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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Faculdade de Direito
Direito Administrativo I
Professor: Alexandre Aragão
Aula do dia 01/08/2006

 Servidões administrativas:

A doutrina, até por ausência de uma disciplina legislativa mais específica sobre a servidão
administrativa, tende a aplicar analogicamente, no que couber (isso envolve discussões em
relação ao cabimento ou não da disciplina analógica), a lei geral da desapropriação – o Decreto-
lei 3.365/41.
Uma servidão administrativa se institui, inicialmente, com o advento do decreto
declaratório de utilidade pública que, neste caso, não é para fins de desapropriação, mas para fins
de instituição de servidão administrativa. Da mesma forma, haverá a ação de instituição de
servidão administrativa, que vai calcular a indenização a ser paga ao particular, dono do imóvel
sobre o qual houve a incidência do ônus real obrigatório, independente do seu consenso.
Naturalmente, também poderá haver o acordo judicial ou extrajudicial, em relação ao valor da
desapropriação.
Apesar de haver divergências doutrinárias, a jurisprudência entende que a servidão
administrativa, como qualquer outro direito real, deve ser inscrita no Registro Geral de Imóveis e
essa simples inscrição consuma completamente a servidão. Na lei 6.015/73 (lei dos Registros
Públicos), em seu art. 168, I, alínea f, está prevista a inscrição das servidões em geral. Esta última
expressão, “servidões em geral”, estendendo o entendimento doutrinário, que engloba as
servidões civis e administrativas.

I) Entes que poderão instituir as servidões administrativas:

A capacidade dos entes para a instituição das servidões administrativas seguirá a disciplina
da desapropriação. Há os entes públicos que poderão fazer a declaração de utilidade pública, mas
a promoção da instituição da servidão (propositura da ação judicial e pagamento pela servidão)
poderá ser atribuída, por lei ou por contrato, a alguma entidade da Administração Indireta ou a
alguma concessionária ou permissionária (e.g. as concessionárias de transmissão de energia
elétrica promovem, muito regularmente, a instituição de servidões administrativas. A própria
ANEEL (autarquia), neste caso, excepcionalmente, tem autorização da lei emitir a declaração de
utilidade pública para fins de desapropriação ou para a instituição de servidões administrativas,
competência normalmente atribuída ao Chefe do Executivo da União).

II) Objeto da servidão administrativa:

Também se aplica, via de regra, o que a disciplina da desapropriação. Aqui, contudo, é


muito difícil imaginarmos um outro tipo de bem que não seja um imóvel como objeto da
instituição de uma servidão administrativa.
Uma peculiaridade em relação à instituição das servidões administrativa, exceção à
aplicação generalizada do decreto-lei 3.365, é o fato de que, diversamente da vedação à
desapropriação de bens por entes menores em faces de entes maiores, na disciplina da instituição
de servidões, tal vedação não existe, visto que o titular do bem sob o qual incide a servidão
administrativa não perde a sua propriedade e, conseqüentemente, a razão especial para proteção
que o Decreto-lei 3.365 estabelece para os entes maiores em relação aos entes menores não se
aplica.

III) Indenização:

A indenização devida em razão da servidão administrativa é o prejuízo que o particular


tiver, em termo do valor patrimonial da sua propriedade, com a servidão e sem ela, ou seja,
quanto o valor de mercado de sua propriedade diminuiu em razão da instituição da servidão (e.g.
se for uma fazenda enorme e passar um fio dentro da propriedade, a desvalorização será mínima,
assim como a indenização. Contudo, se for um pequeno sítio e passar uma avenida no meio, a
desvalorização é grande e, conseqüentemente, a indenização será maior).
Se a propriedade for muito pequena e a servidão administrativa tomar quase a totalidade do
bem, poderá estar caracterizada a desapropriação indireta. A desapropriação tem um lado
abusivo, mas tem outro lado em que ela é uma panacéia para todas as situações em que se perdeu
o conteúdo econômico do bem, visto que qualquer instituto do direito administrativo que seja
usado, formalmente, para atender o interesse ou função público e que esvazie o conteúdo
econômico do bem do particular, considera-se uma desapropriação indireta. A maior dificuldade
na matéria de limitação administrativa é estabelecer se esta realmente se caracteriza como
limitação administrativa ou se se desnaturou em desapropriação indireta, visto que o critério de
avaliação destes é a destinação econômica normal do bem, o esvaziamento do seu valor
econômico ou da sua utilidade prática, caracterizando-se uma linha tênue entre a limitação
administrativa e a desapropriação indireta, até porque todos se referem à limitação administrativa
por termos indeterminados. A jurisprudência, nesse caso, passa a quase legislar, estabelecendo
parâmetros para a determinação da limitação ou da desapropriação (e.g. se for tomado mais de
70% do bem, passa a ser desapropriação – parâmetro puramente subjetivo). Para determinar a
ocorrência da limitação ou da desapropriação indireta haverá perícia, tomar-se-á em conta o
costume daquela região em relação aos bens (e.g. já se considerou desapropriação indireta o
tombamento de uma mansão na avenida Paulista, visto que a destinação normal da avenida
Paulista não é abrigar um casarão).
A indenização, portanto, é em relação ao prejuízo sofrido pelo particular, em relação à
diminuição do valor do imóvel. Há, contudo, uma discussão que pode surgir em relação a este
tema. Se não houver prejuízo com a instituição de uma servidão administrativa que não veja a
causar nenhuma desvalorização no valor do imóvel? O exemplo típico que se dá para casos como
este é o da colocação de placa com o nome da rua na parede da casa.
A regra é a indenizabilidade na instituição das servidões administrativas, salvo nos casos
em que não for causado nenhum dano, ou seja, no caso da instituição de servidão administrativa
para colocação de placa com nome de rua numa casa, não foi causado nenhum dano ao particular
e, portanto, não caberá qualquer indenização, dependendo, sempre, do caso concreto. Há de se
ressaltar que, e.g., se houver a promoção da instituição de servidão do Estado e, independente de
haver indenização ou não, transitada em julgado a ação e, posteriormente, ocorrendo qualquer
dano ao particular pela ação do Estado, consistiria em responsabilidade civil do Estado, visto que
a servidão administrativa já fora instituída, cabendo somente a rediscussão de indenização em
razão da servidão administrativo, sob pena de desobedecer a coisa julgada e constituir uma nova
servidão administrativa.

 Requisições administrativas:

É um instituto de emergência pelo qual a Administração se utiliza bens móveis ou imóveis


de particulares para o atendimento de necessidades públicas urgentes. Nesses casos, nós temos
uma atuação administrativa muito executória, casos de emergência em que a Administração não
pode esperar para fazer um decreto, uma ação para depois usar (e.g. calamidade pública,
sonegação de alimentos etc).
As requisições administrativas estão previstas no art. 5º, XXV da Constituição Federal:
“Em caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade
particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior se houver dano”.
As requisições administrativas se dividem em:

a) Requisição civil: feita em tempos de paz

b) Requisição militar: feita em tempos de guerra

Na Constituição, sobre as requisições, também podemos citar o art. 22, III, que dispõe:
“Compete privativamente à União legislar sobre. III – Requisições civis e militares em caso de
iminente perigo (requisição civil) e em tempos de guerra (requisição militar - não é necessário
caracterizar-se o estado de iminente perigo, que é presumido. Contudo, deve respeitar o elemento
da adequação no princípio da proporcionalidade).
O principal dispositivo legislativo sobre requisições é o Decreto-lei 4.812/42.
Diferentemente da desapropriação, a requisição é auto-executável (desnecessária a imissão
em posse, declaração de utilidade pública etc) e a indenização é posterior.
Uma importante forma de requisição administrativa é uma que se configura não somente
como intervenção na propriedade particular, mas também no domínio econômico, que são as
requisições administrativas por abuso de poder econômico, por ilícitos contra a economia
popular. Esta modalidade de requisição está prevista na Lei delegada nº 4/62 (uma das poucas leis
delegadas) e no Decreto-lei 2/66 (e.g. fiscais do Sarney no Plano Cruzado – os preços eram
tabelados e os produtores, para pressionarem o governo ou venderem os produtos no mercado
externo, onde não eram tabelados, começaram a deixar de vender os produtos no mercado
interno, provocando a escassez dos produtos).

I) Natureza jurídica da requisição administrativa:


A distinção que se faz em face de outros institutos é que, a requisição administrativa de
bens fungíveis seria, na verdade, uma forma de desapropriação indireta (e.g. requisição
administrativa de sacas de feijão), visto que o bem não poderá ser devolvido em espécie,
convertendo-se a indenização em dinheiro. Contudo, é possível que seja devolvido o feijão na
mesma quantidade e qualidade, mais uma indenização pelo tempo em que o particular foi privado
de seus feijões, dependendo do caso concreto. Diversamente, em determinada situação, o Estado
poderá resolver devolver apenas o feijão, alegando que, devido ao estado de calamidade pública,
o particular não conseguiria vender os feijões e, portanto, nenhuma indenização seria devida. O
Estado ainda poderá alegar que a requisição fora benéfica ao particular, dizendo que o feijão não
seria vendido em função do estado de calamidade pública e, se o Estado não distribuísse esse
feijão e não tivesse ressarcido agora ao particular, o produto do particular teria estragado, no caso
de duração prolongada do estado de calamidade.

 Ocupação temporária:

Não tem previsão constitucional expressa, somente um fundamento genérico na função


social da propriedade. A ocupação temporária tem previsão expressa no art. 36 do Decreto-lei
3.365/41: “É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria (fora
da ação de desapropriação), de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua
realização”, principal hipótese de sua ocorrência.
A principal diferença da ocupação temporária para a requisição administrativa é que aquela
é instrumental à prestação de um serviço público ou à realização de alguma obra pública,
diferente desta, que é utilizada somente para casos extremos. A ocupação temporária é, portanto,
bastante residual.
Outro caso de ocupação temporária é o previsto no art. 80, II da Lei 8.666/93, lei da
Administração Pública. Em caso de rescisão do contrato, a Administração poderá ocupar
temporariamente as instalações do contratado para garantir a continuidade do serviço público.
O próprio nome já diz: as ocupações devem ser temporárias, o mais rápida e inofensiva
possível. A indenização dos prejuízos que possam vir a ocorrer (pode ser que não haja nenhum
prejuízo) é feita a posteriori. A ocupação temporária tem essas duas espécies, previstas no
Decreto-lei 3.665/41 e na Lei 8.666/93. Um caso que pode ser citado é, no caso de eleições, uma
área de lazer de um clube seja ocupada para tal, caso em que a ocupação até poderá ser
indenizável.

 Tombamento:

É o ato administrativo pelo qual a Administração limita o exercício de faculdades inerentes


à propriedade em razão do valor histórico, turístico, artístico, paisagístico, arqueológico, cultural,
ambiental, etnográfico etc do bem com vistas à sua manutenção e conservação. O objetivo do
tombamento é congelar o bem, fazer com que este não seja modificado (obrigação de não fazer) e
impedir que ele se deteriore (obrigação de fazer, conservar o bem).
I) Natureza Jurídica:

Existem 12 correntes sobre a natureza jurídica do tombamento. Nós veremos apenas 4:

a) Servidão administrativa: incide sobre um bem específico, via de regra.

b) Limitação administrativa: a segunda corrente defenderá que o


tombamento incidirá sobre bem específico, mas não é instrumental à prestação de
nenhum serviço público, sendo a proteção daquele, de interesse público geral, não
podendo constituir uma servidão administrativa. Como decorre da função social da
propriedade como um todo (e não sendo um instrumento específico de prestação de
serviço público), o tombamento será uma limitação administrativa, ou seja, uma mera
limitação do conceito de propriedade (e.g. ninguém pode ser proprietário de um castelo
do séc. XVII aqui no Brasil e achar que poderá fazer o que quiser com o castelo). É
inerente ao próprio direito de propriedade daquele castelo preservá-lo. Há também a
possibilidade do tombamento internacional, no qual os países, através de tratados,
limitem a soberania de um país a fim de conservar um patrimônio de qualquer interesse
acima citado. Esta não é uma imposição, constituindo-se, ao contrário, como uma vitória
de um país na proteção de um patrimônio tão importante.

c) Instituto jurídico sui generis: Maria Sylvia Zanella di Pietro defende a


idéia de que o tombamento é um instituto único, sui generis, baseando-se no fato de que
o tombamento não poderá ser servidão administrativa, pois não há serviço público
específico instrumentalizado com o tombamento; e não poderá ser limitação
administrativa, pois esta, via de regra, incidirá sobre bem específico, sendo, pois, um
instituto sui generis.

d) A quarta corrente, defendida, entre outros, por Lucia Valle Figueiredo e


Sérgio D’Andréa Ferreira, dispõe que a natureza jurídica do tombamento dependerá de
avaliação do caso concreto. Se o tombamento retirar todo o valor do bem, será uma
desapropriação indireta. Se, contudo, o tombamento retirar parte do valor, será uma
servidão administrativa (indireta). Finalmente, se o tombamento não afetar
economicamente em nada o bem, há duas opiniões: uns acham que o tombamento
continuará sendo uma servidão administrativa não indenizável, por não gerar prejuízo;
enquanto outros defendem que, por não gerar prejuízo, o tombamento estará dentro do
próprio conteúdo de propriedade, constituindo-se, portanto, uma limitação administrativa.

Na verdade, as conseqüências práticas serão, em geral, as relativas à desapropriação


indireta (e.g. tombamento da Mata Atlântica, que foi considerado por todos os tribunais como
desapropriação indireta, gerando indenizações milionárias que o Estado de São Paulo não
consegue pagar. Outro exemplo é o que ocorreu aqui no Rio de Janeiro, quando do tombamento
dos imóveis do Arco do Telles. Considerou-se servidão administrativa indireta e os particulares
foram indenizados).
Por fim, a principal importância da identificação da natureza jurídica do tombamento é
para fins de indenização.
II) Objeto do tombamento:

Qualquer bem pode ser objeto de tombamento: bens móveis, imóveis. É difícil, contudo,
imaginar um bem incorpóreo que tenha valor histórico, artístico ou cultural que necessite ser
tombado. Podemos imaginar um exemplo do último caso, em que fosse tombada a música
Cidade Maravilhosa, a fim de que não fizessem outras versões que viessem a macular a música
ou seu autor. É bastante comum o tombamento de bens móveis: obras de arte, fotos, gravações de
fitas etc.
O nome tombamento vem da inscrição no livro do tombo, aqueles livros enormes que
acolhiam listas, seja de número de processos, com o fim de escrituração.
Inexiste ordem de hierarquia para o tombamento, diversificando-se da desapropriação e
aproximando-se da servidão administrativa. O município, e.g., poderá tombar um bem federal
pelas mesmas razões em aquele poderá instituir uma servidão administrativa no bem deste. Se há
a disposição de que será utilizado, na servidão administrativa, o Decreto-lei 3.365/41 o que a esta
couber e, mesmo assim não se considera aplicável o dispositivo que estabelece essa hierarquia de
capacidade de tombamento somente dos entes maiores em face dos menores, entende-se que o
mesmo ocorrerá em relação ao tombamento, até porque este tem uma legislação própria, que não
estabelece nenhuma restrição ao tombamento de bens de entes maiores.

III) Competência legislativa:

Ao contrário dos demais institutos de intervenção do Estado na propriedade, neste caso a


competência não será privativa da União, mas será competência concorrente (art. 24, VII da
Constituição Federal). Competência concorrente é aquela em que compete à União estabelecer as
normas gerais e aos Estados, estabelecer as normas específicas. Há quem que o Município terá
competência suplementar no que for de interesse local (art. 30, I e II).
Os primeiros dispositivos constitucionais específicos sobre o tombamento, que disporão
sobre a competência material dos entes, são: art. 23, III, CF: “É competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: III: proteger os documentos, as obras e outros
bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os
sítios arqueológicos;”, ou seja, a competência legislativa é concorrente mas a competência
material (para fazer o tombamento) é uma competência comum. Além do dispositivo citado
anteriormente, temos o art. 30, IX, CF: “Compete aos Municípios: IX: promover a proteção do
patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e
estadual.”; o art. 216, §1º, CF (o mecanismo constitucional mais específico): “Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente
ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: §1º: O Poder Público, com a
colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação.”

Obs.: Leis federais são leis que se aplicam somente à União federal (e.g. leis sobre
servidores públicos da União). Há algumas leis, contudo, que são editadas pelo Poder Legislativo
da União, mas que têm como alvo a República Federativa do Brasil, ou seja, todos os entes
federados – a estas leis damos o nome de Leis nacionais. Ambos os tipos de lei são editadas pelo
Congresso, sendo que o primeiro tipo será legislado pelo Congresso em sua função de órgão
legislativo da União enquanto o segundo tipo será legislado pelo Congresso em sua função de
órgão legislativo da República Federativa do Brasil, que engloba todos os entes da Federação.
Essa distinção é essencial, e.g., para o direito tributário, no qual sempre competirá à União
estabelecer normas gerais e competirá ao Estado estabelecer normas especiais. Isto porque,
muitas vezes, temos, no mesmo diploma legislativo, normas gerais e normas especiais. Então,
diz-se que numa lei há normais federais, porque são especiais e, conseqüentemente, aplicam-se
somente à União (a União só tem competência concorrente para estabelecer normas gerais para
todos, podendo estabelecer normas especiais somente para ela mesmo), e há normas gerais, que
serão normas nacionais.

Um diploma nacional, com algumas regras federais espalhadas dentro dele, que dispõe
sobre algumas regras do tombamento, é o Decreto-lei 25/37 (regulamentado pelo Decreto
20.303/64). Podemos observar que toda a legislação de intervenção do Estado na propriedade é
toda do tempo do Estado-Novo. Este decreto (20.303/64) é, principalmente, uma norma
disciplinadora federal, pois aplica-se só à União, estabelecendo a competência, e.g. do IPAN nos
tombamentos federais e como isso deve ser realizado.
Poder-se-ia pensar que sempre que um bem pudesse ser tombado por um ente, poderia ser
tombado por todos os outros? A resposta a essa pergunta é negativa, visto que pode perfeitamente
haver bens de interesse de preservação, e.g., em razão de valores de história local e não de valores
de história regional ou nacional. Seria inconstitucional, portanto, a União fazer um tombamento
como o citado anteriormente, por ser um interesse local. As regras gerais, contudo, são regidas
pelo Decreto-lei 25/37.

Obs. 2: Normas gerais são as normas (ou regras) que estabeleçam princípios, os
instrumentais para sua garantia de sua observância ou suas exceções. As demais normas, por
exclusão, serão normais específicas (normas executoras, detalhadoras das normas gerais). A
tendência é alargar-se ao máximo a identificação do que é norma geral, até por uma questão de
segurança jurídica. Os Municípios e Estados não desejam criar muitas normas específicas, visto
que estas são muito discutidas, já têm muita jurisprudência mais consolidada sobre elas etc.
Culturalmente, os Estados e Municípios são muito modestos no exercício de suas competências
concorrentes, preferindo a aplicação das normais federais como normas nacionais.

IV) Procedimento:

O Decreto-lei 25/37 e o Decreto 20.303/64 estabelecem um procedimento para a instalação


do tombamento.
O procedimento administrativo é a sucessão encadeada de atos administrativos visando a
um ato administrativo final. Em princípio, a nulidade de um ato administrativo só contaminará os
atos posteriores ao ato nulo, aproveitando-se os anteriores, se estes não forem contaminados, de
alguma maneira, pela nulidade. Imagine-se que o Estado fez a descrição do tombamento, mas a
notificação do particular foi nula. Neste caso, o primeiro ato não será nulo, devendo-se proceder,
somente, a nova notificação do particular.
O ato final do procedimento é o tombamento. Isso implica dizer que antes do ato final do
procedimento, o bem não foi tombado.
Inicialmente, deve-se fazer uma descrição do bem a ser tombado (pode ser um bem apenas
ou um conjunto de bens – no caso do tombamento de um conjunto de bens, a corrente que
defende que o tombamento é limitação administrativa fica mais fortalecida, sob o argumento de
que o objeto não é um bem específico). No início do procedimento, ocorre o tombamento
provisório. Com ele, o particular já não pode fazer nenhuma alteração no bem, assim como, e.g.,
atear fogo nele, o que é muito comum, sob pena de extinguir-se o tombamento por perda de
objeto.
A partir do tombamento provisório, a decisão final do processo administrativo deve ser
dada em 60 dias, conforme previsão do arts. 9º e 10º do Decreto-lei 25/37. A discussão em
relação a esse tema é se caducará automaticamente o tombamento ao fim do prazo de 60 dias sem
que seja proferida a decisão final ou não. A maioria da doutrina entende que a resposta para tal
questionamento é negativa, sob a explicação de que há apenas uma infração disciplinar, um erro
administrativo que fará com que o particular tenha direito de ir ao Judiciário para forçar a decisão
sobre o tombamento definitivo ou não.
Os efeitos do tombamento provisório são iguais aos do tombamento definitivo,
resguardadas duas exceções: não há inscrição do tombamento provisório no Registro Geral de
Imóveis e não há direito de preferência de venda ao ente público que tombou o bem antes do
tombamento provisório, o que ocorre no tombamento definitivo.
No âmbito da União, do tombamento definitivo, feito pelo IPAN (autarquia, que pode ter
competência de ius imperi), caberá recurso ao Presidente da República, recurso hierárquico
impróprio. No âmbito dos Estados e Municípios, dependerá da legislação de cada um dos entes.
Portanto, ao fim do processo administrativo do tombamento, se este se efetivar, o particular
poderá recorrer ao Presidente da República contra o tombamento. Tal possibilidade está prevista
no Decreto-lei 3.866/41, em seu artigo único.
Em suma, esse é basicamente o procedimento. Há a notificação do bem a ser tombado,
com tombamento provisório. Depois, o particular poderá impugnar o valor artístico ou não e,
finalmente, haverá o tombamento definitivo e caberá recurso ao Presidente da República.
Uma outra pergunta que poderá surgir quanto ao procedimento do tombamento é se o
tombamento provisório deverá ser expresso ou apenas a notificação do particular já funcionará
como tombamento provisório, decorrente do próprio procedimento. Pode-se responder tal
questionamento afirmando-se que o tombamento provisório já é implícito na notificação, não
havendo necessidade de declaração explícita de tombamento provisório.
V) Limitações decorrentes do tombamento:

As várias limitações decorrentes do tombamento (basicamente, aquelas de manutenção e


conservação) estão previstas por diversos dispositivos do Decreto-lei 25/37. Alguns artigos que
podemos citar são: art. 22 (direito de preferência): “Em face da alienação onerosa de bens
tombados, pertencentes a pessoas naturais ou a pessoas jurídicas de direito privado, a União, os
Estados e os municípios terão, nesta ordem, o direito de preferência”; art. 11 (obrigação de
comunicação quando da venda do bem a pessoa diversa do ente tombante): “As coisas tombadas,
que pertençam à União, aos Estados ou aos Municípios, inalienáveis por natureza, só poderão ser
transferidas de uma à outra das referidas entidades. Parágrafo único. Feita a transferência, dela
deve o adquirente dar imediato conhecimento ao Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.”; art. 17 (um dos principais): “As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser
destruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de
multa de cinqüenta por cento do dano causado. Parágrafo único. Tratando-se de bens
pertencentes à União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do
presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.”; art. 14 (limitação em relação à movimentação
do bem): “A. coisa tombada não poderá sair do país, senão por curto prazo, sem transferência de
domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.”.
Os bens tombados podem ser normalmente desapropriados. Não é porque um bem é
tombado pela União que ele não pode ser desapropriado, e.g., pelo Município. Nós já vimos que
um bem da União não pode ser desapropriado pelo Município nem pelo Estado. Contudo, um
bem tombado pela União não é um bem da União, visto que o tombamento nada tem a ver com a
transmissão de domínio do bem, mas com sua própria identidade. É por isso que também não se
aplica ao tombamento aquela regra de aquisição originária do bem quando da desapropriação,
visto que o tombamento não diz respeito ao aspecto dominial do bem (decairá, em relação a esse
aspecto, todas as relações anteriores quando da desapropriação do bem), mas é uma limitação
administrativa, uma servidão administrativa, uma intervenção do Estado na propriedade,
incidindo diretamente sobre o bem, não guardando relação com sua cadeia dominial, mantendo-
se, mesmo em caso de desapropriação (entendimento do STF). Há autores, contudo, que
discordam desse entendimento, defendendo a aplicação analógica do Decreto-lei 3.365/41 ao
tombamento.
Há uma lei específica em relação aos bens arqueológicos e sítios pré-históricos, a lei
3.924/61, que estabelece algumas limitações ainda mais intensas em relação a esses bens.
Uma limitação geral em relação aos tombamentos muito interessante é a proteção da
ambiência, prevista no art. 18 do Decreto-lei 25/37: “Sem prévia autorização do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer
construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob
pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso a multa de
cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.”. É interessante pois a limitação não incide
somente sobre o bem tombado, mas também sobre seu entorno. Não se pode, portanto, construir
um prédio super moderno, e.g., ao lado de um bem tombado, sob pena de esvaziar seu valor
cultural, histórico. Essa ambiência e suas limitações também são descritas no ato final de
tombamento. Nessa discussão também entra a questão das APAC (áreas de proteção da
ambiência cultural), áreas de proteção criada para proteger as características históricas e culturais
não apenas de um bem, mas de todo um bairro, e.g.. Alguns dizem que isso é um tombamento
indireto. A APAC é uma daquelas outras formas de preservação do patrimônio histórico,
previstas no art. 16 do Decreto-lei 25/37. Há divergências na classificação desse instituto.
Enquanto uns acham que este tem natureza de tombamento (portanto, aplicar-se-iam os
princípios indenizatórios relativos ao tombamento), enquanto outros acreditam que seja uma
limitação administrativa (aplicando-se-lhe os princípios indenizatórios da limitação
administrativa).
Dentro do direito ambiental há uma série de tipos de limitações administrativas, além das
que aqui citamos.
As limitações principais, inerentes ao tombamento, são, em suma, o dever de não fazer
(não danificar, não destruir) e o dever de manter (não deixar o bem cair – previsto no art. 19 do
Decreto-lei 25/37: “O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder
às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de
multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma
coisa. § 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as
mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a
desapropriação da coisa. § 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior,
poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa. Uma vez que verifique
haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada,
poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e
executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo,
por parte do proprietário.”). Podemos depreender da leitura deste artigo que a obrigação de
conservar o bem tombado é do proprietário. Quando este não tiver condições financeiras para
proceder à obra, deverá comunicar à autoridade competente tombante. Feita a comunicação,
dentro do prazo de 6 meses, o ente ou fará a obra ou desapropriará o bem (a União, e.g., não vai
querer gastar uma grande quantia de dinheiro para o bem continuar com o particular). Se o
particular não fizer a comunicação ao ente competente, o Poder Público poderá tomar
providências de ofício para a conservação do bem.
Não se pode, contudo, fazer uma interpretação literal desse dispositivo, o que levaria à
compreensão de que a União poderia somente desapropriar o bem, sem ter, contudo, a obrigação
de conservá-lo. Essa afirmação não é verdadeira, visto que a União desapropriará o bem a fim de
conservá-lo, de protegê-lo e, portanto, deverá tomar as providências necessárias à sua proteção e
conservação. Caberá, inclusive, ação civil pública para forçar o tombamento.

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