Você está na página 1de 66

design gráfico, poesia visual e seus entrelaçamentos

aluna . mariana eller caetano


orientador . prof. dr. omar khouri
pós-graduação em artes . mestrado
área de concentração . artes visuais
linha de pesquisa . processos e procedimentos artísticos
universidade estadual paulista . instituto de artes
são paulo . 2008

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da Universidade


Estadual Paulista . UNESP como exigência parcial para obtenção
do título de Mestre em Artes Visuais.
008 resumo . abstract
010 agradecimentos
012 introdução

é poesia para os seus olhos...


visualidade e linguagem poética
020 explorando a materialidade gráfica da escrita
034 poesia.zip: uma condensação de significados
044 uma relembrança: alguns pontos luminosos no
percurso da poesia visual

tecnologias do design gráfico no século


xx novas relações entre textos e imagens
059 os designers e a utilização das técnicas
061 a comunicação na modernidade e sua demanda
por imagens
064 os processos gráficos do século xx até hoje:
das matrizes tridimensionais às imateriais
072 os paradigmas da imagem e de suas matrizes
076 a digitalização e o novo tempo do design gráfico
e da poesia

é pop! poesia e design no redemoinho


da cultura amplificada
084 cultura de massa ou cultura amplificada? que
diferença faz?
086 consumo no volume máximo
088 o kitsch, quando o gosto é discutível
093 pop art, leituras do universo de consumo

o uno + o múltiplo poetas e designers


em parcerias
098 predominância do ícone sobre o símbolo na poesia
100 predominância da interpretabilidade sobre
o utilitário no design
102 poetas + designers = criadores de ícones

112 considerações finais


114 bibliografia geral
117 outras referências consultadas
117 referências iconográficas
cada; finalmente, resgata três casos de parcerias
notórias entre poetas e designers que resultaram
em trabalhos de grande valor estético e histórico.
Ao tratar de temas tão carregados de visua-
lidade, naturalmente a pesquisa trouxe muitos
achados iconográficos – reproduções de poemas,
trabalhos de design, tipografias, etc. Aliando a
formação e a prática profissional da mestranda
– designer gráfica – com o tema da pesquisa,
terminou-se por realizar um projeto gráfico para
abrigar o conteúdo da pesquisa, entrelaçando o

RESUMO . ABSTRACT
texto e as imagens do trabalho.
Palavras-chave: design gráfico, poesia visual, escrita

Poetry and design: two different ways of working the


language. Graphic design deals with the shape and the
Poesia e design: dois modos distintos de lidar com formatting of the writing, it places texts and images
a linguagem. O design gráfico, lida com o dese- within the graphic space. Poetry, as soon as it incor-
nho e a formatação da escrita, dispondo textos porates signs from the urban scene, from advertising,
e imagens no espaço gráfico. A poesia, quando from graphic communications, it takes advantage of
passa a incorporar elementos advindos dos signos the semantic possibilities that are given by the fusion
visuais urbanos, da publicidade, da comunicação of text and images. Since the booming of new codes and
gráfica, apropria-se das possibilidades semânticas new media, brought by the Industrial Revolution, po-
sugeridas pela fusão do texto com imagens. A etry and design got even closer to each other. Both arts,
partir da explosão de códigos e meios causada pela poetry and design, practice the iconic writing.
Revolução Industrial, poesia e design tendem a Aiming to identify the interlacing between visual
aproximar-se, já que a escrita poética também co- poetry and graphic design, this research exposes the
meça a operar com ferramentas comuns do design basic concepts of visual poetry, immerging into the ex-
gráfico. As duas artes ocupam-se, com diferentes plorations of the visual reality of the writing; it studies
nuances, da mesma prática: a escrita icônica. the development of graphic production that improved
Com o objetivo de identificar os entrelaçamen- the merging of codes, as well the spreading of graphic
tos entre a poesia visual e o design gráfico, esta communications; it investigates the relations that the
pesquisa expõe os conceitos básicos da poesia visual poetry and the graphic design establish with an
visual, aprofundando-se nas explorações gráficas amplified culture; finally, the research relates three suc-
e poéticas através da dimensão visual da escrita; cessful encounters between poets and designers.
estuda o desenvolvimento das tecnologias de pro- Dealing with themes that are so visually rich, this
dução gráfica que possibilitaram a hibridação de research brought up many iconic treasures. Putting the
linguagens, bem como a facilidade de produção e author’s profession – graphic designer – and the re-
distribuição das comunicações gráficas; investiga search theme together, this work resulted into a graphic
as relações que a poesia visual e o design gráfico project, designed to contain and to interlace the text
estabelecem com os meios de comunicação e como and the images that were born from the research.
se inserem e se comportam na cultura amplifi- Key words: graphic design, visual poetry, writing

 
Aos amigos e colegas que conheci durante o
curto – e apressado! – período de aulas do mestra-
do: pelas angústias, dúvidas, dilemas, anotações
e cafezinhos compartilhados. Em especial, meus
agradecimentos à Tatiana Travisani, Felippe
Brauer, Daniele Gomes de Oliveira, Regilene Sar-
zi, Flávio de Almeida e Laura Leal.
Às amigas Débora Molinari, Érica Barreto,
Heloísa Neves, Lívia Andrade, Maria Teresa Alves
e Ocimara Balmant, pela presença animadora
nestes dois anos.
Aos amigos e colegas da Plano1 Comunicação,

AGRADECIMENTOS
pelo companheirismo e imenso incentivo recebi-
dos. Ao Maurício e Guilherme de Almeida Prado
e ao Marcelo Pitel, por acreditarem que valeria a

A ssim como as linguagens artísticas se entrela-


pena. Ao Fernando Mainardi, por continuar acre-
ditando! À Andréa Mello, pelos divertidos drops
çam para produzir novas formas e novos signifi- de poesia, pela troca de tantos valiosos livros e de
cados, vejo esse trabalho como resultado de vários experiências similares. Aos amigos e respeitáveis
entrelaçamentos: família, professores, amigos e opinantes: Fernando Adams, Tathy Otero, Fábio
colegas que foram como fios de sortidas texturas Manzan, Fabiana da Rosa, Janaína Siqueira,
e cores que contribuíram para a construção do Rômulo Castilho e Leandro Quaresma.
meu mestrado. Quero agradecer a cada um desses E, por fim, agradeço ao meu sempre professor
laços, mas, primeiro, devo agradecer a Deus, aque- e amigo, Prof. Dr. José Luiz Valero de Figueiredo,
le que foi o meu maior habilitador e sustentador. que por sua paixão pelo que fazia e pesquisava,
Aos meus pais, pela torcida sempre animada, contagiou-me, moveu-me e incentivou-me a iniciar
pelo carinho, encorajamento e apoio sem iguais. esta pesquisa de mestrado. Em cada página deste
Ao meu orientador, Prof. Dr. Omar Khouri, pela trabalho há muito do que aprendi com ele. São
segurança intelectual transmitida, pelos encon- lembranças e ensinamentos que hão de pulsar por
tros sempre atenciosos, pelas opiniões, livros e toda a vida. Um laço assim não se esquece.
idéias tão generosamente compartilhados comigo.
Ao Prof. Dr. Milton Sogabe, pelas importan-
tes colocações e sugestões expostas na banca do
exame de qualificação deste mestrado.
Aos professores da Pós-Graduação em Artes
do Instituto de Artes da Unesp, por tudo o que
transmitiram em suas aulas, e pelo modo como
cada um ajudou a iluminar o percurso desta pes-
quisa de mestrado.
À Profª. Drª. Aniceh Farah Neves, pela pri-
meira orientação de pesquisa recebida, ainda na
graduação, mas que perdura até hoje.

10 11
O lucro da poesia, quando 1. quantidade é qualidade distintos desenvolvimentos históricos como no
verdadeira, é o surgimen- 2. o belo é o significado momento do encontro de seus percursos.
to de novos objetos no 3. o significado é o uso
mundo. Objetos que sig- 4. o uso é a comunicação Quando aqui falamos da prática do design que
nifiquem a capacidade da DÉCIO PIGNATARI (Bre- se vinculou à prática da poesia, estamos nos refe-
gente de produzir mundos víssimo Tratado de Antiestética
rindo ao design gráfico: a atividade de planeja-
novos. Uma capacidade Semântico-qualitativa, 1971)
in-útil. Além da utilidade. mento e viabilização de projetos que comunicam
PAULO LEMINSKI (no ensaio informações prioritariamente através dos códigos
Inutensílio, 1986)
visuais. Essas informações podem ser materiali-
zadas por meio do código verbal, de ilustrações,
de fotografias, enfim, nas mais variadas possibili-
dades de expressão gráfica. E quanto à poesia que
se aliou aos recursos gráficos do design, referi-

INTRODUÇÃO
mo-nos à poesia visual: a poesia que se apropria
de outros códigos além do verbal, que enxergou
outros caminhos para a comunicação poética

S na multico­lorida ambiência constituída pelas


e levarmos a sério a sentença clássica transformações proporcionadas pelas tecnologias
atribuí­da ao design industrial do século XX, de industriais e eletrônicas.
que a forma segue a função, enunciada pelo Muitos são os interesses em comum entre o
arquiteto norte-americano Louis Sullivan1 em design gráfico e a poesia visual e, desde o início,
um artigo seu em 1896 e lançada aos ventos dos a mistura entre os dois tinha grandes chances de
aforismos históricos, encontraremos problemas dar uma substância de alto teor nutritivo estético
em identificar, hoje, as conexões do design com e informacional. Dentre as várias afinidades entre
a linguagem poética. Pois, se o design projeta design e poesia, duas delas devem ser sublinha-
objetos para desempenhar funções específicas das: a consciência da influência do meio para
requeridas pelas necessidades humanas, qual é a constituição da mensagem (vide Marshall
a função que a poesia deveria executar? Existe McLuhan) e a noção de projeto de linguagem
uma necessidade humana específica à qual a (vide poetas concretos). Pois a partir do momento
poesia deveria atender? em que os poetas se reconhecem como designers
Se reconhecermos não haver uma finalidade de linguagem, o poema passa a ser visto como
instrumental para a poesia como há para um “objeto útil, consumível, como um objeto plás-
utensílio doméstico ou para um manual de ins- tico”2 e se aproxima das formas de mensagens
truções de algum aparelho eletrônico, podemos, veiculadas pela publicidade, pela imprensa diária
então, nos perguntar qual seria o propósito de e pelos amplos meios de comunicação visuais mo-
unir a metodologia pragmática e, admitamos, dernos. Quando a linguagem gráfica e os conheci-
mercadológica do design com a aparente não- mentos tecnológicos do design combinam-se com
instrumentalidade da poesia. Poesia para quê? a criação poética, o poema deixa de ser pensado
Design misturado com poesia por quê? como tipo, um fenômeno de linguagem de “conte-
Para responder a essas perguntas – pois para, údo artístico” exclusivo aos canais literários, mas
ao menos tentar, buscar essas respostas, nasceu sim como protótipo, uma comunicação de formas
esta pesquisa – teremos de rever alguns pontos que se imiscui na afluência rápida e mutante das 2. Haroldo de Campos, In: CAM-
1. SULLIVAN, 1896 acerca do design e da poesia, tanto nos seus informações contemporâneas. POS; PIGNATARI, 2006, p. 81

12 13
A poesia entrelaçada ao design se assume gráfica, que se modificou tanto quantitativa,
como um objeto útil ao ambiente moderno. Ela é produzindo mais em menos tempo, quanto
participativa, intromete-se em diversos meios de qualitativamente, ampliando as possi­bilidades
comunicação, até mesmo na publicidade e na pro- de fusão dos códigos visuais e das matrizes, até
paganda – Vladimir Maiakovski, Décio Pignatari o ponto em que os sistemas de composição e
são exemplos de poetas que criaram para comu- impressão passam a não distinguir mais os textos
nicações publicitárias. Ela é simultânea, celebra das imagens. Tanto a hibridação de linguagens
a multissensorialidade da vida e a velocidade dos como a facilidade de produção e distribuição das
meios que a conduzem e a perpassam – como as- comunicações gráficas proporcionaram profun-
sim o fizeram os poetas Blaise Cendrars e Filippo das reverberações na criação poética e, também,
Tommaso Marinetti. Ela é extravagante, escorre- na própria concepção de valor e durabilidade do
ga para fora dos suportes tradicionais, experimen- “produto-poema”.
ta códigos outros além do verbal e da estrutura .
Na terceira parte, é pop! poesia e
versificada, incorpora ruídos, fragmenta-se em design no redemoinho da cultura
adesivos que aderem às superfícies da cidade, amplificada, investigamos as relações que
imprime-se em processos alternativos, pesquisa a poesia visual e o design estabelecem com os
novas materialidades – como fazem os poetas meios de comunicação de amplo alcance e como
como Augusto de Campos, Tadeu Jungle, Arnaldo se inserem e se comportam nessa cultura ampli-
Antunes, Júlio Mendonça e outros tantos que ficada. São abordados os fenômenos pop e kitsch
compõem o rol dos poetas-gráficos brasileiros. da linguagem estética – fenômenos esses que
possuem identificações estreitas com a cultura de
Neste trabalho, dividimos a investigação acerca do produção industrial, pós-industrial e de consumo.
entrelaçamento poesia+design em quatro partes. Por fim, em o uno + o múltiplo poe- .
Em é poesia para seus olhos... . tas e designers em parcerias, resgata-
visualidade e linguagem poética, apre- mos casos históricos de “duplas de criação” com-
sentamos os conceitos básicos da poesia visual postas por poetas e designers. Nes­tes trabalhos
e aprofundamos sobre as explorações gráficas e de parcerias, estudamos a riqueza dessas obras
poéticas através da dimensão visual da escrita. interdisciplinares, exem­plificadas pelas duplas
Estudamos a escrita ideogrâmica como fonte de Vladimir Maiakovski + El Lissitzky (Rússia, déca-
relações estruturais dos signos gráficos e seus da de 1920), João Cabral de Melo Neto + Aloísio
significados. Pontuamos momentos-chave do Magalhães (Brasil, 1954) e Décio Pignatari +
percurso da poesia visual desde a publicação de Alexandre Wollner (Brasil, década de 1960).
Um lance de dados (1897), do poeta francês
Stéphanne Mallarmé. O entrelaçamento da poesia visual com o de-
As contribuições criativas e tecnológicas do sign gráfico inaugura um novo protótipo de lin-
pensamento projetual do design gráfico para guagem: uma linguagem que não é só dos poetas
a poesia são abordadas na segunda parte do e nem só dos desig­ners gráficos, uma linguagem
trabalho, intitulada tecnologias do design que é praticada por uma forma de escrita onde
gráfico no século XX . novas relações seus significados se constroem apenas a partir do
entre textos e imagens. Aqui, discorremos momento de sua execução. É ver para ler. É a idéia
sobre o surgimento histórico do design gráfico e que nasce da forma – relembrando a sentença de
o desenvolvi­mento das tecnologias de produção Gustave Flaubert – é a escrita que avança mais e

14 15
mais em direção ao “domínio gráfico de sua nova
e excêntrica figuralidade” – citando Walter Ben-
jamin sobre Um lance de dados de Mallarmé3. É
uma fusão de códigos visuais diversos, de textos
e imagens, que proporcionam a dupla experiên-
cia de olhar e ler, abrindo um amplo campo de
investigação para essa dinâmica forma de escrita:
a escrita icônica.

3. CAMPOS; CAMPOS;
PIGNATARI, 2002, p. 206

16
01 ... a dupla experiência de olhar e ler nos dá
a sensação de que tudo está recomeçando
do nada... ser novo, no sentido do poema
configurado, é sinal inconfundível de espírito de
vanguarda CHARLES BOULTENHOUSE
A poesia visual não é um fenômeno novo. A Embora reconheça o longo
preocupação com o desenho, a elaboração gráfica, percurso histórico das
formas visuais na poesia, o
o design do poema, vem de tempos longínquos poeta e professor Philadel-
– um exemplo é o poema Ovo, de Símias de pho Menezes identifica o
Rodes, datado de cerca de 300 a.C.3 , onde o poeta termo “poesia visual” como

É POESIA PARA
notação a um fenômeno
grego constrói o poema de modo que seu layout poético específico do
interfira no modo de leitura das palavras. Obra de século XX, onde a hibrida-
visualidade ção das linguagens vem

OS SEUS OLHOS...
poeta ou de designer?
diretamente do “panorama
Importante salientar que a relação poesia/olho visual das grandes cidades
e linguagem poética pode manifestar-se de três modos:4 e dos meios de comunica-
1 o poeta pode provocar a imaginação do leitor: ção de massa” (MENEZES,
1998, p. 14) .
a formação de uma imagem mental. O poeta

01
Ezra Pound nomeou tal modo de significação poé-
tica de fanopéia, uma “projeção de uma imagem na
retina mental”5;

A busca pela interação entre as linguagens é


2 o poema pode adquirir dimensão visual por
meio da própria materialidade da escrita: a ex-
uma das características mais evidentes do século ploração das formas tipográficas, cores do texto,
XX.1 Desde que a vida humana passou a ser atra- alinhamentos, espaçamentos, e até pelo emprego
vessada pelos numerosos, e sempre renovados, da escrita caligráfica e do registro visual do gesto
feixes de informação, não apenas as linguagens da escrita;
– instrumentais e artísticas – e os meios de 3 a visualidade pode ser inserida de modo ainda
transmissão das linguagens sofreram modifica- mais contundente, no emprego de recursos
ções, mas todo o espaço que as sustentam já não além da visualidade própria do registro da es- 3. CAMPOS, PIGNATARI, 2006,
p. 179
é mais o mesmo. Como o poeta Octavio Paz re- crita: desenhos, fotografias, texturas, elementos 4. KHOURI, 1997
conhece, “o espaço [...] é o agente das mutações”. gráficos, projeções luminosas, etc. 5. POUND, 2003, p. 53

Se antes o principal espaço da escrita da poesia


era a página ou “qualquer superfície plana”, Ovo (300 a.C.), poema
agora “o espaço se move, incorpora-se e torna-se de Símias de Rodes, é
rítmico.”2 O espaço da poesia hoje pede para ser uma homenagem ao deus
Hermes, que possuía a
explorado pelos olhos, ouvidos, enfim, todos os eloqüência como um de
sentidos. Pede para ser preenchido pelas possi- seus atributos. O poeta
bilidades gráficas, construído como um espaço configurou seus versos
de modo que o poema se
de leitura imersivo, habitado pela dinâmica dos fecha no seu centro, pois
ritmos e das imagens. a leitura se dá alternando
De todos os entrecruzamentos da poesia com o primeiro verso com o
último, o segundo verso
outros códigos que não propriamente o código ver- com o penúltimo e assim
bal, estamos investigando a dupla poesia-design. por diante.
Nesta parceria a dimensão sensória privilegiada é
a percepção da obra poética como uma manifes-
1.PLAZA, 1987, p. 11
tação visual. Poesia que enche os olhos – apenas
2. PAZ, 1976, p. 118 para começar.

18 19
Nos dois últimos desses modos de estímulo
visual da poesia, o entrelaçamento poesia/design
gráfico pode em muito contribuir para a cria-
ção poética. Manipular caracteres tipográficos,
estruturar o espaço da escrita, a arquitetura da
página, a atmosfera visual do texto, sintonizar
elementos verbais e não-verbais, projetar formas
e significados como coisa una. As possibilidades
exploratórias da poesia visual parecem ilimitadas: inserir imagem
um layout em branco esperando a criação dos de-
signers-poetas, um espaço dinâmico aguardando
a idéias dos poetas-designers.

explorando a materialidade gráfica


da escrita
Enquanto os seus olhos percorrem essa página,
vai se realizando uma complexa operação de con-
versão dos signos gráficos dispostos sobre esse
plano em outra natureza de signos.
De acordo com o professor Talvez o autor Jacques Onde houver muros, há
s,
Depois que passamos pelos primeiros anos escolare de lingüística e semiólogo
francês, Georges Jean
Rancière desconfie de uma
certa audácia da escrita
brechas para os graffiti.
Escrita chinesa sobre um
.
a t a r e f a d e l e i t u r a t o r n a - s e a l g o r e l a t i v a m e n t e i n t u it i v o (1920), nosso mundo é
habitado por um signifi-
quando diz que esta está
“circulando por toda parte,
muro da cidade de George-
town, na Malásia. Foto de
cativo número de pessoas sem saber a quem deve ou Colin Stevenson (2007).
Porém, ao realizarmos uma leitura de um que utilizam sistemas de não falar, a escrita destrói
texto, desencadeamos um intricado processo escrita ideográficos em todo fundamento legítimo
de interpretação, decodificando os aglomerados vez do sistema alfabético. da circulação da palavra, da
Colocando-se em frações, relação entre os efeitos da
de caracteres alfabéticos – palavras e sentenças a população que se serve palavra e as posições dos
mais complexas, compostas por diversas pa- da escrita ideográfica corpos no espaço comum”
representa um quinto da (RANCIÈRE, 2005, p. 17) .
lavras – em mensagens carregadas de sentido.
população mundial (JEAN,
Os signos gráficos são decodificados em signos 2004, p. 184) .
fonéticos em nossas mentes que, por sua vez,
suscitam outros signos que nos conduzem à processo de transformação dos signos gráficos
compreensão daquilo que lemos. O mesmo se em mensagens inteligíveis é equivalente.
daria se, ao invés de leitores ocidentais, fôsse- A eficácia da escrita, esse jeito que inventa-
mos leitores em Pequim, imersos em toda aquela ram de guardar e espalhar mensagens, pode
escrita ideográfica: neste caso há diferenças na ser creditada precisamente à sua capacidade de
relação entre o signo gráfico e a idéia que sua materialização da linguagem. Ao transpor signos
leitura provoca na mente do leitor chinês – já que mentais – sejam representações de idéias, como
a escrita da língua chinesa não é um sistema de os ideogramas, ou de fonemas, como os caracteres
representação composta por unidades fonéticas do alfabeto – em signos materiais, visíveis, a es-
independentes e combináveis como as sílabas crita não só solidifica a linguagem, mas constitui,
compostas pelos caracteres alfabéticos – mas o especialmente, “uma nova linguagem.”6 6. HIGOUNET, p. 10

20 21
Quase um manifesto contra Dentro do conjunto de ao corpo do homem. A memória e a imaginação
o logocentrismo, em sua representações estuda- são exteriorizadas. E a maneira mais natural de
Gramatologia o filósofo das pela Teoria Geral dos
francês Jacques Derrida Signos proposta pelo ma- executar este movimento foi através do desenho
atesta a origem icônica da temático e lógico Charles da imagem das coisas.
escrita quando diz que “a Sanders Peirce, o símbolo À anotação das qualidades formais das coisas,
primeira escritura é, pois, é um tipo de signo que
uma imagem pintada. Não representa seu objeto atra- o registro icônico, podemos chamar de picto-
que a pintura tenha servido vés de uma associação de grafia: o primeiro estágio da escrita, pela qual
à escritura, à miniatura. convenção. É como se dis- passaram todas as civilizações e culturas. O
Ambas confundiram-se ini- séssemos: “fica combinado
cialmente: sistema fechado que esse signo significa pesquisador da escrita e tipógrafo francês Ladis-
e mudo no qual a fala ‘estar apaixonado’”. E fixa- las Mandel reconhece a capacidade da escritura
não tinha ainda nenhum mos uma convenção: pictográfica em contar histórias por meio de ima-
direito de entrar e que era torna-se um símbolo, um
subtraído a qualquer outro representante gráfico do gens, mas destaca a incapacidade do sistema de
investimento simbólico” sentimento de paixão. escrita pictográfico em traduzir idéias e noções
(DERRIDA, 2006, p. 346) .
abstratas mais complexas.9
Como um próximo passo à continuidade do
projeto humano de transmissão e estocagem de
representações: das imagens das linguagem, surge a escrita ideográfica. Através
coisas às idéias das coisas de “associações lógicas de imagens simples”10,
A escrita nasceu da imagem. Ainda que, por novos conceitos são formulados e, também,
vezes, lingüistas, semiólogos e defensores do có- noções abstratas passam a ser representadas por
digo verbal ignorem as raízes icônicas do sistema símbolos gráficos. Muitas línguas hoje ainda
alfabético, o rastro pictural, imagético, permane- operam no sistema ideográfico de escritura, sen-
ce imbuído nos signos do alfabeto. Em quaisquer do a língua chinesa a mais representativa delas
que sejam os sistemas de escritura, ideográficos – discutiremos, mais adiante neste capítulo, a
ou fonéticos, a prática da escrita iniciou-se com contribuição da escrita ideográfica para a poesia 9. MANDEL, 2006, p. 31
desenhos e foi-se encaminhando para a abstração visual moderna e contemporânea. 10. Ibidem, p. 33

– através da invenção de signos que representa-


vam palavras e, posteriormente, sílabas.7 A tabuleta de argila, datada
Em sua tese L’image écrite: ou la déraison graphi- de 2360 a.C., traz o regis-
que, a autora defende a origem icônica da escrita tro da escrita cuneiforme
feita pelo povo Sumério. A
e, ainda, argumenta que o nascimento da escrita argila mole era impressa
deve ser compreendido como um fenômeno por uma ferramenta sim-
advindo do encontro de duas fontes: a imagem ples, uma cunha (geral-
mente feita de madeira),
e a linguagem8 – não somente uma, ou, mais de resultando em sinais
uma do que da outra. Quando as necessidades gráficos em baixo-relevo.
de comunicação humana passaram a não caber A escrita cuneiforme sumé-
ria é derivada do processo
mais dentro dos limites permitidos pela fala e de simplificação formal
pela memorização da fala, a linguagem, até então de desenhos figurativos e
organizada dentro de uma estrutura cultural e de combinação de signos
pictóricos simples para
imaginária pautada pela visualidade e oralidade, expressão de significados
7. BRINGHURST, 2006, p. 16
começa a ser manipulada a fim de impregnar as mais complexos.
8. CHRISTIN, 2001, p. 21 coisas imaginadas sobre superfícies externas

22 23
É interessante notar a agregação de elementos
fonéticos às linguagens ideográficas, como intuito
de preencher as lacunas de representação do pen-
samento que não conseguiram ser supridas apenas
com os signos ideográficos. A introdução de signos
gráficos para a representação de fonemas – sons
elementares da fala – contribuiu para que a escrita
se tornasse um sistema ainda mais capacitado
para comportar a linguagem. Com a escrita foné-
tica, os signos deixam de representar a imagem
das coisas ou idéias de coisas e voltam-se – nova-
mente! – a representar formas. Só que desta vez
representam as “formas” do som: os fonemas. A
escrita alfabética fragmenta a linguagem ao pon-
to em que os signos isolados não fazem nenhum
sentido – diferentemente dos signos pictográficos
ou ideográficos – mas apenas quando combinados
e alinhados numa certa ordem.
O desenvolvimento da escritura, descrita nesta
ordem – de um modo um tanto breve – mostra
um processo de elevação do signo simbólico
e de rebaixamento do signo icônico. À me-
dida que a representação das coisas passa
a ser feita menos em função da semelhança
entre o signo e o objeto e mais em função da
arbitrariedade entre eles, o processo de escritura
torna-se predominantemente lógico-discursivo.
A escritura torna-se prosa. E a poesia? Apenas
servira para tornar mais fácil a memorização por
meio da rima e do ritmo? Um mundo letrado tor-
nar-se-ia um mundo sem necessidade de poesia?
A escrita tornar-se-ia um mero veículo da fala e
do pensamento linear?
A prevalência da forma poética ainda hoje,
mesmo no nosso mundo mergulhado na lingua-
gem altamente simbólica dos computadores, ates-
ta a necessidade de fruição poética. Nem só de
prosa viverá o homem, é preciso alguma poesia.
E é preciso uma linguagem que devolva, ou que
nela se reconheça, a multissensorialidade da vida. Na página oposta, ilustra-
Podemos começar explorando as possibilidades ção com o poema O bicho
alfabeto, de Paulo Leminski
inerentes da escritura. (1991).

24 25
os sentinelas do reino E no talk-show de hoje, a escrita
do código central
Reconhecer a autonomia da escrita, compreendê- em um acalorado (e pra lá de hipotético) debate...
la como uma linguagem portadora de especifici-
dades e potencialidades próprias é fundamental
para o desenvolvimento deste trabalho. Pois é
justamente da autenticação da escrita que se
funda toda a história em curso da poesia visual
e do design gráfico. E tal autenticação vai contra
toda uma tradição de pesquisas lingüísticas, das
quais destacamos aqui a Semiologia sugerida por
Ferdinand Saussure, que considerava a escrita
como prática subordinada à linguagem falada,
afirmando que “língua e escritura são dois siste-
mas distintos de signos; a única razão de ser do
segundo, é representar o primeiro.”11 O tipógrafo
e escritor Robert Bringhurst também define a
escrita como derivação da linguagem oral, sendo *
“linguagem privada de gesto imediato, como se a
fala fosse apenas uma vaga lembrança.”12
O contraste entre a abordagem da escrita feita
por um estudioso da lingüística, como Saussure,
concentrado no fenômeno de propagação aérea da
linguagem, e entre um tipógrafo, como Brin-
ghurst, envolvido com a pesquisa da propagação
gráfica da linguagem, evidencia-se quando cada
um expõe suas considerações sobre a visualidade **
da escrita. Saussure rejeita o “culto da letra-ima- Sr. Saussure Sr. Bringhurst
gem”13 como algo completamente perverso à na-
tureza da linguagem humana. Já para Bringhurst
a escrita pode ser “mais que uma linguagem” por
sua potencialidade de “se desenvolver em ricas e
variadas formas de arte gráfica.”14 Para Saussure,
o apego ao sistema escrito da língua é “um fato
patológico”15 , uma ameaça ao que ele considera
a verdadeira “língua viva”16 – a língua falada. A
autora Johanna Drucker, ao apropriar-se das defi-
11. SAUSSURE nições da Semiologia para construir sua pesquisa
apud DERRIDA, 2006, p. 37
12. BRINGHURST, 2006, p. 10
sobre a tipografia experimental na arte moderna,
13. SAUSSURE, op. cit., p. 46 reconhece que “a escrita tinha sido sistematica-
14. BRINGHURST, op. cit., p. 78
15. SAUSSURE, op. cit., p. 50
mente excluída dos estudos da lingüística, ainda
16. Ibid., p. 26 que esta última fosse dependente da linguagem * — a única razão de ser da escrita é representar os sons da fala!
** — com todo respeito, Sr. Saussure, acredito que a escrita pode ser mais que
26 27
uma linguagem meramente representativa...
escrita como base sobre a qual fundaria seus primordialmente no código verbal. Uma das defi-
próprios estudos.”17 nições de Peirce para o conceito de signo diz:
Em sua Gramatologia o filósofo Jacques Derrida “Um signo, ou representamen, é aquilo que,
tece uma defesa da escrita. Em muitas de suas sob certo aspecto ou modo, representa algo
oposições às afirmações do Curso de Lingüística para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria
Geral – livro composto por anotações do curso na mente dessa pessoa, um signo equivalente,
ministrado por Saussure – Derrida questiona, a ou talvez, um signo mais desenvolvido. Ao
partir da afirmação de Saussure de que todo signo signo assim criado, denomino interpretante
é arbitrário e convencional, a distinção abrupta do primeiro signo. O signo representa alguma
que o próprio lingüista faz entre signo lingüístico coisa, seu objeto. Representa esse objeto não
e signo gráfico. Se todo signo é convencionado, em todos os seus aspectos, mas com referência
onde residiria a “naturalidade” do som da língua e a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei
a “exterioridade artificial”18 da escrita? fundamento do representamen.”19
Mais desamarrado do pensamento logocêntri- Há uma neutralidade na definição de signo por
co, o trabalho desenvolvido pelo norte-americano Peirce no que toca a natureza ou espécie de signo
Charles Sanders Peirce (1839-1914) no campo a que ele se refere. O cuidado em afastar suas teo-
de estudo dos signos – intitulado Logic as Semio- rias de qualquer predominância de códigos levou
tic: The Theory of Signs – funda um importante Peirce a criar nomenclaturas para suas definições.
conjunto teórico para a compreensão dos nossos Na citação acima, a que tipo de signo o filósofo
sistemas de representação. Em sua Teoria Geral se refere? Poderia ser uma palavra, um som, um
dos Signos, também nomeada Semiótica, Peirce rabisco, um padrão de cores sobre uma super-
elabora uma complexa classificação dos signos fície, um rastro no chão, um aroma... Tudo o
e de suas diversas facetas, classificação esta que que pode carregar algum significado, tudo o que
tem como trunfo sua aplicabilidade aos mais pode remeter uma idéia a alguém é, para Peirce,
diferentes tipos de códigos e linguagens, diferen- considerado signo. Assim, encontramos na teoria
17. DRUCKER, 1994, p. 27
18. DERRIDA, 2006, p. 42 temente da semiologia européia que se baseava semiótica um embasamento que possibilita a
abordagem e a compreensão de um universo mais
A Semiótica estuda a natu- O significado de um signo
amplo de linguagens do que o universo do nosso
reza dos signos e de suas será sempre outro signo, código central ocidental, o código verbal – que o
relações. Para Peirce, fun- gerando uma cadeia ines- autor Décio Pignatari aponta como o código da
dador da Semiótica, qual- gotável de representações.
quer coisa que atravesse O conceito de signo desen-
nossa cultura escrita e da “nossa tradição livresca,
nossa mente é convertida volvido por Peirce é ativo cuja tendência é a de só encontrar significado nas
em signo, não importa qual ao extremo, pois não há, coisas que possam ser ‘traduzidas’ em palavras.”20
seja sua natureza, desde para ele, um signo final ou
que represente algo para absoluto. Uma representa-
E, enquanto isso, o mundo todo nos comunica
nós: seja em forma de pen- ção de um objeto nos traz nas mais diversificadas formas e através dos
samento, ação, experiência à mente uma represen- nossos diferentes canais sensórios. Quando
ou sentimento (PEIRCE, apud tação de outra coisa, que
SANTAELLA, 2004, p. 91). puxa a representação de
perfuramos a barreira perceptiva formada pelo
outra... sucessivamente ad código central – verbal – e damos chance à recep-
infinitum. ção de outras linguagens, percebemos quantas
mensagens nos alcançam diariamente por fora do
19. PEIRCE apud Santaella,
caminho supersaturado – e por vezes desgastado
2004, p. 12
– do código verbal. 20. PIGNATARI, 2004, p. 70

28 29
posta por diferentes níveis sígnicos. A materia-
lização da linguagem na forma escrita implica
uma ruptura da unidade da linguagem falada,
uma outra dimensão de comunicação de signi-
ficados se abre. É inútil a insistência em provar
a primazia de uma manifestação de linguagem
sobre outra – oral x escrita. Ganha-se muito mais
em reconhecer as particularidades de cada uma e
adentrar na exploração de suas possibilidades.
Na escrita, encontramos a imbricação de ícones
e símbolos. A prevalência dos aspectos simbólicos
ou icônicos do texto varia conforme o tipo de
mensagem criada sobre o suporte. Quanto mais
a escrita se afasta da predominância simbólica
em direção à predominância icônica, da forma,
é penetrada pela abertura e ambigüidade da
linguagem não-verbal. A dificuldade em trans-
pormos a leitura estritamente simbólica do texto
– limitando-nos a decifrá-lo segundo as normas
ModernMantra é o título de revestimentos tipográficos. lho de Broomé acaba por gramaticais da língua – a outros estratos de lei-
uma série de ilustrações Os ambientes de Broomé nos deixar a pergunta: até
do artista sueco Tho- são formados por malhas que ponto o código central tura, a leitura visual, por exemplo, é esbarrarmos
mas Broomé, onde os tecidas pelos nomes dos da nossa cultura – o código na falta de linhas norteadoras rígidas para tal.21
volumes de diferentes objetos ali representados. verbal – media nosso con- A linguagem verbal, simbólica, é a linguagem
espaços arquitetônicos são Nessa superposição do tato visual com o mundo?
representados através de símbolo e do ícone, o traba- da lógica, da linearidade, da combinação, das
definições, da contigüidade, da arbitrariedade. A
linguagem das formas visuais, fora do domínio 21. DONDIS, 1997, p. 21

saindo da estrada sinalizada:


o ícone é a bússola Uma soma de formas e sig- Marshall McLuhan vê a Um clássico para os
Talvez poucas outras atitudes possam ameaçar nificados: para Max Bense, escrita como uma quebra estudantes de arte e
mais a exploração das riquezas das variadas ma- teórico semiótico alemão, da simultaneidade dos comunicação visual, o es-
“letras e palavras têm um nossos sentidos. Mas tudo Sintaxe da Linguagem
nifestações da linguagem humana como a afixa- percurso visual, plástico, especialmente a escrita al- Visual (1997) de Donis
ção de rótulos como como se captassem a fabética, que representa a A. Dondis traz definições
origem das coisas, entre a fala em unidades fonéticas, importantes para o proces-
LINGUAGE visualidade e a linguagem” significa para McLuhan a so de alfabetismo visual.
Língua Natural M
NG
UAGEM artificial (MARQUES, Maria Eduarda. Mira
Schendel. São Paulo: Cosac &
“intensificação e extensão
da função visual”, causan-
Embora não apresente um
sistema tão lógico como o
LI

Naify, 2001, p. 31) . do a redução do “papel dos verbal, a linguagem visual


L

O R I GIN A sentidos do som, do tato é tratada pela autora como


e do paladar em qualquer algo possível de aprendiza-
E a periculosidade de tal hábito taxativo pode ser cultura letrada” (McLUHAN, do e definição, ainda que
ainda maior quando nos lançamos numa pesquisa 2005, p. 103) . apresente a complexidade
como sua característica
das linguagens estéticas. Quando o criador de dominante.
mensagens utiliza-se da linguagem em sua forma
escrita, tem diante de si uma linguagem com-

30 31
definidor do verbal, é a linguagem aberta do íco- A heterogeneidade das linguagens apresenta-
ne, onde predominam a analogia, a simultaneida- se como verdadeiro norte da arte e, conseqüente-
de, a seleção, as possibilidades, as similitudes, as mente, da poesia moderna, frutos da florescência
qualidades. Em tempo: nessa linguagem icônica, de códigos causada pela Revolução Industrial. E
das formas, também reside a linguagem poética quanto mais pautada pela heterogeneidade for
que, mesmo em sua forma verbal, também rompe uma mensagem, quanto mais diferentes forem
– em parte – com a linearidade e a arbitrariedade os códigos utilizados em sua composição, mais
predominantes do discurso verbal em prosa. recursos ela demandará para sua interpretação.
Quando a materialidade da escrita se sobres- Portanto, mais complexa – e plural – será sua
sai, quando a imagem encontra a letra, quando leitura. É o que acontece quando rumamos do
o verbal e o não-verbal se entrelaçam, ocorre o sistema literário em direção aos sistemas menos
que o filósofo Jacques Rancière identifica como simbólicos ou, como descreve a semioticista
uma confusão das normas da escrita verbal, um Lucrécia Ferrara quando vamos “do verbal para o
baralhamento das “regras de correspondência à não verbal, do intertextual para o contextual, da
distância entre o dizível e o indizível, próprias à elite artística para o coletivo artístico, do tradi-
lógica representativa.”22 Esta mistura de signos cional para a vanguarda.”23
simbólicos e icônicos viria a ser profundamente Neste processo de “iconização do símbolo”24
explorada pela poesia moderna, quando os artis- emerge a poesia. A linguagem deixa de ser um
tas colocam a linguagem num confronto entre instrumento de controle e passa a ser uma lin-
suas representações habituais e suas outras possi- guagem da descoberta. O lingüista russo Roman
bilidades materiais. Para isso, passam a manipular Jakobson muito escreveu – e o fez de um jeito
a sintaxe visual do texto, constroem uma relação dos mais admiráveis – sobre a função poética da
entre a atenção para com os elementos icônicos e linguagem.25 A utilização da linguagem ver-
para com as propriedades simbólicas da obra, sem, bal para fins de produção de arte foi um tema
em momento algum, ignorar as significações das bastante aprofundado na pesquisa de Jakobson.
22. RANCIÈRE, 2005, p. 20 dimensões verbais e não-verbais da obra. Para ele, a forma poética trata-se nada menos
que o estado de autoconsciência da linguagem,
SOL TO (1997), poema onde ela “é percebida em si mesma e não como
de Arnaldo Antunes. A uma mediadora transparente ou transitória de
interferência tipográfica alguma outra coisa.”26 A poesia constitui-se, se-
foi um recurso utilizado
de modo simples, porém gundo Jakobson, em “linguagem em sua função
capaz de proporcionar uma estética”27, assim como a pintura emprega ma-
organização visual com teriais visuais por suas qualidades intrínsecas,
forte presença da verticali-
dade. O sol não é somente como a música utiliza-se dos sons e a coreografia
representado pela palavra, utiliza-se dos gestos também por suas qualidades
mas foi incorporado como particulares, a poesia faz o mesmo com a palavra.
ícone ao poema.
E quando os poetas fundem as qualidades da lin-
guagem verbal com as qualidades da linguagem
visual, a “escrita” poética adquire outras formas 23. FERRARA, 1986, p. 190
de materialização, veiculação e leitura. O ícone, 24. PIGNATARI, 2004, p. 67
25. JAKOBSON, 2003, p. 128
signo da qualidade, emerge novamente à superfí- 26. DRUCKER, 1994, p. 29
cie da comunicação. 27. Ibid., p. 16

32 33
poesia.zip: uma condensação
de significados
Aqui deixamos para trás aqueles que buscam
insistentemente estabelecer superlativos para a
linguagem verbal ou para a não-verbal, deixamos
as buscas pela definição da “primeira linguagem
que já existiu”. Se no princípio foi a imagem ou foi
o verbo, até aqui já delineamos alguns argumen-
tos. Mas talvez agora importe mais perceber o que
o presente nos traz: o que vemos em nosso século
é que pouco serve definir qual linguagem chegou
primeiro; as linguagens são diversas e coexisten-
tes. Entrecruzam-se a todo o momento e fundem-
se em resultados surpreendentes. Principalmente
no campo da criação artística, mais importante mente impelidas aos nossos olhos, no ambiente Clichetes (1984), poema
do que a independência de uma linguagem é sua multissensório da vida. visual de Philadelpho
Menezes. O poeta faz uma
possibilidade de interação com outras linguagens Dessa vontade de se imiscuir no torvelinho das divertida paronomásia com
e de penetração em diferentes meios. linguagens e das comunicações, a poesia encontra a clássica e tão conhecida
Quando a poesia interrompe o fluxo linear a visualidade e a comunicação visual encontra a embalagem de chicletes
Adams. As apropriações do
verbal, embaralha e arremessa fora a métrica, linguagem poética. A poesia se transforma para ícones do design gráfico e
livra-se da fôrma do verso e parte em busca de se espalhar na era fluída e veloz da informação, do universo do consumo
outras formas disponíveis em outros códigos, o encapsula-se em formas versáteis e dinâmicas de trazem mil e uma possi-
bilidades criativas para a
despercebido então aparece: a possibilidade de en- veiculação, introduzindo-se nos meios de comu- poesia. É claro que só o
contrar a mensagem poética em situações além da nicação de massa. A poesia visual não apenas convívio com os ícones
sintaxe verbal. Poesia nos objetos cotidianos, nas apropriou-se dos códigos visuais do ambiente e do cotidiano não basta
para sair criando poesia: o
manifestações da cultura, nas imagens diaria- dos meios contemporâneos, mas também teve sua repertório do criador é que
forma e estrutura modificadas por esses. Uma das servirá de bússola para a
características presentes na poesia visual consiste descoberta das possibili-
Soneto do cotidiano dades poéticas disfarçadas
(1993), poema visual de na concisão da forma e da alta concentração de nos lugares-comuns.
Avelino de Araújo, publica- significados nela contidos. E a velocidade de lei-
do na 7ª edição da revista
Artéria. É uma divertida tura do poema certamente foi transformada, ga-
homenagem à tradicional nhando extrema elasticidade: comunica tanto ao
forma de composição poé- leitor contemplativo como ao transeunte ligeiro.
tica versificada, organizada
em dois quartetos e dois Nesse processo de tornar-se poesia-momento,
tercetos. O cruzamento de poesia-cartaz, poesia-minuto – como dito por
informações inicialmente Paulo Prado no prefácio à obra Cadernos do aluno
tão díspares – um objeto
banal e uma modalidade de poesia Oswald de Andrade28: “em comprimi-
poética – é um alerta de dos, minutos de poesia” – a poesia reflete-se em
que a poesia, quando com- dois fenômenos de linguagem temporalmente
binada a um bom repertó-
rio, pode ser criada a partir distintos, mas substancialmente muito similares:
28. ANDRADE, 1982, p. 61
de quaisquer situações, até o ideograma e o logotipo, exemplos da “acumula- 29. FENOLLOSA apud CAMPOS,
das mais corriqueiras. ção máxima de significados.”29 2000, p. 132

34 35
ideograma e poesia
Como já apresentado na primeira parte deste capí-
tulo, a língua escrita chinesa faz uso de caracteres
conhecidos como ideogramas, assim nomeados
por serem signos gráficos que expressam “dire-
tamente uma idéia (um ou vários significados), e
não uma letra ou som.”30 Tal modo de registro e
Ren, ideograma que signi- Rensheng, humano + vida:
transmissão da língua chinesa difere do alfabeto fica “homem”, “pessoa”, vida humana.
ocidental, que se utiliza de caracteres represen- “humanidade”.
tantes dos “sons elementares da linguagem”.31
Na linguagem ideogrâmica há forte presença do
signo pictográfico – aquele que apresenta seme-
pessoa de braços abertos
lhanças formais, ou seja, icônicas, entre o signo
gráfico e o objeto que ele intenta representar. Essa
semelhança icônica da escrita ideogrâmica é des-
crita por Marshall McLuhan como uma “gestalt pessoa pessoa

inclusiva”, uma forma de escrita que é a extensão


do sentido visual humano na tarefa de registrar e
transmitir os signos da linguagem.32 Jia, ideograma que signi- Esquematização pictográfi-
O princípio da justaposição é o que permite fica “prender”, “entalar”, ca do ideograma Jia.
à língua chinesa expressar significados e idéias “pôr no meio de”.

mais complexas através de agregados de caracte-


res ideográficos. Um projeto lingüístico que seria
totalmente descabido – a pretensão de represen-
pessoa de pernas cruzadas
tar cada idéia ou coisa do mundo num ideograma
singular – encontrou êxito ao combinar certos
signos em certas ordenações. Na escrita chinesa,
mais do que as coisas isoladas, o que importa são
as “relações entre as coisas.”33
Os processos de combinação e condensação
de significados da língua chinesa por meio de Jiao, ideograma que signifi- Esquematização pictográfi-
estruturas sígnicas independentes da represen- ca “cruzar”, “cruzamento”. ca do ideograma Jiao.

tação fonética e portadoras de traços concretos


– pictóricos – dos objetos representados, des-
pertaram poetas e estudiosos da língua chinesa
para as possibilidades de criação de linguagem
contidas na escrita ideogrâmica. O estudo do
sinólogo Ernest Fenollosa (1853-1908), Os ca-
racteres da escrita chinesa como instrumento para a
30. HSUAN-AN, 2006, p. 29 poesia, descoberto e editado em 1918 pelo crítico e Jiaoqing, entrelaçar-se,
31. HIGOUNET, 2003, p. 59 ter amizade + sentimento:
32. McLUHAN, 2005, p. 104
poeta norte-americano Ezra Pound (1885-1972), sentimento entre amigos;
33. CAMPOS, 2000, p. 52 constituiu-se uma fundamentação essencial para amizade.

36 37
o desenvolvimento de uma abordagem estrutural íntegra. A poesia chinesa impõe o abandono Não foi apenas a arte
de nossas estreitas categorias gramaticais, da poesia que absor-
– de relações de formas – para a criação poética
veu a sintaxe da escrita
no século XX, inclusive trazendo profundas in- para que acompanhemos o texto original com ideogrâmica. O modo de
fluências à formação do corpus teórico da poesia abundância de verbos concretos.”34 combinação entre signos
A naturalização ou, como queriam os poetas simples para obter um
concreta brasileira.
novo signo mais complexo
A concretude da linguagem ideogrâmica é um concretos brasileiros, a “coisificação” da lingua- também trouxe inspiração
dos pontos exaltados por Fenollosa. A separa- gem poética por meio do ideograma atribui para a linguagem cinema-
uma dimensão plástica, palpável à poesia: o tográfica. O diretor russo
ção dos significados semânticos e emocionais,
Sierguéi Eisenstein, em seu
presente no sistema de escrita alfabético, não significado do poema encontra-se ali, diante dos texto O princípio cinema-
Chuva (1966), poema ocorre na língua chinesa e tal coesão entre forma olhos, nos signos depositados sobre o suporte. É tográfico e o ideograma
visual de Seiichi Niikuni. pura materialização da linguagem, uma cons- (1929), observa que a
e significado é frutífera para a criação poética.
A partir de elementos do qualidade combinatória da
ideograma chinês que re- Para Fenollosa telação de significados inscritos e condensados sintaxe ideogrâmica pode
presenta “chuva”, o poeta “a poesia deve reproduzir o que é dito, não o em uma realidade tangível. É um mundo muito ser transposta para a mon-
cria um espaço gráfico diferente da prosa, onde a linearidade, a arbi- tagem das cenas de um
que é simplesmente significado. A significação
onde longas e cadenciadas filme. Eisenstein afirmava
rajadas de gotas caem abstrata fornece uma vividez restrita, enquan- trariedade e abstração dos signos prevalecem. A que na escrita chinesa “a
sobre o ideograma solitário. to a plenitude da imaginação a fornece na poesia toma a linguagem como objeto, como coi- cópula [...] de dois hieró-
sa, e o poema contenta-se em ser uma realidade glifos da série mais simples
não deve ser considerada
completa e autônoma. como uma soma deles e
A plasticidade dos caracteres ideográficos e a sim como seu produto [...]
saturação de significados contidos em um número cada um deles, separada-
mente, corresponde a um
limitado de signos gráficos ainda espalham seus objeto, a um fato, mas sua
reflexos na poesia contemporânea. A contribuição combinação corresponde
da escrita ideogrâmica chinesa não se resume a um conceito” (EISENSTEIN,
1929 apud CAMPOS, 2000, p.
apenas às relações intrínsecas dos signos gráficos 151) .
Na montagem cinema-
do ideograma, mas se estende a toda a sintaxe da tográfica, cenas isoladas
escrita chinesa, do modo de relacionar os diversos não são meramente enfilei-
radas no tempo, mas sim,
signos entre si na construção da mensagem. A po- combinadas, resultando
esia visual hoje, em suas mais variadas manifes- numa seqüência portadora
tações – impressa, eletrônica, holográfica, digital, de um significado.

etc. –, recebe inspiração, consciente ou não, da


linguagem ideogrâmica: é um retorno ao imagé-
tico e ao icônico, um desalinhamento do tempo
linear da escrita alfabética para o tempo circular e
simultâneo da natureza e de suas imagens.

ideograma e design gráfico


A condensação de significados por meio da
justaposição de signos também está presente da
forma mais insistente em nosso dia-a-dia: através
de certos tipos de signos visuais que povoam as
coisas dentro das nossas geladeiras e armários, 34. FENOLLOSA apud CAMPOS,
nos produtos enfileirados nas prateleiras dos 2000, p. 126

38 39
Logotipo ou logomarca? mercados, nos silks das camisetas, nos luminosos
Os dois termos são usados do comércio, nas publicações das bancas de cada
para denotar o signo grá-
fico representante de uma esquina, enfim, em todo lugar em que se preste
empresa, uma instituição, serviço ou possua algum produto industrializado,
um produto, etc. Ambos o logotipo lá está.
são usados, mas “logomar-
ca” é uma criativa invenção Quando afirma que o desafio de um logotipo
vocabular da propaganda “é escrever uma epopéia com uma palavra só”, o
brasileira. Se encararmos designer e professor Chico Homem de Melo35 faz
uma análise etimológica do
termo, descobrimos que referência à alta capacidade de armazenamento
“logomarca” é um neolo- de significados que é incumbida ao logotipo. Com
gismo redundante: Logo um número limitado de elementos gráficos, cabe
= do grego lógos (verbo,
conceito, significado, idéia) ao logotipo estabelecer associações de dimensões
+ Marca = do germâni- muito amplas, como, por exemplo, identificando
co Marka (significado). todo um conjunto organizacional e as atividades
Logomarca é o “significado
do significado”. O termo e/ou serviços e/ou produtos por ele desenvolvidos.
“logotipo” é coerente, pois O logotipo como conhecemos hoje – ocupando
Tipo é oriundo da palavra Logotipo das sandálias
nosso universo visual nas mais diferentes formas, A herança da escrita ideogrâmica deixa seu Havaianas, Alpargatas do
grega týpos, que pode ser
traduzida por sinal, símbo- propósitos e aplicações – não surgiu de um pri- traço no logotipo nos casos em que este se utiliza Brasil. Designer desconhe-
lo, modelo, figura. Logotipo, meiro caso historicamente identificado, mas foi de elementos pictóricos para transmitir todo um cido. Desde 1962.
portanto, é um sinal que evoluindo de modo empírico, sempre atendendo à conjunto de idéias e conceitos. Mesmo quando
carrega um significado, Logotipo IBM. Projetado
ou como Gilberto Alves Jr. necessidade de identificação visual de uma estru- o logotipo é constituído apenas por caracteres pelo designer Paul Rand
define, “o símbolo visível de tura organizada, seja de natureza social, religiosa alfabéticos – os tipos propriamente ditos – os em 1960, esta versão já é
um conceito” (2002) . um redesenho do logotipo
ou econômica. Um exemplo remoto da longa signos verbais não veiculam apenas informações feito pelo mesmo designer,
trajetória do logotipo está conectado aos brasões e simbólicas, mas as funções de sinalização e re- em 1972.

35. MELO, 2003, p. 81


símbolos de ordens religiosas e dos exércitos nos conhecimento imagético sobrepõem-se à função
Beijo (1994), poema de
36. WOLLNER, 2002, p. 43 tempos da Idade Média.36 de leitura dos caracteres. É o que o historiador da Gilberto José Jorge. Um
escrita Ladislas Mandel chama de “letras-imagens poema tão visualmente
para ver”37, exemplificado pelas imagens acima. sintético que seus “tipos”
funcionariam muito bem
Assim como a instantaneidade e a condensação como um logotipo.
estão presentes no logotipo, também são encon-
tradas em muitos poemas visuais. Por meio de
um arranjo visual simples, com uma economia de
elementos gráficos e, muitas vezes, não sem uma
certa dose de humor, o poema se materializa.
Um outro fator aproximativo da poesia visual
com o logotipo é sua reprodutibilidade. Uma das
premissas do logotipo é que possua uma possi-
bilidade multiplicativa sem limites e, sobretudo,
sem nenhuma perda de informação estética. O
logotipo deve ser resistente aos diferentes supor-
tes, diferentes meios de reprodução e diferentes
ambientes sem que sua identidade se danifique. A 37. MANDEL, 2006, p. 173

40 41
configuração visual do logotipo deve ser comple- forma compactada,
xa o suficiente para abrigar seus significados e significados expandidos
simples o suficiente para facilitar sua reprodução. Em seu pequeno livro de estudos de literatura
Quando a poesia visual nasce do intuito de ver- e poesia, ABC da literatura (2003), o poeta Ezra
se multiplicada e distribuída através dos meios Pound demonstra o quanto a idéia de poesia como
de comunicação contemporâneos, ela tem de se concentração é antiga, sendo “tão velha como a
projetar de modo a resguardar sua informação es- língua germânica.”38 Dichtung é um substantivo
tética – e poética – ao longo de suas reduplicações. alemão para “poesia” e Dichten é seu verbo corres-
pondente. Este verbo, curiosamente, foi encontra-
do num dicionário alemão-italiano traduzido em
condensare – em português, “condensar”.
Na época em que escreveu suas considerações
sobre poesia, Pound não propôs mudanças ao
monopólio da linguagem verbal no reino poético:
“poesia é a mais condensada forma de expressão
verbal.”39 Talvez ainda não houvesse chegado o
tempo de reconhecer as possibilidades poéticas
em outros domínios de linguagem, em códigos
não-verbais. O poeta francês Stéphanne Mallar-
mé (1842–1898), em 1897, já havia realizado um
lance importante em direção a esse novo tempo.
Mas ainda faltavam algumas décadas para que
alguns poetas se sentissem à vontade para conti-
nuarem a ser poetas mesmo sem o uso do então
“irrevogável” código verbal.
Poesia sem métrica, sem verso... E agora sem
palavras! E ainda: mais enxuta do que nunca,
ocupando tão pouco espaço e em tantos espaços ao
Código (1973), poema mesmo tempo. Uma única página em vez de um li-
visual de Augusto vro, um pequeno postal em vez de uma coleção en-
de Campos. cadernada... Poesia que explode diante dos olhos,
Diálogo (anos 1990), ativa miríades de interpretações. Poemas que, num
poema visual de curto espaço gráfico, evocam linguagens de raízes
Gastão Debreix. tão distantes como os ideogramas e, ao mesmo
Essas faturas poéticas tra- tempo, demonstram uma versatilidade estética tão
zem a carga conceitual do conectada ao design gráfico atual, especialmente
universo poético e, ao mes- quando colocados ao lado dos logotipos.
mo tempo, uma concisão
gráfica característica do Ao admitir ser assim, “zipada”, a poesia visual
design de logotipos. Ambas adquire força potencial para estar injetada no
são exemplos de obras po- cotidiano e suprir as necessidades diárias de
ético-visuais portadoras de
um potencial multiplicador informação estética. Em comprimidos – ou em 38. POUND, 2003, p. 40
sem limites. gotas para os olhos – muitos instantes de poesia. 39. Idem, grifos nossos

42 43
uma relembrança: alguns
pontos luminosos no percurso da
poesia visual
Antes mesmo que os mais simples softwares de
criação gráfica pudessem sequer ser imaginados,
quando o poeta tinha em sua cartela de recursos
apenas o frasco de tinta e a pena, já havia poesia
visual. A tradição da escrita ornamental árabe e
chinesa são exemplos. Mas acelerando o cursor
da História até nossos dias, a poesia visual que
é praticada hoje deve muito a alguns inventores
– na acepção do poeta Pound, são uma categoria
de criadores que “descobriram um novo processo
ou cuja obra nos dá o primeiro exemplo conhecido
de um processo.”40
Dupla de páginas do livro
Como poesia visual e design gráfico, ambas es- Un coup de dés (1897),
tas práticas, travam relações profundas com a di- Mallarmé, a imaginação poética deveria ser resga- do poeta francês Stéphane
mensão material da linguagem, as inovações tra- tada dos efeitos enfadonhos das formas ordiná- Mallarmé.

zidas a lume por uma delas, conseqüentemente, rias de composição gráfica41, em suas palavras:
causa modificações e implementações na outra. “Não nos permitam mais realizar esses movi-
Quando a poesia inventa um modo de trabalhar mentos sucessivos, incessantes, esse vai-e-vem
os signos visuais da escrita, ou quando o design com nossos olhos, seguindo de uma linha para
surge com um novo processo gráfico, a linguagem a próxima linha e, então, começando tudo de
visual é incrementada – seja no âmbito poético ou novo – senão certamente perderemos aquele
não. Os inventores da poesia visual muitas vezes êxtase através do qual nos tornamos imortais A mistura de diferentes
elaboram novos formatos para construir seus por um breve momento, livres de toda realida- tipografias, em tamanhos
e espaçamentos variados
poemas e, outras vezes, apropriam-se de formatos de, quando podemos elevar nossas obsessões numa mesma página não
inicialmente não poéticos em suas faturas. ao nível da criação.”42 é um recurso do design
A revolução causada por Mallarmé com o po- gráfico moderno e tam-
pouco é próprio somente
de olho no lance: para Mallarmé os ema Un coup de dés foi devida não tanto à hetero- da comunicação visual
tipos e o espaço não são mero acaso geneidade tipográfica utilizada na composição pós-moderna. O ecletismo
O poeta francês Mallarmé, em 1897 fez uso do texto. De fato, o poeta empregou tipos de tipográfico aparece nos
dos recursos tipográficos concomitantemente tamanhos diferentes e, também, variou a
cartazes, folhas de rosto
de livros há séculos. Desde
empregados na imprensa jornalística para compor composição das sentenças em caixa baixa e que novos tipos móveis
a obra poética que até hoje é tida como marco no CAIXA ALTA (letras minúsculas e maiúsculas). em metal ou madeira eram
criados, maiores se torna-
desenvolvimento da poesia moderna. Foi com um Mas a novidade trazida por Un coup de dés deveu- vam as possibilidades de
olhar extremamente crítico para o projeto gráfico se, principalmente, pela conversão da sintaxe combinações tipográficas
da imprensa diária – considerada por Mallarmé lógica da linguagem verbal numa sintaxe ana- – elegantes ou exóticas.
um modo mecanizado e tediosamente homogê- lógica. Nessa sintaxe analógica, a página onde
neo de escritura – que o poeta propôs a solução se espalha o poema deixa de ser apenas uma 41. DRUCKER, 1994, p. 56
42. MALLARMÉ, 1892, apud
gráfico-poética presente no seu poema-conste- face, um mero suporte, mas passa a comportar- DRUCKER, 1994, p. 56, tradu-
40. POUND, 2003, p. 42 lação Un coup de dés (Um lance de dados). Para se como interface da escrita poética. A habitual ção nossa

44 45
massa homogênea do texto ordinário da imprensa poesia bombástica: estilhaços
e da literatura foi subvertida. Os espaços entre os tipográficos na página futurista
caracteres não são mais apenas intervalos regula- Se no poema Um lance de dados de Mallarmé a vi-
res, mas dinamizam-se e atuam como expressão sualidade poética emerge elegantemente através
de linguagem. A semioticista Lucrecia Ferrara de modulações da composição tipográfica e da
afirma sobre essa nova poesia sua capacidade freqüência dos espaços, no movimento futurista a
de estabelecer “uma visão simultânea da página abordagem é muito menos por uma contemplação

f i c o
g rá
onde a idéia está sujeita a subdivisões prismáti- espacial do que para uma estrondosa
cas, móveis, fragmentadas entre palavras, sons,
imagens, tipos gráficos, espaços brancos.”43
Na poesia de Mallarmé a plasticidade dos
Sonora
visual
caracteres e sua organização no espaço recebem
atenção especial. O branco da página passa a
atuar como signo não-verbal do texto poético,
modificando e reestruturando o significado do Publicado em 1914, Parole in libertá de Filippo
verbal. O branco interpõe-se entre os caracteres Tommaso Marinetti traz as linhas dogmáticas do
e sua linearidade padrão, despedaça e atomiza o Manifesto futurista47. Diante de um mundo mo-
texto, subverte o continuum. O símbolo conver- dificado pelo surgimento das máquinas velozes a
te-se em ícone, isso é poesia, onde “o verbal se vapor, pelo ritmo incansável da indústria e pela
nega em favor do não-verbal.”44 rapidez de transmissão de informações, Marinetti
A partir da publicação de Um lance de dados, se es- propunha uma linguagem que comunicasse esses
tabelece um novo gênero de poesia. Segundo o po- novos paradigmas: essa linguagem são as “pala-
eta Octavio Paz, neste poema a materialização da vras em liberdade”, uma “linguagem de agressão,
escrita poética encontra sua “máxima condensação e sua um soco na cara.”48 Para tanto, os poemas de
47. MENEZES, 1998, p. 17
e x t r e m a d i s p e r s ã o ”45 Marinetti e dos futuristas buscam expressar essa 48. DRUCKER, 1994, p. 108
e prossegue: “síntese de um dia na vida do mundo”49, empre- 49. PERLOFF, 1993, p. 116

“Ao mesmo tempo [Um lance de dados] é o apo-


geu da página como espaço literário e o começo Capa de Parole in libertá
de outro espaço. O poema cessa de ser uma (1914), publicado pela
sucessão linear e escapa assim à tirania tipo- Edizioni Futuriste di “Poe-
sia”, Milão. Já na capa do
gráfica e nos impõe uma visão longitudinal do manifesto Marinetti utiliza
mundo, como se as imagens e as coisas apre- as onomatopéias para
sentassem umas atrás das outras e não, como recriar os sons das tropas e
do cerco da cidade durante
realmente ocorre, em momentos
momentos simultâneos
simultâneos a guerra.
e em diferentes zonas de um mesmo espaço ou
em diferentes espaços.”46
Cada vez mais, na poesia que se desenvolve ao
longo do século XX, faz-se presente a construção
ideogrâmica – simultânea – e a elaboração de suas
43. FERRARA, 1986, p. 18 dimensões visuais. O desenho – das tipografias,
44. PIGNATARI, 2004b, p. 76
45. PAZ, 1976, p. 110
do espaço gráfico – e a escrita continuamente se
46. Idem. entrelaçam e se fundem.

46 47
gando uma formatação de texto completamente
heterogênea, com diferentes cores de impressão,
tipografias diversificadas, tamanhos e espaça-
mentos entre letras e palavras variados.
Outro recurso expressivo proposto pela poesia
futurista é a onomatopéia, representando sons
da guerra e o barulho ininterrupto do cotidiano
das metrópoles. A autora Marjorie Perloff, em
seu livro O momento futurista (1998), resume a
nova sintaxe poético-visual proposta em Parole
in libertá: “violência e precisão – eis a fórmula de
Marinetti posta em ação.”50 A fusão das dimen-
sões visuais, semânticas e sonoras praticadas pela
poesia futurista seria retomada e reelaborada
pela poesia concreta brasileira nos anos de 1950.
Como veremos mais adiante, a essa superposição
Caligramas de Guillaume ou compostos por tipos, Quem em sua infância já
do sistema fonético e da sintaxe analógica os con- Apollinaire: Chapeau (do os caligramas ganham a segurou em suas mãos o
cretos denominariam linguagem verbivocovisual livro Poèmes à Lou, 1915) forma do tema versado no livro de Lewis Carroll, Alice
– termo cunhado pelo escritor e poeta irlandês e La tour Eiffel (Calli- poema. no País das Maravilhas, irá
grammes, 1918). Sejam lembrar-se do poema que a
50. PERLOFF, 1998, p. 162 James Joyce (1882-1941). feitos em escrita caligráfica personagem Alice faz sobre
o longo rabo de um ratinho:
Long Tale/Tail (um longo
conto/rabo). Já em 1867 o
autor Carroll brinca com a
possibilidade do icônico-
verbal para compor o poe-
ma longo e sinuoso como a
forma do rabo do rato.
o ícone é a fôrma, o símbolo
o recheio: caligramas
Também buscando o entrelaçamento entre
texto e imagem, símbolo e ícone, Guillaume
Apollinaire foi um dos poetas com participação
significativa na vanguarda artística do início
do século XX. No livro Caligrammes, em 1918,
Apollinaire realiza poemas onde as palavras não
explodem de modo caótico sobre a página, como
nos poemas futuristas, mas configuram-se de
acordo com a forma icônica dos objetos tratados
As páginas de Parole in pelo poema. Assim, num poema sobre a chuva, as
libertá (1912), do artista palavras dispõem-se na forma do traçado das go-
futurista Marinetti, trazem tas caindo do céu, ou, ao falar sobre uma gravata,
um manifesto inflamado e
experimentações tipográfi- ele desenhescreve o poema na mesma forma do
cas contundentes. objeto-tema.

48 49
Os caligramas de Apollinaire são poemas
moldados pela figuralidade dos seus temas, são
simples, descomplicados, evidentes. Apollinaire
revela a materialidade da linguagem poética sem,
porém, abandonar a lógica estrutural da lingua-
gem verbal. Ao usar o recurso da “moldura icô-
nica” na composição do texto poético, de algum
modo, isso torna os caligramas de Apollinaire
mais próximos da visualidade dos textos caligráfi-
cos da cultura árabe e grega – como o poema Ovo
de Símias de Rodes, citado na introdução deste
capítulo – do que da proposta de Mallarmé.

muito mais ideograma
do que caligrama
À medida que as ressonâncias das vanguardas eu-
ropéias chegam ao Brasil na primeira metade do
século XX, inicia-se o complexo processo antropo-
fágico que iria resultar na poesia visual brasilei-
terra (1954), poema
ra. Muito embora haja incursões anteriores de concreto de Décio Pigna-
manifestações de visualidade em poesia no Brasil, tari, publicado em 1958
de acordo com Philadelpho Menezes, podemos no volume 4 da revista
Noigandres.
identificar o início da poesia visual brasileira com
51. MENEZES, 1998, p. 17 o movimento Concreto da década de 1950.51

nto”
“concreto ao po
Receita para um
o simplifi ca da )
(versã
ento
tista + o surgim
to de eu fo ria desenvolvimen an te s vis to nos
num momen avanço nunc a
Junte: um país om iss ores + um
cos racionali st as be m
tecnológicos pr técnico-científi
de progressos pa ra di gm as rm aç ão + ac esso
unicação + Teoria da Info
meios de com no campo da da lógica e da
s + no vas pesquisas ár ea da lingüística,
forta le ci do
os pu bl ic ad os na
op os tas pela física
es trabalh e do tempo pr
a então recent es do es pa ço espaço e dos
m ió tic a + no vas concepçõ lo go , no va s concepções do
se 03, p. 41) +
AMPOS, R. 20
einsteiniana (C tônicos. a boa pitada de
signos ar tístic
os e ar qu ite o cultural, um
ne ro sa do se de intercâmbi um a co lher cheia de
in-
Acrescente um
a ge
s câ no ne s ac adêmicos, e liter at ur a – James
irreverência em
relação ao bom blend da e –, das ar tes
deverá ter um
ip lin ar idad e (esta última o N et o, Os wald de Andrad – con-
terd isc
und, João Cabr
al de M el – e da música
Joyce, Ezra Po co ns tru tiv ist as /concretistas
s,
drian, Bauhau ockhausen, Jo
hn Cage.
visuais – Mon ton Webern, St poeta con-
et rô ni ca , An po de re m os conseguir um vai e vem (1959), poema
creto-el in co m pl et a, a co nversa.
não estiver sunto para um concreto de José Lino
Se esta receita o, alg ué m co m bastante as Grünewald.
mínim
creto. Ou, no

50
Com a poesia concreta, a exploração do espaço como elementos icônicos, podendo ser utilizados O tipógrafo e designer grá-
gráfico poético, proposto no final do século XIX individualmente ou participando de um bloco ti- fico alemão Wolfgang Wein-
gart faz eco aos princípios
por Mallarmé, volta à cena. A unidade mínima pográfico. A abordagem da visualidade – o projeto norteadores da construção
da poesia, porém, deixa de ser o verso para ser gráfico que materializa o poema – torna-se prin- da poesia concreta, muitos
a palavra.52 A combinação desse outro olhar cípio fundamental para se fazer poesia concreta. anos depois, ao afirmar que
“fazer tipografia significa a
para a dimensão gráfico-espacial da página com A linguagem visual concretista apresenta muitas organização visual de um
a palavra como elemento básico do poema, é o semelhanças formais com os projetos gráficos do determinado espaço com
que leva os poetas concretos definirem a poesia design modernista, de linha funcional, espe- relação a uma intenção
funcional específica” (WEIN-
concreta como uma “tensão de palavras-coisas cialmente com a linguagem precisa e rigorosa GART, 2003, p.41) .
no espaço-tempo.”53 Essa definição encontra-se praticada pela Bauhaus, pela Escola de Ulm e, Se trocarmos o termo
no Plano-piloto para a poesia concreta, publicada alguns anos mais tarde, pela Escola de Zurique e “tipografia” por “poesia
concreta” a sentença conti-
em 1958 na revista Noigandres pelos poetas de Basiléia (Suíça) de onde derivaria o chamado nuará sendo válida.
paulistas Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Estilo Internacional.
Haroldo de Campos. O trio concretista da poesia Por mais rígido que fosse o programa inicial
viria a causar polêmica no meio literário brasilei- da poesia concreta, deu-se a ignição ao desenvol-
ro, especialmente entre os escritores defensores vimento da poesia visual brasileira. Ao manifes-
do verso como estrutura básica para a poesia. tarem tanto interesse pelas disciplinas gráficas
Os poetas concretos estavam mais para e visuais, pelas teorias da informação e da
designers de linguagem do que para escritores. cibernética, pelas várias dimensões sensórias da
Baseando-se nos princípios de relação, justaposi- linguagem, o campo de experimentação poética
ção, correlação, parataxe da escrita ideogrâmica, foi enriquecido. A partir de então, novos poetas
a poesia concreta trabalha os elementos gráficos – e também os próprios concretos – continuaram
52. MENEZES, 1998, p.69
explorando os “fatores gestálticos de proximidade as pesquisas e as inovações na poesia.
53. CAMPOS, PIGNATARI, e semelhança visual.”54 Os caracteres do alfabe-
2006, p. 216
54. CAMPOS, 2004, p. 102
to são empregados não apenas como símbolos cada poema é seu próprio manifesto
55. RISÉRIO, 1998, p. 44 representativos dos fonemas, mas como coisas, Depois do movimento concretista na poesia e do
movimento do poema-processo – iniciado com a
Décio Pignatari publi- concreta procurem o verbe- A comunicação visual de divulgação do manifesto Poema processo – Propo-
cou, em 1966, um texto te semantics na ençai- estilo suíço veio dessas sição, por Wlademir Dias-Pino, em 1972 –, desde
inflamado dirigido àqueles clopídia britannica para duas escolas. Esse estilo de então, a poesia visual não costumou mais a se
que, ele considerava, saber por que a poesia design, surgido nos anos
não entenderam nada é sempre concreta [...]” 30 e divulgado como Estilo reunir em movimentos organizados. Apesar da
das propostas da poesia (CAMPOS, PIGNATARI, 2006, p. Internacional no final da aparente falta de coesão, a poesia visual no Brasil
concreta: “[...] & se não 234) .
Não provoquem um década de 50, baseava-se continuou viva e ousada. Os maiores registros
perceberam que poesia é poeta concreto, eles levam numa organização racio-
linguagem & não língua [...] a pesquisa da linguagem nalista e matemática do que encontramos dessa poesia pós-concreta são
& não se aperceberam das muito à sério. espaço gráfico – o exemplo as revistas. Em seu livro Revistas da era pós-verso
novas realidades gráficas mais notável é o uso do (2003), o professor e pesquisador Omar Khouri
tipográficas magnetofôni- grid (grade), que facilitava
cas audiovisuais [...] & se a composição geométrica e investiga a importância desse meio de divulgação
vocês detestam a poesia ortogonal da página (HOLLIS, – e conservação – para a poesia visual brasileira.
2000, p.139) . As tipografias É certo que muito da poesia do pós-verso e,
predominantes do estilo
suíço eram os tipos sem também, do pós-concreto rompe com os dogmas
serifa, como Akzidenz, Fu- lançados pela pelo manifesto do Plano-piloto para
tura, Univers e Helvética. a poesia concreta. Além de um caráter por vezes

52 53
mais gestual, utilizando-se de caligrafias, graffiti,
a poesia visual passa a incorporar outros elemen-
tos além dos caracteres do alfabeto: fotografias,
ilustrações, texturas, etc. As novas técnicas tam-
bém influem na criação visual dos poetas – assim
como na criação dos designers – pois as técnicas
têm o poder de afetar “o mundo da linguagem, no
mais amplo sentido semiótico do termo.”55 A cada
novo meio de materialização da linguagem desco-
berto, novas cartelas de possibilidades tornam-se
disponíveis aos poetas-designers.
Além das publicações em revistas – de papel
– hoje há muito o que se ver da poesia visual no
meio digital de comunicação. Não só as tecnolo-
gias de criação gráfica digitais proporcionaram
outras formas e soluções para a poesia visual
como a facilidade de troca de informações da
internet causou um outro modo de, criar, co-criar
e compartilhar a poesia. O lance de dados jogado
sobre o branco do papel, quem naquele ano de
1897 imaginaria, ainda hoje rola no ar infinito
55. RISÉRIO, 1998, p. 44 das linguagens numéricas da informática.

54
02 O artista sério é a única pessoa capaz de
enfrentar, impune, a tecnologia, justamente
porque ele é um perito nas mudanças da
percepção MARSHAL McLUHAN
nas conseqüências existenciais dessas réplicas:
como, por quem serão utilizadas, em que cultura
estarão inseridas, em quais contextos simbólicos
elas estarão mergulhadas, como serão distribuí-
das, adquiridas... Projetar dentro da realidade

TECNOLOGIAS
novas relações entre
DO da indústria está longe de ser um ato limitado e,
como afirma Tomás Maldonado, não pode ser

DESIGN GRÁFICO
considerada uma atividade autônoma.
Tendo o design industrial como agenciador
textos e imagens entre ideação e execução dos projetos destina-

NO SÉCULO XX dos à produção industrial, o fluxo produtivo é


otimizado: a quantidade alia-se à qualidade. Com

02
menos tempo demandado na produção de objetos
materiais, sobra mais tempo para outros tipos de
produção. A produção de objetos cede cada vez

A promessa da indústria: por meio da automa-


mais espaço à produção de signos. A coqueluche
que foi a era da automação vira lugar-comum.
ção, produziremos maior quantidade em menor Agora é a vez da era da informação.
tempo. Dito e feito. E assim, tendo convencido E o resultado dessa nova ordem das coisas é a
os intrépidos investidores burgueses, instalou-se inundação da vida humana pelas torrentes dos
uma nova ordem de produção de bens. Tínhamos signos. A produção de informação só conhece
de começar a pensar como produzir as coisas den- um ritmo de desenvolvimento a partir do final
tro do sistema das técnicas de reprodutibilidade. do século XIX: expansão. Nessa gênese descon-
A necessidade de pensar para a indústria, pen- trolada de signos – e dos meios de produção
sar formas que deveriam se constituir por meio de signos – a inteligibilidade é ameaçada pela
dos aparatos técnicos industriais, gerou o Projeto entropia criada pelo excesso. Neste ponto brilha
Industrial ­– industrial design – que se firma como
prática coordenadora, integradora e articuladora Nascido em 1922 na do termo – peculiar ao e da forma estética, não ig-
de “todos aqueles fatores que, de uma maneira Argentina, Maldonado pensamento dos artistas nora a responsabilidade do
ou de outra, participam no processo constitutivo foi professor na Escola e designers afinados ao designer em contemplar os
Superior da Forma (HfG) movimento concretista, desdobramentos humanos
da forma do produto”1. Se uma mente criativa na de Ulm. Constitui um dos do qual tomou parte nas de seus projetos.
era industrial pensa um novo objeto, só depois mais relevantes teóricos décadas de 40–50. Porém,
de descolá-lo da imaginação e fazê-lo percor- do design, e orienta suas mesmo em meio a sua
reflexões em direção a uma concepção matemática e
rer diferentes processos através de diferentes noção racional e científica universalista das técnicas
maquinários, esse objeto será realidade – e não
será um objeto singular real, mas uma realidade $
povoada de múltiplos objetos
nascidos de uma idéia singular. Como considera
Pierre Restany, o criador converte arquétipos
em protótipos2.
1.MALDONADO, 1993, p. 12
Pensar o protótipo e, conseqüentemente,
2. RESTANY, 1968 pensar os seus tipos ou réplicas, implica pensar

56 57
a lucidez do pensamento de Nobert Wiener ao A hibridação dos códigos é inerente ao pro-
concluir que “a organização é a mensagem”3. cesso de comunicação de uma modernidade
E, dentre as atividades que viriam a atuar como entusiasmada com a oferta de possibilidades
organizadoras das mensagens circulantes técnicas. Nisso, as tecnologias contemporâneas
nos meios e espaços de comunicação, o design têm proporcionado, com relativa facilidade, tal
gráfico desponta como planejador dos mistura dos códigos da comunicação. As artes
signos visuais. visuais – e aqui incluímos o design gráfico, “arte
A produção de signos, a linguagem, passa a da informação”5 e a poesia visual – não poderiam
ser pensada como projeto inserido no contexto estar de fora desse processo, sejam como instiga-
das técnicas e recursos produtivos da época. As doras de experimentações entre códigos ou como
escolas alemãs Bauhaus (1919–1933) e Hoschule usuárias dessa multicolorida paleta de possibili-
für Gestaltung (1953–1968) foram precursoras dades de linguagem.
desse pensamento projetual de linguagem, pois Das muitas linguagens artísticas afetadas
abordavam todos os aspectos da vida humana pelas revoluções tecnológicas, é possível identifi-
– habitação, vestuário, objetos, meios de loco- car profundas transformações estéticas no design
moção, práticas de lazer, veículos de informação gráfico, onde as contribuições dos novos meios
– como integrantes de um único e amplo sistema: de composição e impressão surgidos com – e após
o sistema dos signos da comunicação. – a Revolução Industrial possibilitaram maneiras
No transcorrer do século XX, o design gráfico inéditas de manipular as informações verbais e
especializou-se na organização e criação de um não-verbais, tornando a mistura entre textos e
tipo de comunicação que, ao pretender mesclar a imagens cada vez mais indissociável.
linguagem verbal com a linguagem não-verbal, se
utilizava do recurso industrial da imprensa – que os designers e a utilização
Walter Benjamin identifica pontualmente como das técnicas
3.WIENER apud PIGNATARI,
2003, p. 15
a “reprodução técnica da escrita”4 – e das técnicas A sucessão histórica de nascimentos das várias
4.BENJAMIN, 1994, p. 166 de reprodução de imagens. técnicas de criação gráfica e impressão projetou,
consequentemente, transformações nos resul-
A Bauhaus tornou-se um Escola Superior da tados estéticos dos projetos de design gráfico e
marco do nascimento do Forma (HfG), idealizada e abriu novas dimensões criativas aos poetas inte­
sistema de ensino superior organizada pelo designer, ressados em explorar outros modos de existência
voltado à inserção da arte escultor, pintor e arquiteto
aos meios de produção suíço Max Bill, a escola da linguagem inscrita. O aparecimento de uma
industrial. Através da fusão teve sua base física estab- nova técnica certamente causa, como afirma
de enfoques estéticos e elecida na cidade de Ulm, Pierre Lévy6 , a desestabilização dos modos de
sociais e de uma visão mul- Alemanha. Sua estrutura
tidisciplinar de pesquisa, pedagógica foi baseada produção e representação anteriores a ela, ou
propunha o enlace da arte no programa didático da como resume Neil Postman, altera a estrutura e
e da técnica ao cotidiano findada Bauhaus, tendo os elementos – signos – dos nossos pensamentos,
humano – desde o design o paradigma arte-função
Logotipo da Bauhaus, dos mais corriqueiros ob- como principal diretriz para bem como o ambiente onde nossos pensamentos
desenhado por Oskar jetos aos mais complexos a construção do ensino se desenvolvem7. Mas, contudo, a chegada de
Schlemmer, utilizado projetos urbanísticos. Para e da prática do design uma nova técnica não chega a abolir de pronto as
quando a escola ocupava saber mais: Bauhaus Ar- industrial, da comunicação
o prédio na cidade alemã chiv, de Magdalena Droste. visual e da arquitetura. técnicas pregressas. Em toda a história humana, 5.PIGNATARI, 2003, p.127
6.LEVY, 1993, p. 16
de Weimar. Köln: Taschen, 2006. o processo de conhecimento tende a progredir por 7.POSTMAN apud RISÉRIO,
rupturas e por acumulação – esta última se dá na 1998, p. 11

58 59
sedimentação histórica de todas as rupturas já tório contemporâneo por meio da computação
ocorridas –, e tal fenômeno não poderia ser dife- gráfica e das tecnologias digitais, onde é possível
rente nos espaços interiores da história do design simular os resultados obtidos pelas técnicas
gráfico e das comunicações visuais. anteriores, como fontes digitais baseadas nas for-
Hoje, ao olharmos em diferentes compilações mas de impressão de tipos em madeira ou filtros
históricas do design gráfico, observamos, junto gráficos que conferem um aspecto de impressão
à linha progressiva do tempo e dos adventos xilográfica a uma imagem, por exemplo. Ocorre,
tecnológicos, um vai-e-vem de linguagens visuais. também, um projeto tornar-se muito mais inte-
É muito comum que designers de um período ressante para o designer quando as tecnologias de
troquem suas ferramentas contemporâneas em outrora são incorporadas, de fato, ao processo de
resgate de técnicas passadas, muitas vezes se uti- criação, para posteriormente serem realizados a
lizando dos meios mais interessantes disponíveis, digitalização e finalização do trabalho.
num ecletismo entre o que há de mais novo com Diante de um cardápio histórico repleto de
técnicas mais “rudimentares”. técnicas, onde cada uma delas proporciona uma
A coexistência do atual e do passado pode ser linguagem estética distinta, cabe a todo artista
exemplificada no caso do surgimento da com- gráfico de hoje – seja designer gráfico ou poeta vi-
putação gráfica na década de 1960, com toda a sual – alimentar seu repertório do conhecimento
transformação causada à prática dos tipógrafos e das tecnologias da comunicação visual, aprovei-
designers gráficos, não eliminou os tipos de metal tando a disponibilidade dos diferentes meios de
concebidos por Johannes Gutenberg pelos anos produção gráfica para atuar no processo de elabo-
próximos de 1450. O que freqüentemente acontece ração formal e semântica das faturas visuais.
é o deslocamento da técnica antiga, do seu lugar
corriqueiro ao estatuto de vintage, como ocorre a comunicação moderna
com peças de mobília de determinadas épocas. e sua demanda por imagens
Outro fenômeno de preservação dos antepas- O fascínio que as imagens provocam em nós não
sados tecnológicos está na sua inserção ao reper­ é recente, nem muito menos é nascida com a
Revolução Industrial ou com o invento da câmera
realizou um importante O termo, do inglês, é fotográfica. A propensão humana para o deslum-
aprimoramento no sistema etimologicamente utilizado bramento com as imagens está registrada desde a
– que já estava em uso para designar o período descoberta dos mais antigos grafismos realizados
pelos chineses desde o da colheita de uvas para a
século 11 AC. Enquanto os fabricação de vinho, mas pelo homem. As imagens representam o mundo
chineses utilizavam blocos também é empregado para para nós. Só que deixamos de nos servir de ima-
de madeira e um processo denotar um objeto não- gens apenas para estabelecer mediações entre nós
praticamente manual, contemporâneo ou antigo;
Gutenberg mecanizou o conferindo um sentido de e o mundo. Na sua breve filosofia da fotografia
sistema e, com a colabo- “nostálgico-chique”. Vilém Flusser8 discorre sobre essa inversão de
ração de seu amigo Peter representações. As imagens não mais funcionam
Schoeffer, elaborou tipos
móveis mais resistentes, para nós, mas passamos a viver em função das
Gutenberg (1397–1468), feitos de liga de metais imagens: de tanto transitarmos entre elas, o
ao contrário do que nos (JEAN, 2004, p. 95) . mundo passa a ser visto como uma seqüência
conta a versão resumida
da história, não inventou de imagens.
os tipos móveis, mas Desde a explosão dos meios de comunicação
em massa nos grandes centros urbanos, a partir 8.FLUSSER,1993

60 61
do século XIX, o ambiente do mundo recobre-se
todo de imagens e signos visuais. Torna-se ainda
mais acentuada a disputa das imagens pela aten-
ção do transeunte-leitor-consumidor; a oferta de
informações de toda a espécie multiplica-se com
enorme potência devido aos novos meios de co-
municação, dentre eles, a mídia impressa (jornais,
revistas, comunicações publicitárias).
A fim de proclamar mais alto sua mensagem, a
comunicação gráfica buscou soluções técnicas que
pudessem prover uma produção visual de impacto
e que congregassem a força das formas tipográfi-
cas com a atratividade das imagens.
O processo de incorporação das imagens no
meio impresso industrial deu-se de modo mais
tardio que a automatização da impressão tipográ-
fica. Embora a propagação de textos tenha se
popularizado muito desde o século XV, devido à
impressão com tipos de metal, até o século XVIII
ainda pairava sobre os impressores e artistas grá-
ficos o problema da inexistência de uma técnica
que permitisse a impressão simultânea de textos
e de suas ilustrações, utilizando-se a mesma
máquina e o mesmo tipo de papel9. A necessidade
de comunicar letras e imagens, a toda velocidade
9.JEAN, 1992, p. 113 exigida pelo espírito moderno, impulsionou a

Na roda de discussões imagens constitui um tipo


sobre as imagens e os de atrofiamento cultural:
meios de comunicação en- “para entender uma ima-
contramos as mais diversas gem [...] é suficiente não
posturas. Há os entusias- ser cego. [...] Repito: é só
mados pela proliferação vê-la e basta. Enquanto a
dos mídia visuais e há os palavra é parte integrante e
alarmistas. Neste último constitutiva de um universo
time encontramos o autor simbólico, a imagem não é
italiano Giovanni Sartori, nada disso” (2001, p. 22) .
que fez do seu livro Homo
videns: televisão e pós-
pensamento um inflamado
manifesto contra a ameaça
do desaparecimento do
homo sapiens pelo homo
videns. Para Sartori, a
comunicação por meio de

62 63
Um caractere é cada letra, como “caixa-alta” e tipos minúsculos, “caixa-
número ou pontuação de baixa”. Para realizar a impressão do trabalho, o
um alfabeto. A palavra
poesia, por exemplo, é tipógrafo se servia da bandeja de tipos para mon-
formada por 6 caracteres. tar manualmente a matriz de uma página, onde o
Se fôssemos compô-la com texto era composto de forma espelhada. Arruma-
tipos de metais, precisaría-
mos reunir os 6 tipos dos os tipos na matriz, estes eram afixados por
correspondentes a cada uma moldura, a matriz disposta na prensa para
caractere. então ser entintada e comprimida contra a folha
de papel.
A composição por tipos de metal foi automa-
tizada no final do século XIX com a invenção das
máquinas Linotype e Monotype, onde o texto era
composto através do uso de um teclado, e a má-
quina se encarregava da composição das matrizes
em metal derretido10 .
O designer que se servia de tal meio de
invenção de técnicas que viabilizariam a coexis­ produção, tinha de projetar seu layout baseado
tência de imagens com os caracteres do alfabeto nas limitações impostas pelo processo. A limi-
na grande veiculação dos meios impressos. tação física dos tipos de metal dificultava certos
sobreposições
arranjos criativos, como sobreposiçõesDEdeLETRAS
letras
os processos gráficos ou disposições de texto que fugissem do
ão l
do século XX até hoje: das matrizes padorr togona – mas nada que não pudesse ser
tridimensionais às imateriais solucionado se o designer se dispusesse a criar
O design gráfico moderno, até metade do século um novo desenho para um tipo fora dos padrões
XX, tinha como uma de suas ferramentas-base disponíveis, ou imprimir a mesma página mais
para a produção de projetos de grandes tiragens de uma vez. A inserção de imagens ainda era a 10.ANHOLT; BRANDT, 2001

o processo de composição com tipos de metal.


Nesse processo, cada caractere do alfabeto Bandeja tipográfica. Nesta
era esculpido em metal (ou em madeira, para peça eram ordenados
grandes tamanhos de letras) já no tamanho real os tipos metálicos que,
depois de afixados por uma
a ser impresso no papel, e a partir dessa peça de moldura, recebiam tinta e
metal, era feita uma matriz, onde era depositada eram comprimidos contra
uma liga especial composta de latão, antimônio e as folhas de papel.
chumbo derretidos. Quando resfriado e retirado
da matriz, estava pronto o tipo de metal. Cada
peça correspondente a um sinal tipográfico
(letra, número, sinal para-ortográfico etc.) era
armazenada num compartimento específico de
uma bandeja. Os tipos MAIÚSCULOS ficavam
na bandeja superior e os tipos minúsculos na
bandeja inferior – o que gerou a terminologia
usada hoje para classificar tipos maiúsculos

64 65
Vinheta: peça tipográfica Nada está desconectado cinema, e a ouvir-lo através
onde eram entalhados do espírito do tempo. Ou do rádio, antes do que por
ornamentos e ilustrações seria mera coincidência de meio da letra impressa e
decorativas. que a tipografia e os meios da expressão oral direta”.
de produção gráfica se E complementa: “nos anos
deparassem com os pro- trinta, por cada jornal ven-
cessos fotográficos justa- dido na Grã Bretanha [...]
as letrinhas dormiam mente na década de 1930, se vendiam duas entradas

NAS mesma década em que,


como observa Lewis Black-
well, “os habitantes do
de cinema” (2004, p. 82) .

CAIX AS mundo ocidental começa-


vam a se acostumar a ver o
mundo através da câmera,

ALTAS tal como era mostrado no

questão mais problemática do processo, resu­


mindo-se a vinhetas de metal ou madeira, ou
então, em ilustrações a serem feitas em separado,
que resultava na demora e no encarecimento
da produção.

A baixa qualidade da impressão dos tipos das
máquinas Linotype e Monotype, fez com que,
no final da década de 1920, alguns editores de
jornais norte-americanos solicitassem melhoras
nos sistemas. Isso fez com que as empresas for-
necedoras surgissem com novas famílias tipográ-
ficas projetadas especialmente para as máquinas
impressoras de alta velocidade. Ao mesmo tempo
em que os sistemas de composição em metal eram
e nas aprimorados, uma nova tecnologia era elaborada:
na década de 1930 começam a surgir os primeiros

caixas um pesado sono metálico


sistemas de fotocomposição11. A combinação
dos processos de fotocomposição e litografia

baixas enquanto a mão do tipográfo


ainda não as despertavam.
possibilitou um importante passo em direção à
mescla de textos e imagens em produções gráficas
de grandes tiragens.
Na fotocomposição, os caracteres de texto são
escolhidos via teclado e compostos por meio de
matrizes contendo famílias de tipos em negativo
sobre material transparente. O tamanho final do 11.BLACKWELL, 2004, p. 80

66 67
texto a ser impresso é definido através da com-
binação de lentes, que ampliam ou reduzem as
formas tipográficas do negativo-matriz. Embora univers 53
apresentasse certos maus-tratos ao desenho dos
tipos – distorções e perdas de detalhes não eram univers 63
resultados muito incomuns –, o processo fotográ-
fico de composição já começava a abrir novos
univers 73
caminhos estéticos ao designer, possibilitando so-
breposições de elementos tipográficos, combina-
univers 83
univers 45
ção de textos com imagens a traço e fotografias.
O sistema de impressão offset, que conhece­
mos hoje como o meio de produção gráfica atual
mais adequado a grandes volumes de impressão, univers 55 46univers
originou-se diretamente da litografia, uma
técnica de impressão cujos princípios foram univers 65 56univers
descobertos no final do século XVIII pelo alemão
univers 75 66univers

vida
Aloys Senefelder. Baseado na aversão entre a água

76univers
e o óleo, o processo conseguiu eliminar a matriz
tridimensional, fazendo uso de uma superfície
plana, onde áreas de retenção e repulsão de tinta

em
se configuram para formar a matriz de impressão.

família
Inicialmente grandes blocos de pedra calcária
eram utilizados como matriz, sendo as imagens
desenhadas com crayons gordurosos e as demais
áreas da pedra, umedecidas com água. Ao receber
a tinta à base de óleo, esta se depositava somente

univers 47
Uma família tipográfica é Imagens a traço são ima- Univers, família tipográ-
composta de todas as va- gens compostas de traços fica projetada por Adrien
riantes e tamanhos de um uniformes e chapados, sem Frutiger entre os anos de
desenho de fonte: pesos,
larguras, romanas, itálicas,
variações de tons. 1954–57 para fundição
de tipos em metal. Frutiger univers 57 48univers
univers 67 58univers
capitulares etc. desenhou 21 variações que
foram numeradas numa
ordem lógica – as variações

68univers
itálicas, por exemplo, são
representadas por números
pares e todos os números
de uma mesma dezena
referem-se a um mesmo
peso tipográfico.
univers 39
univers 49
univers 69
68 69
nas áreas cobertas pelo crayon enquanto as áreas Fonte: grupo de carac-
úmidas da matriz, sem imagens, repeliam a teres tipográficos criados
segundo um mesmo estilo
tinta12. As enormes fatias de pedra foram substi- de desenho. Exemplos de
tuídas, com o aprimoramento do processo, por diferentes “pesos” da fonte
finas lâminas de alumínio – e outros materiais, Odile, desenhada por
Sibylle Hagmann em 2006.
como plásticos especiais – recobertas por uma
camada de material fotossensível. O baixo custo
e a alta qualidade desse processo planográfico
de impressão permitiu uma popularização sem
precedentes da imagem impressa e, especial-
mente, tornou a comunicação de textos e imagens
possível de ser realizada através de projetos de ad-
mirável qualidade e altíssima reprodutibilidade.

Dos tipos de metal aos filmes da fotocomposição,


o processo de comunicação visual impressa já
havia conseguido eliminar muito “peso”. Porém criada, tipografia que não possibilite ser modifi-
o cume da desmaterialização da produção gráfica cada, nem imagem que impeça de ser alterada.
aconteceu com a incorporação da tecnologia A digitalização das ferramentas de criação
digital a partir da década de 1960. Nem aço, gráfica transportou praticamente todas as etapas
nem acetato: com a informática e as linguagens de concepção de um projeto gráfico para uma
numéricas, o design gráfico se desprendeu dos mesma central, possibilitando ao designer gráfico
limites impostos pelos materiais e encontrou um o completo controle do projeto até o momento
novo domínio para se configurar. Neste ambiente da impressão. A tecnologia do desktop publish-
incubador digital tudo é passível de manipulação ing, desde 1984, oferece ao designer ferramentas
12.JURY, 2002, p. 118 e intervenção; não há forma que não possa ser para a digitalização, tratamento e intervenção de
imagens, ilustrações digitais, editoração de tex-
Tybrid (2007), projeto tos, criação de novos tipos de textos (ou fontes),
tipográfico do designer elaboração de gráficos, etc.
israelense Oded Ezer. O design resultante das ferramentas digi-
Através de manipulações
digitais de letras hebraicas tais pode oscilar entre a perfeição milimétrica
e silhuetas de diferentes possibilitada pelos softwares gráficos – através
objetos, Ezer compôs uma dos recursos de criação de grades, ajustes óticos,
escrita híbrida, onde o
bidimensional confunde-se ali­nhamentos absolutos –, e o completo caos,
com o tridimensional, e o também permitido pelos mesmos softwares – que
simbólico está emaranhado facilitaram as excentricidades dos designers,
à vestígios icônicos.
possibilitando sobreposições, distorções, enfim,
tornando propícia a quebra das “boas maneiras”
instituídas pelas restrições das técnicas anteriores.
Da década de 1980 em diante, a flexibili-
dade da criação digital inaugurou uma estética
da época, nomeada por alguns como “design

70 71
pós-moderno”, caracterizado pela fragmentação em uma única moldura tripartida, tendo como
visual, o ecletismo de linguagens, o abandono passe-partout único o marco central da fotografia,
dos dogmatismos tipográficos e o desafio dos a partir do qual são definidos os paradigmas ante-
“padrões racionalistas de leitura”13 . riores e posteriores. Talvez uma característica de
Com a tecnologia digital foi decretado o fim da todos os sistemas classificatórios seja justamente
demarcação entre informação verbal e não-ver- esta: são generalizantes e, portanto, sempre
bal, entre texto e imagem. A composição gráfica discutíveis. Mas o motivo que aqui trazemos seus
por meio de diferentes camadas de elementos postulados é pela validade e lucidez de muitas de
visuais, misturando imagens e textos já havia suas definições paradigmáticas e suas correlações
sido prenunciada pela técnica da fotocomposição com os modos de produção não apenas das ima-
– por meio da sobreposição de filmes fotográficos gens, mas também da escrita e de suas matrizes
–, mas potencializou-se ainda mais com o recurso reprodutivas – de grande interesse à história do
de criação de layers (camadas) dos softwares design gráfico.
digitais. Os códigos visuais se embaralharam a O paradigma pré-fotográfico, segundo
tal ponto que se tornou impossível desvincular Santaella, tem como sua característica básica
as tipografias das imagens, a informação verbal a produção artesanal das imagens, que tem na
da sua forma visual. A tipografia cessou de “levar materialidade dos suportes e de suas substân-
uma vida própria”14 , a fotografia deixou de ser cias uma constante. Nesse paradigma alocam-se
simplesmente um registro da luz sobre um su- desde os modos mais primitivos de rabiscos,
porte, a ilustração não mais explicita claramente pinturas, desenhos até a gravura – técnica esta
sua técnica; tudo se amalgama para participar do que já prenuncia o caráter reprodutivo que viria
universo híbrido de uma nova ordem visual. ser potencializado no paradigma fotográfico. Nos
meios de produção gráfica, as técnicas caligráficas
os paradigmas da imagem e inteiramente manuais até as técnicas mais au-
de suas matrizes tomáticas de impressão de texto, e da comunica-
Das matrizes materiais às imateriais, vimos o de- ção gráfica em geral, trazidas com o advento dos
senvolvimento da produção da página gráfica com tipos de metais até as máquinas de composição
tipos de metal, passando pela fotocomposição até mecânica como as Linotype e Monotype, encai­
às tecnologias de editoração digital. Neste ponto xam-se na qualidade de matrizes pré-fotográficas:
é possível estabelecermos um paralelo entre os dependem dos suportes matéricos e lidam sempre
paradigmas da imagem postulados pela pesquisa- com a limitação física da matéria – a resistência
dora em semiótica Lúcia Santaella e os meios de dos materiais, a perecebilidade dos seus equipa-
reprodução gráfica aqui descritos. No livro Ima- mentos e peças, o problema do armazenamento e
gem: cognição, semiótica, mídia15 , Santaella sugere conservação das matrizes.
uma divisão triádica – como todo bom semioti- Quando os modos de produção das imagens
cista de linha peirciana – do processo evolutivo de entram no paradigma fotográfico, ganham nas
produção da imagem. Tal divisão se distribui nos ciências química e fotoquímica novos recursos de
três paradigmas: pré-fotográfico, fotográfico e captação, criação e reprodução das imagens – e
pós-fotográfico. dos textos. No paradigma fotográfico a mistura
A empreitada classificatória é ousada, pois a entre textos e imagens torna-se um processo
13.FARIAS, 2001, p. 30
14.WEINGART, 2004, p. 29
autora acaba por enquadrar toda a História de mais simples, podendo-se utilizar até mesmo de
15.NOTH; SANTAELLA, 1998 fabricação das representações visuais humanas uma única matriz – negativo – para reproduzir,

72 73
ao mesmo tempo, caracteres de texto, fotografias, No paradigma pós-fotográfico, as matrizes
ilustrações e diversos outros elementos gráficos. perdem sua dependência física dos suportes, mas
Exemplos dos processos fotográficos de produção adquirem sua realidade por meio dos símbolos,
gráfica são encontrados na serigrafia – onde a tela modelos, programas e cálculos das tecnologias
é sensibilizada por meio de processo fotoquímico dos computadores. Embora o computador seja
–, na flexografia, rotogravura, offset. Em todos es- uma máquina, e esta exista fisicamente em algum
tes processos, em algum momento há a interação lugar, Santaella adverte que se trata
de suportes químicos ou eletromagnéticos para “de uma máquina de tipo muito especial, pois
a produção das imagens; há uma alta capacidade não opera sobre uma realidade física, tal como
de reprodução das imagens e dos textos, conec- as máquinas óticas, mas sobre um substrato
tando-se ao ritmo da era da comunicação de simbólico: a informação”16 .
massa; apesar da materialidade de alguns tipos de Uma das características mais significativas
negativos e matrizes, já há uma maior segurança apresentadas pela tecnologia da infografia é fusão
no armazenamento – a própria matriz é passível entre matriz e cópia: não há mais distinção entre
de reprodução – e uma possibilidade de maior informação ou imagem original e cópia. Cada
compactação física das matrizes. imagem infográfica traz em si a possibilidade
infinita de atualização, sem perda de informação
ou qualidade. O modelo numérico da imagem, sua
composição altamente simbólica, esta disponível
para ser acessado, exibido, multiplicado, alterado,
reprogramado – ilimitadamente. Daí que as
tecnologias informáticas de criação, editoração e
veiculação da comunicação visual, como as fer-
ramentas de desktop publishing, desprenderam a
criação gráfica da limitação dos suportes mate-
riais, da ação destruidora do tempo sobre as ma-
Cage (197?), poema visual trizes, do problema do intercâmbio das matrizes e
de Aldo Fortes. Através da das cópias pelo espaço físico.
apropriação da imagem Vale lembrar que o paradigma no qual se
fotográfica do músico
estadunidense John Cage, encontra um determinado processo de produção
o poeta faz uma divertida das imagens não necessariamente determina o
referência à peça 4’33’’, paradigma final da imagem por ele obtida. As ma-
em que o músico apresenta
4 minutos e 33 segundos trizes pré-fotográficas podem produzir somente
de silêncio. Artista irreve- imagens, também, pré-fotográficas. Mas daí para
rente, Cage foi o precur- frente, como explica a autora,
sor da música do acaso,
escrevendo sobre o tema e “quando se dá o aparecimento de um novo
realizando diversas experi- paradigma, via de regra, esse novo paradigma
mentações com interferên- traz para dentro de si o paradigma anterior,
cias sonoras e ruídos no
processo de composição e transformando-o – e sendo transformado
execução musical. por ele”17.
Um processo fotográfico de produção de imagem 16.SANTAELLA, op. cit., p. 166
pode gerar matrizes fotográficas, mas também 17.Ibid., p. 184

74 75
estar determinada a andar entrelaçada à efemeri-
dade – ou, se preferirmos, à eterna reinicialização.
Mesmo nos projetos gráficos impressos,
embora desfrutem de uma duração um pou-
co maior que os projetos digitais, a facilidade
de viabilização de novas soluções gráficas e a
necessidade de participar do fluxo incessante de
atualização contemporânea, dirimiu seu papel
de mensageiros perenes. A palavra e a imagem
impressas hoje não possuem mais a intenção
de perdurar, pelo menos não nas mesmas
formas18 . A revista de hoje será descartada na
semana que vem, o livro deste ano muito prova-
velmente será revisto, ampliado e apresentado
em um novo projeto gráfico mais contemporâneo
que o anterior. Os volumes impressos entraram,
Ilustração digital feita imagens finais únicas e irreprodutíveis, depen- assim como as informações digitais, num ciclo
através de softwares de dendo de como o processo e os suportes serão inesgotável de substituição e atualização, mas
geração de imagens 3d
(Estúdio Triworks, Portu- manipulados. O paradigma pós-fotográfico ainda estão muito longe de sua extinção.
gal). É um exemplo de uma pode gerar matrizes para produção de imagens Um rápido retorno às considerações acerca do
imagem infográfica, gerada fotográficas – imprimindo-se uma imagem suporte livro: ícone da perenidade literária, até
pela linguagem altamente
abstrata do computador. criada por um programa de computador num mesmo esse ubíquo meio de armazenamento e
Embora possamos visuali- acetato, por exemplo – como matrizes pré- transmissão de linguagem tem sido apontado por
zar as imagens infográficas fotográficas – esculpindo-se uma fôrma ou muitos autores – com destaque para os comen-
nos dispositivos de saída
dos computadores – moni- carimbo por meio de uma máquina laser contro- tários dos próprios poetas e designers, artífices
tores, telas, projetores, lada pela programação simbólica do computador. que com freqüência se servem da estrutura do 18.LÉVY, 1993, p. 116
impressoras – a estrutura Hoje, com a abrangência sempre mais ávida
por trás dessas visualiza-
ções é feita de bits puros, das tecnologias digitais, fica mais rara a per- A virtualização dos supor- digitais de comunicação.
um amontoado de cálculos manência de qualquer linguagem – seja ela ape­ tes da comunicação textual Esse re-projeto das
numéricos. nas funcional ou uma linguagem estética – que ajudou a desenhar uma comunicações gráficas e
nova configuração para a poéticas deverá ser, prin-
esteja completamente desembaraçada dos recur- troca de informações. O cipalmente, pensado na
sos propiciados pelos meios numéricos, sejam texto que antes era cons- esfera da interface. A inter-
eles nas etapas de produção, armazenamento truído e exprimido por um semiose ocorrida na esfera
determinado emissor, agora digital – a concatenação de
e/ou transmissão das linguagens. perde seu caráter hermé- diversas linguagens num
tico para ganhar diversos único suporte eletrônico
a digitalização e o novo tempo do desdobramentos e adendos – só consegue mostrar
na malha hipertextual suas potencialidades quan-
design gráfico e da poesia digital. As publicações do as interfaces colaboram
Ao lado da heterogeneidade dos signos da co- (revistas, livros etc.), como para uma interação intuitiva
municação gráfica, a tecnologia digital também eram conhecidas antes do e capaz de proporcionar o
advento das tecnologias acesso ao conteúdo dese-
estabeleceu um novo parâmetro temporal para a numéricas, devem ser re- jado dentro do mar sem fim
criação, fruição e duração dos projetos gráficos. pensadas, pois dificilmente do hipertexto digital.
A diversidade propiciada pela era digital parece ficarão intactas pelos meios

76 77
Sobre a visualidade da que poderia conter qualquer linguagem (escrita),
poesia, Carrión escreve em não somente linguagem literária, ou qualquer
seu manifesto: “por anos,
muitos anos, os poetas têm outro sistema de signos”; considerava que o es-
explorado intensivamente e paço do livro poderia ser “a música da poesia não
eficientemente as possibili- cantada”. Além do objeto livro ser uma seqüência
dades espaciais da poesia.
Mas somente a chamada de espaços – com possibilidades de exploração
poesia concreta ou, poste- ilimitadas aos poetas e designers que souberem
riormente, visual, declara como utilizá-lo – o livro, na concepção de Carrión,
isso abertamente”.
também tem seu tempo de leitura modificado: “na
nova arte o ritmo de leitura muda, fica mais rá-
pido, acelera”, “a nova arte torna possível ler mais
depressa do que os métodos de leitura-dinâmica”.
Sem querer apregoar um estilo de apreciação
estética totalmente frenético e esbaforido, o
que está em discussão, tanto nas considerações
de Risério como no manifesto de Carrión, é a
livro para suas criações – como um meio, ainda imbricação dos paradigmas, a contaminação do
não morto, mas em muitos aspectos superado. O tempo digital em todas as tecnologias anteriores.
objeto livro conecta-se ao primeiro paradigma, São novos espectros de criação poética e gráfica
habitando primordialmente na materialidade e que surgiram com as tecnologias. Se souberem ex-
na durabilidade das linguagens pré-fotográficas, plorá-las, os poetas e designers poderão produzir
como já abordadas. Com a entrada das tecnologias mensagens profundamente significativas ao seu
digitais, a gênese de informação – inclusive da tempo – seu ambiente, sua cultura, seus fruidores.
informação artística – mudou (leia-se: acelerou).
Em seu Ensaio sobre o texto poético em contexto digi- Independentemente do produto final a ser con-
tal o poeta e antropólogo Antonio Risério alerta cretizado e da técnica empregada, o designer lida,
contra os anunciadores do apocalipse livresco, sempre, com esta matéria-prima: informação. A
mas enfatiza, contudo, a superação do livro “como informação pode ser feita de textos, de registros
meio de registro e transmissão de determinados fotográficos, de imagens digitais, de tabelas nu-
tipos de mensagens” como, por exemplo, os textos méricas, de ilustrações artesanais... Serão todos
científicos e a produção poética19. tidos como elementos visuais a serem trabalha-
A poesia quando se alia às possibilidades téc- dos e inseridos num determinado espaço gráfico.
nicas do design gráfico consegue transtornar as A linguagem estética resultante do trabalho
velhas maneiras de se produzir coisas. A criação do designer inevitavelmente denuncia, como
poética, o jogo da linguagem, nunca é estática. em todas as artes, a técnica utilizada. O anseio
O suporte livro, quando tornado suporte para de comunicar textos e imagens numa escala
a poesia visual, entra no terreno que o poeta e consonante com o ritmo de informações produ-
artista mexicano Ulises Carrión definia como zidas – e consumidas – na cultura industrial e
uma nova arte de se fazer livros –que é, também, pós-industrial, exigiu que as técnicas de criação
título de seu manifesto, The new art of making e produção gráfica fossem repensadas. Num
books, publicado em 1975. Carrión considerava o primeiro momento, a quantidade foi a variável
19.RISÉRIO, 1998, p. 95 livro como portador de “uma realidade autônoma, mais privilegiada do processo e, com o aprimora-

78 79
mento dos meios de produção, a qualidade visual
das reproduções também conseguiu se equiparar
à primeira.
Muito para além do domínio das técnicas –
sejam elas as mais rudimentares ou as mais van-
guardistas –, o design gráfico atua no domínio
das formas de comunicação e da construção
dos significados que circulam pelos meios de
informação. Num projeto gráfico qualitativo é
impossível utilizar uma técnica “sem interpretar,
metamorfosear”20. O objetivo máximo do
design é potencializar o significado por meio da
materialidade da forma, num projeto uno, a tal
ponto que o desmembramento de conteúdo e
forma, texto e imagem, linguagem e técnica, se
torne irrealizável.
E estão criados os meios para que vários tipos
de artífices da linguagem – ou melhor, designers
da linguagem – trabalhem com as técnicas gráfi-
cas disponíveis para a criação de projetos visuais
possíveis de serem amplamente distribuídos e
sem perda de informação estética. Assim, dis-
seminam-se cartazes, folhetos, livretos, revistas,
postais, adesivos... Multiplicam-se os logotipos,
as comunicações publicitárias, as divulgações
culturais. Espalha-se o design gráfico e, também,
20.LÉVY, 1993, p. 188 espalha-se a poesia visual.

80
03 ...a nova sociedade só é pensável a partir da
nova revolução, a da sociedade de consumo,
que liqüida a velha revolução operada no âmbito
da produção. JESÚS MARTIN-BARBERO
da poesia visual pelos problemas de linguagem,
de comunicação, de códigos e de informação, faz
com que os poetas visuais – e os intersemióticos
também – percebam as possibilidades criativas
existentes nos meios e signos utilizados e consu-
poesia e design midos pela cultura amplificada.

É POP!
no redemoinho da cultura amplificada
E se a aproximação da poesia com o universo
das comunicações amplificadas dá-se por meio de
um interesse de pesquisa de linguagem, com o de-
sign gráfico tal aproximação já é um fato inerente
à atividade de criação gráfica. O designer cria
diretamente para a produção em grande escala, 1. apud PIGNATARI, 2004, p. 171

03
através dos canais produtivos e distributivos da 2. MOLES, 2001, p. 20

indústria e dos meios de comunicação visuais.


Com espírito crítico e muito humor – a
Biscoitos finos (data des-

S e a automação industrial alterou radicalmen-


começar pelo trocadilho de Oswald de Andrade:
“a massa ainda comerá o biscoito fino que eu fa-
conhecida), poema visual
de João Bandeira. É uma
bem-humorada homenagem
te as variáveis tempo e quantidade no processo brico”1 – a poesia do século XX conecta-se ao lado
ao célebre trocadilho proferi-
de fabricação dos objetos, o desenvolvimento pop da arte, apropria-se dos signos do universo do pelo poeta Oswald de
dos meios de comunicação também não poderia do consumo e o faz, muitas vezes, utilizando-se Andrade. Bandeira realizou
deixar de modificar a produção e a transmissão de das mesmas ferramentas e dos mesmos canais neste poema um novo
trocadilho, apropriando-se
informação. Tanto a escala de produção de bens do design e da linguagem publicitária. Tudo isso, da embalagem da clássica
materiais como a de produção de signos deixou para cutucar (e comunicar) a uma “civilização “manteiga Miramar”, uma
de estar contida nas limitações geográficas e/ou consumidora que produz para consumir e cria referência ao romance es-
crito por Oswald em 1924,
artesanais. Nossa geração já se situa dentro da para produzir, em um ciclo cultural onde a noção Memórias sentimentais de
cultura amplificada, onde tudo, desde objetos a fundamental é a de aceleração.”2 João Miramar.
informações, está disponível o tempo todo: basta
um google aqui, um número de cartão de crédito
ali, e o seu desejo estará entregue em pixels diante
dos olhos ou embalado no papel pardo do sedex.

poema visual “Manteiga Mira-


Uma das características mais peculiares da mar” @ Discernir.
poesia visual moderna e contemporânea – que é
fruto da rica oferta de linguagens e dos meios de
comunicação surgidos ao longo do século XX – é
sua desinibição em face dos signos que circulam
pelos grandes canais transmissores de informa-
ções. O interesse da poesia intersemiótica – que
transita pelos vários códigos além do verbal – e

82 83
cultura de massa
ou cultura amplificada?
que diferença faz?
Para designar o ambiente entremeado pelos
meios de comunicação – sejam eles radiofônicos,
telegráficos, televisivos, informáticos, digitais
– e pelos meios de produção em larga escala,
fazemos aqui uso do termo cultura amplificada
em lugar de cultura de massa. Simplesmente um
charme etimológico deste trabalho? Não, e para
evitar posteriores confusões, é bom esclarecer a
escolha do termo.
Embora o termo cultura de massa nos sirva
bem para designar um fenômeno que transfor-
mou profundamente a estrutura da sociedade em
seus vários aspectos – psicológico, de linguagem,
das relações sociais, político, econômico – vários predominantemente num fluxo de sentido único O videoclip da música
teóricos da comunicação já vêm identificando o de transmissão de informação – as mensagens são Numb (1993), da banda
irlandesa U2, trazia uma
conceito de sociedade, comunicação ou cultura de produzidas por um grupo de indivíduos e difundi- crítica ao sistema de co-
massa como impróprio para hoje.3 das a outras pessoas, os receptores, que por vezes municação manipulador da
O conceito de comunicação ou sociedade de se encontram em circunstâncias e contextos bem televisão. O protagonista do
vídeoclip assumia o papel
massa é originário de um contexto histórico mar- diferentes daqueles que originaram a mensagem. de telespectador e, en-
cado por alguns meios específicos de transmissão Do final da década de 1960 em diante, o quanto assistia ao aparelho
de mensagens, tais como a “difusão dos jornais de termo cultura de massa passa a incorporar outros passivamente, recebia di-
versas agressões. A música
3. THOMPSON, 1995, p. 31
grande circulação, aos programas de rádio e de te- significados devido à necessidade de qualificar, captava bem a atmosfera
4. Ibidem levisão.”4 Esses meios de comunicação apóiam-se também, uma sociedade então “trabalhada pelas dos meios de comunicação
tecnologias da informação e da comunicação.”5 O da década de 1990. Hoje a
receptividade das informa-
Há teóricos da comunica- já que é “impossível uma surgimento dos sistemas digitais de codificação ções mudou muito, embora
ção que não desprezam sociedade que chegue a de informação, associado a novos meios de trans- não possamos descartar a
o conceito de cultura de uma completa unidade missão de signos, criou, nas palavras do sociólogo capacidade de manipula-
massa, mas embutem cultural, então o importante ção e mascaramento dos
nele conceitos mais é que haja circulação” estadunidense John B. Thompson, “um novo veículos de transmissão de
amplos – e otimistas. Jesús (BARBERO, 2006, p. 67) . cenário técnico”6 , onde o processo de comunica- informação, as alternativas
Martin-Barbero afirma ção ocorre de modo muito mais flexível do que no de obtenção de informa-
que a cultura de massa é ções pelo usuário estão
necessária para proporcio- antigo sistema analógico. muito mais variadas.
nar a comunicação entre Embora o conceito de “massa” não esteja
diferentes estratos sociais: totalmente suplantado, não estamos mais diante
de uma multidão receptora predominantemen-
te homogênea, uma “enorme massa de pessoas
semelhantes e iguais” como definira J. B. Rivera7,
ou uma “mediocridade coletiva”8, mas cada vez 5. MATTELARD, 2006, p. 125
6. THOMPSON, op. cit., p. 31
mais é possível observar uma organização social 7. apud BARBERO, 2006, p. 54
distribuída em torno de redes de comunicação, 8. BARBERO, p. 56

84 85
onde a relação EMISSOR receptor dá movimento acelerado dos signos que afluem fre-
lugar a relações entre usuários. Nessa outra neticamente dos meios de produção e de comuni-
forma de fluxo de informação, a transmissão é cação. Neste ambiente em alta rotação, os objetos
gradualmente substituída pela convergência, utilitários organizam-se “em verdadeiros sistemas
processo onde os usuários-participantes “criam e de signos de consumo de duração relativamente
partilham a informação para alcançar uma com- curta, articulados num ritmo peculiar à sociedade
preensão mútua.”9 de consumo, que é o ritmo da moda.”11
A partir da constatação desse contexto de O fenômeno do consumo não é uma novida-
comunicações entre redes dinâmicas e hetero- de decorrente das tecnologias industriais e de
gêneas é que a designação cultura amplificada comunicação. O que se inaugurou com o advento
mostra-se adequada. É nesse ambiente em que a dessas tecnologias amplificadoras foi um outro
criação poética, agora mais do que nunca, inde- patamar de consumo: ele deixou de desempe-
pendente dos meios “institucionais” e “oficiais” de nhar “um papel trivial e contingente”12 como nas
transmissão, faz uso da sua já natural “incitação à culturas pré-industriais, para tornar-se um modo
invenção”, da predisposição ao experimentalismo essencial de relações entre os homens e destes
e da idéia de “liberdade da linguagem” como afir- com seus objetos.
ma Antonio Risério.10 Prova disso é a profusão A velocidade de superposições e trocas entre
de sítios digitais sobre poesia visual, disponíveis novos signos, novas informações, novas formas,
apenas a um google de distância. pode causar dois efeitos opostos: a formação de
uma massa consumidora desenfreada, constan-
consumo no volume máximo temente impelida pelos meios de publicidade e de
Na festa da cultura amplificada, a facilidade de persuasão ou, como esperava Décio Pignatari13 ,
produção de bens, de serviços e de informação uma massa dotada de forte consciência histórica,
contribuiu para superabundância da oferta. Mas que já não mais se conforma com esquemas fixos
9. ROGERS; KINCAID, apud 11. PIGNATARI, 2003, p. 87
MATTERLARD, p. 160
o ritmo não pode diminuir, a música está tocan- pré-estabelecidos, mas procura por estruturas 12. MOLES, p. 20
10. 1998, p. 73 do, os convidados parecem estar embalados no alternativas, signos móveis e ambientes mutáveis. 13. Op. cit., p. 111

A heterogeneidade é um O consumo – e tudo aquilo


dos seis princípios que que o envolve: troca de
compõem o conceito de mercadorias, compra e
hipertexto, formulado por venda, estabelecimentos
Pierre Lévy (2003). No comerciais – não é uma
princípio de heterogenei- novidade moderna. O que
dade, os participantes da se alterou com a moder-
comunicação hipertextual nidade foi o lugar que o
são variados, assim como consumo hoje ocupa na
os objetos, dados, infor- vida humana.
mações e elementos que
transitam pelo hipertexto.

86 87
Décadas se passaram desde o boom da cultu- ao capital, seria impossível travarmos um diálogo
ra amplificada – que se deu a partir da década entre o design e arte, até mesmo entre o design
de 1960 – e hoje podemos observar que os dois gráfico e a poesia visual. Logo, esse trabalho todo
paradigmas do consumo coexistem: da massa seria em vão. Porém, é a capacidade de atuação da
consumidora alienada e da massa crítica. Depen- mente projetista de inserir informação estética
dendo sobre qual ponto do globo terrestre nos de- para além – e apesar – das barreiras ideológicas de
bruçarmos, conforme a formação educacional, as mercado que torna importante sua participação
condições sociais e econômicas de uma comuni- na produção de novas linguagens.
dade, um paradigma ou outro será o dominante. No sistema de produção amplificada – seja
Atrelados a esses dois modos de lidar com o através da serialidade ou da difusibilidade – im-
consumo amplificado – alienado ou crítico – po- porta é que haja o consumo do que está sendo
demos identificar outros dois fenômenos de lin- produzido aos borbotões. Como Abraham Moles
guagem que se contrapõem e, ao mesmo tempo, se afirma, a lógica do consumo consiste em fazer
complementam: o kitsch e a pop art. Cada um têm “desfilar pela vida cotidiana um fluxo acelerado
estreitas relações com o design e com a poesia vi- de objetos entre a fábrica e a lata de lixo”15 , os
sual, relações tanto ao nível da origem/produção objetos e as mensagens tornam-se perpetua-
dos objetos de consumo como na nutrição/criação mente provisórios. O design dos objetos e da
de linguagens estéticas. Nessa festa da cultura informação, neste sistema amplificado, planeja os
amplificada, os convivas são heterogêneos, tais objetos de acordo com a moda. É a obsolescência
como o kitsch e a pop art, e a música que toca é a programada, quando a aparência dos objetos não
última da moda, no volume máximo. é fruto de uma conseqüência, mas sim, finalidade
última – e com data de vencimento.
o kitsch, quando o gosto é discutível Nesse contexto, o kitsch está tão entrelaçado
Muitas vezes a leitura que se faz do papel do de- à produção de objetos e mensagens dirigidos ao
signer na sociedade moderna e contemporânea é consumo acelerado, como à circulação da arte e da
romantizada. As funções do designer são amplas linguagem na cultura amplificada. 15. MOLES, 2001, p. 24

– podem englobar desde a criação, planejamento,


execução até à aplicação do último acabamento de Michel de Certeau, em O britânico Jacob Whittaker
um determinado projeto, seja de produto, gráfico, 1980, falava das redes de coleciona fotos de diversos
ou de outra espécie. O que se teima em desconver- antidisciplina. Para o autor, tipos de aparelhos
era fundamental sempre descartados nas ruas
sar é o papel do design na esfera da economia de considerar a capacidade de cidades inglesas. Ele
mercado. Como reconhece Adrian Forty – o autor das pessoas de driblar e nomeou a série de tristes
de Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750 desviar-se da rigidez dos imagens da obsolescência
mecanismos impostos pelo de Stray Machines,
–, um projeto para ser executado dentro de uma Estado e pela ordem do disponível em sua página
estrutura amplificada – e capitalista – não tem mercado (apud MATTELARD, do Flickr – http://www.flickr.com/
como objetivo primário “dar expressão à criativi- 2006, p. 157) . photos/45097561@N00/sets/

dade e à imaginação do designer”, e sim “tornar os


produtos vendáveis e lucrativos.”14
Depois de um banho de realidade tão cáustico,
uma ressalva antes de prosseguirmos. Se a função
e know-how do designer estivessem confinados es-
14. FORTY, 2007, p. 18 tritamente aos lucros de mercado e ao servilismo

88
Há a expressão alemã Repertório, segundo a No seu livro O Kitsch (2001) , mesmo sem sair do sistema de produção em série.
verkitschen que significa Teoria da Informação, é a Abraham Moles desfia ao O kitsch reflete a crise do artesanato diante do
“trapacear”, “vender uma capacidade de manipular longo de 230 páginas um
coisa em lugar do que ha- códigos para efeito de detalhado estudo sobre a fenômeno da industrialização, transformando
via sido combinado”. Moles comunicação. Quanto mais palavra que viria designar “objetos-coisas em objetos-signos.”18 Isso significa
(2001) associa à origem amplo for um repertório, uma certa atitude da so- que, para proporcionar uma relação de sentimen-
alemã do termo kitsch à mais reduzida será sua ciedade diante do universo
conotação desagradável audiência e vice-versa, um dos objetos e mensagens tos prazerosos do indivíduo com os objetos do
que acompanha a palavra, repertório reduzido terá da cultura amplificada. cotidiano, não basta que as coisas se apresentem
expressando “um pen- uma audiência mais ampla É interessante descobrir, de forma simples, sem pretensões além da sua
samento ético pejorativo, (PIGNATARI, 2004, p. 54) . Isso através das análises sociais
uma negação do autêntico” nos esclarece várias coisas: e econômicas realizadas forma funcional. O kitsch reveste os objetos num
(2001, p. 10) . dos sucessos dos progra- por Moles, a assustadora embrulho-signo, a utilidade das coisas mantém-
mas televisivos de sábado abrangência do kitsch se como mero pretexto para comportar uma
à tarde à tiragem diminuta entre nós. Há um pouco do
de algumas publicações kitsch em todo lugar, até forma, não exatamente bela, mas que transmita a
culturais. mesmo na arte. sensação de que seu possuidor está participando
de uma valiosa experiência estética.
As experiências kitsch podem se corporificar
de inúmeras formas. Para quem quiser arriscar
O kitsch é um daqueles termos para os quais uma pesquisa de campo, provavelmente não
existem mais de uma etimologia possível e, como será necessário ir muito longe. Qualquer lojinha
se não bastasse, várias conotações. Entre os que de souvenirs oferecerá um intenso mergulho no
versaram sobre o fenômeno kitsch, Abraham Mo- universo kitsch – miniaturas de obras de arte,
les identifica a origem do termo do vocábulo ale- chaveirinhos de monumentos urbanos, pratos
mão kitschen que, além de “atravancar”, também decorados para pendurar na parede, canecas em
significa fazer móveis novos a partir da reforma formas de bichinhos etc. Esses são casos extre-
de móveis antigos.16 Uma outra procedência para mos de quinquilharias kitsch, porém há casos
o termo é sugerida por Décio Pignatari (2003) mais sutis onde a aparência se sobressai à função
e também por Umberto Eco (2004), e se trata- para efeitos estéticos instantâneos. 18. PIGNATARI, 2003, p. 125

ria de uma corruptela da palavra inglesa sketch


(esboço) – empregada quando, nas cidades alemãs da função: um carro con- Studebaker Starliner
nos anos seqüentes à Primeira Guerra Mundial, tinuava sendo um carro, Classic 1953, automóvel
turistas a passeio e soldados desmobilizados de mas ganhava sempre novas desenhado por
formas de apresentação. Raymond Loewy.
nacionalidade inglesa e estadunidense compra- Esse constante refresco vi-
vam desenhos baratos para levar de lembrança. sual ficou conhecido como
A tradução de um repertório elevado para o gos- styling. Nada mais é do
que embrulhar uma velha
to – e o bolso – da camada popular é uma atitude Designer do american way função numa nova forma.
típica do kitsch. Ele transmuda a força primária of life, o francês Raymond Não soa kitsch?
e, por vezes, de difícil absorção, da arte para uma Loewy impactou o desenho
de produtos e automó-
representação mais palatável, mais sentimental veis nos EUA na metade
da linguagem estética, resultando em “obras que do século XX. Afirmava
aspiram falsamente à dignidade da arte.”17 que “a feiúra não vende”
(MOLES, 2001, p. 155) . Com os
Mesmo numa cultura amplificada, o kitsch seus automóveis de linhas
16. MOLES, 2001, p. 10
intenta oferecer uma representação original arrojadas e aerodinâmicas,
17. ECO, 2004, p. 117 do mundo, ele invoca o retorno da obra única, Loewy desvinculou a forma

90
Nesse ato de revestir o trivial com roupagem

Kitsch sígnica, de incorporar elementos estéticos à pro-


dução amplificada, o designer participa projetan-
do a forma das novidades a serem produzidas. A

Shop introdução de novidades estéticas ao cotidiano


pode ser tanto benéfica ao repertório do usuário,
como pode ser mera produtora de lixo. Enquanto
a cultura amplificada se alimenta do acervo da
arte, incorporando ao seu universo cotidiano,
a arte não se limita a observar. O universo dos
objetos e mensagens populares oferece um
Pantufas
Confortáveis banquete ao repertório do artista. A poesia visual
Fre ud
do Doutor do contemporânea se alimenta com muito gosto
Siga os passos álise.
an
mestre da psic dessas referências.

pop art, leituras do universo


do consumo
A relação entre a cultura de consumo e a arte não
Delicado Bro
che se restringe às oposições. Não estamos diante de
Mona Lisa
Plástico ultr
a resistente. um caso onde um despreza o outro, num antago-
nismo entre popular e erudito, entre alta cultura
ientes e cultura de massa, mas sim, o inverso. Apesar de
iver t idos Recip alguns críticos afirmarem que “a massa é incapaz
D
olhos tilo.
para M nches com es
us la
de cultura” e arte moderna seria a “vingança da
Sir va se
minoria”19, o nascimento da pop art desnuda
uma relação muito mais complexa do que a sim-
Guarda ples batalha de afirmação de “classes” culturais.
-
René M chuva A pop art revela uma relação dialética: a cultura
O céu s a gritte
empre azul popular traduz o acervo da elite para um reper-
com voc
ê . tório mais baixo, e, em contrapartida, quando
um gênero popular entra em declínio, ele tende
a voltar ao repertório da elite, transformado,
então, em “arte.”20
Charmoso Telefone-Boca Além de um certo desprezo dos artistas da dé-
Memoriza o último número discado cada de 1960 pela “não-criatividade da massa”21 e
e tem regulagem de volume da campainha pela repulsa à pasteurização cultural que penetra-
(alto/baixo/desligado).
va na sociedade de consumo, há uma leitura desse
universo amplificado que transpõe o sentimento
de revolta ou de simples elitismo por parte do
artista, possibilitando um olhar mais integra- 19. José Ortega y Gasset apud
Mesquita-reló BARBERO, 2006, p. 63
dor entre a pesquisa de linguagem artística e a
Acorde ao som gio-despertador 20. PIGNATARI, 2003, p. 90

almuadem. Pe
do anúnci o do cultura pop. Essa outra leitura é realizada pela pop 21. ARGAN, 1992, p. 575
rfeito para qu
tem dificulda em
des em desper 93
tar.
art quando ela se apropria do kitsch numa atitude Enquanto o kitsch traz o novo ao nível do con-
de vanguarda, elaborando linguagens estéticas sumo, a arte de vanguarda – a pop art e também a
contestadoras e bem-humoradas a partir de um poesia visual – faz a novidade acontecer ao nível
fenômeno típico do consumo. da produção.23 Ao se utilizar dos fragmentos
A poesia visual contemporânea possui uma visuais, sonoros, táteis, enfim, multissensórios,
considerável carga hereditária desse humor e ini- que povoam em alto grau de saturação nosso uni-
bição face à cultura amplificada. O poeta visual é verso cotidiano, a criação poética possibilita uma
perito em destacar as coisas dos seus contextos remodelação da atitude perceptiva do indivíduo.
e transformar lugares-comuns em lugares-inco- É um aviso de que nosso universo está mais im-
muns. A poesia visual e pop art realizam o que a pregnado de descobertas estéticas do que nossos
semioticista Lucrécia Ferrara identifica como uma sentidos automatizados estão capturando. A poe-
leitura do “inventário da cultura de massa”. É sia visual e o design gráfico se nutrem do grande
uma poética onde texto visual do dia-a-dia da cultura amplificada,
“os objetos e materiais de consumo exercem e após degluti-los, nos devolvem caminhos para
a dupla função de atrair e provocar o estra- novas leituras do ambiente que nos cerca. 23. PIGNATARI, 2003, p. 123

nhamento do receptor; essa dupla função é


responsável pelo paradoxo da arte pop: vínculo
temático com o quotidiano num processo de
22. FERRARA, 1986, p. 107 transformação de linguagem.”22

Um passeio pelo supermer-


cado é o que basta para a
poeta visual Daniele Gomes
de Oliveira obter material
imagético para suas faturas
poéticas. Trabalhando com
associações inusitadas,
Daniele é capaz de fazer
ressaltar a poesia dos
objetos cotidianos e dos
produtos de consumo que
nossos olhos já estão tão
habituados a contemplar.
Ao isolar e destacar nomes
de produtos como as
marcars “Vigor” e “Tenaz”
– títulos de dois de seus
trabalhos, cartazes feitos
com impressão de tipos
em madeira e xilogravura
(2006) – Daniele suscita no-
vas dimensões semânticas
às palavras desses rótulos
tão conhecidos.

94 95
04 Homo faber + Homo loquens: desde que o
homem fabrica utensílios, fabrica signos.
E – podemos acrescentar – desde que fabrica
signos, joga com eles. ANTONIO RISÉRIO
meios disponíveis, a possibilidade de montar uma
interessante paleta para compor seus poemas.
Nessa afluência de códigos aplicada ao fazer
poético é que surge a poesia intersemiótica, que
dentre todas suas manifestações sensíveis, atinge

O UNO
poetas e designers
sua máxi­ma potência na visualidade. Por meio
da absorção dos mais diversos signos visuais pre-
sentes no ambiente contemporâneo – colagens,
caligrafias, fotografias, símbolos, comunicações
em parcerias publicitárias – o poeta constrói um novo vocabu-

O MÚLTIPLO lário poético. Essa poesia visual, como já vimos


nos capítulos anteriores, na maioria das vezes,

04
não abandona a palavra, mas passa a operar com
outras possibilidades poéticas ao integrar textos
e imagens, ou mesmo ao explorar a dimensão vi-

Q uando dois tipos distintos de artífices se


sual dos signos do alfabeto. Ao conferir tanta im-
portância à manifestação visual de seus poemas,
associam num projeto em comum, o resultado da à organização dos signos verbais e visuais sobre o
parceria, se bem-sucedida, adquire uma unicida- suporte, os poetas apropriam-se das técnicas que
de que frustra qualquer tentativa de dissociação antes estavam limitadas ao reduto dos artistas
analítica. Poetas e designers são ambos artífices visuais, dos tipógrafos e dos designers gráficos.
da linguagem e da forma, porém manipuladores A poesia – uma manifestação estética associa-
de diferentes ferramentas e técnicas. da mais comumente ao fazer literário, à simbo-
Este capítulo, ainda em construção, procura logia verbal – absorveu os recursos tecnológicos
relatar três felizes encontros entre poetas e desig- disponíveis para se reconfigurar, refrescando sua
ners, onde, ao conjugarem a criação poética e a ex- linguagem para melhor refletir seu contexto his-
pressão gráfica, realizaram projetos de grande ri-
queza de significado. As “duplas de criação”– para Em um estudo, datado de Para cada um dos ele- A função poética é aquela
usar um termo freqüente dos departamentos cria- 1958, o lingüista russo mentos básicos identifi- em que a mensagem ocu-
tivos das agências publicitárias – aqui abordadas Roman Jakobson (2003, p. cados, Jakobson traçou pa o centro do processo
128) pontuou seis elemen- correspondência com seis da comunicação, quando
são: Vladimir Maiakovski (poeta) + El Lissitzky tos básicos da comunica- respectivas funções de a qualidade formal dos sig-
(designer); João Cabral de Melo Neto (poeta) + ção humana: linguagem: nos é fundamental para a
Aloísio Magalhães (designer); Décio Pignatari a. emissor, a. emotiva, composição da mensagem.
b. mensagem, b. poética, Na comunicação poética,
(poeta) + Alexandre Wollner (designer). c. destinatário, c. conativa, todos os elementos com-
d. contexto, d. referencial, ponentes da mensagem
predominância do ícone e. código, e. metalingüística, têm importante valor para a
f. canal. f. fática. transmissão do significado.
sobre o símbolo na poesia
Provocando certa perturbação entre os versejado-
res mais fundamentalistas, muitos poetas perce-
beram que “não se pode querer versejar, em pleno
início de terceiro milênio, como se fazia antes...”1
1. KHOURI, 2001, v. 9, p. 23 Tais poetas enxergaram na variedade de códigos e

98 99
tórico e cultural. O ícone, o signo aberto, “signo Por um ambiente lúdico e
da criação, da espontaneidade, da liberdade”2 é modulável, a empresa ja-
ponesa SOZ criou diversos
incorporado à poesia não apenas nas relações formatos e tipos de peças
verbais, mas também por meio das relações de plásticas encaixáveis, os
formas, materiais, cores, texturas, tipografias, Carpenter Blocks, que
podem ser configurados de
escalas... Essa poesia que se afirma no século XX, acordo com a criatividade
a poesia intersemiótica, não ignora a multiplici- do usuário – formam desde
dade dos sentidos humanos, e entende a predo- objetos utilitários (cadeiras,
mesinhas, luminárias, ra-
minância da percepção visual na orientação do cks, porta-cds) até diverti-
ser no mundo. dos inutilitários (esculturas,
painéis, bonecos etc.).

predominância da interpretabilidade
sobre o utilitário no design
Há o outro lado da história. Enquanto a poesia
adentrava nos domínios da linguagem gráfica, o
design buscava incorporar significado para suas
formas, para além da função. O design industrial, a uma prática que é, historicamente, fundada na
em reação à metodologia serial imposta pela pri- produção de objetos utilitários – desde projetos
meira fase da industrialização, a partir da metade de produtos aos signos de comunicação visual. A
do século XX, busca a percepção possível em lugar autora, porém, deixa claro que o signo inutilitário
da participação programada. remático – terminologia que ela propõe ao quase-
Em sua tese O design e o desenho industrial,3 objeto produzido pelo design – não eliminou
a pesquisadora Solange Bigal argumenta que o o signo icônico utilitário – o objeto funcional
design, agora uma prática pós-industrial, deve ser produzido pelo desenho industrial –, mas que está
compreendido como um projeto de quase-objetos. ocorrendo, nos últimos anos, uma predominância
Assim, o design é descrito como uma atividade de gradativa do primeiro sobre o segundo.
desautomatização de velhos hábitos, produ- O projeto dos quase-objetos não está interes-
zindo para o usuário-intérprete a chance de uma sado em produzir objetos limi­tadamente utilitá-
regeneração perceptiva. Ou seja, aquele célebre rios ou funcionais. Não será o produto do design
aforismo de Sullivan, “a forma segue a função”, é que trará estampado em seu rótulo seu modo de
posto em xeque, sobretudo quando a autora diz que uso ou interpretação, mas estes serão determina-
“o quase-objeto do design é o uso das multipli- dos segundo seu usuário e seu contexto. O signo
cidades interpretativas, suscitado pelas qua- do design pós-industrial pode ser reconhecido
lidades de outros objetos de signos: os signos como aquele que insere informações estéticas
das comunicações que circulam na sociedade dentro do sistema das comunicações amplificado,
e que inferem nessas mesmas comunicações, utilizando-se dos processos de produção e difu-
ressignificando-as com a marca da inutilidade são contemporâneos para gerar novas possibili-
encontrada no signo estético.”4 dades perceptivas.
Será que agora a forma, descartando a função, Do modo como a materialização dos obje-
apenas sugere interpretações? tos vai se encaminhando para a multiplicidade
2. PIGNATARI, 2004b, p. 20
3. BIGAL, 2001
É esperado não topar com uma total aquiescên- de leituras e o significado das coisas vai sendo
4. Ibid., p. 77 cia para uma teoria que associa o “inutilitarismo” deixado mais aberto, o signo estético – o ícone

100 101
– vai assumindo maior importância. O design
se constrói incompletamente, esperando uma
resposta participativa – e interpretativa – do usu-
ário. Este é o ponto no qual o design e a poesia se
esbarram: onde, não havendo rotas programadas
para a leitura, há uma possibilidade de formas e,
portanto, de significados. “Já não é o caos, ainda
não é a ordem.”5

poetas + designers:
criadores de ícones
Nessa mistura das linguagens, o desejo de fundir
a palavra e a imagem leva os poetas a se interessa-
rem pelo trabalho dos designers e vice-versa. Am-
bos os artistas já têm a palavra e a imagem como
matérias-primas: o poeta sugere imagens através
da palavra-signo; o designer sugere signos através mesmo muitos cartazes. El Lissitzky, artista grá- À esquerda, cartaz da Rosta
da palavra-imagem. A soma dessas práticas só fico, desenvolveu sua linguagem visual dentro dos – agência de notícias da
União Soviética (1918–
poderia resultar em trabalhos onde palavra e preceitos construtivistas, utilizando o abstracio- 1935) – escrito e ilustrado
imagem entremeiam-se para produzir alto teor de nismo geométrico como principal fonte geradora por Maiakovski
significado estético. Surgem associações notórias de estruturas e formas em seus trabalhos. (1. Você quer superar o frio?
2. Você quer superar a fome?
entre essas duas espécies de artífices dos ícones. Dlia Golosa, livro primeiramente publicado em 3. Você quer comer?
São resgatados aqui, três trabalhos distintos 1923, consiste num marco da produção editorial 4. Você quer beber?
– realizados por diferentes pessoas, em diferentes da vanguarda russa. Seu título, traduzido, signifi- Apresse-se para se juntar
às brigadas de choque!)
períodos e circunstâncias socioculturais, em dois ca “para a voz”, e traz uma coletânea de poemas de
diferentes países. Maiakovski trabalhados visualmente pelo olhar e À direita, poster de Lissitzky
mãos habilidosas de Lissitzky. O projeto do livro (1929), feito com técnica de
fotomontagem.
inova em suas configurações, trazendo um índice
de dedo contendo um símbolo gráfico para cada
poema do livro. Os grafismos e ilustrações do
projeto foram todos realizados a partir de peças
metálicas e de madeira utilizadas nas gráficas
para a composição de “fios” e “vinhetas”.
Vladimir El Lissitzky acreditava que a página do livro deve-
MAIAKOVSKI LISSITZKY ria refletir, no âmbito visual, o ritmo de seu conte-
poesia para ler em voz alta údo. Quando perguntado a respeito deste projeto
Na Rússia do início do século XX, dois artistas específico, Lissitzky explicou que os layouts de
atuavam, cada um a sua maneira, em prol da Re- suas páginas estabeleciam uma relação análoga ao
volução, utilizando a arte como meio de propaga- poema como o acompanhamento de um piano a
ção dos ideais revo­lucionários. Vladimir Maiako- um violino. Assim como o poeta conseguia unir o
vski, poeta, não só escreveu poemas inflamados conceito ao som, ele havia tentado criar uma uni-
5. PIGNATARI, 2004b, p. 74 pelo espírito propagandista, como ilustrou ele dade equivalente através do poema e da tipografia.

102 103
Dizer que Lissitzky “ilustrou” poemas de
Maiakovski seria, neste caso, reducionista. O que
se apresenta neste livro é um tipo de material esté-
tico onde a palavra e a imagem entrelaçam-se de
modo tal que, ao tentar separá-las, o significado é
prejudicado. Lissitzky alinhavou a poesia verbal de
Maiakovski à expressão visual do design gráfico,
atribuindo uma nova leitura a antigos poemas, en-
fatizando partes do texto e criando novos roteiros
de apreensão da poesia de Maiakovski.

João Cabral Aloísio


de MELO NETO MAGALHÃES
brincadeiras gráficas
Na cidade de Recife, um poeta propôs aos seus
amigos para que montassem uma gráfica particu-
lar para a impressão de seus próprios livros. Em
1954 surge, então, O Gráfico Amador, mistura de
oficina tipográfica, atelier gráfico e casa editorial.
O poeta em questão era João Cabral de Melo Neto
e, entre seus amigos, estava seu primo Aloísio
Magalhães, que viria a ser considerado um dos
pioneiros da atividade de design gráfico e indus-
trial no Brasil.
Os projetos editoriais produzidos pela equipe
do OGA possuíam caráter experimental, com
propostas visuais inusitadas para a época e eram
feitos em tiragem muito reduzida. Em entrevista,
Aloísio afirmou que
“os livros eram programados assim, muito
espontaneamente. [...] Sempre muito informal.
[...] Você imaginar fazer um livro com 30 exem-
Alguns dos poemas do plares mostra que você não tinha nenhuma
livro Dlia Golosa. Nestas preocupação com nada.”6
reproduções é possível
ver o “índice de dedo” Um exemplo que Aloísio nos conta dessa infor-
projetado por Lissitzky malidade projetual, é o fato de que o número de 6. LIMA, 2000, v. 29, p. 23

105
Símbolo de O Gráfico Ama- literários cuja extensão não Páginas internas do livro
dor. Seu primeiro boletim, ultrapasse as limitações de Aniki Bobó. O texto do
editado em julho de 1955, uma oficina de amadores. poema foi impresso pela
explicitava o propósito do Os trabalhos são projetados técnica de composição
grupo: “O Gráfico Amador e realizados por Aloísio tipográfica tradicional,
reúne um grupo de pesso- Magalhães, Gastão de enquanto as ilustrações
as interessadas na arte do Holanda, José Laurênio de foram realizadas por meio
livro. Fundado em março Melo e Orlando da Costa de carimbos e clichês de
de 1954, tem a finalidade Ferreira” (CUNHA, 1997, p. 85) . barbantes artesanais.
de editar, sob cuidado-
sa forma gráfica, textos

exemplares de uma edição poderia ser determi-


nado simplesmente pela quantidade de papel que
havia em estoque.
Dentre os livros projetados/publicados pelo
OGA, é relevante para este estudo o caso de Aniki
Bobó, publicado em 1958 com 30 exemplares de
150 x 126 mm, 24 páginas. O livro nasceu de uma
pesquisa gráfica de Aloísio, que havia sido fisgado
pela peculiaridade do nome “Aniki Bobó” e, sem
saber exatamente do que se tratava, começou a
imaginar formas que pudessem representar o sig-
nificado do nome. Construiu as imagens utilizan-
do um clichê artesanal, feito com barbante colado
num taco de madeira, inventando uma espécie
de carimbo. Imaginou que “Aniki Bobó” seria um
passarinho e criou uma estória composta de dese-
nhos impressos por clichês de barbantes. Até que
João Cabral viu a série de desenhos realizados
por Aloísio e disse: “Eu vou fazer um poema para
ilustrar os desenhos”.
Aniki Bobó é um acontecimento interessante
da poesia e da arte gráfica, pois a relação entre
texto e imagens deu-se de modo invertido do que
geralmente ocorre, onde o artista visual é incum-
bido de ilustrar um texto já escrito. A poesia aqui
não foge do encadeamento verbal, nem inova na
composição visual do texto em si, mas apresenta
uma singularidade em seu processo de criação,
revelando intensa afinidade com os signos visuais
gráficos a ponto de ser suscitada por eles.

106
para, não apenas gerar novos ícones, mas tam-
bém, fazer mover o sistema econômico, divulgan-
do produtos e conceitos gerados pela indústria.
É interessante destacar a ênfase que Pignatari
confere à abertura do signo icônico do design
Décio Alexandre industrial. Tanto que, em um texto poético-publi-
PIGNATARI WOLLNER citário (se é que é permitido denominá-lo assim)
poesia para objetos e projetos escrito em 1964 para a indústria de móveis
A relação do poeta – também escritor, tradutor e Probjeto – para a qual Pignatari criou o nome e
semioticista – Décio Pignatari com a prática do Wollner a identidade visual – Pignatari exalta a
design no Brasil fortaleceu-se durante os 15 anos multiplicidade dos significados dos objetos indus-
em que traba­lhou na área da criação publicitá- trialmente projetados:
ria. A parceria com o designer visual Alexandre
Wollner rendeu diversos projetos que mesclavam [...] a quantidade
identidade visual institucional, campanhas de é a nova qualidade
Peças de comunicação
visual e publicitária, publicidade e comunicação visual. de nossos dias
desenvolvidas na década A natureza desses trabalhos muito se diferen-
de 1970, para a empresa cia dos outros trabalhos aqui apresentados, já a quantidade
de artigos pesqueiros
Equipesca. Neste projeto, que um caráter mercadológico entra em cena, a é o novo significado
Alexandre Wollner criou a intenção de anunciar e vender um objeto ou con- do produto-processo [...]
identidade visual, o design ceito de design. A poesia participa, nos projetos de
dos elementos gráficos
e tipográficos, enquanto Pignatari e Wollner, como geradora e articuladora é o consumidor
Décio Pignatari colaborou de signos estéticos vinculados à produção seriada quem enriquece o objeto
na criação de diversos no- e/ou estabelecendo uma identidade sígnica – crian­ com significados
mes de produtos (Chunda,
mol...mol, Equilon etc.) e do marcas e nomes – de determinada linha de de uso e bom uso
textos publicitários. produtos ou serviços. A poesia e o design aliam-se
exatamente o contrário Signo visual da indústria
é o que sucede de móveis Probjeto, criado
por Wollner.
com o móvel de unicidade ilusória
que impõe significados
estereotipados
ao consumidor

quantidade é qualidade
o belo é o significado
o significado é o uso
o uso é a comunicação [...]7

7. PIGNATARI, 1964 apud


WOLLNER, 2003, p. 169

108 109
Anúncio das cadeiras da A associação entre o poeta Pignatari e o
linha Dinamarquesa, pro-
designer Wollner mostra um exem­plo de como
jetada pelo designer Arne
Jacobsen e fabricada no as linguagens estéticas se imbricam para produ-
Brasil pela Probjeto, 1964. zir informações possíveis de dialogarem com as
Há uma preocupação em
novas tecnologias e com o contexto cultural de
enfatizar a característica
multiuso do produto, citan- uma sociedade que então se move e constrói seus
do os diversos lugares em valores entre a presença da indústria e dos veícu-
que a cadeira Dinamar-
los de comunicação.
quesa pode “funcionar”:
auditórios, biblio­tecas,
restaurantes, clubes, Essas breves amostras de casos de projetos
universidades, escritórios
desenvolvidos em mutualidade entre poetas
(WOLLNER, 2003, p. 168) .
e designers ilustra o argumento desse traba-
lho, demonstrando em exemplos práticos que,
quando a poesia recorre à força de expressão das
formas visuais e o design gráfico e industrial
procura enriquecer sua materialidade na potên-
cia do signo icônico, os projetos se encontram e
se somam.
No final, poesia e design tratam-se de proje-
tos, pois
“qualquer objeto deve ser projetado e constru-
ído de acordo com as necessidades ou funções
às quais vai atender ou servir. Esse princípio
básico da indústria moderna não cinge só a
objetos tradicionalmente considerados como
tais, mas pode também se estender a outros
‘objetos’, tais como as linguagens. É neste
sentido que o poeta é um designer, ou seja, um
projetista de linguagem.”8
E quer seja codificada por signos do alfabeto,
por cores, formas abstratas, figurativas, cheiros,
gostos, texturas, sons ou movimentos, a lingua-
gem se encarrega de realizar o projeto humano
primordial – e muito provavelmente inacabá­vel:
o projeto de um mundo pleno de sentido.

8. PINTO; PIGNATARI. In:


CAMPOS; CAMPOS; PIGNATARI,
2006, p. 220

111
demais elementos visuais se dão num projeto tem
a propriedade de interferir impetuosamente na
produção de sentido da mensagem. Como já havia
apregoado o teórico da comunicação Marshall
McLuhan na década de 1960 – e que voltou a
ser rememorado – o meio é a mensagem. E para o
designer gráfico o meio e, também, o modo de dar
forma aos signos visuais é que serão determinan-
tes para a constituição da mensagem.
Falando em mensagem, a poesia já entendia
do riscado há muito tempo antes do surgimen-
to histórico do design gráfico. Para a poesia, a

CONSIDERAÇÕES FINAIS
forma sempre foi um atributo fundamental para
a composição da mensagem. Não há possibilidade
de se isolar forma do significado na comunicação

A brimos esse trabalho com a pergunta: para


poética. A poesia, assim como o design gráfico,
sempre lidou com a dimensão material e sensível
quê misturar design com poesia? Ao longo dessas da linguagem.
páginas, estudamos as características da poesia Quando somado, o potencial criador e ma-
visual e do design gráfico, passeamos por seus terializador incubado nas duas práticas – na
contextos e marcos históricos, observamos a poesia e no design – ganha força para emergir em
evolução de ordem técnica e produtiva das comu- projetos de alto teor de significado e de grande
nicações impressas, abordamos a participação do qualidade visual. É o momento em que a lingua-
design e da linguagem poética numa cultura mol- gem torna-se um pouco mais plena, ao conseguir
dada pelos meios de comunicação e pelo consumo estabelecer contato com a nossa percepção por
e, finalmente, resgatamos três casos de parcerias meio de diferentes canais sensórios, numa espé-
entre poetas e designers. cie de código que não é só verbal nem só visual,
A afinidade entre a comunicação poética e a co- mas sim, um tipo de escrita icônica. Um entrela-
municação visual vem se mostrando, no decorrer çamento de diferentes qualidades de linguagem
do tempo, como algo intrínseco à natureza dessas que possibilitam a criação de uma comunicação
duas práticas. O hábito desenvolvido pela cultura rica em significados.
ocidental, de criar classificações, de emoldurar
e isolar os saberes e as linguagens humanas,
acabou rompendo vínculos primordiais. Desde
tal desintegração, os artistas tentam reverter o
prejuízo, em busca daquela expressão multiforme
de sentidos que havia sido estilhaçada.
O design gráfico, ao lidar com o desenho e a
formatação da escrita, dispondo textos e imagens
num dado layout, está trabalhando diretamente
com a dimensão material da linguagem. E o
modo como a disposição das tipografias e dos

112 113
DERRIDA, Jacques. FLUSSER, Vilém. Filosofia _______. Visualidade: ca-
Gramatologia. Tradução da caixa preta: ensaios racterística predominante
de Miriam Chnaiderman e para uma futura filosofia da na poesia da era pós-verso.
Renato Janine Ribeiro. fotografia. Tradução do au- Revista da FACOM-FAAP,
2. ed. São Paulo: Perspec- tor. Rio de Janeiro: Relume São Paulo, v. 9, p. 22-27,
tiva, 2006. Dumará, 2002. 2º semestre de 2001.

DONDIS, Donis A. Sintaxe FORTY, Adrian. Objetos de LEITE, João de Souza;


da Linguagem Visual. desejo – design e socieda- TABORDA, Felipe. A he-
Tradução de Jefferson Luiz de desde 1750. Tradução rança do olhar: o design de
Camargo. 2. ed. São Paulo: de Pedro Maia Soares. São Aloísio Magalhães. Rio de
Martins Fontes, 1997. Paulo: Cosac Naify, 2007. Janeiro: Artviva, 2003.

DROSTE, Magdalena. HIGOUNET, Charles. LEMINSKI, Paulo. La vie


Bauhaus 1919-1933. Tradu- História concisa da escrita. en close, 1991. Disponível
ção Casa das Línguas, Lda. Tradução de Marcos em: <http://paginas.terra.

BIBLIOGRAFIA GERAL
Köln: Taschen, 2006. Marcionilo. São Paulo: com.br/arte/PopBox/
Parábola Editorial, 2003. kamiquase/la_vie.htm>.
DRUCKER, Johanna. The Acesso em: 20 jul. 2007.
visible word: experi- HOLLIS, Richard. Design
mental typography and Gráfico: uma história con- LÉVY, Pierre. As tecnolo-
ALVES JR, Gilberto. Os BENJAMIN, Walter. Magia CAMPOS, Augusto; CAM- modern art, 1909 – 1923. cisa. Tradução de Carlos gias da inteligência: o fu-
termos corretos para o e técnica, arte e política: POS, Ha­roldo; PIGNATARI, Chicago: The University of Daudt. São Paulo: Martins turo do pensamento na era
design brasileiro. Revista ensaios sobre literatura Décio. Mallarmé. 3. ed. São Chicago, 1994. Fontes, 2000. da informática. Tradução
eletrônica Design Gráfico. e história da cultura. Paulo: Perspectiva, 2002. de Carlos Irineu da Costa.
Disponível em: <http:// Tradução de Sérgio Paulo ECO, Umberto. Apoca- HSUAN-AN, Tai. Ideogra- Rio de Janeiro: Editora 34,
www.designgrafico.art.br/ Rouanet. 7. ed. São Paulo: _______. Teoria da poesia lípticos e integrados. mas e a cultura chinesa. 1993.
pontod/mural/logomarca_ Brasiliense, 1994. concreta: textos críticos e Tradução de Pérola de São Paulo: É Realizações
erro.htm>. Acesso em: 11 manifestos 1950 – 1960. Carva­lho. 6. ed. São Paulo: Editora, 2006. LIMA, Guilherme Cunha. O
jan. 2008. BIGAL, Solange. O Design 4. ed. Cotia: Ateliê Editorial, Perspectiva, 2004. Gráfico Amador: as origens
e o Desenho Industrial. São 2006. JAKOBSON, Roman. Lin­ da moderna tipografia
ANDRADE, Oswald. Paulo: Anna Blume, 2001. FARIAS, Priscila. Tipografia güís­tica e Comunicação. brasileira. Rio de Janeiro:
Cadernos de poesia do CAMPOS, Haroldo. digital: o impacto das no- Tradução de Izidoro Blikstein Editora UFRJ, 1997.
aluno Oswald (poesias reu- BLACKWELL, Lewis. Ideograma: lógica, poesia, vas tecnologias. 3. ed. Rio e José Paulo Paes. 24. ed.
nidas). 2. ed. São Paulo: Tipografía del siglo XX. linguagem. São Paulo: de Janeiro: 2AB, 2001. São Paulo: Cultrix, 2003. _______. O Lúdico e o
Círculo do Livro, 1982. Tradução do inglês para o Edusp, 2000. Informal: a tipografia
castelhano de Carlos Sáenz FERRARA, Lucrecia JEAN, Georges. Writing: experimental de Aloísio
ANHOLT, Oriana; BRANDT, de Valicourt e Maria García CAMPOS, Roland de D’Aléssio. A estratégia dos the story of alphabets and Magalhães nos seus anos
Michael. The Evolution Freire. 3. ed. Barcelona: Azeredo. Arteciência: aflu- signos. 2. ed. São Paulo: scripts. London: Thames de formação no Recife.
of Type. Disponível em: Gustavo Gilli, 2004. ência de signos co-moven- Perspectiva, 1986. and Hudson, 1992. Boletim ADG, São Paulo, n.
<http://www.mediumbold. tes. São Paulo: Perspectiva, 29, p. 22-24, mar. 2000.
com/04_thinking/type/>. BRINGHURST, Robert. A 2003. FIGUEIREDO, José Luiz JURY, David. About face:
Acesso em: 24 jun. 2006. forma sólida da linguagem: Valero de. Tipografia & reviving the rules of typo- MALDONADO, Tomás. El
um ensaio sobre escrita e CARRIÓN, Ulises. The Poesia: a tipografia na graphy. Brighton: Rotovi- diseño industrial reconsi-
ARGAN, Giulio Carlo. Arte significado. Tradução de new art of making books. sintaxe da poesia visual sion, 2004. derado. 3. ed. Barcelona:
Moderna. São Paulo: Com- Juliana A. Saad. São Paulo: Disponível em: <http:// impressa no Brasil. 2003. Gustavo Gili, 1993.
panhia das Letras, 1992. Rosari, 2006. www.artpool.hu/bookwork/ 227 f. Tese (Doutorado em KHOURI, Omar. De olho na
Carrion.html>. Acesso em: Comunicação e Poéticas poesia. Revista da FACOM- MANDEL, Ladislas. Escri-
ASSOCIAÇÃO DOS DESIG- CAMPOS, Augusto de. 25 mai. 2006. Visuais)–Faculdade de FAAP, São Paulo, v. 8, p. tas: espelho dos homens e
NERS GRÁFICOS. O Viva Vaia – poesia Arquitetura, Artes e Comu- 36-37, 2000. das sociedades. Tradução
Gráfico Amador, vanguar- 1949–1979. 3. ed. Cotia: CHRISTIN, Anne-Marie. nicação, UNESP, Bauru, de Constância Egrejas.
da da moderna tipografia Ateliê Ediorial, 2001. L’image écrite: ou la 2003. _______. Revistas na era São Paulo: Rosari, 2006.
brasileira: catálogo de déraison graphique. Paris: pós-verso. Cotia: Ateliê
exposição. São Paulo, Flammarion, 2001. Editorial, 2003.
2001. 32p.

114 115
MARTÍN-BARBERO, Jesús. PERROTTA, Isabella. Tipos RISÉRIO, Antonio. Ensaio outras referências Type Culture: digital type Pág 27 . Ilustração debate
Dos meios às mediações: e Grafias. Rio de Janeiro: sobre o texto poético em consultadas foundry and academic Saussure x Bringhurst:
comunicação, cultura e Viana & Mosley, 2005. contexto digital. Salvador: Art History Club. Biografia resource. Disponível em: Mariana Eller Caetano.
hegemonia. Tradução de Fundação Casa de Jorge de El Lissitzky e imagens <http://www.typeculture. Foto Saussure: Dispo-
Ronald Polito e Sérgio Alci- PIGNATARI, Décio. Contra- Amado; COPENE, 1998. do livro Dlia Golosa. com>. Acesso em: 16 jun. nível em: < http://www.
des. 4. ed. Rio de Janeiro: comunicação. 3. ed. Cotia: Disponível em: <http:// 2006. phillwebb.net/History/
Editora UFPR, 2006. Ateilê Editorial, 2004. SANTAELLA, Lúcia. A teo- www.arthistoryclub.com/ TwentiethCentury/
ria geral dos signos: como art_history/El_Lissitzky>. University of North London. Continental/(Post)Structuralisms/
MATTELART, Armand; _______. Informação. Lin- as linguagens significam as Acesso em: 10 abr. 2006. Photocomposition: general Structuralism/Saussure/
MATTELART, Michèle. guagem. Comunicação. 25. coisas. São Paulo: Pioneira history. Documento sobre a Saussure.htm>. Acesso
Histórias das teorias da ed. Cotia: Ateliê Editorial, Thomson Learning, 2004. Hamilton Wood Type história da fotocomposição. em: 11 dez. 2007.
comunicação. Tradução de 2003. Museum. Museu on- Disponível em: <http:// Foto Bringhurst: Foto de
Luiz Paulo Rouanet. 9. ed. SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, line. Disponível em: learning.north.londonmet. Isaias Loaiza, publicada
São Paulo: Loyola, 2006. _______. Semiótica e Li­ Winfried. Imagem: cogni- <http://www.woodtype. ac.uk/epoc/eplt3.htm>. no Flickr. Disponível em:
teratura. 6. ed. Cotia: Ateliê ção, semiótica, mídia. 3. org/museum_information_ Acesso em: 24 jun. 2006. <http://www.flickr.com>.
McLUHAN, Marshall. Os Editorial, 2004. ed. São Paulo: Iluminuras, about.shtml>. Acesso em: Acesso em: 11 dez. 2007.
meios de comunicação 2001. 16 jun. 2006. referências
como extensões do homem _______. Poesia pois é po- iconográficas Pág 28 . Ilustração cadeia
(understanding media). esia. Cotia: Ateliê Editorial; SARTORI, Giovanni. Homo HfG Archive Ulm. Arquivo Pág 19 . Poema Ovo: Digi- de signos: Mariana Eller
Tradução de Décio Pig- Campinas: Unicamp, 2004. videns: televisão e pós- on-line da Escola Supe- talcraft.org. Disponível em: Caetano.
natari. 20. ed. São Paulo: pensamento. Tradução de rior da Forma de Ulm < http://www.digitalcraft.
Cultrix, 2005. PINTO, Luis Ângelo; Antonio Angonese. Bauru: - Alemanha. Disponível em: org/iloveyou/poetry.htm>. Pág 30 . Ilustração Mo-
PIGNATARI, Décio. Nova EDUSC, 2001. <http://www.hfg-archiv. Acesso em: 25 jan. 2008. dernMantra: Portfolio de
MARQUES, Maria Eduarda. linguagem, nova poesia. In: ulm.de/english/>. Acesso Thomas Broomé. Disponível
Mira Schendel. São Paulo: CAMPOS, Augusto; CAM- SULLIVAN, Louis. The tall em: 14 mar. 2007. Pág 21 . Graffito chinês: em: < http://thomas-
Cosac Naify, 2001. POS, Haroldo; PIGNATARI, office building artistically Foto de Colin Stevenson, broome.se/work.htm>.
Décio. Teoria da poesia considered. Lippincott’s Howard Schickler Fine Art. publicada no Flickr. Dis- Acesso em: 04 jan. 2008.
MELO, Chico Homem de. concreta: textos críticos e Magazine, 1896. Disponível Imagens do livro Dlia Golo- ponível em: <http://www. Ilustração rótulos: Mariana
Os desafios do designer & manifestos 1950 – 1960. em: <http://academics. sa e outros livros raros da flickr.com>. Acesso em: 10 Eller Caetano.
outros textos sobre design 4. ed. Cotia: Ateliê Editorial, triton.edu/faculty/ vanguarda russa (1913– jan. 2008.
gráfico. São Paulo: Rosari, 2006. p. 219-224. fheitzman/tallofficebuilding. 1923). Disponível em: Pág 32 . Poema SOL TO:
2003. html>. Acesso em: 20 ago. <http://www.schicklerart. Pág 23 . Tabuleta suméria: Arnaldo Antunes. Dispo-
PLAZA, Julio. Tradução 2007. com/exh/12_rare_books/ JEAN, Georges. Writing: nível em: < http://www.
MENEZES, Philadelpho. intersemiótica. São Paulo: contents.html>. Acesso the story of alphabets and arnaldoantunes.com.br/>.
Roteiro de Leitura: poesia Perspectiva; Brasília: THOMPSON, John B. A em: 10 abr. 2006. scripts. London: Thames Acesso em: 25 jan. 2008.
concreta e visual. São CNPq, 1987. mídia e a modernidade: and Hudson, 1992, p. 15.
Paulo: Ática, 1998. uma teoria social da mídia. Metal Type. Arquivo on-line Pág 34 . Poema Soneto do
POUND, Ezra. ABC da Tradução de Wagner Olivei- de fotos de equipamentos Pág 24 . Ilustração do cotidiano: ARTÉRIA: revista
MOLES, Abraham. O literatura. Tradução de ra Brandão. Petrópolis, RJ: tipográficos. Disponível em: poema Bicho Alfabeto: de poesias visuais. São
kitsch: a arte da felicidade. Augusto de Campos e José Vozes, 1998. <http://www.metaltype. Mariana Eller Caetano. Paulo: Nomuque Edições,
Tradução de Sérgio Mi­ce­li. Paulo Paes. 16 ed. São co.uk/photos/>. Acesso n. 7, 2° semestre 2004.
5. ed. São Paulo: Perspec- Paulo: Cultrix, 2003. WEINGART, Wolfgang. em: 24 jun. 2006.
tiva, 2001. Como se pode fazer tipo- Pág 35 . Poema Clichetes:
RANCIÈRE, Jacques. A grafia suíça? Tradução de Museu de Arte Moderna Light & Dust Anthology
PAZ, Octavio. Signos em partilha do sensível: estéti- Pedro Maia Soares. São Aloísio Magalhães. Biogra- of Poetry. Disponível
rotação. Tradução de Sebas- ca e política. Tradução de Paulo: Rosari, 2004. fia do designer. Disponível em: < http://www.thing.
tião Uchoa Leite. 2. ed. São Mônica Costa Netto. São em: <http://www.mamam. net/~grist/l&d/menzes/
Paulo: Perspectiva, 1976. Paulo: EXO Experimental; WOLLNER, Alexandre. art.br/mam_apresentacao/ lmenez1.htm>. Acesso em
Editora 34, 2005. Design Visual 50 Anos. São aloisio.htm>. Acesso em 10 25 jan. 2008.
PERLOFF, Marjorie. O Paulo: Cosac Naify, 2003. abr. 2006.
momento futurista: avant- RESTANY, Pierre. Le livre
garde, avant-guerre, e rouge de la revolution _______. Textos recentes
a linguagem da ruptura. picturale. Milão: Apollinai- e escritos históricos. São
Tradução de Sebastião re, 1968. Paulo: Rosari, 2002.
Uchoa Leite. São Paulo:
Edusp, 1993.

116 117
Pág 37 . Ideogramas Pág 47 . Capa do livro Pág 63 . Ilustração paisa- Pág 82 . Ilustração ícones- Pág 92 . Kitsch shop: Pág 103 . Poster
chineses: HSUAN-AN, Parole in libertá: Ibidem. gem publicitária: Mariana botões: Mariana Eller ilustração de Mariana Eller Maiakovski: Página de
Tai. Ideogramas e a cultura Eller Caetano, com fotos de Caetano. Caetano com fotos: Vladimir Mayakovsky no
chinesa. São Paulo: É Rea- Pág 48 . Páginas do livro Fernando Adams. Pantufas Dr. Freud, potes Wikipedia. Disponível
lizações Editora, 2006, Parole in libertá: Ibidem. Pág 83 . Poema Biscoitos de molhos, despertador- em: <http://en.wikipedia.
p. 42-43. Pág 64 . Ilustração tipos finos: Poesia na mira. mesquita e telefone-boca: org/wiki/Image:Plakat_
Pág 49 . Caligrama metálicos: Mariana Eller Disponível em: <http:// The kitsch u like, loja mayakowski_gross.jpg>.
Pág 38 . Poema Chuva: Chapeau: Disponível em: Caetano. www.nomuque.net/ virtual. Disponível em: Acesso em: 30 jan. 2008.
KHOURI, Omar (Org.). <www.peinturefle.ovh. poesianamira/index.html>. <http://www.kitschulike. Poster de Lissitzky:
Não Muito, Mas Muito: da org/activite/calligram.htm>. Pág 65 . Foto bandeja ti- Acesso em: 02 fev. 2008. com/>. Acesso em: 26 Página de El Lissitzky no
poesia segundo o século Acesso em: 25 jan. 2008. pográfica: Arquivo do AIGA jan. 2008. Broche Mona Wikipedia. Op. cit. Acesso
XX. São Paulo: Nomuque Caligrama La tour DC, publicado no Flickr. Pág 85 . Tv e video-clip: Lisa: Etsy, loja virtual. em: 30 jan. 2008.
Edições, 1983. Conjunto Eiffel: Disponível em: Disponível em: <http:// montagem de Mariana Disponível em: <http://
de pranchas, serigrafias <http://www.arikah. www.flickr.com>. Acesso Eller Caetano com foto: www.etsy.com/view_listing. Pág 104 . Páginas do livro
coloridas. Exemplar do net/enciclopedia-espanola/ em: 10 mai. 2007. I feel numb. Disponível php?listing_id=9323328>. Dlia Golosa: Art History
organizador. Guillaume_Apollinaire>. em: <http://www. Acesso em: 03 fev. 2008. Club. Disponível em:
Acesso em: 25 jan. 2008. Pág 66 . Ilustração tipos thecobrasnose.com/ Guarda-chuva Magritte: <http://www.arthistoryclub.
Pág 40 . Ilustração cartão Caligrama Long Tail metálicos: Mariana Eller xxmusic/numb.html>. Loja virtual do Art Institute com/art_history/El_
de visita do cavaleiro: Tale: PIGNATARI, Décio. Caetano, com foto de Kai- Acesso em: 04 fev. 2008. of Chicago. Disponível Lissitzky>. Acesso em: 10
Mariana Eller Caetano. Semiótica e Li­teratura. 6. ra, publicada no Flickr. em: <http://www. abr. 2006.
ed. Cotia: Ateliê Editorial, Disponível em: <http:// Pág 86-87 . Ilustração artinstituteshop.org/>.
Pág 41 . Logotipo Havaia- 2004, p. 104. www.flickr.com>. Acesso lojinha de bairro x mega Acesso em: 03 fev. 2008. Pág 105 . Foto de João
nas: Brands of the world. em: 10 mai. 2007. shopping center: Mariana Cabral de Melo Neto:
Banco de logotipos on-line. Pág 51 . Poema Terra: Eller Caetano. Pág 94 . Poemas Vigor e Nordeste Web. Disponível
Disponível em: <http:// PIGNATARI, Décio. Poesia Pág 69 . Ilustração família Tenaz: OLIVEIRA, Daniele em: <http://www.nordes-
www.brandsoftheworld. pois é poesia. Cotia: tipográfica: Mariana Eller Pág 89 . Foto aparelho Gomes de. Tenaz. 2007. 1 teweb.com/not07_0907/
com>. Acesso em: 27 Ateliê Editorial; Campinas: Caetano. de som descartado. Foto gravura, xilo., color., 35 cm ne_not_20070827b.htm>.
fev. 2007. Logotipo IBM: Unicamp, 2004, p. 126. de Jacob Whittaker, série x 51 cm. Coleção particular. Acesso em: 30 jan. 2008.
Logotypes.ru. Banco de Poema Vai e vem: Pág 70 . Tybrid: Portfólio Stray Machines, publicada _______. Vigor. 2007. 1 Foto de Aloísio Magalhães:
logotipos on-line. Dispo- MENEZES, Philadelpho. de Oded Ezer. Disponível no Flickr. Disponível em: gravura, xilo., color., 35 cm Forum de Design Gráfico.
nível em: <http://www. Roteiro de Leitura: poesia em: <http://www.odedezer. <http://www.flickr.com>. x 51 cm. Coleção particular. Disponível em: <http://
logotypes.ru>. Acesso em: concreta e visual. São com/Tybrid.html>. Acesso Acesso em: 04 fev. 2008. www.designgrafico.art.
27 fev. 2007. Poema Beijo: Paulo: Ática, 1998, p. 99. em: 05 fev. 2008. Pág 101 . Blocos de montar: br/site/2007/11/05/dia-na-
ARTÉRIA: op. cit. Pág 91 . Ilustração de SOZ design. Disponível cional-do-design-por-moni-
Pág 57 . Ilustração Pág 74 . Poema Cage: Raymond Loewy: Museu em: <http://www.soz.jp/ ca-fuchschuber/>. Acesso
Pág 42 . Poema Código: multiplicação de objetos: KHOURI, Omar. Visualidade: de Raymond Loewy. en_index/en_index.html>. em: 30 jan. 2008.
CAMPOS, Augusto de. Mariana Eller Caetano. característica predominante Disponível em: <http:// Acesso em: 04 fev. 2008.
Viva Vaia – poesia 1949– na poesia da era pós-verso. www.raymondloewy.com/ Pág 106 . Símbolo OGA:
1979. 3. ed. Cotia: Ateliê Pág 58 . Logotipo da Revista da FACOM-FAAP, about/loewy.html>. Acesso Pág 102 . Foto de ASSOCIAÇÃO DOS DESIG-
Editorial, 2001, p. 209. Bauhaus: DROSTE, São Paulo, v. 9, p. 22-27, 2º em: 04. fev. 2008. Maiakovski disponível em: NERS GRÁFICOS. O
Poema Diálogo: ARTÉRIA, Magdalena. Bauhaus semestre de 2001. Automóvel Studebaker: <http://www.apropucsp. Gráfico Amador, vanguarda
op. cit. 1919-1933. Tradução Casa Foto de Bill Scott, org.br/revista/rcc01_r10. da moderna tipografia brasi-
das Línguas, Lda. Köln: Pág 76 . Ilustração infográ- publicada no Flickr. htm>. Acesso em: 30 jan. leira: catálogo de exposição.
Pág 45 . Páginas do livro Taschen, 2006, p. 34. fica: Estúdio Triworks. Dis- Disponível em: <http:// 2008. Foto de Lissitzky: São Paulo, 2001. 32p.
Un coup de dés: Blog de ponível em: <http://www. www.flickr.com>. Acesso Página de El Lissitzky no
Étienne Mineur, Professor Pág 60 . Gravura de triworks.net/triworks2007/ em: 04 fev. 2008. Wikipedia. Disponível em: Pág 107 . Páginas do
de artes visuais, França. Gutenberg: Virtuellen triworks2007_pt/default. <http://en.wikipedia.org/ livro Aniki Bobó: LIMA,
Disponível em: < http:// Museum der Wissenschaft. htm>. Acesso em: 05 fev. wiki/Image:El_Lissitzky_ Guilherme Cunha. O Gráfico
www.my-os.net/blog>. Disponível em: <www. 2008. self_portrait_1914.jpg>. Amador: as origens da mo-
Acesso em: 25 jan. 2008. amuseum.de/ medizin/ Acesso em: 30 jan. 2008. derna tipografia brasileira.
gutenberg.jpg>. Acesso em Rio de Janeiro: Editora
22 maio. 2007. UFRJ, 1997.

118 119
Pág 108 . Foto Décio
Pignatari: Portal Uni-
camp. Disponível em:
<http://www.unicamp.
br/unicamp/unicamp_hoje/
ju/maio2007/ju357pag05.
html>. Acesso em: 30
jan. 2008. Foto Alexandre
Wollner: Design Brasil. Dis-
ponível em: <http://www.
designbrasil.org.br/portal/
almanaque/enciclopedia.
jhtml?indice=W>. Acesso
em: 30 jan. 2008.
Símbolo e peças gráficas
da Equipesca: WOLLNER,
Alexandre. Design Visual
50 Anos. São Paulo: Cosac
Naify, 2003, p. 176.

Pág 109 . Símbolo Prob-


jeto: WOLLNER, op. cit.,
p. 166.

Pág 110 . Anúncio cadeiras


linha Dinamarquesa,
Probjeto: WOLLNER, op.
cit., p. 168. Foto cadeira
Dinamarquesa disponível
em: <http://www.ddc.
dk/images/pressebilleder/
moma_pressebilleder/AJ_
3107.jpg>. Acesso em: 05
fev. 2008.

120
Projeto gráfico, ilustrações
e tratamento de imagens:
Mariana Eller Caetano

 tipografia utilizada
A
para as colunas de texto
principais foi a Chaparral,
projetada por Carol Twom-
bly em 1997.

Os textos-satélites, títulos e
notas de rodapé foram com-
postos na tipografia Trade
Gothic, desenhada por
Jackson Burke em 1948.

O papel utilizado no miolo


do livro é o Reciclato
90g/m2, feito pela Suzano.

São Paulo . 2008

Você também pode gostar