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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!

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Valter Pomar
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020
Valter Pomar
Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!

O El Pais publicou, no dia 11 de fevereiro de 2020, um artigo intitulado Arquivo do blog


“Como a esquerda brasileira morreu”. ▼ 2020 (37)
► Julho (4)
Ao contrá rio do que sugere o tı́tulo, o artigo nã o é assinado por algué m
da direita, mas sim por Vladimir Safatle. ► Junho (8)
► Maio (4)
Vejo quando posso os artigos de Safatle, tendo polemizado com alguns,
► Abril (9)
como se pode ler nos endereços abaixo:
► Março (6)
http://valterpomar.blogspot.com/2014/06/sequestraram-safatle.html?m=0
▼ Fevereiro (6)
http://valterpomar.blogspot.com/2014/08/comentario-complementar-ao-texto-do.html Nas cinzas desta quarta-
feira
Camilo Santana e a
Desta vez, Safatle começa explicando ter cometido “um artigo que fechadura "lenta,
gostaria de nã o ter escrito e nã o tenho prazer algum em fazer gradual e seg...
enunciaçõ es como a que dá corpo ao tı́tulo”. Tarso Genro, mais uma
vez
Entretanto, diz ele, “talvez nã o haja nada mais adequado a falar a Resposta a Vladimir
respeito da situaçã o polı́tica brasileira atual, depois de um ano de Safatle: a esquerda
Governo Jair Bolsonaro e a consolidaçã o de seu apoio entre algo em não morreu!
torno um terço dos eleitores”. Mercadante e os 40 anos
do PT
Se entendi direito, teriam bastado um ano de governo da extrema Tarso Genro e a festa do
direita e um terço dos eleitores para Safatle declarar morta a esquerda PT
brasileira.
► 2019 (39)
Que aconteceria se este tipo de “peso e medida” tivesse prevalecido em ► 2018 (98)
inú meras outras situaçõ es de derrota, no Brasil e mundo afora?
► 2017 (93)
Um sé culo de existê ncia, quatro vitó rias presidenciais seguidas desde ► 2016 (136)
2002, 47 milhõ es de eleitores em 2018, centenas de milhares de ► 2015 (152)
militantes distribuı́d os em inú meros partidos e movimentos sociais, uma ► 2014 (185)
imensa tradiçã o cultural, tudo isto teria morrido??
► 2013 (172)
O absurdo é tã o grande, que Safatle logo explica que “nã o que se trate de ► 2012 (89)
a irmar que ela está diante do seu im puro e simples. Melhor seria dizer ► 2011 (143)
que um longo ciclo que se confunde com sua pró pria histó ria termina
agora”.
Tema CAMARADAS
Entã o tá : a esquerda nã o morreu, foi um “longo ciclo” que “termina Espetacular
agora”. Mas, complementa Safatle, se “a esquerda brasileira nã o quiser Ltda..
ver sua morte de initiva como destino, seria importante se perguntar Tecnologia do
Blogger.
sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou, quais seus
limites”.

Nem sempre um im de ciclo equivale a morte. Portanto, é justo


perguntar: qual a origem desta equivalê ncia sugerida por Safatle? O
governo Bolsonaro??

A primeira vista, parece ser isto mesmo. Nas palavras de Safatle,


“aqueles
que acreditavam em alguma forma de colapso do Governo e de sua base
precisam rever suas aná lises. O que vimos foi, na verdade, outro tipo de
fenô meno, a saber, a inoperâ ncia completa do que um dia foi chamado de
‘a esquerda brasileira’ enquanto força opositora”.
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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!

关注者( 513
Certamente quem acreditava naquela besteira do “colapso”, precisa 人) 下一步
mesmo rever suas aná lises. Acontece que: 1) esta nunca foi a ú nica
posiçã o existente na esquerda brasileira; 2) as esquerdas brasileiras já
incorreram em erros analı́ticos maiores e já sofreram derrotas
paralisantes por mais tempo, sem que isto tenha signi icado sua morte.

O uso da expressã o “morreu”, mesmo atenuado, revela um pessimismo


que talvez nem Freud explique. Pessimismo que está relacionado, penso
eu, à s ilusõ es de quem achava que, necessária e rapidamente e
de initivamente, uma determinada estraté gia seria superada por outra.

Safatle cita, entre os “signos” do tal “diagnó stico terminal”, a aprovaçã o da


“reforma previdenciá ria, isso sem nenhuma resistê ncia digna deste
nome. Ou seja, a maior derrota da histó ria da classe trabalhadora
brasileira foi feita sem que anotassem sequer o nú mero da placa do carro
responsá vel pelo atropelamento”.

Nã o subestimo o tamanho da derrota sofrida na reforma da previdê ncia.


Mas as a irmaçõ es feitas por Safatle e transcritas no pará grafo anterior
sã o incorretas, por vá rios motivos.

O principal motivo de erro é a ideia de que a reforma previdenciá ria teria


sido “a maior derrota da histó ria da classe trabalhadora”. Nã o foi a maior 关注
(o golpe em si e a reforma trabalhista foram, estruturalmente falando,
muito mais graves) e, alé m disso, derrotas maiores podem vir por aı́.

Achar que chegamos ao fundo do poço apenas prepara o terreno para


novas e piores crises depressivas. A inal, tudo indica que as coisas vão
piorar muito antes de começar a melhorar.

Outro motivo pelo qual as a irmaçõ es acima citadas sã o incorretas é que
sabemos, sim, quem sã o os responsá veis pelo atropelamento:
diretamente, a coalizã o que sustenta o governo Bolsonaro;
indiretamente, os setores oposicionistas que, desde o inı́cio, lertaram
com aspectos da reforma, criando di iculdades para que a esquerda
tivesse uma tá tica coesa e consistente.

Acontece que nada disso é novo. Desde os anos 1990, um setor da


esquerda brasileira vem assumindo posiçõ es social-liberais. E,
especialmente depois de 2014, isto tem contribuı́d o para derrotas
gravı́ssimas. Portanto, se há novidade, ela reside em Safatle falar em
morte de toda a esquerda.

Como já disse, ele usa a palavra “morte” de forma, digamos, um pouco
criativa. Por exemplo, copio a seguir outra frase dele: “a esquerda
brasileira nã o é mais capaz de impor outro horizonte econô mico-
polı́tico”.

Ou seja: segundo Safatle, nã o se trata de um setor da esquerda que traiu,


que está equivocado, que adota uma linha inadequada etc. Nem se trata
de algo temporá rio, passageiro, momentâ neo, que possa ser superado.

Nã o! Segundo Safatle, seria toda a esquerda que “nã o é mais capaz de
impor outro horizonte econô mico-polı́tico”.

Aqui há uma pegadinha: para “impor” outro horizonte, é preciso lutar
por ele, acumular forças, conquistar vitó rias parciais etc. E quanto se está
saindo de uma derrota, como é o nosso caso agora, é preciso lamber as
feridas e corrigir rumos. No caso concreto, é preciso compreender,
derrotar e superar as posiçõ es que contribuı́ram para a derrota brutal
que experimentamos entre 2015 e 2018.

Quem disse que isso ia ou vai ser fá cil? Quem disse que isso ia ou vai ser
rá pido? Quem disse que ia ou vai ser linear? E quem disse que nosso
realinhamento seria garantido?

Safatle diz que “durante todo o ano de 2019”, “nã o foram poucos aqueles
que esperaram da esquerda brasileira (todos os partidos e instituiçõ es
inclusas) a expressã o de outro tipo de polı́tica. A esquerda governa
estados, municı́p ios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um

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conjunto de polı́ticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de
rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora.
Houve é poca que a esquerda, mesmo governando apenas municı́p ios,
conseguia obrigar o paı́s a discutir pautas sobre polı́ticas sociais
inovadoras, partilha de poder e modi icaçã o de processos produtivos.
Nã o há sequer sobra disto agora”.

Embora nã o explicite, a crı́tica de Safatle toma como parâ metro o


ocorrido no perı́odo 1982-2002. E o que ele nã o percebe é que este
perı́odo nã o serve como parâ metro para o que precisamos fazer agora.

Explico: Safatle expressa no pará grafo citado anteriormente o desejo de


que a esquerda, a partir dos locais que governa, saiba e consiga construir
alternativas.

Isto foi parcialmente possı́v el, entre 1982 e 2002: a esquerda, a partir de
prefeituras e governos estaduais, conseguiu “indicar a viabilidade” de
polı́ticas alternativas. Mas isto nã o é possı́v el hoje, exatamente porque o
perı́odo histó rico mudou e, portanto, nossa estraté gia nã o pode ser a
mesma que adotamos antes.

E paradoxal, mas neste ponto Safatle parte da mesma premissa adotada


por alguns setores moderados do petismo, que gostariam de derrotar
Bolsonaro da mesma forma como derrotamos FHC. O ponto de apoio de
um e de outros é , principalmente, a institucionalidade. Alé m de tudo, nã o
percebem que existe uma relaçã o direta entre a derrota que sofremos e a
via principalmente institucional de acú mulo de forças.

Depois de Freud, Safatle cita Maquiavel: “nã o sã o as qualidades do


Governo Bolsonaro que dã o a ele certa adesã o popular. E o vazio, é o fato
de nã o haver nenhuma outra alternativa realmente crı́v el neste
momento. E a razã o disso é simples: a esquerda brasileira morreu, ela
tocou seu limite e demonstrou nã o ser capaz de ultrapassá -lo”.

Confesso que tenho certa di iculdade de acompanhar o raciocı́n io de


Safatle. Ele diz que Bolsonaro tem “certa adesã o popular”, ou seja,
reconhece que há uma parte da populaçã o que nã o adere. Esta nã o
aderê ncia decorre, ainda que parcialmente, da açã o da esquerda. Noutra
passagem, Safatle dá a entender que os nã o aderentes seriam dois terços
da populaçã o. Pois bem: entre outros fatores, esta outra parte da
populaçã o torna perfeitamente “crı́v el” a construçã o de uma alternativa.
Que, claro, també m depende de construir, tanto intelectual quanto
praticamente, uma polı́tica globalmente alternativa e adequada.

Segundo Safatle, sua crı́tica “vale tanto para partidos, sindicatos quanto
para a classe intelectual (na qual me incluo). Nossas açõ es até agora nã o
se demonstraram à altura dos desa ios efetivos. O melhor a fazer seria
começar a se perguntar pela razã o de tal situaçã o”.

Pessoalmente, acho que o “melhor” a fazer seria começar nã o


considerando que a intelectualidade seja uma “classe”. Sugiro, també m,
afastar a ansiedade. O fato de que “nossas açõ es até agora nã o se
demonstraram à altura dos desa ios efetivos” pode signi icar, 1) ou bem
que nossas açõ es sã o mal orientadas, 2) ou bem que (mesmo com a linha
adequada) certas mudanças demoram tempo mesmo, 3) ou pode
signi icar (esta é a minha opiniã o) ambas as coisas em doses diferentes.

Safatle parece adepto da primeira variante, propondo como “hipó tese de


trabalho” a seguinte: “a esquerda brasileira conhece apenas um horizonte
de atuaçã o”, o “populismo de esquerda”. E teria sido ele “que se esgotou
sem que a esquerda nacional tenha se demonstrado capaz de passar para
outra fase ou mesmo de imaginar” o que poderia ser a tal “outra fase”.

Safatle nã o é o primeiro, nem será o ú ltimo uspiano a desancar e depois


declarar morto o "populismo". Assim, o que surpreende mesmo é que
Safatle parece acreditar que no Brasil existiu e existe uma ú nica
esquerda, que teria apenas uma ú nica estraté gia. Por decorrê ncia, a
derrota desta esquerda e desta estraté gia, se converteria em derrota de
toda a esquerda.

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Esta visã o é equivocada. A histó ria da esquerda brasileira é , entre muitas


outras coisas, també m a histó ria da luta entre diferentes estraté gias, que
por sua vez expressam a existê ncia, dentro da pró pria esquerda, de
diferentes classes e setores de classe.

O PT, por exemplo, surge por iniciativa daqueles setores da classe


trabalhadora que rejeitavam a conciliaçã o. O fato de que, anos depois, o
pró prio PT tenha majoritariamente se inclinado por uma estraté gia de
conciliaçã o, també m resulta das peripé cias da luta de classes, nã o apenas
da desorientaçã o desta ou daquela liderança.

Hoje, nos dias que correm, é necessá rio construir uma nova estraté gia e
será preciso certo tempo para construir a correlaçã o de forças necessá ria
para que esta nova estraté gia possa ser vitoriosa. Deste ponto de vista, a
referê ncia que Safatle faz a Carlos Marighella pode se prestar a todo tipo
de confusã o.

Marighella é um heró i do povo brasileiro. Como tantos outros heró is


daquela geraçã o, foi durante muito tempo corresponsá vel pela polı́tica
de conciliaçã o adotada, majoritariamente, pela esquerda, estraté gia que
naquela quadra foi derrotada pelo golpe de 1964.

Entretanto, a estraté gia alternativa que Marighella e tantos outros


tentaram construir, logo apó s o golpe de 1964, també m nã o foi vitoriosa.
E isso precisa ser lembrado, para que nã o se incorra no mesmo erro.

Safatle diz que “a liçã o de Marighella nã o foi ouvida. Tanto que a
esquerda brasileira fará o mesmo erro com o inal da ditadura militar e
com o advento da Nova Repú blica. A histó ria será simplesmente a
mesma: o movimento em direçã o a um jogo de alianças entre demandas
sociais e interesses de oligarquias locais descontentes tendo em vista
mudanças 'graduais e seguras' que serã o varridas do mapa na primeira
reaçã o bem articulada da direita nacional”.

Safatle que me perdoe, mas isto simplesmente nã o é verdade. Em


primeiro lugar, nã o é exato que Marighella tenha rompido
completamente com a estraté gia predominante no Partido Comunista,
estraté gia que estava presente tanto no Manifesto de agosto de 1950
quando na Declaração de março de 1958, assim como persistiu em
inú meras organizaçõ es da luta armada posterior ao golpe militar.

Em segundo lugar e mais importante, a rejeiçã o ao “reboquismo” levou


uma parte da esquerda brasileira a criar o Partido dos Trabalhadores em
1980 e a quase conquistar, pela esquerda, a presidê ncia da Repú blica em
1989. Por sinal, Safatle parece desconsiderar, em sua digressã o histó rica,
o PT dos anos 1980 e meados dos anos 1990.

E por falar em digressã o histó rica: Safatle, corretamente, elogia a atitude


dos argentinos frente aos crimes da ditadura. E reclama que “no Brasil,
ningué m foi preso”. Mas daı́ ele deduz que “a resposta argentina
produziu uma linha de contençã o, inexistente entre nó s, que permitiu ao
peronismo ter ressureiçõ es perió dicas. Di icilmente, essa será a histó ria
brasileira daqui para frente, pois o risco de deriva militar é real entre
nó s”.

Penso diferente: as ressureiçõ es perió dicas do peronismo tê m vá rias


origens, entre as quais o fato de que o peronismo conseguiu se estender
da extrema direita à extrema esquerda. Foram peronistas o Menem
neoliberal e o Kirchner nacional-popular. E a “deriva militar”, assim como
a emergê ncia de um “corpo fascista”, é um risco permanente em quase
toda a Amé rica Latina: as linhas de contençã o geralmente sã o
temporá rias.

Voltando ao Brasil, Safatle encerra seu texto a irmando que a esquerda


estaria “sem capacidade de açã o, pois atordoada com o fato de a direita”
ter, en im, “produzido a sua igura com capacidade de incorporaçã o do
povo”.

Numa situaçã o como essa, completa Safatlle, “a esquerda nacional ainda


paga o preço de ter sido formada para a coalizã o e para a negociaçã o.
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Esse é seu DNA, desde a polı́tica de alinhamento do PCB aos ditames
anti-revolucioná rios do Soviete Supremo”.

Para nã o esticar a conversa, deixo para outro momento a discussã o sobre
a in luê ncia dos “ditames antirrevolucioná rios do Soviete Supremo”,
apenas registrando que se isso fosse verdade, nã o haveria como explicar
o ocorrido, por exemplo, em 1935.

Seja como for, nã o importa tanto a maneira como Safatle vê a in luê ncia
sovié tica, no passado da esquerda brasileira; o que realmente importa é
como ele vê a esquerda brasileira hoje.

Por exemplo: que conclusã o prá tica tirar da a irmaçã o segundo a qual
toda a esquerda brasileira foi “formada para a coalizã o e para a
negociaçã o” e, por isso, “nã o sabe o que fazer quando precisa mudar o
jogo e caminhar para o extremo”, pois “sua inteligê ncia nã o age nesse
sentido, suas estruturas nã o agem nesse sentido, sua classe polı́tica nã o
age nesse sentido”.

("Classe intelectual", "classe polı́tica", que classe de marxista é capaz de


cometer este tipo de conceitos???)

Voltando ao ponto: qual a conclusã o? A de que esta esquerda precisa ser


destruı́d a? A de que a destruiçã o desta esquerda deve ocorrer
rapidamente, para assim abrir caminho para uma “verdadeira” esquerda,
quimicamente pura e livre de todo o mal??

Safatle nã o tira esta conclusã o “peregrina e monstruosa”, talvez porque


mentalmente a julgue desnecessá ria. A inal, para ele a esquerda já estaria
morta: “seus movimentos de revolta perdem-se no ar por nã o ter
nenhuma sustentaçã o ou coordenaçã o de mé dio e longo prazo. Foi assim
que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa histó ria tem que
chegar a um im. Ela deverá tomar ciê ncia de seu im”.

Como já disse algué m, estas notı́cias de nossa morte sã o um pouco
exageradas. As esquerdas brasileiras nã o estã o mortas. O PT nã o está
morto. Claro que podemos vir a morrer, até porque tudo que é vivo
algum dia morre. E claro que podemos nos suicidar, se persistimos em
orientaçõ es polı́ticas e atitudes prá ticas equivocadas. Mas nã o estamos
mortos.

E neste ponto devemos lembrar do poeta segundo o qual deverı́amos


sempre perguntar, a uma ideia, a quem ela presta serviços.

Pergunto: na prá tica, nos dias que correm, a quem serve a irmar que a
esquerda “morreu”, “tocou seu limite e demonstrou nã o ser capaz de
ultrapassá -lo”?

Serve aos que lutam para alterar a estraté gia hegemô nica na esquerda
brasileira? Ou serve aos que lutam para destruir toda a esquerda
brasileira?

Serve aos que lutam para derrotar Bolsonaro pela esquerda? Ou serve
aos que argumentam que o caminho para derrotar Bolsonaro é pelo
centro?

Derrotar a coalizã o golpista (que é algo mais amplo do que o governo


Bolsonaro) certamente vai exigir uma mudança de estraté gia e vai
demorar certo tempo. E també m é correto dizer que corremos contra o
tempo. Mas ansiedade nã o ajuda. E pessimismo só atrapalha.

Segue o texto criticado:

https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-10/como-a-esquerda-
brasileira-morreu.html

Como a esquerda brasileira morreu (Vladimir Safatle, 11/2/2020)

Este é um artigo que gostaria de nã o ter escrito e nã o tenho prazer algum

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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
em fazer enunciaçõ es como a que dá corpo ao tı́tulo. No entanto, talvez
nã o haja nada mais adequado a falar a respeito da situaçã o polı́tica
brasileira atual, depois de um ano de Governo Jair Bolsonaro e a
consolidaçã o de seu apoio entre algo em torno um terço dos eleitores.
Aqueles que acreditavam em alguma forma de colapso do Governo e de
sua base precisam rever suas aná lises. O que vimos foi, na verdade, outro
tipo de fenô meno, a saber, a inoperâ ncia completa do que um dia foi
chamado de “a esquerda brasileira” enquanto força opositora. Nã o que se
trate de a irmar que ela está diante do seu im puro e simples. Melhor
seria dizer que um longo ciclo que se confunde com sua pró pria histó ria
termina agora. O pior que pode acontecer nesses casos é “nã o tomar
ciê ncia de seu pró prio im” repetindo assim uma situaçã o que lembra
certo sonho descrito uma vez por Freud na qual um pai morto continua a
agir como se estivesse vivo. A angú stia do sonho vinha do fato do pai
estar morto e nada querer saber disto. Se a esquerda brasileira nã o
quiser ver sua morte de initiva como destino, seria importante se
perguntar sobre qual é esse ciclo que termina, o que ele representou,
quais seus limites.

Signos nã o faltaram para tal diagnó stico terminal. Contrariamente ao


discurso de que o Governo Bolsonaro estaria paralisado, vimos ao
contrá rio a aprovaçã o de medidas até pouco tempo impensá veis, como a
reforma previdenciá ria, isso sem nenhuma resistê ncia digna deste nome.
Ou seja, a maior derrota da histó ria da classe trabalhadora brasileira foi
feita sem que anotassem sequer o nú mero da placa do carro responsá vel
pelo atropelamento. Uma reforma da mesma natureza, mas menos
brutal, está a tentar ser imposta na França. O resultado é uma sequê ncia
de greves e manifestaçõ es de vã o já para o seu terceiro mê s. Na verdade,
o que vimos no Brasil foi o contrá rio, a saber, governos estaduais
pretensamente de esquerda a aplicarem reformas estruturalmente
semelhantes. Como se fosse o caso de dizer que, no inal, governo e
oposiçã o comungam da mesma cartilha, sendo distinta apenas a forma e
a intensidade de sua implementaçã o. Fato que já havı́amos visto com o
segundo Governo Dilma e sua guinada neoliberal capitaneada por
Joaquim Levy.

Isso é apenas um sintoma de que a esquerda brasileira nã o é mais capaz


de impor outro horizonte econô mico-polı́tico. Durante todo o ano de
2019, diante de um Governo cujas polı́ticas visam a retomada, em chave
autoritá ria, dos processos de concentraçã o de renda, de acumulaçã o
primitiva e de extrativismo colonial, nã o foram poucos aqueles que
esperaram da esquerda brasileira (todos os partidos e instituiçõ es
inclusas) a expressã o de outro tipo de polı́tica. A esquerda governa
estados, municı́p ios grandes e pequenos, mas de nenhum deles saiu um
conjunto de polı́ticas que fosse capaz de indicar a viabilidade de
rupturas estruturais com o modelo neoliberal que nos é imposto agora.
Houve é poca que a esquerda, mesmo governando apenas municı́p ios,
conseguia obrigar o paı́s a discutir pautas sobre polı́ticas sociais
inovadoras, partilha de poder e modi icaçã o de processos produtivos.
Nã o há sequer sobra disto agora.

Talvez seja o caso de insistir neste ponto porque, como dizia Maquiavel,
o povo prefere um governo ruim a governo nenhum. Nã o sã o as
qualidades do Governo Bolsonaro que dã o a ele certa adesã o popular. E o
vazio, é o fato de nã o haver nenhuma outra alternativa realmente crı́v el
neste momento. E a razã o disso é simples: a esquerda brasileira morreu,
ela tocou seu limite e demonstrou nã o ser capaz de ultrapassá -lo. Isso
vale tanto para partidos, sindicatos quanto para a classe intelectual (na
qual me incluo). Nossas açõ es até agora nã o se demonstraram à altura
dos desa ios efetivos. O melhor a fazer seria começar a se perguntar pela
razã o de tal situaçã o.

Coloquemos uma hipó tese de trabalho: a esquerda brasileira conhece


apenas um horizonte de atuaçã o, este que atualmente chamarı́amos de
“populismo de esquerda”. Foi ele que se esgotou sem que a esquerda
nacional tenha se demonstrado capaz de passar para outra fase ou
mesmo de imaginar o que poderia ser “outra fase”. Entende-se por
populismo de esquerda um modelo de construçã o de hegemonia
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baseado na emergê ncia polı́tica do povo contra as oligarquias
tradicionais detentoras do poder. Este povo é , na verdade, produzido
atravé s da convergê ncia de mú ltiplas demandas sociais distintas e
normalmente reprimidas. Demandas contra a espoliaçã o de setores
sociais, contra a opressã o racial, contra os legados do colonialismo: todas
elas devem convergir em uma igura que seja capaz de representar e
vocalizar esta emergê ncia de um novo sujeito polı́tico.

No entanto, o cará ter nacionalista do populismo permite també m a


inclusã o de setores descontentes da oligarquia, grupos da burguesia
nacional dispostos a ter um papel “mais ativo” nas dinâ micas de
globalizaçã o. Assim, o “povo”, neste caso, nasce como uma monstruosa
entidade meio burguesia, meio proletariado. Uma mistura de JBS Friboi
com MST.

Este é o modelo que a esquerda nacional tentou implementar em sua


primeira tentativa de governar o Brasil: a que termina com o golpe
militar contra o Governo Joã o Goulart. Na ocasiã o, um dos personagens
mais lú cidos de entã o, Carlos Marighella, faz um diagnó stico preciso: a
esquerda havia apostado na conciliaçã o com setores da burguesia
nacional e com setores “nacionalistas” das forças armadas dentro de
governos populistas de esquerda. Ela colocou toda sua capacidade de
mobilizaçã o a reboque de uma polı́tica que parecia impor mudanças
seguras e graduais. Ao inal, tudo o que ela conseguiu foi estar
despreparada para o golpe, sem capacidade alguma de reaçã o efetiva
diante dos retrocessos que se seguiriam.

A liçã o de Marighella nã o foi ouvida. Tanto que a esquerda brasileira fará
o mesmo erro com o inal da ditadura militar e com o advento da Nova
Repú blica. A histó ria será simplesmente a mesma: o movimento em
direçã o a um jogo de alianças entre demandas sociais e interesses de
oligarquias locais descontentes tendo em vista mudanças “graduais e
seguras” que serã o varridas do mapa na primeira reaçã o bem articulada
da direita nacional.

Nesse sentido, nossa histó ria segue os passos da histó ria argentina: outro
campo de ensaio do populismo de esquerda. Mas há um diferença
substancial aqui. Depois da experiê ncia ditatorial, a Argentina soube
criar um linha de contençã o de impulsos golpistas. Hoje, quase mil
pessoas ainda se encontram nas cadeias argentinas por crimes da
ditadura. No Brasil, ningué m foi preso. A resposta argentina produziu
uma linha de contençã o, inexistente entre nó s, que permitiu ao
peronismo ter ressureiçõ es perió dicas. Di icilmente, essa será a histó ria
brasileira daqui para frente, pois o risco de deriva militar é real entre
nó s.

Mas há ainda um outro fator decisivo. O colapso do lulismo nã o foi
seguido apenas de um golpe parlamentar apoiado em prá ticas
criminosas de setores do poder judiciá rio. Ele foi seguido da criaçã o de
uma espé cie de antı́d oto à reemergê ncia do corpo polı́tico populista. O
que vimos, e agora isto está cada vez mais claro, foi a emergê ncia de um
corpo fascista. Mas o corpo polı́tico fascista é normalmente a versã o
terrorista e invertida de um corpo polı́tico anterior, marcado pela
emergê ncia do povo e pelas promessas de transformaçã o social. Dessa
forma, ele acaba por bloquear sua ressurgê ncia. Já se disse que todo
fascismo nasce de uma revoluçã o abortada. Nada mais justo.

Theodor Adorno um dia descreveu o lı́d er fascista como uma mistura de


King Kong e barbeiro de subú rbio (certamente pensando no Chaplin de
O grande ditador). Essa articulaçã o entre contrá rios é fundamental. A
pretensa onipotê ncia do lı́d er fascista deve andar juntamente com sua
fragilidade. O lı́d er fascista deve ser “algué m como nó s”, com a mesma
falta de cerimô nia, a mesma simplicidade e irritaçã o que nó s. A
identi icaçã o é feita com as fraquezas, nã o com os ideais. Ele deve ser
algué m que come miojo em banquetes presidenciais, que se veste de
maneira desajeitada como algué m do povo. Ele deve a todo momento
dizer que está a combater as elites que sempre governaram esse paı́s
(que agora serã o os artistas, as universidades, os “cosmopolitas” e
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09/07/2020 Valter Pomar: Resposta a Vladimir Safatle: a esquerda não morreu!
“globalistas”). Ele deve mostrar que nã o é algué m da elite polı́tica, que na
verdade tal elite o detesta. Pois se trata de criar um antı́d oto para toda
forma de tentativa de recuperar a produçã o do povo como processo de
emergê ncia de dinâ micas de transformaçã o social.

Dessa forma, tudo se passa como se Bolsonaro fosse uma versã o


militarizada de seu oposto, a saber, Lula. Nã o se trata com isso de a irmar
que estamos presos em uma polaridade. Ao contrá rio, trata-se de dizer
que tudo foi feito para anular a polaridade real, criando um duplo
imaginá rio. Nunca entenderemos nada das regressõ es fascistas se nã o
compreendermos estas ló gicas dos duplos polı́ticos. Se há algo que nos
falta é exatamente polaridade. Temos pouca polaridade e muita
duplicidade.

O fato é que tal dinâ mica demonstrou-se e icaz. Ela quebrou os processos
de incorporaçõ es populistas que foram, até agora, a alma da esquerda
brasileira. Por isso, o que vemos agora é uma esquerda sem capacidade
de açã o, pois atordoada com o fato de a direita brasileira ter, en im,
produzido a sua igura com capacidade de incorporaçã o do povo, agora
sem o erro de apostar em um egresso da elite polı́tico-econô mica (Collor)
ou em algué m sem vı́n culos orgâ nicos com o militarismo fascista (Jâ nio).

Numa situaçã o como essa, a esquerda nacional ainda paga o preço de ter
sido formada para a coalizã o e para a negociaçã o. Esse é seu DNA, desde
a polı́tica de alinhamento do PCB aos ditames anti-revolucioná rios do
Soviete Supremo. Por isso, ela nã o sabe o que fazer quando precisa
mudar o jogo e caminhar para o extremo. Sua inteligê ncia nã o age nesse
sentido, suas estruturas nã o agem nesse sentido, sua classe polı́tica nã o
age nesse sentido. Seus movimentos de revolta perdem-se no ar por nã o
ter nenhuma sustentaçã o ou coordenaçã o de medio e longo prazo. Foi
assim que ela morreu. Se ela quiser voltar a viver, toda essa histó ria tem
que chegar a um im. Ela deverá tomar ciê ncia de seu im.

Postado por Orientação Militante às 14:46

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