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Valter Pomar
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020
Valter Pomar
Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
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Certamente quem acreditava naquela besteira do “colapso”, precisa 人) 下一步
mesmo rever suas aná lises. Acontece que: 1) esta nunca foi a ú nica
posiçã o existente na esquerda brasileira; 2) as esquerdas brasileiras já
incorreram em erros analı́ticos maiores e já sofreram derrotas
paralisantes por mais tempo, sem que isto tenha signi icado sua morte.
Outro motivo pelo qual as a irmaçõ es acima citadas sã o incorretas é que
sabemos, sim, quem sã o os responsá veis pelo atropelamento:
diretamente, a coalizã o que sustenta o governo Bolsonaro;
indiretamente, os setores oposicionistas que, desde o inı́cio, lertaram
com aspectos da reforma, criando di iculdades para que a esquerda
tivesse uma tá tica coesa e consistente.
Como já disse, ele usa a palavra “morte” de forma, digamos, um pouco
criativa. Por exemplo, copio a seguir outra frase dele: “a esquerda
brasileira nã o é mais capaz de impor outro horizonte econô mico-
polı́tico”.
Nã o! Segundo Safatle, seria toda a esquerda que “nã o é mais capaz de
impor outro horizonte econô mico-polı́tico”.
Aqui há uma pegadinha: para “impor” outro horizonte, é preciso lutar
por ele, acumular forças, conquistar vitó rias parciais etc. E quanto se está
saindo de uma derrota, como é o nosso caso agora, é preciso lamber as
feridas e corrigir rumos. No caso concreto, é preciso compreender,
derrotar e superar as posiçõ es que contribuı́ram para a derrota brutal
que experimentamos entre 2015 e 2018.
Quem disse que isso ia ou vai ser fá cil? Quem disse que isso ia ou vai ser
rá pido? Quem disse que ia ou vai ser linear? E quem disse que nosso
realinhamento seria garantido?
Safatle diz que “durante todo o ano de 2019”, “nã o foram poucos aqueles
que esperaram da esquerda brasileira (todos os partidos e instituiçõ es
inclusas) a expressã o de outro tipo de polı́tica. A esquerda governa
estados, municı́p ios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um
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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
conjunto de polı́ticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de
rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora.
Houve é poca que a esquerda, mesmo governando apenas municı́p ios,
conseguia obrigar o paı́s a discutir pautas sobre polı́ticas sociais
inovadoras, partilha de poder e modi icaçã o de processos produtivos.
Nã o há sequer sobra disto agora”.
Isto foi parcialmente possı́v el, entre 1982 e 2002: a esquerda, a partir de
prefeituras e governos estaduais, conseguiu “indicar a viabilidade” de
polı́ticas alternativas. Mas isto nã o é possı́v el hoje, exatamente porque o
perı́odo histó rico mudou e, portanto, nossa estraté gia nã o pode ser a
mesma que adotamos antes.
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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
Hoje, nos dias que correm, é necessá rio construir uma nova estraté gia e
será preciso certo tempo para construir a correlaçã o de forças necessá ria
para que esta nova estraté gia possa ser vitoriosa. Deste ponto de vista, a
referê ncia que Safatle faz a Carlos Marighella pode se prestar a todo tipo
de confusã o.
Safatle diz que “a liçã o de Marighella nã o foi ouvida. Tanto que a
esquerda brasileira fará o mesmo erro com o inal da ditadura militar e
com o advento da Nova Repú blica. A histó ria será simplesmente a
mesma: o movimento em direçã o a um jogo de alianças entre demandas
sociais e interesses de oligarquias locais descontentes tendo em vista
mudanças 'graduais e seguras' que serã o varridas do mapa na primeira
reaçã o bem articulada da direita nacional”.
Para nã o esticar a conversa, deixo para outro momento a discussã o sobre
a in luê ncia dos “ditames antirrevolucioná rios do Soviete Supremo”,
apenas registrando que se isso fosse verdade, nã o haveria como explicar
o ocorrido, por exemplo, em 1935.
Seja como for, nã o importa tanto a maneira como Safatle vê a in luê ncia
sovié tica, no passado da esquerda brasileira; o que realmente importa é
como ele vê a esquerda brasileira hoje.
Por exemplo: que conclusã o prá tica tirar da a irmaçã o segundo a qual
toda a esquerda brasileira foi “formada para a coalizã o e para a
negociaçã o” e, por isso, “nã o sabe o que fazer quando precisa mudar o
jogo e caminhar para o extremo”, pois “sua inteligê ncia nã o age nesse
sentido, suas estruturas nã o agem nesse sentido, sua classe polı́tica nã o
age nesse sentido”.
Como já disse algué m, estas notı́cias de nossa morte sã o um pouco
exageradas. As esquerdas brasileiras nã o estã o mortas. O PT nã o está
morto. Claro que podemos vir a morrer, até porque tudo que é vivo
algum dia morre. E claro que podemos nos suicidar, se persistimos em
orientaçõ es polı́ticas e atitudes prá ticas equivocadas. Mas nã o estamos
mortos.
Pergunto: na prá tica, nos dias que correm, a quem serve a irmar que a
esquerda “morreu”, “tocou seu limite e demonstrou nã o ser capaz de
ultrapassá -lo”?
Serve aos que lutam para alterar a estraté gia hegemô nica na esquerda
brasileira? Ou serve aos que lutam para destruir toda a esquerda
brasileira?
Serve aos que lutam para derrotar Bolsonaro pela esquerda? Ou serve
aos que argumentam que o caminho para derrotar Bolsonaro é pelo
centro?
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-10/como-a-esquerda-
brasileira-morreu.html
Este é um artigo que gostaria de nã o ter escrito e nã o tenho prazer algum
https://archive.vn/OZ6mA#selection-425.1-425.51 5/9
09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
em fazer enunciaçõ es como a que dá corpo ao tı́tulo. No entanto, talvez
nã o haja nada mais adequado a falar a respeito da situaçã o polı́tica
brasileira atual, depois de um ano de Governo Jair Bolsonaro e a
consolidaçã o de seu apoio entre algo em torno um terço dos eleitores.
Aqueles que acreditavam em alguma forma de colapso do Governo e de
sua base precisam rever suas aná lises. O que vimos foi, na verdade, outro
tipo de fenô meno, a saber, a inoperâ ncia completa do que um dia foi
chamado de “a esquerda brasileira” enquanto força opositora. Nã o que se
trate de a irmar que ela está diante do seu im puro e simples. Melhor
seria dizer que um longo ciclo que se confunde com sua pró pria histó ria
termina agora. O pior que pode acontecer nesses casos é “nã o tomar
ciê ncia de seu pró prio im” repetindo assim uma situaçã o que lembra
certo sonho descrito uma vez por Freud na qual um pai morto continua a
agir como se estivesse vivo. A angú stia do sonho vinha do fato do pai
estar morto e nada querer saber disto. Se a esquerda brasileira nã o
quiser ver sua morte de initiva como destino, seria importante se
perguntar sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou,
quais seus limites.
Talvez seja o caso de insistir neste ponto porque, como dizia Maquiavel,
o povo prefere um governo ruim a governo nenhum. Nã o sã o as
qualidades do Governo Bolsonaro que dã o a ele certa adesã o popular. E o
vazio, é o fato de nã o haver nenhuma outra alternativa realmente crı́v el
neste momento. E a razã o disso é simples: a esquerda brasileira morreu,
ela tocou seu limite e demonstrou nã o ser capaz de ultrapassá -lo. Isso
vale tanto para partidos, sindicatos quanto para a classe intelectual (na
qual me incluo). Nossas açõ es até agora nã o se demonstraram à altura
dos desa ios efetivos. O melhor a fazer seria começar a se perguntar pela
razã o de tal situaçã o.
A liçã o de Marighella nã o foi ouvida. Tanto que a esquerda brasileira fará
o mesmo erro com o inal da ditadura militar e com o advento da Nova
Repú blica. A histó ria será simplesmente a mesma: o movimento em
direçã o a um jogo de alianças entre demandas sociais e interesses de
oligarquias locais descontentes tendo em vista mudanças “graduais e
seguras” que serã o varridas do mapa na primeira reaçã o bem articulada
da direita nacional.
Nesse sentido, nossa histó ria segue os passos da histó ria argentina: outro
campo de ensaio do populismo de esquerda. Mas há um diferença
substancial aqui. Depois da experiê ncia ditatorial, a Argentina soube
criar um linha de contençã o de impulsos golpistas. Hoje, quase mil
pessoas ainda se encontram nas cadeias argentinas por crimes da
ditadura. No Brasil, ningué m foi preso. A resposta argentina produziu
uma linha de contençã o, inexistente entre nó s, que permitiu ao
peronismo ter ressureiçõ es perió dicas. Di icilmente, essa será a histó ria
brasileira daqui para frente, pois o risco de deriva militar é real entre
nó s.
Mas há ainda um outro fator decisivo. O colapso do lulismo nã o foi
seguido apenas de um golpe parlamentar apoiado em prá ticas
criminosas de setores do poder judiciá rio. Ele foi seguido da criaçã o de
uma espé cie de antı́d oto à reemergê ncia do corpo polı́tico populista. O
que vimos, e agora isto está cada vez mais claro, foi a emergê ncia de um
corpo fascista. Mas o corpo polı́tico fascista é normalmente a versã o
terrorista e invertida de um corpo polı́tico anterior, marcado pela
emergê ncia do povo e pelas promessas de transformaçã o social. Dessa
forma, ele acaba por bloquear sua ressurgê ncia. Já se disse que todo
fascismo nasce de uma revoluçã o abortada. Nada mais justo.
O fato é que tal dinâ mica demonstrou-se e icaz. Ela quebrou os processos
de incorporaçõ es populistas que foram, até agora, a alma da esquerda
brasileira. Por isso, o que vemos agora é uma esquerda sem capacidade
de açã o, pois atordoada com o fato de a direita brasileira ter, en im,
produzido a sua igura com capacidade de incorporaçã o do povo, agora
sem o erro de apostar em um egresso da elite polı́tico-econô mica (Collor)
ou em algué m sem vı́n culos orgâ nicos com o militarismo fascista (Jâ nio).
Numa situaçã o como essa, a esquerda nacional ainda paga o preço de ter
sido formada para a coalizã o e para a negociaçã o. Esse é seu DNA, desde
a polı́tica de alinhamento do PCB aos ditames anti-revolucioná rios do
Soviete Supremo. Por isso, ela nã o sabe o que fazer quando precisa
mudar o jogo e caminhar para o extremo. Sua inteligê ncia nã o age nesse
sentido, suas estruturas nã o agem nesse sentido, sua classe polı́tica nã o
age nesse sentido. Seus movimentos de revolta perdem-se no ar por nã o
ter nenhuma sustentaçã o ou coordenaçã o de medio e longo prazo. Foi
assim que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa histó ria tem
que chegar a um im. Ela deverá tomar ciê ncia de seu im.
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