Você está na página 1de 5

 

Rio de Janeiro, 16 de maio de 2021.


Universidade de Brasília
Departamento de Filosofia
Aluno – Carlos Eduardo Silva Barbedo.
Matrícula – 12/0190877.
Professora – Gabriela Lafetá Borges.
Disciplina – Filosofia Francesa Contemporânea.
Ensaio – Livro “La plasticidade en el atardecer de la escritura”, de Catherine Malabou.
Capítulo – “Fantástico y filosofia: Lévinas”.

Fantástico y filosofia: Lévinas

Catherine Malabou, em sua obra “La plasticidade en el atardecer de la escritura”,


dá início ao capítulo intitulado “Fantástico y filosofia: Lévinas”, destacando que a segunda
fonte do “fantástico” filosófico lhe provém do pensamento de Lévinas. A primeira fonte,
constante do capítulo anterior, é concernente à obra de Hegel.
Ela salienta que Lévinas começa a categoria do fantástico a partir de suas raízes
estritamente estéticas, de caráter poético, novelesco, cinematográfico... para, em seguida,
atribuir-lhe uma dimensão ontológica.
Assim, por um lado, a Pensadora Francesa inicialmente delimita a perspectiva
filosófica que servirá de eixo de orientação para a sua abordagem. E, por outro lado, lança
luzes sobre determinados aspectos do pensamento de Lévinas, ressaltando que, no trecho
de seu interesse, ele perpassa dois diferentes campos da Filosofia.
O Filósofo Lituano, segundo a crítica apresentada por Malabou, primeiramente
desenvolve uma teoria da sensibilidade – fala sobre impressões e conceitos relacionados a
obras de arte. E, em seguida, encaminha sua reflexão para uma análise da essência das
coisas em si mesmas.
Malabou aponta que o fantástico designa, dentro desse contexto, o aparecimento
da diferença ontológica na realidade ou, se preferir, o aparecimento da imagem da
diferença no real, nas coisas mesmas. E explica que, no desenvolvimento dessa
perspectiva, Lévinas traduz os termos característicos de diferença ontológica – ser e ente –
em “existir”, “existência” ou “existente”. O “fantástico” aparece, precisamente, quando se
produz uma dissociação entre o “existir” e o “existente”.
Ela destaca, dentro desse contexto, uma conceituação do existir como uma espécie
de fundo de presença sem estatuto ôntico que, em determinado sentido, nos preocupa
apenas pelo horror que provoca: “como se o existente aparecesse inserido em uma

  1  
existência que o precede, ou seja, como se a existência fosse independente do existente, e o
existente, que é sobre ela lançado, nunca poderia se tornar dono da existência.
Faz-se oportuno sublinhar, nesse ponto, que o significado da palavra “ôntico” faz
alusão à existência concreta, àquilo que se faz perceptível no mundo. Malabou destaca que
existe uma perspectiva que considera a vigência, ou ainda a prevalência, de uma existência
preliminar que se estabelece como uma espécie de cenário, ou um pano de fundo, sobre o
qual são projetadas as existências particulares.
A Filósofa destaca que, dentro dessa perspectiva proposta por Lévinas, as
existências particulares nunca são, em verdade, donas do próprio existir, mas constituem
projeções sobre uma existência mais ampla que as acolhe.
Nesse sentido, Malabou passa a criticar uma composição filosófica que, em
determinada medida, relaciona a existência com um fenômeno similar às sombras
projetadas no fundo da Caverna de Platão. E, por outro lado, passa a estabelecer um
diálogo com Kierkegaard, o Filósofo Existencialista Dinamarquês que rompeu com a
posição tradicional de negatividade, defendendo que a morte e a angústia são condições
necessárias da vida humana, sem as quais o indivíduo não poderia ser quem realmente é.
Malabou sublinha que, quando o existir é mostrado separado do existente, então o
se produz o assustador – o horrível. Lévinas, em relação a isso, diz o seguinte:
“imaginemos o retorno ao nada de todas as coisas, à dimensão em que não sobrou nada e
somente há o existir”.
A ausência de todas as coisas traduz, por outro lado, uma determinada presença,
qual seja: o lugar em que tudo se afundou, a dimensão em que existe uma plenitude do
vazio, o lugar em que se verifica uma atmosfera densa e o murmúrio do silêncio. Lévinas,
nessa descrição, parece se reportar à segunda sentença filosófica da tradição ocidental,
proferida por Anaximandro de Mileto, que buscou superar a sentença de seu mestre, Tales
de Mileto, quando declarou que “tudo é água”.
Vale clarificar que, naquele tempo, os esforços de abstração filosófica buscavam
definir qual seria o elemento que daria sustentação ao princípio da unidade que, por sua
vez, traduzia uma intuição.
Anaximandro, dentro daquele cenário e em face do que o seu Professor, Tales de
Mileto, havia declarado, decidiu definir a sua própria máxima filosófica. Haja vista não
considerar adequado eleger um dos quatro elementos – a água – como substrato dos
demais, declarou que o uno está no não manifesto, na dimensão do inexistente.

  2  
Nesse sentido, a sentença de Anaximandro de Mileto diz o seguinte: “a partir
donde as coisas têm a sua gênese, para lá elas devem também perecer, segundo a
necessidade; pois, elas têm de pagar a pena e serem julgadas pelas suas injustiças, segundo
a ordem do tempo”.
Assim, Anaximandro formulou uma sentença de natureza filosófica negativista – a
primeira da História do Pensamento Ocidental. E passou a advertir, pelas ruas de Mileto,
que as ambições e os esnobismos das pessoas não tinham sentido, na medida em que o seu
viver traduzia uma relação permanente e inexorável com o seu lento processo de morrer.
Afinal, conforme ele explicava, a existência constitui uma agonizante relação
entre os opostos, estabelecida em função do equilíbrio e da justiça, na ordem do tempo. O
sonoro está em eterna luta contra o inaudível, a luz contra a escuridão, a vida contra a
morte, e assim por diante.
Levinas diz, em relação a esse desgaste constante entre os opostos, que se trata de
uma lei irremissível, ou seja, infalível, imperativa, que não se pode evitar. E essa lei cria
um efeito de alucinação.
Dentro desse contexto, o verbo “haver”, no sentido de “existir”, entra em cena
com uma imagem pura não ôntica, ou seja, não concreta do ser. O propriamente fantástico
é a reverberação dessa imagem do ente, que cria essa atmosfera estranha, essa
hipervigilância, esse murmúrio incessante.
Lévinas escreve, em sua obra “Da existência ao existente”, o seguinte: “o espaço
noturno nos liberta para ser”. E é do horror das trevas que as coisas “desenham seu caráter
fantástico”.
O existir e o existente, convertidos em estranhos um para o outro, deixam
aparecer, paradoxalmente, a comunidade dessa mesma estranheza em uma carne, em uma
matéria, em uma imagem fantástica que entra em uma habitação e adota a forma de um
móvel, torna-se um tapete ou uma lâmpada. Essas aparições, fundo obscuro da existência,
têm lugar, na maioria das vezes, no pôr do sol.
Essas análises do pôr do sol e de sua fantasmagoria são fundamentais e permitem
definir o objeto da filosofia de maneira radicalmente nova, como objeto do imaginário.
Esse objeto resulta ser, ele mesmo, o efeito poderosamente alucinatório de seu fenômeno.
Somente é possível se desfazer do horror do “haver” por meio do entalhe da
transcendência, ato e afirmação da existência singular por meio do qual o existente pode
romper com o fundo permanente do existir.

  3  
O fantástico é, para Levinas, absolutamente solúvel na transcendência. A
alteridade do existente em relação à existência pode lhe dar um fim. Em Heidegger, pelo
contrário, o fantástico reside, precisamente, na impossibilidade de se escapar do “fundo”.
Malabou salienta que Heidegger não é um pensador da transcendência, sendo esse um
ponto importante para se compreender a sua filosofia, que reivindica, precisamente, a
existência de uma alteridade sem uma dimensão exterior.
Heidegger não identifica essa alteridade apontada por Lévinas. Não há, em seu
pensamento, "outra coisa senão ser", ou seja, não existe um além da essência. As
fronteiras do ser não podem ser transgredidas.
Mas essa ausência do além que, em Lévinas motiva a mudança, não implica, na
perspectiva heideggeriana, a ausência de alteridade, não implica a redução do outro ao
mesmo.
Heidegger, portanto, não partilha essa visão de Lévinas que identifica, na vigência
das coisas ou, em outras palavras, na manifestação de tudo o que há no mundo, uma
relação agonizante com o processo do próprio desaparecimento, ou seja, o flerte com a
própria morte, com o próprio retorno ao nada. Não existe, para Heidegger, esse
encaminhamento sutil e doloroso de retorno para a dimensão do vazio de onde todas as
coisas saem e para a qual devem retornar inexoravelmente.
Nesse sentido, Heidegger diz que nunca acreditou em uma alteridade de pura
dissimetria, ou de radical oposição. Só acredita em uma alteridade articulada, vinculada
àquilo do que é alteridade. A alteridade pode ser, portanto, deslocada, mas sempre estará
formada.
Assim, as fronteiras do ser, segundo a perspectiva do Pensador Alemão, não são
passíveis de transgressão. Fazer a experiência de algo, seja uma coisa, ou um homem ou
mesmo um deus, significa dizer que nos advém, que nos alcança, que nos envolve ou que
cai sobre nós, uma metamorfose.
Malabou destaca, em sua obra “Le Change Heidegger”, que se opõe a certas
afirmações do Pensador Alemão, por exemplo, quando ele diz que se a transcendência tem
algum sentido, é apenas o de significar o fato de que o acontecimento do ser – a sua
essência - passa a um outro ser. E que “você não pode pensar na essência de outra maneira,
você só pode pensar além da essência”.
O problema do “outro ser” reside justamente na modalidade da passagem, na
metamorfose que o leva a ser outro com a mesma essência. Heidegger não explica como se
pode ir de “ser” a “outra forma de ser”.

  4  
Ela pergunta se Heidegger está fazendo alusão a um simples cruzar, a uma
migração, a uma metamorfose. E acrescenta uma crítica a Lévinas, dizendo que ele
permanece em silêncio em relação a esse ponto, como se a sua perspectiva em relação ao
Outro – e esse Outro se escreve com letra maiúscula – resolvesse toda a questão. Como se
a revelação da fragilidade do Outro bastasse para assegurar a conversão ou a transformação
ética do olhar e a transgressão da ontologia. Como se não houvesse nenhuma negociação,
nenhuma conversão para deixar a horrível imanência, a fantástica hipóstase, ou seja, da
realidade permanente, concreta e fundamental... da substância.
Para Heidegger, o que conta é, precisamente, a mediação metamórfica e
migratória que, conforme Malabou sublinha, também é um remédio para a ausência
daquilo que está fora da existência, sem o qual o outro não poderia se dar jamais.
Vale observar, por outro lado, que a crítica de Malabou identifica o pensamento
de Heidegger muito próximo do mobilismo de Heráclito de Éfeso, cuja teoria do devir
destaca que tudo muda constantemente. Ele dizia um homem não pode entrar duas vezes
no mesmo rio porque ambos terão se transformado com a passagem do instante da primeira
imersão.
Ela destaca que, em Heidegger, não há alteridade, mas somente a mudança que a
alteridade possibilita. Não somente porque “mudar” significa “converter-se em outro” ou
“ser de outro modo”, mas também porque a alteridade somente pode se impor,
fundamentalmente, por seu poder de transformação. A transformação é a origem da
alteridade.
Dentro desse contexto crítico em relação a Heidegger e Lévinas, em determinado
momento, Malabou destaca que Heidegger menciona um aforismo de Nietzsche “se esse
pensamento exercesse seu domínio sobre você como você é, ele o metamorfosearia, talvez
o esmagasse”. E depois acrescenta que Lévinas não faz nenhuma menção a esse assunto.
A crítica de Malabou faz sentido, na medida em que, se o Lévinas está falando
sobre uma perspectiva tão próxima de Anaximandro de Mileto, quando fala do retorno à
dimensão do não manifesto, ele também deveria falar sobre a teoria ou a lei espiritual da
reencarnação. Entretanto, o Filósofo não faz alusão a esse tema.

Referência Bibliográfica

-   MALABOU, Catherine. La plasticidade en el atardecer de la escritura. Castellón:


Ellago Ediciones, 2008.

  5  

Você também pode gostar