exemplo, as tecnologias de energia renovável antes mencionadas, tais como a ‘perspectiva
multinível’ (GEELS, 2002), e a ‘gestão estratégica de nichos’ para o desenvolvimento de
tecnologias de energia renovável (KEMP; SCHOT; HOOGMA, 1998; SCHOT; GEELS, 2008).
Ambas apresentam uma compreensão baseada nas experiências anteriores da humanidade com
relação a transições sociotécnicas (por exemplo, na transição do vapor para a eletricidade) e se
apoiam em vários dos conceitos mencionados ao longo deste capítulo, entre eles na perspectiva
evolucionária das firmas, na teoria institucional mas também em conceitos das ciências da
gestão, tais como o de nichos de mercado.
Por fim, do ponto de vista das pesquisas na gestão da tecnologia e inovação, o interesse
na área da sustentabilidade refere-se, por exemplo, à manufatura de produtos ecologicamente
corretos ou que representem uma redução significativa de riscos ambientais, poluição e outros
impactos negativos, o que é conhecido como eco-inovação ou desenvolvimento de produtos
sustentáveis (BARBIERI et al., 2010). De fato, este tipo de produtos requer de reestruturações
desde o nível estratégico da organização até o nível do chão de fábrica, modernização de
máquinas e equipamentos e capacitação, dentre outros, necessitando para tal, da interface com
outros campos de estudo, tais como o da gestão estratégica, o do desenvolvimento de produtos
e o do planejamento e controle da produção.
Do ponto de vista da responsabilidade social, também as pesquisas neste campo têm se
interessado sobre os impactos de produtos com ‘selo verde’ na percepção dos consumidores e
de outros stakeholders, também criando interface de pesquisas com as áreas de marketing e
produção.
Assim, a próxima seção detalha em maior medida, as questões relacionadas com a
sustentabilidade, a sua origem e evolução, e as inter relacionam com a seção anterior e com esta
mesma.

4. SUSTENTABILIDADE
A Sustentabilidade é um tema muito discutido nos últimos anos, devido aos impactos
provocados pelo homem com suas fabricações, a sociedade e ao meio ambiente. Porém, existem
muitas dúvidas e compreensões errôneas, nos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável, sua origem e evolução.
Desta forma, conceituar sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável tem sido uma
tarefa árdua e muitas vezes sem o efeito prático desejado porque existe um pluralismo de

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